a triangulação das culturas: interdependências e...

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A triangulação das culturas: interdependências e desdobramentos 1 . Jean Felipe Rossato 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Resumo: Este texto objetiva refletir sobre a interdependência da cultura, cultura organizacional, cultura do entorno, nas práticas organizacionais, destacando suas tensões, sobreposições e desdobramentos. Entendidas como “teias de significados”, a cultura organizacional tem na comunicação seu principal processo de (re)construção, (des)organização e atualização. Tensionada por uma trama complexa de forças, a cultura organizacional é, constantemente, desestabilizada pelas demais culturas dos sujeitos, quando em interação com a organização. Com um olhar às dimensões simbólicas (significados), propomos a necessidade de pensar os tensionamentos da triangulação interdependente das culturas nas práticas organizacionais. Palavras-chaves: comunicação organizacional, cultura, cultura organizacional, cultura do entorno, significados. Introdução De qual cultura organizacional estamos falando? Essa é uma pergunta recorrente nos estudos organizacionais, devido a sua diversidade de abordagens e às dificuldades de pensar a complexidade desse conceito. Originada em meados dos anos 30, a cultura organizacional foi (e é provável que, em alguns casos, ainda seja) empregada como concreta, unívoca, espiritual, reproduzida e disseminada por imposição, justificando determinados comportamentos, regulando certas condutas e delineando as práticas organizacionais. Seus artefatos culturais (crenças, mitos, hábitos, costumes), eram tomados como verdades absolutas, inquestionáveis e imutavéis. Entretanto, com a configuração atual das organizações, dos sujeitos e da sociedade, essa conceituação tende a se complexificar, assumindo, cada vez mais, um caráter dinâmico, flexível, contraditório e aleatório, tecida em conjunto pelos diferentes sujeitos em interação. Com uma abordagem simbólica, compreendemos a cultura, a partir de Geertz (2008) que a configura como uma “teia de significados”, (re)tecida por relações de comunicação pelos diversos sujeitos 3 que, tensionados por seus repertórios 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos em Comunicação Institucional e Organizacional do IV SIPECOM - Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação 2 Mestrando em Comunicação e Informação, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação/PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS, e-mail: [email protected] 3 Reconhecemos as diferenças conceituais no emprego das palavras interlocutores, atores, indivíduos, públicos e sujeitos. Porém, neste trabalho, recorremos a elas com o sentido de sujeito ativo, fragmentado, complexo, contraditório, carregado por repertórios simbólicos (cultura, imaginário, paradigmas) de suas experiências e vivências anteriores, construtor dos processos sociais, dos significados e da sociedade.

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A triangulação das culturas: interdependências e desdobramentos1.

Jean Felipe Rossato2

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS

Resumo: Este texto objetiva refletir sobre a interdependência da cultura, cultura

organizacional, cultura do entorno, nas práticas organizacionais, destacando suas

tensões, sobreposições e desdobramentos. Entendidas como “teias de significados”, a

cultura organizacional tem na comunicação seu principal processo de (re)construção,

(des)organização e atualização. Tensionada por uma trama complexa de forças, a

cultura organizacional é, constantemente, desestabilizada pelas demais culturas dos

sujeitos, quando em interação com a organização. Com um olhar às dimensões

simbólicas (significados), propomos a necessidade de pensar os tensionamentos da

triangulação interdependente das culturas nas práticas organizacionais.

Palavras-chaves: comunicação organizacional, cultura, cultura organizacional, cultura

do entorno, significados.

Introdução

De qual cultura organizacional estamos falando? Essa é uma pergunta recorrente

nos estudos organizacionais, devido a sua diversidade de abordagens e às dificuldades

de pensar a complexidade desse conceito. Originada em meados dos anos 30, a cultura

organizacional foi (e é provável que, em alguns casos, ainda seja) empregada como

concreta, unívoca, espiritual, reproduzida e disseminada por imposição, justificando

determinados comportamentos, regulando certas condutas e delineando as práticas

organizacionais. Seus artefatos culturais (crenças, mitos, hábitos, costumes), eram

tomados como verdades absolutas, inquestionáveis e imutavéis. Entretanto, com a

configuração atual das organizações, dos sujeitos e da sociedade, essa conceituação

tende a se complexificar, assumindo, cada vez mais, um caráter dinâmico, flexível,

contraditório e aleatório, tecida em conjunto pelos diferentes sujeitos em interação.

Com uma abordagem simbólica, compreendemos a cultura, a partir de Geertz

(2008) que a configura como uma “teia de significados”, (re)tecida por relações de

comunicação pelos diversos sujeitos3 que, tensionados por seus repertórios

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Estudos em Comunicação Institucional e Organizacional do IV

SIPECOM - Seminário Internacional de Pesquisa em Comunicação 2 Mestrando em Comunicação e Informação, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e

Informação/PPGCOM da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/UFRGS, e-mail: [email protected] 3 Reconhecemos as diferenças conceituais no emprego das palavras interlocutores, atores, indivíduos, públicos e

sujeitos. Porém, neste trabalho, recorremos a elas com o sentido de sujeito ativo, fragmentado, complexo,

contraditório, carregado por repertórios simbólicos (cultura, imaginário, paradigmas) de suas experiências e vivências

anteriores, construtor dos processos sociais, dos significados e da sociedade.

socioculturais (emaranhado de outras culturas, imaginários, experiências e forças),

(re)constroem, (des)estabilizam e (des)organizam os significados da cultura, prendendo-

se a ela e sendo por ela modificados. Configura-se, assim, em um contínuo processo de

tecer (construir narrativas, regras, normas e valores) e ser tecido pela cultura (aceitá-la,

empregá-la, praticá-la e reproduzi-la).

Restringindo a sua noção (todo) ao âmbito da organização, podemos pensá-la

como uma subcultura dentro de um todo, estabelecida pelos diversos dos sujeitos que,

de alguma forma e em algum nível, interagem com a organização. Compreendida como

uma rede simbólica, ela articula e sobrepõe uma diversidade de outros significados

próprios dos sujeitos que, através da ação comunicacional, disputam, tecem e atualizam

os significados da organização (BALDISSERA, 2008).

Por exigir esse caráter relacional, é provável que a cultura da organização seja

constantemente tensionada por uma diversidade de forças (sujeitos, contexto e da

sociedade) que movimentam os seus significados estáveis, impulsionando mudanças e

desdobramentos que se materializarão em alguns comportamentos e práticas

organizacionais. Com esse olhar, propomos refletir sobre a interdependência da cultura,

da cultura organizacional e da cultura do entorno, nas práticas da organização,

destacando suas tensões, desdobramentos, sobreposições e atomizações. Para tanto,

nossa reflexão, sustenta-se, na perspectiva simbólica, a partir dos estudos de Geertz

(2008), dialogando com a noção de cultura organizacional elucidada, principalmente,

por Marchiori (2008) e Baldissera (2008). Articulando a triangulação cultural no

(re)tecer dos significados, apresentamos alguns desdobramentos práticos decorrentes

desses tensionamentos.

Por uma concepção simbólica de cultura: a arte de tecer e ser tecido

Conforme exposto, pensar a noção de cultura é considerar um trama complexa

de concepções contraditórias e diversas, que são continuamente (re)discutidas por

diferentes campos teóricos. Dentre as muitas abordagens, esse conceito retoma, em seu

princípio epistemológico, a noção de natureza, tendo a ideia de “lavoura” e/ou “cultivo

agrícola” um de seus primeiros significados (EAGLETON, 2005). Com o

desenvolvimento de novas pesquisas, são atribuídas a ela noções divergentes e

ambíguas, como a arte de ser culto (exercício do cérebro, limitada a poucos intelectuais)

ou mesmo como sinônimo de civilização (ser racional) (THOMPSON, 1999).

Assim, se, de início, a cultura denotava um processo essencialmente material, de

cultivo agrícola e ação humana, com o tempo, ela desdobra-se em questões do espírito e

do simbólico, atribuindo ao ser humano capacidades de (re)construí-la e reproduzi-la,

devido a sua predisposição para raciocinar, autorrefletir e, principalmente, de

comunicar-se com os seus semelhantes (EAGLETON, 2005).

Com um olhar aos seus desdobramentos conceituais, elucidamos, brevemente, a

partir de Thompson (1999), quatro abordagens4 sobre os usos da cultura durante a

história: 1- concepção clássica de cultura (séc. XIII e XIX) - vinculada a corrente

filosófica alemã, essa noção referia-se ao desenvolvimento espiritual e psicológico,

vinculado, principalmente, pela assimilação de conhecimentos artísticos e acadêmicos;

2- concepção descritiva de cultura (séc. XIX) - reporta-se a “um variado conjunto de

valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas, característicos de uma

sociedade específica ou de um período histórico” (idem, p.166). Por essa proposta o

sujeito é fortemente dependente do seu contexto, sendo, exclusivamente, resultado do

seu entorno; 3- concepção simbólica de cultura - rompendo com a lógica vigente, essa

abordagem direciona seu interesse aos simbolismos (significados), tendo como aporte

metodológico a interpretação da ação simbólica, originada na interação social

(comunicação). Essa concepção se sustenta nos pressupostos teóricos do antropólogo

estadunidense Clifford Geetz; 4- concepção estrutural de cultura, definida por

Thompson (1999) - essa noção elucida a análise cultural

como o estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos e

expressões significativas de vários tipos - em relação a contextos e

processos historicamente específicos e socialmente estruturados

dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são

produzidas, transmitidas e recebidas (idem, p. 181).

Constituídas por relações de poder assimétricas, essas formas simbólicas são

tensionadas pelos usos e movimentos interpretativos dos sujeitos, articuladas aos

contextos estruturados em que são produzidas. Nesse sentido, apesar de algumas críticas

e apontamentos realizados por Thompson (1999) ao estudo de Geertz5, assumimos,

4 Salientamos que não apresentaremos, neste texto, as muitas abordagens/definições da cultura. Para

aprofundamentos sobre essa ideia, ver Eagleton (2005). 5 Importa dizer que, apesar de não ser tão enfatizado na obra de Geertz (2008), entendemos que a noção de cultura

explorada pelo autor tem considerado os contextos, as estruturas, os processos históricos e os tensionamentos

(disputas - relações de poder) decorrentes dessas construções simbólicas, já que, sua abordagem parte de uma

perspectiva semiótica (BALDISSERA, 2008).

neste trabalho, a concepção de cultura desse último autor, não desconsiderando as

observações de Thompson (1999), retomando-as quando se fizerem necessárias.

Partindo de uma perspectiva semiótica, Geertz (2008, p.14) elucida que “o

homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”, sendo a

cultura essas teias de significado e suas análises. Concebe-se, assim, que a cultura

presume a ideia de relação/interação, através da qual os sujeitos constroem seus

significados que, posteriormente, ao se cristalizarem provisoriamente como cultura,

tendem a se exercerem sobre eles. Desse modo, ao interagirem com outros

interlocutores, os indivíduos são tensionados por seus repertórios socioculturais

passados (experiências, crenças, conhecimentos), os quais guiam e atribuem sentido aos

gestos e ações do outro. Nessa relação, que, em suma, é de comunicação, os indivíduos

instituem significados que (re)tecem e (des)organizam a cultura, ressignificando-a.

Com esse olhar, Geertz (2008) afirma que não devemos estudar a cultura como

“uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à

procura de significados” (idem, p.14). A análise dos significados da cultura não está na

materialidade visível-descritiva dos rituais, mitos e histórias, mas na dimensão

interpretativa-intencional de determinado ato, na busca da causa, da motivação, da

finalidade e do porquê de tais fenômenos. Por isso, o autor sugere que dificilmente

conseguiremos compreender o real significado por trás de tal atitude, já que essas

práticas envolvem uma diversidade de forças inerentes ao sujeito (psicológica,

imaginária, cognitiva) de difícil apreensão (GEERTZ, 2008). Dessa forma, toda

investigação cultural será uma interpretação de segunda ou terceira ordem, devido às

lentes e filtros próprios do pesquisador (crenças e experiências).

Thompson (1999), ao pensar a construção/ação geradora dos significados que

ocorrem na interação, afirma que as formas simbólicas (termo utilizado por ele para

referir-se a uma noção similar a de significado) são sempre expressões intencionais com

objetivos específicos, dirigidas de um sujeito a outro. Tais formas simbólicas envolvem

algumas regras e códigos de aplicação para sua construção e sua interpretação, uma

espécie de linguagem, compreensível/cognoscível a ambos interlocutores e que já estão

convencionadas a priori6. Elas exibem uma estrutura articulada em que cada elemento

6 Essas regras e convenções constituem “parte do conhecimento tácito que os indivíduos empregam no curso de suas

vidas cotidianas, criando, constantemente, expressões significativas e dando sentido às expressões criadas por

outros”. De modo geral, elas são aplicadas em situações práticas para produção e interpretação das formas simbólicas,

o que não significa que os indivíduos estejam sempre conscientes dessas regras. Esse processo envolve princípios de

codificação e decodificação o que não significa que as regras utilizadas na interpretação serão similar a da produção

das formas simbólicas (THOMPSON, 1999, p.186).

se coloca em relação um com o outro, representando algo externo que está inserido e

formatado em um contexto específico. Nesse sentido, “as formas simbólicas estão,

contínua e criativamente, implicadas na constituição das relações sociais”, sendo

construídas e reproduzidas por essas mesmas relações (THOMPSON, 1999, p.78).

Evidenciamos, assim, que a cultura não existe por si, a priori, ela só existe na

relação dos sujeitos em situações de comunicação, não sendo de domínio de um ou

outro indivíduo, mas construída coletivamente através dos significados que, tomados

como verdades, materializam-se, posteriormente, em rituais, regras e outras narrativas

que guiam e condicionam os sujeitos nas suas ações diárias. Ao movimentar os

significados da cultura, os indivíduos estão, de certo modo, condicionados por seus

significados prévios - que também são cultura -, decorrentes de suas experiências,

socializações e interações anteriores.

Pensando nessas construções e práticas culturais dos indivíduos, Fleury (2009)

sugere que os significados dos sujeitos são moldados por diversas socializações e

influências culturais, devido aos espaços familiares (primeiras socializações/relação

precoce com a cultura), a educação escolar (reforça a cultura e suas desigualdades), a

comunidade e, de modo geral, a sociedade. Para o autor, o indivíduo, em diferentes

momentos, interioriza comportamentos e valores que serão significativos às ações e

interpretações futuras. Baseando-se nessas formas simbólicas, os sujeitos guiarão suas

práticas e interpretarão os fatos no mundo. Para Morin (2011b, p.30) há um “imprinting

cultural” que marca os seres humanos desde seu nascimento. Ele instaura-se no cérebro

“desde a mais tenra infância pela estabilização seletiva das sinapses, inscrições iniciais

que marcarão irreversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e agir”,

determinando uma desatenção seletiva a tudo que não estiver de acordo com as crenças

e concepções do indivíduo. Entretanto, esses determinismos não se dão por completo,

pois o sujeito possui certas autonomias que possibilitam sua subversão, mobilização,

libertação e ruptura, impossibilitando que a cultura se cristalize e morra. É na existência

de vida cultural e intelectual dialógica, na multiplicidade de confrontos e trocas de

ideias e na possibilidade de desvios, que os dogmas, as doutrinas e as normatizações

enfraquecem, possibilitando ao sujeito construir, movimentar e inovar a cultura

(MORIN, 2011b).

Importa dizer que assumir a concepção simbólica de cultura é reconhecer sua

interdependência com o processo de comunicação na constituição, atualização e/ou

movimentação de seus significados, já que é por esse ato que a cultura não se torna

apenas reprodução (BALDISSERA, 2008). Ressaltamos que, apesar dos significados da

cultura serem disputados/construídos na ação conjunta, os processos interpretativos se

darão na particularidade de cada sujeito, o que pode (e é provável que sim) resultar em

diferentes noções de cultura.

Portanto, tomando a cultura como “teia de significados” (GEERTZ, 2008),

reconhecemos seu caráter mutável, dinâmico e contraditório, originada pelas disputas e

tensionamentos entre os diferentes sujeitos-força que, em comunicação, movimentam

aleatoriamente seus significados da cultura. Entendendo a cultura da sociedade como o

todo, compreendemos a cultura organizacional como uma de suas subculturas,

constituindo-se como parte desse todo.

Cultura organizacional: tensões e atravessamentos

Entendidas como sistemas abertos, as organizações configuram-se como

“resultados provisórios (mudam permanentemente) da interação dos diferentes sujeitos-

força” que, tensionadas pelo entorno sociocultural, são tanto construtoras, quanto

construídas pelo ecossistema (BALDISSERA, 2009a, p.144). É notável que,

atravessadas pela sociedade, as organizações estão constantemente perturbadas e

entrelaçadas por um emaranhado de outras culturas, decorrentes dos indivíduos, dos

grupos, das comunidades e das instituições que com ela se relacionam.

Nessa perspectiva, pode-se inferir que a cultura organizacional é composta por

elementos simbólicos de outras culturas, bem como é presente, de algum modo, e, em

algum nível, na cultura da sociedade e no entorno sociocultural. Sinalizamos, assim,

uma interdependência entre culturas (da organização, da sociedade e do entorno) que,

atuando conjuntamente, sofrem mútuas afetações, através dos diversos tensionamentos e

atravessamentos que são concretizados pelos processos interativos dos sujeitos.

Com essa abordagem, consideramos a cultura organizacional como uma rede

simbólica que associa uma diversidade de elementos-forças (significados simbólicos)

próprios dos sujeitos que efetuaram/efetuam alguma relação com a organização. Assim,

ao colocar-se em interação – ação comunicacional (construção de significados) -, o

sujeito é tensionado por uma diversidade de elementos-força (simbolismos, imaginários,

psique, paradigmas, crenças) de seus grupos socioculturais, os quais fundamentam suas

visões e interpretações sobre os significados ofertados pela organização e sobre a ação

presente. Há, assim, um tensionamento entre os significados dos sujeitos e da

organização, o que incita movimentos aleatórios de aceitação, sobreposição, negação,

refração e exclusão dos significados das culturas. É possível que, em diferentes níveis e

formas, os indivíduos aceitem a cultura organizacional, prendam-se a ela e reproduzam-

na, ou, até mesmo, subvertam-na, neguem-na e/ou rejeitem-na. Portanto, apesar de

aparentar certa estabilidade e coesão, a cultura da organização assenta-se

constantemente sobre a tensão, a resistência, o movimento, a contradição e a

(des)ordem, tendo, os interlocutores, papéis ativos e centrais em sua (re)construção

(BALDISSERA, 2008).

Concebe-se, então, que o sujeito (neste caso, o funcionário) não é impregnado

passivamente pela cultura organizacional, como insistem algumas abordagens

positivistas/funcionalistas7. Mesmo com a evidente multiplicidade, fluidez e contradição

dos significados organizacionais, percebe-se, ainda, a necessidade de muitas

organizações apresentarem sua cultura como única, concreta e absoluta, uma realidade

em si, resultado de um consenso harmonioso, envolvendo e enquadrando todos os

indivíduos em uma única cultura instituída, hegemônica e soberana. Parece haver certa

necessidade das organizações, em suas práticas, negarem qualquer possibilidade de

incerteza, conflito, risco e transformação em seus significados (FREITAS, 2007). É

provável que ainda haja uma visão negativa por parte dos gestores organizacionais da

ideia de conflito (diálogo), o que reduz a noção de cultura organizacional a princípios,

normas e valores absolutos e fechados.

A cultura entendida, neste trabalho, é (re)tecida em conjunto8, através de

processos comunicacionais que, articulados a elementos (in)conscientes, perturbam os

significados dos sujeitos, guiam suas ações e desestabilizam os significados da

organização (BALDISSERA, 2008) . É na pluralidade e na diversidade das ações

comunicacionais que os significados da cultura são formados, movimentados, ajustados

e rechaçados. É na/pela comunicação que é tecida a “teia de significados” e é por esse

mesmo processo que os sujeitos tendem a assimilá-la e a reproduzi-la.

Observando esses tensionamentos entre organização e sujeitos (funcionários),

Baldissera (2008) ilustra quatro situações que podem vir acontecer nessa relação: 1-

7 Freitas (2007) retoma o funcionalismo para referir-se a perspectiva direta, estática, fechada das práticas

organizacionais, negando qualquer possibilidade de desvios e incertezas, assentando a cultura em uma natureza mais

determinística, mecanicista e linear. Hoje percebemos um momento de transição de uma perspectiva normativa para

uma abordagem mais flexiva que, a nosso olhar, já é bastante presente, porém desconhecida nas práticas de algumas

organizações. 8 O autor ao utilizar-se dessa noção, retoma a ideia de “complexus: o que é tecido junto” defendida por Morin (2011a,

p.13).

identificação: o sujeito se reconhece na cultura e tende a aceitá-la; 2- cooptação: se

reconhece parcialmente, ou não se reconhece, mas tende a aceitá-la por necessidades de

outra ordem (econômica e psicológica); 3- representação: não se reconhece ou se

reconhece parcialmente, mas busca conhecer a gramática da cultura e procura

interpretar/representar um papel condizente (aceitável) a situação; 4- enfrentamento: o

sujeito não se reconhece, não consegue se ajustar e nem se esforça para tal; isso tende a

ocasionar o desligamento e/ou demissão do indivíduo.

Evidencia-se, então, que esses processos de negociação de significados entre

organização e indivíduos, configuram-se em um movimento constante de

ordem/desordem, construção/reconstrução, abertura/fechamento, estando os significados

da cultura em permanentes disputas pelos interlocutores da ação. Disputas em que se

estabelecem como relações de poder9, visto que, conforme Foucault (2012), toda relação

pressupõem disputas de força e, portanto, poder. Permeando toda a esfera capilar da

organizacional, esse poder ora se materializa mais sobre um, ora sobre outro sujeito,

movimentando-se de forma assimétrica em ambos.

Esses sujeitos, em interação (comunicação) com a organização ou mesmo com

outros interlocutores, tendem a propor significados que desejam ver

instituídos/assimilados no/pelo outro. Instaura-se, assim, uma luta constante por

reconhecimento, legitimação e aceitação. Os significados da cultura organizacional, por

sua vez, não são diferentes. Entretanto, em âmbito organizacional, é provável que

alguns sujeitos – por suas posições na estrutura administrativa - possuam um capital

simbólico superior aos demais e, assim, consigam exercer mais poder simbólico

(BOURDIEU, 2012) sobre os outros, fazendo com que seus significados sejam

facilmente aceitos pelo outro. É o caso, por exemplo, dos líderes e gestores executivos.

Nesse sentido, Schein (2009)10

propõe que, de início, é possível que a cultura

origine-se da/na relação de seus membros fundadores (líderes, presidentes), a partir de

suas visões e concepções. Tratados como idealizadores e visionários, esses líderes, em

geral, são legitimados e reconhecidos pelos demais como detentores de um capital

simbólico, fazendo com que influenciem e consigam imprimir os seus significados

9 Para Foucault (2012) todas as relações são relações de poder. Segundo o filósofo, o poder não é algo material que se

possa possuir, não está localizado em nenhum lugar, ele está permeando todas as práticas sociais. Pela perspectiva

foucaultiana, o poder não é só negativo, mas positivo, capaz de produzir e acumular saber. 10

Reconhecemos em Schein (2009) importantes contribuições no detalhamento, identificação e aprofundamento da

cultura organizacional. Entretanto, sua perspectiva possui algumas limitações (determinista, normativista,

funcionalista), por isso utilizamo-nos de algumas de suas contribuições, porém a noção de cultura aceita, neste

trabalho, busca tomá-la em um todo complexo, envolvendo e aceitando as disputas, contradições e tensões que se

apresentam em âmbito organizacional.

como sendo os da organização. Isso não quer dizer que haja uma imposição nos

significados construídos, tampouco que os instituídos se reduzam apenas as influências

dos gestores. O que é perceptível ao longo do tempo é que, com a participação de novos

sujeitos e, por conseguinte, com novos tensionamentos e interações, é bem provável que

a influência dessas lideranças sejam amenizadas e atenuadas. Quanto mais à

organização for atravessada pelo entorno sociocultural, menores serão as influências de

seus gestores nos significados da cultura (FREITAS, 2007). Por isso, a “teia de

significados” da organização não deve ser pensada como produto de uma imposição

interna de alguns sujeitos legitimados, mas como resultado da interdependência e do

tensionamento das culturas do sujeito, do entorno e da sociedade.

Importa reiterar que a comunicação é o fator potencial que interliga esses

diferentes elementos simbólicos, tanto na construção como na negociação dos

significados. É notório que toda cultura requer a comunicação para acontecer, bem

como toda comunicação é constituída por elementos culturais. Com esse olhar, é

necessário que as organizações promovam espaços de interlocução, de diálogo e de

conflitos de opiniões, pois são nesses processos que a cultura é construída, reproduzida

e renovada. É preciso “correr riscos para poder gerar mudanças e crescimento” em

âmbito organizacional. É possível ainda que esses conflitos e disputas sejam recorrentes

nas organizações, por isso a gestão administrativa não deve reprimi-los, mas reconhecê-

los e estimulá-los (MARCHIORI, 2008, p. 129).

Contudo, o que visualizamos, frequentemente, nas organizações são reproduções

simbólicas (significados provisoriamente estáveis) que, através da comunicação

organizacional (neste caso, a partir de uma fala oficial e planejada), ofertam

informações, representações e simbolismos sobre si que objetivam interferir e direcionar

as interpretações dos sujeitos (outro). Possivelmente, com o tempo, esses elementos

simbólicos, configurem, consciente e inconscientemente, os repertórios dos indivíduos

em relação à organização, potencializando determinados significados sobre ela. Práticas

como ritos, símbolos, mitos, crenças e histórias, são materializações da cultura que

tendem a influenciar os indivíduos, bem como articular aproximações de aceitação e

confirmação da cultura organizacional.

Esses artefatos culturais11

(SCHEIN, 2009) são empregados para propor

determinados sentidos aos sujeitos, mascarando e estimulando comportamentos

11 Schein (2009) sugere que a cultura organizacional acontece em três níveis: os artefatos (elementos visíveis de uma

organização, regras, comportamentos, arquitetura); os valores (regras e normas que condicionam o comportamento

idealizados pela organização. Podemos observar, brevemente, essas práticas através de

dois exemplos: 1) mito do herói: fazendo referência ao líder fundador, essa narrativa

retoma as dificuldades, o sofrimento e a necessidade do trabalho contínuo e árduo para

tornar-se um “grande líder” – conquistar sucesso. Isso estimula o sujeito a trabalhar

intensamente e ser merecedor de tal posição. Outra materialidade da cultura são os 2)

rituais de passagem (processos seletivos) que instituem e reforçam práticas hierárquicas

e posicionam o “lugar” do funcionário “novato” nas atividades organizacionais.

Conforme Freitas (1999) essas abordagens exploram as dimensões subjetivas dos

indivíduos, estimulando a identificação, reconhecimento, idealização, aceitação e o

vínculo com a organização, bem como impulsionando sentimentos de angústia, medo,

exigência e ambição do sujeito consigo mesmo12

.

Como podemos visualizar, portanto, a cultura organizacional ultrapassa a esfera

da organização, seus membros, suas estruturas e formas, sendo atravessada por uma

diversidade de forças simbólicas, de diversas ordens e âmbitos, que organizam e

desorganizam seus significados. Com um olhar as sobreposições, tensões e

cruzamentos, faz-se necessário pensar a interdependência entre as culturas, visualizando

prováveis implicações e desdobramentos nas práticas organizacionais.

A triangulação das culturas nas práticas organizacionais

Interligadas a um contexto sociocultural, as organizações tem, cotidianamente,

seus significados culturais desestabilizados, devido aos diversos relacionamentos

estabelecidos com o entorno e com a sociedade. Por isso, os seus significados

ultrapassam as dimensões geográficas da organização (seus líderes e funcionários),

devendo ser observada em sua completude e complexidade.

Com essa visão, supomos que a cultura organizacional se realiza em um triplo

movimento interligado de culturas (sociedade-entorno-organização) que, associadas à

comunicação, desestabilizam, continuamente, de alguma forma e em algum nível, os

seus significados. Importa dizer que essas três culturas encontram-se tramadas umas as

outras, sendo tanto constituintes quanto constituídas pelas demais. É válido, nesse

dos membros da organização) e pressupostos básicos (como o grupo pensa e percebe – são verdades instituídas,

invisíveis e inconscientes). 12 Explorando variáveis psíquicas, as organizações geram expectativas sobre o sujeito – o escolhido no processo

seletivo – sugerindo que, a partir de sua efetivação, terá de trabalhar como merecedor da escolha. Isso gera um

sentimento de cobrança, angústia e expectativa do sujeito consigo mesmo, impulsionando-o ao trabalho. Para

aprofundamentos sobre a cultura organizacional e elementos psíquicos, ver FREITAS (1999, 2007).

sentido, atentarmos que algumas sobreposições, contradições e desdobramentos nos

significados podem vir a acontecer, decorrentes da triangulação cultural e, desses

abalos, é possível que certas práticas organizacionais sejam redimensionadas, ajustadas

e redesenhadas.

Observando alguns desdobramentos organizacionais, resultantes desses

tensionamentos, podemos supor que ao se relacionarem com o entorno sociocultural, as

organizações vivenciam uma desestabilização/perturbação em seus significados, já que

à medida que exercem/impõem sua cultura no entorno, são, do mesmo modo,

desestabilizadas pelas forças dele. Em suma, o primeiro movimento tende a ser de

resistência, rejeição e contradição em relação à organização, a depender, sobretudo, da

situação, da cultura, das necessidades e dos valores dos sujeitos locais.

Nesse sentido, podemos observar algumas práticas recorrentes e necessárias (ou

não) nos atravessamentos e associações com o entorno: 1) aproximação por lideranças:

é o emprego de membros e lideranças da comunidade que, desempenhando papéis

específicos e “estratégicos” no local, procuram enfraquecer as forças e resistências da

comunidade. Configurando-se como porta-vozes, esses sujeitos apresentam à cultura

local benefícios, vantagens e informações que, consciente e inconscientemente, vão

habituando/modelando o repertório simbólico dos indivíduos sobre a organização,

buscando, assim, propor significados ideais que sejam aceitos e reproduzidos pela

comunidade; 2) aproximação por expectativas: é a investigação de elementos culturais

locais pelas organizações que, com o objetivo de atenuar as resistências do entorno,

buscam conhecer e compreender as lógicas e estruturas simbólicas de determinado povo

antes mesmo da organização se instalar no novo contexto. A partir disso, de acordo com

Freitas (2007), são desenhadas estruturas, mensagens, padrões, práticas que,

explicitamente ou não, retomam as expectativas e a realidade local, objetivando seu

reconhecimento e aprovação. Esse processo é visível, em geral, em organizações

multinacionais, em seus processos de implantação de novas unidades em regiões

socioculturais diferentes de sua matriz administrativa; 3) aproximação por

espelhamentos: já instaladas no contexto, as organizações utilizam-se da produção de

mensagens publicitárias que, com a intenção de adentrar aquele espaço sociocultural,

agregam as suas comunicações, elementos identitários e culturais do local, objetivando

o espelhamento e a identificação com os indivíduos e, por conseguinte, sua aceitação e

acolhimento. Pensando nessas articulações entre as culturas, podemos afirmar que as

transformações tendem a serem significativas nas práticas organizacionais, desde

adequações linguísticas até estruturais, administrativas e gerenciais.

Desse modo, se em seus primeiros anos, os significados da organização são

fortemente influenciados pelos sujeitos do entorno sociocultural. Essa força tende a se

inverter, à medida que a organização passa a ser legitimada, institucionalizada e

autorizada a empregar suas atividades em determinado espaço (BALDISSERA, 2009b).

Essa interferência nos significados da cultura dos sujeitos será maior quanto mais

capital e poder simbólico13

(BOURDIEU, 2012) a organização exercer sobre o entorno.

Reconhecendo e admirando as práticas organizacionais, os indivíduos (neste caso, como

membros da organização), procuram reproduzir a cultura para além dos espaços de

trabalho, replicando-as em suas casas e na comunidade (BALDISSERA, 2009b). Isso é

visível quando, imbuídos dos valores de “qualidade total” desenvolvidos na

organização, os sujeitos transferem-nos, inconscientemente, para suas atividades

domésticas. Desse modo, além de integrá-la, o sujeito-funcionário é potencializador de

sua disseminação e afirmação.

Por outro lado, além dos embates com o entorno, é provável que, conhecendo as

potencialidades locais, as organizações instalem-se em determinados espaços

socioculturais visando aproveitar e explorar os significados naturalizados em

determinada cultura. Como exemplo, podemos pensar nas fábricas japonesas que,

radicadas em uma cultura do trabalho, reconhecem nesses sujeitos a possibilidade de

maior produção e menor revolta e resistências às práticas organizacionais. É notável

ainda, práticas semelhantes em cidades interioranas do Brasil com reduzida população14

onde a noção de trabalho duro e robusto ainda paira sobre a cultura e o imaginário15

(MAFFESOLI, 2001) local, discriminando os sujeitos que se opuserem a essa lógica e

realizarem atividades fora da normalidade cultural, como: pintor de obras de arte,

escritor e músicos, profissões que são alvos de preconceito – ideia de não trabalho.

13 Conforme Bourdieu (2012, p. 7-8) o poder simbólico é “esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a

cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercer”. Presente na própria

estrutura do campo, na relação determinada entre os que exercem e os que estão submetidos, o poder simbólico se

efetiva no/sobre o sujeito/organização à medida que é reconhecido pelos outros interlocutores como detentor de tal

capital simbólico, autorizado a manifestar-se sobre certo assunto e/ou a agir de determinado modo (idem). 14 Práticas dessa ordem são visíveis em regiões ao sul do Brasil, constituídas, essencialmente, por descendentes

alemães e italianos. Para ilustrar, podemos observar empresas frigoríficas da região oeste de Santa Catarina que

articulando suas práticas a cultura local, submetem seus funcionários a jornadas maçantes de trabalho em troca de

recompensas e benefícios, legitimados por elementos culturais que reforçam essa noção de trabalho. Não excluímos a

possibilidade de revolta e resistência por parte dos funcionários, o que é bem provável que aconteça, porém com

forças limitadas em decorrência da repressão da comunidade. 15 Sendo da ordem do coletivo, o imaginário é potencializador do vínculo social e responsável por provocar

sentimentos de pertencimento e coesão nos grupos sociais, fomentando percepções e comportamentos. Articulada a

cultura, o imaginário é “a aura que a ultrapassa e alimenta”, possibilitando sua renovação (MAFFESOLI, 2001, p.74).

Assim como o entorno, a cultura da sociedade também é tensionadora da

organização, pois inerente aos sujeitos, ela potencializa determinados comportamentos e

significados aceitos socialmente. Em muitos casos, a organização reflete elementos

simbólicos da sociedade e tende a ser constantemente transformada por ela. Mudanças

culturais na sociedade afetam diretamente as práticas organizacionais. Isso é visível,

atualmente, pelas dificuldades de algumas organizações estabelecerem relações com

este novo sujeito – de vínculos frágeis, ativo, resistente, com rápida satisfação de

desejos, motivado por uma diversidade de fatores e com possibilidade de visibilidade -

ou mesmo em compreender a lógica econômica (fluidez do tempo e do espaço), social

(virtualização das relações) e cultural (hibridismos).

Um exemplo que tem (re)dimensionado a cultura organizacional é a permanente

tensão com esse novo sujeito (em especial, os jovens) que possui significados culturais

diferentes dos quais as organizações estavam acostumadas. Uma das grandes

dificuldades é a manutenção de seus vínculos empregatícios, visto que habituados a

vínculos duradouros e permanentes, as organizações não necessitavam de diversos

empreendimentos para manter o trabalho e a motivação dos funcionários. Entretanto,

hoje, esses vínculos tornam-se frágeis, instáveis e momentâneos, facilmente desligados

e (re)dimensionados, decorrentes dessa nova cultura/noção do trabalho. O sujeito

começa, cada vez mais, a ser preocupado com sua satisfação pessoal e não apenas

financeira. Em detrimento disso, as organizações que antes eram estáticas, fechadas e

concretas estão tendo seus significados culturais abalados, exigindo adequações e

transformações, desde flexibilizações hierárquicas, práticas motivacionais, humanização

das atividades organizacionais, dentre outras.

Podemos sugerir, portanto, que é impossível pensar a cultura organizacional sem

a interligação da triangulação cultural, pois só há possibilidade de cultura

organizacional pela sobreposição, associação e negação – hibridismos - dos diversos

significados culturais dos sujeitos. Inferimos, ainda, que desconsiderar essas forças e

tensões culturais do entorno tendem a ocasionar rejeição, negação e exclusão da

organização, afetando suas relações de troca e, em alguns casos, causando a sua morte –

falência e fechamento.

Considerações

Ao refletirmos sobre os tensionamentos das culturas (sociedade-organização-

entorno) nas práticas organizacionais, propomos evidenciar os diversos atravessamentos

que alteram e transformam a cultura organizacional, bem como modificam suas

posturas, seus comportamentos e suas atitudes. Nessa perspectiva, realçamos a

necessidade das organizações promoverem espaços de diálogos entre os diferentes

sujeitos-força, aceitando os enfrentamentos, as disputas e a negociação de significados

entre eles, pois como podemos observar, a cultura constitui-se como resultado dessa

multiplicidade de tensões e disputas culturais decorrentes dos sujeitos que se relacionam

com a organização.

É necessário, dessa forma, pensarmos a cultura organizacional em sua

triangulação interdependente de culturas, tendo seus significados integrados,

interligados, sobrepostos, repelidos, aceitos e negados a cada processo comunicacional.

Assim, apesar de reproduzir certa estabilidade, reforçamos que a cultura organizacional

é da qualidade do semovente, sendo constantemente regenerada, (des)estabilizada,

(des)organizada e ressignificada. Conforme exposto, negar esses diversos

tensionamentos, perturbações, sobreposições e atomizações na cultura organizacional,

tende a provocar exclusão e falência da organização, pois a impossibilidade de disputas

e comunicação ocasiona a estagnação e a cristalização da cultura organizacional.

Dito isso, realçamos a importância das organizações aceitarem os movimentos,

as contradições, os conflitos e as incertezas acerca de seus significados culturais,

reconhecendo nos processos comunicacionais a possibilidade de renovação, inovação,

atualização e criação de novos significados culturais que se concretizarão/exigirão

novos comportamentos, posturas e práticas. Ao final, importa dizer ainda que nosso

objetivo com o texto não é trazer uma conclusão definitiva, tampouco, apreendermos os

diversos atravessamentos que constituem a cultura organizacional, mas atentarmos à

necessidade de pensarmos a cultura da organização em sua triangulação cultural,

elucidando o seu caráter dinâmico, contraditório e complementar.

Sugerimos, portanto, que é importante pensarmos a cultura organizacional em

sua interligação e interdependência cultural, aceitando e compreendendo as

potencialidades e tensões com as mais diversas culturas, procurando em seus encontros

e desencontros a possibilidade de construção, manifestação, inovação e reafirmação dos

significados culturais.

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