o garantismo penal entre a proibiÇÃo de excesso … · após um breve paralelo entre o direito...

110
AJURIS ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA O GARANTISMO PENAL ENTRE A PROIBIÇÃO DE EXCESSO E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA MAIAJA FRANKEN DE FREITAS Nível III ORIENTADOR DR. INGO WOLFGANG SARLET Porto Alegre, 30 de Outubro de 2006.

Upload: ngonhu

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

AJURIS

ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA

CURSO DE PREPARAÇÃO À MAGISTRATURA

O GARANTISMO PENAL ENTRE A PROIBIÇÃO DE

EXCESSO E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA

MAIAJA FRANKEN DE FREITAS

Nível III

ORIENTADOR DR. INGO WOLFGANG SARLET

Porto Alegre, 30 de Outubro de 2006.

MAIAJA FRANKEN DE FREITAS

O GARANTISMO PENAL ENTRE A PROIBIÇÃO DE

EXCESSO E A PROIBIÇÃO DE INSUFICIÊNCIA

Monografia realizada em atendimento a

requisito para obtenção do grau em

cumprimento ao 3º. nível do Curso de

Preparação a Magistratura, sob a

orientação do Prof Dr. Ingo Wolfgang

Sarlet.

Porto Alegre

2006

Agradeço a Deus....

Agradeço a meus Pais, pelo apoio,amor e força....

Agradeço a minha amiga Manuela, pelo aporte que só uma amizade sincera é capaz de conceder....

Danke Schön Herr Sarlet, pelos ensinamentos, pela atenção, paciência e pelo tempo

despendido para a orientação do presente estudo!

SUMÁRIO

Introdução..... .......................................................................................................................071. Direito Penal e Garantismo Penal no Estado Democrático de Direito..............................10

1.1 O Estado Democrático de Direito e sua base principiológica.....................................111.1.1 Do Estado Ditatorial ao Estado de Direito – breve incursão histórica...............13 1.1.2. Limitação à atuação estatal nesse novo modelo de Estado...............................20

1.2. Os fundamentos do garantismo penal em Ferrajoli e a Teoria Jurídica da validade e da efetividade........................................................................................................................29 1.3. A ligação entre os assuntos trabalhados até o momento..........................................34

2. Considerações sobre o princípio da proporcionalidade....................................................36 2.1 Noções preliminares sobre a trajetória histórica do princípio...................................40 2.1.1 Evolução histórica do princípio no Direito Norte-Americano.........................42

2.1.2 Evolução histórica do princípio no Direito Germânico – do surgimento aos dias atuais..............................................................................................................................46 2.2. Distinção entre proporcionalidade e razoabilidade.................................................53 2.3 Princípio da proporcionalidade e sua dupla dimensão – proibição de excesso e proibição de insuficiência.....................................................................................................59

2.3.1 O que significa um “garantismo positivo”.......................................................612.3.2 Entre proibição de excesso e proibição de insuficiência..................................64

3. Proposta para aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de insuficiência na casuística penal...........................................................................................72 3.1. Reincidência – notas introdutórias...........................................................................74 3.2. Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ao reconhecimento da agravante da reincidência......................................................................................................77

3.2.1 Aspectos trabalhados pela doutrina..................................................................783.2.2 Posicionamentos jurisprudenciais acerca da inaplicabilidade da reincidência –

julgados da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.........................................................................................................................................85 3.3 Proposta de uma terceira via para a fundamentação e aplicação da agravante da reincidência...........................................................................................................................89 3.4. À guisa de finalização............................................................................................97

Conclusão............................................................................................................................102

Referências bibliográficas...................................................................................................105

RESUMO

O presente trabalho consiste no estudo da evolução do direito penal sob o impacto do

direito constitucional. Após um breve paralelo entre o direito penal vigente durante a

ditadura militar (no Brasil) e o período pós 1988 – ou seja, após o advento da Constituição

Federal de 1988. Nessa perspectiva, faz-se uma menção especial ao papel dos direitos

fundamentais nesse atual modelo de Estado, bem como ao garantismo penal, tal como foi

estruturado por Luigi Ferrajoli, com foco no que o autor denomina de “teoria jurídica da

validade e da efetividade” das normas. A seguir, trabalha-se com o princípio da

proporcionalidade, diferenciando-se proporcionalidade de razoabilidade e explorando o

princípio da proporcionalidade na sua dupla dimensão como proibição de excesso e como

proibição de insuficiência. Por fim, analisa-se uma possibilidade de aplicação do princípio

da proporcionalidade em sua dupla ótica (proibição de excesso e proibição de insuficiência)

na casuística penal, à luz do exemplo da reincidência, com o objetivo de oferecer uma

“terceira via” no que diz com a aplicação de tal agravante, superando os extremos de uma

negação de qualquer relativização e da inconstitucionalidade em tese do instituto.

PALAVRAS – CHAVE: Direito Constitucional – Direito Penal – Direitos Fundamentais –

Princípio da Proporcionalidade – Proibição de excesso – Proibição de insuficiência –

Garantismo Penal Positivo.

Zusammenfassung

Die vorliegende Arbeit enthält eine Studie zur Entwicklung des Strafrechts unter dem

Einfluss des Verfassungsrechts. Nach einem kurzen Vergleich zwischen dem während der

Militärdiktatur geltenden brasilianischen Strafrecht und dem nach 1988 geltenden – das

heißt nach der Entstehung der Bundesverfassung von 1988 – , werden speziell die Aufgabe

der Grundrechte in diesem aktuellen Staatsmodell benannt und auch der Grundsatz der

Rechtstaatlichkeit wie er durch Luigi Ferrajoli entworfen wurde. Brennpunkt ist das, was

der Autor “teoria jurídica da validade e da efetividade” (Rechtstheorie zu Geltung und

Wirksamkeit) der Normen nennt. Im Folgenden wird der Verhältnismäßigkeitsgrundsatz

untersucht. Es wird Verhältnismäßigkeit von Zweckmäßigkeit differenziert und der

Grundsatz der Verhältnismäßigkeit in seiner zweifachen Interpretierbarkeit erörtert,

nämlich als Untermaßverbot und als Übermaßverbot. Abschließend wird die mögliche

Anwendbarkeit des Verhältnismäßigkeitsgrundsatzes in seiner doppelten Sichtweise

(Verbot des Übermaßes und des Untermaßes) im Strafrecht untersucht. Als Fallbeispiel

dient hier die Rückfälligkeit. Ziel ist es, bezüglich dieses strafverschärfenden Umstandes

einen „dritten Weg“ anzubieten, zwischen einer entweder kompletter Verneinung einer

Relativierung oder andererseits der Verfassungswidrigkeit dieser Norm.

Schlüsselbegriffe: Verfassungsrecht – Strafrecht – Grundrechte –

Verhältnismäßigkeitsgrundsatz – Übermaßverbot – Untermaßverbot – Grundsatz: Keine

Strafe ohne Gesetz

INTRODUÇÃO

A motivação para o presente estudo reside em algumas das problemáticas que

envolvem o direito penal na atualidade: o aumento da criminalidade, o sentimento de

impunidade por parte da população, e, a aderência por parte de alguns juristas brasileiros à

teoria do garantismo penal de Luigi Ferrajoli, sob o aspecto de garantia dos direitos

fundamentais apenas para aqueles submetidos ao crivo do judiciário, em detrimento dos

direitos dos demais componentes da sociedade.

No que tange ao último fator, tem-se percebido na práxis forense que a aplicação do

garantismo penal tem visado apenas àquilo que se denominará de “proibição de excesso” da

atuação estatal perante o indivíduo, sujeito passivo em um processo penal, sem conceder a

devida proteção a outra face, ou seja, sem a atenção à “proibição de insuficiência” da

atuação estatal perante todos os cidadãos. Nesse sentido, merece relevo a aplicação do

garantismo penal tendo-se em mente o princípio da proporcionalidade sob o aspecto da

proibição de excesso e sob o aspecto da proibição de insuficiência.

Utilizar-se-á como marco teórico a teoria dos direitos fundamentais, os quais

impõem ao Estado um limite à sua atuação excessiva e, de outra parte, impõem à ação

estatal um dever de proteção para seus cidadãos. Decorrência disso é o modelo atual de

Estado, abordado com mais vagar no primeiro capítulo, esclarecendo-se que nesse modelo

de Estado os direitos fundamentais constituem-se não só como limites, mas também como

base de toda a sua atuação. Com fundamento nisso, procurar-se-á demonstrar que o autor de

um delito deve ter seus direitos fundamentais garantidos, entrementes, não se pode esquecer

que também cada pessoa integrante da sociedade tem esse mesmo direito que parte,

basicamente, do respeito (também) aos seus direitos fundamentais enquanto pessoa

humana.

Demonstrar-se-á que, após a Constituição Federal de 1988, toda a legislação

existente no Brasil deverá ser interpretada com base nos preceitos contidos na Carta

constitucional, até mesmo porque o País, a partir de sua promulgação, entrará numa nova

fase, de observância e respeito aos direitos fundamentais, diferentemente do que ocorria até

então, em especial durante o regime militar.

Para poder traçar algumas considerações sobre aquilo que se denominará de

“garantismo positivo”, faz-se uma breve incursão na Teoria do Garantismo Penal

estratificada por Luigi Ferrajoli. Não se pretende esgotar a matéria no que diz a essa

influência na doutrina brasileira, mas demonstrar algumas questões da casuística penal para

detectar alguns tópicos que serão foco de considerações pontuais sobre a agravante da

reincidência no terceiro capítulo.

Ressalte-se, ainda, a importância da demonstração feita no segundo capítulo no que

atine ao princípio da proporcionalidade, em seu duplo viés, a fim de demonstrar que é

possível uma (re) leitura da legislação nacional a partir da Constituição Federal de 1988,

tendo-se em mente a necessidade: de limitar a atuação estatal (proibição de excesso) e,

também, de lembrar dos deveres de proteção do Estado para com seus cidadãos (proibição

de insuficiência).

O desenvolvimento do trabalho será fulcrado, basicamente, em pesquisas

bibliográficas e pesquisas jurisprudências, com o fito de demonstrar alguns

posicionamentos a respeito da agravante da reincidência, a qual será utilizada como

exemplo para uma possível aplicação da parte teórica do trabalho.

Dessa feita, o estudo iniciará enunciando a importância dos direitos fundamentais

no Estado Democrático de Direito, fazendo-se um breve apanhado sobre o direito penal no

Brasil durante o regime militar, e após a Constituição de 1988, traçando-se um paralelo

acerca de como era operada a questão no que diz à garantia e proteção dos direitos

fundamentais. No segundo capítulo, são traçadas linhas gerais sobre o princípio da

proporcionalidade, sua evolução, distinção com a razoabilidade, e a proposta de

proporcionalidade como proibição de excesso e proibição de insuficiência. Em seguida,

faz-se uma análise (ainda que prematura) da visão que se tem no Brasil a respeito da

agravante da reincidência, ao final propondo-se uma terceira via para sua fundamentação e

conseqüente aplicação no caso concreto.

1. DIREITO PENAL E GARANTISMO NO ESTADO

DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O desenvolvimento do Direito apresenta correlações nos graus de

desenvolvimento das diversas sociedades humanas, pois se constitui em reflexo das

condições sociais e culturais de determinada época. O direito origina-se do agrupamento

social, tendo nele a sua natureza, uma vez que surge pela necessidade de normas de conduta

para reger certo grupo social. Do tipo de sociedade depende a sua ordem jurídica, que tem

como escopo satisfazer suas necessidades, assegurar sua continuidade, resolver possíveis

conflitos, atingir suas metas e garantir a harmonia social1.

Assim, reveste-se de suma importância para a análise de qualquer fato da

atualidade, o estudo das suas origens históricas. Em virtude disso, bem como pela natureza

do presente trabalho, pretende-se abordar, inicialmente, a base principiológica do Estado

Democrático de Direito, modelo de Estado vigente no Brasil, fazendo-se um breve

contraponto com seu regime de Estado antecessor; e, de outra banda, abordando-se ainda

1 Ao trabalhar sobre o Direito nas sociedades primitivas, leciona Wolkmer: “Toda a cultura tem um aspecto normativo, cabendo-lhe delimitar a existencialidade de padrões, regras e valores que institucionalizam modelos de conduta. Cada sociedade esforça-se para assegurar uma determinada ordem social, instrumentalizando normas de regulamentação essenciais capazes de atuar como sistema eficaz de controle social”. WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 17

que prematuramente, a Teoria do Garantismo Penal, sistematizada modernamente pelo

doutrinador italiano Luigi Ferrajoli.

1.1 O Estado Democrático de Direito e sua base principiológica

Após anos vivendo “abaixo de normas” oriundas de um regime militar, havia a

necessidade, no Brasil, de se resgatar o princípio da dignidade da pessoa humana como

marco a orientar as relações em sociedade e o universo legislativo do país.

Conforme será deduzido adiante, após os anos regidos sob a égide do regime

militar, se fazia mister para o país uma legislação que contemplasse a evolução e os anseios

da sociedade após a libertação de sobredito regime. Como mudança paradigmática, tem-se

como a base de todo o sistema jurídico atual a dignidade da pessoa humana, que irradiará

seus valores para os demais campos e princípios a serem observados, além de ter sido ela

contemplada como fundamento do atual modelo de Estado Brasileiro.

Desse modo, ter-se-á no Estado Democrático de Direito um sistema de limitações

ao exercício do poder estatal, o qual leciona Cademartori: de um lado, tem como base a lei

e o princípio da legalidade e; de outro lado, a necessidade de observância ao conteúdo das

normas, das leis, não bastando somente essa, mas que ela contenha os valores da sociedade

em vigor, que atualmente residem basicamente nos direitos fundamentais, tendo, repise-se,

como núcleo nefrálgico a dignidade da pessoa humana2.

2 CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 170 et. seq.

A base principiológica desse sistema será, conseqüentemente, os direitos

humanos; alguns deles positivados na Constituição Federal de 1988, tornando-se dessa

forma direitos fundamentais, seja no rol do artigo 5o desse Diploma, seja em outros de seus

dispositivos, como, por exemplo, os direitos sociais constantes no artigo 6o também daquele

Diploma. Relativamente à importância dos direitos humanos nesse contexto, expõe Melgaré

que tais direitos exercem a função de uma mínima proteção para que o ser humano tenha

uma vida digna. Ainda nesse sentido, leciona o autor que,

Isso implica que toda e qualquer autoridade, todo e qualquer poder político têm a obrigatoriedade de os garantir e os adimplir. (...) Como uma proteção a um possível totalitarismo estatal. Todavia, não se esgotam aí os direitos humanos, eis que oponíveis e válidos também em relação aos demais integrantes do corpo social. Isso implica, primeiramente, limitar-se o poder do Estado para, a seguir, fortalecê-lo, a fim de garantir, concretamente, os direitos humanos.3

Ou seja, a base principiológica do Estado Democrático de Direito reside nos

direitos humanos, que originam os direitos fundamentais, constatada não só a importância

de garanti-los, mas também de torná-los efetivos, conforme demonstra a história recente da

humanidade4.

3 MELGARÉ, Plínio. Direitos humanos: uma perspectiva contemporânea – para além dos reducionismos tradicionais. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris. Ano XXIX, no88, Tomo I – Dez. 2002. p. 331/3324 Miranda, ao escrever sobre a situação do Estado no século XX expõe como “exemplo” o Estado

Totalitário, evidenciando o que se pode ter como afronta e desrespeito aos direitos humanos diante da atuação estatal, de forma que na maioria das vezes a liberdade das pessoas, como enuncia o Autor, ficava condicionada ao “agir conforme as finalidades do Estado”: “(...) Tal como no Estado Absoluto, há neles uma concentração do poder político, mas muito mais do que isso: o Estado absoluto não intervinha na vida privada das pessoas, não pretendia absorver a sociedade civil (...) ao passo que o Estado totalitário assume todo o poder na sociedade e identifica a persecução humana com a persecução dos seus fins.” MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: preliminares, o Estado e os sistemas constitucionais. 6 ed. rev. e atual. Tomo I. Coimbra Editora: 1997. p. 92.

Reconhecidos os direitos fundamentais como escol do modelo de Estado ora

abordado5, e, mais precisamente, a dignidade da pessoa humana como base axiológica de

todo o esquema legislativo e do sistema jurídico, vale ressaltar que para sua efetiva garantia

e proteção, existe a Constituição dos Estados, que segundo Miranda6, num regime de

democracia social exerce: a função legitimadora ao poder estatal, organizativa do Estado,

jurídica (dado o intenso conteúdo valorativo que ela contém, inclusive ao positivar alguns

dos direitos humanos), política e transformadora7.

1.1.1 Do Estado Ditatorial ao Estado de Direito – breve incursão histórica

Após o golpe de 1964, as estruturas do Estado passam por um processo de

endurecimento e exclusão do direito de participação e também dos direitos e garantias

fundamentais, tais como a liberdade de pensamento e, na linha processual, do princípio do

contraditório e da ampla defesa. É fato notório8 que dentre as pessoas perseguidas, tidas

como “criminosas”, enquadravam-se jornalistas, médicos, advogados, intelectuais que se

preocupavam com a violência que ocorria de forma gritante e procuravam, de alguma

forma, lutar para mudar o quadro político e social da dura realidade que assolava nosso

País9.

5 Sarmento, em linhas iniciais dissertando sobre os direitos fundamentais e o interesse público ressalta a importância daqueles, expondo que eles orientam o “estatuto axiológico do Estado Democrático de Direito.” SARMENTO, Daniel.Colisão entre direitos fundamentais e interesses públicos, in SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e Direitos Fundamentais, Ajuris, V I, Tomo II. Porto Alegre: Revista dos Tribunais e Ajuris, 2006. p. 31.

6 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 329/3337 Acredita-se que é possível afirmar que a Constituição Federal Brasileira de 1988 enquadra-se nessa

classificação e, mais especificamente no item transformadora, diante do grande conteúdo de normas programáticas insertas em seu texto, as quais enunciam “programas” a serem perquiridos pelo Estado brasileiro.

8 Tendo em vista o “aniversário” dos 40 anos do golpe, em abril de 2004, fato noticiado – e veemente criticado em todos os meios de comunicação.

9 Nesse sentido: FRANCIS, Paulo. Trinta anos esta noite: 1964, o que vi e vivi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994; PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre a violência criminal, controle

Em que pese a remissão da doutrina acerca do período pós-segunda guerra

mundial (entre 1945/1961), no qual o Brasil teria vivido uma “nova fase democrático-

liberal” tendo uma nova Constituição, a de 194610, não se pode olvidar que o Brasil, entre

os anos de 1939 até 1945 vivia épocas de revolta social, o que levou ao “esquecimento” dos

direitos humanos em um período pré-1964, por assim dizer. Discorrendo sobre o período

ditatorial que existiu anteriormente ao de 1964, leciona Cancelli:

O período pós-30 apareceu na história do Brasil delineado por uma nova realidade: a presença de multidões de trabalhadores nas grandes cidades, a redefinição do espaço urbano e o projeto político de um Estado que se auto-impunha a tarefa de promover a inovação moral e política de toda a sociedade através de novas estratégias de dominação que negavam, em sua essência, os princípios políticos do liberalismo clássico, e que passaram a empregar novas formas de controle social, agora dirigidas de maneira cada vez mais centralizada à sociedade como um todo.

A polícia, em grande parte responsável pelo controle exercido por um Estado cada vez mais cerceador da ação, do discurso e da política, impôs novos castigos, encarou o crime de formas diferentes do que fora até então e exerceu variadas formas de vigilância social.

Na verdade, a vigilância constante sob a qual fora colocada toda a sociedade e a importância cada vez maior que adquiriu o aparato policial evidenciam a disponibilidade da polícia em responder a um projeto político que não se absteve de aprisionar ou liquidar certas categorias da população. 11

Dito isso, percebe-se que o quadro político do Brasil por um período

relativamente extenso12 esqueceu-se dos direitos e garantias fundamentais, imiscuindo-se o

Estado na vida privada dos cidadãos e praticando afrontas a diversos dispositivos

internacionais que versam sobre a proteção dos direitos humanos. Assim, apesar de fazer

social e cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003, p. 39/42. De outro lado, com um sentido mais técnico-científico, despido de opiniões pessoais: D´ARAÚJO, Maria Celina (org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

10 Dado reproduzido por Miranda, ao estudar o Sistema Constitucional Brasileiro, op. cit., 1997, p. 228.11 Op. cit. p.25/2612 A obra de Cancelli, citada acima, enuncia o quadro vivido na era Vargas – greves e brigas por melhores

salários, “anarquistas” nas ruas lutando por direitos seus –, de onde se conclui que o esquecimento dos direitos fundamentais, assim tratados positivamente desde a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789, iniciou no Brasil muito antes do golpe de 1964.

parte da Convenção de Direitos Humanos desde 1945, o Brasil, repise-se pareceu esquecer-

se disto durante os longos 25 anos de “obscuridade do regime ditatorial”13 vividos aqui.

Acredita-se que o período crítico desse esquecimento ocorreu entre 1964 até a promulgação

da Constituição Federal de 198814.

Um dos motivos desse estado de medo e terror vivido por todos a partir de 1964 se

deve à implantação dos atos institucionais15 (por óbvio, o estado de medo das pessoas

não era ocasionado apenas [se é que se pode utilizar tal expressão] pelos atos

institucionais, mas pela concatenação de toda uma estrutura “jurídica” montada pelo

governo). No dizer de Herkenhoff, o regime dos atos institucionais, além do desprezo

aos direitos humanos, desconhecia totalmente o sentido da cidadania16. Isso porque

ameaçada a “segurança do Estado”, justificava-se o sacrifício do bem estar, que se

traduzia no sacrifício da liberdade, das garantias e dos direitos da pessoa humana17.

Em que pese a diferença entre um regime ditatorial de estado, tal como o

concebido no Brasil entre 1964 até a promulgação da Carta Constitucional de 1988, e um

regime totalitário, por ser de relevância para o tema o estudo do impacto na vida das

pessoas que os regimes onde há “um direito formal, mas não há um direito substancial,

13 Expressão utilizada por Melgaré, op. cit., 2002,p.35114 Sabe-se que o regime militar ditatorial no Brasil começou a ruir antes mesmo da promulgação da

Constituição Federal de 1988. Contudo, o marco dessa promulgação é utilizado da forma acima no decorrer do texto a fim de evitar a tautológica explicação acerca dos movimentos pré 1988, os quais culminaram na promulgação da Carta Constitucional vigente.

15 Atos institucionais são “Normas de natureza constitucional expedidas entre 1964 e 1969 pelos governos militares que se sucederam após a deposição de João Goulart em 31 de março de 1964. Ao todo foram promulgados 17 atos institucionais, que, regulamentados por 104 atos complementares, conferiram um alto grau de centralização à administração e à política do país”. A presente, bem como demais informações acerca dos Atos Institucionais podem ser acessadas na Home Page do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro–CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas. Pelo site: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5744_1.asp16 HERKENHOFF, João Baptista. Como funciona a cidadania. 2 ed. Manaus:Editora Valter, 2002. (Série

como funciona, 5), p. 101.17 Pastana expõe em que era fulcrada a pretensão do governo militar “O desejo do governo militar não era

punir, mas aniquilar aqueles que ameaçavam o poder.” Op. cit. p. 40.

material18” se traz à colação um trecho da obra Origens do Totalitarismo, na qual Arendt

expõe o impacto que um regime totalitário causa na vida das pessoas:

(...) Enquanto o isolamento se refere apenas ao terreno político da vida, a solidão se refere à vida humana como um todo. O governo totalitário, como todas as tiranias, certamente não poderia existir sem destruir a esfera da vida pública, isto é, sem destruir, através do isolamento dos homens, as suas capacidades políticas. Mas o domínio totalitário como forma de governo é novo no sentido de que não se contenta com esse isolamento, e destrói também a vida privada. Baseia-se na solidão, na experiência de não se pertencer ao mundo, que é uma das mais radicais e desesperadas experiências que o homem pode ter.19

Dessa feita, percebe-se que é inviável uma forma de Estado que não leve em

consideração direitos humanos como um todo, tal como ocorre em regimes ditatoriais ou

em regimes totalitários. Assim, conclui-se ser ilegítimo que um Estado, em nome de uma

pretensa ordem social (argumento atrás do qual se encontra o verdadeiro sentido da

intenção, qual seja, resguardar o sistema político-governamental implantado, no caso do

Brasil o regime militar ditatorial) torture, prenda sem justificativa alguma – em afronta aos

princípios da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal, da ampla defesa e da

liberdade de pensamento, apenas para citar alguns, ausências características de regimes de

exceção, tais como os ditatoriais e os totalitários. Ainda sobre esse assunto, cabe referir que

as várias barbáries cometidas ao longo da história recente da humanidade foram praticadas

com fulcro na “legalidade”.

18 Faz-se tal distinção com fulcro de demonstrar que no direito dito formal a forma legislativa é observada, vale dizer, a norma é expedida pelo organismo competente, mas onde o direito denominado de substancial é desprovido de qualquer conteúdo axiológico, atinente aos direitos e garantias de toda a pessoa. Distinção feita com base nos ensinamentos de MELGARÉ, Plínio. Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito – breves reflexões ao abrigo de uma perspectiva material. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Jurisdição e Direitos Fundamentais. Ajuris, V. I, Tomo II. Revista dos Tribunais – Ajuris, 2006, p. 193/207.

19 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo:Companhia das Letras, 1989, p. 527.

No Brasil, assim como ocorreu na Alemanha Nazista20, havia a “escusa” da prática

de certos atos porque os mesmos encontravam “respaldo legal”. Veja-se que esta legalidade

era meramente formal, uma vez que despida de qualquer conteúdo ético-valorativo, o que

permitia as prisões tais como eram efetuadas, as torturas para obter informações

pretendidas, e assim por diante, tudo em “nome da lei e da proteção do Estado”.21

A título ilustrativo, traz-se à baila o procedimento das prisões, descrito na obra

Brasil Nunca Mais, onde todo o procedimento era efetuado com a “devida remissão

legislativa”:

O labirinto do sistema repressivo montado pelo Regime Militar brasileiro tinha como ponta-do-novelo-de-lã o modo pelo qual eram presos os suspeitos de atividades políticas contrárias ao governo. Num completo desrespeito a todas as garantias individuais dos cidadãos, previstas na Constituição que os generais alegavam respeitar, ocorreu uma prática sistemática de detenções na forma de seqüestro, sem qualquer mandado judicial, nem observância de qualquer lei22.

Conclui-se que a “regra vigente” era ditada por uma minoria que, através da força

e da tortura, impunha seu modelo de “Estado Ideal” sendo que, aqueles que o

desrespeitassem sofreriam literalmente na pele as conseqüências de seus atos.

20 Leciona Miranda que na Alemanha Nazista, Hitler ascendeu ao poder e converteu todo o texto da Constituição de Weimar a seu favor: “Num fenómeno de personalização, ao arrepio de toda a história de institucionalização do poder político, o nacional-socialismo dissolveu mesmo o Estado no partido e no Führer. Aproveitando a delegação de poderes que recebeu do Reichstag em 1933, Hitler fundiu no cargo de Führer as funções que pelo texto de Weimar pertenciam ao Presidente e ao Chanceler, transformou a Alemanha num Estado unitário e assumiu o supremo poder de direcção e todos os poderes – Legislativos, Executivos e até Judiciais – como intérprete do espírito do Povo Alemão e seu guia”. Op. cit, 2005, p. 132. Nota-se, pela citação supra, que em determinados momentos históricos, aqueles que assumiam o poder aproveitavam-se dele para “distorcer” as leis a seu favor, tornando-as conforme suas necessidades e justificando seus atos, por conseguinte, nas leis que eles mesmos interpretavam ou criavam.

21 Sobre o tema, ensina Morais que em vários períodos da história ‘moderna’ da América Latina, as “Constituições” serviram não para expressar a vontade da maioria e sim para “dar véu de legalidade e legitimidade a um poder arbitrário.” MORAIS, José Luiz Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. (Estado e Constituição;1), p. 66.

22 ARNS, Dom Paulo Evaristo (org.) Brasil Nunca Mais. Rio de Janeiro: Vozes, 1996, p. 77

Nessa fase, os princípios-garantia, hoje inerentes a qualquer processo

(administrativo, civil ou penal), tais como: a necessária observância do devido processo

legal, do contraditório e da ampla, foi olvidada. Frente a isso, imagine-se como era possível

o respeito ao princípio da dignidade humana, diante do quadro de supressão dos direitos das

pessoas? Crê-se que, nesta época, tal princípio fora um tanto quanto esquecido (para não

dizer mutilado)...O “respeito” às idéias advindas do Poder era mais (senão vital) importante

do que o próprio respeito à pessoa humana. Sarlet, ao comentar essa realidade, discorre

acerca da importância conferida aos direitos fundamentais pelo Constituinte de 1988:

Outro aspecto de fundamental importância no que concerne aos direitos fundamentais em nossa Carta Magna diz respeito ao fato de ela ter sido precedida de um período marcado por forte dose de autoritarismo que caracterizou – em maior ou menor escala – a ditadura militar que vigorou no nosso país por 21 anos. A relevância atribuída aos direitos fundamentais, o reforço de seu regime jurídico e até mesmo a configuração de seu conteúdo são frutos da reação do Constituinte, e das forças sociais e políticas nele representadas, ao regime de restrição e até mesmo de aniquilação das liberdades fundamentais.23

Diante do quadro antes exposto, e como toda a exploração tem um limite (ainda

que em determinados casos o real interesse desse seja, não uma crença na justiça, mas um

interesse político), por volta de 1980 inicia no “Poder” uma certa oposição, que, pouco

depois, ensejaria a queda definitiva do então regime ditatorial existente em nosso país. Na

dicção de Streck:

Muito embora o regime militar tenha vigorado durante longos vinte e cinco anos, nunca deixou de ser contestado. Passando por um período de endurecimento, ocorrido com a edição do AI 5 em 1968, quando o regime enfrentava desde a contestação pacífica da oposição representada pelo MDB – Movimento Democrático Brasileiro, até a oposição armada representada por grupos de guerrilheiros, o regime começa um leve movimento de distensão a partir do Governo Geisel, embora nesse mesmo período (1974-1978) tenha havido o fechamento do parlamento, cassação de mandatos, o cancelamento das eleições

23 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 72.

para governadores, criação dos senadores biônicos, até culminar com a extinção do AI 5 e a formação de vários partidos políticos.

Desde a década de 70, enfim, movimentos da sociedade civil reivindicavam a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte (...) Os primeiros anos da década de 80, já com o funcionamento dos novos partidos políticos, foram marcados pelo movimento que visava à realização de eleições diretas para Presidente da República. 24

Como bem exposto por Streck, o País, em face do intenso desrespeito a todas as

pessoas que discordassem das idéias daqueles que detinham o poder, bem como da própria

insegurança das pessoas frente ao Estado, entra para uma nova era no sistema de direitos e

garantias, assim como quanto ao modelo de Estado a ser adotado a partir da Constituição

Federal de 1988.

Assim, ter-se-á nesse novo modelo de Estado um limitador à atividade estatal,

residente nos princípios e garantias fundamentais. No decorrer desse trabalho, ver-se-á que

o papel dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito é essencialmente o de

limitar a atuação estatal quanto ao respeito à sua observância. Diversamente do que

ocorrera em diferentes regimes de Estado anteriores, nessa nova etapa constitucional a

observância dos direitos fundamentais e dos direitos humanos faz-se imperiosa, servindo

eles não só de limitadores ao poder de legislar do Estado como também de limitadores a

qualquer intervenção do Estado na vida de seus cidadãos, desempenhando, inclusive,

limites nas relações privadas.

Na realidade, o papel dos direitos fundamentais é fundamentalmente o de servir

como uma base axiológica, valorativa, ética, tanto no sistema jurídico brasileiro como

também para orientação na vida de todas as pessoas da sociedade.25

24 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p.356.25 Sobre essa influência também nas relações privadas, ver importante contribuição de CANARIS, Claus-

Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.), Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 223/243.

1.1.2 Limitação à atuação estatal nesse novo modelo de Estado

Após o processo constituinte que originou a Constituição Federal de 1988, 26 o

Brasil passa a viver um panorama diverso do que vivera nos últimos 25 anos, tendo o

Estado Democrático de Direito vigente no país como um de seus fundamentos a dignidade

da pessoa humana (artigo 1o, inciso III, da Constituição Federal).

Diante da suma importância, cabe aqui trazer a colação o ensinamento de Sarlet ao

tratar dos direitos fundamentais na Constituição de 1988, em notas introdutórias:

Traçando-se um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais. De certo modo, é possível afirmar-se que, pela primeira vez na história do constitucionalismo pátrio, a matéria foi tratada com a merecida relevância. Além disso, inédita a outorga aos direitos fundamentais, pelo direito constitucional positivo vigente, do status jurídico que lhes é devido e que não obteve o merecido reconhecimento ao longo da evolução constitucional.27

Por seu turno, Bonavides ao discorrer sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais

afirma que há uma ligação direta e essencial entre os direitos fundamentais e a dignidade da

26 Não será abordado o processo constituinte propriamente dito, em virtude de não ser ele objeto do presente trabalho. Contudo, sobre o assunto vide: BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 267/301 e 600/617. SARLET, op. cit, p. 69/76. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 45/68 e 88/91. Sobre Controle de Constitucionalidade: STRECK, Lenio Luiz. op. cit, p.361/656.

27 Op. cit, 2003, p.69

pessoa humana, enquanto valores históricos e filosóficos28. Afinal, como conceber

qualquer outro direito sem interligá-lo aos valores, não só da liberdade, mas,

essencialmente, com a dignidade da pessoa humana?! Valores estes, aliás, erigidos à

categoria de “universais” desde 178929, com a Declaração dos Direitos do Homem.

A Carta Constitucional de 1988 não só propiciou vários direitos, como também

impôs sua garantia. Dessa forma, os limites à atividade estatal passam da vontade daqueles

que detinham o poder30 para os direitos e garantias fundamentais, sendo alguns deles

elencados explicitamente na Constituição Federal de 1988 e outros existentes

implicitamente no referido Diploma.

A título de exemplo, desmembrando o artigo 5o do mencionado Diploma Legal,

tendo como base os ensinamentos de Silva, pode-se citar: o direito à integridade física e

moral, garantido através do disposto no inciso III (e tão desrespeitado em épocas de

regimes de exceção, que tinha como modo de obter informações a prática de torturas); o

direito à privacidade, assegurado pelo direito à indenização por dano material ou moral

decorrente de sua violação; o direito ao recesso do lar, expresso no início do inciso XI (“a

casa é asilo inviolável do indivíduo”), estando garantido consoante disposto no restante do

mesmo dispositivo; direito de liberdade, à incolumidade física e moral, de defesa, liberdade

política e de opinião, protegidos pelas garantias constantes nos incisos XXXVII a LXVII,

28 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 516.29 A título de observação: SARLET traz como marco aos estudiosos dos direitos fundamentais enquanto

direitos positivados a Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215 pelo Rei João Sem-Terra e bispos e barões ingleses, expõe o Autor: “Este documento, inobstante tenha apenas servido para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais, alijando, em princípio, a população do acesso aos “direitos” consagrados no pacto, serviu como ponto de referência para alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como o hábeas corpus, o devido processo legal e a garantia da propriedade”. Op. cit. 2003, p.45. Ainda, ao tratar sobre a Declaração Francesa de 1789 e a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, de 1776 – sobre as divergências acerca da “paternidade” dos direitos fundamentais – leciona “A contribuição francesa, no entanto, foi decisiva para o processo de constitucionalização e reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais nas constituições do século XIX. Cabe citar aqui a lição de Martin Kriele, que, de forma sintética e marcante, traduz a relevância de ambas as declarações para a consagração dos direitos fundamentais, afirmando que, enquanto os americanos tinham apenas direitos fundamentais, a França legou ao mundo os direitos humanos70.” KRIELE apud SARLET, op. cit., 2003, p.49

30 A nosso ver, a minoria, que editava leis para garantir sua estabilidade no poder, cuja legislação era desprovida de conteúdo valorativo, o que possibilitou várias condutas atentatórias à pessoa humana.

os quais, de igual feita eram extremamente desrespeitados durante o regime militar no

Brasil, ou melhor, desrespeitados caso o indivíduo fosse contrário aos pensamentos do

governo vigente. 31

Ainda sobre as garantias positivadas pela Carta Constitucional de 1988, Miranda ao

analisá-la ressalta outros importantes direitos como a previsão de prazos, nos termos da lei,

para a prestação de informações pelos entes públicos, a qualificação do racismo e da tortura

como crimes inafiançáveis, o advento dos remédios constitucionais do mandado de

injunção e do hábeas data, bem como o fato das normas definidoras de direitos e garantias

terem aplicabilidade imediata, cônsono §1o, do artigo 5o, da Constituição Federal.32

A partir disso e do contexto exposto alhures, é compreensível porque o

Constituinte de 1988 entendeu por bem positivar vários princípios, garantias e direitos de

toda a pessoa.

Expostos esses vértices, o que se vivencia atualmente é um quadro social diverso

do que ocorria até a queda do regime militar: hoje todo o direito tido como fundamental,

categorizado como direito humano, deve ser respeitado. Não se trata aqui de uma questão

de ideologia, política, visão de mundo, valor moral e ético de cada atuante do direito, seja

ele juiz, promotor, advogado, defensor público, enfim, de todo o profissional, direta ou

indiretamente ligado com este ramo da ciência jurídica e social.

Os direitos humanos devem ser respeitados não só por trazerem ínsitos em si uma

carga valorativa de suma importância como também pelo próprio modelo de Estado

brasileiro, onde uma afronta a direito fundamental, ou mesmo a um direito humano

encontra no próprio texto constitucional medidas capazes de coibir tal ato, como por

exemplo, o mandado de segurança, a ação civil pública, o hábeas corpus, ação direta de

31 SILVA, op. cit. p. 417/419. 32 MIRANDA, op. cit, 1997, p. 231.

inconstitucionalidade e de constitucionalidade, além da possibilidade de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, apenas para citar alguns.

Faz-se aqui uma pergunta: é possível imaginar uma vida em sociedade sem o

respeito ao princípio básico da dignidade da pessoa humana? Obviamente, tal convívio

seria inviável, dada a amplitude e conteúdo ético-valorativo da dignidade da pessoa

humana, aliado, também, aos modelos anteriores de Estado, como os citados acima

(ditatorial e totalitário) onde tal desrespeito ocorria, sendo que hoje seria inimaginável um

modelo de Estado que não contemplasse tal valor.

Veja-se um exemplo: uma pessoa que não tem sua liberdade de locomoção, não

terá uma vida normal. Uma outra que vive sob o medo e as ordens dos “traficantes que

controlam o morro ‘X’”, com certeza não tem sua dignidade enquanto pessoa humana

respeitada. Outra, que ao final de um dia chega em casa e depara-se com a mesma

totalmente furtada, sabendo que levará anos para conseguir tudo aquilo que acumulou ao

longo dos anos de trabalho também não tem sua dignidade respeitada. E o que dizer, então,

das famílias que vivem na incerteza quanto à vida de um parente de quem, seqüestrado há

tanto tempo, não se têm notícias, bem como daqueles que sofrem todo o tipo de abuso

infantil33. Todos esses são casos, digamos que noticiáveis, os quais, mudando uma coisa ou 33 Nilson Naves, em conferência de abertura no “I Seminário Nacional sobre o Tráfico e Exploração Sexual

de Crianças e Adolescentes”, publicada na Revista CEJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, no23, ano VII, ao abordar o tema expõe: “Bem perto de nós, atos desumanos chocaram a população do Distrito Federal. Padrasto foi o autor de investida contra adolescente de doze anos; felizmente, não chegou a ser consumado o atentado. O mesmo desfecho não teve o caso de menina de apenas sete anos que foi estuprada e estrangulada por homem de 26 anos. A dureza de coração e os requintes de violência frustraram naquela adolescente a lembrança de uma vida feliz; na menina puseram fim à vida e ao sonho de crescer. É provável que se esgotem os adjetivos que denotam a repulsa a tais condutas, mas a perversidade parece ser inesgotável: pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos da Criança da Universidade de São Paulo revela que cem crianças morrem por dia no Brasil vítimas de maus tratos – negligência, violência física, abuso social e psicológico. Expõe, ao fim, o posicionamento pessoal acerca “do que fazer”: Os crimes de natureza sexual aqui cometidos contra crianças e adolescentes estão a reclamar políticas públicas e a atuação imprescindível da sociedade civil organizada – o dever é antes de tudo da sociedade e do Estado – para medidas urgentes a fim de prevenir, coibir e, quando for necessário, punir severamente a exploração sexual de menores de dezoito anos. (...) Que a lei, a nossa determinação e desejo de viver numa sociedade saudável ajudem-nos a restituir a nossas crianças e adolescentes, em seu tempo, o sonho da infância e a beleza da adolescência”. NAVES, Nilson. Tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes. Revista CEJ. Ano VII – Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. Brasília: Dezembro/2003. p. 06/07.

outra, acontecem corriqueiramente, ficando seus expectadores inertes diante do mundo

visto pela tela do aparelho televisor... Mas, e onde está o direito à dignidade da pessoa

humana?

Cabe, por oportuno, trazer à colação o ensinamento de Bonfim sobre a

moderna situação do direito penal no Brasil:

E o crime hoje não é somente aquele ocasional, mas muitos detêm produção seriada. (...) A banalização da vida continua tabelando sempre por baixo o seu preço (preço da vida – vide as tabelas dos pistoleiros comuns), e hoje em São Paulo, vale pouco ou menos que os crimes de pistolagens corriqueiros do norte/nordeste brasileiro. Com a banalização da vida (atrás do que seguiu-se a banalização de todos os valores subseqüentes: liberdade, honra, etc.) o crime hoje prototípico não é mais ocasional, único, ou se é, este menos assusta ou atemoriza de per si (somente a vítima visada, una), mas a criminalidade da reincidência ou da multiplicidade das vítimas, ou os crimes de vítimas abstratas (“colarinhos brancos”) também matam, e matam muito mais (o estelionatário progrediu, agora enganbela, engana aos milhões). O crime a golpe de “peixeira”, subsiste, merece efetiva reprimenda, é dor, sangue, choro e morte em lares brasileiros, mas ainda é ingênuo frente a macro criminalidade. Esta (a criminalidade organizada, o “colarinho branco” etc.), é infarto, derrame, também choro e morte “à prestação” (as vítimas vão morrendo aos poucos!). O primeiro simboliza-se nas tocais do nordeste (à garrucha), ou nos bares regados à aguardente - em qualquer canto ou esquina do Brasil –, mas são sempre setorizados, colhendo vítimas específicas, desafortunados ofendidos. O segundo ascende sobre todo o panorama nacional, deitando danos de norte a sul e perpetuando efeitos sobre o tempo, desagregando lares, destruindo famílias, retirando a felicidade de um povo, a alegria de uma gente. 34(sic)

Entretanto, repise-se que diversamente da opressão vivida até a promulgação da

Constituição Brasileira de 1988, atualmente temos vigente no Brasil um sistema de direitos

e garantias fundamentais, que deve ser observado, sob pena, principalmente, de ocorrer em

inconstitucionalidade.

Desse modo, tantas garantias advieram com a Constituinte de 1988, entretanto, o

que vivenciamos atualmente é uma certa banalização da vida, na qual o princípio da

dignidade humana, respeitado por todos aqueles que trabalham com o direito, é tripudiado

34 BONFIM, Edílson Mougenot. Direito Penal da Sociedade. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, p.122/123.

pelos autores de delitos (diga-se, não só delitos contra a pessoa diretamente – como

homicídio, latrocínio, furto – como também aqueles denominados de “crimes do colarinho

branco”, como a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal, etc, que não deixam de ser contra

a pessoa, porém, de forma indireta).

Nesse contexto, é certo que não se pode generalizar quando o tema é direito penal,

contudo, esse ramo do direito merece atenção acurada, principalmente no que diz à

observância dos direitos e garantias fundamentais daquele que está em juízo, provável autor

de um delito. E, além disso, é preciso contextualizar esse ramo do direito no sistema

constitucional pós 1988, a fim de que se perceba que a própria Constituição Federal dispõe

de mecanismos para a correta utilização do direito, tendo-se em mente princípios como o da

proporcionalidade, que será estudado em capítulo próprio.

O que se pretende demonstrar no decorrer do trabalho é que o direito e o processo

penal, em sua totalidade, estão protegidos na Constituição de 1988, sendo que nesse iter, o

processo do magistrado se mostra translúcido, uma vez que ao mesmo tempo em que deve

se manter “imparcial” deve também zelar para que os direitos fundamentais enunciados na

Constituição Federal de 1988 sejam respeitados, observados, a fim de que sejam efetivos na

prática, tanto sob a ótica material quanto à ótica formal dos direitos fundamentais, ambas a

serem tratadas em momento próprio.

Ainda sobre o processo penal é relevante frisar que ele se constitui em garantia,

sob dois prismas: para a pessoa processada, a garantia de que não será presa, nem lhe será

imposto nenhum tipo de pena sem o devido processo pena, e para cada pessoa humana

enquanto integrante de uma sociedade, de que os possíveis autores de delitos não quedaram

impunes. Ademais, é preciso um efetivo processo para alcançar uma sentença

condenatória35.

35 Nesse sentido, remete-se a LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2 ed. rev, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 09 et seq.

A questão acerca da teoria do garantismo penal, sistematizada por Ferrajoli, é uma

continuação da pergunta feita inicialmente, quando da exemplificação de casos nos quais as

pessoas não têm o direito mais básico do ser humano respeitado, qual seja, a sua dignidade

e, em conseqüência da aplicação da teoria garantista apenas na perspectiva negativa, ou

seja, fulcrada somente no princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso ao

Estado perante o indivíduo.

Nesse diapasão, o que se pretende defender no presente trabalho, e que vai desde

logo anunciado, é a aplicação do direito com base no princípio da proporcionalidade como

proibição de excesso, dado o exposto acima, na incursão histórica do país desde o golpe de

1964 até meados de 1987, e também como proibição de insuficiência, tendo-se sempre

como norte os ditames expressos na Constituição Federal de 1988.

Outrossim, não se olvide que os direitos fundamentais possuem um duplo papel

no atual Estado Democrático de Direito consistente na imposição de limites aos poderes do

estado, em especial como limites ao Poder Legislativo, bem como nos chamados

“imperativos de tutela” ou deveres de tutela devidos pelo Estado para com os seus

cidadãos. Sobre essa dupla função dos direitos fundamentais, assevera Merlin Clève que os

direitos fundamentais constituem-se em valores a serem necessariamente observados pelo

Estado nas suas três vertentes de poder e, de outro lado, se constituem em imperativos de

tutela para o estado perante seus cidadãos.36

Dessa forma, não se pode esquecer que a segurança37, assim como a igualdade e a

liberdade, são valores tutelados desde 1789, erigidos à categoria de direitos do homem.

Assim, passados quase três séculos do referido marco, o que se vê atualmente é um número

36 MERLIN CLÈVE, Clèmerson. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 14 nº. 54, janeiro-março, 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 28/39.

37 Nesse sentido, remete-se a STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o iderário liberal-individualista-clássico. In: Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, no 53 ed. Porto Alegre: Metrópole, 2004. p. 223/251.

cada vez maior de insegurança entre grande parte da população brasileira. E, nesse

entremeio, o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por sofrer uma dose de

mitigação, pois, em detrimento de muitos, se conserva a liberdade de poucos.

Ressalte-se que, diferentemente da época da ditadura, os autores de delitos de hoje

não são pessoas que lutam por uma sociedade mais justa, por direitos sociais, igualitários,

justos. São, ao contrário, frutos do tráfico de drogas, da marginalidade surgida neste meio;

além de políticos corruptos que desviam verbas públicas, sem qualquer escrúpulo;

empresários detentores dos chamados “colarinhos brancos” que, ao contrário do que muitos

pensam, causam, ainda que indiretamente, uma grande violência a toda a sociedade.38

Pelo próprio objeto desse estudo, não é cabível entrar no mérito desta ou daquela

espécie de delito. O que é necessário é reforçar que se vive atualmente em um Estado

Democrático de Direito, que em especial no Brasil, tem pela primeira vez direitos humanos

constitucionalmente protegidos39. Nesse sentir, vale trazer à baila a lição de Prittwitz,

exposta em palestra proferida pelo autor no 9o. Seminário Internacional do IBCCRIM,

sobre a realidade do Estado de Direito enquanto modelo de salvaguarda dos direitos

fundamentais:

Olhando-se os últimos dois séculos, constatamos uma história quase incrível de sucesso do Estado de Direito. Isto vale mesmo considerando-se muitos retrocessos (que justamente sendo alemão sempre se tem de ter presente), vale independentemente do fato das diferentes velocidades de desenvolvimento do Estado de Direito nas diversas partes do mundo e dos países deste mundo (o que

38 Cabe esclarecer que o objetivo do presente estudo não é uma abordagem em torno das “causas da criminalidade” no Estado Brasileiro, mesmo por que até hoje não há um consenso acerca das mesmas. Sabe-se, por outro lado, que a sociedade de consumo aliada a baixa renda da maior parte da população do País têm um contributo expressivo para os índices de criminalidade. Entrementes, não se pode esquecer que várias formas de criminalidade (sonegação de impostos, fraudes à licitações, crimes contra os consumidores) não são, ao menos em sua maioria, causadas pelos fatores antes delineados, o que reforça a afirmativa inicial sobre o fato de inexistir uma “resposta” ao porquê da criminalidade.

39 Relativamente à terminologia adota-se a prática simplificada deduzida por Morais para a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, sendo que esses passam a tal qualidade no momento em que são positivados nos textos legais de cada Estado. MORAIS, op. cit., p. 62.

talvez um alemão precise relembrar quando está numa conferência no Brasil), e vale principalmente para os pequenos tropeços atuais do Estado de Direito: uma administração dos EUA que defende cada vez mais abertamente a convicção de proteger direito e liberdade por meio de violações do direito e da liberdade. Uma economia mundialmente fraca que aumenta a pressão dos problemas. E finalmente vale ainda mais para um mundo da mídia que ainda não percebeu que a criminalidade não só vende bem, mas que informar sobre atos criminosos clama, até mesmo interesse próprio, por uma responsabilidade especial.40

Assim, procurar-se-á analisar a dignidade da pessoa humana sob o aspecto não só

do autor de um delito, como também de cada indivíduo integrante da sociedade, objeto da

prática dos delitos, tendo-se como norte o princípio da proporcionalidade em seu duplo

aspecto: como proibição de excesso e como proibição de insuficiência. Não se olvidando

jamais que “O direito equaciona a vida social, atribuindo aos seres humanos, que a

constituem, uma reciprocidade de poderes, ou faculdades, e de deveres, ou obrigações.”41

Pois, o direito penal, tutela bens jurídicos que foram erigidos a tal categoria – de bens que

mereçam a tutela estatal, advinda da própria essência desse ramo do direito – devido aos

valores que representam para a sociedade, bem como pela ligação que possuem (direta ou

indiretamente) com os diretos fundamentais.

1.2. Os fundamentos do garantismo penal em Ferrajoli e a teoria jurídica da validade

e da efetividade das normas

Feitas as necessárias digressões acerca do modelo vigente de Estado no Brasil e o

modelo que vigorava anteriormente (regime militar ditatorial), bem como após algumas

40 PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 12, no47. São Paulo: Revista dos Tribunais, março – abril, 2004, p. 45.41 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. V. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 49.

incursões em outros modelos de Estado (de igual forma opressores, como foi o exemplo

citado acima do Estado totalitário) faz-se possível a abordagem de alguns trechos da obra

de Ferrajoli “Direito e Razão: teoria do garantismo penal”, na qual o fundamento basilar

reside na garantia dos direitos humanos de cada cidadão frente aos poderes do Estado.

Com base nessa ‘motivação’, o autor italiano deduzirá os demais elementos componentes

da teoria por ele estratificada com o fito de viabilizar a concretização do fundamento de

todo o garantismo jurídico.

Ferrajoli, ao abordar a epistemologia garantista, expõe que a unidade do sistema

depende do fato de que os diversos princípios garantistas se configuram, antes de tudo,

como um esquema epistemológico de identificação do desvio penal, direcionado a

assegurar o máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo, logo, de limitação do

poder punitivo e de tutela da pessoa contra a arbitrariedade (do Poder Estatal, detentor do

“direito de punir”). Isso por que a teoria garantista será sedimentada em cima de tais

elementos epistemológicos, sendo: a) um relativo à definição legislativa, b) outro, à

comparação jurisdicional do desvio punível. “E, correspondem a conjuntos de garantias, as

penais e as processuais, do sistema que fundamentam.”42

Tendo em vista o tema proposto para esse item, se mostra interessante tecer

algumas considerações acerca dos ditames – axiomas43 – sobre os quais o Autor estrutura

42 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 29/30.

43 Para elucidar, citam-se os pré-conceitos estabelecidos por Ferrajoli, a alguns elementos do direito penal, diante do sistema garantista “axiomatizado” exposto pelo autor: “por “pena” se deve entender qualquer medida aflitiva imposta juridicamente por meio do processo penal; por “delito”, qualquer fenômeno legalmente previsto como pressuposto de uma pena; por “lei”, qualquer norma emanada do legislador; por “necessidade”, a função de tutela de bens fundamentais que justifica as proibições e as penas; por “ofensa”, a lesão de um ou de vários de tais bens; por “ação”, um comportamento humano exterior, material ou empiricamente manifestável, tanto comissivo quanto omissivo; por “culpabilidade”, o nexo de imputação de um delito a seu autor, consistente na consciência e vontade deste para com aquele; por “juízo”, o procedimento mediante o qual se verifica ou refuta a hipótese da comissão de um delito; por “acusação”, a formulação de tal hipótese por parte de um órgão separado dos julgadores; por “prova”, a verificação do fato tomado como hipótese pela acusação e qualificado como delito pela lei; por “defesa”, o exercício do direito de contraditar e refutar a acusação.” Idem ibidem,p.88. Diz-se, no início, “pré-conceitos”, em virtude de que os mesmos são analisados de forma pormenorizada quando o autor os aborda no parágrafo 7.

toda a obra supra mencionada. São eles, seguindo o formato escolástico trazido por

Ferrajoli, transcritos em latim, a) Nulla poena sine crimine; b) Nullum crimen sine lege;

c)Nulla lex (poenalis) sine necessitate; d) Nulla necessitas sine injuria; e) Nulla injuria

sine actione; f) NullaNulla actio sine culpa; g) Nulla culpa sine judicio; h) Nullum

judicium sine acusatione; i) Nulla accusatio sine probatione e j) Nulla probatio sine

defensione44.

Para cada mandamento, o Autor atribui a denominação de um princípio, a saber:

(...) 1)princípio da retributividade ou da conseqüêncialidade da pena em relação ao delito; 2) princípio da legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito; 3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal; 4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento; 5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação; 6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal; 7) princípio da jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito; 8) princípio acusatório ou da separação entre o juiz e acusação;9) princípio do ônus da prova ou da verificação; 10) princípio do contraditório ou da defesa, ou da falseabilidade.Estes dez princípios, ordenados e aqui conectados sistematicamente, definem – com certa força de expressão lingüística – o modelo garantista de direito ou de responsabilidade penal, isto é, as regras do jogo fundamental do direito penal. 45

Evidentemente, todos os axiomas ora traduzidos em princípios são importantes ao direito e processo penal, ressaltando-se, alguns, como o da legalidade, do contraditório e ampla defesa, sendo que a partir de sua concatenação se procura obter a efetiva garantia dos direitos de cada pessoa humana quando demandada em juízo.

44 Idem ibidem p. 75/7645 Idem ibidem p. 75

Cabe referir, que a teoria a ser estudada nesse tópico não é nova, tendo seu

nascimento na época do Iluminismo, onde as preocupações primordiais eram ideais como a

“liberdade e a igualdade”. Demonstração disso é a sustentação da dissociação total entre

Estado e Igreja46, a fim de extirpar do direito penal a noção de o delito praticado

corresponderia a um “pecado” (algo contrário à moral), ocasionando, por isso, uma sanção

“divina”, bem como da reformulação do conceito de “direito penal do autor” para “direito

penal do fato”, a fim de valorar a conduta praticada e não o seu autor, assuntos que serão

abordados com mais vagar no decorrer desse estudo. Após deduzir os elementos

epistemológicos47 nos quais se fundam a doutrina estratificada, dentre as acepções que

confere ao termo “garantismo”, Ferrajoli trabalha com o garantismo enquanto teoria

jurídica da validade e da efetividade48, a qual consiste em:

(...) uma teoria jurídica da “validade” e da “efetividade” como categorias distintas não só entre si, mas também pela “existência” ou “vigor” das normas. Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém separados o “ser” e o “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente antigarantistas), interpretando-a com a antinomia – dentro de

46 Tal dissociação vem consubstanciada como “princípio da secularização”, do qual derivará a idéia de dissociação entre a Igreja e o Estado, e, por conseqüência o próprio conceito do direito penal, a fim de que esse deixe de ser um “direito penal do autor” para ser um “direito penal do fato”, e trazer consigo uma série de conseqüências, dentre as quais a problemática questão da reincidência como inconstitucional, tema que será abordado nesse trabalho, no terceiro capítulo. Traz-se tais menções a baila a fim de elucidar alguns conceitos que parecem vagos mas que, na prática, ocasionarão uma mudança na forma de pensar e aplicar o direito penal.

47 Segundo o doutrinador, dentre os elementos do sistema epistemológico de entendimento do desvio punível encontram-se: o convencionalismo penal e a legalidade estrita, de um lado, e de outro, o cognitivismo processual e a estrita jurisdicionariedade. Para um estudo mais acurado remete-se à obra citada de Ferrajoli, p. 30 et seq.

48 O modelo normativo de direito é uma das conotações que Ferrajoli concebe a acepção “garantismo”. Segundo o autor italiano, o modelo normativo de direito consiste em: “Segundo um primeiro significado,“garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade” SG, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos do cidadão. É, conseqüentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente.” Op. cit. p. 684.

certos limites fisiológica e fora destes patológica – que subsiste entre validade ( e não efetividade) dos primeiros e efetividade (invalidade) das segundas.49

Falar em garantismo como uma teoria de validade e efetividade, implica dizer que

o direito a ser aplicável deve não só ser normativo, como também realista. Isso porque há

direito válido e direito efetivo,ambos vigentes. De nada adianta ser a norma penal válida e

vigente, se não for efetiva. Da mesma feita, descaberia a aplicação de uma norma penal

vigente (formalmente existente), mas que não é válida, como ocorre, por exemplo, com

algumas normas que vigem, mas que à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988 não

são válidas50.

Leciona Ferrajoli que a teoria garantista do direito penal é ao mesmo tempo

normativa e realista visto que:

(...) referida ao funcionamento efetivo do ordenamento, o qual se exprime nos seus níveis mais baixos, autoriza a revelar-lhe os lineamentos de validade e sobretudo de invalidade; referida aos modelos normativos, os quais se exprimem nos seus níveis mais altos, é idônea a revelar-lhes o grau de efetividade e, sobretudo, de não efetividade.51

E, sob ambas as óticas, o garantismo opera como doutrina jurídica de legitimação,

bem como de perda da legitimação interna, pois requer dos juízes e juristas uma constante

tensão crítica acerca das leis vigentes. Tal visão crítica é interna, científica e jurídica

49 idem ibidem, p. 68450 Cita-se como exemplo a norma do artigo 594 do Código de Processo Penal Brasileiro, segundo o qual o

réu não poderá apelar sem antes se recolher a prisão – norma evidentemente contrária ao princípio constitucional da presunção de inocência, inserto no artigo 5o, inciso LVII, que é vigente, mas, diante do Ordenamento Constitucional pode ser considerada sem validade e, por conseqüência, despida de eficácia.

51 idem ibidem, p. 684

quando assume como universo da retórica jurídica o inteiro teor do direito positivo vigente,

não abstendo as antinomias, evidenciando-as e, dessa feita, retirando a legitimidade da ótica

normativa do direito válido, “os contornos antiliberais e os momentos de arbítrio do direito

efetivo”52.

Desse modo, pretende a perspectiva garantista a dúvida permanente acerca da

validade das leis e de sua aplicação, assim como a consciência acerca do “caráter em larga

medida ideal de suas mesmas fontes de legitimação jurídica.”53

1.3. A ligação entre os assuntos trabalhados até o momento

Para finalizar, associando o exposto no primeiro tópico, ou seja, o direito penal no

Estado Democrático de Direito com o constante desse penúltimo item, percebe-se uma

ligação intrínseca entre ambos os assuntos: na medida em que o Estado deixa de ser

opressor dos cidadãos, deixa de ser totalitário ou de ser ditatorial, passando a ter não só

limites formais, mas também limites valorativos/materiais (consistentes nos direitos

humanos, bem como nos princípios fundamentais e nos próprios direitos fundamentais), e

tendo a conseqüente função de garanti-los na prática, a teoria do garantismo penal encontra

em solo brasileiro intensa receptividade, seja devido ao período opressor do qual o país saiu

em meados de 1987, seja pela idéia de modelo de validade e efetividade das normas.

52 idem ibidem, p. 68553 idem ibidem, p. 685

Promulgada a Constituição Brasileira em 1988, continuaram em vigor diversos

diplomas anteriores a ela, e alguns deles despidos de “validade, de efetividade” uma vez

que contrários aos preceitos fundamentais contidos na referida Carta Constitucional, na

esteira do lecionado por Ferrajoli na obra “Direito e Razão: teoria do garantismo penal”.

Ademais, a acepção de garantismo como teoria de “validade e efetividade” das

normas tem especial relevância nesse trabalho, e por isso foi escolhida entre as outras duas

acepções denominadas pelo autor italiano, uma vez que, para aqueles que pugnam pela

inconstitucionalidade da agravante da reincidência, tal será possível mediante a utilização

desta acepção para sustentar dito posicionamento.

Inobstante tal fato, é necessário quedar claro que a Constituição Federal de 1988

exerce uma função “norteadora” para o novo poder legislativo no sentido de não permitir a

elaboração de normas que afrontem os valores nela contidos, bem como uma função

“iluminadora” a ser perquirida na aplicação das normas infraconstitucionais, e em especial,

na aplicação daquelas normas anteriores a ela, vigentes, mas que, repita-se, podem estar

defasadas no que diz ao quesito “validade” da norma. Por outro lado, deve-se atentar para

os direitos fundamentais, na medida em que eles desempenham não só uma função

limitadora ao poder estatal, como também impõem ao poder estatal um dever de tutela

perante os cidadãos.

Essa segunda tarefa será levada a cabo pelos aplicadores do direito, cientes do

modelo de Estado vigente no país, sempre se tendo em mente princípios constitucionais

implícitos como o da razoabilidade e, em especial, o da proporcionalidade, em sua dupla

ótica: como proibição de excesso e como proibição de insuficiência – assunto esse que será

abordado no capítulo a seguir.

Assim, dado o duplo papel dos direitos fundamentais no modelo de Estado vigente,

resta estudar agora se o garantismo penal “negativo” (de feição liberal-iluminista) é um

modo satisfatório de interpretação do ordenamento jurídico ou se não seria o caso de “rever

os conceitos” a fim de trazer a lume a discussão de um garantismo “positivo” consistente

no princípio da proporcionalidade em sua dupla via.

Portanto, a seguir será abordado com mais vagar o princípio da proporcionalidade

tal como tratado pela doutrina brasileira, e também nessa “nova” concepção que lhe atribui

um duplo viés, a fim de demonstrar que ele possui um valor muito maior do que aquele

imaginado por algumas pessoas de que consistiria apenas em decidir – no caso do judiciário

– de acordo com o “bom senso” de seu aplicador, tendo a proporcionalidade como

proibição de excesso e proibição de insuficiência (duplo viés do sobredito princípio) nortes

a serem seguidos na sua aplicabilidade, a fim de evitar possíveis arbitrariedades, bem como

para demonstrar que na vigente realidade constitucional brasileira é plenamente possível a

aplicação da proporcionalidade em seu duplo aspecto também no momento de aplicar a

teoria do garantismo penal quando de sua incidência aos casos concretos.

2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRINCÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE

Vistos os papéis dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito –

funcionando não só como limites à atuação estatal (no âmbito dos três Poderes do Estado)

como também na forma de imperativos de tutela, a serem desempenhados pelo Estado –

cabe referir e demonstrar que o princípio da proporcionalidade, enquanto instrumento da

moderna hermenêutica constitucional tem uma importante função na concretização dos

escopos daqueles direitos.

Importa frisar, outrossim, que não há, na doutrina brasileira, uma uniformidade

acerca do “princípio da proporcionalidade”, sendo que por alguns ele é abordado como

sinônimo de razoabilidade, enquanto para outros há uma nítida diferença54 entre ambos.

Na senda do princípio da proporcionalidade enquanto princípio autônomo (diverso,

portanto, do princípio da razoabilidade) abordar-se-á seu âmbito a partir de seu duplo viés:

como proibição de excesso (aqui consubstanciando um dos papéis dos direitos

fundamentais, qual seja, limite à atuação estatal) e também como proibição de insuficiência

(esse concatenando os direitos fundamentais como imperativos de tutela ou deveres de

proteção impostos ao Estado para com seus cidadãos).

Para fins de esclarecimentos, cabe inicialmente, ressaltar a dupla dimensão dos

direitos fundamentais: dimensão objetiva e dimensão subjetiva. É preciso quedar claro,

contudo, que não se pretende esgotar o assunto em torno das dimensões dos direitos

fundamentais, nem mesmo aprofundá-lo, justificando-se a abordagem feita para demonstrar

a intrínseca ligação entre o princípio da proporcionalidade em sua dupla ótica e os direitos

fundamentais em ambas as dimensões, a fim de clarificar o cabimento da aplicação do

princípio em comento quando for necessária uma intervenção em um direito fundamental.55

54 Esclarece-se desde já, que filiamo-nos a essa segunda corrente, para a qual proporcionalidade não é o mesmo que razoabilidade, em que pese o posicionamento de importantes juristas em sentido contrário bem como o uso indistinto dos dois termos pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda, é preciso ressaltar que tal diferenciação não é meramente cosmética e sim de fundo, de conteúdo material.

55 Para um tratamento mais aprofundado vide: SARLET, op. cit. 2003, p. 146 et seq.; CALIL DE FREITAS, Luiz Fernando. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 33 et seq. GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Curso de Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ed; Coimbra: Almedina, 2003. p. 1159 et seq.

Nesse mister, ensina Sarlet que os direitos fundamentais não têm como função

apenas serem direitos subjetivos de defesa da pessoa contra atos do poder público, mas

também “constituem decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição,

com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos

legislativos, judiciários e executivos.” 56

De outra banda, trabalhando sobre tais dimensões, Merlin Cléve aborda os direitos

fundamentais enquanto valores a serem necessariamente observados pelo Estado, nas suas

três vertentes de Poder, e também enquanto imperativos de tutela para o Estado perante os

seus cidadãos.57

Escrevendo sobre os direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade em

sua dupla ótica, a qual será abordada oportunamente, é importante ressaltar a lição de

Feldens, segundo o qual:

Trata-se, em realidade, de encarar os direitos fundamentais a partir de uma perspectiva constitucionalmente orientada de dupla face. Ao tempo em que a Constituição contém os princípios fundamentais de defesa do indivíduo frente ao Estado, de forma a coibir o arbítrio, por outro lado, preocupada com a defesa ativa do indivíduo e da sociedade em geral, e tendo em conta que os direitos individuais – como, de resto, os de natureza social –, para que se façam efetivados, não bastem com a mera inação estatal, senão que devem ser protegidos também em face de ataques de terceiros (particulares), a Constituição pressupõe – e impõe – uma ação estatal na defesa desses valores fundamentais.58

Dessa forma, explica-se a necessidade da explanação ora referida, ainda que breve,

a fim de que se possa perceber a ligação entre o princípio da proporcionalidade como

56 Op. cit. 2003, p. 147.57 Op. cit. p. 29 et. seq.58 FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas

penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 152/153 – grifos no original.

proibição de excesso e como proibição de insuficiência e os direitos fundamentais, na

medida em que decorrente da dimensão objetiva desses, os quais impõem deveres de

proteção e uma dupla vinculação aos poderes públicos, as quais no dizer de Calil de Freitas

consistem em:

(...) no sentido negativo, a vinculação se dá em termos de vedar toda e qualquer atuação dos poderes constituídos que importe afronta aos direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade por ação; no sentido positivo, a vinculação obriga os poderes constituídos a realizarem tarefas de concretização e efetivação dos direitos fundamentais, sob pena de inconstitucionalidade por omissão.59

Ainda que a abordagem ora feita seja prematura, percebe-se, por exemplo, na

citação de Calil de Freitas as duas facetas do princípio da proporcionalidade, a proibição de

excesso, no sentido negativo que os deveres de proteção (internos à dimensão objetiva dos

direitos fundamentais) impõem ao Estado e, a proibição de insuficiência, no sentido

positivo que os deveres de proteção impõe ao poderes públicos.

Por fim, cabe trazer a tona o posicionamento de Alexy, que trabalha com a

proporcionalidade, entre sua teoria distintiva sobre princípios e regras, não como princípio

e sim como “regra”60, mas no qual se verifica, de início, a ligação acima trabalhada sobre a

proporcionalidade e os direitos fundamentais, a saber:

Ya se ha insinuado entre la teoría de los principios y la máxima de la proporcionalidad existe una conexión. Esta conexión no puede ser más estrecha: el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad, y ésta implica aquélla. Que el carácter de principio implica la máxima de la proporcionalidad

59 Op. cit. p. 45.60 Segundo informação trazida por Afonso da Silva, Luís Virgílio. O proporcional e o razoável. In: Revista

dos Tribunais. Ano 91, V. 798. Abril de 2002. São Paulo: RT, 2002. p. 26

significa que la máxima de la proporcionalidad, con sus tres máximas parciales de la adecuación (...) se infiere lógicamente del carácter de principio, es decir, es deducible de él. 61

Nesse sentido, inobstante o posicionamento respeitável supra, bem como outras

divergências existentes na doutrina, como por exemplo, em Ávila que classifica a

proporcionalidade como postulado, esclarece-se que a proporcionalidade será aqui

trabalhada como princípio, com escol no ensinamento de Afonso da Silva que expõe:

“Quando se fala em princípio da proporcionalidade, o termo “princípio” pretende conferir a

importância devida ao conceito, isto é, à exigência de proporcionalidade.(...)”,

prosseguindo, o autor informa que dada a plurivocidade do termo “princípio”, não haveria

como esperar que ele fosse utilizado, somente, como contraposto à regra jurídica.62

Expostos esses vértices sobre o princípio da proporcionalidade lato senso e os direitos

fundamentais, bem como o porque da adoção do termo “princípio” para abordar a

proporcionalidade, faz-se possível o desenvolvimento do presente capítulo.

2.1 Noções preliminares sobre a trajetória histórica do princípio

O princípio da proporcionalidade surge inicialmente na seara do Direito

Administrativo, funcionando como um limite à atuação do poder de polícia do estado,

lastrado no ideal de garantir a liberdade individual em face dos interesses da administração,

justamente em virtude da realidade do poder (absoluto) do monarca frente aos seus súditos,

61 ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001. p. 111/112.

62 Op. cit. p. 26

em meados dos séculos XVII e XVIII, conforme lição de Barros63. Entretanto, expõe a

mencionada autora que a idéia inicial baseava-se no surgimento da doutrina acerca do

direito natural que em sua essência no que tange às “liberdades” visava aquelas (liberdade

para contratar e praticar atos de comércio na vida privada, com a mínima intervenção

possível pelo Estado) atinentes à classe burguesa, em franca ascensão.

Nesse iter, leciona Gomes Canotilho que o princípio em tela, no seu nascedouro

dizia respeito à problemática da limitação do poder executivo, “sendo considerado como

medida para as restrições administrativas da liberdade individual”.64 Denota, ainda, o autor

que essa noção de medida ao poder executivo seria posteriormente transposta ao direito

administrativo como “princípio geral do direito de polícia.”65

Segundo Cavalcanti, o princípio da proporcionalidade migra do direito

administrativo para o direito penal por meio de Beccaria66, o qual em 1764 publica a obra

“Dos Delitos e das Penas” já mencionando uma idéia de proporção entre um delito

cometido e a pena a ele imposta:

Dada a necessidade da união entre os homens, e dados os ajustes que, necessariamente, resultam da oposição mesma dos interesses privados, encontra-se uma escala de desordens, das quais o primeiro grau consiste naquelas que destroem imediatamente a sociedade, e o último, na mínima injustiça possível que se faça aos particulares, seus membros. Entre esses ambos extremos estão compreendidas todas as ações que se opõem ao bem público, que se denominam crimes, e todas vão, por graus insensíveis, decrescendo da mais elevada à mais ínfima delas. (...) Bastará, porém, ao sábio legislador indicar os pontos principais, sem perturbar a ordem, não decretando para os crimes de primeiro grau as penas do último.67

63 BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003 p. 37 e seguintes.

64 Op. cit. p. 266.65 Idem ibidem, p. 267.66 CAVALCANTI, Eduardo Medeiros. Crime e Sociedade Complexa: Uma abordagem interdisciplinar

sobre o processo de criminalização. São Paulo: LZN, 2005. p. 317.67 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Antonio Carlos Campana. São Paulo: José Bushatsky

Editor, 1972. p. 227/228.

Ou seja, Beccaria já enunciava em 1764 (inclusive) alguns dos elementos da

proporcionalidade (atual), a necessidade, uma vez que os homens vivem em sociedade, têm

interesses privados diversos, que merecem proteção; a adequação, quando menciona que ao

legislador caberá escolher a pena de acordo com cada espécie de delito, não aplicando a

pena mais grave a um delito de menor gravidade, inserindo-se aí também a noção de

proporcionalidade em sentido estrito – da mensuração entre o fim preterido e o meio

utilizado para alcançar tal escopo –.

Feitas essas remições sobre a estrutura básica na qual se origina o princípio da

proporcionalidade, passa-se ao estudo de dois sistemas jurídicos nos quais o princípio teve

maior expressividade no que diz ao seu desenvolvimento (sistema norte-americano e

sistema germânico), em formas diversas e que posteriormente é incorporado ao direito

constitucional, assumindo, num e noutro, feições um pouco diferentes, o que implicará

também na diferenciação posterior entre proporcionalidade e razoabilidade – ao menos

entre proporcionalidade lato senso e razoabilidade.

2.1.1 Evolução histórica do princípio no Direito Norte-Americano68

Inicialmente impende registrar que não se pretende esgotar o assunto sobre a

matéria diante do objeto principal do presente estudo aliado à quantidade expressiva de 68 Importante ressaltar a lição exposta por Steinmetz, no sentido de que o que surge no direito norte-

americano é o princípio da razoabilidade, o qual é fundamentado na cláusula do due process of law em sentido substantivo. Entretanto, nesse tópico aborda-se o advento do princípio da “proporcionalidade” no direito norte-americano, a fim de, desde já, enunciar, que existem diferenças maiores entre ele e a razoabilidade do que somente no que atine ao surgimento de um e de outro. STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 185.

obras que versam sobre a mesma, tendo como escopo aqui referir algumas noções

importantes a fim de demonstrar repise-se, a diferença substancial existente entre

proporcionalidade e razoabilidade, bem como procurar demonstrar que o uso de ambos

indistintamente pela doutrina pode se dever à sua base, mencionada no início do presente

tópico.

O princípio da razoabilidade (considerado por alguns doutrinadores como sinônimo

de proporcionalidade, item abordado adiante), conforme informação de Barroso, tem

origem e desenvolvimento no direito norte-americano, a partir da cláusula do due process

of law.69 Ensina o autor que tal cláusula teve seu germe no direito processual penal,

passando ao depois aos ramos do direito processual civil e ao direito administrativo.

Ainda, leciona o autor que a cláusula em questão possuiu duas feições (que não se

excluem), sendo a primeira de caráter meramente processual, feição na qual, no início eram

vedados quaisquer exames de ordem subjetiva acerca de possíveis arbitrariedades ou

injustiças provenientes do Poder Legislativo, e, a segunda, de caráter substancial, por meio

da qual passa a ser possível o controle do arbítrio do legislativo e da discricionariedade do

governo, sendo que foi através dessa última que se processou o controle da razoabilidade e

da racionalidade dos atos do poder público em geral e também das normas jurídicas.70

Nesse caminho, comenta Barroso que a cláusula do due process of law em sua

feição substantiva inclina para a aferição da compatibilidade entre o meio empregado pelo

legislador e os fins perquiridos, assim como a verificação da legitimidade dos fins, sendo

69 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 218 e ss. No direito pátrio tal denominação recebeu a tradução de “devido processo legal”.

70 BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional. In; Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 23. São Paulo: RT, 1998. p. 65/78.

que uma limitação a algum direito individual somente será admitida se estiverem presentes

tais condições.7172

Traçadas tais linhas, vê-se que o princípio da razoabilidade origina-se da

necessária análise da legitimidade de alguns atos do Poder Público consistentes na

limitação de direitos individuais e também em virtude de uma fase antecedente em que não

era possível verificar acerca da “justiça” da lei ou de possível arbitrariedade advinda desse

poder.

Aliás, importante ressaltar algumas informações trazidas por Pontes, que elucida

determinados pontos do sistema jurídico norte-americano, expondo que a Constituição

Norte-Americana, diversamente da Brasileira, não traz enunciados os direitos individuais,

sendo que nesse contexto a cláusula do substantive due process se consubstancia na

necessidade de lei isonômica, ou seja, da necessidade de que a lei não estabeleça

diferenciações arbitrárias73.

Diante disso, o critério cunhado da razoabilidade exerce um papel de aferição da

constitucionalidade de uma norma jurídica, operando-se através da verificação entre os

meios que o legislador dispõe a fim de alcançar determinado objetivo, desde que entre

ambos exista uma relação de razoabilidade e de racionalidade. Esclarece o autor que:

É de todos conhecido o laconismo da Constituição americana, característica essa que resta maximizada quando se compara aquela Constituição com a brasileira. A ordem constitucional americana constitui, a rigor, uma solene declaração genérica de direitos, o que exigiu da jurisprudência a criação de uma fórmula para

71 BARROSO, op. cit. 1998. p. 66/67.72 BARROSO, Luís Roberto. O começo da história: a nova interpretação constitucional. In: AFONSO DA

SILVA, Luís Virgílio (org.) Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. Em especial p. 302/303, onde Barroso mantém-se pelo uso fungível entre proporcionalidade e razoabilidade.

73 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000. p. 82/83.

controlar o processo de individualização daqueles direitos (o test of reasonebleness por meio do devido processo legal).74

De outra banda, mas também dissertando sobre o princípio da proporcionalidade,

expõe Gomes Canotilho que na forma da regra da razoabilidade há muito o princípio em

tela exerce influência nos países da Common Law: “Através da regra da razoabilidade, o

juiz tentava (e tenta) avaliar caso a caso as dimensões do comportamento razoável tendo em

conta a situação de facto e a regra do precedente.”75

Por derradeiro, cabe ressaltar que Gomes Canotilho classifica a forma acima do

princípio da proporcionalidade como proporcionalidade em sentido lato, também conhecido

como princípio da proibição de excesso uma vez que oferta ao legislador limites à sua

atuação.76

A partir disso percebe-se que no sistema norte-americano não há uma dissociação

entre razoabilidade e proporcionalidade, ficando em voga a necessidade de, a partir de um

entendimento dito “razoável”, e de uma ponderação entre o meio empregado e o fim

visado, ser verificada a constitucionalidade da lei, assim como averiguar a legitimidade da

intervenção estatal na vida privada dos cidadãos, com base inicialmente na parte

substantiva do due process of law em virtude de que naquele sistema não há um “elenco”

de direitos e garantias fundamentais (tal como há, por exemplo, no Brasil), sendo necessária

a averiguação a partir dos precedentes e da produção jurisprudencial em cima da

Constituição e da feição substantiva da cláusula em comento.

Outra conclusão passível de ser extraída é a de que essa noção de proporcionalidade

enquanto razoabilidade é de cunho liberal-individualista, tendo em mente não só o contexto

74 Idem ibidem. p 8275 Op. cit., p. 267.76 Op. cit. p. 267

em que se forma (na medida em que no seu surgimento a preocupação dos jusfilósofos

eram os direitos humanos, em especial os direitos de liberdade da burguesia, classe

econômica em ascensão77) como também pelo fato de visar em especial a liberdade dos

cidadãos, direito exercido de forma negativa ao passo que não dependiam da intervenção do

Estado.

2.1.2 Evolução histórica do princípio no Direito Germânico – do surgimento aos dias

atuais78.

No Direito Alemão, o princípio da proporcionalidade tem sua origem como limite

aos poderes de polícia do Estado, desembocando posteriormente, de uma vinculação do

legislador à Lei Fundamental e alcançando reconhecimento pelo direito positivo somente

com sua vigência pós 1949, conforme lição de Scholler.79

Steinmetz expõe que o princípio da proporcionalidade surge no âmbito do “direito

de polícia” (no direito administrativo) , técnica para limitar e controlar tal direito, mas que

somente com o pós-guerra é que adquire maior desenvolvimento pela doutrina e

77 Referência trazida por BARROS, op. cit. p. 38.78 Para uma leitura pormenorizada sobre o princípio da proporcionalidade no Direito Alemão e a

correspondente influência no Direito Brasileiro remete-se a PONTES, op. cit. p. 43 et. seq.79 SCHOLLER, Heirich. O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da

Alemanha. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet. Texto traduzido a partir da palestra proferida pelo Autor em 20.11.98 no Curso de Aperfeiçoamento em Direito Público Comparado. Co-produção: ESM/AJURIS, ESMP, ESMAFE, Escola Superior de Direito Municipal e Fundação Pedro Jorge de Mello da PGR.

jurisprudência alemãs, uma vez que encontrará sua base na Lei Fundamental

(Grundsgezetz).80

Seguindo Scholler vê-se que a vinculação jurídica do legislador somente tornou-se

efetiva a partir das experiências sanguinolentas vividas durante os regimes totalitários e

durante a segunda guerra mundial, momento no qual “os juristas se deram conta que

existem leis injustas.” 81 Nessa seara, refere-se que durante os períodos mencionados havia

uma vinculação do legislador relativa à forma e aos procedimentos necessários sem,

contudo, que materialmente tal vinculação existisse, ensinando Scholler que “a legislação

formalmente perfeita e editada conforme as regras procedimentais previstas no

ordenamento jurídico, poderia estar em tamanha contradição com a idéia de justiça que

perderia totalmente a sua vinculatividade.”82

Veja-se que nesse iter o princípio da proporcionalidade enuncia uma preocupação

em certa medida diversa do que a citada no ponto anterior, uma vez que a realidade social

aqui é outra (pós-regimes ditatoriais e segunda grande guerra) e a preocupação volta-se aos

direitos humanos de toda a humanidade 83, bem como com a necessidade de uma vinculação

substancial do legislador no momento de sua atuação, baseada nos direitos fundamentais

constitucionalmente assegurados. Bonavides refere que somente depois da segunda guerra

mundial e mais precisamente da Lei Fundamental da Alemanha é que o princípio da

proporcionalidade atinge uma larga aplicação de caráter constitucional.84

80 Op. cit. p. 146/147. 81 Op. cit. p. 02.82 Op. cit., p. 02.83 Ainda que a expressão denote tautologia é utilizada dessa forma para demonstrar que a preocupação passa

a ser o direito de todos e não de uma ou outra parcela do grupo social, tal como ocorria na época da Revolução Francesa, onde a preocupação era sim com as liberdades e com a igualdade, essa, contudo, apenas formal uma vez que materialmente existiam tamanhas desigualdades e as posições daqueles que litigavam, conforme o seu contexto – classe – social eram da mesma forma diversas.

84 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 408.

Cabe, aliás, trazer à baila trecho da obra de Pacheco Barros e Zucheto Barros acerca

do nascedouro do princípio da proporcionalidade enquanto limite à atuação do Estado na

seara do direito administrativo:

(...) Em suma, inicialmente, o princípio da proporcionalidade tratava apenas da limitação do poder executivo, considerado como uma medida para as restrições administrativas da liberdade individual, sendo este introduzido, no século XIX, como direito de polícia, no campo do Direito Administrativo e, posteriormente, foi considerado como princípio constitucional.85

Outrossim, importa referir, o exposto por Gomes Canotilho, segundo o qual o

princípio em tela encontra-se atualmente erigido à categoria de princípio constitucional,

consubstanciado no princípio da proibição de excesso através dos quais a doutrina e a

jurisprudência auferem um controle dos atos do poder público.86

Bonavides leciona que somente no ano de 1972 é que o Tribunal Federal

Constitucional da Alemanha clarificou seu entendimento acerca da essência do princípio da

proporcionalidade, a saber:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental.87

85 PACHECO BARROS, Wellington. ZUCHETTO BARROS, Wellington Gabriel. A proporcionalidade como princípio de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 31

86 Op. cit. p. 268.87 Decisão proferida em 16 de março de 1972 sobre armazenagem de petróleo: BVerfGE 30, p. 292, apud

Bonavides, 2004, p. 409/410.

A partir da transcrição supra, é possível detectar os “sub-princípios” ou elementos

parciais, no dizer de Bonavides, do princípio da proporcionalidade no direito germânico,

quais sejam: pertinência ou aptidão (Geeignetheit), necessidade (Erforderlichkeit) e a

proporcionalidade em sentido estrito.88

Também sobre esses três elementos e comentando o posicionamento firmado pelo

Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, assevera Pontes sustentando que a

proporcionalidade enquanto “norma geral” engloba os deveres de adequação (denominado

por Bonavides de aptidão), necessidade e conformidade (proporcionalidade em sentido

estrito – engeren Sinne), prosseguindo o autor no sentido de elucidar que tais deveres

(elementos ou subprincípios) não rompem com a unidade epistemológica do princípio da

proporcionalidade, o qual consiste no controle da natureza bem como do grau das

limitações impostas pelo Estado às liberdades individuais assim como da “medida de

concretização das pretensões individuais”89.

No tocante ao elemento da “pertinência ou aptidão” (também denominado de

adequação) verifica-se a conformidade, a adequação ou a validade do meio utilizado para

alcançar o fim almejado. Segundo Bonavides, tal elemento confunde-se com o princípio da

vedação de arbítrio (Übermassverbot). Pela aferição desse subprincípio é preciso que se

indague acerca de qual o meio certo para concretizar um objetivo baseando-se no interesse

público. 90 Outrossim, importa referir que a proibição de excesso (Übermassverbot)

enquanto faceta da proporcionalidade encontra-se em todas as “etapas” de verificação do

princípio.

Sobre esse mister, leciona Afonso da Silva que como meio adequado deve-se

entender aquele com o qual a realização de um objetivo possa ser fomentada, promovida, 88 Op. cit. 2004, p. 396/398.89 Op. cit. p. 62.90 Op. cit. 2004, p. 396/397.

ainda que o objetivo não seja inteiramente realizado. Prossegue o Autor informando que o

teste da “adequação da medida” limita-se “ao exame da sua aptidão para fomentar os

objetivos visados.”91

Relativamente ao elemento “necessidade” (Erforderlichkeit), a medida a ser tomada

pelo poder público não pode exceder os limites imprescindíveis à conservação do fim

legítimo visado. ou seja, uma medida interventiva para ser admissível deve ser necessária.

Segundo Pontes, pela necessidade há o questionamento do meio empregado para a

limitação visada, sendo que ele deve ser o menos danoso para o interesse jurídico que teve

seu exercício limitado92, ou seja, é preciso que se adote o meio mais suave (das mildeste

Mittel) entre aqueles igualmente capazes de alcançar o resultado perquirido. Outrossim,

Bonavides expõe que pela “natureza” desse subprincípio ele também pode ser denominado

de “princípio da escolha do meio mais suave” (das Prinzip der Wahl de mildesten

Mittels).93

Sobre esses dois elementos leciona Guerra Filho:

Os subprincípios da adequação e da exigibilidade ou indispensabilidade (Erforderlichkeit), por seu turno, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se, assim, “adequado”. Além disso, esse meio deve se mostrar “exigível”, o que significa não haver outro igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.94

91 Op. cit. p. 36/37.92 Pontes, op. cit. p. 6893 Op. cit. 2004, p. 397.94 GUERRA FILHO, Willis Santiago.Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4 ed. rev e ampl.

São Paulo: RCS Editora, 2005. p. 96/97. (grifos no original)

Diante do ensinamento supra, percebe-se que os elementos (ou subprincípios) do

princípio da proporcionalidade se interagem e se explicam mutuamente em virtude de que

não basta que o meio para atingir determinado fim seja adequado, ou, no dizer de

Bonavides, “pertinente”, invocando-se também que esse mesmo meio seja necessário para

o alcance do fim / objetivo visado pelo poder público. Ainda nessa senda, expõe Afonso da

Silva que o “exame da necessidade” consiste essencialmente em uma comparação, ao passo

que, no dizer do autor, o exame da adequação é um “exame absoluto”.95

Por fim, pelo terceiro elemento denominado de “proporcionalidade estrito senso”

(Verhältnismässigkeit im engeren Sinne) há a ligação com a concretização do próprio

princípio da proporcionalidade: ou seja, na utilização desse terceiro elemento há uma

obrigação, no sentido de utilizar os meios adequados para obter o fim perquirido e também

uma interdição, relativa ao uso de meios desproporcionais para tal desiderato.96

Gomes Canotilho, ao trabalhar sobre o sentido estrito do princípio da

proporcionalidade leciona que:

Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à <<carga coativa>> da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, entendido como princípio da “justa medida”. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de <<medida>> ou de <<desmedida>> para se alcançar um fim (...).97

95 Op. cit. p. 38. Leciona Afonso da Silva a respeito do sub-elemento necessidade, “Um ato estatal que

limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida o direito fundamental atingido.” Op. cit. p. 38.

96 Idéia esposada por BONAVIDES, op. cit, 200 4. p. 398.97 Op. cit. p. 270

Essa é também a idéia perfilhada por Guerra Filho, elucidando que na aferição da

proporcionalidade em sentido estrito será estabelecida uma correspondência entre o fim

perseguido por determinada disposição normativa e o meio empregado para alcançá-lo, a

qual deve ser a melhor possível, o que significa que não deve tal concatenação ferir o

“núcleo essencial” de um direito fundamental com o inadmissível desrespeito à dignidade

humana e que, mesmo que exista alguma desvantagem para o interesse de pessoas,

coletivas ou individualmente, em decorrência da hipotética disposição normativa, será

preciso que a vantagem da medida para outra ordem supere as desvantagens da mesma.98

Para clarificar, cabe trazer à baila o ensinamento de Pontes acerca do princípio da

proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit im engeren Sinne):

A relação entre o meio adotado e o fim com ele perseguido revela-se proporcional quando a vantagem representada pelo alcance desse fim supera o prejuízo decorrente da limitação concretamente imposta a outros interesses igualmente protegidos prima facie. (...) A proporcionalidade em sentido estrito representa a idéia nuclear do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, porquanto consubstancia a concreta apreciação dos interesses em jogo, isto é, revela a necessidade de formulação de um juízo de sopesamento (Abwägung) entre o meio adotado pela autoridade (e o interesse público que o justifica) e a limitação sofrida pelo indivíduo em parcela da sua esfera juridicamente protegida.99

Na senda da proporcionalidade estrito senso, Pereira leciona que nesse terceiro

elemento da proporcionalidade há uma ponderação, ou seja, para a verificação da

constitucionalidade da medida restritiva de direitos fundamentais deve existir, pelo menos,

um nexo de correspondência entre a gravidade da restrição ao direito fundamental e a

relevância da implementação do princípio constitucional que a fundamenta.100

98 Op. cit. p. 95/96. 99 Op. cit. p. 70100 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais: uma

contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio

Por fim, impende ressaltar que tanto a proibição de excesso quanto a proibição de

insuficiência encontram-se nos três elementos, ou nas “três fases” (adequação, necessidade

e proporcionalidade estrito senso) a serem perquiridas quando da aferição do principio da

proporcionalidade em sentido amplo.

2.2 Distinção entre proporcionalidade e razoabilidade

Como visto anteriormente, quando abordado a evolução do princípio ao longo da

história, há na doutrina uma divisão entre autores que entendem serem tais princípios

sinônimos, enquanto que outros entendem existir uma diferença entre ambos, não sendo tal

distinção meramente cosmética.

Entre a primeira parcela da doutrina, situa-se, por exemplo, Barroso, que trabalha

como distinção entre ambos apenas o fato de um ter se originado no direito norte-americano

(razoabilidade) e o outro ter origem no direito germânico (proporcionalidade), sendo que

ambos se constituiriam na verificação da constitucionalidade da norma (por exemplo)

mediante a aferição da compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins

visados, bem como a legitimidade dos fins do ato em discussão. De acordo com Barroso:

Enxergar o direito pelos olhos da Constituição, significa, por exemplo, ver o direito à luz do Princípio da Proporcionalidade, ou Razoabilidade, que é um dos mais importantes (se não for o mais) princípios albergados na Constituição, o

de Janeiro: Renovar, 2006. p. 350.

qual consiste num parâmetro de valoração dos atos do Poder Público, para aferir se eles são informados pelos valores ditados pela Constituição.101

Ainda, o autor trabalha ambos os princípios como sinônimos, lecionando que a

razoabilidade consiste na adequação de sentidos entre os motivos (circunstâncias de fato),

os fins e os meios [aí se encaixando a proporcionalidade] e os valores fundamentais do

Estado, como a paz, a ordem, a segurança, a solidariedade e a justiça.102 Na mesma esteira

de Barroso, encontra-se Barros, que relaciona necessidade, adequação e proporcionalidade

em sentido estrito como sub-princípios da proporcionalidade ou razoabilidade, não fazendo,

portanto, distinção entre ambos.103

Verifica-se a aplicação indistinta, ainda, das decisões do Supremo Tribunal Federal

deste País, o qual se refere aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tratando

esse como variável daquele, 104 ou ainda, conforme exposto por Afonso da Silva, figurando

o princípio como um “lugar comum” (topói) utilizado pelo Pretório Excelso ou ainda, como

uma simples forma de compatibilidade entre meios e fins.105

101 BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 204102 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5. ed. rev. atual. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2003. p. 226.103 BARROS, op. cit. p. 66.104 (...) Esse tratamento normativo desigual, que castiga o réu com perda injusta e irreparável da liberdade

física, agride o princípio da proporcionalidade, como variável da razoabilidade. Creio inconcebível que o sistema jurídico tolere essa incoerência de regulamentação desproporcional de conseqüências sancionatórias para valores jurídicos absolutamente díspares, atribuindo prudente proteção a bem jurídico que, diria, não é o mais valioso da vida, o patrimônio, e, na esfera penal, negando-a à liberdade do cidadão! Isso, para mim, ofende frontalmente, além de cláusula constitucional específica (art. 5º, LVII), o princípio da proporcionalidade, que veda toda sanção injustificável quando comparada com conseqüência prevista para hipótese mais grave em abstrato. (...) Seria esse [lançamento do nome do réu no rol dos culpados antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória], outro tipo gritante de desproporcionalidade: sustentar a impossibilidade de manter o nome do réu no rol dos culpados, mas permitir que ele permaneça preso até que sobrevenha julgamento definitivo, o qual bem pode declará-lo inocente! Nada haveria de razoável nessa desequilibrada ponderação normativa que de igual modo subverteria a escala de valores emergentes da Constituição." (...). Supremo Tribunal Federal, Rel. Ministro Cezar Peluzzo. HC 88642 MC/ SP .j. 04/05/2006

105 Op. cit. p. 31/34.

Contudo, acredita-se ser necessária a diferenciação entre os dois princípios, diante

dos elementos componentes de cada um, bem como pela diferenciação quanto a cada um

dos respectivos objetos.

Nesse sentir, advogando pela distinção entre ambos os princípios, cita-se a lição de

Bandeira de Mello, para o qual a razoabilidade caracteriza-se, essencialmente, pela adoção

de critérios “racionais” diante do caso posto em análise. Vale dizer, destina-se esse

princípio à observância de critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em consonância

com o “senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a

outorga da competência exercida.”106

Relativamente ao princípio da proporcionalidade, ensina o autor citado que este se

destina à verificação acerca da situação posta em análise auferindo-se se a extensão da

medida e sua intensidade são proporcionais a finalidade colimada.107

Ou seja, pelo ensinamento supra, percebe-se que a razoabilidade está mais para um

juízo subjetivo, ao passo que a proporcionalidade serve para perquirir se a medida tomada

pelo Poder Público é adequada, diante das outras medidas igualmente existentes para a

obtenção do fim almejado, de modo que cause a menor interferência possível na vida do

cidadão. Em que pese também ser subjetiva, a proporcionalidade não demanda um juízo em

torno do “senso normal de pessoa equilibrada”, oferecendo ao intérprete opções, dentre as

quais deverão ser escolhidas aquelas que se destinem à consecução do escopo visado, mas

que para isso interfiram da menor maneira possível (de modo ostensivo) na esfera de

direitos fundamentais do cidadão.

106 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 99.

107 Idem ibidem, p. 101.

Já Ávila, que distingue princípios, regras e postulados, trabalhando a razoabilidade e

a proporcionalidade como postulados normativos108, leciona que,

O postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto [razoabilidade como eqüidade], quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência [razoabilidade como congruência], seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas [razoabilidade como equivalência].109

No tocante à proporcionalidade, expõe o autor que uma das distinções básicas entre

ela e a razoabilidade reside na existência, na primeira, de um nexo de causalidade entre um

meio e um fim concretamente verificável. Elucida Ávila que a exigência da concretização

de vários fins, todos constitucionalmente protegidos, implica na adoção de medidas que

sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.110

Cabe referir que sobredito doutrinador, trabalha ainda com a existência de um

terceiro postulado, qual seja, a proibição de excesso, abarcada nesse estudo em conjunto

com a proporcionalidade (lato senso), sendo uma de suas facetas, juntamente com a

108 Para o autor, razoabilidade e proporcionalidade seriam postulados uma vez que “(...) os postulados normativos situam-se num plano distinto daqueles das normas cuja aplicação estruturam. A violação deles consiste na não-interpretação de acordo com sua estruturação. São, por isso, metanormas (...). Isso porque esses sobreprincípios situam-se no próprio nível das normas que são objeto de outras. Além disso, os sobreprincípios funcionam como fundamento, formal e material, para a instituição e atribuição de sentido às normas hierarquicamente inferiores, ao passo que os postulados normativos [para o autor, razoabilidade e proporcionalidade] funcionam como estrutura para a aplicação de outras normas.” ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 120 et. seq. Em que pese a respeitável doutrina exposta por Ávila acerca da configuração da proporcionalidade (objeto precípuo deste trabalho) enquanto postulado normativo, a mesma não será adotada no transcorrer desse estudo, em virtude da exigüidade do tempo para desenvolvê-lo, aliada à concentração do tema proposto.

109 Idem ibidem. p. 169.110 Idem ibidem. p. 169.

proibição de proteção insuficiente, que será analisada a seguir. O autor trabalha a proibição

de excesso na condição autônoma por entender que seu estudo não demanda,

necessariamente, a existência de um nexo de causalidade (tal como é necessário ao estudo

da proporcionalidade) entre o meio e o fim, destinando-se mais à verificar se um direito

fundamental está sendo excessivamente restrito.111

Nesse passo, ressalte-se respeitar a opinião do autor, mas expõe-se que a proibição

de excesso será aqui tratada enquanto uma das faces da proporcionalidade pois o estudo

dessa é feito justamente em cima dos direitos fundamentais, enquanto função de proibição

de intervenção indevida pelo Estado na esfera do cidadão, ao lado dos direitos de defesa,

denominados por Canaris de “mandamentos de tutela.”112

Pacheco Barros e Zuchetto Barros, em obra recentemente lançada também são

favoráveis pela distinção entre os dois princípios, a saber,

Proporcionalidade e razoabilidade não são conceitos fungíveis. Cada um, além de uma fundamentação própria, possui elementos caracterizadores que marcam uma diferença operacional: a razoabilidade trata da legitimidade de escolha dos fins em nome dos quais agirá o Estado, enquanto a proporcionalidade averigua se os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já escolhidos.113

Ou seja, para esses autores, a análise da razoabilidade seria uma fase anterior à

aplicação da proporcionalidade. Enquanto àquela verificaria a legitimidade da escolha feita

pelo Estado, esta detectaria se tal escolha é adequada ao fim colimado, é necessária para tal

111 Idem ibidem. p. 133/137.112 CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais sobre o direito

privado na Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 234/243.

113 PACHECO BARROS e ZUCHETTO BARROS, op. cit. p. 49.

e se é proporcional em sentido estrito (se entre os meios existentes para a obtenção do fim,

foi eleito o menos gravoso aos direitos fundamentais de cada cidadão, e se tal meio

escolhido seria necessário à consecução do escopo perquirido).

Diante da importância dogmática e esclarecedora em torno da distinção ora

abordada, cabe trazer à baila o ensinamento de Afonso da Silva, segundo o qual a

proporcionalidade e a razoabilidade possuem não só “nascedouros” distintos, mas também

formas de aferição não fungíveis, informando o autor que a verificação da irrazoabilidade

de determinado ato é feita somente para afastar aqueles irrazoáveis em demasia.114 Já com

relação à proporcionalidade, leciona o autor:

A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. (...) A regra da proporcionalidade, portanto, não só não tem a mesma origem que o chamado princípio da razoabilidade, como freqüentemente se afirma, mas também deste se diferencia em sua estrutura e em sua forma de aplicação (...).115

Ademais, relembre-se que para a verificação da proporcionalidade (lato senso)

segue-se à análise de seus três sub-elementos, os quais, segundo Afonso da Silva, se

relacionam de forma subsidiária.116 Já no dizer de Steinmetz, os princípios parciais da

adequação, necessidade e proporcionalidade estrito senso funcionam como indicadores de

114 Op. cit. p. 29.115 Idem ibidem p. 30/31.116 Idem ibidem p. 34. O autor menciona sua preocupação para o fato de que, muitas vezes a subsidiariedade

entre os sub-elementos da proporcionalidade não é trabalhada com a devida consideração, expondo o ele que é no caráter de subsidiariedade entre ambos que reside a razão de ser na sub-divisão em tais sub-princípios ou sub-elementos da proporcionalidade. p. 34.

controle, aí residindo o fator que concede maior importância à proporcionalidade sobre a

razoabilidade quando diante de colisão de direitos fundamentais.117

Oportuno mencionar, por fim, a idéia sustentada por alguns doutrinadores sobre a

possibilidade de trabalhar conjuntamente proporcionalidade estrito senso e razoabilidade-

equivalência118, na medida em que essa consiste na existência de equivalência entre a

medita adotada e o critério que a dimensiona119, enquanto àquela consiste na aferição entre

um meio escolhido para atingir determinado fim: sua adequação e a conseqüente

necessidade para tal.120

Nesse diapasão, já é possível perceber por quê se afirmou no início que tal distinção

não era meramente ilustrativa, ainda mais quando se trata da aplicação do princípio da

proporcionalidade na seara do direito penal. Isso porque, dado o abandono do antigo

modelo de “direito penal do autor”, se adotado fosse o princípio da razoabilidade

(razoabilidade – equidade ou razoabilidade – congruência, tal como lecionado por Ávila)

somente como análise feita no caso concreto frente ao senso comum, seria muito difícil até

mesmo sustentar a legitimidade das decisões condenatórias – decisões que entendem pela

procedência da pretensão punitiva do Estado em determinado caso fático – na medida em

que a razoabilidade é calcada num juízo de “senso comum”, critério subjetivo, afastado

desse ramo do direito, também, por força da distinção, há muito existente, entre direito e

moral, denominada por alguns de princípio da secularização.

117 Op. cit. p. 188.118 Trabalhada dessa forma por ÁVILA, o qual refere outras ‘espécies’ de razoabilidade Op. cit. p. 145.119 Idem ibidem, p. 145.120 Aliás, tal proposição é trabalhada por CALIL DE FREITAS, que assim leciona “Trata-se de uma possível

identidade entre o exame estrito da proporcionalidade e o exame da razoabilidade, na medida em que se entenda que na análise da proporcionalidade em sentido estrito se inclui a ponderação relativamente aos interesses em oposição, dentre eles os interesses pessoais dos sujeitos dos direitos fundamentais desvantajosamente afetados.” Op. cit. p. 212. No mesmo sentido, a orientação de Ávila, op. cit. p. 147.

2.3 O Princípio da proporcionalidade e sua dupla dimensão - proibição de excesso e

proibição de insuficiência

Superadas algumas questões em torno do princípio da proporcionalidade,

especialmente no que diz com seu aspecto histórico e sua distinção com o princípio da

razoabilidade, faz-se possível adentrar no campo de análise do princípio não somente na

feição da proibição de excesso por parte do Poder Público, como também como proibição

de insuficiência, atinente essa aos deveres de proteção / imperativos de tutela impostos

através dos direitos fundamentais a todos os Poderes do Estado.

Nessa senda, vale rememorar a mudança paradigmática pela qual passou o Brasil

nos últimos vinte anos: de um Estado ditatorial (formalmente legalista) para um Estado

Democrático de Direito (substancialmente legalista) o qual tem como norte os direitos

fundamentais constantes na Carta Constitucional de 1988, que exercem uma dupla função

nesse novo modelo de Estado: de um lado impondo limites à atuação estatal e, de outro

impondo deveres de tutela para o Estado em relação aos seus cidadãos. Sobre esse tema

ensina Streck:

(...) já não se pode falar, nesta altura, de um Estado com tarefas de guardião de “liberdades negativas”, pela simples razão – e nisto consistiu a superação da crise provocada pelo liberalismo – de que o Estado passou a ter a função de proteger a sociedade nesse duplo viés: não mais apenas a clássica função de proteção contra o arbítrio, mas, também a obrigatoriedade de concretizar os direitos prestacionais e, ao lado destes, a obrigação de proteger os indivíduos contra agressões provenientes de comportamentos delitivos, razão pela qual a segurança passa a fazer parte dos direitos fundamentais (art. 5o, caput, da Constituição do Brasil).121

121 STRECK, op. cit. 2004, p. 245.

Tal situação implica numa revisão da forma de interpretar as normas e também na

forma de perceber e compreender a atuação estatal. Assim, a aplicação do princípio da

proporcionalidade fulcrada no duplo viés, título desse tópico, está umbilicalmente ligada a

dupla função dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

Ainda a título preambular, cabe trazer à colação o ensinamento de Sarlet a respeito

das duas facetas a serem trabalhadas abaixo:

De modo especial, argumenta-se que existe uma substancial congruência (pelo menos no tocante aos resultados) entre a proibição de excesso e a proibição de insuficiência, notadamente pelo fato de que esta se encontra abrangida pela proibição de excesso, no sentido de que aquilo que corresponde ao máximo exigível em termos de aplicação do critério da necessidade no plano da proibição de excesso equivale ao mínimo exigível reclamado pela proibição de insuficiência.122

Assim, o que se passa a propor é uma aplicação do direito que respeite a todas as

funções dos direitos fundamentais, constituindo-se a proibição de excesso e a proibição de

insuficiência nos instrumentais pelos quais a aplicação do princípio da proporcionalidade se

fará possível.

2.3.1 O que significa um “garantismo positivo”?

Diante da mudança de paradigma supra exposta, e desenvolvida ao longo do

primeiro capítulo, impende sublinhar que falar em aplicação de um “garantismo penal

122 SARLET, Ingo. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 47, ano 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, março-abril de 2004. p. 103

positivo123”, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade em sua dupla face, não

significa retomar o maléfico “direito penal do autor”, mas sim efetivar através do sobredito

princípio e pela via da atividade judicial penal os direitos e garantias fundamentais do

restante dos indivíduos que fazem parte da sociedade124: garantem-se os direitos daquele

contra o qual o Estado exerce sua pretensão punitiva (por exemplo) e, ao mesmo tempo são

garantidos os direitos fundamentais também dos demais membros da sociedade.

Outrossim, pretende-se demonstrar que o limite para atuação, no caso do Estado-

Juiz na aplicação do princípio da proporcionalidade como proibição de insuficiência reside

na Constituição Federal e, mais especificamente, nos direitos fundamentais que dão azo à

aplicação do princípio da proporcionalidade visto sob esse prisma. Destarte, não se sustenta

o afastamento de tal aplicação sob o fundamento de que ela implicaria em uma “decisão

arbitrária” pautada na discricionariedade de cada magistrado.

Ademais, cabe colacionar o ensinamento de Giacomolli, em obra recente, na qual o

autor informa que há casos em que o tipo penal (que diz com o princípio da reserva legal)

se concretiza na prática, mas, a conseqüência disso não ocorre de maneira a ensejar uma

aplicação conforme o Código Penal (por exemplo), entrando aí o papel do intérprete, não

como juiz-legislador, mas como um instrumento pelo qual serão concretizadas as normas

penais, se for o caso, e também as normas que atinem aos direitos fundamentais. Assim:

123 Para utilizar as lições de SARLET, op. cit. 2004, p.79; e também de STRECK, no parecer proferido nos autos do Agravo em Execução n. 70008.229.775, 5a. Câmara Criminal do TJRS, bem como nos artigos: A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassberbot à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, no 97, V. 32 – março/2005. Porto Alegre: AJURIS, 2005, p. 171/202 e também op. cit. 2004, p. 223/251.

124 DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo. Jurisdição e Direitos Fundamentais: Anuário 2004-2005.Porto Alegre: Livraria do Advogado; AJURIS-ESM, 2006. p. 87

Há que se ter em conta, ademais da reprovabilidade já indicada pelo legislador a sanção típica, que no mesmo tipo penal podem adequar-se situações em que a lesão ao mesmo bem jurídico tenha distintas dimensões, pois as normas criminais contém disposições genéricas e abstratas, dirigidas a todos os infratores de uma determinada conduta proibida. Portanto, a concreção do fato típico também pode converter-se em uma conseqüência de pouca extensão – atenuantes, eximentes incompletas, por exemplo. (...) Ocorre que, no momento em que a conduta se concretiza, a ofensa a um bem jurídico, abstratamente considerada, pode não se concretizar, devido a sua escassa ou ínfima dignidade – inclusive menos grave que uma infração administrativa – carecendo de necessidade de tutela penal. Ainda, em determinados casos, a lesão ao bem jurídico não sendo grave – mediana –, não necessita de uma tutela penal com a mesma eficácia da aplicada à criminalidade de maior gravidade – proporcionalidade.125

A aplicação da tese da proporcionalidade, dessa feita, justifica-se porque tem como

base e como limites o conteúdo axiológico dos direitos fundamentais, estando, assim, em

consonância também com o princípio da legalidade.126

Assim, o garantismo positivo consiste na interpretação da norma penal em face da

Carta Constitucional Brasileira não só quando há criminalização de determinadas condutas,

mas também quando há descriminalização em virtude da dupla operabilidade dos direitos

fundamentais no Estado Democrático de Direito. Além disso, como assinala Streck, o

legislador também está vinculado à proibição de proteção deficiente (insuficiente).127

Entendido o garantismo como forma interpretativa de filtragem da legislação

infraconstitucional a partir dos valores e conceitos atinentes aos direitos fundamentais

incorporados pela Constituição Federal de 1988, ao lado do fato de termos no País valores

constitucionais como a dignidade da pessoa humana (um dos fundamentos da República

125 GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal na perspectiva das garantias constitucionais: Alemanha, Espanha, Itália, Portugal e Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 91 et. seq. A partir do trecho supra transcrito, percebe-se a aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso. Veja-se que a obra consultada trata em especial de mecanismos de consenso (alternativas) no processo penal, de modo a destinar as punições mais graves, como uma pena privativa de liberdade, a casos mais graves, ao que o autor remete-se à utilização da proporcionalidade, conforme visto no trecho acima transcrito.

126 Cabe ressaltar que não se pretende, em nenhuma hipótese, um posicionamento favorável à figura de “juízes legisladores”, e sim de demonstrar que o princípio da proporcionalidade sob seu duplo viés consiste em importante instrumento hermenêutico a proporcionar a efetivação, no caso concreto e quando demandado, dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

127 STRECK, op. cit, 2005. p. 177 e 191.

Federativa do Brasil) além do extenso rol de direitos fundamentais costurados no decorrer

da mencionada Carta, é possível concluir que se os direitos fundamentais possuem não só a

função de impor limites à atuação estatal, de outra banda possuem também a função de

imperativos de tutela, a serem seguidos pelo Estado aos cidadãos, de forma que a aplicação

do garantismo positivo pode vir a significar a concretização (ainda que sensível) de ambas

as funções dos direitos fundamentais.

2.3.2 Entre proibição de excesso e proibição de insuficiência.

Como visto anteriormente, o princípio da proporcionalidade enquanto proibição de

excesso surge num contexto histórico no qual era imperioso um mecanismo de “frenagem”

ao arbítrio estatal, diante de leis formalmente perfeitas, mas desprovidas de qualquer

conteúdo axiológico, quiçá ligado aos direitos fundamentais, tais como concebidos

hodiernamente.

Assim, no modelo liberal-iluminista era mister a proteção das liberdades dos

indivíduos frente ao Estado, esse, aliás, com uma atuação mínima na vida de seus cidadãos.

Essa perspectiva liberal-iluminista do princípio enquanto proibição de excesso vigora até

hoje, contudo, num quadro político social diverso daquele existente quando de seu

surgimento.

Contemporaneamente, a proteção não é somente relativa a bens individuais como

também a bens transindividuais, difusos e coletivos. E isso ocorre pelo avanço da sociedade

acompanhado de uma “especialização” no âmbito do direito penal, uma vez que

diferentemente do que ocorre nos delitos chamados de“clássicos” (v.g. furto, roubo,

estelionato) nessa nova classe de delitos os reflexos dos mesmos ocorrem perante uma

comunidade, uma sociedade, uma nação.

Ressalte-se ainda que a Carta Constitucional de 1988 também tratou de vários

desses bens como direitos fundamentais (p. ex. meio ambiente e defesa do consumidor) o

que vale dizer que para a sua proteção é necessária uma hermenêutica calcada nos pilares

da proporcionalidade aqui expostos como proibição de excesso e proibição de insuficiência.

Apenas a título ilustrativo, na linha argumentativa de uma nova concepção social,

repisa-se que a Constituição Federal tem como valor a solidariedade social e como um dos

objetivos fundamentais da República a erradicação da fome e da miséria no País, o que

demonstra a intensa preocupação do legislador constituinte com toda a coletividade e o que

vem a corroborar a insustentabilidade do (antigo) paradigma liberal-iluminista que deu azo

à proporcionalidade (apenas) como proibição de excesso por parte dos poderes do Estado,

onde tínhamos como valores o individualismo e a mínima intervenção estatal na vida dos

indivíduos.

Nessa esteira, leciona Streck acerca de uma controvérsia no âmbito do direito penal

entre os penalistas liberais que advogam uma função limitadora do conceito de bem

jurídico e os penalistas de índole comunitarista-garantista que se posicionam pela

funcionalidade de tal conceito, atrelada a uma concepção organizativa, interventiva e atenta

à realidade social.128 Leciona, ainda, Streck que:

(...) não há liberdade absoluta de conformação legislativa nem mesmo em matéria penal, ainda que a lei venha a descriminalizar condutas consideradas ofensivas a bens fundamentais. Nesse sentido, se de um lado há a proibição de excesso (Übermassverbot), de outro há a proibição de proteção deficiente (Untermassverbot). Ou seja, o direito penal não pode ser tratado como se existisse apenas uma espécie de garantismo negativo, a partir da garantia de

128 Op. cit. 2005, p. 174/175.

proibição de excesso. (...) a partir do papel assumido pelo Estado e pelo Direito no Estado Democrático de Direito, o direito penal deve ser (sempre) examinado também a partir de um garantismo positivo, isto é, devemos nos indagar acerca do dever de proteção de determinados bens fundamentais através do direito penal. Isto significa dizer que, quando o legislador não realiza essa proteção via direito penal, é cabível a utilização da cláusula “proibição de proteção deficiente” (Untermassverbot). 129

Dessa feita, não se trata (de forma alguma) de rechaçar o garantismo – em todas as

esferas do direito – da dogmática jurídica, mas sim de alinhar aquela doutrina à dupla

função axiológica dos direitos fundamentais, de um lado, como limites de atuação estatal e

de outro, como imperativos de tutela pelo Estado. E é nesse iter, pois, que se enquadra o

princípio da proporcionalidade em sua dupla ótica: como proibição de conduta excessiva

pela atividade estatal (por todos os Poderes do Estado) e, de outra banda, como proibição

de prestação insuficiente do dever de proteção pelo Estado dos direitos fundamentais de

cada pessoa humana.

Nesse sentido, Bonavides esclarece que o fito de tal princípio é instituir a relação entre os fins e os meios, confrontando o fim e o fundamento de uma intervenção com seus efeitos, na busca de um controle do excesso130. Dessa feita, o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso encontra a guarida perfeita não só na Carta Constitucional de 1988, como também na sociedade brasileira, dado o regime que vigorou anteriormente àquela.131

Logo, a Constituição Federal de 1988, aliada à consciência do necessário respeito

aos direitos humanos e fundamentais, garantem sua necessária proteção.Nesse sentido, dada

a importância desses direitos, cabe trazer à tona a lição de Grinover, Fernandes e Gomes

Filho acerca do que acarreta, no processo penal, a inobservância aos direitos e garantias

fundamentais, positivados na Carta Magna de 1988:

129 Idem ibidem. p. 176/177.130 BONAVIDES, 1997. p. 357131 Por oportuno, transcreve-se o ensinamento de Giacomolli sobre a “base” do princípio da

proporcionalidade, o qual, “(...) se infere da Constituição Federal da República Federativa do Brasil em um Estado Democrático de Direito (artigo 1º da Constituição Federal) e do estabelecimento de um elenco de direitos e garantias pela Carta Magna (artigo 5º. da Constituição Federal)”. Op. cit. p. 87.

Os preceitos constitucionais com relevância processual têm a natureza de normas de garantia, ou seja, de normas colocadas pela Constituição como garantia das partes e do próprio processo. (...)Contraditório, ampla defesa, juiz natural, motivação, publicidade etc. constituem, é certo, direitos subjetivos das partes, mas são, antes de mais nada, características de um processo justo e legal, conduzido em observância ao devido processo não só em benefício das partes, mas como garantia do correto exercício da função jurisdicional. Isso representa um direito de todo o corpo social, interessa ao próprio processo para além das expectativas das partes, e é condição inafastável para uma resposta jurisdicional imparcial, legal e justa. Nessa dimensão garantidora das normas constitucionais-processuais, não sobra espaço para a mera irregularidade sem sanção ou nulidade relativa. A atipicidade constitucional, no quadro das garantias, importa sempre uma violação a preceitos maiores, relativos à observância dos direitos fundamentais e a normas de ordem pública.132

Ou seja, o princípio da proporcionalidade como proibição de excesso, foi

recepcionado não só pela Constituição Federal de 1988, através das garantias

constitucionais de cada cidadão, dentre elas, a garantia ao devido processo legal e à ampla

defesa, mas também pela doutrina e jurisprudência, ao passo que se veda o “excesso”, e que

se interpretam as garantias constitucionais como normas de ordem pública, cuja

inobservância acarretará nulidade absoluta, sem falar na ocorrência (também) de

inconstitucionalidade, a qual na lição de Sanguiné:

Por último, o princípio constitucional da proporcionalidade funciona como pressuposto, critério ponderativo e limite da prisão provisória. (...) Uma nota essencial do subprincípio da idoneidade, que compõe o princípio constitucional da proporcionalidade, se refere ao controle do desvio do poder. Isso implica examinar a verdadeira intenção do Juiz, do Promotor ou do Policial, que adota a medida no caso concreto, de maneira que não podem perseguir ditos órgãos uma finalidade distinta da prevista em lei, amparando-se precisamente nesta “norma de cobertura” para defraudar o direito fundamental. Portanto, desde a perspectiva do princípio da proporcionalidade não há espaço lógico para o “fundamento apócrifo” do clamor público, nem mesmo quando retoricamente o discurso jurídico procura inseri-lo no indeterminado conceito da ordem pública. Quando esta medida está dirigida à consecução de fins não previstos pela norma

132 GRINOVER, Ada. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7 ed. rev e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 24

habilitadora da ingerência, há de ser considerada inconstitucional, por vulneração do princípio de proibição de excesso.133

De outra banda, não se pode esquecer que a sociedade como um todo tem o direito à

liberdade, à segurança, à vida, à dignidade. Nesse passo, retoma-se o disposto no artigo 2o,

da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789, “O fim de toda a associação

política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são

a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão”. Interessa aqui, no que

toca à conservação da segurança, bem como à proteção dos direitos fundamentais, em

virtude dos papéis que eles desempenham no atual modelo de Estado, expostos no primeiro

capítulo do presente trabalho.

Nesse sentido, é precisa a observação de Sarlet quanto à outra face do princípio da

proporcionalidade, relacionada à proibição de insuficiência:

(...) Por outro lado o Estado – também na esfera penal – poderá frustrar o seu dever de proteção atuando de modo insuficiente (isto é, ficando aquém dos níveis mínimos de proteção constitucionalmente exigidos) ou mesmo deixando de atuar, hipótese, por sua vez, vinculada (pelo menos em boa parte) à problemática das omissões inconstitucionais. É nesse sentido que – como contraponto à assim designada proibição de excesso – expressiva doutrina e inclusive jurisprudência têm admitido a existência daquilo que se convencionou batizar de proibição de insuficiência (no sentido de insuficiente implementação dos deveres de proteção do Estado e como tradução livre do alemão Untermassverbot). 134

133 SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. In: SCHECAIRA, Sérgio Salomão (org.) Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001. p. 295

134 Op. cit, 2004, p. 98 – sem grifos no original.

Hodiernamente, há no direito penal, uma maximização das garantias dos autores de

delitos, ainda que a Constituição Federal seja um exemplo de garantias e direitos

individuais, ainda que a inobservância destes ocasione a nulidade de todo o processo penal,

ou seja, a garantia já existe, Constitucionalmente. Diante disso, entende-se pela necessidade

da transição do paradigma liberal-individualista para as noções de comunitarismo-social

que permeia a atual Carta Magna Brasileira.

O argumento repisado de que não se pode vedar a liberdade de um homem em

detrimento dos interesses da maioria, veemente utilizado por alguns setores que

permanecem no paradigma “antigo”135 deve ser visto no contexto global da sociedade em

que este mesmo indivíduo se enquadra, sob pena até mesmo de afronta ao princípio da

igualdade, no momento em que, o autor de um delito não pode ser privado de sua liberdade,

mas o que se vê é que a sociedade tem se privado de sua própria liberdade em virtude da

insegurança causada pelo fato de que os autores dos vários delitos estão soltos nas ruas,

muitas vezes pelo argumento de que “não se pode privar o homem de sua liberdade, em

virtude dos interesses da maioria”. O problema é que o “interesse da maioria” nada mais é

do que a pretensão de cada indivíduo de ter sua dignidade humana garantida e seus direitos

fundamentais assegurados.

Nesse estado de coisas, cabe a indagação acerca do porquê do rompimento com o

princípio constitucional da igualdade, aplicando o garantismo penal de Luigi Ferrajoli

somente para uns, em detrimento de uma grande maioria? Ou seja, da aplicação do

garantismo penal somente em sua face negativa? Advoga-se aqui o garantismo penal, tal

como proposto por Ferrajoli, com aplicação de maneira uniforme, para todos, garantindo os

direitos fundamentais de todos, e não só daqueles contra quem o Estado exerce uma

135 A expressão “antigo” é utilizada justamente para demonstrar que o pensamento liberal-individualista não mais se sustenta a partir de do regime jurídico vigente no país, bem como a partir de uma hermenêutica voltada à teoria constitucional e dos direitos fundamentais, seguindo as lições de STRECK, nos artigos já citados, datados de 2004 e 2005.

pretensão punitiva, de forma a constituir um garantismo “positivo”, nas linhas do exposto

por Sarlet136. Discorrendo, aliás, sobre o tema, leciona Streck:

(...) se de um lado o Estado-legislador deve proteger o cidadão contra os excessos/arbítrios do direito penal e do processo penal (garantismo no sentido negativo, que pode ser representado pela aplicação do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de excesso – Übermassverbot), esse mesmo Estado não deve pecar por eventual proteção deficiente (garantismo no sentido positivo, representado pelo princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente – Untermassverbo) (...)137

Assim, ao passo que cabe ao Estado a necessária proteção diante de possíveis

exageros do seu setor legislativo – entendido aí o garantismo negativo, proibição de que o

Estado ultrapasse os limites fundamentais (direitos humanos fundamentais) –, deve este

mesmo Estado garantir a proteção aos demais integrantes da sociedade, não mais com

relação ao legislador, mas aplicado na esfera judicial.

Sarlet, ao analisar alguns tópicos da casuística jurídico-penal, aborda a questão da

inconstitucionalidade do instituto da reincidência, abordada no capítulo 3 deste trabalho. Na

esfera da proibição de insuficiência, explica o doutrinador que a simples declaração de

inconstitucionalidade do instituto, sem uma correspondente alternativa, poderia “contribuir

no mínimo para estimular uma reiteração na prática delitiva, ainda que esta linha

argumentativa certamente esteja a reclamar maior desenvolvimento”138.

Comentando a decisão citada em seu artigo139, manifesta o autor sua inconformidade

com a aplicação feita, em virtude da mesma ir de encontro ao princípio da

136 Op. cit. março-abril, 2004, p. 97/122.137 Trecho do parecer proferido, 2004, p. 8 – grifos no original.138 Op. cit. março-abril 2004, p. 113/114139 Informa o doutrinador que o teor da apelação não foi publicado (março-abril, 2004, p. 115, nota 123).

proporcionalidade140. E conclui sua exposição advogando no sentido de que o princípio da

proporcionalidade deve ser compreendido na sua dupla acepção, em virtude de que ambas

guardam ligação direta com as noções de equilíbrio e necessidade. 141

Expostas tais considerações sobre questões que envolvem a aplicação do direito

penal com feição liberal-iluminista, bem como deduzidos os motivos pelos quais é

necessária uma nova fórmula de se interpretar o direito (utilizando-se de “lentes

constitucionais”) a fim de que não sejam esquecidos os papéis dos direitos fundamentais no

Estado Democrático de Direito, é possível adentrar na análise de alguns casos práticos

sobre o tema da aplicação do “garantismo negativo,” bem como com o intento de

demonstrar ser possível a aplicação de uma teoria interpretativa calcada no garantismo

positivo tal como acima exposto, sem cair em reducionismos ou possíveis arbitrariedades,

como temem alguns expoentes da doutrina. Afinal, como reiteradamente enunciado no

decorrer do presente trabalho a realidade política-social e jurídica no Estado Brasileiro hoje

é diversa daquela realidade constante quando (até mesmo) do surgimento do princípio da

proporcionalidade, impondo-se uma readaptação na forma hermenêutica de interpretação

das normas infraconstitucionais

140 Op. cit. março-abril, 2004, p. 116141 Idem ibidem, p. 122.

3. PROPOSTA PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

DA PROPORCIONALIDADE ENQUANTO PROIBIÇÃO DE

INSUFICIÊNCIA NA CASUÍSTICA PENAL

Conforme visto nos capítulos anteriores, o atual modelo de Estado impõe ao

intérprete do Direito a necessidade de proteção eficiente dos direitos fundamentais, uma

vez que eles são o norte e o fim do ordenamento jurídico. Atualmente, não importa somente

ser a lei formalmente válida, ela deve ser, também, materialmente válida, cujo controle

pode ser auferido através da interpretação conforme a Constituição, da declaração de

inconstitucionalidade em sede de controle difuso, do ajuizamento da ação declaratória de

inconstitucionalidade pelos seus legitimados, entre outras formas previstas no texto

Constitucional142.

Em virtude da expressividade, traz-se à leitura trecho de trabalho escrito por Streck

e Feldens acerca da ligação imprescindível entre o direito penal e o direito constitucional:

A compatibilização do Direito Penal no ambiente constitucional em absoluto afasta-o das sólidas bases dogmáticas que o sustentam (notadamente, sua utilização como extrema ratio). Como afirma BRICOLA, tendo em vista a relevância da liberdade pessoal – valor sempre assentado com proeminência nas Constituições democráticas – pode-se hoje dizer, com maior consciência constitucional, que a sanção penal pode ser adotada somente na presença da violação de um bem que, ainda que não ostentando igual estatura ao bem sacrificado (liberdade pessoal) pelo menos esteja dotado de previsão constitucional.

142 O tema preciso sobre as formas de controle de constitucionalidade das leis (lato senso), por não ser o foco precípuo do presente trabalho não será abordado de forma ampla. Para uma leitura mais acurada sobre o tema, remete-se a STRECK, op. cit. 2002. p. 361 et seq.

Impende-nos, pois, imergir integralmente o Direito Penal no ambiente constitucional, reconhecendo-lhe simetricamente, a partir desse lócus político-normativo – ou seja, em face das implicações inerentes ao modelo de Estado Social e Democrático de Direito e dos valores constitucionalmente positivados, muito especialmente a partir da dignidade humana –, fontes e limites à sua operacionalização (...) (...) não há duvida de que as baterias do Direito Penal do Estado Democrático de Direito devem ser igualmente direcionadas para o combate dos crimes que impedem a realização dos objetivos constitucionais do Estado e daqueles que atentam contra os direitos fundamentais, bem assim os delitos que afrontam bens jurídicos inerentes ao exercício da autoridade do Estado e a dignidade da pessoa, isso sem falar nos bens jurídicos de índole transindividual.143

Como bem expuseram os autores, na realidade, os direitos fundamentais tanto em

sua perspectiva subjetiva quanto em sua perspectiva objetiva constituem-se em “limites” a

todas as esferas do poder estatal, e não somente ao intérprete do direito. Dessa feita, quando

o limite vem a ser ultrapassado por uma das esferas de Poder, ao intérprete do direito

(mediante a provocação do Poder Judiciário) cabe adequar a atuação estatal, de modo que,

por exemplo, se uma lei fere um direito fundamental, será possível, se a ação for intentada

individualmente, declarar a inconstitucionalidade da lei, em controle difuso (pelo

respectivo órgão do Poder Judiciário) para fins de suspender a aplicação naquilo que é

contrário ao direito fundamental.

Dessa feita, tendo como norte a proteção dos direitos fundamentais, com base numa

proibição de excesso por parte do Estado para com o indivíduo, e também com base numa

proibição de insuficiência, por parte desse mesmo Estado com o fito de proteger os direitos

fundamentais de cada pessoa humana, passa-se a traçar algumas considerações sobre a

reincidência, seu fundamento, os posicionamentos jurisprudenciais e a possibilidade de uma

terceira via, essa com escol no princípio da proporcionalidade em seu duplo viés.

143 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 35/36 e p. 42 –, todas com grifos no original.

3.1 Reincidência – notas introdutórias

A reincidência está prevista no artigo 61, inciso I do Código Penal como

“circunstância agravante”, ou seja, presente no processo, será valorada na segunda fase da

aplicação da pena. Dispõe o artigo 63 do referido Diploma Legal que a reincidência é

constatada quando o agente comete um novo delito, depois do trânsito em julgado da

sentença, que no País ou no estrangeiro o tenha condenado por delito anterior.

A par disso, percebe-se que o primeiro requisito para aferir a agravante em comento

é o cometimento de um novo delito, após o trânsito em julgado de uma sentença penal

condenatória em desfavor da pessoa autora do fato delituoso por crime praticado antes

daquele que está em julgamento. Esta é, aliás, a lição de Nucci ao conceituar o instituto

“[reincidência] é o cometimento de uma infração penal após já ter sido o agente condenado

definitivamente, no Brasil ou no exterior, por crime anterior.” 144

Dessa feita, percebe-se que o critério inicial para a verificação da reincidência é uma

sentença penal condenatória, com trânsito em julgado, por crime praticado anteriormente

àquele em análise pelo Judiciário, ou seja, trata-se de critério objetivo.

Em seguida, a Lei Material Penal aborda um segundo critério, de feição temporal,

denominado no meio jurídico como “qüinqüênio depurador”, ou seja, segundo a regra do

artigo 63 da mencionada Lei,

Para efeito de reincidência:I) não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos,

144 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 350.

computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; (...)

Pela leitura do inciso supra transcrito, vê-se que há um prazo dentro do qual se pode

considerar a reincidência como agravante, qual seja, cinco anos contados da extinção ou

cumprimento da pena. Nessa seara, Nucci sustenta que não se trata de decair a reincidência,

e sim a própria pena, diante do fato que aquele que comete apenas um delito na vida,

passado o qüinqüênio, não poderá mais ser considerado reincidente.145

Sob esse ponto de vista legislativo, percebe-se que o instituto da reincidência,

diferentemente da circunstância judicial antecedentes, prevista no artigo 59 do Código

Penal não deixa uma “pecha eterna na vida da pessoa que sofreu um processo penal”, uma

vez que aquela tem expressamente previsto um lapso temporal dentro do qual poderá ser

valorada, ao contrário dos antecedentes, que não têm “prazo de duração”, sendo auferidos

no caso concreto conforme a discricionariedade do julgador.146

145 Idem ibidem p. 352.146 Sobre as espécies de processos capazes de serem considerados como “antecedentes”, o Superior Tribunal

de Justiça tem entendido que somente são capazes de gerá-los aqueles anteriores ao delito analisado, já com sentença condenatória, mas que não sejam capazes de gerar a reincidência, uma vez que, se valorados em ambos os institutos, resultariam na valoração da mesma circunstância, duas vezes, para a condenação, o que é vedado. Exemplificativamente: RECURSO ESPECIAL. PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO. DECURSO QÜINQÜENAL. REINCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DO ART. 64, INCISO I, DO CP. UTILIZAÇÃO COMO ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. 1. Não há falar, na espécie, em violação ao art. 59, do Código Penal, porquanto o Juízo da condenação, ao elevar a pena-base acima do mínimo legal, amparou-se na reprovabilidade da conduta do Réu e no seu antecedente desfavorável, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado que, em virtude do período depurador de cinco anos estabelecido pelo art. 64, inciso I, restou incapaz de constituir reincidência. Precedentes do STF. 2. Divergência jurisprudencial não demonstrada, diante da ausência de similitude fática entre o aresto vergastado, que fundamenta os maus antecedentes em condenação transitada em julgado há mais de cinco anos - o que, por si só, já afasta qualquer possibilidade de violação ao princípio da inocência -, e o acórdão paradigma, que considera não ser possível a agravação da pena-base em face, apenas, da existência de inquérito policial. 3. Recurso não conhecido. (REsp 588989/SP; 2003/0156993-1. Rela. Ministra Laurita Vaz. 5a Turma do STJ. j. 16/09/2004. Data da publicação: DJ 18.10.2004 p. 325 – sem grifos no original)

Inobstante tratar-se o tópico sobre a reincidência, é oportuno trazer à baila o

ensinamento de Lopes Júnior a respeito dos antecedentes criminais como fatores de análise

(para aumentar a pena acima de seu mínimo legal) da primeira fase de aplicação da pena,

uma vez que os antecedentes gerariam um caráter de estigmatização do indivíduo, fazendo

o autor analogia à teoria do “etiquetamento”,147 que seria um dos efeitos do processo penal.

Na dicção do doutrinador,

a pessoa submetida ao processo penal perde sua identidade, sua posição e respeitabilidade social, passando a ser considerada desde logo como delinqüente, ainda antes mesmo da sentença e com o simples indiciamento. Em síntese, recebe uma nova identidade, degradada, que altera radicalmente sua situação social.148

Na mesma esteira, Bueno de Carvalho e Carvalho sustentam a desconstrução do

instituto dos antecedentes diante do princípio da secularização, uma vez que se

consubstancia, aliada à circunstância da conduta social do agente (ambas previstas no artigo

59 do Código Penal) reforçar-se-ía ainda mais a culpabilidade do autor, em detrimento da

culpabilidade do fato.149

Retomando a questão em torno da reincidência, é importante ressaltar que a doutrina

e a jurisprudência divergem acerca de sua aplicabilidade, não só pela presença do vocábulo

“sempre” no caput do artigo 61 do Código Penal, bem como pela discussão em torno da

(in) constitucionalidade do instituto frente à Carta Constitucional de 1988, temas que serão

abordados, ainda que de forma incipiente, logo a seguir, sendo importante, dessa forma,

147 A denominada labelling approach, sobre a qual se remete a BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Renavan – Instituto Carioca de Criminologia, 2002. (Pensamento Criminológico).

148 LOPES JÚNIOR, op. cit. 2003. p. 56.149 BUENO DE CARVALHO, Amilton. CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 2 ed, ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p.53. Anota-se que os doutrinadores em comento também são contrários ao reconhecimento da reincidência, conforme se verá a seguir.

uma noção acerca do que significa (não como fundamento, símbolo, mas tão somente como

expressão) a agravante da reincidência.

Por fim, cabe ressaltar que o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de

Justiça inclina-se no sentido de aplicar a agravante da reincidência, sob pena de

descumprimento de lei federal cogente, haja vista o disposto no artigo 61, caput, do Código

Penal Brasileiro.150

3.2 Posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais contrários ao reconhecimento da

agravante da reincidência.

Cônsono exposto anteriormente, não há na doutrina nem na jurisprudência um

consenso sobre a aplicabilidade ou não da agravante da reincidência. Nesse tópico,

pretende-se abordar o posicionamento de alguns autores sobre a matéria, bem como trazer à

colação alguns excertos jurisprudenciais do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul, em especial, de sua Quinta Câmara Criminal, pioneira jurisprudencial na classificação

da reincidência como inconstitucional, apoiando a sua inaplicabilidade.

3.2.1 Aspectos trabalhados pela doutrina

Inicialmente, cabe fazer uma referência acerca da “punibilidade” pela prática de um

delito, verificada mediante um processo penal onde foram respeitados os princípios

150 Exemplificativamente, os precedentes: REsp 810380/RS. 2006/0003550-1. Rel. Ministra LAURITA VAZ. 5a Turma do STJ. j. 17/08/2006; HC 17.871/RJ, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 04/02/2002.

constitucionais, em especial o contraditório e a ampla defesa, punibilidade essa, segundo

Boschi, no sentido de um direito penal do fato (e não do autor – até porque a defesa de um

direito penal do autor vai de encontro aos próprios fins a serem almejados pelo garantismo),

Sem nenhuma pretensão de, com as respostas, dar o problema por resolvido, queremos registrar nossa adesão à corrente que propõe a punibilidade pelo que o agente fez, e não pelo que ele é ou pensa, para não termos que renegar a evolução do direito penal e retornarmos ao tempo em que os indivíduos eram executados porque ousavam divergir.151

Relativamente ao denominado “direito penal do autor”, Zaffaroni e Pierangeli traçam

considerações, as quais, por serem esclarecedoras, merecem vir à tona, a fim de verificar

a diferença entre aquela espécie de direito penal e o atual “direito penal do fato”:

(...) em sua manifestação extrema, é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria valor de sintoma de uma personalidade: o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade, e não o ato. Dentro desta concepção não se condena tanto o furto, como o “ser ladrão”, não se condena tanto o homicídio como ser homicida, o estupro, como o ser delinqüente sexual, etc.152

Tal noção acerca das acepções “direito penal do autor” e “direito penal do fato” é

importante a fim de que se possa expor e compreender o porquê das críticas tecidas por

parte da doutrina e da jurisprudência sobre a reincidência, bem como os motivos pelos

quais é invocada a inconstitucionalidade do instituto.

151 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.212.

152 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito pena brasileiro: parte geral. 4 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 118

Para Zaffaroni e Pierangeli, o instituto da reincidência, tal como exposto pela

doutrina, não se coaduna com um modelo de Estado Democrático de Direito, em virtude do

fundamento do instituto. Tais autores, traçam vários posicionamentos doutrinários que

procuram (procuraram) explicar o por quê do agravamento da pena pela presença da

reincidência, concluindo, na análise de cada um deles, pela inconstitucionalidade da

agravante em comento em virtude da proibição do bis in idem. Dada a importância, traz-se

à colação a síntese de cada uma das “respostas” trabalhadas pelos autores:

a) A mais difundida (...) é que a reincidência demonstra uma maior periculosidade da pessoa. (...) Todavia, a periculosidade, no caso de se poder valorá-la, constitui um juízo fático, e por conseguinte, jamais poderia ser presumido jure et de jure, porque se assim fosse, estabeleceria a presença de um fato quando o fato não existe, e isso na ciência jurídica, não se denomina “presunção” e sim “ficção”.153

Acredita-se ser pertinente a observação dos autores quanto a possível fundamento

acerca da reincidência, uma vez que tal vai de encontro aos elementos basilares do Estado

Democrático de Direito, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana. Diz-se isso

porque, quando uma pessoa é submetida ao processo penal, até advir uma sentença penal

condenatória é ela considerada inocente, por força do princípio constitucional da presunção

de inocência, não sendo admitido, por certo, que a possível prática de um delito por ela,

após a existência de uma sentença penal condenatória transitada em julgado anterior ao fato

em julgamento, por si só, tenha o condão de considerar tal pessoa como “perigosa”154.

Não bastasse isso, pelo princípio da secularização, na seara do direito penal,

dissocia-se a conduta “moral” da conduta “penal”, vale dizer, a pessoa submetida ao

processo penal é julgada por um fato, em tese, cometido por ela e não pelo seu

153 ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. V.1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 716/719.

154 O próprio vocábulo “perigosa” não encontra guarida no direito penal contemporâneo, justamente por remeter ao já abandonado “direito penal do autor”.

comportamento social, razão pela qual, inclusive, diversos magistrados deixam de

considerar, por exemplo, na primeira fase da aplicação da pena questões atinentes à

“personalidade do agente”.155 A respeito do princípio da secularização cabe referir o

ensinamento de Bueno de Carvalho e Carvalho, segundo os quais:

Advogamos que o princípio está incorporado em nossa realidade constitucional, não sendo dedutível dos demais valores e princípios, mas sendo ‘o’ princípio do qual aqueles são dedutíveis. Nesse sentido, a categoria corresponde a um dos núcleos substanciais do ordenamento jurídico, juntamente com os preceitos preambulares da Constituição (o pluralismo, a fraternidade, o pacifismo e a igualdade) e os ‘fundamentos’ estabelecidos no artigo 1o. (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, pluralismo político). Tais princípios ou valores constitucionais, sedimentam os pilares axiológicos sob os quais está fundada a República, conformando a estrutura jurídica basilar do Estado, diluindo e contaminando sua carga valorativa às demais esferas normativas. 156

Retomando o raciocínio de Zaffaroni e Pierangeli, há uma segunda “resposta” para

explicar o porquê da reincidência, a saber, “b) (...) dentro da teoria psicológica da

culpabilidade, sustentou-se que a reincidência demonstrava uma decisão da vontade do

autor mais forte ou dotada de maior permanência.”157 Os autores ora mencionados

rechaçam tal assertiva na medida em que pode ocorrer, por exemplo, que o delito posterior

seja de espécie diversa do delito anterior, o que não desaguaria em uma “vontade mais

forte, ou de maior permanência”, também colocam como motivo a possibilidade da

condenação anterior reforçar tal idéia.

155 Exemplificativamente: Ação Penal no 2.06.0010420-7, 1a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre/RS, publicada em 27/06/2006, Juíza Prolatora: Katia Elenise Oliveira da Silva; Ação Penal no

2.05.0767837-1 , 1 a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre/RS, publ icada em 10/07/2006, Juiz Prolator: Márcio André Kepler Fraga e Ação Penal n o . 2.06.0049586-9, 1a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre/RS, publicada em 19/09/2006, Juiz Prolator: Laércio Luiz Sulczinski.

156 Op. cit. p. 15/16157 Op. cit. p. 717.

Finalizando a exposição do tema, expõem Zaffaroni e Pierangeli outras duas

assertivas, ambas fulcradas na culpabilidade do agente:

c) (...) dentro da teoria normativa da culpabilidade, entende que se a anterior condenação não foi suficiente para reforçar os mecanismos de contramotivação do autor, faz-se necessário reforçar a condenação pelo segundo delito. Esta teoria esquece que a mera notificação de uma condenação, sem qualquer cumprimento da pena, não pode contramotivar a ninguém, ressalvada a hipótese de se lhe atribuir efeitos mágicos. (...)d) Dentro dessa mesma corrente da culpabilidade normativa, pode-se falar uma ampla gama de matizes de culpabilidade de autor, isto é, de reprovações da personalidade, do caráter, da “condução de vida”, ou seja, todas consideradas como violações do princípio da legalidade, e do direito penal de ato (...).158

Quanto à última resposta trabalhada por esses autores, crê-se ser a mesma

inadequada, na linha do que exposto por aqueles, uma vez que o direito penal vigente pune

aquele que pratica um delito não pela pessoa que ela é (traços de personalidade que possui,

por exemplo e sua conduta social) mas sim pelo fato que praticou. Nesse sentido, verifica-

se a integração do que poderíamos chamar de binômio: princípio da secularização (que

determina a dissociação entre o direito e a moral) e direito penal do fato.

Ainda no que diz à crítica do instituto em virtude do mesmo desaguar no

abandonado “direito penal do autor”, cabe colacionar o lecionado por Streck, ao criticar o

instituto da reincidência:

No nosso Código Penal, a reincidência, além de agravar a pena do (novo) delito, constitui-se em fator obstaculizante de uma série de benefícios legais, tais como a suspensão condicional da pena, o alongamento do prazo para o deferimento da liberdade condicional, a concessão do privilégio do furto de pequeno valor, só para citar alguns. Esse duplo gravame da reincidência é antigarantista, sendo, à

158 Idem ibidem. p. 719.

evidência, incompatível com o Estado Democrático de Direito, mormente pelo seu componente estigmatizante.159 (sic)

Para além da preocupação com o fator “estigmatização”, denota o autor a preocupação

com os “efeitos” gerados pela reincidência, como, por exemplo, impedir a substituição

da pena privativa de liberdade imposta por uma pena restritiva de direitos, apenas para

citar um exemplo.

Além disso, vê-se a preocupação existente quando abordado o aspecto de

consideração dos antecedentes, qual seja, com o caráter de “estigmatização”, de

etiquetamento da pessoa submetida ao crivo do Poder Judiciário na esfera criminal – como

reincidente, conhecido “delinqüente” contumaz na prática de delitos, para citar algumas das

etiquetas atribuídas.

Ou seja, a observação feita inicialmente sobre a distinção: direito penal do fato

versus direito penal do autor encontra aqui seu fundamento, na medida em que as críticas

apresentadas até o momento residem nos fundamentos concebidos para explicar a

reincidência, uma vez que todos levam em consideração aspectos subjetivos, e não

objetivos, o que na linha de um garantismo tal como sugerido por Ferrajoli, não seria

cabível numa estrutura onde vige o modelo de Estado Democrático de Direito.

De outro lado, Carvalho, ao dissertar sobre a reincidência, tece a ela uma crítica

funcional, à qual também circunda a “taxação” daquele que está no pólo passivo de uma

demanda processual penal, a saber,

159 STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 4 ed. rev. e modificada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 71.

O rótulo da reincidência estabeleceria papéis e estigmas – perverso, inadaptado, perigoso, hediondo – gerando expectativas do público que consume o sistema penal. Tal expectativa atua nitidamente como influência, potencializando o comportamento futuro como ‘reincidente’. Criar-se-iam novos status nas relações em sociedade, e o ‘crime’ é também um status (negativo), que tendem a negar a finalidade oficial da pena – ressocialização.160

Nessa esteira, Streck expõe o entendimento de Zaffaroni, relembrando que, se o

direito penal perquire punir o autor de um delito pelo que fez e não por quem é, o instituto

da reincidência traduzir-se-ia numa incongruência para um direito penal no contexto de

vigência de um Estado democrático de direto; ainda afirma que tal valoração iria de

encontro ao princípio denominado “intangibilidade da consciência moral da pessoa.”161 Tal

entendimento também tem a colaboração de Bueno de Carvalho e Carvalho, os quais

ensinam que a natureza da reincidência, e a argumentação no sentido de maior penalização,

são frutos criminológicos “de autor” e em teorias dogmáticas baseadas “nas noções de

periculosidade social e/ou patologia individual.”162

Oportuno, ainda, expor o posicionamento de Nassif, que num primeiro momento

entendia pela aplicabilidade da reincidência com fundamento numa “especial carga de

culpabilidade”, mas que, refletindo sobre a matéria, com base em ensinamentos

psicológicos (aspectos psicológicos da reincidência), bem como na estrutura do Estado de

Direito, passou a entender pela inaplicabilidade do instituto, dada sua

inconstitucionalidade,e, por conseguinte, seguindo a linha trabalhada pelos doutrinadores

acima. Conclui o Autor sublinhando que “A pena é um mal necessário. A reincidência não.

Sem função teleológica, sem aplicação agravante. Nada a justifica.”163

160 CARVALHO, Sala de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez/ ITEC, 2001.p.02

161 STRECK, op. cit. 2001, p. 71162 Op. cit. p.64.163 NASSIF, Aramis. Reincidência: Necessidade de um Novo Paradigma. In: Direito Penal e Processual

Penal: uma abordagem Crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 195/213.

Conforme o exposto, é possível concluir que a principal aversão ao instituto da

reincidência reside nos efeitos que seu reconhecimento causará na vida social do indivíduo

“etiquedado” como reincidente. Além disso, haveria o cunho de inconstitucionalidade,

diante dos argumentos de que se trataria de bis in idem, assunto suscitado por Streck164,

bem como por Carvalho, o qual atenta para o fato de que toda a agravação da pena, assim

como a negativa de direitos em virtude da reincidência, constitui afronta ao princípio do

non bis in idem, resultando de tal aplicação uma incongruência entre o instituto

(reincidência) e a intangibilidade da coisa julgada, prevista no artigo 5o, inciso XXXVI, da

Constituição Federal de 1988165.

Para finalizar, menciona-se que Zaffaroni e Pierangeli são categóricos ao afirmar

que “em toda a agravação de pena pela reincidência existe uma violação do princípio non

bis in idem.”166. E mais, acerca da inconstitucionalidade deste instituto, lecionam: “(...) a

agravação pela reincidência não é compatível com os princípios de um direito penal de

garantias, e a sua constitucionalidade é sumamente discutível”. 167

Expostas essas observações preambulares a respeito da crítica em torno da

reincidência, é possível passar à abordagem de alguns posicionamentos da jurisprudência

gaúcha nessa matéria.

3.2.2 Posicionamentos jurisprudenciais acerca da inaplicabilidade da reincidência –

julgados da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

164 STRECK, op. cit. 2001, p. 72165 Op. cit. p. 09166 Op. cit. 2002, p. 840167 Op. cit. 2002, p. 841.

Pioneiros na inaplicabilidade da agravante da reincidência, os Desembargadores da

Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul compartilham da

preocupação da doutrina exposta acima acerca da estigmatização da pessoa que está

figurando como acusada no processo penal pela prática, em tese, de um delito.

O Desembargador da Quinta Turma do Tribunal em comento, Amilton Bueno de

Carvalho, constrói seu entendimento168 pela inaplicabilidade da reincidência por entender

que ela constitui bis in idem, e como tal o condenado pela prática de um delito responderia

pelo que ele é, e não pelo ato que praticou, o que implicaria retorno ao já démodé direito

penal do autor. Entende o eminente Desembargador que a reincidência, ao lado dos

antecedentes criminais “fazem vigorar o não-democrático direito penal do autor e implicam

em indisfarçável bis in idem.”169

Nesse passo, cabe relembrar algumas lições trazidas por Ferrajoli, como, por

exemplo, a necessária distinção pregada pela teoria garantista estruturada pelo doutrinador

italiano entre o direito e a moral, bem como ao princípio da estrita jurisdicionariedade,

segundo o qual o julgador deve aplicar o direito ao caso concreto, não punindo o autor pelo

que é, mas punindo-o pelo que efetivamente fez – atitude, previamente tipificada pela

legislação penal como delito, o qual feriu determinado bem jurídico tutelado pelo Estado.

A Desembargadora Genacéia da Silva Alberto trabalha, expondo que a reincidência

quando importa maior culpabilidade, influindo, dessa forma, na fixação da pena-base, não

pode ser, novamente, utilizada para caracterizar a agravação da pena em sua segunda fase

(a teor, aliás, do constante no verbete no. 241, da súmula do Superior Tribunal de Justiça),

afastando, dessa feita, a incidência da agravante em comento.170 A título ilustrativo, traz-se 168 Exemplificativamente, os precedentes, todos de relatoria do Des. Amilton Bueno de Carvalho, da 5a

Câmara Criminal do TJRS: Ap. Crim. 70010771392, julgado em 06/04/2005; Ap. Crim. 70010811503, julgado em 30/03/2005; Ap. Crim. 70015045347, julgado em 19/07/2006 e Ap. Crim. 70015707581, julgado em 26/07/2006.

169 Trecho extraído do corpo do voto proferido na Ap. Crim. no 70011717642, 5a Câmara Criminal do TJRS, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho. j. 22/06/2005.

170 Afora o precedente cuja ementa já restou transcrita acima, exemplifica-se o posicionamento da Desembargadora nos seguintes processos em que foi relatora na 5a Câmara Criminal do TJRS: Ap. Crim.

a ementa de um dos processos consultados para estudar o posicionamento da

Desembargadora:

FURTO. Se a prova colhida não deixa dúvida acerca da materialidade e autoria do delito, cumpre manter a condenação do réu. REINCIDÊNCIA. Importa culpabilidade intensificada e por isso reflete na fixação da pena-base, não podendo ser valorada novamente como agravante, por aplicação da Súmula 241 do STJ. EMPREGO DE CHAVE FALSA. Se a prova deixa dúvida, não se aplica a qualificadora. Desclassificação do delito para furto simples. Pena de reclusão redimensionada. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.171

Já o Desembargador Aramis Nassif trabalha a questão do ponto de vista teleológico,

expondo que em se tratando da reincidência, é preciso que se reflita sobre os fins da pena,

relacionando-os com o indivíduo, aquele atingido pela sanção penal. Nesse íter, expõe o

Desembargador e Doutrinador que a pena tem como finalidade teórica a recuperação do

agente, tendo um significado maior do que somente evitar a reincidência.Contudo, adverte

que a sanção não pode cumprir sua função, impondo-se aí o questionamento acerca do por

quê do acréscimo pela reincidência na segunda fase de aplicação da pena. Concluindo pelo

fato de que, se não há a função teleológica, vale dizer, se a pena não “ressocializa” e não

contribui para a reinserção do indivíduo na sociedade, não há fundamento para aceitar a

aplicação da reincidência. Ademais, acrescenta Nassif que aliada à ausência de função

teleológica na aplicação da reincidência, há também sua inconstitucionalidade por bis in

idem.172

70011746476, julgado em 31/08/2005; Ap. Crim. 70014717185, julgada em 28/06/2006 e Ap. Crim. 70008503922, julgado em 16/03/2005.

171 Ap. Crim. 70011117728, julgada em 27/04/2005.172 Precedentes consultados a título de estudo para a transcrição da conclusão em comento, além do já

colacionado acima, todos da 5a Câmara Criminal, nos quais foi relator o Desembargador Aramis Nassif: Ap. Crim. 70007004245, julgada em 15/10/2003; Ap. Crim. 70006861157, julgada em 26/11/2003; Ap. Crim. 70007242688, julgada em 26/11/2003; Ap. Crim. 70008100984, julgada em 14/04/2004; Ap. Crim 70008302739, julgada em 19/05/2004; Ap. Crim. 70008551400, julgada em 03/08/2004; Ap. Crim. 70006118749, julgada em11/08/2004; Ap. Crim 70008417404, julgada em: 11/08/2004; Ap. Crim. 70013038930, julgada em 04/01/2006.

Pela expressividade do raciocínio, traz-se a comento o trecho de um dos acórdãos de

relatoria do Desembargador Aramis para demonstrar seu posicionamento em desfavor da

reincidência:

1. ROUBO. BEM JURÍDICO, PATRIMÔNIO; POSSE CIVIL. TUTELA APENAS A POSSE. REGRAS DE CONSUMAÇÃO EQUIVOCADAS COM A APLICAÇÃO DE DIREITO CIVIL NO DIREITO PENAL; 2. ROUBO E PORTE DE ARMA. SUBSUNÇÃO. 3. APENAMENTO. REAÇÃO PUNITIVA, INSUFICIENTE PARA EXASPERAR. 4. MAJORANTES: NÃO BASTA A QUANTIDADE. QUALIDADE CONSIDERADA. 5. REFORMATIO IN MELLIUS. POSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. INAPLICABILIDADE PARA EXASPERAR A PENA. 6. REGIME CARCERÁRIO. REINCIODENTE. REGIME MAIS GRAVOSO.(...)3. A pena não deve estar imbuída apenas de carga retributiva, sob perigo de desrespeito aos ditames do Direito Penal Democrático. É inadmissível que, sob influência dos vetores da “reação punitiva”, os operadores do direito venham agravar ainda mais as conseqüências estigmatizantes inerentes à condenação penal. 4. Não basta a quantidade de majorantes – na hipótese a pluralização foi mínimo – mas sim e também a qualidade das mesmas, onde se possa aferir, para minimizar ou maximizar as conseqüências da exasperação. (...) Se a sanção não pode cumprir sua função, qual a razão do acréscimo pela reincidência? A pena é um mal-necessário. A reincidência não. Sem função teleológica, sem aplicação a agravante. Nada a justifica. Trata-se, pois de desconsiderar a tipificação, ou prévia previsão legal do artigo 61, I, do CP, para o efeito de rejeitar sua aplicação, vez a necessidade de adequação à moderna situação do direito penal. 6. A reincidência, ainda que vedada a exasperação da pena por seu reconhecimento, mormente quando se tratar de reincidente específico, leva, para cumprimento da pena, ao regime carcerário imediatamente mais gravoso ao que seria fixado se inexistisse o gravame. Recurso parcialmente provido, por maioria.173

Com base na jurisprudência supra, percebe-se que a preocupação é não só com o

possível “etiquetamento” do indivíduo, mas também, como ressaltado por Nassif, com a

função final da pena (teoricamente), qual seja, a de ressocializar as pessoas que cometem

delitos. Para além disso, há também uma preocupação com os efeitos que o reconhecimento

da reincidência impõem a pessoa condenada pela prática de um delito, como, por exemplo,

a vedação de substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito

(art.44, II e § 2º do Código Penal), o fato de impossibilitar a concessão de sursis, dilatar o

173 Ap. Crim. 70013370515, 5a. Câmara Criminal do TJRS, julgada em 25/01/2006.

prazo de cumprimento de pena para a obtenção do livramento condicional (art. 83, II do

Código Penal), dilatar o prazo de prescrição executória (art. 110 do Código Material Penal),

apenas para citar alguns.

Verifica-se, dessa feita, que entre os argumentos utilizados pelos desembargadores

supra expostos, se encontram o fato de constituir a reincidência um bis in idem, na medida

em que a pessoa já teria respondido penalmente pelo delito anteriormente praticado. Em

segundo lugar, o argumento de que, por se constituir parte integrante da culpabilidade, não

poderia ser novamente aplicada, uma vez que já teria sido configuradora de uma das

circunstâncias do artigo 59 do Código Penal. E, por fim, o argumento no sentido de que se a

pena (que seria um “mal necessário”) não atinge sua finalidade precípua, não haveria por

que considerar a agravante da reincidência, dados os efeitos que ela traz consigo.

3.3 Proposta de uma terceira via para a fundamentação e a aplicação da agravante da

reincidência

A terceira via que será aqui proposta tem fundamento no fato de que o direito como

um todo tem sua razão de ser na organização da vida em sociedade, seguindo o magistério

de Ráo174. Desde os primórdios, quando o homem começou a viver em sociedade, a dar-se

conta de noções básicas, como respeito ao próximo e à propriedade desse próximo,

convivência entre “tribos”, as condições de vida, enfim, surgiu a necessidade de organizar

todas essas relações de maneira, se possível, uniforme.

Frise-se, nesse contexto histórico, que, com a evolução da sociedade, os

“despertares” do homem para assuntos que até então não eram sequer cogitados como

necessários de proteção legislativa passaram a ser crescentes. Não se esquecendo de que,

“A nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acreditamos ser livres, mas na 174 Op. cit., p. 49

realidade, estamos envoltos em uma rede muito espessa de regras de conduta que, desde o

nascimento até a morte, dirigem nesta ou naquela direção as nossas ações”, utilizando os

ensinamentos de Bobbio175. Sobre a influência dos valores culturais incorporados pela Carta

Magna, bem como a conseqüência dessa incorporação, lecionam Streck e Feldens:

“(...) é preciso destacar que os valores culturais positivados constitucionalmente formam um conjunto moral e racional poliárquico, em que os direitos básicos de liberdade e a satisfação das necessidades fundamentais não podem compor um quadro de rivalização, como o que ora se constata no âmbito da teoria do bem jurídico de viés liberal e, conseqüentemente, de formulação e incidência da lei penal. É possível afirmar, com razoável firmeza, que há nos processos de criminalização e descriminalização, uma necessidade de harmonização desses valores constitucionalizados, sem perder de vista a importância particularizada de cada um deles para a concretização de um pacto social que não privilegia de forma absoluta a autodeterminação dos indivíduos. Existe este espaço de autodeterminação, mas ele não pode ser considerado desde um enfoque libertarista ou liberalista, nos quais se considera que os indivíduos prescindem de um contexto social para desenvolver e exercer suas capacidades. A autodeterminação, noutro sentido, deve ser conceitualizada desde a consideração de que esta capacidade somente pode ser exercida em um tipo particular de sociedade, com um certo entorno social.” 176

A grande maioria da população tem o discernimento sobre o certo e o errado, ainda

que o certo para um possa constituir-se no errado para o outro. Não é sem motivo que a

Declaração Universal dos Direitos do Homem se 1948, dispõe, em seu artigo 1o. dispõe que

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de

razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”

Para maior precisão do que se está a afirmar, recorre-se à lição de Miranda,

175 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 2 ed. rev. Bauru: EDIPRO, 2003. p. 23/24

176 Op. cit. p. 46

Dotados de razão e de consciência – eis o denominador comum a todos os homens em que consiste essa igualdade. Dotados de razão e consciência – eis o que, para além das diferenciações econômicas, culturais e sociais, justifica o reconhecimento, a garantia e a promoção dos direitos fundamentais. Dotados de razão e de consciência – eis por que os direitos fundamentais, ou os que estão no seu cerne, não podem desprender-se da consciência jurídico dos homens e dos povos. 177

Da relação entre homem e sociedade e da percepção acerca da necessidade de tutela

de “novos”178 bens jurídicos tome-se como exemplo o ramo do direito ambiental: o homem

passa a perceber o excessivo crescimento populacional, e vê-se diante de uma total falta de

infra-estrutura, momento em que se começa a pensar nos problemas que o ser humano está

causando ao meio ambiente. Silva, ao analisar a evolução da legislação ambiental, expõe:

“(...) Só recentemente se tomou consciência da gravidade da degenerescência do meio

ambiente natural, cuja proteção passou a reclamar uma política deliberada, mediante

normas diretamente destinadas a prevenir, controlar e recompor sua qualidade”.179 Como se

percebe, as normas vão se originando pelas necessidades fáticas da sociedade, sempre

fulcradas em valores desta mesma sociedade. Acredita-se que quando as pessoas criticam a

proteção conferida ao direito ambiental via tutela penal, por exemplo, talvez não tenham se

dado por conta da importância do meio ambiente à vida dos seres humanos.

Tal argumentação foi exposta justamente para que se verifique que, na convivência

das pessoas, e num modelo de Estado de Direito, tal como o vigente no Brasil, a regra que

norteia o pensamento jurídico não pode ater-se tão somente ao “individual”, devendo-se ter

em conta, também, a importância dos bens de caráter transindividual.

177MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3 ed. rev. e atual. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p. 183 – grifos no original.178 A palavra foi escrita entre aspas a fim de que se atente que vários desses bens, como por exemplo, o meio

ambiente, existem há muito tempo, mas que somente há poucos anos a humanidade despertou para a necessidade das respectivas tutelas.

179 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 4 ed. rev e atual, 2a. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 36

Nesse contexto, a possibilidade da aplicação da reincidência tendo ela como

fundamento o princípio constitucional da igualdade subsume-se a efetivar aquilo que no

capítulo anterior foi chamado de “garantismo positivo”, justamente pelo quadro jurídico

atual, bem como pela necessidade de intervenção estatal a fim de procurar proteger os

direitos fundamentais de toda a pessoa humana (seja de forma individual, seja de forma

transindividual).

Assim, diante da necessidade de um novo paradigma de pensamento, proposto por

Streck como “superação do iderário liberal individualista-clássico”180, propõe-se a aplicação

da reincidência sob o fundamento de respeito ao princípio da igualdade, tendo como

critérios objetivos uma condenação por delito anterior com trânsito em julgado, e o lapso

temporal de 05 (cinco) anos dentro do qual a reincidência pode ser valorada como tal.

Abordando o pensamento sobre o princípio da igualdade, leciona Piazzeta que:

Constata-se, então, que a igualdade entendida como equalização dos diferentes, nas palavras de Bobbio, é um ideal permanente e perene dos seres humanos vivendo em sociedade e jamais, como no século XX, foram postas em discussão as três fontes principais de desigualdade – a raça, o sexo e a classe social.181

No caso em estudo, discute-se a desigualdade existente entre duas pessoas que

estejam sendo processadas, por exemplo, pela prática de um crime, sendo que uma delas é

primária (não reincidente) e a outra possui várias condenações anteriores, todas com

trânsito em julgado e as respectivas penas em andamento. Sob o ponto de vista de Piazzeta,

citando Bobbio, equalizando as diferenças entre essas duas pessoas, percebe-se que para

180 STRECK, Op. cit, 2004.181 PIAZZETA, Naele Ochoa. O princípio da igualdade no Direito Penal brasileiro: uma abordagem de gênero. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 75

conceder a ambas um tratamento isonômico, cada uma recebendo a pena de forma

individualizada, perceber-se-á que a primeira deve ser tratada de forma desigual da segunda

justamente por estar numa posição de desigualdade com àquela.

Isto é, aquele que é reincidente, terá sua pena agravada não porque é “mau” ou

porque tem “personalidade tendente ao crime”, expressões antigamente utilizadas para

justificar a reincidência, mas pelo fato de que tem contra si um processo anterior com

sentença condenatória transitada em julgado, a qual ainda não passou pelo qüinqüênio

depurador.

Ao passo que aquele que não havia cometido delitos anteriormente, ou se por força

de um processo penal restou absolvido, não terá a pena agravada pela reincidência, não

porque ele é “bom”, ou se possui processo transitado em julgado já vencido o qüinqüênio

depurador, porque teria “se regenerado”, mas simplesmente porque os critérios

objetivamente previstos na lei não existem no caso concreto.

Repise-se também que existe um “marco” para o período de reincidência, conforme

o positivado no artigo 64 do Código Penal. Zaffaroni e Pierangeli trazem um referencial

“histórico”, expondo que mencionado dispositivo “elimina o ‘estado de reincidência’

perpétuo, como estatuía o Código de 1940, que mantinha um efeito estigmatizador por toda

a vida da pessoa condenada”, tendo sido introduzido pela reforma ocorrida em 1977,

através da lei 6416/77.182 Ademais, não se pode esquecer dos “requisitos”, por assim dizer,

da reincidência, a saber, a existência de uma sentença penal condenatória anterior ao fato

que está sob juízo, já com trânsito em julgado – não se olvidando, também, o requisito

temporal no que diz aos cinco anos estabelecidos pelo artigo 64 do Código Penal, conforme

supra exposto.

182 Op. cit., 2002, p. 843

Na aplicação do instituto da reincidência leva-se em consideração não a estrutura

pessoal do réu, mas sim o dado objetivo de ter ele cometido um delito anteriormente, pelo

qual foi julgado e condenado por sentença definitiva.

Vale dizer, analisa-se tal condenação conforme o prescrito no Código Penal, a fim

de diferenciá-lo de um outro indivíduo que também está sofrendo um processo penal, cujo

fato pelo qual está em julgamento consiste em fato isolado em sua vida cotidiana. Dessa

feita, aplica-se o princípio da igualdade para tratar de forma diversa pessoas que têm

condutas diversas – uma vez que a reincidência reconhecida influenciará não só na segunda

fase da aplicação da pena, como também em institutos como a progressão de regime e na

impossibilidade de se substituir a pena privativa de liberdade imposta por penas restritivas

de direitos.

Essa é, aliás, a lição de Sarlet ao discorrer sobre a reincidência no quadro jurídico

vigente:

(...) a despeito das fortes e abalizadas razões apresentadas em prol até mesmo da irracionalidade do instituto da reincidência e da sua incompatibilidade com as teses garantistas, não há como reconhecer, por outro lado, que, se o garantismo parte necessariamente do princípio da secularização (inclusive da pena e dos critérios de sua aplicação) e se de fato existem dados estatísticos a demonstrarem que a aplicação do instituto da reincidência como agravante da pena não resultou em índices de criminalidade mais favoráveis, a eleição pelo legislador de um critério objetivo (no caso, a existência de condenação anterior transitada em julgado) e o reconhecido caráter punitivo e preventivo da pena (que, também de acordo com uma leitura garantista e pelo menos num certo sentido, não poderia ter o intento de ressocializar a pessoa humana) acabam até mesmo assumindo em princípio talvez não tão incompatível com as próprias premissas do garantismo, desde que, é claro, devidamente reinterpretado.183

183 Op. cit., 2004, p. 112.

Acredita-se que no momento em que o autor sustenta a reinterpretação do instituto,

tal é baseada, fundamentalmente, nos critérios objetivos por ele apontados, como a

necessidade da existência de uma sentença condenatória, com trânsito em julgado, anterior

ao fato julgado.

Por certo, se levarmos em conta o princípio constitucional da igualdade, de um lado,

e o princípio constitucional da individualização da pena, de outro, perceberemos que a

valoração da reincidência no caso concreto, e diante de situações fáticas que demandem,

repisa-se, a necessidade de uma “desigualdade” para o fim de alcançar a igualdade material,

se constituiria na própria concretização do princípio da individualização da pena, na

medida em que pessoas em situações objetivamente desiguais (reincidente/não reincidente)

teriam um tratamento desigual, para que a pena de uma ou de outra fosse fixada de acordo

com as circunstâncias nas quais cada uma se encontra.

Exemplificativamente, uma pessoa que não é reincidente, num crime sem violência

ou grave ameaça à pessoa, poderá, dependendo o montante da pena a ela imposta, ter a

pena privativa de liberdade substituída pela pena restritiva de direito. Contudo, veja-se, que

tal não ocorre (ou deixa de ocorrer) por ser ela “perigosa ou não” e sim pelo dado objetivo

de não ser ela reincidente – trata-se, reitera-se, de um critério para alcançar a igualdade,

utilizando-se do preceito de que se deve tratar os desiguais de forma desigual, para alcançar

a igualdade no plano fático, material.

Sarlet aponta como outro fator objetivo, e por linha indireta, afasta a alegação de bis

in idem, a circunstância de que “a agravante incide justamente pelo fato da prática de um

novo delito e somente por essa razão”.184 E prossegue o doutrinador explicando sua

posição:

184 Op. cit. 2004, p. 112.

De qualquer modo, não parece necessariamente ilegítimo que um Estado Democrático de Direito, por assumir a condição de garante de bens fundamentais (e bastaria aqui mencionar a dignidade, a vida e a igualdade) de toda e qualquer pessoa humana, possa exigir do cidadão que não viole os direitos fundamentais de seus semelhantes e que, nesta perspectiva, mantenha uma atitude socialmente adequada, respeitando-se, por óbvio, os elementos nucleares de sua própria personalidade.185

Sobre esse assunto, remete-se ao que dito alhures, quando da abordagem do

princípio da proporcionalidade (também) como proibição de insuficiência.

Relativamente ao princípio da igualdade como condição para igualar pessoas que

estão no pólo passivo de uma ação penal, acredita-se que sua concretização pode ser

alcançada através da análise da reincidência, ou não, ou seja, duas pessoas que estejam em

tal situação, sendo uma reincidente e a outra não, a alternativa para tratá-las de forma

materialmente igual, seria desigualá-las na aplicação da pena, não por critérios subjetivos,

como por exemplo, a personalidade do agente ou a conduta social, mas sim pela

reincidência, que baseada em critérios objetivos (coisa julgada de conteúdo condenatório,

penal, anterior ao fato em julgamento e observância do prazo constante no artigo 64, do

Código Penal). A propósito do tema, a lição de Verucci sobre tal situação de igualdade:

“Tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam

para que possam ser iguais com direito às suas diferenças específicas é o meio natural para

se alcançar a igualdade.”186

Sobre liberdade e igualdade, aliás, leciona Bobbio: “Liberdade indica um estado;

igualdade uma relação. O homem como pessoa – ou para ser considerado como pessoa –

deve ser, enquanto indivíduo na sua singularidade, livre; enquanto ser social deve estar com

os demais indivíduos numa relação de igualdade.” 187

185 Idem ibidem. p 112/113186 VERUCCI, Florisa. O Direito da Mulher em Mutação – os desafios da Igualdade.Belo Horizonte: Del

Rey, 1999, apud Piazzeta, op. cit, 89.187 BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade. Trad. PISETTA, Almiro; ESTEVES, Lenira M.R. Rio de

Janeiro: Ediouro, 1996. p. 07

Transpondo-se a lição do autor até o que foi exposto, percebe-se que, dada a

vigência de um Estado de Direito, dada a nova visão que deve nortear o direito penal, em

atenção aos direitos fundamentais, sua dupla perspectiva, que impõem ao Estado uma

abstenção de se exceder no trato com os indivíduos, e de outro, que impõe um dever de

proteção para com os indivíduos, além da “nova” noção de que a proteção deve se estender

não só no campo individual, mas como também no campo transindividual, a noção de

igualdade deve ser trabalhada de forma a auferir através de dados objetivos se há

necessidade, ou não, da intervenção estatal para deixar as pessoas em condições de

igualdade material – ou seja, de igualdade não só perante a lei, mas de igualdade também

na realidade fática do caso concreto.

3.4 À guisa de finalização

Percebe-se que o atual modelo de Estado pressupõe o respeito ao conteúdo material

dos direitos fundamentais, o qual, quando infringindo, demanda uma resposta proporcional

(no sentido trabalhado no capítulo 2).

Cabe referir que o reconhecimento da reincidência enquanto agravante não afronta

as facetas do princípio da proporcionalidade, não sendo desmedido, nem inadequado, nem

ferindo a proporcionalidade estrito senso quando verificado no caso concreto a partir dos

vértices expostos quando da abordagem daquele princípio. Outrossim, é oportuno

mencionar que o reconhecimento da agravante da reincidência tal como proposta nesta

“terceira via” visa a atender a proibição de excesso por parte do Estado e também a

proibição de insuficiência desse mesmo Estado para com os seus cidadãos, qualificando-se,

nesse sentido em proporcional a sua aplicação.

Não se trata, outrossim, de retornar ao retrógrado “direito penal do autor”, na

medida em que aplicação da agravante em comento seria aferida a partir do caso em

análise, uma vez que dessa feita poder-se-ia deixar de aplicar a interpretação feita por

alguns setores da jurisprudência de que ela deve ser aplicada porque o artigo 61 do Código

Penal Brasileiro dispõe que “sempre”188 agravam a pena, ou seja, por se tratar de norma

cogente, para então passar a aceitá-la (e por conseqüência, aplicá-la) como uma

concretização do princípio constitucional da igualdade, inscrito no caput do artigo 5o da

Constituição da República Federativa do Brasil.

Sabe-se que a questão não está pacificada e pretender um “consenso” acerca do

tema seria uma utopia, tendo em vista que tanto os posicionamentos, em especial

jurisprudenciais, favoráveis a aplicação da agravante quanto contrários a tal aplicação são

deveras respeitados, possuindo ambos uma razão para tanto.

O ramo do direito penal (tanto material quanto processual) constitui-se em terreno

fértil para discussões e trabalhos justamente por comportar opiniões das mais diversas,

dentre as quais, repita-se, muitas essencialmente bem fundamentadas e sustentadas,

contudo, não se pode esquecer que a situação atual demanda uma proteção não só aos bens

individuais (vida, liberdade, igualdade, patrimônio, segurança) como também aos bens

transindividuais (meio ambiente, defesa do consumidor, proteção da ordem econômica),

uma vez que todos eles compõem a sociedade brasileira189.

Nesse sentir, vale repisar o dito inicialmente a respeito das duas facetas dos direitos

fundamentais, em especial no que diz á perspectiva objetiva desses direitos a qual, na lição

de Sarlet:188 Tese sustentada por SARLET, op. cit. 2004, p. 110/116.189 Inobstante o tema sobre um conceito do que venha a ser bem jurídico, oportuno informar o

posicionamento de Roxin, sobre esse iter: “O conceito de bem jurídico que aqui se defende é também um conceito de bem jurídico crítico com a legislação, na medida em que pretende mostrar ao legislador as fronteiras de uma punição legítima. Ele se diferencia do assim denominado conceito metódico de bem jurídico, segundo o qual como bem jurídico se deve entender unicamente o fim das normas, a ratio legis.” ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Org. e Trad. CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 08 et. seq.

Como uma das implicações diretamente associada à dimensão axiológica da função objetiva dos direitos fundamentais, uma vez que decorrente da idéia de que estes incorporam e expressam valores objetivos fundamentais da comunidade, está a constatação de que os direitos fundamentais (mesmo os clássicos direitos de liberdade) devem ter sua eficácia valorada não só sob um ângulo individualista, isto é, com base no ponto de vista da pessoa individual e sua posição perante o Estado, mas também sob o ponto de vista da sociedade, da comunidade na sua totalidade, já que se cuidam de valores e fins que esta deve respeitar e concretizar.190

Na esteira do exposto por Sarlet, percebe-se que direito penal e direito

constitucional devem estar umbilicalmente ligados, a fim de permitir uma proteção

adequada e eficaz aos bens jurídicos tutelados via direito penal, para que se cuide não só da

proibição da atuação excessiva do Estado nessa seara, como também para que este mesmo

Estado não se olvide que lhe é vedada a prestação insuficiente de proteção, esta baseada nos

deveres de proteção impostos pelos direitos fundamentais ao ente político Estado.

Ainda sobre os direitos fundamentais e seu respectivo “papel” nesse novo modelo

de Estado, oportuna é a lição de Queiroz a fim de rememorar o exposto no decorrer do

presente estudo:

A constituição é desde então percebida não apenas como “ordem-quadro” para a ação (Rahmenordnugng), que o legislador se vê obrigado a respeitar, mas, ainda, como base e fundamento de toda a ordem jurídica. Um “sistema de valores” constituído não apenas com base nos “direitos fundamentais”, mas ainda noutros princípios constitucionais, como o princípio do “Estado de Direito” ou o princípio do “Estado Social”. Esse elemento “sociabilidade” aponta para uma intervenção estadual não apenas como “limite”, mas ainda como “fim” ou “tarefa público-estadual”, ordenando concretos “deveres de proteção” (Schtzpflichte) a cargo do Estado. 191

190 Op. cit, 2004, p. 86191 QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais Sociais. In: AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio.

Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 169.

Por outro lado, sobre a necessária superação do paradigma liberal –clássico no

Direito Penal, com o fito de possibilitar a proteção não só de bens individuais, como

também de bens transindividuais, dentre eles, vários configurados na Carta Constitucional

de 1988 como direitos fundamentais, lecionam Streck e Feldens:

(...) se o princípio da intervenção mínima contrapõe-se à denominada huida al Derecho Penal, tampouco a huida del Derecho Penal revela-se como solução, não se mostrando aceitável a afirmação de que o Direito penal não pode ou não deve intervir onde não exista um bem jurídico individual e clássico.” (p. 31 – grifos no original)(...) A questão a ser analisada, portanto, é se devemos continuar a operar, no limiar do século XXI, com estruturas valorativas típicas do início do século XVIII ou se devemos, a partir da identificação de novas necessidades (individuais e sociais), estender a proteção a outras categorias hoje constitucionalmente reconhecidas, depositando na Constituição um papel decisivo nesse sentido.192

Nesse novo contexto, a utilização do direito penal fica subordinada à materialidade

da Constituição. Ainda, impende observar que, em virtude da edição e promulgação de leis

penais em branco,193 bem como de dispositivos existentes, por exemplo, no Código Penal e

no Processual Penal – alguns dos quais estão ultrapassados perante a Constituição Federal

de 1988 e a realidade social do país atualmente – não basta ao julgador a observância única

à lei.

192 Op. cit. p. 31 – grifos no original e p. 33/34, grifos no original.193 Por exemplo o artigo 595 Código de Processo Penal, que está sendo interpretado pelos tribunais de forma

diversa: tendo o réu apelado, ainda que em fuga, esta não será causa de deserção. Outrossim, Feldens atenta para a necessidade de uma fundamentação para a prisão, esteada em uma das hipóteses do artigo 312 do mesmo Diploma Lega, tendo em vista o princípio constitucional denominado por ele de “não culpabilidade”. Op. cit. p. 193.

Por derradeiro, transcreve-se a lição de Castanho de Carvalho, que expõe

exemplificativamente no que uma “aplicação ao contrário” da proibição de insuficiência

poderia ocasionar:

Existe corrente doutrinária que sustenta a inconstitucionalidade da pena de prisão preventiva com fundamento na ordem pública. A vingar a tese, poder-se-ia estar protegendo deficientemente direitos fundamentais concretamente postos em risco. Seria às avessas porque, embora a lei preveja a proteção adequada, a interpretação doutrinária que conclua pela inconstitucionalidade é que pode levar a uma proteção deficiente. 194

Dessa feita, percebe-se a necessidade do recurso a métodos interpretativos e o

socorro aos princípios constitucionais, sem, porém, deixar cada ser humano integrante da

sociedade desprovido da necessária proteção aos direitos humanos, a fim de que se observe

o direito penal à luz da materialidade da Carta Constitucional, bem como para que sejam

observadas as próprias finalidades dos direitos fundamentais no atual modelo de Estado, tal

como já trabalhadas, sem olvidar nem da proibição de atuação excessiva pelo Estado para

com seu cidadão, nem da proibição da prestação de uma proteção insuficiente para cada

membro da sociedade – para cada pessoa humana.

194 CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 37.

CONCLUSÃO

A partir do estudo desenvolvido, a primeira, e essencial conclusão tirada, diante da

convivência em sociedade, com o conseqüente Estado Democrático de Direito vigente, e a

necessária proteção dos direitos fundamentais a todos, é a de que deve existir um

parâmetro de proporcionalidade na aplicação do direito e, ainda mais, quando se fala na

seara criminal, não que esta seja a mais importante, por assim dizer, mas pode ser

considerada uma das áreas mais “delicadas” do direito, diante do cometimento, via gratia,

de crimes como o homicídio, o latrocínio, a pedofilia, as lesões corporais de natureza grave,

para citar alguns.

Nesse sentido, viu-se que após a promulgação da Constituição Federal de 1988, há

de se respeitar e observar os direitos fundamentais. Princípios como o do devido processo

legal, contraditório, ampla defesa e, dignidade da pessoa humana – não que somente estes

princípios vigoram no processo penal, mas podem, entre os demais, ser classificados como

de suma importância –, em não sendo observados, gerarão a nulidade de todos os atos, ou

seja, a observância dos direitos fundamentais e as respectivas garantias individuais

constitucionais são essenciais ao processo penal, mostrando os direitos fundamentais aí sua

face enquanto proibição de excesso da atividade estatal perante o indivíduo.

Contudo, viu-se que ao lado dessa função dos direitos fundamentais, tais impõem

também ao Estado um dever (mínimo, se é que se pode dizer) de proteção dos direitos

fundamentais dos demais cidadãos. Nesse pesar, percebe-se a importância do princípio da

proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de insuficiência como

parâmetro interpretativo, a fim de atingir ambos os deveres que os direitos fundamentais

impõem ao Estado.

De outra feita, é importante referir que com a abordagem em torno da reincidência

feita no terceiro capítulo, não se pretendeu, simplesmente, sustentar que ela não é

inconstitucional, mas o que se procurou demonstrar, essencialmente, é que diante das

funções impostas ao Estado pelos direitos fundamentais, não é possível aplicar o direito em

geral como se o único intento imposto ao Estado fosse a vedação de excesso para com seus

cidadãos.

Ao trabalhar a reincidência como parâmetro para tratar igualmente pessoas que se

encontram em situações diferentes, quis-se demonstrar que, por vezes, sua aplicação será

necessária, e que tal aplicação pode ser muito bem feita com fulcro em parâmetros

objetivos, sem ter que recorrer a qualquer caráter subjetivo do agente, numa tentativa (a

mais) de demonstrar que não se trata de retorno ao já abandonado direito penal do autor.

A reincidência, aplicada da feita que proposta nesse trabalho, teria o condão, apenas,

de “suprir” uma forma capaz de operar a igualdade entre desiguais na prática, tal como

enfaticamente trabalhado no terceiro capítulo, assim também como uma “saída” capaz de

gerir a questão atinente aos direitos fundamentais enquanto imperativos de conduta não

excessiva do Estado perante os cidadãos e também enquanto deveres de proteção impostos

à autoridade estatal para com seus cidadãos.

Como dito por Nassif, no texto em que escreve sobre a reincidência, é angustiante

falar em direito penal, e mais quando há bens constitucionalmente protegidos (dignidade da

pessoa humana e liberdade, por exemplo). Mas, acredita-se que tal “angústia” seria passível

de amenização na análise do caso concreto e mediante o recurso ao controle de

constitucionalidade difuso, no contexto de uma interpretação conforme a Constituição

(especialmente, conforme o princípio da proporcionalidade) com atenção no que diz ao

termo “sempre” constante no caput do artigo 61 do Código Penal, conforme lição de

Sarlet195.

Afinal, assim como a ponderação de bens constitucionalmente tutelados é uma

constante, isso deve ser feito não só com a atenção voltada àquele que sofre o processo

penal, mas também àquele que sofre a violência proveniente da criminalidade. Ademais, tal

ponderação não pode, acredita-se, ter como simbologia uma balança na qual, de um lado,

estaria a doutrina “liberal-iluminista” e no outro não estaria nada, em uma legítima afronta

à própria natureza dos direitos fundamentais.

Cabe, pois, às pessoas envolvidas com o direito procurar alternativas à aplicação da

lei, tendo sempre em mente que o papel que os direitos fundamentais representam nesse

modelo de estado denominado de Democrático de Direito.

195 Op. cit. 2004, p. 110/116

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio. O proporcional e o razoável. In: Revista dos Tribunais. Ano 91, V. 798. Abril de 2002. São Paulo: RT, 2002.

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução Roberto Raposo. São Paulo:Companhia das Letras, 1989.

ARNS, Dom Paulo Evaristo (org.) Brasil Nunca Mais. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5 ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2004.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Renavan – Instituto Carioca de Criminologia, 2002. (Pensamento Criminológico).

BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3 ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.

BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

______. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional. In; Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política nº 23. São Paulo: RT, 1998.

______. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. rev, atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

______. O começo da história: a nova interpretação constitucional. In: AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.

BRASIL. Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva. 2006.BRASIL. Código Penal. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5a Turma. REsp 588989/SP. Rela. Ministra Laurita Vaz. j. 16/09/2004.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Rel. Ministro Cezar Peluzzo. Medida Cautelar no Hábeas Corpus no 88642 / SP. j. 04/05/2006.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5a Turma. REsp 810380/RS. Rela. Ministra Laurita Vaz. j. 17/08/2006.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Antonio Carlos Campana. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1972.

BOBBIO, Norberto. Liberdade e igualdade. Trad. PISETTA, Almiro; ESTEVES, Lenira M.R. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996

______. Teoria da norma jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. 2 ed. rev. Bauru: EDIPRO, 2003

.BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999.

______. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BONFIM, Edílson Mougenot. Direito Penal da Sociedade. São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998.

BOSCHI, José Antonio Paganella. Das penas e seus critérios de aplicação. 3 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

BUENO DE CARVALHO, Amilton. CARVALHO, Salo de. Aplicação da pena e garantismo. 2 ed, ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

CALIL DE FREITAS, Luiz Fernando. Direitos Fundamentais: limites e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

CANARIS, Claus-Wilhelm. A influência dos direitos fundamentais no direito privado na Alemanha. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

CANCELLI, Elisabeth. O mundo da violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993.

CARVALHO, Sala de. Reincidência e antecedentes criminais: abordagem crítica desde o marco garantista. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre: Nota Dez/ ITEC, 2001.

CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo Penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 4 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

CAVALCANTI, Eduardo Medeiros. Crime e Sociedade Complexa: Uma abordagem interdisciplinar sobre o processo de criminalização. São Paulo: LZN, 2005.

D´ARAÚJO, Maria Celina (org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.

DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO BRASILEIRO – CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb, Acessado em: http://www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/5744_1.asp . 24.09.2004 às 13:10.

DIMOULIS, Dimitri. Elementos e problemas da dogmática dos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo. Jurisdição e Direitos Fundamentais: Anuário 2004-2005.Porto Alegre: Livraria do Advogado; AJURIS-ESM, 2006.

FÁVERO, Altair Alberto; RAUBER, Jaime José; SOARES, Marcio (Coord.) Apresentação de trabalhos científicos: normas e orientações práticas. 3. ed. Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2003.

FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FRANCIS, Paulo. Trinta anos esta noite: 1964, o que vi e vivi. São Paulo: Companhia das Letras, 1994;

GIACOMOLLI, Nereu José. Legalidade, oportunidade e consenso no processo penal na perspectiva das garantias constitucionais: Alemanha, Espanha, Itália, Portugal e Brasil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Curso de Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed.Coimbra; Almedina, 2003.

GUERRA FILHO, Willis Santiago.Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4 ed. rev e ampl. São Paulo: RCS Editora, 2005.

GRINOVER, Ada. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7 ed. rev e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001

HERKENHOFF, João Baptista. Como funciona a cidadania. 2 ed. Manaus:Editora Valter, 2002. (Série como funciona, 5)

LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2 ed. rev, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

MELGARÉ, Plínio. Direitos humanos: uma perspectiva contemporânea – para além dos reducionismos tradicionais. Revista da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul – Ajuris. Ano XXIX, no88, Tomo I – Dez. 2002.

______. Um olhar sobre os direitos fundamentais e o estado de direito – breves reflexões ao abrigo de uma perspectiva material. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.) Jurisdição e Direitos Fundamentais. Ajuris, V. I, Tomo II. Revista dos Tribunais – Ajuris, 2006

MERLIN CLÈVE, Clèmerson. A eficácia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano 14 nº. 54, janeiro-março, 2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional: preliminares, o Estado e os sistemas constitucionais. 6 ed. rev. e atual. Tomo I. Lisboa: Coimbra, 1997.

______. Manual de direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 3 ed. rev. e atual. Lisboa: Coimbra, 2000.

______. Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

MORAIS, José Luiz Bolzan de. As crises do Estado e da Constituição e a transformação espacial dos direitos humanos.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. (Estado e Constituição;1).

NASSIF, Aramis. Reincidência: Necessidade de um Novo Paradigma. In: Direito Penal e Processual Penal: uma abordagem Crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

NAVES, Nilson. Tráfico e exploração sexual de crianças e adolescentes .Revista CEJ Ano VII – Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários. Brasília: Dezembro/2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 5 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PACHECO BARROS, Wellington. ZUCHETTO BARROS, Wellington Gabriel. A proporcionalidade como princípio de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

PASTANA, Débora Regina. Cultura do medo: reflexões sobre violência criminal, controle social e cidadania no Brasil. São Paulo: Método, 2003.

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

PIAZZETA, Naele Ochoa. O princípio da igualdade no Direito Penal brasileiro: uma abordagem de gênero. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

PONTES, Helenilson Cunha. O princípio da proporcionalidade e o Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2000.

PRITTWITZ, Cornelius. O Direito Penal entre Direito Penal do Risco e Direito Penal do Inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 12, no47. São Paulo: Revista dos Tribunais, março – abril, 2004.

QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais Sociais. IN: Interpretação Constitucional. AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio. São Paulo: Malheiros, 2006.

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. V. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Org. e Trad. CALLEGARI, André Luís; GIACOMOLLI, Nereu José. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim 70007004245, Rel Des. Aramis Nassif. j. em 15/10/2003.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70006861157, Rel Des. Aramis Nassif. j. em 26/11/2003.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70007242688, Rel Des. Aramis Nassif. j. em 26/11/2003.

RIO GRANDE DO SUL, 5a. Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70008100984, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 14/04/2004.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim 70008302739, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 19/05/2004.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70008551400, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 03/08/2004.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70006118749, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 11/08/2004.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim 70008417404, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 11/08/2004.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70008503922, Rela. Desa. Genacéia da Silva Alberton. j. em 16/03/2005.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70010811503, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho. j. em 30/03/2005.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70010771392, Rel Desl. Amilton Bueno de Carvalho. j. em 06/04/2005.

RIO GRANDE DO SUL. 5a. Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. no 70011717642, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho. j. 22/06/2005.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70011746476, Rela. Desa. Genacéia da Silva Alberton. J. em 31/08/2005.

RIO GRANDE DO SUL, 5a. Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70013038930, Rel. Des. Aramis Nassif. j. em 04/01/2006.

RIO GRANDE DO SUL, 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70013370515, Rel. Des. Aramis Nassif. j. 25/01/2006.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70014717185, Rela. Desa. Genacéia da Silva Alberton. J. em 28/06/2006

RIO GRANDE DO SUL. 1a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre – RS. Ação Penal no 2.06.0010420-7, pub. 27/06/2006, Juíza prolatora, Katia Elenise Oliveira da Silva.

RIO GRANDE DO SUL. 1a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre –RS. Ação Penal no 2.05.0767837-1, pub. 10/07/2006, Juiz Prolator, Márcio André Kepler Fraga.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70015045347, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho. j. em 19/07/2006.

RIO GRANDE DO SUL. 5a Câmara Criminal do TJRS. Ap. Crim. 70015707581, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho. j. em 26/07/2006.

RIO GRANDE DO SUL. 1a Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre – RS. Ação Penal no. 2.06.0049586-9, pub. 19/09/2006, Juiz Prolator: Laércio Luiz Sulczinski.

SANGUINÉ, Odone. A inconstitucionalidade do clamor público como fundamento da prisão preventiva. In: SCHECAIRA, Sérgio Salomão (org.) Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Método, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003

______. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de excesso e de insuficiência. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. n. 47, ano 12. São Paulo: Revista dos Tribunais, março-abril de 2004.

SARMENTO, Daniel.Colisão entre direitos fundamentais e interesses públicos. In: SARLET, Ingo Wolfgang. Jurisdição e Direitos Fundamentais, Ajuris, V I, Tomo II. Porto Alegre: Revista dos Tribunais e Ajuris, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros: São Paulo, 2000.

______. Direito Ambiental Constitucional. 4 ed. rev e atual, 2a. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2002.

SCHOLLER, Heirich. O princípio da proporcionalidade no direito constitucional e administrativo da Alemanha. Trad. SARLET, Ingo Wolfgang. Texto traduzido a partir da palestra proferida pelo Autor em 20.11.98 no Curso de Aperfeiçoamento em Direito Público Comparado. Co-produção: ESM/AJURIS, ESMP, ESMAFE, Escola Superior de Direito Municipal e Fundação Pedro Jorge de Mello da PGR.

STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. Tribunal do Júri: símbolos e rituais. 4 ed. rev. e modificada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

______. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

______. A dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal: superando o iderário liberal-individualista clássico. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, no 53. Porto Alegre: Metrópole, 2004.

______. Parecer em Agravo de Execução (70008229775). 5a.Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:2004.

______. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassberbot à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Ano XXXII, no

97, V. 32 – março/2005. Porto Alegre: AJURIS, 2005.

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996

ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito pena brasileiro: parte geral. 4 ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

______. Manual de direito penal brasileiro. V.1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.