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Alethes

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Diagramação: Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) e Maria Gabryela Semeão Lima.

Capa: Edição e montagem de Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) sobre fotografia

vencedora do concurso, de Ana Luiza Brinati Medina, 2018.

Divisórias: Edição e montagem de Ana Carolina Rodrigues Defante (colaboração especial) sobre fotografia

vencedora do concurso, de Ana Luiza Brinati Medina, 2018.

_____________________________________________

Alethes: Periódico científico dos graduandos em Direito

da UFJF. N. 16. (2019/1° semestre)

Juiz de Fora: DABC, 2019. Semestral. 1.

Direito – Periódicos

ISSN 2178-1303

_____________________________________________

As opiniões expressas são de inteira responsabilidade de seus autores

Esta publicação conta com o apoio do Diretório

Acadêmico Benjamin Colucci, da Faculdade de Direito

da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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Memória

Amar o perdido deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis tornam-se insensíveis

à palma da mão.

Mas as coisas finas, muito mais que lindas,

essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

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Conselho Editorial Editores Gerais

Acadêmico Eduardo Khoury Alves (UFJF)

Acadêmica Lívia Calderaro Garcia (UFJF)

Editores/as Adjuntos/as

Acadêmica Adrienny Rubia de Oliveira Soares (UFJF)

Acadêmico Caio Hoffmann Cardoso Zanon (UFJF)

Acadêmico Felipe César de Andrade (UFJF)

Acadêmico Igan Figueiredo Mainieri Silveira (UFJF)

Acadêmica Isadora Graça da Costa (UFJF)

Acadêmico Jardel Felisberto (UFJF)

Acadêmico Lucas de Souza Oliveira (UFJF)

Acadêmica Maria Gabryela Lima (UFJF)

Acadêmico Nathan Paschoalini Ribeiro Batista (UFJF)

Acadêmico Otávio Lopes de Souza (UFJF)

Acadêmica Sarah Sad Guimarães (UFJF)

Acadêmico Valdemir Jorge de Souto Batista (UFJF)

Colaboração na diagramação

Acadêmica Ana Carolina Rodrigues Defante (UFJF)

Conselheiros/as

Drª. Alice Rocha da Silva (UniCEUB)

Dr. Amauri Cesar Alves (UFOP)

Mestrando Arthur Barretto (UFMG)

Doutorando Brahwlio Soares de Moura Ribeiro Mendes (UFMG)

Doutoranda Bruna Mariz Bataglia Ferreira (PUCRio)

Dr. Bruno Camilloto Arantes (UFOP)

Dr. Bruno Stigert de Sousa (UFJF)

Drª. Clarissa Diniz Guedes (UFJF)

Drª. Cláudia Maria Toledo da Silveira (UFJF)

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Drª. Daniela de Freitas Marques (UFMG)

Mestrando Daniel Brant Costa (UFOP)

Drª. Eliana Conceição Perini (UFJF)

Drª. Elizabete Rosa de Mello (UFJF)

Drª. Ellen Rodrigues (UFJF)

Doutorando Felipe Comarela Milanez (Coimbra)

Drª. Fernanda Maria da Costa Vieira (UFJF)

Dr. Fernando Ramalho Ney Montenegro Bentes (UFRRJ)

Dr. Federico Nunes de Matos (UFOP)

Ms. Felipe Fayer Mansoldo (UFJF)

Drª. Flávia Máximo (UFMG/UFOP)

Drª. Joana Machado (UFJF)

Dr. João Beccon de Almeida Neto (UFJF)

Mestrando João Vitor de Freitas Moreira (UFMG)

Mestrando Jordan Oliveira (UFJF)

Me. Juliana Martins de Sá Muller (UERJ)

Doutoranda Kalline Carvalho Gonçalves (UFJF)

Drª. Karen Artur (UFJF)

Drª. Kelly Lissandra Bruch (UFRGS)

Dr. Leandro Zanitelli (UFMG)

Mestranda Leila Bitencourt Reis da Silva (UFOP)

Dr. Leonardo Alves Corrêa (UFJF)

Me. Lia Maria Manso Siqueira (UNEMAT)

Me. Lorena Abbas (UFJF)

Me Luiz Carlos Silva Faria Junior (UFJF)

Me Luciana Tasse Ferreira (UFJF)

Drª. Marcella Mascarenhas (UFJF)

Mestrando Marcos Felipe Lopes de Almeida (UFJF)

Dr. Marcus Eduardo de Carvalho Dantas (UFJF)

Doutorando Moacir Henrique Júnior (Barcelona)

Me. Natália Chernicharo Guimarães (UFOP)

Drª. Nathane Fernandes da Silva (UFJF-GV)

Doutoranda Paola Angelucci (UFRJ)

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Mestranda Rafaela Fernandes Leite (UFOP)

Drª Raquel Bellini de Oliveira Salles (UFJF)

Dr. Ricardo Sontag (UFMG)

Dr. Siddharta Legale (UFJF)

Drª Silvana Henkes (UFU)

Me. Tatiana Paula Cruz de Siqueira (UFJF)

Dr. Tiago Cappi Janini (UENP)

Dr. Tiago Vinícius Zanela (CEDIN)

Dr. Thiago Paluma (UFU)

Mestranda Thaís da Silva Barbosa (UFJF)

Me. Vitor Schettino (UERJ)

Drª. Waleska Marcy Rosa (UFJF)

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Sumário Conselho Editorial | Editorial Board | 1

Sumário | Summary | 5

Editorial | Editorial | 9

Artigos | Articles | 13

A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro | The threat of

principal of taxation in the article 233 of the brazilian penal code | 15

Gabriel Sartori Jacob Thales Augusto Andrade Oliveira

A influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios

processuais penais | Influence of the media in the Jury and the importance of compliance with

criminal procedural principles | 31

Brenda Dutra Franco Hugo Vidigal Ferreira Neto Isabella Tostes Teixeira Letícia Montebunhuli Pereira Fiorindo

Ensaios | Essay | 55

Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória | 57 Ana Beatriz Marques Penna Danielle de Souza Menezes

A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural | 63 André Paulo da Silva Gabriel Karolyne Guedim Batista Poemas | Poems | 73

Fotografias | Photos | 79

Entrevista | Interview | 85

Normas de Publicação| Publication Norms | 105

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Editorial

Já há algum tempo, notamos que são bastante recorrentes expressões como é com

muita alegria ou é com muita satisfação, e seus congêneres, no início de textos como os que

se propõem a lançar ou apresentar uma nova edição de periódicos como o Alethes, textos

como este. Essa observação sempre veio acompanhada, deve-se admitir, de um certo desdém

pela comicidade com que atingem estas palavras. Ao busca-las para iniciar o texto de

apresentação para esta edição, no entanto, esta miríade de combinações monótonas de

palavras veio à tona com outra significação, que é um tanto mais honesta e, ao mesmo passo,

irônica.

A honestidade da rememoração dispensa explicação complexa. O lançamento da

presente edição, de fato, é motivo de alegria e satisfação, pois nos deixa contentes em

perceber que o trabalho das bastantes poucas pessoas que se dedicam de forma integral na

parte de sua vida que reservam à busca pelo conhecimento e seu compartilhamento traz à

tona, ao fim e ao cabo, um trabalho de excelência e com as melhores qualidades que se

poderia propor a apresentar. Quando se encontra alguns focos de esforço e talento que

convergem para o fim comum o trabalho que individualmente realizam, o resultado que se

obtém, em vezes muito especiais, é aquém e além de todo o esperado.

A presente edição traz uma reunião de exposições de ideias e pensamentos que, cada

um a seu modo, trazem reflexões, impressões e conhecimento organizados em torno da

proposta de pensar a cidade e a memória. Foi nessa jornada de pensar no tempo e no espaço

locais que recebemos fotografias, inclusive a que ilustra a nossa capa, e percebemos que elas

transmitem muito do que o Alethes tem como missão transmitir. Foi também nesse passeio

que tivemos o prazer de conversar com a Professora Elione Guimarães, que, ao contar do

trabalho incrível que realiza preservando a memória da nossa cidade e sua região, nos faz

recordar da forma mais vívida e localmente referenciada o óbvio – toda cidade é histórica. Na

entrevista publicada nesta edição, também compreendemos que este meio traz muito

conhecimento, potencialmente com muita sensibilidade. Traz exatamente muito do que o

Periódico tem para apresentar. Dialogando de forma tangencial o tema da edição, há ainda

neste número os artigos e ensaios enviados por colegas graduandos. Estes trabalhos trouxeram

reflexões de nossos pares que, com coragem e desejo de visar à construção do conhecimento

por meio daquele que já vem angariando e construindo, confiaram a nós as suas inquietações

para o escrutínio dos melhores profissionais da área afim e publicação na presente edição.

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Não nos resta nenhuma dúvida de que estimular e orientar a feitura, receber e publicar os

trabalhos de nossos pares é a missão ímpar da Alethes, e agradecemos àqueles que conosco

construíram esta seção da revista.

A parte irônica já está quase esquecida a esta altura, graças a deus! Ela decorre de

certa tragicidade que acomete o pensamento que percebe que a possibilidade de reunião de

esforços que levaram à efetiva consecução do fim de construção de um objeto parece

depender de uma série de fatores tão singular e ocasional, que parece ser guiada e ora mantida

por uma tênue e invisível linha. É irônico que toda a especialidade decorra de um encontro

que, inevitavelmente, retorna para a fragilidade da incerteza de que surgiu tão logo tenha

produzido os seus efeitos mais mirabolantes. Mas assim é a vida, e assim sempre será a obra

humana. Fazendo malabarismos sobre uma tênue corda também é o caminho do Atlethes, que

se por vezes é o e por vezes é a, é porque é um projeto em construção, tautologia que

representa por excelência aquilo que é esta revista. A Alethes tem a missão de congregar

graduandos que desejem produzir conhecimento e, sobretudo, trazer outros para esta jornada.

Estamos aqui para atuar como um imã, como um fórum, como uma praça pública. Nossa

vocação é reunir alunos para falar e para ouvir. A história, como a ciência, é viva. São feitas a

todo o momento, sejamos ou não parte ativa neste processo.

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JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

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A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

The threat of principal of taxation in the article 233 of the brazilian penal code

Gabriel Sartori Jacob1 Thales Augusto Andrade Oliveira2

Resumo O presente artigo tem por meta principal discutir o alinhamento dos princípios penais

da Teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli ao artigo 233 do Código Penal Brasileiro. Para tanto, realizar-se-á uma comparação entre os princípios do Garantismo com o termo “ato obsceno”, presente no referido artigo, a fim de que se possa mostrar como a inobservância do princípio da taxatividade pode gerar uma reação em cadeia que impede que diversos outros princípios sejam concretizados. Depois disso, será feito um estudo de três casos e do Recurso Extraordinário nº 1.093.553 para avaliar, respectivamente, se inexiste taxatividade e se é inconstitucional a norma. Por fim, concluiu-se a alta gravidade proveniente da falta de taxatividade do artigo 233, e que este carece não de exclusão do Código Penal, mas de uma reforma em sua redação.

Palavras-chave: Ato obsceno. Princípio da taxatividade. Garantismo penal.

Abstract The present article aims to discussing the alignment of the criminal principles of Luigi

Ferrajoli’s Criminal Garantism Theory with the Article 233 of the Brazilian Penal Code. To this end, a comparison between the principles of the garantism with the term "obscene act", presented in the said article, will be carried out in order to show how the infringement of the Principal of Taxation can cause a chain reaction that compromises the accomplishment of other principles. After that, a study of three cases and also the Extraordinary Appeal number 1,093,553 will be made to evaluate, respectively, if there is no rate and if the norm is unconstitutional. Finally, it was concluded that there was a high level of severity stemming from the lack of taxation in article 233, and that it lacks non-exclusion from the Penal Code, but a reform in its wording.

Keywords: Obscene act. Principal of taxation. Criminal Garantism.

1 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 2 Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: [email protected]

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Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.

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Introdução

O presente trabalho tem como escopo a análise do artigo 233 do Código Penal

Brasileiro à luz dos princípios da Teoria do Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli, com o

objetivo de incitar a interpretação crítica acerca do artigo 233 do Código Penal.

Pretende-se averiguar a constitucionalidade do dispositivo tendo em vista as

finalidades da pena dentro do sistema garantista e os axiomas construídos pelo autor. Destes

se pode inferir-se os princípios que regem o Direito Penal e limitam o ius puniendi em um

Estado Democrático de Direito, a fim de que a atuação deste não seja autoritária, arbitrária e

excessivamente impositiva, restando a segurança jurídica dos cidadãos resguardada.

Nesse momento, a racionalização do Direito configura-se como sendo manifestação da

própria racionalização estatal e, por isso, cada vez mais necessária à compatibilização entre a

sociedade contemporânea e os Estados. A relação entre o sistema penal garantista e o Estado

Democrático de Direito ficará evidente ao longo da explanação e será a base para a análise do

dispositivo legal, juntamente com a noção de direito penal mínimo, a qual fundamenta todo

raciocínio desenvolvido e estipula, de forma genérica e abrangente, como o Direito Penal

deve ser funcionalizado dentro desse modelo de Estado para a consecução dos fins eleitos

pela sociedade e por ela perseguidos. A sanção penal precisa ser verdadeiramente útil à

coletividade, não bastando apenas ter a aparência de tal.

Entre os princípios mencionados ao longo do texto (tanto penais, quanto processuais

penais), os quais estão intrinsecamente ligados entre si, serão trabalhados com maior destaque

os princípios penais da ofensividade, da economia do direito penal e da legalidade

(juntamente com seus subníveis, a saber, anterioridade, irretroatividade, tipicidade e

taxatividade), mostrando a pertinência lógica e prática existente entre esses e o referido artigo.

Para complementar o trabalho e aclarar ao máximo a explanação, far-se-á breve conceituação

de bem jurídico, elemento central quando se pretende dotar a intervenção penal de sentido e

utilidade dentro de uma sociedade contemporânea.

A partir dessa explicação introdutória, o artigo 233 do Código Penal Brasileiro,

temática do presente artigo, será transcrito e comentado, a fim de que as conclusões

alcançadas se tornem mais compreensíveis e acessíveis ao leitor. Em seguida, serão relatados

três casos semelhantes de prática de ato obsceno, mas em que o tratamento concedido aos

seus autores fora distinto. Nesse momento, a discussão mostrará sua relevância prática e sua

necessidade na atualidade.

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JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

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Após, parte-se, devido à sua atualidade, à análise do recurso extraordinário interposto

pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul que vai de encontro à decisão de significativa

repercussão prolatada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande

do Sul no sentido de absolvição de um indivíduo que havia se masturbado em público,

fundamentada na inconstitucionalidade do art. 233 do CPB. Nesse ponto a conceituação feita

no início do texto mostrará, claramente, sua relevância no debate acerca do tema e nos levará

à indagação: tem o tipo penal em voga legitimidade jurídica na hodiernidade, ou apenas tutela

um bem jurídico já relativizado?

Diante da dúvida sobre a completude e a relevância no mundo fático da norma,

suscitada pela Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, surge

outra questão: é recomendável que haja a completa inconstitucionalidade do dispositivo, ou

que se objetive uma nova redação a ele?

É válido ressaltar que não temos aqui a pretensão de esgotar o tema, mas apenas trazer

alguns conceitos pertinentes ao debate e apontar algumas possíveis soluções, sem afirmar

peremptoriamente a prevalência de uma delas sobre outra; dessa forma, o presente estudo

configura-se como sendo um ponto de partida da discussão e não um ponto de chegada.

1 – Garantismo penal e o estado democrático de direito

A teoria do Garantismo Penal, formulada pelo autor italiano Luigi Ferrajoli, estabelece

limitações ao poder punitivo do Estado, fornecendo, dessa forma, certas diretrizes a serem

seguidas no que se refere à aplicação da lei penal dentro de um Estado Democrático de

Direito (aquele no qual o Poder Público encontra-se substancialmente vinculado às leis, isto é,

limitado por elas e também submetido ao plano processual). Assim, o que os dez axiomas

organizados pelo autor estipulam não são condições suficientes para a aplicação da lei penal,

mas sim condições necessárias para a responsabilização penal dos indivíduos, vinculando a

atuação estatal à observância dos princípios penais; em caso de inobservância, a atuação do

ente estatal é autoritária, absolutista e, por conseguinte, ilegítima dentro do modelo estatal

eleito pelo país. Cada uma das implicações deônticas – ou princípios – de que se compõe todo modelo de direito penal enuncia, portanto, uma condição sine qua non, isto é, uma garantia jurídica para a afirmação da responsabilidade penal e para a aplicação da pena. Tenha-se em conta de que aqui não se trata de uma condição suficiente, na presença da qual esteja permitido ou obrigatório punir, mas sim de uma condição necessária, na ausência da qual não está permitido ou está proibido punir. (FERRAJOLI, 2002, p. 74).

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Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.

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Os axiomas são prescritivos e não descritivos, estipulando aquilo que deve ocorrer, o

dever-ser do direito penal, ou seja, a prática jurídica deve se aproximar ao máximo dos

comandos extraídos das máximas utilizadas por Ferrajoli, caso isso não ocorra, os cidadãos

ficam vulneráveis a uma atuação arbitrária do Estado e, portanto, indevida. Essa relação entre

o Garantismo Penal, seus princípios e o Estado Democrático de Direito é fundamental e, por

isso, explicitada pelo penalista italiano em diversas passagens de sua obra “Direito e Razão”.

A formulação de axiomas, de máximas garantistas, das quais se pode extrair os princípios,

demonstra a necessária racionalização do Direito Penal a fim de se atender as exigências

necessárias para a concretização de um Estado Democrático de Direito. Em outras palavras, o

Garantismo é o modelo penal a partir do qual o Estado Democrático de Direito pode se

efetivar na realidade fática: ele compatibiliza tal forma de Estado e a aplicação do Direito

Penal.

A partir dos seis primeiros axiomas, infere-se os princípios penais (princípios da

retributividade, da legalidade, no sentido lato ou estrito, da economia do direito penal, da

ofensividade, da exterioridade da ação e da culpabilidade, respectivamente), enquanto dos

quatro últimos, os princípios que devem reger o processo penal (princípios da

jurisdicionariedade, no sentido lato ou estrito, da separação entre juiz e acusação, do ônus da

prova e do contraditório, respectivamente). Os axiomas estão estritamente relacionados uns

aos outros; assim, a inobservância de uma das garantias compromete a concretização de todas

as demais. Para que o sistema garantista funcione da melhor forma possível, todos os

princípios, todas as garantias devem ser asseguradas na maior medida possível. Percebe-se

que o sistema garantista é um complexo de princípios integrados entre si; logo,

desrespeitando-se um dos princípios, não estaremos mais diante do sistema garantista, mas

sim de um novo sistema, como bem assevera o pensador italiano: [...] a lesão de cada garantia, ao estarem concatenados entre si os axiomas de cada sistema, não comporta apenas uma mudança de sistema, mas repercute sobre o conjunto das garantias restantes, debilitando-as ou inclusive, anulando-as. (FERRAJOLI, 2002, p. 82).

Quanto mais fortemente as garantias penais limitam a atuação estatal, mais próximo se

estará de um direito penal mínimo, o qual deve intervir minimamente na vida dos indivíduos,

sendo a última instância (ultima ratio), o último meio a ser utilizado para a proteção de um

bem jurídico (este termo será explanado mais detidamente no capítulo 2), sendo fragmentário,

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tutelando apenas uma parcela específica dos bens da vida (aqueles mais importantes ao

desenvolvimento individual e à manutenção da coexistência coletiva), e subsidiário, devendo

apenas ser acionado quando nenhum outro ramo do Direito ou, até mesmo, fora do Direito

conseguir oferecer uma tutela satisfatória a um bem jurídico. Por meio de um direito penal

mínimo, assegura-se maior liberdade aos cidadãos frente ao arbítrio do Estado (vez que os

atos de poder não são presumidamente regulares ou bons) e também se reforça a segurança

jurídica dentro de uma sociedade, visto que o Estado somente aplicará sanção àquele que

comprovadamente, através de um processo dotado de garantias, seja culpado por um delito

anteriormente tipificado, ou seja, os critérios de condenação são certos, racionais e estão

previamente determinados.

Corroborando com o exposto até o momento, o autor explicita que “A certeza

perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido

à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune.” (FERRAJOLI, 2002,

p. 84-85). Em outras palavras, é melhor não penalizar todos os culpados do que correr o risco

de se punir um inocente, por isso o Garantismo estabelece as condições necessárias para a

condenação, todas precisam ser preenchidas para que a aplicação da lei penal seja devida,

lícita, e as condições suficientes para a absolvição, apenas a presença de uma delas já afasta a

responsabilização penal do indivíduo. Se ocorresse de forma oposta, estaríamos diante de um

direito penal máximo (comum em Estados Absolutistas), no qual se considera a hipótese de

um culpado ficar impune tão absurda, que é válido correr o risco de penalizar-se um inocente.

Para uma compreensão mais correta do modelo de Direito Penal proposto por

Ferrajoli, deve-se atentar para as funções que a pena cumpre dentro do Estado. Nesse sentido,

o autor elabora o, por ele denominado, Utilitarismo Reformado, o qual dá um novo sentido às

funções da pena, estas devem ser consideradas dentro de um contexto social realista, ou seja,

que devem considerar a realidade fática existente. As funções da pena deveriam ser

primordialmente duas: evitar o arbítrio estatal, e coibir, inibir o cometimento de crimes por

parte dos cidadãos (prevenção geral negativa). A partir delas, ocorreria, também, como

consequência, o impedimento da vingança privada. Dessa forma, a aplicação de uma pena a

um indivíduo somente seria devida quando ela se mostrasse apta a preencher todos esses

requisitos, apta a realizar todas essas funções; sendo assim, útil à sociedade.

Entre as garantias do cidadão em face do arbítrio estatal esquematizadas por Ferrajoli,

trataremos mais especificamente os princípios da legalidade, tanto em seu sentido lato quanto

estrito, da economia do direito penal e da ofensividade.

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Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 15-30. 2019/1°semestre.

Alethes | 20

1.1 – Princípio da legalidade

O princípio da legalidade possui duas acepções, uma em sentido amplo, também

denominada “mera legalidade”, e outra em sentido estrito. A primeira diz respeito à análise da

passagem de forma válida do dispositivo legal por todos os procedimentos necessários para

sua legitimação, focando, principalmente, nas formalidades do processo legislativo (condição

de vigência da lei). Quando uma norma respeita o princípio da legalidade em sentido amplo,

ela atende aos requisitos legais necessários para a sua existência, adquirindo validade formal.

Já a segunda relaciona-se à averiguação de compatibilidade do dispositivo com os Direitos

Fundamentais de um Estado, aqui o que importa é o conteúdo da norma (condição de

legitimidade das leis vigentes). Quando uma lei é compatível com a Constituição em seu

substrato, ela tem validade material ou substancial. Por vezes, a norma penal é dotada de

legalidade em sentido amplo, sendo vigente em um país, porém não apresenta legalidade em

sentido estrito, sendo em seu conteúdo, em sua aplicação prática, incompatível com a

Constituição.

Alguns autores, como Assis Toledo (1994), utilizam os termos “princípio da

legalidade” e “princípio da reserva legal” como sinônimos. Enquanto outros pensadores,

como Bitencourt, fazem uma diferenciação entre as expressões. Para o renomado penalista, o

princípio da legalidade determina que

[...] a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. (BITENCOURT, 2017, p. 53)

Por outro lado, o princípio da reserva legal “[...] significa que a regulação de

determinadas matérias deve ser feita, necessariamente, por meio de lei formal, de acordo com

as previsões constitucionais a respeito.” (BITENCOURT, 2017, p. 53). Percebe-se que o

princípio da legalidade é, de certa forma, um prolongamento da reserva legal, pois, sendo

positivado em lei formal, o dispositivo precisa, ainda, ser claro e preciso e ser aplicado apenas

a condutas cometidas durante sua vigência (exceto se a lei posterior for benéfica ao réu) para

que respeite o princípio da legalidade. A distinção entre os dois princípios é tênue, por isso,

muitos autores os utilizam como sinônimos.

O princípio da legalidade apresenta quatro subprincípios, são eles: anterioridade,

irretroatividade, tipicidade e taxatividade. O primeiro postula que a criação do tipo penal e a

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JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

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cominação da pena devem ocorrer anteriormente ao cometimento do fato, a fim de

salvaguardar a segurança jurídica, ou seja, resguardar a previsibilidade das possíveis

consequências diante da prática de um ato por parte do cidadão. O segundo estabelece que a

lei penal somente retroagirá ao tempo do fato, caso seja benéfica ao réu, do contrário, sua

eficácia fica restrita ao período de sua vigência. O terceiro propugna pela positivação dos

crimes em forma de tipos penais (modelos abstratos de comportamento proibido), com os

preceitos primário e secundário, seguindo o modelo adotado pelo Código Penal. O quarto

determina que as leis devam ser positivadas de forma clara, objetiva e precisa, o texto legal

deve, assim, evitar ao máximo o uso de expressões polissêmicas, que possam dar margem a

existência de interpretações distintas. Nota-se que todos os subprincípios concorrem para a

proteção da segurança jurídica dos destinatários da lei, por meio da limitação da atuação

estatal através do estabelecimento de requisitos para a aplicação da lei penal. De outra forma

elucida o consagrado autor: “[...] os tipos legais de crime constituem verdadeira autorização

primária para que o Estado possa intervir em certas áreas reservadas, na esfera da liberdade

individual.” (TOLEDO, 1994, p. 24).

1.2 – Princípio da economia do direito penal

Como o próprio nome indica, tal princípio almeja que os tipos penais e suas

correspondentes sanções somente existam em casos que realmente sejam necessários, em

casos que a tutela do bem jurídico seja realizada da melhor forma possível através do direito

penal. Dessa forma, caso a proibição seja supérflua, sem uma utilidade para a coletividade;

quando a tipificação não proteger nenhum bem jurídico; quando a pena for desmedida em

proporção ao bem jurídico que se procura preservar com a norma incriminadora; ou em casos

em que a sanção penal poderia ser substituída por uma civil ou administrativa, sem que a

tutela do bem jurídico fosse prejudicada, está-se diante de um desrespeito ao princípio da

economia do direito penal. É válido ressaltar que o princípio em comento relaciona-se

intimamente ao princípio da intervenção mínima, do qual são corolários os princípios da

subsidiariedade e da fragmentariedade, já mencionados durante a explanação sobre a Teoria

do Garantismo Penal.

1.3 – Princípio da ofensividade

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Um dos princípios de maior destaque na atualidade, o princípio da ofensividade

determina que apenas aquelas condutas (ações ou omissões) que efetivamente lesam ou

colocam em perigo de lesão um bem jurídico penalmente tutelado são dotadas de relevância

penal, isto é, somente os autores de tais condutas lesivas devem arcar com a drástica

intervenção do Direito Penal, somente nesses casos a imposição de sanções por parte do

Estado é legítima. Como bem explica Bitencourt, “somente se justifica a intervenção estatal

em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um interesse socialmente

relevante, que represente, no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico tutelado.”

(BITENCOURT, 2017, p. 64).

O princípio da ofensividade apresenta aplicabilidade em dois momentos distintos:

durante a elaboração do tipo penal e na interpretação dos fatos no caso concreto. No primeiro

momento, fica evidente a função de limite ao poder punitivo do Estado, pois o legislador

somente poderá tipificar aquelas condutas que, abstratamente, sejam dotadas de conteúdo

lesivo relevante. Já no segundo, o que se limita é a possibilidade de aplicação de penas por

parte do julgador; mesmo que, abstratamente, a conduta seja considerada ofensiva, é

necessário que a análise dos fatos confirme a lesividade da mesma no caso concreto. Tal

análise deve partir da averiguação de exterioridade da conduta (se a conduta deixou o plano

das ideias e avançou no “itinerário do crime” até o momento da execução, tornando-se externa

ao indivíduo) e de alteridade da mesma (se ela atinge a esfera de direitos de outrem). Essa é,

nos termos usados por Bitencourt, a dupla função do princípio da ofensividade no Direito

Penal no Estado Democrático de Direito (função político-criminal e função interpretativa,

respectivamente).

Ao contrário do supracitado autor, que difere os princípios da exclusiva proteção dos

bens jurídicos e da ofensividade: [...] no princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, há uma séria limitação aos interesses que podem receber a tutela do Direito Penal; no princípio da ofensividade, somente se admite a configuração da infração penal quando o interesse já selecionado (reserva legal) sofre um ataque (ofensa) efetivo, representado por um perigo concreto ou dano. (BITENCOURT, 2017, p. 66).

Adotaremos o entendimento de que o próprio princípio da ofensividade estipula a

limitação de o Direito Penal tutelar valores morais, éticos e religiosos. Dessa forma, pode-se

depreender, a partir do princípio analisado, limitações materiais à possibilidade de aplicação

da reprimenda penal aos indivíduos, são elas: impossibilidade de punir condutas meramente

imorais e que não afetam a nenhum bem jurídico; impossibilidade de punir violação de

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JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

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postura ou comportamento social ou dever de etiqueta; impossibilidade de proibições

meramente ideológicas; impossibilidade de punir o modo de ser, o direito de ser;

impossibilidade de punir atos preparatórios do crime e situações em que a consumação é

impossível. Em todas essas situações, não há bem jurídico dotado de dignidade penal a ser

tutelado; logo, caso fossem tipificadas tais condutas, ocorreria a inobservância da função

político-criminal do princípio da ofensividade e, por conseguinte, este restaria desrespeitado.

Justamente em virtude de limitar a atuação legislativa no sentido de proibir a tipificação de

condutas que não carregam conteúdo lesivo, é que o próprio princípio da ofensividade impõe

essas limitações à aplicação da sanção penal aos cidadãos.

2 – Análise do artigo 233: a problemática do artigo e o bem jurídico tutelado

Pretende-se nesse item, por meio da metodologia de inferência causal3, cunhada por

Lee Epstein e Gary King, verificar a lesão a outros princípios quando o da taxatividade não é

cumprido.

Ao se fazer a leitura do artigo 233, presente no Capítulo VI do Código Penal

Brasileiro (“Do Ultraje Público ao Pudor”), tem-se a pena de detenção de três meses a um

ano, ou multa ao “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”4.

Em face dos princípios garantistas já explanados, a problemática do presente artigo assenta-se

na imprecisão técnica gerada pelo termo “ato obsceno”, que provoca consequências de

inúmeras naturezas. Analisar-se-á a seguir, após breve explanação de bem jurídico, a

discussão entre a falta do princípio da legalidade consubstanciado na taxatividade do artigo

233 e o princípio da lesividade.

Seria um tanto quanto pretensioso conceituar prontamente “bem jurídico”, em face da

infindável discussão acerca do que se trata esse ente que para alguns é protegido pelo Direito

Penal, e que para outros é um elemento justificante da intervenção. Ao longo dos anos,

diversos juristas, como Feuerbach, Birnbaum, Binding, Von Liszt e Welzel tentaram

conceituar bem jurídico, e até mesmo a filosofia neokantiana buscou dar-lhe uma precisão

teórica (BUSATO, 2015). Entretanto, dentro do recorte teórico que aqui está sendo utilizado,

e a fim de considerar a intervenção mínima do Direito Penal, convém nos alinharmos tanto à

corrente de viés mais abstrato, que entende bem jurídico como “[...] uma diretriz normativa,

uma referência de recorte da intervenção. [Logo] Não basta que exista um bem jurídico para

3 A inferência causal é um método que analisará se um fator (variável causal) dá origem a um novo evento. 4 Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

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estar justificada a intervenção penal, mas ela não pode estar justificada senão guardando

referência a um bem jurídico” (SCHÜNEMANN, 1975, p. 258 apud BUSATO, 2015, p. 368),

quanto à que considera bens jurídicos “como valores ideais da ordem social nos quais

descansam a segurança, o bem-estar e a dignidade da coletividade.” (JESCHECK, 1993, p.

234 apud BUSATO, 2015, p. 366)

A partir de uma síntese entre as duas definições, tem-se bens jurídicos como valores

ideais da ordem social eleitos para ingressar uma diretriz normativa de intervenção penal.

Logo, pode-se entender que o bem jurídico tutelado pelo artigo 233, o “pudor público”

(GRECO, 2017), advém da importância em resguardar valores morais e sociais eleitos pelo

Código Penal de 1940, e que se desrespeitados, justificam a intervenção do Direito Penal.

No entanto, resta claro que os valores ideais que compuseram a diretriz normativa do

artigo 233 muito se modificaram ao longo de um lapso temporal de quase oitenta anos entre a

publicação do Código Penal e os dias atuais. Em face da evolução das relações sociais, da

eleição de novos valores e dos adventos tecnológicos, é indubitável que o “pudor público”

não carrega consigo a mesma relevância que possuía na publicação da lei. Esse bem jurídico,

no entanto, não é totalmente relativizado. Caso o fosse, estar-se-ia aqui discutindo a

desnecessidade dos artigos 233 e 234 do Código Penal, e do artigo 61 da Lei das

Contravenções Penais, por exemplo, os quais resguardam o pudor público. A hipotética

revogação dos referidos artigos em detrimento da suposta inutilidade do bem jurídico tratado

acima traz à tona questões alarmantes, como a não punição da conduta de ejaculação

direcionada a passageiros de transporte público, caso de notoriedade no ano de 2017 que foi

considerado como importunação ofensiva ao pudor5 (art. 61, Lei das Contravenções Penais).6

O que aqui se discute no âmbito da ofensividade é a ameaça que esta pode sofrer

diante da falta de taxatividade do artigo 233, conforme a já explanada interdependência entre

as garantias, que gera lesão em cadeia quando uma delas não é observada. O ferimento ao

princípio da ofensividade não está assim ligado à inutilidade do bem jurídico “pudor público”,

mas condicionado à não observância do princípio da legalidade consubstanciado na

taxatividade referente ao termo “ato obsceno”, que ignora a inexistência de um padrão moral

médio na sociedade brasileira hodierna (NUCCI, 2017), e mantém nebulosas as condutas

realmente ofensivas ao pudor público atualmente.

5 Processo físico nº 00765655920178260050, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 6 Atualmente, no entanto, a Lei 13.718/2018 revogou o art. 61 da Lei das Contravenções Penais, incluindo no Código Penal o crime de importunação sexual (art. 215- A) com sanção proporcional.

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JACOB, G. S; OLIVEIRA, T. A. A. A ameaça ao princípio da taxatividade no artigo 233 do código penal brasileiro

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A seguir, realizar-se-á um estudo de três casos que auxiliarão no debate acerca das

implicações da escassez de taxatividade do artigo 233.

3 – Análise de casos: consequências da falta de taxatividade

Pretende-se aqui, a fim de se analisar os itens 3 e 3.1, realizar uma inferência

descritiva7, para usar novamente a expressão de Epstein e King.

Para que se configure o ato obsceno, dois elementos devem estar presentes na conduta

tipificada no art. 233, de acordo com Rogério Greco (2017): a conduta de praticar um ato

considerado ofensivo ao bem jurídico do pudor, e a prática em lugar público, ou aberto ao

público, ou exposto ao público. De acordo com Greco, lugar público é aquele ao qual todos

têm acesso irrestrito, como no caso das praças, ruas, avenidas, viadutos, parques, etc.; aberto

ao público é aquele em que, embora com certa restrição, o acesso ao público é permitido,

como acontece com os cinemas, teatros, museus, igrejas, etc.; exposto ao público é aquele

lugar em que, embora podendo ser considerado privado, permite que as pessoas presenciem o

que nele se passa, como acontece, por exemplo, com as varandas dos apartamentos, quadras

de esportes existentes no interior dos prédios, onde todos os vizinhos têm acesso através de

suas janelas.

Em julho de 2017, o artista performático conhecido como Maikon K foi detido pela

Polícia Militar do Distrito Federal pela prática de ato obsceno em frente ao Museu Nacional

da República em Brasília, um espaço utilizado para exposições itinerantes de artistas

renomados, e que pode considerado como lugar público. A apresentação do artista consistia

em cobrir o corpo nu com um líquido que aos poucos se resseca, e depois de um tempo

romper a casca que havia se formado. Maikon K foi levado pela polícia à 5ª Delegacia de

Polícia na Asa Sul, e foi obrigado a assinar um termo circunstanciado por “praticar ato

obsceno'', para que pudesse ser liberado.8

Outra ocorrência de ato obsceno que ganhou notoriedade nas mídias foi o caso de

Roberta da Silva Pereira, ativista da “Marcha das Vadias” que foi condenada em julho de

2016 a três meses de prisão, convertidos em multa no valor de mil reais, por ter exposto os

seios durante protesto do grupo feminista em 2013 na cidade Guarulhos, São Paulo. Acusada

de ato obsceno em lugar exposto ao público, Roberta moveu recurso ao Tribunal de Justiça de 7 As inferências descritivas são usadas para produzir fatos novos a partir de fatos já conhecidos. 8 Disponível em: <https://oglobo.globo.com/cultura/performer-tem-sua-obra-interrompida-e-detido-pela-pm-de-brasilia-21598264> Acesso em 18 de julho de 2018.

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São Paulo (TJ-SP), que foi negado por dois votos a um. A defesa de Roberta informou que

deve levar o caso ao Supremo Tribunal Federal por considerar que as duas decisões judiciais

do processo violam princípios constitucionais. 9

Entretanto, no carnaval de 1989, mais de vinte anos antes dos exemplos anteriores,

Enoli Lara desfilou pela União da Ilha exibindo o primeiro nu frontal da história da Marquês

de Sapucaí, lugar que sediava um espetáculo, que fora ter sido televisionado, era aberto ao

público10. Seguindo a lógica construída por Rogério Greco, a conduta de Enoli Lara, além de

conter o elemento de prática em lugar aberto ao público, continha a obscenidade mais incisiva

que nos casos supracitados, uma vez que, caracterizada da deusa romana Afrodite, a artista

simulava gestos sexuais. No entanto não houve condução policial, ou processo movido contra

ela, apenas uma restrição no regulamento interno do desfile na Sapucaí que proibia a nudez.

Porém isso não impediu que diversos outros casos de nudez se repetissem na avenida ao

longo dos anos, praticados pelas escolas Grande Rio, Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor,

Salgueiro, dentre outras, e que, da mesma forma, passaram ilesos à intervenção do dispositivo

do Código Penal.

Embora tenha se analisado somente três casos, eles indicam que há uma tendência em

se julgar arbitrariamente diante da obscuridade técnica. A desuniformidade da incisão do art.

233 nos casos citados demonstra o confronto entre liberdade de expressão e ofensa ao pudor

que é passível de ocorrer devido à imprecisão técnica de “ato obsceno”. A fim de que se

propugne um alinhamento da norma penal com um Estado Democrático de Direito, e com a

Constituição Federal, há que se reduzir a vaguidade do termo “ato obsceno”, impedindo que a

livre manifestação do pensamento (artigo 5°, inciso IV, Constituição Federal), e que a

dignidade humana (artigo 1°, inciso III, Constituição Federal), princípio sobre o qual se funda

todo o Estado, sejam vítimas do arbítrio estatal. Há que se considerar que a vaguidade do

termo é diretamente proporcional à possibilidade de amplidão da intervenção do Direito

Penal, vez que a ausência de taxatividade dá margem a múltiplas interpretações advindas do

arbítrio, fato que contraria a pretensão de alcance de um Direito Penal de intervenção mínima.

Está claro que a falta de taxatividade [...] comporta uma contaminação subjetivista dos pressupostos de fato da pena, e em consequência, um enfraquecimento de todas as demais garantias e a estrita jurisdicionariedade de SG (sistema garantista)

9 Disponível em: <https://ponte.org/ativista-e-condenada-por-participar-de-performance-na-marcha-das-vadias/> Acesso em 13 de julho de 2018. 10 Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/carnaval/2014/noticia/2014/01/virei-um-mito-diz-1-mulher-desfilar-nua-no-carnaval-do-rio-ha-25-anos.html> Acesso em 10 de julho de 2018.

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decaem, em S1 (sistema não garantista), à mera legalidade e à mera jurisdicionariedade. (FERRAJOLI, 2002, p. 79)

Como exemplificado anteriormente, a aplicação do dispositivo não tem sido consoante

em todos os casos, infelizmente essa é uma realidade comum a tantos outros tipos penais.

Muitas vezes o que determina a condenação ou a absolvição é o contexto no qual o indivíduo

se encontrava, sua classe social, o interesse de detentores de poder e de influência nas

decisões judiciais, entre outros fatores.

Em se tratando de manifestações artísticas, deveriam ter os casos de Maikon K e Enoli

Lara resoluções distintas, já que ambas as expressões se assentavam em ambientação pública?

Quão perverso pode ser condenar alguém por se manifestar, por protestar – utilizando seu

corpo para tanto – contra um modelo de opressão, e ter em resposta mais opressão e

repressão? Será que, nesse caso, “ato obsceno” pode ser englobante a ponto de permitir que

um protesto afete o bem jurídico “pudor público" de forma mais relevante do que tenha

assegurada a livre manifestação do pensamento? Nos parece que a nudez parcial para

simbolizar um protesto não é um ato gravoso atualmente a ponto de causar, de fato, um dano

à pessoa em específico ou à coletividade. A tipificação da conduta de Roberta da Silva Pereira

se assemelha muito mais a uma arbitrariedade do poder por aproveitamento da plasticidade do

termo “ato obsceno”, do que a uma prática realmente lesiva.

Mesmo se admitindo a possibilidade de o bem jurídico “pudor público” – que não tem

a mesma relevância que possuía há 78 anos– ter sido lesado ou colocado em perigo de lesão

nos casos concretos, já que algumas pessoas que assistiram a tais exibições podem ter se

sentido constrangidas no momento em que ocorreram, surgem questionamentos mais

abstratos, mas não por isso menos importantes: será que tais atitudes devem ser incriminadas,

em outras palavras, é compelido unicamente ao direito penal –que realiza uma drástica

intervenção na vida das pessoas– que deve ser mínimo, fragmentário subsidiário, tutelar esse

bem jurídico? É razoável que pessoas sejam apenadas por terem praticado tais condutas?

Outros ramos do Direito poderiam conceder uma tutela satisfatória a esse bem jurídico? O

bem jurídico em questão tem dignidade penal, isto é, a conduta tem conteúdo lesivo relevante

para o Direito Penal? Todos esses questionamentos devem estar presentes quando se pretende

realizar uma análise com seriedade das aplicações e funções da pena dentro de um Estado

Democrático de Direito.

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3.1 – Recurso extraordinário nº 1.093.55311

No ano de 2017, foi imputada a um indivíduo no Rio Grande do Sul a conduta de

praticar ato obsceno, sob a justificativa de que havia se masturbado em via pública, exibindo

seus órgãos genitais a diversos transeuntes que passavam no momento. Em primeiro grau, foi

o réu condenado pela prática do crime previsto no art. 233 do Código Penal a uma pena

privativa de liberdade de quatro meses de detenção em regime aberto, substituída por pena

restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, pelo período da pena privativa de

liberdade, durante seis horas semanais. Após a defesa interpor recurso, foi ele provido pela

Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul,

que emitiu um acórdão que alegava a inconstitucionalidade do artigo 233 do Código Penal,

por traduzir violação ao princípio da reserva legal (art. 5º, XXXIX, da CF), consubstanciado

na taxatividade, vez que o tipo penal, excessivamente aberto, não precisava quanto ao

elemento “ato obsceno”. Alegou a Turma Recursal que era possível ao legislador ter sido

mais esclarecedor para a determinação das condutas que podem ser tidas por obscenas, e o réu

foi absolvido, sob a consignação de ser atípica sua conduta.

Sendo assim, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul interpôs um

recurso extraordinário contra o acórdão prolatado pela Turma Recursal, sendo inserido no

sistema eletrônico da repercussão geral em 9 de março de 2018 e tendo como relator o

ministro Luiz Fux. Entendeu o Ministério Público que a decisão do órgão colegiado viria a se

tornar uma tendência e acabaria por vincular os juízos de piso a se alinharem com a

orientação de declarar a atipicidade de atos obscenos, provocando o arquivamento de

expedientes policiais que lhes forem submetidos. Proclamou também o Ministério Público

que a exclusão do art. 233 do ordenamento brasileiro acabaria por provocar mais danos que a

sua manutenção, uma vez que fragilizaria a tutela de um bem jurídico atrelado à moralidade e

aos bons costumes, e traria prejuízo à sociedade. Defendendo não haver ferimento ao

princípio da taxatividade, dada à complexa realidade social, esclareceu o referido órgão que

era perfeitamente possível extrair da norma a tipicidade da conduta do réu, tendo a Turma

Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Sul agido

inadequadamente ao declarar a inconstitucionalidade, quando poderia ter feito uso de outros

instrumentos de controle da constitucionalidade para harmonizar a norma do Código Penal

com o princípio constitucional tido por violado. O Ministério Público do Estado do Rio

11 Inteiro teor do acórdão do STF disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5311709>

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Grande do Sul interpôs o recurso extraordinário com base no art. 102, inciso III, alínea “a”, da

Constituição Federal, considerando a contrariedade ao disposto no art. 5º, inciso XXXIX, e ao

princípio da separação dos poderes (art. 2º da Constituição Federal). É de suma importância

que a discussão da inconstitucionalidade do art. 233 tenha chegado, mesmo que por recurso

extraordinário –logo não possuindo força para modificar o texto do artigo– ao Superior

Tribunal Federal, de forma a conquistar visibilidade a nível nacional.

Sob um ponto de vista garantista, pode-se dizer que a decisão da Turma Recursal

considerou o ferimento do art. 233 à legalidade em seu sentido estrito. Entendendo a

incompatibilidade do substrato do artigo com a Constituição, que aspira ao princípio da

legalidade (art. 5°, inciso XXIX, Constituição Federal), alegou o colégio sua

inconstitucionalidade, devendo sua legalidade formal (lato sensu) ser suspensa.

No entanto, como já se observou no presente trabalho, o bem jurídico “pudor público”

ainda resguarda importância e relevância atualmente. A revogação do dispositivo do Código

Penal às custas unicamente da taxatividade, um déficit que percebemos poder ser superado,

traria um efeito indesejado, porquanto o princípio penal da ofensividade reside, ainda que não

de forma tão latente, no artigo 233. Com a retirada do dispositivo do ordenamento pátrio, a

sociedade acreditaria estar diante de um absurdo legal, vez que entenderia que o “pudor

público” transformou-se em um bem jurídico ausente de significado valorativo, e indigno de

cobertura penal. Assim presumindo, teria então receio de que os demais artigos que tutelam

tal bem jurídico deixariam de existir. Dessa forma, resta claro que o dispositivo aguarda uma

reforma, talvez advinda de uma revisão integral aguardada pelo Código Penal à luz da

Constituição de 1988 e de institutos mais modernos do direito. (NUCCI, 2017)

Conclusão

Dando margem ora a interpretações mais restritas, ora a mais abrangentes, conclui-se

que a vagueza do termo “ato obsceno” municia o juiz de uma discricionariedade que não lhe é

devida, sendo esse um dos absurdos que se pretende coibir ao aplicar-se os princípios

garantistas e ao adotar-se o modelo de Estado Democrático de Direito. A arbitrariedade que é

passível de ser empregada no mundo fático por uma interpretação indevida dos aplicadores do

direito provoca a insegurança jurídica, deixando os cidadãos vulneráveis à atuações

casuísticas, o que confirma a hipótese de alta gravidade da ausência de taxatividade no artigo

233 para a sociedade.

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É válido ressaltar que não se busca aqui a defesa dos autores de toda e qualquer

conduta obscena, mas apenas explicitar que, em alguns casos, o dispositivo tem sido usado de

forma a reprimir manifestações artísticas e também protestos, o que não é cabível, pois não se

respeita as finalidades da pena propostas por Ferrajoli.

Em uma interpretação mais abrangente, o artigo 233 do Código Penal seria

inconstitucional por violar o princípio da legalidade, em seu subnível taxatividade. No

entanto, tendo em vista possível prejuízo social frente à falta de tutela do bem jurídico do

“pudor público”, é mais seguro manter o artigo, contrariando a hipótese que almejava sua

inconstitucionalidade. A melhor alternativa que se apresenta é a reformulação de sua redação,

a fim de delimitar com mais precisão e clareza o âmbito de abrangência de “ato obsceno”,

além de excluir da incidência do tipo condutas que se relacionem, comprovadamente (não

basta a mera alegação de que o intuito da ação era artístico, pois estar-se-ia concedendo uma

tese de defesa pronta para a generalidade de autores do crime), a manifestações artísticas ou

protestos, os quais detém, dentro do ordenamento brasileiro, relevância e proteção.

Referências

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 23. ed. Editora Saraiva, 2017. BUSATO, Paulo César. Direito penal: parte geral/Paulo César Busato. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2015. EPSTEIN, Lee. KING, Gary. Pesquisa empírica em direito [livro eletrônico]: as regras de inferência. São Paulo: Direito GV, 2013 (Coleção acadêmica livre) 7 Mb; título original: The rules of inference. – Vários tradutores. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 6. ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2002. GRECO, Rogério. Código Penal comentado. 11. ed. Editora Impetus, 2017. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte geral: art. 1º a 120 do Código Penal. Editora Forense, 2017. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal: de acordo com a Lei n. 7.209, de 11-7-1984 e com a Constituição Federal de 1988. 5. ed. Editora Saraiva, 1994.

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FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais

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A influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais

Influence of the media in the Jury and the importance of compliance with criminal procedural principles

Brenda Dutra Franco1

Hugo Vidigal Ferreira Neto2 Isabella Tostes Teixeira3

Letícia Montebunhuli Pereira Fiorindo4

Resumo O cerne deste trabalho é observar a atuação do Estado Democrático de Direito na

contemporaneidade sob a ótica das implicações da mídia no âmbito do Tribunal do Júri, e como isso pode influenciar negativamente no julgamento, pelo Conselho de Sentença. Este tema mostra-se importante pois ressalta a observância dos princípios processuais para o julgamento justo e imparcial, sendo analisada a globalização e a influência da mídia em toda sociedade. Aborda os princípios do processo penal como imparcialidade, verdade real, publicidade e presunção da inocência e sua aplicação em julgamentos criminais.

Palavras chave: Princípios do processo penal. Influência da Mídia. Conselho de Sentença. Tribunal do Júri. Abstract

The aim of this article is to observe the contemporary Democratic State's role by the view of the implications of the media in the Jury, and how this may negatively influence the judgment of the jury. This topic of discussion is important because it highlights the observance of procedural principles for a fair and impartial view, besides the analysis about the globalization and the influence of the media in the society. Followed by a research of the principles of criminal procedure such as as impartiality, pursuit of truth, publicity and presumption of innocence and your application in the jury.

Keywords: Fair trial principles. Influence of the Media. Jury Trial.

1Graduanda do 6° período da Faculdade de direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiária do Departamento de Procuradoria do Patrimônio, Urbanismo e Meio Ambiente (DPPUMA), membro do grupo de pesquisa de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB-Brasília-DF. [email protected] 2Graduando do 6º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiário do Ministério Público de Minas Gerais, Monitor de Teoria do Direito Penal II, membro do grupo de pesquisa “Empresa, desenvolvimento e responsabilidade”. [email protected] 3Graduanda do 6° período da Faculdade de direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, estagiária do escritório de advocacia “Jabour & Oliva Sociedade de Advogados”, membro do grupo de pesquisa “Empresa, desenvolvimento e responsabilidade”. [email protected] 4Graduanda do 6º período da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, participante do projeto de extensão “Tutela Jurídica da Pessoa com Deficiência”, Integrante do “Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais- NEPcrim”. [email protected]

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Introdução

Este artigo trata sobre a influência da mídia na decisão do Conselho de Sentença nos

julgamentos submetidos ao Tribunal do Júri.

É direito subjetivo daqueles que se encontram na posição de réu um julgamento

criminal justo e imparcial, pautado em princípios como publicidade, verdade real, presunção

de inocência, imparcialidade do juiz. Neste sentido, conforme preceitua Guilherme de Souza

Nucci (2013, p. 837), “não há possibilidade de haver um julgamento justo com um corpo de

jurados parcial”.

A necessidade da observância e aplicação dos princípios processuais se faz necessária

e é ressaltada por renomados doutrinadores, como, por exemplo, quando explicam o princípio

da presunção de inocência, esclarecendo que ninguém deve ser considerado culpado enquanto

ainda houver dúvida sobre sua culpa ou inocência, por ser um “ato de fé na pessoa”.

(TOURINHO FILHO, 2017)

Já outro princípio de grande relevância, e não menos importante, é o da publicidade

que garante acesso a todo cidadão aos atos praticados no processo e asseguram a

transparência da Justiça. Neste sentido o cidadão se encontra protegido de excessos ou

arbitrariedades pois foi lhe dada a oportunidade de fiscalizar o poder judiciário. (LIMA, 2016)

Quanto à organização do artigo, pode-se dizer que primeiro item versará sobre o

fenômeno da globalização, de forma a abordar os diferentes aspectos midiáticos e seu

concernente poder de influência em julgamentos criminais. Inicialmente, será realizada uma

análise acerca da evolução histórica e do desenvolvimento perpassado pela sociedade, para

que, assim, possamos compreender com maior clareza como alcançamos essa atual conjuntura

que, inclusive, se caracteriza como a sociedade da informação. Posteriormente, será

estabelecida e explicitada a correlação entre a maximização dos meios de comunicação e a

sua respectiva interferência nos processos de competência do Tribunal do Júri.

No segundo item a abordagem será pautada nos princípios processuais penais, os quais

buscam garantir os direitos de todos os indivíduos, e na sua aplicabilidade no momento dos

julgamentos criminais.

No terceiro item há o trato da dinâmica do Tribunal do Júri visto de uma maneira

problematizada do ponto de vista criminológico. Tem-se uma análise da influência da mídia

sobre os jurados e Conselho de Sentença, a partir da sociedade do risco e do medo

institucionalizado naqueles que são os juízes naturais do júri.

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No quinto item será realizada uma estudo sobre as garantias processuais penais e as

possíveis medidas que podem ser adotadas para que se tenha a instauração de um julgamento

criminal justo e imparcial.

E, por fim, será feito o estudo do caso, do jovem que foi encontrado morto perto de

uma boate de Juiz de Fora. O mesmo será explicado detalhadamente ao longo do trabalho.

Todavia, agora cumpre salientar que o caso foi escolhido para o presente trabalho, uma vez

que o fato teve grande repercussão na mídia local, e, apesar de ter ocorrido em 2015, ainda

não houve julgamento. Sendo ainda apresentada uma possível solução para este caso em

específico.

Com relação à metodologia, a investigação deve ser classificada como descritiva, pois

retrata as características do tema a ser apresentado. O estudo proposto pode ser considerado

como uma pesquisa bibliográfica, para servir de base para a análise do caso fático. Além

disso, será orientado por uma abordagem qualitativa em que os autores farão análise das

reportagens que foram divulgadas à época do fato, com o intuito de inferir se foram

imparciais ou se tinham o condão de influenciar a opinião de possíveis jurados, além de

buscar conceitos e princípios norteadores do processo penal.

1 – Globalização e mídia com poder de influência em julgamentos criminais

Quando mencionamos o processo de globalização, é importante atentar para a

relevância e os impactos das revoluções industriais, as quais se encarregaram por,

gradualmente, consolidar o capitalismo enquanto modelo econômico dominante, isso em

escala mundial. (GARCIA, 2008)

A Terceira Revolução Industrial, que teve termo inicial meados do século XX, se

destaca como o marco mais recente de transformação dos sistemas informacionais, haja vista

que a também denominada Revolução Técnico-Científica-Informacional. Trouxe consigo uma

série de inovações. Tais reformas foram imprescindíveis para a ascensão do fenômeno da

globalização, o qual assegurou que os meios de comunicação tivessem pleno

desenvolvimento, possibilitando que as distâncias fossem verdadeiramente encurtadas, uma

vez que tanto as pessoas, quanto às informações, têm circulado com maior velocidade e

facilidade por todo o mundo. É possível afirmar que as inovações tecnológicas e científicas

não transformam apenas o setor industrial e o “informacional”, mas implicam alterações,

também, nas relações humanas estabelecidas entre os indivíduos dentro de nossa sociedade.

(CASTELLS, 2003)

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Nesse contexto de proliferação dos meios de comunicação em massa, o acesso à

informação se tornou demasiadamente facilitado. Ao mesmo tempo que tais mecanismos

servem para concretizar o direito fundamental à liberdade de expressão e informação, por não

haver um controle prévio sobre o que é veiculado na mídia, essa possui o poder de direcionar

o pensamento e posicionamento dos cidadãos. (CASTELLS, 2003)

Assim, a mídia dirige as percepções da pessoa por meio de teses, as quais se firmam

como verdades históricas paradigmáticas da visão unilateral de dado acontecimento mundano

apresentadas pelos meios de difusão de informação.

Tal direcionamento, diversas vezes, se mostra maléfico, como no caso de veiculação

de certas investigações criminais. Isso porque a Carta Magna delega o julgamento dos seus

pares a indivíduos da sociedade civil no âmbito dos crimes contra a vida. São justamente

esses tipos penais que ganham repercussão midiática, o que faz com que aquele conceito de

que “todos são inocentes até que se prove ao contrário” seja esquecido. (KHALED JUNIOR,

2006)

Percebe-se que o problema se agrava quando os órgãos voltados à persecução penal,

principalmente aqueles que assumem um papel acusatório, valem-se dos expedientes

midiáticos para angariar o apoio coletivo da população. Concatena-se a isso a visão da mídia -

muitas das vezes direcionada a promover a imparcialidade - de que a persecutio criminis é

tratada como meio de purgar os pecados da humanidade. (KHALED JUNIOR, 2006)

Ato contínuo, as teses de acusação ganham a simpatia da população, pelo fato de ser

essa última induzida a pensar em um trabalho “purificador” da condenação do réu a quaisquer

custos. Em virtude disso, muitas vezes o princípio constitucional da não culpabilidade do réu

é obliterado, e o escrito do texto constitucional se torna letra morta no ordenamento jurídico.

É resultado disso a percepção de que o discurso do direito penal do inimigo retorna

com cada vez mais força, incutindo em modelo de processo que se assemelha muito ao

inquisitorial. Assim, a mídia, vista pela falsa ideia de meio propagador do que realmente se

deu no mundo fenomênico, serve como fornecedora de um conjunto probatório que é muitas

vezes incorporado pelos jurados e que não corresponde à realidade.

Como bem relembra o professor Peter-Alexis Albrecht (2000, p.480, tradução nossa): A criminalidade e a persecução penal não somente têm valor para o uso político, senão que são também o objeto de autênticos melodramas cotidianos que se comercializam com textos e ilustrações nos meios de comunicação. Comercia-se com a criminalidade e sua persecução como mercadoria da indústria cultural. Consequentemente, a imagem pública dessa mercadoria é trazida de forma espetacular e onipresente superando inclusive a fronteira do que é empiricamente constatável.

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O jurado se vale desse perpicioso conjunto probatório midiático para julgar, utiliza

alguns excertos, e deixa outros de lado, onde injeta suas impressões pessoais, integrando

“subsídios de acordo com suas predileções e assim, de fato, inventa”. (KHALED JUNIOR,

2016, p. 180)

Percebe-se, então, que o jurado desgarra de seu papel de juiz imparcial, age como

parte velada e enseja a volta do juiz inquisidor, deixando de lado a sua imparcialidade,

elemento indispensável para a persecução penal instituída em um Estado Democrático de

Direito.

O parecer (Indicações n° 040/2008) dado por Simone Schreiber versa, justamente,

sobre a influência da mídia nos julgamentos criminais, contendo a seguinte Ementa: O presente parecer versa sobre o fenômeno da publicidade opressiva de julgamentos criminais, sobre o risco de que tal publicidade prive os acusados do direito a um julgamento justo em um ambiente de serenidade, e surge algumas medidas legislativas para solucionar o problema.

A autora, mediante a análise teórica e fática, discorre acerca da interferência dos

veículos de circulação de informação nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri.

Inicialmente, no estudo acima referido, discursa sobre a imprescindibilidade da identificação

de uma situação em que resta configurada uma campanha de mídia instaurada contra

determinado réu, a qual, de fato, possa vir a influenciar o resultado do julgamento de alguma

forma.

Para que se atinja tal constatação, existem três elementos essenciais, quais sejam: a) o

caráter prejudicial das reportagens veiculadas e a constância de inserções de notícias

informativas e opinativas sobre determinado julgamento; b) o risco potencial que as

reportagens prejudiciais causam no resultado do julgamento; e, c) a atualidade do julgamento.

A este ponto, faz-se ponderação entre a liberdade de expressão e o direito à publicidade em

contrapeso ao direito ao julgamento justo e imparcial, haja vista que a presença dos aspectos

supramencionados podem vir a assombrar o juízo de quem o faz. (SCHREIBER, 2008)

A autora supracitada, em uma análise sobre como não restringir diretamente a

liberdade de expressão e ao mesmo tempo preservar os julgamentos criminais, aponta 5

formas de se reduzir esse impacto da mídia: (1) questionário e instrução dos jurados; (2)

desaforamento; (3) postergação do julgamento; (4) sequestro de jurados; (5) vedação de

introdução de provas produzidas pela mídia no processo.

Com o propósito de minorar as repercussões do problema em apreço, Simone

Schreiber expõe também possíveis mudanças legislativas as quais, ao serem materializadas,

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atuariam no sentido de cumprir o objetivo acima traçado. Dentre os critérios por ela arrolados

encontra-se a implementação de regra que faculte ao juiz a suspensão do processo até que

cesse ou arrefaça o interesse da mídia sobre determinado caso criminal. Ademais, a execução

de regra que vede a produção de provas produzidas pela mídia no processo é um recurso

apreciável, haja vista a importante contribuição que essa medida traria para a concretização do

direito ao devido processo legal.

A autora ainda sugere a adoção do direito de resposta especialmente para as situações

nas quais esse fenômeno se caracteriza, assim como a criação de um tipo penal de publicidade

opressiva, o que é, também, uma distinta solução, a qual, juntamente às demais propostas, tem

como objetivo otimizar o quadro individualizador do contexto vigente. Posteriormente,

levanta a possibilidade de discussão no que tange à conveniência de previsão legislativa de

medidas judiciais de proibição, sendo este um relevante ponto a ser pensado considerando a

essencialidade da consubstanciação dos princípios aplicados ao ordenamento jurídico

brasileiro. Nesses termos, após apresentados todos estes argumentos, a autora encerra seu

autêntico parecer.

2 – Princípios do processo penal e a mídia

O processo penal busca efetivar e garantir os direitos de todos os indivíduos, como

forma de gerar segurança jurídica aos cidadãos do Estado. E para assegurar tais garantias, o

processo penal se vale de princípios, como o da imparcialidade do juiz, da publicidade, da

presunção da inocência, o da verdade real, entre outros.

Nesse sentido, tal mecanismo do direito mostra-se de extrema relevância no âmbito

social, pois se trata da maneira do Estado exercer o seu direito por deter o monopólio da força

assegurado. No entanto, essa maneira violenta de se valer do direito penal só pode ser

aplicado se forem observadas as regras do jogo como forma de garantia para que se tenha uma

sentença justa. (LOPES JR., 2018)

2.1 – Princípio da imparcialidade do juiz

No que tange ao princípio da imparcialidade do juiz, vale salientar a sua

imprescindibilidade no processo, haja vista que a existência de posicionamento distante e

indiferente daquele que fora investido do poder da jurisdição é pressuposto de validade de

quaisquer relações processuais. Tal mandamento de otimização assegura justiça às partes, de

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modo que o processo não se manifeste apenas em sua tecnicidade, mas expresse, juntamente a

isso, valores éticos e morais que se encontram disseminados no âmbito social e que devem ser

ponderados no momento de solucionar os conflitos. (SILVA, 2016)

Desse modo, em regra, o magistrado tem o dever de direcionar sua atuação no sentido

de garantir que o as partes terão igual oportunidade, fundamentando sua decisão na lei e, ao

mesmo tempo, naquilo que fora provado. Neste ponto, é importante ressaltar o princípio do

livre convencimento do juiz, tal qual se encontra disposto no artigo 155 do Código de

Processo Penal Brasileiro, e que, no curso das legislações modernas, vem atrelado ao

princípio da imparcialidade.

O princípio do livre convencimento motivado do juiz permite que o mesmo forme,

livremente, a sua convicção ao analisar as provas produzidas em juízo, salvaguardando

sempre o direito ao contraditório e à ampla defesa. Nesse ponto, traz-se à tona o princípio da

motivação das decisões, uma vez que a livre valoração e a apreciação das provas devem ser

empregues junto à fundamentação da decisão, para que, assim, ela tenha legitimidade.

(SILVA, 2016)

Quanto à análise do Tribunal do Júri, os princípios em estudo se encontram afetados

em um duplo aspecto, os quais decorrem inarredavelmente do modo de construção desse

órgão judicante: a) a ausência de motivação por parte do Conselho de Sentenças; b) a

ausência de aconselhamento técnico aos jurados, os quais se encontram no meio de um jogo

processual, onde tendem a se movimentar como na teoria dos jogos. (ROSA, 2015)

Assim, a imparcialidade, além de se mostrar afetada pela carência da tecnicidade

jurídica por parte dos jurados - algo que não invalida o tribunal -, mostra-se também

influenciada pela dinâmica, muitas vezes teatral, dos tribunos para o deslinde processual.

Nesse sentido, os jurados se tornam parte de um jogo entre as partes, sendo eles guiados por

argumentos que são embasados não só na faticidade do caso sob julgamento, mas podendo

também se valer da cultura midiática5, presente no consciente e no subconsciente da

população como um todo.

Nada obstante, vale lembrar que o princípio da imparcialidade do juiz não se mostra

afetado pela mídia tão só quando o juiz natural são os jurados, mas também quando o é o juiz

togado, conhecedor do direito e das técnicas jurídicas, está exercendo a atividade judicante no

processo penal, pois:

5Aqui a cultura midiática não se restringe tão só às notícias televisivas, mas inclusive às representações midiáticas verossímeis, como as novelas de televisão.

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[...] órgãos informativos transmitem à sociedade uma noção de impunidade exacerbada, a qual gera revolta popular contra o Poder Judiciário. E, para agravar o cenário, os próprios magistrados [os togados] são alvos dessas informações sensacionalistas. Dessa forma, podem ocorrer dois efeitos: o primeiro deles consiste na possibilidade de parcela dos juízes acreditarem nos conteúdos veiculados de forma infundada e, com isso, decidirem com fulcro neles. O segundo efeito compreende a pressão da sociedade em busca de sentenças mais rigorosas (AZEVEDO, 2018, p. 130).

2.2 – Princípio da publicidade

A publicidade dos atos processuais surge do panorama constitucional como uma

garantia fundamental do cidadão e da própria sociedade, pois permite que qualquer indivíduo

possa acompanhar a atuação das autoridades, para que o Poder Público não se exceda ou se

contenha em suas decisões. (LIMA, 2016)

Tal panorama gera um grande dilema a ser enfrentado pelo processo penal na

atualidade, já que a sociedade se apresenta cada vez mais informada, o que leva a reflexão se

essa busca excessiva da mídia sobre os crimes, que serão levados em julgamento, não deixaria

de representar o princípio da publicidade em sua essência, e sim uma forma de prejudicar

ainda mais o réu que já se encontra em uma posição de vulnerabilidade, devido a situação de

estigmatização daquele que possui uma mera acusação criminal.

É possível notar que ao assumir uma posição midiática, o processo penal passou a ser

mais uma forma de venda e repercussão social, passando a se tratar como uma forma de

divertimento do povo, quase um espetáculo. O que atualmente pode ser observado em como

os jornais veiculam os crimes ocorridos, inclusive já existe até produção de séries sobre o

ocorrido com pessoas que ainda estão no cárcere. Esse posicionamento da sociedade frente

aos processos criminais passou a dizimar a reputação de possíveis autores dos crimes, antes

mesmo que fossem condenados pelo ato. (SILVA, 2016)

O princípio da publicidade que deveria trazer um aspecto de maior justiça, passou a

aliar a punição estatal com a punição social. Ademais, há de se falar na maneira, também, que

estes acontecimentos são expostos nas mídias, como que o seu modo de veiculação pode

influenciar o julgamento do Conselho de Sentença, manipulando a informação. (SILVA,

2016)

O princípio da publicidade encontra-se limitado pelo princípio da presunção de

inocência, considerando que a presunção de inocência exige proteção contra a publicidade

abusiva. Desta forma, o princípio da presunção de inocência impede uma abusiva exploração

da mídia em torno do processo. (LIMA, 2016)

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A este ponto, é importante reafirmar que os princípios constitucionais não apresentam

um caráter absoluto, uma vez que podem vir a ser limitados nas hipóteses em que houver

colisão entre si. A bem da verdade, são esses princípios mandamentos de otimização, a serem

realizados na maior medida do possível, quando da avaliação das circunstâncias fáticas e

jurídicas (ALEXY, 2011, p. 91).

Diante dessa possibilidade de colisão entre tais normas principiológicas, aplica-se, no

ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da proporcionalidade, de origem alemã, tal qual

se apresenta como sendo um mandamento constitucional que objetiva, primordialmente,

realizar uma ponderação entre os princípios colidentes com a finalidade de alcançar um

resultado justo e legítimo para uma determinada situação. Nesse sentido, Alexy (2011, 116):

“Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da

proporcionalidade, e essa implica aquela”.

2.3 – Princípios da verdade real e da presunção da inocência

O princípio da presunção da inocência é substancial no direito brasileiro

(BITENCOURT, 2017, p. 77), o qual tutela em sua essência a liberdade dos indivíduos, como

pode-se observar previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5°, LVII: LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Essa previsão garantista não retira do Estado o direito de punir os indivíduos que

eventualmente possuam condutas que contrariem a ordem jurídica. Deve-se respeitar a

liberdade individual, pois só se pode privar um bem jurídico, dentro dos limites da lei.

Nesses passos, o Direito Penal, tanto material quanto processual, trabalha quase que

paradoxalmente, pois, é a um só tempo um sistema de persecução do indivíduo que comete

fatos definidos como ilícitos penais, e um sistema de garantias desses mesmos indivíduos

(HUNGRIA e DOTTI, 2014). Pelas leis materiais e processuais penais o Estado exerce seu

jus puniendi, e pelos mesmos instrumentos encontra limites intrínsecos ao exercício desse

poder, garantindo os direitos fundamentais das pessoas.

De tal sorte, por agir sobre a liberdade do indivíduo - um dos direitos mais estimados

no Estado Democrático Liberal e Capitalista - a doutrina desenvolveu critérios limitadores ao

exercício arbitrário da força estatal. Assim, tem-se que o jus puniendi estatal é dirigido tão

somente àquele que tenha cometido uma infração penal. (TOURINHO FILHO, 2017)

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Para tanto, é mister a busca pelo verdadeiro desdobramento dos fatos, com o fito de

esclarecer se ocorreu ou não a infração penal, daí exsurge o princípio da verdade real.

Assim, o princípio da verdade real pode ser sintetizado como a busca pela verdade

verdadeira, ou seja, a perscrutação dos exatos contornos dos fatos como eles se deram no

mundo fenomênico passado.

Como elucida o professor Mirabete (2017, p. 47): Com ele [o princípio da verdade real] se excluem os limites artificiais da verdade formal, eventualmente criados por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transgressões etc., tão comuns no processo civil. Decorre desse princípio o dever do juiz de dar seguimento à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de determinar, ex officio, provas necessárias à instrução do processo, a fim de que possa, tanto quanto possível, descobrir a verdade dos fatos objetos da ação penal.

Logo, por tratar-se de um instrumento de persecução penal que envolve a privação da

liberdade, deveria o juiz se valer de poderes instrutórios para determinar, ex officio, a verdade

substancial. Nesse sentido, o poder inquisitivo do juiz na produção de provas permite que ele

vá além das provas trazidas pelas partes no processo, buscando atingir a verdade real.

(GRECO FILHO, 2012)

A busca de tal verdade, mesmo que sublevando prerrogativas e direitos de ambas as

partes, era a função precípua do processo penal, perseguível a qualquer custo. (LIMA, 2016)

Assim, tal princípio permite que o juiz atravesse6 as provas produzidas pelas partes e,

por ato próprio, determine produção de seu próprio arcabouço probatório, com o fito único de

chegar, a quaisquer custos, à teórica verdade substancial.

2.4.1 – Crítica ao Princípio da verdade real

O princípio da verdade real tem sido duramente criticado pela doutrina mais atualizada

pelo fato de ter ele permitido, durante tempos, o menoscabo dos direitos fundamentais,

garantindo um argumento teórico frágil de que a necessária reconstrução da verdade real

permitia a instalação de práticas probatórias sem previsão legal. (PACELLI, 2017)

A premissa de que o juiz pode produzir ex officio provas para chegar ao cerne dos

fatos encontra clara contradição quando se diz que o ônus probandi é da acusação e de que o

juiz deve valorar as provas imparcialmente.

Dizer que o juiz, que tem prerrogativas probatórias supra-legais, com o fito de buscar a

verdade real, é um avanço para o processo penal acusatório, democrático e constitucional, é

6 Usa-se o verbo “atravessar” por realmente querer dizer passar no meio, rasgar.

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quase que um paradoxo. Explica-se: de um lado o sistema jurídico traz a visão de que o juiz,

presentante do Estado em sua função judicante, é inerte, devendo a persecução penal ser posta

em movimento por quem de direito - querelante ou Ministério Público - de outro lado se tem

que, uma vez instaurada a relação processual, pode o magistrado sair de sua inércia e produzir

provas.

Nesse diapasão, não há como negar que o juiz sai de sua postura inerte e assume uma

postura ativa no processo, dando vez ao deslocamento do centro gravitacional que balanceia

acusação e defesa e passando a pender para um dos seus lados.

Diz-se mais: [...] mesmo que a verdade correspondente apareça maquiada com as alegorias de “relativa” ou “aproximada” nos autores que admitem a sua busca pelo juiz, ela permanece legitimando a deformação inquisitória do processo contemporâneo (KHALED JR., 2016, p. 154).

Concatena-se a essas ideias o pensamento de que a verdade encontrada não é a

verdadeira, quando muito uma reconstrução aproximada mas ainda assim falha da realidade.

O sistema como vem construindo o mito da verdade real se assemelha muito ao sistema da

idade média, no qual a busca pela verdade material deu vez a técnicas de obtenção de

confissões do acusado que nem sequer chegava perto da realidade fática. (PACELLI, 2017)

Destarte, o sistema penal brasileiro, instaurado o princípio da verdade real, beira ao

inquisitório. Khaled jr. (2016, p. 155) lembra que se uma cultura jurídica como modo de

produção da verdade e “o que define o sistema processual penal - seu princípio unificador - é

a gestão da prova, a cultura jurídica brasileira caracteriza-se pela posição hegemônica da

tradição inquisitorial, fundamentada pela falácia discursiva da verdade correspondente”.

Nessa toada, fica evidente que o princípio da verdade real no direito brasileiro permite

a abertura de um verdadeiro um sistema inquisitorial, o qual devia ter sido abolido e

rechaçado no ordenamento jurídico nacional a partir da Constituição Federal de 1988.

(PACELLI, 2017)

A partir da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico e o processo penal

passam a figurar como defensores dos direitos fundamentais, claros aparelhos de resguardo do

indivíduo em seu patrimônio jurídico fundamental. Mas, como lembra Lopes jr. (2018, p. 63),

“tudo isso cai por terra quando se atribuem poderes instrutórios (ou investigatórios) ao juiz,

pois a gestão ou iniciativa probatória é característica essencial do princípio inquisitivo, que

leva, por consequência, a fundar um sistema inquisitório”.

O problema da persecução da verdade real se agrava ainda mais quando analisado

perante o panorama globalizado e conectado do mundo contemporâneo. Atualmente, na mente

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de todos, e não só do juiz, misturam-se as linhas entre o fático e o midiático, tornando-se uma

margem sem limite definido entre um e outro. Dessarte, ocorre de muitas vezes a “verdade

real” não ser verdade alguma, mas sim uma hipótese criada pela mídia para a explicação

daquele caso sub judice ou de algum caso com conjunturas parecidas.

2.4.2 – A visão devido-constitucionalista do processo e a verdade real

Diante do que foi exposto no tópico anterior, é perceptível que o princípio da verdade

real garante prerrogativas ao magistrado de trespassar garantias fundamentais do réu. Assim

sendo, importa em dizer que tal princípio foi superado com o advento da Constituição Federal

de 1988. (PACELLI, 2017)

Ao tratar do tema do Direito Penal material, Barroso (2018, p. 423) diz que ele se

submete aos princípios e regras da Constituição, e para ele isso resulta em afirmar “a

centralidade dos direitos fundamentais, tanto na sua versão subjetiva como na objetiva”. A

partir de tais pensamentos, crê-se que não somente o direito penal material mas também o

processual se submete aos ditames constitucionais, servindo como meio de resguardo dos

direitos fundamentais.

Nesses passos a Constituição Federal de 1988 prevê que nenhuma pessoa será privada

de sua liberdade ou de seus bens sem a ocorrência do devido processo legal, como preceitua o

inciso LIV do artigo 5º.

Logo, cabe pesquisar o que é o princípio do “devido processo legal” e quais seus

desdobramentos no processo penal, bem como sua devida efetividade.

O princípio constitucional do devido processo legal - também conhecido como due

process of law - é uma cláusula geral que possui duas vertentes: a concepção formal e a

concepção material, interessa ao presente trabalho o último. O processo devido material é

materialmente informado pelos princípios de justiça e adequação, baseando-se nos elementos

constitucionais, sobretudo os oriundos dos direitos fundamentais. (CANOTILHO, 2003) A proteção alargada através da exigência de um processo equitativo significará também que o controlo dos tribunais relativamente ao caráter “justo” ou “equitativo” do processo se estenderá, segundo as condições particulares de cada caso, às dimensões materiais e processuais do processo no seu conjunto. O parâmetro de controlo será, sob o ponto de vista intrínseco, o catálogo dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados [...] (CANOTILHO, 2003, p. 495)

O devido processo legal é garantia constitucional e direito fundamental subjetivo do

réu, sendo que emana garantias básicas em uma dupla dimensão: de um lado o direito de

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defesa do indivíduo frente aos próprios órgãos judicantes e contra seus atos, e de outro lado o

de proteger o indivíduo de ataques provenientes de terceiros. (CANOTILHO, 2003)

Ato contínuo, o devido processo legal é uma garantia contra a própria arbitrariedade

estatal, e por isso vedando quaisquer atos do magistrado que firam os núcleos essenciais dos

direitos fundamentais do réu. Logo, com o princípio da verdade real abre espaço para uma

investigação que incube a imparcialidade do juiz e permita o menoscabo das garantias

fundamentais do réu, fere ele o princípio do devido processo legal e, ipso facto, é ele

inconstitucional.

Em síntese: a partir da Constituição Federal de 1988 os direitos fundamentais são a

pedra de toque do Estado Democrático de Direito brasileiro, e são tanto escopo, quanto limite

do devido processo legal, insculpido no inciso LIV, artigo 5º da Constituição Federal. Uma

vez que o princípio da verdade real representa uma afronta ao devido processo legal, deve ele

ser posto de lado no ordenamento constitucionalizado nacional.

3 – Tribunal do Júri e sua problemática

O Tribunal do Júri pode ser entendido como uma instituição que atua concomitante à

cooperação dos cidadãos, e que se caracteriza como órgão especial do Poder Judiciário de

primeira instância, pertencente à Justiça comum, sendo responsável por julgar os crimes

dolosos contra a vida.

Constitui-se, ainda, pelo juiz togado e por vinte e cinco cidadãos, sendo sete deles

sorteados para compor o Conselho de Sentença. Esse colegiado tem a função julgar se o crime

em análise ocorreu e se o réu em questão é culpado ou inocente, assumindo o compromisso de

apreciar a causa conforme os princípios de justiça e com imparcialidade. O magistrado, por

sua vez, decide de acordo com o colegiado, proferindo a sentença e fixando a pena, em caso

de condenação.

O procedimento do Tribunal do Júri se encontra no Código de Processo Penal do

artigo 406 ao artigo 497. Pode ser dividido em duas partes, a primeira chamada de instrução

preliminar e a segunda, o julgamento plenário propriamente dito.

A primeira fase pressupõe o recebimento da denúncia formulada pelo Parquet, ou a

queixa-crime nos casos de ação penal privada subsidiária da pública. Conseguinte se dá a

instrução até culminar em uma decisão judicial, na qual pode ocorrer a pronúncia, a

impronúncia, a absolvição primária e, até mesmo, a desclassificação. Essa primeira fase é

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levada adiante pelo magistrado concursado, o juiz de direito, não havendo a participação dos

jurados. (LOPES JR., 2018)

A segunda fase, o julgamento em plenário, têm início a partir da pronúncia definitiva

do réu, e que determina a participação dos jurados e a atuação do Conselho de Sentença como

juiz natural da causa.

O trabalho foca no julgamento em plenário, pelo fato de ser o âmbito onde o

julgamento é realizado pelos jurados escolhidos para compor o corpo de sentença, e sobre os

quais a mídia exercerá função massiva e diretiva.

O julgamento de uma pessoa por seus pares é, sem dúvida alguma, uma evolução

sólida quando visto da perspectiva de uma passagem do processo inquisitorial ao processo

acusatório. (FERRAJOLI, 1989)

Mas não é por essa razão, tão pouco por possuir previsão constitucional, que o

Tribunal do Júri não pode ser problematizado, muito ao revés, deve ele ser, pois o pensamento

jurídico e científico, como nas demais áreas, se desenvolvem a partir de uma dialética de tese,

antítese e síntese. (HEGEL, 1992)

O Tribunal do Júri, uma vez pronunciado o réu definitivamente, possui como juiz

natural o Conselho de Sentença, composto, em tese, por maioria não conhecedora da

dogmática jurídica. Concatena-se o fato de que o réu está diante de julgador que possui como

prerrogativa o seu livre convencimento e decisionismo imotivado, agravados pelo fato não

possuírem prerrogativas e deveres institucionais de independência, o que implica em uma

posição mais suscetível à pressões externas, principalmente midiáticas.

Assim lembra Lopes jr. (2018, p. 853): [...] o jurado decide sem qualquer motivação, impedindo o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importante é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão sobre a autoria e materialidade.

O livre convencimento dos jurados abre espaço para a utilização de provas que não se

encontram nos autos, ou até mesmo que não foram produzidos por órgãos preparados, como é

o caso do lastro probatório midiático, que ganha relevo por força da sociedade e da sensação

de insegurança sentida pela população.

3.1 – A influência da mídia sobre o jurado diante da sociedade do risco

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Atualmente, com o advindo da chamada pós-industrial, o Direito Penal como um todo

sofreu uma expansão de forma generalizada, demonstrando-se como a área que a sociedade

tem elegido como a suposta solução fácil aos problemas sociais. A desenvoltura e

maximização do Direito Penal se deve em grande parte à sociedade do risco. Torna-se

inegável que com a desenvoltura da tecnologia e da globalização surgiram novos riscos aos

bens jurídicos já existentes e, concomitantemente, surgem novos bens-jurídico que são

penalmente tutelados.

Ato contínuo, configura-se no seio dessa sociedade a expansão do chamado “risco de

procedência humana” como fenômeno social estrutural, pois “boa parte das ameaças a que os

cidadãos estão expostos provém precisamente de decisões que outros concidadãos adotam no

meio dos avanços tecnológicos”. (SÁNCHEZ, 2001, tradução nossa)

A partir dos avanços que presencia a sociedade, ocorre o que pode ser traduzido, a

partir das lições de Sánchez (2001, p. 27), como a institucionalização do risco, tanto em sua

vertente objetiva quanto subjetiva. A proliferação do pensamento da chamada “criminalidade

de massas” faz com que a sociedade moderna veja as ações do outro sempre como um

potencial risco. Mais importante que isso, a sensação de insegurança é determinante na

atualidade.

Destarte, a sensação de insegurança vivida na modernidade é muitas vezes distantes do

que de fato se dá no mundo fenomênico, pois com o avanço do individualismo moderno, a

sociedade não se vê além do que um aglomerado de pessoas, narcisisticamente levados à sua

proteção.

Os meios de comunicação então exercem decisivo papel, pois: [...] por um lado, desde a posição privilegiada que ostentam no seio da “sociedade de informação” e no marco de uma concepção do mundo como aldeia global, transmitem uma imagem da realidade na qual o longe e o próximo têm uma presença quase idêntica em relação ao receptor da mensagem. Isto dá lugar, em algumas ocasiões, diretamente à percepções inexatas; e em outras em todo caso, a uma sensação de impotência. Ao maior montante, por outro lado, de reiteração e da própria atitude (dramatização, morbidez) com que se examinam determinadas notícias atua como modo de multiplicar ilícitos e catástrofes, gerando uma insegurança subjetiva que não corresponde com o risco objetivo (SÁNCHEZ, 2001, p. 37 e 38, tradução nossa).

Diante do exposto, a obsessão da verdade real no processo penal, plantada não só nas

mentes dos juristas, mas também nos pensamentos dos populares que compõem o Conselho

de Sentença do Júri, conjuntamente com a sensação de insegurança, faz com que as teses

propostas pela mídia ganhem proeminência, qualificando os fatos mundanos criminais como

dogmas históricos reais, menoscabando o princípio da não culpabilidade.

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Nesse diapasão, há a mistura de influência da mídia sobre jurados que não possuem

conhecimento teórico da área jurídica, com a incessante busca da verdade real e do

pensamento do direito penal como meio purgador dos pecados. Tal mistura faz com que os

julgadores saiam de sua posição de imparcialidade e tomem frente como autênticos

inquisidores que purificam a alma do agente - o qual é criminoso por causa das provas

trazidas pela mídia - através da pena, bem como previnam os bens jurídicos tutelados nesta

sociedade do risco e insegura.

Logo, demonstra-se que a predisposição condenatória incutida pela mídia atinja os

princípios tratados neste trabalho, os mitigando ou, inclusive, ceifando-os da disposição

defensiva ao réu que foram pensados. Nesse sentido, a mídia incute na população e, por óbvio, nos jurados um preconceito de punir de forma severa os criminosos. Assim, os membros do Conselho de Sentença possuem uma pré-disposição para condenar os réus. Portanto, tal comportamento afronta direitos e garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório, plenitude da defesa e o princípio da não culpabilidade [...] (AZEVEDO, 2018, p. 111).

Ao fim e ao cabo, a influência irrestrita da mídia sobre a decisão dos jurados se revela

um processo penal inquisitorial, aproximando-se de um Estado sem garantismo e desprovido

dos direitos fundamentais do réu, onde o que reina no Processo Penal é a verdade real, a qual

é trazida pela mídia.

4 – Observância dos princípios processuais penais nos julgamentos criminais e formas

de minimização do impacto causado pela mídia

Através do que foi anteriormente apresentado neste trabalho, pode-se observar a

imprescindibilidade de princípios que servem como parâmetros para o alcance de um

julgamento justo. Ademais, se mostrar perceptível o poder de influência da mídia sobre a

sociedade como um todo e a busca pela imparcialidade de julgamento se mostra muitas vezes

distante da possibilidades existentes.

No que tange ao papel da mídia e ao princípio de publicidade, não há dúvidas que eles

se mostra de certa forma interligados. A mídia publiciza os acontecimentos e realiza pré-

julgamentos como uma forma de responder aos anseios da população curiosa que acompanha

as notícias.

No entanto, se mostra necessário que os profissionais do direito sejam cada vez mais

aptos de separarem essa realidade demonstrada na televisão e outros meios, como a internet,

da realidade fática da situação. Em seu parecer, Schreiber traz algumas sugestões para

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FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais

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minimizar a influência da mídia nos julgamentos criminais, e em uma delas, a qual foi

analisada como a qual pode ter o melhor aproveitamento, pois respeita o princípio do devido

processo legal, presunção de inocência, da verdade real, da publicidade, e traz a ideia de que

sejam vedadas a utilização de notícias veiculadas na mídia como forma de provas em um

julgamento criminal. Essa postura, inicialmente, seria essencial, durante o processo já há a

investigação e a valoração de todas as provas anexadas no processo, as quais são avaliadas

pelo juiz e pelo perito, este último caso seja necessário. Assim, são essas as provas que devem

ser observadas e utilizadas durante o julgamento.

A fim de reduzir o impacto trazido pela mídia durante os julgamentos criminais, há de

se expressar que, em muitos casos, as informações fornecidas à mídia, não se tratam de provas

lícitas, pois precisam passar pela aprovação do juiz anteriormente. Assim, não se pode aferir

veracidade às informações apresentadas na mídia.

Ademais, é necessário que aqueles que vierem a ser convocados para compor o

Conselho de Sentença se preocupem saber como funciona o júri. É fundamental que seja

observado o princípio da presunção da inocência, mesmo que os jurados não conheçam os

seus termos de maneira técnica, quando não há provas suficientes para que uma pessoa seja

incriminada, deve-se presumir inocente.

Outrossim, casos que demonstram influência da mídia são normalmente julgamentos

mais longos com o propósito de desligar o jurado da realidade e deixá-lo imerso ao caso, para

que restem diminuídas as influências externas.

A partir da contribuição trazida por Schreiber, existem algumas formas de minimizar

esse impacto, preservando-se do infortúnio de olvidar o direito fundamental à liberdade de

expressão, quais sejam: (1) questionário e instrução dos jurados; (2) desaforamento; (3)

postergação do julgamento; (4) sequestro de jurados; (5) vedação de introdução de provas

produzidas pela mídia no processo. No entanto, vale salientar que os presidentes do júri

devem avaliar quais as melhores medidas a serem adotadas em cada caso específico.

Neste momento, é relevante retomar alguns pontos expostos por Simone em seu

parecer. Inicialmente, a proibição de introdução de provas providenciadas pela mídia no

processo é uma medida legítima que, ao ser aplicada, serviria como uma forma de assegurar

que tal material probatório não prejudique o réu, conferindo a este o devido processo legal.

Além disso, a constituição de um tipo penal que viesse a atuar no sentido de sancionar a

publicidade excessiva fomentada pela mídia, também contribuiria para a otimização do

cenário ao qual nos submetemos atualmente.

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5 – Estudo de caso e possível solução jurídica

O caso a ser debatido no presente trabalho ocorreu na cidade de Juiz de Fora - MG, no

dia 14 de novembro de 2014, quando um jovem de 18 anos, desapareceu após deixar a casa de

show noturna e apenas foi encontrado morto três dias depois na mata próxima.

Atualmente, o que se relata é que o jovem brigou dentro da boate e por esse motivo

teria sido expulso e, posteriormente, perseguido por seguranças da boate até a mata onde

desapareceu. Nesta toada, o Ministério Público considera que ele foi assassinado e aponta

como suspeito quatro ex-funcionários da boate.

O que se pretende mostrar é que, apesar de não haver provas cabais de como o jovem

faleceu, a mídia local insistiu em divulgar que o mesmo teria sido assassinado. Assim trar-se-

a diversos segmentos de notícias divulgadas, com o intuito de provar, que as mensagens

veiculadas são suficientes para viciar a opinião da população, de modo que o julgamento no

Tribunal do Júri, o qual ainda não ocorreu, dificilmente será imparcial.

A primeira notícia encontrada é datada do dia 21 de setembro de 2015, veiculada pelo

site G1 da Globo. Nesta percebe-se que só é levantado argumentos de modo completamente

unilateral, induzindo os leitores a acreditar que o jovem teria sido assassinado. No corpo da

notícia a seguinte frase está redigida: “O delegado também comprovou que a morte foi

violenta e por afogamento”. (G1. Globo, 2015)

Todavia, até o dia 18 de maio de 2016, quando ocorreu a oitiva das testemunhas, a

causa da morte ainda não havia sido confirmada, sendo que afogamento era uma das

hipóteses. Assim, não restam maiores dúvidas que as mensagens são tendenciosas e possuem

o condão de influenciar os futuros jurados, correndo o risco de os mesmos já irem para o

tribunal com sua decisão tomada. (G1. Globo, 2016)

Além desse, o jornal Tribuna de Minas também veiculou notícias a respeito do

presente caso. De modo semelhante às narrações supracitadas, o presente jornal trata do caso

de forma tendenciosa, chegando a declarar que: “No matagal, o rapaz foi morto.” Essa notícia,

não só apresenta declarações infundadas como se fossem fatos incontroversos, mas também

apela para o lado emocional do seu leitor. Em diversos segmentos são trazidos depoimentos

dos familiares, principalmente de sua mãe, que diz com concretude que o menino teria sido

assassinado e clama para que o povo faça a justiça. (ARAÚJO, Tribuna de Minas, 2017)

Neste diapasão, seria, no mínimo, desarrazoado acreditar que essas notícias não irão

influenciar no julgamento que está para acontecer. Como já foi debatido nos tópicos

anteriores, o direito penal é pautado em diversos princípios que não poderão deixar de serem

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FRANCO, B. D. Et al. A Influência da mídia no Tribunal do Júri e a necessidade da observância dos princípios processuais penais

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observados. Assim, na réstia do artigo será apresentada uma possível solução para o caso em

estudo, de modo a garantir que os réus tenham um julgamento justo.

Nos casos como o apresentado acima em que a influência da mídia possa distorcer o

julgamento pelo Conselho de Sentença no Tribunal do Júri, por se tratar de um caso de

repercussão regional, como o estudado neste trabalho, uma medida judicial cabível é o

desaforamento.

O desaforamento trata de uma decisão jurisdicional que tem como finalidade mudar a

competência previamente estabelecida pelos critérios do artigo 69 do Código Processual

Penal, que define a atuação procedimental do Tribunal do Júri. (NUCCI, 2013)

Mais especificamente, na visão de TÁVORA e ALENCAR (2013, p. 851)

“desaforamento é o deslocamento da competência do processo de crime doloso contra a vida

para a comarca mais próxima”. Deste modo, entende-se que desaforar é transferir o local de

julgamento do Tribunal do Júri para outra comarca.

Tal matéria é regulada pelo artigo 427 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: Art. 427 Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

Ainda preceitua Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 836 e 837) que para assegurar os

princípios processuais penais e uma sentença justa, assim como, a imparcialidade do

Conselho de Sentença, é necessário afastar o julgamento da cidade de origem, considerando a

forte influência da mídia sobre toda a população - a qual poderia acarretar uma sentença

injusta.

Cabe ressaltar, por fim, que para assegurar os princípios processuais penais através da

decisão judicial pelo desaforamento, é necessário que haja fortes indícios da parcialidade dos

jurados, por exemplo através da maciça influência da mídia, conforme já decidiu o Superior

Tribunal de Justiça - STJ no Habeas Corpus 225565-MG, 5.ª T., rel. Laurita Vaz, 06.03.2012

(NUCCI, 2013).

Ademais, outras medidas trazidas por Schreiber poderiam vir a ser utilizadas, como a

proibição de introdução de provas que não tenham sido produzidas de forma lícitas, para

assegurar que os documentos probatórios não prejudique o acusado, e a instrução adequada

dos jurados antes de comporem o Conselho de Sentença.

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Conclusão

O presente estudo abordou a influência da mídia na decisão do Conselho de Sentença

nos julgamentos levados ao Tribunal do Júri. A discussão deste tema é de fundamental

importância, pois o caso apresentado ainda não foi submetido ao Tribunal do Júri, e a

discussão é como se evitar ou minimizar a influência da mídia para que o julgamento seja

mais justo e imparcial.

No primeiro item foi abordado o fenômeno da globalização, sobre os diferentes

aspectos midiáticos e seu respectivo poder de influência em julgamentos criminais. A partir

disso, fora possível constatar a imensurável importância da Terceira Revolução Industrial para

que tais avanços referentes à potencialização dos meios de comunicação se tornassem

concretos. Depois de feita uma retrospectiva histórica acerca do tema, fora estabelecida uma

correlação entre a disseminação dos diferentes mecanismos propagadores de informação e sua

concernente interferência nos julgamentos processuais de competência do Tribunal do Júri.

Feito esse exame, é razoável afirmar que a facilidade ao acesso à informação tem sido

utilizada como um mecanismo direcionador de pensamento e de posicionamento dos

cidadãos, utilizando-se, muitas vezes, de uma visão parcial e limitada da realidade.

O contexto se mostra ainda mais delicado quando atentamos para o fato de que tais

expedientes midiáticos são, em muitos casos, aplicados pelos órgãos voltados à persecução

penal, mais especificamente, por aqueles que ocupam um papel acusatório.

Nesses termos, pode-se concluir que, no cenário atual, os veículos de informação em

massa tem ocupado um papel de interferência cada vez mais assídua nos julgamentos

realizados pelo Tribunal do Júri.

No segundo item, foi levantado um estudo sobre os princípios processuais penais, os

quais buscam garantir os direitos de todos os indivíduos, e na sua aplicabilidade no momento

dos julgamentos criminais. Os mais importantes a serem observados nesse contexto foram o

da imparcialidade do juiz, o da publicidade, o da presunção da inocência e o da verdade real.

No princípio da imparcialidade do juiz prevê a hipótese de se assegurar igual

oportunidade às partes, de forma que o magistrado se comprometa a ocupar a posição de

terceiro estranho e desinteressado. Importante ressaltar, ainda, que o princípio se encontra

atrelado ao do livre convencimento motivado, o qual o permite formar livremente a sua

convicção ao analisar as provas produzidas no curso do processo, atentando, sempre, para o

princípio do contraditório e da ampla defesa.

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Em seguida, o princípio da publicidade demonstrou que temos cada vez mais uma

sociedade informada que condiciona que qualquer indivíduo possa acompanhar a atuação das

autoridades. No entanto, essa liberdade se extrapola quando passam a colocar os indivíduos,

que possuem uma denúncia criminal, em posição de vulnerabilidade frente a sociedade,

devido a massiva presença da mídia para noticiar o ocorrido, principalmente em se tratando de

tragédias que, infelizmente, muitos da sociedade tratam como um espetáculo a ser

acompanhado.

Aliado a este princípio, foi demonstrado, também, a presunção da inocência que limita

o da publicidade no momento em que impede que a exploração abusiva da mídia haja em

torno do processo penal.

Nesse sentido, perceptível foi a possibilidade de perceber a colisão dos princípios em

estudo, o que deve ser de algum modo solucionado, não podendo o ordenamento jurídico se

mostrar com antinomias ínsitas. Assim, percebeu-se que o princípio da proporcionalidade, de

matriz constitucional, é ferramenta hábil para solucionar colisões principiológicas.

E, por fim, conjugado com o princípio da presunção de não culpabilidade, tratou-se do

princípio da verdade real que permite ao magistrado buscar a suposta verdade dos fatos de

qualquer forma, mesmo que para isso acabe por comprometer as garantias do réu ou

indiciado. Tal princípio traz um verdadeiro ponto inquisitorial no processo brasileiro, pelo

fato de o magistrado poder se valer dele para atentar contra as garantias constitucionais e os

direitos fundamentais do acusado. Nesse caminho, tem-se que com o advento da Constituição

Federal de 1988 o dito princípio se encontra superado, devendo reinar no sistema brasileiro o

devido processo constitucional, o qual em sua vertente material é representado por garantia do

sujeito contra arbitrariedades do Estado e contra lesão à seus bens-jurídicos mais importantes.

Assim, o princípio da verdade real vai de encontro aos preceitos constitucionais vigentes, não

devendo ele prosperar, sob a pena de voltarmos ao processo inquisitorial sem garantias

fundamentais do indivíduo.

No terceiro item houve a perscrutação de como o procedimento do júri deve ser

problematizado, de tal sorte que sua contribuição para a superação do processo inquisitório

não suprima o avanço científico e crítico da teoria do direito processual penal.

Nesse sentido, não pode ser olvidado que a sociedade do risco instituiu na mente da

população um medo institucionalizado e proliferado pela mídia, a qual produz uma visão

unilateral de um mundo fenomênico, construindo um lastro probatório que, muitas vezes, não

corresponde à realidade. Incute na mente dos jurados impulsionados pela suposta verdade real

fornecida pela mídia e pela idéia desarrazoada de um direito penal purificador, o que acaba

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por trazer à baila a volta do processo inquisitorial, ceifando garantias adquiridas pelo réu na

marcha histórica.

No quarto item foi realizada análise das garantias processuais penais em julgamentos

criminais de repercussão regional e nacional, além de terem sido avaliadas as sugestões

apresentadas pela Simone Schreiber, sendo possível identificar que o melhor meio para buscar

a imparcialidade dos julgamentos não seria a partir da censura da mídia, pois também se deve

preservar a liberdade de expressão, mas sim buscar meios que minimizem o seu impacto

negativo, como a melhor instrução do júri e vedação da introdução de provas produzidas pela

mídia no processo, pois não se pode afirmar que as mesmas foram adquiridas de forma lícita.

No último item, foi apresentado um estudo de caso, sendo demonstrados alguns

trechos de reportagens da época do fato, trazidos com o intuito de demonstrar a

tendenciosidade das mensagens veiculadas pela mídia. Defende-se nesse trabalho que, devido

a influência midiática, dificilmente esse julgamento será imparcial. Assim como solução para

este caso, analisando o poder da mídia, todos os princípios processuais penais apresentados, a

dinâmica do Tribunal do Júri, o desaforamento seria uma medida adequada para solucionar o

problema ou, pelo menos, suavizá-lo. A ideia principal é que o desaforamento seja utilizado

para assegurar a eficácia de todos os princípios processuais penais, sem tal mecanismo, não se

é possível se dar a devida observância do princípio da imparcialidade por parte do Conselho

de Sentença. Deve-se atentar também que essa análise e solução foi pautada no caso

específico, de abrangência regional, e que, possivelmente, em um caso de repercussão

nacional a mesma não seria efetiva, caso fosse adotada.

Referências

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PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória

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Ensaio

Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória

Ana Beatriz Marques Penna1 Danielle de Souza Menezes2

A partir do final do século XVIII, os primeiros jardins públicos voltados para o lazer

começam a integrar a paisagem urbana brasileira. Na cidade de Juiz de Fora, o Museu

Mariano Procópio, fundado em 1922, além de um suntuoso conjunto arquitetônico, abre ao

público um dos mais expressivos jardins da época, que foi apelidado pelo naturalista suíço

Jean Louis Rodolphe Agassiz como o “Paraíso dos Trópicos”.

Projetado pelo paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, o parque do museu

revela um conceito de multiplicidade muito utilizado nos jardins do século XIX, com uma

extensa flora e fauna, que aliam espécies tanto nativas quanto exóticas, enriquecendo a

paisagem urbana da cidade.

Além da importância urbanística, climática e biológica que o parque desempenha, do

ponto de vista psicológico e social, vai influenciar diretamente sobre o estado de ânimo dos

indivíduos massificados com os transtornos típicos das grandes cidades, que veem nesse

espaço um ambiente agradável e propício para descanso e lazer. É nesse momento que o

Museu Mariano Procópio deixa de ser apenas espaço, para se tornar lugar.

De acordo com Yi Fu Tuan, é a relação entre espaço e tempo que constrói o lugar. O

que começa como um espaço indiferente transforma-se em lugar à medida que o conhecemos

melhor e o dotamos de valor. O lugar é uma área que foi apropriada afetivamente, é um

“mundo de significado organizado” (TUAN, 1983, p.198).

Se um lugar, portanto, é definido a partir das apropriações afetivas que desdobram-se

com as experiências e vivências atribuídas às relações humanas, podemos concluir que é a

memória de um determinado espaço que molda o que vem a ser o lugar.

A memória é a faculdade psíquica através da qual se consegue reter e relembrar o

passado, mas acima de tudo, é um processo dinâmico da própria rememorização, o que estará

1 Bacharela em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente licencianda em Artes Visuais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. 2 Bacharela em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

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ligado à questão de identidade (SANTOS, 2004).

O Museu Mariano Procópio estabelece com a população juiz-forana uma relação de

notável afetividade e proximidade. Além de sua importância histórica e cultural por conta do

acervo que abarca, ele se faz presente no cotidiano das pessoas, e, portanto, é lugar de muitas

memórias e vivências.

O documentário Vozes da Memória, nesse sentido, pretende resgatar e registrar a

história oral do Museu Mariano Procópio, com o intuito de evidenciar essa relação do museu

com o público. Essa ação almejou, além de criar um vínculo entre a passagem do tempo e a

memória, investigar o papel do lugar como meio fundamental para essas relações.

O projeto surgiu em 2016, a partir da ideia do então professor do departamento de

turismo da UFJF, Lucas Gamonal, que pretendia por meio da história oral, resgatar o vínculo

das pessoas com o museu Mariano Procópio.

Durante algum tempo o projeto foi apenas uma ideia. Em agosto de 2017, fomos

convidadas a colaborar com a proposta. Como nós duas éramos estagiárias no MAPRO e,

também, alunas da UFJF, fazendo graduação no Bacharelado Interdisciplinar em Artes e

Design, com o contato do Lucas, conhecemos o projeto e logo entendemos a importância da

gravação desse documentário.

Ficamos então com a parte técnica, que incluía a gravação dos áudios, vídeos e

também com a formulação de um roteiro e questionário para as entrevistas. Também nos

responsabilizamos pela edição, montagem e cor do filme, pois a equipe era pequena. No

começo entre os bolsistas estávamos apenas nós duas e o Manoel, aluno do curso de Turismo,

que ficou responsável por contatar os possíveis entrevistados.

Com a relação que tínhamos como estagiárias, diversas vezes nos eram narrados fatos

pelos visitantes, que mostravam o Mariano Procópio como um museu incomum. Por sua forte

ligação com a população, essas histórias muitas vezes eram contadas com um notório carinho

dessas pessoas pelo museu que, em certas épocas ficou fechado para restauro ou obras em seu

entorno, dificultando o acesso e afirmando um trajeto histórico de bastante conflito com os

moradores da cidade.

Esse processo de extrema dificuldade do MAPRO, para nós que pesquisávamos essas

histórias, só afirmava a familiaridade das pessoas com o museu. Os fatores que influem para

que esse lugar seja alvo de tantos questionamentos, ganham muito mais nitidez quando

mostrados frequentemente pela sociedade que realmente se importa e luta para que esse

museu esteja em sua melhor forma.

Conforme as gravações foram acontecendo, passamos a entender melhor também o

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PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória

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nosso papel como documentaristas dessas histórias. Quando percebemos a quantidade de

pessoas interessadas ou envolvidas emocionalmente com o processo do documentário, nos foi

clara a importância de cada frase dita pelos nossos entrevistados. Resgatar essas memórias

extremamente pessoais indicavam, para nós, um possível resgate de um museu cercado de

belíssimas obras de arte, de plantas diversas, de construção arquitetônica memorável, porém,

mais do que isso, o resgate da história de uma cidade cercada de pessoas que identificavam

naquele museu parte de sua vida.

No quase um ano que desenvolvemos esse projeto passamos também por inúmeras

dificuldades. Como ainda universitárias, nunca havíamos trabalhado com tantas

responsabilidades que nos exigiam técnicas cinematográficas, a produção de um longa-

metragem nos era algo completamente novo e desafiador. Também por esse motivo, o

encanto com todas as questões que o documentário envolvia, marcou profundamente nossas

vidas. O aprendizado do primeiro filme e a relação com os entrevistados foi muito diferente

do que esperávamos, e o ambiente acabou se tornando, de certa forma, outro, como

documentaristas nos sentíamos parte também das histórias das pessoas.

Ao encerrarmos a etapa das gravações – que contaram também com as músicas do

compositor Vinicius Borges, que aceitou criar no violão a trilha musical para o filme –

passamos para a parte da edição. O que melhor caracteriza a lembrança dessa etapa é a

preocupação que tivemos em não descaracterizar os personagens que filmamos.

Foi interessante perceber como as memórias iam se entrelaçando, se completando e

aos poucos foram construindo a história da instituição. Um dos momentos mais marcantes em

que isso aconteceu envolveu a história de um macaquinho de circo que costumava habitar

uma das ilhas do parque. Através do olhar de um dos funcionários do museu, somado ao de

um frequentador do parque enquanto criança, foi possível perceber a relação afetiva

estabelecida com o animal que provavelmente marcou uma geração que costumava passear

pelo museu naquele tempo.

Para nós, era claro uma personalidade em cada entrevistado a partir de sua forma de

contar as histórias, isso influenciou também para elaboração das perguntas e o rumo da

conversa, portanto a retirada de algumas falas do material seria o mesmo que forjar entrevistas

ou tornar o documentário incoerente com tudo que havíamos buscado até então. Dialogamos,

em média, com quarenta pessoas e cada entrevista teve em torno de meia hora a quarenta e

cinco minutos, cortar ou selecionar as falas que entrariam no filme acabou sendo muito difícil,

pois como participamos de todo o processo o vínculo com as entrevistas era muito forte,

tínhamos muito receio das modificações.

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No processo de criação do roteiro pensamos em construir uma espécie de linha do

tempo cronológica, que contaria primeiramente as histórias dos mais velhos até chegarmos às

crianças. Essa ideia surgiu ao notarmos que, dependendo da idade, há uma diferença na forma

como as histórias são contadas. Os idosos, tendo mais vivências, buscam em suas memórias

muitos detalhes, a fim de especificar suas lembranças de forma exata. Já as crianças são mais

diretas, não relatam com as particularidades do momento, não informam sobre datas ou coisas

específicas, são mais objetivas, porém menos claras. Isso se dá por um processo intrínseco à

construção de memória em relação a passagem do tempo, para que a lembrança seja mais fiel

ao momento guardado as pessoas precisam relembrá-la com determinada frequência ou viver

momentos parecidos para que o cenário ganhe destaque das outras lembranças, esses

momentos, com o decorrer dos anos, são diversas vezes repetidos na memória, e por isso os

mais velhos têm esse atributo de guardar fatos minuciosos, e foi exatamente essa questão que

pretendemos buscar no roteiro do Vozes da Memória.

Faz parte da experiência museológica individual a apropriação e ressignificação das

narrativas que estão ali colocadas, e o documentário, nesse sentido, se tornou mais uma dessas

possíveis leituras do Museu Mariano Procópio.

Um museu só existe quando o público se faz presente e é reconhecendo seu papel

emblemático e icônico para a formação identitária da cidade que torna-se possível que a

consciência do patrimônio municipal seja despertada, assim como a necessidade de

preservação e cuidado para que esse lugar continue permeando o imaginário juiz-forano e

garantindo o princípio da dignidade humana.

O significado da palavra dignidade é a “consciência do próprio valor”, segundo o

dicionário Google. Nesse sentido, ao ser assegurada pelo primeiro artigo da Constituição

Federal Brasileira de 1988, torna o patrimônio cultural essencial para sua conquista, já que

este é entendido, acima de tudo, como portador de referência à identidade, à ação, mas

principalmente à memória.

Intrinsecamente relacionada à consolidação da democracia, ideais de cidadania plena e

fator de desenvolvimento, a memória se configura como instrumento robusto de

sobrevivência da própria sociedade ao permitir o conhecimento e uso do passado,

interferência ativa no presente e previsão de ações para o futuro. Assim, é de interesse

coletivo e ofício do Estado sua proteção.

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PENNA, A. B. M; MENEZES, D. S. Ensaio sobre memória e cidade: o Museu Mariano Procópio e o projeto Vozes da Memória

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O trailler do documentário Vozes da Memória, assim como seu site e redes sociais

estão disponíveis nos links abaixo para maiores informações:

Trailler: https://www.youtube.com/watch?v=IYfPX89hp58

Site: https://vozesdamemoria.wixsite.com/vozes

Instagram: https://www.instagram.com/vozesdamemoria/

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GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural

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Ensaio A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate

histórico-cultural

André Paulo da Silva Gabriel1 Karolyne Guedim Batista2

Resumo O presente ensaio objetiva a análise da atual efetividade do poder público na

preservação material da memória cultural africana, uma das matrizes da formação da identidade da cidade de Juiz de Fora. Para tanto, quantificam-se os mecanismos apresentados sob a forma de criações legislativas locais, contrapondo-os às mesmas estratégias destinadas à promoção de outras culturas - no caso, a cultura alemã.

Palavras-chave: Manifestações afro. Cultura negra. Políticas públicas. Juiz de Fora.

Introdução

Nascida às margens do chamado Caminho Novo - estrada destinada ao escoamento de

ouro entre a capital de Minas Gerais, Vila Rica, e Rio de Janeiro-, a cidade de Juiz de Fora, à

semelhança de uma série de outros povoados da Zona da Mata, formou-se a partir da

instalação de hospedarias e pequenas casas de comércio ao longo da região. Entretanto, como

afirma Paulino Oliveira (OLIVEIRA, 1966, p. 10), até o ano de 1836, a atual Juiz de Fora

consistia tão somente em uma fazenda de propriedade do Juiz de Fora, funcionário do Estado

que, segundo Saint-Hilaire, posteriormente conferiu seu título à cidade a que deu origem.

Somente em 1853, então chamada de Vila de Santo Antônio do Paraibuna, Juiz de Fora

adquiriu status de cidade.

Reunindo cada vez mais habitantes, Juiz de Fora tornou-se o destino de brasileiros

que, segundo incentivo do Império, vieram povoar fazendas cedidas pelo Governo, locais

onde, posteriormente, seria iniciada a produção cafeeira. A partir do ano de 1850, visando

ampliar ainda mais o perímetro habitado da região, o Governo do Império passou a promover

Juiz de Fora como destino de imigrantes de diversas regiões da Europa, dentre os quais pode-

se citar os italianos e os alemães. Contudo, apesar da tendenciosa ideia de que a cidade

1 Estudante no 6ª período do Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Agradecimentos a Denyz Degasperi Botacim Stofel pelo auxílio no levantamento legislativo. 2 Estudante da Universidade Federal de Juiz de Fora desde abril de 2016, quando ingressou na Faculdade de Direito da instituição. Atualmente, encontra-se na Faculdade de Letras da UFJF, para onde, em breve, será oficialmente transferida.

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abrigava, no século XIX, apenas habitantes de origem nobre ou europeia, urge lembrar que a

Juiz de Fora do período foi também morada da população cativa, que veio para a cidade no

auge da produção cafeeira local, que, juntamente com a indústria de prestação de serviços,

demandava cada vez mais mão de obra, tornando-se característico na região a formação de

quilombos, frequentemente reduzidos e atacados pelas milícias da cidade, por vezes, por

determinação do poder público

Nesse cenário extremamente miscigenado, consolidaram-se as influências atuantes

sobre a cultura juizforana: brasileiras, europeias e africanas. A partir da breve análise dessas

heranças culturais presentes na formação da identidade da cidade de Juiz de Fora, buscar-se-

ão resquícios legislativos e sociais que comprovem na atualidade a valorização das culturas

que deram origem àquela visível na cidade por meio de festividades e homenagens locais,

entre outros.

1 – Memória e manifestações culturais

Em Zubaran (2016), o conceito de memória coletiva é introdutoriamente apresentado

sob a perspectiva de Maurice Halbwachs, designando memória não como faculdade, mas

“uma representação que membros de um grupo vão produzir a respeito da memória

supostamente comum aos membros desse grupo”. No que se compreende a memória como

processo em construção, possível apenas no presente, sujeito a ressignificações e

reconstruções contínuas pelos indivíduos que hão de compreendê-la e empreendê-la

coletivamente. Assim, sobre as comunidades negras, as repressões sobre a cultura afro por

meio da estigmatização e do proibicionismo de suas práticas características têm um impacto

histórico profundo na construção dessa identidade e manutenção de sua unidade coletiva.

Acredita-se que este processo intencionava não apenas a uma mera aculturação de costumes

com objetivos civilizatórios, mas o enfraquecimento paulatino de uma comunidade ampla e

resistente submetida aos rigores da escravidão e, posteriormente, ao desamparo sócio-estatal,

uma vez que “no século XIX as lutas e revoltas eram fortalecidas além das lutas físicas, pois

em todo canto estavam presentes características das crenças e festividades próprias dos

negros, isso pode ser mensurado nas festas populares vistas no mundo rural e urbano e nas

organizações das irmandades de pretos” (FREITAS, 2016).

É no século XX, a partir da década de 1970, que movimentos sociais organizados,

fortalecidos então pelo processo de redemocratização do país, conseguem passar a ter atenção

das políticas públicas no sentido do resgate e promoção de suas memórias, concomitante ao

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GABRIEL, A. P. S; BATISTA, K. G. A tutela das manifestações afro em Juiz de Fora em um breve resgate histórico-cultural

Alethes | 65

combate ao racismo3. O espaço público pode, a partir disso, ser compreendido então como

novo ambiente de construção da memória coletiva deturpada e dinamitada nos anos passados,

evidente que submetida às ressignificações próprias de seu momento, a fim do fortalecimento

e consolidação da identidade afro, por meio da promoção e livre expressão de suas

festividades, manifestações culturais, artísticas ou religiosas. Por isso, a importância de se

conhecer a tutela concedida pelo poder público a tais manifestações, que se concretize no

apoio, incentivo e proteção a sua realização e consolidação, contribuindo diretamente a

construção da identidade afro local e nacional.

2 – Levantamento legislativo do município de Juiz de Fora

Entendendo que as políticas públicas estão suscetíveis às transições governamentais,

conforme novas composições do poder público executivo e legislativo e suas respectivas

secretarias, comissões e conselhos, a pesquisa procurou destacar as medidas de promoção da

cultura e manifestações afro a partir do recorte de produção legislativa de lei ordinária

municipal do município de Juiz de Fora, admitindo-se o alto grau de legitimidade social do

instrumento normativo fruto do processo democrático regular - proposta do poder legislativo,

por ele votada e aprovada, consequentemente sancionada pelo chefe do executivo - e a

estabilidade que confere as medidas que veicula. Submetidas a pesquisa pela plataforma

Sistema JFLegis4, disponibilizada pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, selecionou-se, a

partir das palavras-chave “negro”, “preto”, “afro” (e, existindo, suas variantes em gênero e

número), os seguintes atos normativos, identificados como promotores das manifestações

culturais tradicionais da cultura afro, artísticas ou religiosas, sendo excluída do recorte a

legislação direcionada exclusivamente a políticas socioeconômicas, políticas de saúde e

políticas de desenvolvimento regional. Também foi excluída do recorte a legislação que

determina a criação de datas comemorativas desacompanhadas de qualquer encaminhamento

específico para a realização de eventos ou celebrações de cunho cultural, artístico ou

religioso5. Dos resultados finais, extrai-se o seguinte conjunto de leis:

3 MACEDO, 2012, citado por ZUBARAN, 2016 4 Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br 5 É o caso do “Dia Municipal da Mulher Negra Cirene Candanda” (a ser celebrado dia 25 de julho, cf. LEI Nº 13.256 - de 08 de dezembro de 2015); do “Feriado Municipal rememorando a morte do líder negro Zumbi dos Palmares” (ao dia 20 de novembro, cf. LEI Nº 13.242 - 20 de novembro de 2015); do “Dia Municipal da Consciência Negra” (na mesma data que o anterior, cf. LEI N.º 8752 de 21 de novembro de 1995) e da

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Alethes: Per. Cien. Grad. Dir. UFJF, n. 16, pp. 63-72. 2019/1°semestre.

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Legislação Ementa Trecho de Interesse

LEI N.º 9213 - de 27 de janeiro de 1998

Dispõe sobre o Combate ao Racismo no Município de Juiz de Fora e dá outras providências.

Art. 1º, parágrafo único, VIII6 - o desenvolvimento de programas que assegurem igualdade de oportunidade e tratamento nas políticas culturais do Município, tanto no que diz respeito no fomento à produção cultural, quanto na preservação da memória, objetivando dar visibilidade aos símbolos e manifestações do povo negro.

LEI N.º 9796 - de 19 de maio de 2000

Cria o Conselho Municipal para a Valorização da População Negra e dá outras providências.

Art. 2º, IV - promover festividades que incluam manifestações artísticas, musicais e religiosas próprias da cultura afro, como forma de valorização da cultura original da população negra.

LEI Nº 11.769 – de 26 de maio de 2009

Institui a Semana da Consciência Negra e da Cultura Afro-brasileira, incluindo-a no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora e dá outras providências.

Art. 4º. O Poder Público Municipal poderá instituir uma Comissão com o objetivo de organizar, juntamente com os grupos e entidades representativas do movimento negro e da cultura afro-brasileira, as atividades sociais, educativas e culturais a serem desenvolvidas durante as comemorações.

LEI Nº 12.144 - de 21 de outubro de 2010

Institui o Dia Municipal da Capoeira e dá outras providências.

Art. 3º, I - contribuir para a valorização da capoeira enquanto patrimônio imaterial e resistência cultural da identidade afro-brasileira; II - promover atividades que dêem visibilidade à pluralidade dos elementos envolvidos nessa arte-luta.

LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015

Cria o Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial - COMPIR e o Fundo Municipal para Promoção da Igualdade Racial - FUMPIR e dá outras providências.

Art. 3º, IV - promover festividades que incluam manifestações artísticas, musicais e religiosas próprias da cultura negra e de outros seguimentos [sic] étnicos existentes no Município;

“comemoração da Abolição da Escravatura” (sem data definida no calendário anual, cf. LEI N.º 7.109 - de 19 de junho de 1987). 6 A redação original apresenta dois incisos VII e nenhum VIII, do que se conclui erro de datilografia na segunda ocorrência, a qual corresponde ao dispositivo citado. Dessa maneira, ele será encontrado no texto original como inciso VII do art 1º. Disponível para verificação em https://jflegis.pjf.mg.gov.br/c_norma.php?chave= 0000023032

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O conjunto encontrado de leis, por sua vez, demonstra-se extremamente amplo e

genérico nas suas orientações, verificando-se uma delegação de competências na busca pelos

objetivos elencados em seus incisos para estruturas diversas que passam a compor a

administração pública, na forma de Conselhos permanentes ou comissões eventuais, a

depender do caso. Estas, em geral, buscam um alto grau de representatividade nas suas

composições, visando a uma pluralidade de integrantes originários de diferentes setores do

poder público e da sociedade civil. Para citar um, toma-se como exemplo a composição do

Conselho Municipal da Promoção da Igualdade Racial (a que se atribui a promoção de

festividades próprias da cultura negra e segmentos étnicos existentes no Município), formado

por 24 conselheiros titulares, formados por 12 representantes da sociedade civil, escolhidos

entre entidades constituídas para defesa e promoção da Igualdade Racial e 12 representantes

governamentais selecionados por indicação de diversos órgãos e entidades7. Os mandatos

têm duração de dois anos, permitida uma recondução8.

Por um lado, ao institucionalizar tal Conselho (e outros, sejam conselhos permanentes,

sejam comissões eventuais, compostas em modelo semelhante, com fins aproximados) e suas

ações e objetivos há a conferência de legitimidade dos esforços do poder público em perseguir

a promoção da cultura afro. Por outro, no que tange ao desenvolvimento de manifestações

culturais tradicionais, há um afastamento do papel original de seus promotores originários e

guardiões históricos, responsáveis pela sua manutenção e transmissão em suas comunidades

originais, o que se verifica pela distribuição dos cargos em um meio para representantes da

sociedade civil e um meio para representantes diversos e difusos do poder

público/institucional. A preocupação é o fato de que “o poder público brasileiro participa de

um processo de culturalização de símbolos e rituais religiosos de origem africana, sem dar a

devida valorização às pessoas que os trouxeram e os produzem no País”9.

Nesse âmbito, torna-se de alta relevância o reconhecimento de organizações

independentes da sociedade civil, originárias e titulares dessa cultura passada de geração em

7 A saber “a) 01 (um) representante da Secretaria de Governo; b) 01 (um) representante da Secretaria de Educação; c) 01 (um) representante da Secretaria de Saúde; d) 01 (um) representante da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage - FUNALFA; e) 01 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento Social; f) 01 (um) representante da Ordem dos Advogados de Minas Gerais/Subseção Juiz de Fora; g) 01 (um) representante da Câmara Municipal; h) 01 (um) representante da Universidade Federal de Juiz de Fora; i) 01 (um) representante da Superintendência Regional de Ensino de Juiz de Fora; j) 01 (um) representante da Fundação Hemominas; k) 01 (um) representante da Polícia Militar de Minas Gerais; l) 01 (um) representante da Polícia Civil de Minas Gerais”, cf. art. 4º da LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. 8 Cf. Art 5º da LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. 9 FERREIRA, 2018.

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geração, que ganham mandato de legitimidade para pleitear e articular os direitos dessa

comunidade frente ao poder público, autonomamente ou inserida em tais conselhos e comitês.

Na cidade de Juiz de Fora, positivamente há o reconhecimento de instituições de utilidade

pública conectadas à cultura afro, artística e ou religiosamente, por meio de certificado

próprio conferido por lei municipal. Conforme resultados de pesquisa com as mesmas

palavras-chave acima citadas, encontram-se, a saber, as instituições:

Entidade de Utilidade Pública Certificada pela

Batuque Afro-Brasileiro de Nelson Silva LEI N.º 5245 - de 08 de junho de 1977

Culto Afro Ile Ase Oba Aganju Ati Yeye Oke LEI N.º 10.567 - de 24 de outubro de 2003

Associação Religiosa e Cultural de Culto Afro Brasileiro Ilê Axé Aldeia de Oxosse

LEI N° 11.979 – de 02 de março de 2010

Com isso, encerram-se as determinações legislativas do Município disponibilizadas no

recorte realizado acerca da promoção das manifestações culturais, artísticas ou religiosas na

forma de eventos e festividades com o apoio e suporte do poder público, visando a uma

consolidação da memória histórica em torno dessa herança étnica-cultural na cidade.

A partir desse ponto, procurou-se traçar paralelo com outra manifestação étnica-

cultural, conferindo-se maior destaque, no município, à cultura alemã. Tendo como

referencial os atos normativos direcionados à sua difusão, diferentemente do recorte anterior,

no qual foram encontrados dispositivos difusos, amplos e genéricos, os critérios de pesquisa

análogos (legislação ordinária, por meio da palavras-chave “alemão” e suas variações em

gênero e número), apresentaram como resultado leis em menor quantidade, mais específicas e

direcionadas a um único evento, as quais apresentam-se no quadro abaixo. Surgem, ainda,

duas entidade beneméritas e de utilidade pública, as quais, no entanto, diferentemente das

anteriores, não encontram conexão com o ordenamento referente às manifestações culturais.

Legislação Ementa

LEI Nº 11.714 – de 11 de dezembro de 2008 Dispõe sobre a instituição no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora, do evento que menciona. [“Festa Alemã”].

LEI Nº 12.621 - de 09 de julho de 2012 Declara de Utilidade Pública, para fins de tombamento como patrimônio cultural da cidade, A Festa Alemã do Bairro Borboleta.

LEI Nº 13.742 - de 06 de agosto de 2018 Declara o Bairro Borboleta como Bairro Alemão.

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Assim, constata-se que, enquanto as manifestações afro recebem tratamento

legislativo difuso e desconcentrado, fruto de orientações amplas e genéricas, a cultura alemã

institucionalizou sua celebração em torno de um evento único, ao longo de dois atos

normativos e um terceiro, mais recente, determinando geograficamente na cidade sua maior

incidência. Ao mesmo tempo, é também notável a proximidade no tempo entre a publicação

dessas leis, em comparação com as anteriores.

Enquanto a promoção das manifestações da cultura negra e os esforços do poder

público estendem-se e se renovam no tempo (de 1998 a 2015), sem se consolidarem em uma

única manifestação definida, a tutela do evento “Festa Alemã” inicia-se em 2008 e consolida-

se em curto período de tempo (de 2008 a 2012). De razões para isso, pode-se constatar a partir

do último ato normativo encontrado, correspondente ao recorte das duas pesquisas realizadas,

a Lei nº 13.480 de 26 de dezembro de 2016, a qual, conforme sua ementa, “autoriza o

dispêndio de transferências correntes para entidades sem fins lucrativos, para o exercício

financeiro de 2018”. Nessa autorização do poder legislativo ao executivo, conforme projeto

remetido por este, extraem-se direcionamentos orçamentários a diferentes setores e eventos de

cunho social, cultural e da saúde. Distribuídos por secretarias governamentais e entidades, é

precipitado determinar seu efetivo uso, relembrando aqui o recorte realizado reter-se a Lei

Municipal ordinária e sua distribuição efetiva decorrer de ato administrativo de órgão público.

Repara-se, no entanto, no planejamento a priori de se destinar os seguintes valores

propriamente a duas contas determinadas, a Festa Alemã e a Valorização da Cultura Afro-

Descendente: “404100 Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage 13.392.0006.2015.0000 Eventos Culturais Festival de Coros Festa Alemã Banda de Música Monte Castelo Banda de Música Tenente Januário 3.3.50.41 - Contribuições R$ 22.200,00 13.392.0006.2017.0000 Festividades Carnavalescas Liga das Escolas de Samba de Juiz de Fora Associação de Blocos Carnavalescos de Juiz de Fora Lei Rouanet 3.3.50.41 - Contribuições R$1.580.000,00 13.392.0006.2021.0000 Valorização da Cultura Afrodescendente 3.3.50.41 - Contribuições R$ 12.000,00” (JUIZ DE FORA, LEI Nº 13.635 - de 27 de dezembro de 2017)

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No ato correspondente ao exercício financeiro de 2017, a Festa Alemã, por sua vez,

não constava entre as contas favorecidas, e o fundo de Valorização da Cultura

Afrodescendente tinha seu valor elevado, conforme lê-se:

“13.392.0012.2255.0000 - Valorização da Cultura Afro-Descendente

3.3.50.41 - Contribuições R$ 23.000,00” (JUIZ DE FORA, LEI Nº 13.480/2016).

Reafirma-se, porém, a incapacidade do recorte adotado neste ensaio para averiguar o

efetivo uso e destinação de tais valores para além das organizações a que se referem.

Considerações finais

A partir da revisão anteriormente analisada acerca das produções legislativas da cidade

de Juiz de Fora no tocante à promoção e valorização concreta da cultura africana em meio aos

eventos locais, pode-se notar que, a despeito da institucionalização de eventos como a Festa

Alemã, por exemplo, manifestações próprias à cultura africana não recebem a mesma tutela

direcionada e concentrada em um evento determinado. Se por um lado isso abre espaço para a

realização de diversos eventos de ocasião, por outro, aparenta demonstrar uma menor

efetividade do poder público em mapear, identificar e reconhecer tais movimentos. . Dessa

forma, é de extrema importância o engajamento de organizações civis independentes que

tenham por escopo a expansão da consciência histórica a respeito do fundamental papel

desempenhado por diversos aspectos da cultura afro que, fazem parte de nosso cotidiano.

Entretanto, embora seja de suma importância a participação da sociedade civil, não se

pode deixar de imputar o dever de promoção de manifestações culturais de origem africana ao

poder público, ente que, em princípio, é responsável pela divulgação e disseminação de tais

manifestações, as quais, por encontrarem-se na base da formação da identidade da sociedade

juizforana, deveriam, a exemplo do que ocorre com as expressões da cultura alemã na cidade,

ser tratadas como patrimônio cultural, tal qual ocorre com a Festa Alemã, legalmente tombada

como tal. Ao tempo em que existem pelo menos três organizações da sociedade civil

reconhecidas como entidades de utilidade pública relacionadas a cultura afro e suas múltiplas

facetas, o poder público ainda não foi capaz de tutelar uma das manifestações como um

evento de caráter não apenas próprio a um subgrupo, mas formador de toda a cultura e história

da cidade, ou seja, pertencentes ao juiz-forano.

Por fim, apesar dos existentes e diversos esforços legislativos em se tutelar e promover

as manifestações culturais, artísticas e religiosas da cultura afro, o poder público falha na

missão de construção de uma memória coletiva que torne possível a identificação cultural da

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cidade com a identidade negra que a compõe. Está, assim, a cidade ainda sujeita aos reflexos e

consequências cruéis dos esforços passados em se afastar a cultura negra e destruir suas

raízes, como fazia por meio das ordens impetradas contra os quilombos arredores, nos tempos

do Império.

Referências

FERREIRA, Ivan. Manifestações afros são incorporadas à cultura sem valorização dos negros. Disponível em https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/manifestacoes-afro-s ao-incorporadas-a-cultura-sem-valorizacao-dos-negros/. Acesso em 05 de outubro de 2018. FREITAS, Madalena Dias Silva. Manifestações culturais como forma de resistência do negro brasileiro: Festa da Congada. V Congresso Internacional de História, Jataí, 2016. Disponível em http://www.congressohistoriajatai.org/2016/resources/anais/6/147794 9441_ARQUIVO_Manifestacoesculturaiscomoformaderesistenciadonegrobrasileiro.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2018. JUIZ DE FORA. LEI N.º 5245 - de 08 de junho de 1977. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. ________________. LEI N.º 9213 - de 27 de janeiro de 1998. Dispõe sobre o Combate ao Racismo no Município de Juiz de Fora e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. ______________. LEI N.º 9796 - de 19 de maio de 2000. Cria o Conselho Municipal para a Valorização da População Negra e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI N.º 10.567 - de 24 de outubro de 2003. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 11.769 – de 26 de maio de 2009. Institui a Semana da Consciência Negra e da Cultura Afro-brasileira, incluindo-a no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI N° 11.979 – de 02 de março de 2010. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 12.144 - de 21 de outubro de 2010. Institui o Dia Municipal da Capoeira e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 13.109 - de 05 de março de 2015. Cria o Conselho Municipal para a Promoção da Igualdade Racial - COMPIR e o Fundo Municipal para Promoção da Igualdade Racial - FUMPIR e dá outras providências. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018.

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_____________. LEI Nº 11.714 – de 11 de dezembro de 2008. Dispõe sobre a instituição no Calendário Oficial do Município de Juiz de Fora, do evento que menciona. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 12.621 - de 09 de julho de 2012. Declara de Utilidade Pública, para fins de tombamento como patrimônio cultural da cidade, A Festa Alemã do Bairro Borboleta. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. _____________. LEI Nº 13.742 - de 06 de agosto de 2018. Declara o Bairro Borboleta como Bairro Alemão. Disponível em https://jflegis.pjf.mg.gov.br. Acesso em 30 de setembro de 2018. OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora. 2. ed. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria, 1966. ZUBARAN, Maria Angélica. Memórias e patrimônios documentais afrobrasileiros: implicações para a educação. Textura, Canoas, v. 18, n. 36, p. 230-249, jan./abr. 2016. Disponível em http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/txra/article/viewFile/1566/1462. Acesso em 30 de setembro de 2018.

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Poemas

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Casarão

Ana Luiza Brinati Medina

A luz se encolhe,

aos poucos,

sob o barulho estridente da cidade.

A multidão parece calar-se somente aos domingos,

e nos dias de velar os indigentes.

Ao longe, a funerária acolhe mais um

de seus vívidos corpos.

(Há muitas bocas numa morte pequena).

A criança prende-se ao colo da mãe,

os olhos castanhos mareados,

dois corpos entrelaçados como um.

O vento assobia no escuro dos meus ouvidos,

a pele brilha, os pelos arrepiados.

Ao fundo, o céu que voa,

os pássaros que se põem.

As senhoras adentram a padaria.

O café nunca pareceu tão fresco,

o pão nunca pareceu tão quente.

Ouço lentas buzinas,

e sinos abarrotando Igrejas,

colonizando índios,

decretando Inquisições.

Vejo cruzes e o Redentor,

sinto saudades do Rio.

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Poemas

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Concrescere

Daniela Dell’Isola

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Poemas

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Vale do Ácido Inoxidável Hugo Paiva Barbosa

Nasci no Vale

Cheio de Aço ao redor

Com usinas espalhadas

E eu cheirando pó

Pó de malha de ferro

Metais pesados por aí

Quanto mais olhava o espelho

Frio e térreo me senti

Frio do metal

Terra de onde ele vem

Mas se alguém coloca fogo

Pode esquentar também

O calor é insuportável

A dor, inimaginável

É por isso que a pele

É tipo aço inoxidável

O ferro vem é cru

Das montanhas de onde vem Drummond

Em Timóteo processado

Pra depois agradar fã

É o vício que consome

É um ar poluído

É barulho pra caralho

Pode até "surdar" ouvido

O que é derretido

Não é meramente o ferro

O coração de quem vive lá

Fundido no cemitério

Fundida tá a mente

Depois tanto cheirar pó

A barriga é só miséria

É fudida à quiproquó

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Fotografias

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Por Ana Luiza Brinati Medina, São João Del

Rey-MG (1 a 4).

1

2

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Fotografias

Alethes | 82

4. Fotografia eleita para compor a capa da edição.

3

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Fotografias

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6

7

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Fotografias

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Por Lucas Borges da Cruz, Juiz de Fora-MG (6 a 8).

6 8

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 87

Entrevista

Elione Guimarães é mestre e doutora

em História pela UFF, professora,

pesquisadora do Arquivo Histórico de

Juiz de Fora e autora de uma vasta lista

de livros. Em seus estudos se preocupa

com as leis, os direitos as concepções de

justiça em relação aos afrodescendentes

no escravismo e no pós-emancipação.

Dedica-se, ainda, a estudar o acesso à

terra por escravos e libertos, os usos, a

ocupação e as possibilidades de

manutenção da propriedade rural pelos

emancipados.

No dia 26 de outubro de 2018, a

pesquisadora do Arquivo Histórico de Juiz

de Fora Elione Silva Guimarães recebeu os

editores da Alethes Lívia Calderaro Garcia e

Felipe César de Andrade para uma

entrevista acerca do trabalho que realiza

no acervo, que tem sido uma prolífica

fonte de pesquisa para pesquisadores de

diversa áreas, além de todos os

interessados em conhecer a história da

cidade de Juiz de Fora e seu entorno.

Segue:

Alethes: A gente agradece o aceite do

convite Elione. A temática do próximo

dossiê é “Cidade e memória”, então a

gente gostaria de começar pelos

arquivos com os quais você trabalha

aqui no arquivo histórico de Juiz de

Fora. Você poderia contar um pouco da

importância do seu trabalho de

conservação realizado pela memória da

cidade? Também gostaríamos de

escutar algumas experiências e opiniões

pessoais, detalhes do funcionamento

aqui do arquivo, rotina e resultados

alcançados nesses longos anos em que

você trabalha aqui.

Elione: O trabalho da gente aqui no

arquivo começou em 1985, primeiro

com a documentação que já estava

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 88

acumulada pela prefeitura, e

posteriormente a gente recolheu outros

acervos. Você quer que eu fale da

documentação mais geral, que eu fale

dessa documentação mais relacionada à

questão criminal ou da documentação

do fórum?

A: Pode falar do arquivo primeiro e

depois você aborda esses pontos.

E: Então, quando a gente começou, a

documentação estava preservada.

Acredito que Juiz de Fora é uma cidade

privilegiada em termos de conservação

de acervos, porque a gente possui

diversidade, quantidade e qualidade de

material, então mesmo uma pessoa leiga

olha e fala “olha, esse documento tá

feio, tá sujo, tá precisando de

restaurar”. Aqui, o importante é que

eles estão num suporte que está

preservado, que a gente tem acesso à

informação e aqueles que a gente

considera ser necessário [passar por] um

trabalho de restauração é uma

quantidade pequena. Não só nesse

arquivo aqui da prefeitura, [também] no

arquivo municipal, tem vários outros

que também têm qualidade, quantidade

e bom estado de conservação. A gente

começou com esse acervo, e

posteriormente a gente foi recolhendo

outros acervos que estavam em risco,

tanto do próprio município, o distrito

sede, como nos distritos que pertencem

a Juiz de Fora. Por exemplo, a gente

recolheu a documentação cartorária de

Chapéu d'Uvas, Paula Lima, Rosário de

Minas e de Torreões, e também de

Vargem Grande, que é a atual Belmiro

Braga. A gente recolheu esses acervos

porque eles estavam em risco onde se

encontravam. Nós sempre acreditamos

que o melhor é que o acervo permaneça

no seu local de origem, [pois] assim ele

está mais perto da comunidade. Nós

pensamos que o acervo não é

importante só para a comunidade

acadêmica, mas para as pessoas, para o

cidadão, que quer conhecer sua história

ou que quer conhecer a história da sua

localidade, e o acesso para ele é mais

fácil se essa documentação ficar no

local de origem. A gente recolhe em

situações de risco. Desde então, a gente

procura fazer algumas ações no sentido

de conscientizar algumas cidades do

entorno, da microrregião de Juiz de

Fora, a também fazer esse trabalho de

preservação. Estamos sempre ajudando

apesar da escassez de recursos. Nós

ajudamos, por exemplo, Mar de

Espanha. Mar de Espanha tinha um

acervo em risco, porque o acervo

administrativo que lá havia estava

depositado numa sala na rodoviária da

cidade. A gente trouxe essa

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 89

documentação para cá, higienizou,

organizou, digitalizou e devolvemos

para o Centro Cultural de Mar de

Espanha. Eles montaram o Centro

Cultural com a documentação que a

gente devolveu organizada,

inventariada, disponível para pesquisa e

digitalizada com imagens para que eles

fizessem uso da forma que eles

achassem melhor. Então, se você vai

pesquisar isso, recebe uma cópia, recebe

acesso, então você tá não somente

preservando a documentação, mas

também fazendo circular. É claro que a

gente não deseja que algo assim

aconteça, mas, no caso de um acidente

como o que aconteceu no museu do Rio,

você tem pelo menos a documentação, a

imagem da documentação, que está

circulando, tem outras pessoas que

possuem [cópias dos documentos]

também. Nós recolhemos em 1995 o

acervo do fórum, que ia fazer uma

reforma e descartar a documentação

antiga que lá havia. Nós pedimos que

eles não se desfizessem dela assim,

porque tem uma lei que determina que

toda instituição é responsável pelo

acervo que produz e que recebe, mas

eles alegaram que não tinham condições

de manter, que essa documentação

antiga seria descartada, então nós

recolhemos uma parte e a Universidade

Federal recolheu outra. A gente tem

principalmente [documentos

relacionados a processos de] crime e a

federal tem principalmente o acervo

cível, embora a gente também tenha um

pouco de cível aqui, então, foi nesse

contexto que a documentação veio para

cá. Quando veio, estava tudo misturado,

porque ela estava depositada em uma

sala do fórum, sem organização. A

gente tem documentos de 1829 e

processos a partir dessa data é que

vieram para cá, pra ficar mais restrita a

essa documentação que veio do fórum.

A gente então organizou, e como nós

organizamos? Nós dividimos a

documentação em dois fundos, que são

os grandes grupos de documentos, a

gente dividiu no criminal e no cível. O

criminal a gente organizou de acordo

com o código [Penal] vigente à época],

então o primeiro é o de 1830, ele muda

em 1891, e ele muda de novo em 1942.

Então a gente faz esses grupos: a

documentação criminal no período

imperial, primeiro Código; do segundo

[Código Penal] até 1942; e de 1942 até

1945, que foi a data limite para o

recolhimento que a gente estabeleceu. E

aí a gente organizou de acordo com o

delito, então a gente olhou no código

quais são os delitos desse período e

organizamos de acordo com eles, sendo

então os de homicídio, ofensas físicas,

furto, roubo e etc, seguindo cada um

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 90

desses códigos conforme eu disse antes.

Dentro de cada tipo de delito a gente

organiza os documentos e processos em

ordem cronológica. Tivemos um pouco

mais de dificuldade para organizar a

parte do acervo cível, porque nós não

temos uma formação exatamente

técnica nesse ramo, então a gente

identifica o tipo de ação, por exemplo,

execução, inventário, testamentária etc.,

e a partir daí a gente separou,

conscientes de que estamos correndo

alguns riscos de não ter ficado cem por

cento né, mas era o que nós tínhamos

condições de fazer. Dentro disso nós

também organizamos em ordem

cronológica, então foi nessas condições

que a documentação veio parar aqui e

foi dessa forma que nós organizamos

essa documentação do crime e cível. O

acervo de documentação da justiça do

trabalho a gente também recolheu

porque ia ser eliminado e nós

recolhemos exatamente por entender

que a documentação, mesmo que não

tenha mais implicações legais, continua

tendo informação, então isso é

importante para a preservação da

memória e da história da cidade. Quanto

à documentação criminal, são duas

juntas, os processos são numerados e a

gente organizou seguindo a numeração

dos processos.

A: Como funciona a sua rotina aqui no

arquivo?

E: A rotina para pesquisa ou rotina

mesmo

de trabalho?

A: Pode falar dos dois, nós somos um

pouco leigos na área.

E: Assim, em relação ao trabalho, eu

sempre digo, a gente tem uma equipe

muito pequena. A gente já teve uma

equipe maior, mas nesse momento

somos só dois funcionários, o Henrique,

que é o diretor, e eu, cuja função é

principalmente coordenar os trabalhos e

os projetos educativos. Eu vim pra cá

para isso, a gente tem um projeto

educativo que chama “Arquivo escola,

um arquivo que ensina”. O nosso

objetivo é receber estudantes de todos

os níveis, desde os menorzinhos até a

pós-graduação, para que eles possam

entrar em contato com essa

documentação. Partindo do princípio de

que a história que está mais próxima é

aquela que mais interessa, que é mais

fácil de ser compreendida e que é a

partir daí que você vai ter um interesse

por uma história mais ampla é que a

gente fez esse projeto. Esse projeto

especificamente funciona assim: o

professor interessado agenda um horário

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 91

e pede um tema, e a gente vai tentar

atender de acordo com isso. Por

exemplo, um dos temas mais pedidos é

a questão da escravidão, então a gente

vai separar documentos variados que

falem sobre a escravidão em Juiz de

Fora, vai fazer uma palestra e vai

mostrar os documentos, nesse caso eles

vão ser mais ilustrativos.

A: Vocês fazem isso aqui no arquivo ou

vocês vão nas escolas?

E: A gente faz aqui no arquivo, teve

uma época em que a gente ia nas

escolas, mas como eu disse, a equipe é

muito reduzida, então ter que sair

complica muito para a gente, porque um

atendimento desse vai levar tempo. Eu

vou atender de 40 minutos a uma hora,

uma hora e pouco, dependendo do nível

do estudante, para os menores eu vou

falar um tempo menor, entre meia hora

d 40 minutos, porque eles vão se cansar

e se dispersar. Mas os adultos, por

exemplo, já da licenciatura, dos cursos

de pós graduação, para esses eu posso

falar por um tempo maior, em torno de

uma hora, uma hora e pouquinho. Mas

se eu tiver que sair da cidade, o tempo

que eu gasto para ir e voltar, a pessoa

que estiver aqui vai ficar sozinha.

Quando eu estou atendendo aqui eu só

vou me ocupar durante o tempo do

atendimento, então eu posso ajudar nas

outras atividades porque na organização

do acervo tem muita coisa já

organizada, mas a gente ainda tem

muita coisa por organizar, e mesmo que

já está organizado a gente procura

melhorar. Por exemplo, a gente fez um

banco de dados que está no site da

prefeitura, então você tem um link no

site da Prefeitura para o arquivo

histórico e os nossos inventários estão

lá, então, por exemplo, se você pedir os

criminais, verá listados todos os

processos que eu tenho aqui, e com o

cível a mesma coisa. A justiça do

trabalho a gente ainda não tem isso,

porque nós não conseguimos ainda

fazer os bancos de dados, então na

medida que o tempo permite, que o

atendimento permite, a gente vai

fazendo esse serviço. Eu costumo dizer

que aqui a gente joga nas onze e senta

no banco de reserva, você tem que fazer

um pouco de tudo.

A: Nesse banco de dados tem só o

número do processo ou ele aparece

digitalizado, na íntegra?

E: Eu não trabalho com o número,

digitalizado eu não tenho, então vou

explicar um pouco por aí. O que que eu

coloco nesse banco de dados e o que

que você vai ter nesse sitem nesse

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 92

inventário que você acessa pela

prefeitura, a gente coloca o tipo de

crime, a data, nome do réu e o nome da

vítima. Eu não posso detalhar muito

porque isso vai demandar muito tempo,

então, como eu disse, como a gente

ainda tem muita coisa precisando de um

atendimento mais urgentes a gente vai

fazendo aos poucos. Se você pegar o

Cível, ocorre a mesma coisa, mas, se

pegar, por exemplo, a documentação de

cartórios, eu tenho do cartório Maninho

Farias, que é o primeiro cartório de

notas, nesse caso, eu tenho o livro de

notas do período tal, tal e tal. livro 1,

livro 2 do período tal, tal e tal, então é

uma coisa assim mais geral, não tá

detalhado, eu não tenho o nome das

pessoas que tem esses livros, escrituras

de compra e venda, escrituras de

perfilhação, então eu não vou ter os

nomes, não vou ter as datas, esse nível

de detalhamento eu não tenho para esse

acervo. Quanto a digitalizar, a gente

pretende digitalizar e colocar tudo na

internet, nós temos até parte do acervo

digitalizado, o que a gente não teve

ainda foi condições de colocar na

internet, já tentamos com a prefeitura,

mas ela diz que precisa de um servidor

com uma capacidade que ela alega não

possuir, já tentamos fazer alguns

projetos e conseguimos aprovação para

alguns que infelizmente não puderam

ser executados. Depois desses nós não

tivemos mais oportunidades, por

algumas razões, uma delas é que não é

sempre que abre um edital para o qual

você consegue se candidatar, pois às

vezes são exigidas coisas que a gente

não tem, como por exemplo, sede

própria, pois o prédio é alugado, então a

gente acaba não podendo concorrer, por

exemplo. E agora com a crise, a gente

não tá tendo essa oportunidade, mas a

ideia é essa, é digitalizar. A gente vai

digitalizando de qualquer forma porque

é uma forma de preservação, às vezes

eu não tenho condições sequer de deixar

que aquele que veio pesquisar tenha

acesso ao documento físico, eu vou dar

acesso à imagem do que eu já tenho

digitalizado, porque eu não tenho

computadores para poder disponibilizar.

Então, quando é um documento que está

muito fragilizado, como por exemplo, a

gente tem um acervo de plantas da

cidade de coisas que foram construídas

ou não, tanto públicas quanto

particulares, e eu estou digitalizando

todas as plantas, e até onde eu já

digitalizei eu não dou mais acesso ao

físico, porque é um suporte muito frágil,

então se as pessoas ficarem manuseando

a gente vai perder esse suporte material

e vamos perder a informação. A mesma

coisa são os jornais, que também

ressecam muito, então eu ainda não tive

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 93

condições de digitalizar, a gente até já

começou a digitalizar aqueles que estão

mais danificados para não dar mais

acesso, mas também ainda é um

trabalho que está em processo e a gente

às vezes é muito atropelado pelas

necessidades. Se eu recolher um acervo

hoje, por exemplo, ele chega aqui e eu

tenho que parar o serviço que está sendo

feito, de digitalização, por exemplo, que

tá sendo feito para poder higienizar essa

documentação e organizar para

disponibilizar para pesquisa. Aí eu paro

o outro e venho para esse, e como eu

disse é uma equipe pequena hoje, com

dois funcionários e quatro estagiários,

então a gente tem que ir dividindo o

trabalho de acordo com as

possibilidades.

A importância disso para a

preservação da memória acho que já

ficou mais do que evidente, porque é

uma documentação muito variada, então

eu vou comentar por alto sobre o que a

gente tem aqui. A gente tem a

documentação administrativa desde

1853, quando foi instalada a primeira

Câmara até 1945. Temos a

documentação criminal desde esse

processo que foi aberto em 1829 até

1945, temos cível, a documentação de

cartórios que, como eu falei para você,

os livros de notas, alguns registros do

distrito-sede não [possuímos], mas a

gente tem registro de casamento,

nascimento e óbito para Vargem

Grande, Rosário, e Torreões. Temos

dois títulos de jornais, o Mercantil e o

Da Tarde, a gente tem a documentação

da Justiça do Trabalho, então você pode

estudar os mais diferentes temas, e não

só sob a perspectiva da história, mas sob

as mais diversas perspectivas, por isso

eu disse que a documentação é muito

rica. Juiz de Fora com certeza é um dos

poucos lugares no Brasil que possui

tanta diversidade de tipos de fontes que

te permitem fazer estudos, você me fez

uma pergunta antes, a gente volta nela

agora, da forma que eu consegui

trabalhar. Essa diversidade acho que

ajuda pra isso, então a gente está

preservando a memória e esse trabalho

educativo também contribui com isso.

eu já tive aqui alunos que vieram com a

escola e que depois voltaram num outro

horário, por exemplo, um deles voltou

com o avô, disse “achei que meu avô ia

gostar de conhecer isso aqui”. Eu achei

isso muito lindo, uma criança que

voltou com o avô porque o avô ia

lembrar de coisas e ia gostar! Eu tive

um pai que depois que a escola veio ele

alugou uma van e voltou com a filha e

um grupo de amiguinhas, passou um dia

aqui, passou a tarde inteira aqui comigo

para poder fazer mais, eu tive alunos

que não queriam ir embora, então eu

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 94

acho que com isso a gente acaba

contribuindo para a formação de um

cidadão consciente da importância da

preservação da memória né, desse

conhecimento. Tem uma frase que eu

costumo usar sempre aqui que é assim

“a gente só briga por aquilo que a gente

ama, mas a gente só ama aquilo que a

gente conhece”, então na medida em

que você conhece a história da sua

cidade, a luta das pessoas que vieram

antes de você para preservar, para

transformar, pois essa cidade era um

brejo, [e hoje] esse centro é bonito,

eisso foi possível graças a luta dessas

pessoas, e que se lá no meu bairro eu

tenho uma série de problemas que me

remetem a como era essa cidade no

passado o que tá faltando para melhorar

esse bairro? São as ações políticas, e o

resultado disso é a organização, é luta, é

reivindicação, é participação, então eu

acho que a gente contribui um pouco

para a formação das pessoas como

cidadãos conscientes da importância da

preservação, da importância da atuação

do cidadão nessa transformação.

A: Em relação ao seu livro Aspectos

Cotidianos da Escravidão em Juiz de

Fora, qual foi a metodologia de

pesquisa utilizada? Historiográfica?

Etnográfica? Você teve acesso a algum

tipo de relato?

E: Esse livro eu fiz com Valéria Alves

Guimarães, minha amiga, que na época

era estagiária aqui no Arquivo. Na

verdade, esse livro é muito

despretensioso, pois eu comecei com

esse projeto educativo que eu comentei

antes, por uma coincidência, no mesmo

ano em que mudou os parâmetros

curriculares. As professoras, desde o

ensino fundamental, passaram a ensinar

história e geografia local, porém com

dificuldades, porque na época não tinha

muita publicação de livros e elas tinham

que trabalhar, para poder levar isso para

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 95

sala de aula, em cima de algumas teses

e dissertações com uma linguagem

muito academicista, não acessível nem

mesmo para o professor, que muitas

vezes não tinha uma formação em

história, ou até para uma professora,

uma normalista, uma pedagoga; claro

que era muito mais fácil para essas, mas

tinha muitos jargões, que a gente usa

cada um na sua profissão e que, às

vezes, dificultam um pouco a

compreensão. Então as professoras

chegavam aqui e pediam para falar

sobre a história da cidade. Só que é

impossível você falar sobre a história da

cidade em 40, 50 minutos, então

procurávamos abordar alguns pontos.

Passei a observar nesses encontros que

um dos temas que mais chamavam

atenção era justamente a questão da

escravidão e mesmo os professores, às

vezes, surpreendiam-se. Friso que não

eram professoras com formação em

História, mas sim normalistas,

pedagogas. Até mesmo nós que fizemos

o curso de História, na época, não

tínhamos a história local muito

trabalhada, logo esta dificuldade era

mais do que compreensível.

Quando se falava que “Juiz de

Fora tinha tantos escravos… era o

município com maior número de

escravos na província…”, província que

possuía um dos maiores quantitativos de

escravos do Brasil, as pessoas se

surpreendiam: “nossa mas teve

escravidão em Juiz de Fora?”. Então é

aquilo: a gente é uma coisa e a história é

outra coisa, como se não fizéssemos

parte dela, quando a história é feita por

todos e cada um de nós. Foi observando

isso que eu e Valéria resolvemos montar

nesse ponto um material para podermos

trabalhar nas aulas mesmo, já que, como

eu disse, era um dos temas mais

solicitados, então fomos separando

alguns documentos. Portanto, a pesquisa

foi historiográfica e os documentos

entraram quase que para ilustrar.

Algumas questões já tinham sido

trabalhadas por alguns estudiosos da

cidade, principalmente pelo Professor

Rômulo Andrade, produtor do primeiro

trabalho mais voltado para pesquisa

empírica sobre escravidão em Juiz de

Fora; contudo, algumas questões ainda

não haviam sido trabalhadas por

ninguém, mas sempre eram

questionadas: as crianças perguntavam e

eu ficava meio sem resposta! Foi a

partir daí que eu comecei a estudar a

questão da escravidão mesmo, para

tentar responder algumas das questões

que me eram colocadas. Naquele

momento, em 1995, a gente não tinha

muitas respostas e hoje nós temos vários

trabalhos tanto sobre escravidão como

sobre outros temas.

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 96

Agora lembro que na pergunta

anterior faltou falar sobre isso, mas eu

separei alguns livros, não todos, mas

alguns, que eu tinha e que trabalharam

também sobre essa documentação. Para

vocês terem ideia, esse, do Denilson

Barbosa, Movimento Operário e o Uso

da Justiça do Trabalho; esse de

economia da Rita de Cássia Silva

Almico, Em Nome da Palavra e da Lei,

ela que trabalhou principalmente com as

ações de execução de dívidas; esse

trabalho da Sônia Maria de Souza,

Terra, Família, Solidariedade:

estratégias de sobrevivência camponesa

no período de transição - Juiz de Fora

(1870-1920), que pesquisou muito aqui

com a gente e também pesquisou essa

documentação criminal. Esses são

alguns que eu deixei para vocês, mas há

mais uma quantidade de trabalhos de

mestrado e de doutorado, que não estão

publicados, porém que mesmo assim

conseguimos ter acesso fácil. O livro

Aspectos Cotidianos da Escravidão em

Juiz de Fora foi pensado sem maiores

pretensões, como forma de auxiliar o

professor, para que ele pudesse ser

utilizado por alunos de oitava série, do

Ensino Médio. Hoje eu tenho minhas

dúvidas se ele atinge esse aspecto,

apesar de se poder observar que ele tem

bastantes imagens de documentos.

Nosso objetivo também era divulgar o

Acervo, além de facilitar o acesso à

informação.

A: Queria aproveitar nessa mesma

questão, pois é uma pontuação muito

interessante, que você tinha até

comentado na resposta da pergunta

anterior: Você vê algum exemplo de

algum aspecto desse cotidiano de

escravidão em Juiz de Fora que ainda

permanece?

E: Que bom que você lembrou! Neste

livro eu trabalhei, em um capítulo, sobre

o movimento dos negros nas últimas

décadas e há diversas histórias de

encontros que se realizavam ali no

Largo do Riachuelo. Eu queria contar

umas histórias para vocês! Quando eu

comecei esse trabalho que eu falei para

vocês da escola, a Soraia e o Ernesto,

amigos meus que eram professores, na

época davam aula na escola do bairro

Floresta. Eles então vieram aqui e

disseram: “Elione, a gente queria que

você fosse no bairro Floresta”, e eles

contaram uma história de uma escrava

que teria suicidado no açude da Fazenda

da Floresta, no período da escravidão:

ela estava com duas crianças e,

segurando-as, matou-se, jogando-se no

açude, matando as crianças também.

Existe a história que é possível ver a

escrava saindo e passeando pelo bairro

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 97

Floresta e, com isso, eu falei assim:

“Soraia, eu tenho um processo criminal,

que não foi no bairro da Floresta, mas

que a escrava se joga no açude e estava

com uma criança em cada mão. Ela se

jogou com as crianças, que começaram

a chorar, até que alguém ouviu e

conseguiu tirar uma das duas crianças,

morrendo a escrava e a outra criança”.

Mesmo então não tendo acontecido no

bairro Floresta, é aquilo que fica na

mentalidade, que vai passando de um

para o outro, que vai perdendo um

pouco, vamos dizer assim, a

especialidade, mas que fica na memória,

as pessoas vão contando. Assim, eu fui

no bairro Floresta, e a Soraia pediu,

[pois] na época a gente saía, ia às

escolas, e levei esse processo, reuni as

crianças da escola inteira no pátio, para

falar no geral sobre escravidão, e

comentei sobre o processo. Coloquei na

mesinha que eles arrumaram minha

exposição e eles faziam fila para ver o

processo, todo mundo queria ver...

Depois, eu conversava com as Azarias

do movimento negro, que moram no

bairro Floresta, que me disseram que lá

é um bairro muito frio, então tem

aquelas névoas, e é isso que, na

mentalidade das pessoas, perpetua essa

lenda da de que a escrava passeia pelo

bairro Floresta. Isso é interessante

porque a memória guarda, recria,

acrescenta elementos que

necessariamente não correspondem aos

fatos, mas ela tem uma uma relação,

como nesse caso do bairro Floresta.

Eu tive aqui um outro estagiário

aqui que era de São Sebastião do

Barreado e contou que lá umas crianças

negras iam na beirada da mata das

fazendas para pegar comida e,

conversando, falei para ele que no

período escravista muitos fugiam para

dentro das próprias matas, porque, às

vezes, não dava para fugir para longe.

Há um caso de um processo que um

cara saiu para caçar na Fazenda da

Graminha, entrou na mata e não voltou.

Ai as pessoas da Fazenda saíram para

procurar e o encontraram morto; o outro

negro estava ferido e foi interrogado.

Ele fala: “Há muitos anos eu fugi para

dentro das matas do meu senhor.

Encontrei com outra pessoa que estava

fugindo também dentro da mata e ele

me chamou para vir para cá para essas

matas, porque aqui tinha muita caça

para a gente sobreviver. Então chegou

esse caçador e deu voz de prisão para a

gente. O outro conseguiu fugir, mas eu

fiquei ferido e não pude acompanhar, e

nesse conflito acabou matando outro”.

Por isso o que se conta é que os cativos

que estavam no trabalho deixavam

próximos das matas alimentos para que

as pessoas que estavam na mata fugidos

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

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pudessem se alimentar, além da caça.

Lendo vários processos, há relatos de

que eles iam no pomar da Fazenda

durante a noite para pegar frutas, ou no

milharal, ou no feijoal. E muitos

conflitos decorriam dessas situações.

Essas são algumas histórias, se ficarmos

aqui pensando, contando histórias,

durariam meses. Sobre o largo do

Riachuelo, que eu conheço mais são de

quando eu ia muito na escola e ouvia

algumas professoras contar que era

proibido para os negros passar na Rua

Halfeld. Eu não sei qual o fundamento

disso, mas está na memória. Pedro Nava

fala da “cidade dividida”, que da

Halfeld para lá [direção ao Largo do

Riachuelo] era a cidade dos ricos e dos

brancos, e da Halfeld para cá tudo era a

cidade dos negros e dos pobres.

Acredito que haja esses resquícios.

Outra coisa que é importante de

se falar: quando lançamos esse livro

pela Funalfa, eu fiz um projeto muito

simples e pedi o apoio da Lei Murilo

Mendes, o qual ganhamos. Nunca

tínhamos publicado antes, Valéria e eu,

e não pedimos [verba] para correção

ortográfica nem para ilustrar, só

pedimos o dinheiro para a gráfica; uma

pessoa da Prefeitura fez a correção

ortográfica para mim, o Rogério que

trabalha na Prefeitura fez a diagramação

com as imagens, com os documentos...

Ficou lindo, mas dobrou de preço. Por

isso tive que negociar tudo, porque me

falaram que ficou muito bonito, que

tínhamos que publicar desse jeito, e

acabei conseguindo o apoio da

Secretaria de Educação, que deu uma

parte, e da Secretaria de Administração,

que deu mais uma parte, e eu pude fazer

o livro desse jeito. O Jorge Sanglard era

assessor de imprensa da Funalfa e fez

uma divulgação muito bacana para o

meu livro, e eu acho que é o primeiro

livro, não o primeiro trabalho ou a

primeira pesquisa, mas sim o primeiro

livro sobre escravidão em Juiz de Fora.

As pessoas me ligavam de todos os

lugares de Minas, como alguns

professores que eram de Juiz de Fora,

porém estavam dando aula na UFMG,

que falaram que ficaram felizes em

saber que arquivos estavam sendo

recuperados e em ter uma pesquisa

sobre o tema. Foi divulgado em vários

jornais e teve um lançamento que achei

que não fosse ir ninguém, porque,

quando você tem os alunos, vocês

divulgam, mas eu estava aqui isolada,

né? Eu nem pedi coquetel - hoje nem

pode, mas na época podia. Quando eu

cheguei estava lotado! Isso porque foi

muito divulgado e eu não tinha livro

para vender, já que eu nunca vendi um

livro desse; eu pedi o livro todo para

doação para as escolas. Então eu doei

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 99

uma quantidade maior para a biblioteca

da Secretaria de Educação, para que eles

pudessem emprestar para as escolas, e

me esforcei para que chegasse um

exemplar em cada escola da cidade,

fosse Municipal, Estadual, até mesmo

Federal. Tentei divulgar o livro o

máximo o possível, porque o importante

para mim era que fosse divulgado

informações do Acervo, o potencial de

pesquisa, porque, não sei se vocês

repararam, mas algumas coisas que são

só apontadas aqui, hoje existem várias

pesquisas, por exemplo, a dissertação de

mestrado da Ana, que trata exatamente

sobre suicídio de escravo, com base na

documentação aqui do Acervo. O

Cristiano fez sobre os furtos feitos pelos

escravos nas propriedades escravistas.

Enfim, o coquetel estava lotado e as

pessoas queriam comprar livro e não

tinha livro para vender, era só mesmo

para escutar o que eu tinha para falar e

procurar ler o livro em outros lugares.

Chegou perto de mim uma pessoa que

disse trabalhar em uma rádio

comunitária em um bairro negro e

queria o livro para poder divulgar.

Então dei um livro pra ele, pois isso

também estava dentro dos meus

objetivos. Passou um tempo e um amigo

meu que trabalhava aqui no Arquivo

(agora está aposentado) encontrou-se

com esse homem na rua e perguntou se

ele tinha lido o livro. Ele disse que

ainda não, porque a mãe dele não

largava o livro e ainda que ela disse que

sabia uma porção daquelas histórias.

Então isso para mim foi muito

gratificante, porque de certa forma é o

encontro da comunidade com a sua

história. Dentre aquelas pessoas que me

ligaram, uma moça que conversou

muito tempo comigo, falou: “Eu sou

negra e eu queria agradecer, porque eu

estou muito feliz de ver a minha

história, de ver história do meu povo,

ganhar essa projeção”.

A: Continuando a entrevista, vamos

falar agora sobre o livro “Múltiplos

viveres de afrodescendentes na

escravidão e no pós-emancipação”.

Diante dessa temática, também queria

falar um pouco da questão da zona

rural de Juiz de Fora e o seu entorno, a

microrregião da Zona da Mata. Como

foi o processo de reassentamento de ex-

escravos na região após a abolição?

Quais os tipos de empecilhos os negros

encontraram no acesso à terra e sobre

conflitos na senzala?

E: O trabalho que eu desenvolvi e que

deu origem ao livro Múltiplos viveres de

afrodescendentes na escravidão e no

pós-emancipação vai tratar

principalmente da Fazenda Boa Vista,

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 100

então é mais um estudo de caso.

Posteriormente, eu fiz vários outros que

também convergem com que eu

encontrei aqui. Eu procurei trabalhar

essa questão da possibilidade de acesso

dos negros ao pedaço de terra, fosse no

período da escravidão ou no pós-

emancipação, e tentei perseguir algumas

histórias que me permitissem realmente

compreender na prática como e se isso

ia acontecer.

O livro "Terra de preto", que eu

considero uma continuidade, aborda

outras histórias e todas as minhas, pelo

menos, convergem nessa mesma

direção. É muito difícil você encontrar

na fonte, por exemplo, uma escritura de

compra e venda ou um inventário de

uma pessoa parda ou negra. Você não

conhece essa informação, porque você

comprou uma terra em Paris. Eu, Elione

branca, comprei um pedaço de terra, ou

eu fulano negro vendi um pedaço de

terra. Então, eu tive essa dificuldade

para encontrar as fontes que, a

princípio, poderiam me levar a essa

questão da posse da terra, e eu tive que

encontrar uma forma de chegar até lá.

Então, eu parti da leitura de todos os

testamentos dos proprietários de terras

em Juiz de Fora e fiz uma seleção de

todos aqueles que deixaram algum bem

para escravos, que então eram

libertados, ou para algumas pessoas que

já haviam sido libertados antes da morte

desse senhor e que para as quais ele

deixou um pedaço de terra. Na verdade,

eu fiz um levantamento de qualquer

bem que ele tenha deixado para

escravos ou libertos. E muitos deixaram

um pedaço de terra, principalmente

aqueles que não tinham herdeiros, que

eram pequenos proprietários, mas que

costumavam deixar tudo o que tinham.

No caso de grandes pedaços de terra, foi

o que eu acompanhei aqui no Múltiplos

viveres [de afrodescendentes na

escravidão e no pós-emancipação]. De

uma forma geral, eu acredito que o fim

da escravidão, com a proclamação da

Lei Áurea, em Juiz de Fora e aqui na

sua região não provocou, talvez em um

primeiro momento, mas não logo

depois. Eles [os negros] vão continuar

trabalhando nas fazendas de café. Na

nossa realidade, o que as fontes

mostram é que eles vão continuar,

majoritariamente, nas fazendas cafeeiras

trabalhando como assalariados, como

meeiros, como colonos. São várias as

formas de contrato de trabalho, mas eles

vão continuar majoritariamente é

trabalhando nessas propriedades.

Os que tiveram acesso à terra

através da herança vão permanecer nos

pedaços de terras que receberam e vão

ter uma certa dificuldade dependendo

do lugar em que eles estão assentados.

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 101

O que eu percebi, e outros

pesquisadores apontam em outras partes

do país, é que vocês ficam ali, tocando a

vida, até que começa o processo de

valorização da terra, aí nesse momento

eles começam a ser expulsos. Por

exemplo, a Fazenda Boa Vista está

naquela região de Benfica, Igrejinha,

aquele parte ali... Então eles receberam

a terra, eles ficaram ali, vão tocando, até

que começa a valorizar, porque ali em

Benfica tinha a maior feira de gado de

Minas, então as pessoas vinham trazer o

gado para ser comercializado, e as terras

no entorno começam a ser valorizadas,

porque elas são usadas para as

invernadas, que são os passos para

engorda do gado, pra ele recuperar o

peso que perdeu no trajeto pra cá, e

nesse processo eles começam a ser

expulsos de suas terras. Acredito eu que

é mesma lógica do que ocorre hoje com

o crescimento da cidade, em que essas

fazendas são hoje os nossos bairros, por

exemplo, Dom Bosco que é um bairro

negro.

A: A gente já falou de como ocorreu o

processo de ocupação dos negros na

região, agora eu queria falar deste

processo nos bairros de Juiz de Fora.

Como foi o processo de assentamento

dos negros na cidade de Juiz de Fora?

E: Pois é, aqui que eu disse para você

eu teria menos propriedade para

responder. Tem algumas questões que a

gente não consegue chegar, por

exemplo, como se deu esse processo de

ocupação do bairro Dom Bosco, que é

um bairro com uma população negra tão

forte. Especula-se que é relacionado

com a questão dos quilombos, mas eu

não posso te falar com certeza. O Santa

Efigênia e o São Benedito... O Floresta,

eu conheço menos em termos dessa

característica, mas na fazenda do

Floresta tinha um quilombo. E só para

ficar bem claro, pela legislação, se não

me engano, a partir de três ou quatro

indivíduos já era considerado um

quilombo. Então quando a gente fala no

quilombo, para o senso comum, se

remete a Palmares, aquela coisa grande,

um monte de gente aglomerada, quase

uma vila, mas não necessariamente era

assim. Como eu disse, muitos vão se

aquilombar no interior das matas, então

no interior da fazenda da Floresta tinha,

pelo menos havia em jornais da época,

denúncias de que havia um quilombo na

fazenda da Floresta. Agora vamos

imaginar, a cidade de Juiz de Fora,

como eu falei antes, tinha uma

população de pessoas escravizadas

muito grande, então você tem uma

Carta de Ofício da década de 1860, do

Governo da província, perguntando para

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 102

o governo do município como e o que

se produzia na região, e como era

composta a população. E a resposta era

que a gente produzia café e que dois

terços da população do município era

composta de escravos. Olha só, dois

terços de escravos, e dentro desse um

terço restante tem os negros livres.

Então a população da cidade de Juiz de

Fora era uma população negra, a

população de Minas no século 18, ela só

perdia em termos de população negra e

parda, aqui considerando todos os

afrodescendentes, só perdia para Bahia.

Era a segunda maior população negra

do Brasil, então tem essas questões

todas, e eu acho que a gente ainda não

conhece a história mesmo de ocupação

dessa cidade, nesse sentido desse

assentamento. O que eu sei e o que a

historiografia aponta que é mais na

década de 1920 é que vai haver mais

uma expulsão do campo em direção à

cidade.

A: Os seus textos são marcados pela

interdisciplinaridade. Observa-se, além

de toda análise histórica, um diálogo

com a antropologia, sociologia,

economia, geografia, urbanismo e com

o direito. Quais são os percalços desse

trabalho tão rico? Você acredita que a

academia, de modo geral, também tem

caminhado nessa mesma direção?

E: Então, na verdade eu fiquei muito

feliz com essa leitura que vocês

fizeram, porque a gente até tem uma

pretensão, mas nunca sabe o quanto

conseguiu atingir. Eu entendo a história

dessa forma, entendo-a como um

mecanismo para a gente tentar explicar

passando pelo todo, porque tá todo

mundo interligado. Eu acredito que a

dificuldade de fazer um trabalho dessa

forma, que aborde tantos campos do

conhecimento, são alguns limites

impostos pela academia. Por exemplo,

eu estou aqui há 33 anos, o que faz com

que eu conheça essas fontes como a

palma da minha mão. Eu conheço

também o conteúdo de boa parte das

fontes, claro que não sei tudo de cabeça,

mas eu sei, muitas vezes, onde eu posso

tentar encontrar uma informação. Então

eu acho que isso, nesse sentido, me

facilita a fazer esse tipo de pesquisa que

busca dialogar. Isso pois, eu não

trabalho apenas com uma fonte, eu não

consigo, porque me incomoda

profundamente pensar que pode existir

uma informação em outro lugar e eu

não fui naquele lugar saber se ela

realmente existe. Acho que isso talvez

me permita esse diálogo com esses

vários campos e eu acho que essa é a

dificuldade para outras pessoas

realizarem esse trabalho. E a gente sabe

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Entrevista com a professora Elione Silva Guimarães

Alethes | 103

que há prazos na academia; então você

tem um mestrado e sabe que terá que

fazer dois anos, o doutorado em quatro

anos, e nesse meio tempo você tem um

monte de coisa para ler, você tem um

monte de arquivo para visitar, de coisa

para coletar. Assim, os prazos acabam

impedindo que você faça um trabalho

percorrendo todos esses caminhos.

Quanto à academia, acredito que ela

tem feito um esforço nesse sentido.

Percebo mais pessoas trabalhando com

o intercruzamento de fonte, tentando

trabalhar com trajetória, o que exige que

você trabalhe com múltiplas fontes,

contudo, as dificuldades pontuadas

ainda persistem.

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Normas de Publicação

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Normas de Publicação 1. Das Regras Gerais dos artigos

1.1. Todo artigo deve ser de autoria exclusiva de graduandas e/ou graduandos, regularmente matriculados em curso de graduação, não havendo restrições com relação à área de conhecimento a ser abordada no trabalho, desde que dialogue com a temática jurídica;

1.2. Os trabalhos poderão ter um máximo de 4 (quatro) autores/as, sendo que somente será aceito para avaliação 1 (um) trabalho assinado como primeiro autor/a, cabendo aos demais coautoria;

1.3. Os trabalhos devem conter um mínimo de 15 (quinze) e máximo de 25 (vinte e

cinco) laudas, contando os elementos pré e pós-textuais; 1.4. Para a submissão de trabalhos, o/a autor/a deve enviar 3 (três) arquivos em

formato Word (.doc ou .docx) para o e-mail do periódico ([email protected]): Um arquivo Word com o texto completo do trabalho; um segundo arquivo Word com o texto completo do trabalho sem a identificação do/a autor/a; e um terceiro documento Word com apenas os dados do/a autor/a, sendo essencial informar a área do Direito abordada diretamente no trabalho, nome completo, instituição de ensino, e-mail e telefone; 1.4.1. O/A autor/a deverá, ainda, atestar por meio de comprovante de matrícula,

ou outro meio que couber, que está regularmente matriculado/a em curso de graduação, como prevê 1.1;

1.4.2. As disposições de 1.4.1 devem vir no terceiro documento Word previsto em 1.4, trazendo as devidas informações especificadas;

1.4.3. Os trabalhos deverão ser enviados, EXCLUSIVAMENTE, para o endereço indicado acima, ficando os autores desde já cientes de que o envio por qualquer outro meio de comunicação do periódico ou dos editores implicará na eliminação sumária do trabalho enviado.

1.5. O trabalho submetido deverá ser inédito, e não estar sob avaliação de nenhuma

outra revista. Contudo, obras publicadas em anais de congresso e outros eventos acadêmicos podem ser submetidas ao periódico, desde que apresentem alterações substanciais;

2. Critérios de avaliação e aceitação do artigo

2.1. Todo trabalho será submetido à análise do Conselho Editorial, sendo enviados a dois pareceristas anônimos para avaliação de conteúdo, segundo o método de avaliação duplo-cego por pares;

2.2. As e os pareceristas serão definidos pelos editores de acordo com a área de

atuação/formação, a qual deverá ser, na máxima medida do possível, coincidente com a temática do artigo a ser avaliado;

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Normas de Publicação

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2.3. As e os pareceristas deverão optar por uma das seguintes recomendações:

aprovado; reprovado; aprovado com ressalvas; 2.4. Os artigos serão submetidos à avaliação técnica (adequação às normas da

ABNT e formatação conforme o disposto neste edital), que poderá pesar no juízo de ponderação;

2.5. Recebidos os pareceres pela editora ou pelo editor, a mesma ou o mesmo definirá a publicação ou não do trabalho, levando em consideração as avaliações das e dos pareceristas e as análises do item 2.4; 2.5.1. Caso ocorra no item 2.3 uma aprovação e uma reprovação, o trabalho será

analisado pelas editoras e pelos editores do periódico, que realizarão um juízo de ponderação;

2.6. Caso o trabalho seja reprovado, serão encaminhadas as devidas justificativas;

2.7. Os pareceres poderão conter indicações bibliográficas, sugestões de mudança

na estrutura do texto, acréscimo ou subtração de informações, críticas, elogios e outras observações consideradas pertinentes para o aprimoramento do trabalho e para a adequação aos critérios definidos neste edital;

2.8. Feitas as alterações pelas autoras e pelos autores, caso sejam aprovadas pelo

conselho editorial, o artigo será publicado. A Alethes, no entanto, reserva-se o direito de colocar os trabalhos para números seguintes conforme conveniência, sendo que será enviado o informe e a devida justificativa ao/à autor/a;

2.9. O processo de análise dos artigos terá o prazo de 30 a 60 dias, que se iniciará

com a confirmação do recebimento da submissão. 2.10. Serão utilizados como critérios pelos sujeitos envolvidos na avaliação dos

trabalhos: a adequação à metodologia científica, a relevância do tema e a originalidade da abordagem, o bom delineamento do objeto de pesquisa, a qualidade na seleção e no manejo da bibliografia pertinente, a utilização da norma padrão da língua portuguesa, a adequação às normas da ABNT e outros que forem julgados pertinentes;

2.11. A decisão do conselho editorial é final, não sendo passível de recurso.

3. Estrutura e Formatação do artigo

3.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm);

3.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores. Times New Roman,

tamanho 12; 3.3. Margens 2,5cm X 2,5cm;

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Normas de Publicação

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3.4. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da margem esquerda e sem espaço entre parágrafos;

3.5. Corpo do Texto

3.5.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português e em inglês, com máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New Roman, Tamanho 14, destacado em negrito;

3.5.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita;

3.5.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de ensino e o curso;

3.5.4. Na primeira página deve conter, ainda, resumo em português e inglês. Estes devem ser antecedidos pela expressão “Resumo:” e “Abstract:”, respectivamente, e destacadas em negrito, um espaço acima do corpo textual;

3.5.5. Os resumos devem ter máximo de 150 (cento e cinquenta) palavras, fonte Times New Roman, tamanho 12, espaçamento simples entre linhas;

3.5.6. As palavras-chave devem figurar logo abaixo do resumo, em um número máximo de 5 (cinco), em português e inglês, antecedidas das expressões “Palavras-chave:” e “Keywords:”, respectivamente; espaçamento simples; separação entre elas por ponto e finalizadas também por ponto;

3.5.7. É facultado ao/à autor/a optar pela versão em espanhol do resumo e das palavras chave, além da versão em inglês;

3.5.8. O texto, de forma geral, deve ser digitado em fonte Times New Roman, tamanho 12, alinhamento justificado;

3.5.9. Os títulos e os subtítulos das seções do artigo, excetuando-se a introdução e a conclusão, devem ser numerados e destacados em negrito, fonte Times New Roman, tamanho 12. Devem ser antecedidos e sucedidos por um espaço de uma linha;

3.5.10. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em sequência, fonte Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou elucidação que se faça necessário remeter;

3.5.11. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência, conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas com recuo à esquerda de 4 cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a devida referência no padrão (AUTOR/DATA);

3.6. Referências Bibliográficas

3.6.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;

3.6.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do texto;

3.6.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito; 3.6.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os

padrões estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);

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Normas de Publicação

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3.7. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item 5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;

3.8. Pequenas variações no tamanho dos artigos, tanto aquém como além dos limites definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.

4. Das regras gerais dos Poemas

4.1. Os poemas devem ser de autoria exclusiva de graduandas e graduandos,

regularmente matriculados/as em curso de graduação; 4.2. O texto literário deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes

de textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido submetido a nenhum outro edital;

4.3. Os textos devem prezar pela idoneidade, não possuindo conteúdo que possa

constituir ofensa à liberdade de crença, dados e informações discriminatórias ou quaisquer ofensas a direitos humanos;

4.4. Os trabalhos não devem conter mais de duas (2) páginas e serão publicados

conforme a formatação adotada pelo Periódico Alethes, resguardadas as características identitárias do texto literário submetido; 4.4.1. Os autores e as autoras poderão submeter o seu trabalho na forma que

julgarem adequada, cabendo à editoração do periódico Alethes o esclarecimento de eventuais dúvidas;

4.5. O trabalho literário deverá ser submetido em formato Word (.doc ou .docx)

para o e-mail do periódico ([email protected]): um arquivo Word com o texto e a devida identificação do/a autor/a; um segundo documento Word com apenas os dados do/a autor/a, sendo essencial dizer o nome completo, a instituição de ensino, e-mail e telefone; 4.5.1. Os trabalhos deverão ser enviados, EXCLUSIVAMENTE, para o

endereço indicado acima, ficando os autores desde já cientes de que o envio por qualquer outro meio de comunicação do periódico ou dos editores implicará na eliminação sumária do trabalho enviado.

4.6. Os trabalhos serão publicados na ordem de recebimento e não serão

submetidos a avaliações de conteúdo, prezando sempre pela liberdade literária e idoneidade de seu/sua autor/a; 4.6.1. O Periódico Alethes reserva-se no direito de publicar quantos poemas julgar

necessário para o presente número.

5. Das regras gerais dos Ensaios

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Normas de Publicação

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5.1. Este número receberá ensaios, preferencialmente, relacionados à temática da edição, divulgada nos canais de comunicação do Periódico, sendo aceitos, contudo, ensaios com tema livre.

5.2. Ensaios de outras temáticas também serão avaliados, sendo dada preferência,

entretanto, aos ensaios que se encaixem na temática do dossiê. 5.3. Os Ensaios devem possuir no máximo 2 autores/as, regularmente

matriculados/as em curso de graduação;

5.4. O texto deve ser inédito, não havendo reprodução integral ou de partes de

textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso; e não tendo sido submetido a nenhum outro edital;

5.5. Os trabalhos devem conter um mínimo de 5 (cinco) e máximo de 10 (dez)

laudas, contando os elementos pré e pós-textuais;

5.6. Os trabalhos serão submetidos apenas à avaliação das(es) editoras(es) do próprio Periódico;

6. Estrutura e Formatação dos Ensaios

6.1. Os artigos devem ser apresentados digitados em folha A4 (210 x 297mm); 6.2. Editor de texto Word for Windows 6.0 ou posteriores; 6.3. Fonte do texto deve ser Times New Roman, tamanho 12; 6.4. Margens 2,5cm X 2,5cm;

6.5. Espaçamento 1,5 entre linhas, com texto justificado. Parágrafo recuado 1,25 da

margem esquerda e sem espaço entre parágrafos; 6.6. Corpo do Texto

6.6.1. A primeira página do trabalho deve conter título em português com máximo de 15 (quinze) palavras, alinhamento centralizado; fonte Times New Roman, Tamanho 14, destacado em negrito;

6.6.2. O nome do/a autor/a deve vir logo abaixo do título, com duplo espaço, fonte Times New Roman, tamanho 12 e alinhado à direita;

6.6.3. O nome do/a autor/a deve ser acompanhado pela primeira nota de rodapé, contendo um breve currículo do/a mesmo/a, levando em consideração sua instituição de ensino e o curso;

6.6.4. As notas devem ser postas no rodapé do texto, numeradas em sequência, fonte Times New Roman, tamanho 10, alinhamento justificado. As notas de rodapé não devem ser usadas para referências, somente em caso de indicação, explicação e/ou elucidação que se faça necessário remeter;

6.6.5. As citações devem seguir a regra: se menores que 3 (três) linhas, devem estar inseridas diretamente no texto, entre aspas e com a devida referência,

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Normas de Publicação

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conforme o padrão (AUTOR/DATA). Se maiores que 3 (três) linhas, devem ser destacadas com recuo à esquerda de 4cm, fonte Times New Roman, tamanho 10, com a devida referência no padrão (AUTOR/DATA);

6.7. Referências Bibliográficas

6.7.1. Todas as referências bibliográficas deverão ser realizadas conforme ABNT 6023;

6.7.2. As referências completas deverão ser trazidas em ordem alfabética e no final do texto;

6.7.3. Os destaques da referência bibliográfica devem ser feitos em negrito; 6.7.4. As demais composições bibliográficas não discriminadas devem seguir os

padrões estabelecidos pela ABNT (ABNT 6023, 6022, 6028, 10520);

6.8. Agradecimentos, menções a financiamentos de agências governamentais (CNPq, FAPEMIG etc.), publicações de versões anteriores do artigo e outras observações do gênero devem ser inseridas na nota de rodapé indicativa de autoria (conforme item 5.5.3), e excluídas da versão sem identificação;

6.9. Pequenas variações no tamanho dos Ensaios, tanto aquém como além dos limites definidos neste edital, poderão ser relevadas, a critério do conselho editorial e considerando-se a fluidez da argumentação e a necessidade do uso dos espaços.

7. Das regras gerais das Fotografias e Desenhos

7.1. As fotografias ou desenhos devem ser de autoria exclusiva de graduandas e graduandos, regularmente matriculados/as em curso de graduação; 7.2. A peça deve ser inédita e autoral, não havendo reprodução integral ou de partes de textos anteriormente publicados no formato digital ou impresso e não tendo sido submetido a nenhum outro edital 7.3. Os desenhos e fotografias devem prezar pela idoneidade, não possuindo conteúdo que possa constituir ofensa à liberdade de crença, dados e informações discriminatórias ou quaisquer ofensas a direitos humanos; 7.4. As fotografias e desenhos devem ser enviados em formato .JPEG com alta qualidade, não havendo restrição quando à resolução ou proporção da imagem.

7.4.1. Os autores e as autoras poderão submeter o seu trabalho na resolução e proporção que julgarem adequada para sua expressão autoral, cabendo à editoração do periódico Alethes inserir as imagens na diagramação do Periódico de acordo com a conveniência editorial e especificidades de diagramação. 7.4.2. Os desenhos e fotografias publicados o serão em sua integralidade, sem cortes ou alterações na proporção das imagens.

7.5. O trabalho literário deverá ser submetido para o e-mail do periódico ([email protected]), com a identificação do autor.

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Normas de Publicação

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7.6. Os trabalhos serão publicados na ordem de recebimento e não serão submetidos à avaliação de conteúdo, prezando sempre pela liberdade artística e idoneidade de seu/sua autor/a; 7.6.1. O Periódico Alethes reserva-se no direito de publicar quantos desenhos ou fotografias julgar necessário para o presente número. 7.7. As fotografias e desenhos poderão ser enviados até o dia 17 de novembro de 2018.

8. Dos Prazos

8.1. A submissão de trabalhos (artigos, poemas e ensaios) é contínua, contados da data de publicação deste edital até a prazo limite para a publicação no número 16 do Periódico Alethes. Caso o trabalho seja enviado após a data limite para a publicação nesta edição, sua avaliação ocorrerá para possível publicação no número imediatamente posterior do Periódico; 8.2. A divulgação do resultado da avaliação dos artigos submetidos ocorrerá via e-mail, por meio de mensagem particular aos/às autores/as, sempre que possível dentro dos prazos estabelecidos por este edital;

8.3. As autoras e os autores que tiverem artigos aprovados, porém com necessidade de alterações, terão o prazo mínimo de 10 dias para efetuá-las, contados da data de divulgação do aceite com ressalvas;

8.4. A data máxima prevista para publicação deste número será: 16 de dezembro de 2018; 8.5. O prazo final para submissão de trabalhos para este número é: 7 de outubro de 2018; 8.6. Mais informações poderão ser obtidas através do e-mail do Periódico Alethes ([email protected]), pelo nosso sítio na internet (www.ufjf.br/periodicoalethes) ou por meio de nossa página no Facebook (https://www.facebook.com/periodicoalethes/). 8.7. Os prazos são previstos e poderão ser alterados a qualquer momento, a critério da editoração do Periódico, porém jamais de forma a reduzir prazos de submissão ou outros a que estejam submetidos os autores.

9. Das disposições finais

9.1. As opiniões contidas nos trabalhos são de inteira responsabilidade das autoras e dos autores, de modo que o Periódico Alethes não se responsabiliza pelo conteúdo dos textos que publica;

9.2. A publicação dos artigos não terá por contrapartida qualquer tipo de remuneração às autoras e aos autores;

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Normas de Publicação

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9.3. As autoras e os autores, ao concordarem com a publicação de seus trabalhos, estarão cedendo os direitos autorais referentes à primeira publicação ao Periódico Alethes. Ficam autorizados a publicá-los novamente no futuro, aceitando, contudo, citar o nome e a edição da revista, e fazendo referência ao fato de a publicação original ocorreu na mesma. As constatações de qualquer imoralidade, ilegalidade, fraude ou outra atitude que coloque em dúvida a lisura da publicação, em especial a prática de plágio, importarão imediata interrupção do processo de avaliação do artigo. Caso este já tenha sido publicado, ele será retirado da base da revista, sendo proibida sua posterior citação vinculada ao nome do Periódico Alethes. Ainda, no número seguinte da revista, será publicada nota informando e justificando o cancelamento da publicação; 9.4. Quaisquer omissões deste edital serão solucionadas pelos/as editores do Periódico Alethes.