do garantismo penal

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Do Garantismo Penal Resumo Esta obra tem por escopo analisar criticamente a teoria do garantismo penal à luz das concepções do jurista Luigi Ferrajoli. Nesse sentido, analisar-se-ão os princípios constitucionalmente estabelecidos na Magna Carta de 1988 da República Brasileira. Análise do conceito de Direito Criminal Hodiernamente, não há sentido pensar-se em convívio social sem, contudo, assimilar o conceito do que seja Direito e sociedade. Esta consiste na união de pessoas ligadas por idéias ou interesses comuns, e nesse sentido, o ordenamento jurídico - solenemente promulgado na Magna Carta de 1988 - surge como forma de organizar, regulamentar e promover a ordem e a paz. “Para a própria existência, a conservação e o desenvolvimento de toda e qualquer sociedade, é indispensável à proteção dos seus pilares, suas bases, as coisas que valem, que são consideradas interessantes, que são pretendidas, desejadas, almejadas, sonhadas, enfim, que têm importância para os indivíduos. (1)” Bens e valores importantes são selecionados e colocados sob a égide do Direito. Nesse sentido, o ramo do Direito que visa prevenir e punir condutas delituosas – o Direito Penal – coloca sob sua proteção estrita os bens jurídicos considerados essenciais, tais como a vida, liberdade e propriedade. Em suma, levando-se em conta o princípio da fragmentariedade, o Direito Criminal não visa proteger todo e qualquer bem jurídico, mas somente aqueles que reputem ser fundamentais e constituam os alicerces da organização social. Nesse sentido, aduz NEY MOURA TELES: “(...)entremostra-se o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve entender- se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum . Não além disso. (2)” O Estado detém o Ius Puniendi – o direito de punir – entretanto, a pena só pode ser aplicada em último caso, excepcionalmente. Condutas meramente imorais e simples estados existenciais das pessoas não podem ser objeto de repressão imediata do ordenamento criminal. Assim assevera FERNANDO CAPEZ: “Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. (3)” Atentando para a teoria Unificadora

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Page 1: Do Garantismo Penal

Do Garantismo PenalResumo

Esta obra tem por escopo analisar criticamente a teoria do garantismo penal à luz das concepções do jurista Luigi Ferrajoli. Nesse sentido, analisar-se-ão os princípios constitucionalmente estabelecidos na Magna Carta de 1988 da República Brasileira.

Análise do conceito de Direito Criminal

Hodiernamente, não há sentido pensar-se em convívio social sem, contudo, assimilar o conceito do que seja Direito e sociedade. Esta consiste na união de pessoas ligadas por idéias ou interesses comuns, e nesse sentido, o ordenamento jurídico - solenemente promulgado na Magna Carta de 1988 - surge como forma de organizar, regulamentar e promover a ordem e a paz. “Para a própria existência, a conservação e o desenvolvimento de toda e qualquer sociedade, é indispensável à proteção dos seus pilares, suas bases, as coisas que valem, que são consideradas interessantes, que são pretendidas, desejadas, almejadas, sonhadas, enfim, que têm importância para os indivíduos. (1)”

Bens e valores importantes são selecionados e colocados sob a égide do Direito. Nesse sentido, o ramo do Direito que visa prevenir e punir condutas delituosas – o Direito Penal – coloca sob sua proteção estrita os bens jurídicos considerados essenciais, tais como a vida, liberdade e propriedade. Em suma, levando-se em conta o princípio da fragmentariedade, o Direito Criminal não visa proteger todo e qualquer bem jurídico, mas somente aqueles que reputem ser fundamentais e constituam os alicerces da organização social. Nesse sentido, aduz NEY MOURA TELES: “(...)entremostra-se o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve entender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum . Não além disso. (2)”

O Estado detém o Ius Puniendi – o direito de punir – entretanto, a pena só pode ser aplicada em último caso, excepcionalmente. Condutas meramente imorais e simples estados existenciais das pessoas não podem ser objeto de repressão imediata do ordenamento criminal. Assim assevera FERNANDO CAPEZ: “Crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade. (3)” Atentando para a teoria Unificadora Dialética de CLAUS ROXIN (4) - mentor do princípio da bagatela e do princípio da alteridade, segundo o qual se proíbem punições de atitudes meramente internas – a pena tem como funções a prevenção geral, prevenção especial e acima de tudo deve buscar a ressocialização do delinquente. Nas palavras de MOURA TELES: “A sanção penal é de uma severidade enorme: priva, em regra, o infrator da norma, da sua liberdade, por certo tempo, mantendo-o num lugar diferente do seu, longe de seus entes queridos, suas coisas, sua profissão, sua vida, junto de outros, que nem conhecia, sob a égide de um conjunto de regras jamais vistas, numa inominável violência contra o ser humano, pois atinge o bem mais sagrado que ele tem. (5) ” Delitos de menor gravidade devem ser punidos cominando-se penas alternativas ou substitutivas, o Direito Penal deve ser chamado em último caso.

O crime é, e provavelmente sempre será, algo inexorável à convivência em sociedade. O delinquente deve ser compreendido como fruto da sociedade, um doente que deve ser tratado. Países anglo-saxões – mais especificamente os Estados Unidos – estimulam a promoção do movimento Lei e Ordem , o qual prega punições mais severas e uma maior abrangência do Direito Penal. Se por um lado os índices de criminalidade são reduzidos, até mesmo superando as expectativas de políticas governamentais instituidas para a segurança pública, por outro lado, há uma severa opressão dos mais pobres, dos mais necessitados e das minorias, à custa da não observância do Direito Penal Mínimo. Assim, atenta-se contra o princípio da subsdiariedade do Direito Penal e o princípio da proporcionalidade da pena.

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Fundamentação principiológica

O Direito Penal deve primar pelo intervencionismo mínimo e eminentemente tutelar nas relações sociais. Nesse sentido, é de suma importância destacar a teoria do garantismo penal, ilustramente esboçada por LUIGI FERRAJOLI (6).Em sua obra Direito e Razão , o termo garantismo está intimamente relacionado ao princípio da legalidade, um dos alicerces do Direito Penal brasileiro. Além disso, busca aproximar o conceito de validade do conceito de efetividade. Visto assim, para que uma pena seja justa e razoável, ela deve ser tão próxima dos príncipios que norteiam o Direito Criminal, quanto o Direito deve ser da sociedade. O garantismo visa efetivar a aplicação de tais princípios destituindo a pena de seu caráter meramente retributivo. São eles:

O princípio da legalidade;

O princípio da extra-atividade da lei penal mais favorável;

O princípio da individualização da pena;

O princípio da responsabilidade pessoal;

O princípio da limitação das penas;

O princípio do respeito aos direitos do preso;

O princípio da presunção de inocência .

O inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal estatui que: “ Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal .” O princípio da legalidade constitui um avanço em relação às primeiras codificações que estabeleciam que as penas fossem arbitrárias e deliberadamente cominadas pelo magistrado. O réu, antes de ter sua sentença transitada em julgado, deve ter ciência do crime que cometeu.”Só pode alguém receber uma resposta penal, uma pena criminal, se o fato que praticou estivesse, anteriormente, proibido por uma lei sob a ameaça da pena. (7)” O princípio da legalidade, nesse sentido, constitui um alicerce para a liberdade individual frente à expansão intervencionista do Estado. Além disso, é proibido o uso de fórmulas duvidosas de interpretação do texto legal e a utilização de analogias que de qualquer modo constituam um entendimento in pejus ao réu.

O inciso XL do art. 5º da Constituição Federal estabelece que: “ A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu .” O princípio da extra-atividade da lei penal mais favorável é um desdobramento imediato do princípio da legalidade. Não pode a lei mais severa ser aplicada aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Se, todavia, a lei posterior é mais benéfica vai retroagir, beneficiando o réu. Estatui o art. 59: “ O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime .” Sendo a pena a medidade de reprovação da conduta divergente do ordenamento jurídico, não há sentido punir alguém por uma pena que não mais está em vigor.

Prescreve o inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal que:

“ A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

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c) multa;

d) prestação social alternativa;

e) suspensão ou interdição de direitos ; ”

A cada homem convém uma pena específica que atenderá critérios objetivos e subjetivos. Nesse sentido, a individualização da pena ocorre na cominação, em que há insituição da pena base, na aplicação, em que é instituída a pena definitiva e na execução, como, por exemplo, a distinção dos sistemas penitenciários para homens e mulheres. A lei regulamenta circunstâncias que agravam ou atenuam, e ainda qualificadoras da pena. Destarte, uma mãe, em estado puerperal que mata seu filho, de forma alguma deve ter a mesma punição de um homem que mata uma criança desconhecida, apesar de se tratar genericamente de um homicídio. Vale ressaltar a previsão legal do inciso XLVIII do art. 5º da Constituição Federal que regulamenta: “ a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado .”

Dispõe o inciso XLV do art. 5º da Constituição Federal: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.” A conquista do princípio da responsabilidade pessoal foi algo histórico, pois: “em verdade, nos tempos primitivos, da vingança privada, a reação ao agressor do bem importante, não só era ilimitada mas voltava-se contra o delinquentes e outros do seu grupo, familiar ou social. (8)” A reparação do dano e a perda de bens em favor da União é coação civil, podendo pois serem estendidas aos sucessores.

Institui o inciso XLVII da Magna Carta:

“não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d ) de banimento;

e) cruéis;

Tais penas ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos princípios corolários da república brasileira, devendo ser, pois, extirpados pelo legislador constituinte do ordenamento jurídico. Nesse sentido, merece destaque o princípio da limitação das penas.

Dispõe o inciso XLIX do art. 5º da CF: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Apesar de agrilhoado, o réu não deixa de ser homem, ou seja, sua condição humana não pode ser negada. Portanto, conserva todos os direitos inerentes ao homem, exceto aqueles concernentes à sua liberdade. Nesse sentido, o art. 88 da Lei de Execução Penal prevê que:

“ O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

        Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

        a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

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        b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).”

Formalmente, este artigo é algo surpreendente, entretanto, a realidade do sistema carcerário brasileiro é outra. Principalmente, a carência de verbas designadas para o setor e a corrupção fazem com que poucas cadeias sejam efetivamente construídas para aliviar o já falido sistema prisional brasileiro.

O inciso LVII do art. 5º estatui que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Como aduz NEY TELES: “ Este princípio, também chamado de estado de inocência ou da não culpabilidade, aparece, pela primeira vez, numa constituição brasileira, e significa uma das maiores conquistas do cidadão brasileiro(...)” (9) o legislador entendeu que é preferível deixar impune aquele que seria culpado, a punir um inocente à custa do anseio social por vingança. A verdade fática é almejada no trâmite da jurisdição penal e deve para tanto, utilizar-se de critérios instrinsecamente fundamentados na razoabilidade e proporcionalidade da pena.

Notas:

1. Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 39.

2.Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 40.

3. Capez, Fernando, in: “Curso de Direito Penal. Volume um. Parte Geral” Editora Saraiva, 2003, pág. 13.

4. Jurista, alemão.

5. Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 41.

6. Jurista, italiano.

7. Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 73.

8. Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 85.

9. Teles, Ney Moura, in: “Direito Penal: volume um Parte Geral” Editora de Direito, 1996, pág. 96.

Texto confeccionado por (1)Marco Túlio Fernandes Alves

Atuações e qualificações (1)Graduando em Direito (4o período Faculdade Mineira de Direito - PUC Minas).

Bibliografia:

ALVES, Marco Túlio Fernandes. Do Garantismo Penal. Universo Jurídico, Juiz de Fora, ano XI, 30 de jul. de 2010.Disponivel em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/7072/do_garantismo_penal >. Acesso em: 31 de ago. de 2012.

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SUMÁRIO: 1.) INTRODUÇÃO: 2.) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; 2.1.) GARANTIA FORMAL DA LEGALIDADE; 2.2.) GARANTIA MATERIAL OU SUBSTANCIAL; 2.2.1.) PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE; 2.2.2) PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL(LEX PRAEVIA); 2.2.3.) PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE (LEX CERTA); 3.) HIPÓTESES DE EXCLUSÃO E ADMISSIBILIDADE DOS COSTUMES NO DIREITO PENAL (LEX SCRIPTA) 4.) ADMISSIBILIDADE E EXCLUSÃO DA ANALOGIA EM MATÉRIA PENAL (LEX STRICTA) 5.) CONJUGAÇÃO DE LEIS PENAIS (LEX TERTIA) 6.) LEIS PENAIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS; 7.) NORMA PENAL EM BRANCO; 8.) FREQÜENTES ESPÉCIES DE LESÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE; 9.) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NA EXECUÇÃO PENAL; 10.) CONCLUSÃO; 11.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1.) INTRODUÇÃO:

                        O Princípio da Legalidade Penal é um dos instrumentos legais de controle da atuação do Estado quando do estabelecimento de normas incriminadoras, bem como na fixação e execução das penas, tanto é assim que Luiz Luisi aponta que: “o postulado da reserva legal é um patrimônio comum da legislação penal dos povos civilizados, estando, inclusive, presente nos textos legais internacionais mais importantes do nosso tempo”[1].

                        O lineamento histórico da norma mandamental adveio da Magna Charta Libertatum (século XIII), no Bill of Rights das colônias inglesas e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). O Brasil, por seu turno, adotou esse princípio na Constituição do Império de 1824 (art. 179, § 2º), bem como nas Constituições de 1891 (art. 72, § 15), 1934 (art.113, § 26), 1937 (art. 122), 1946 (art. 141, § 27), Carta Constitucional 1967 (art.153, § 16) e no art. 5º, XXXIX, da atual Constituição Federal de 1988.   

                        Em termos de legislação infraconstitucional pátria, o princípio da legalidade veio positivado no Código Criminal do Império de 1831 (art.1º e 33), Código Penal de 1890 (art. 1º) e 1940 (art.1º).

2.) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

                        Feuerbach, no começo do século XIX, foi o criador das idéias da escola penal alemã, onde elaborou o postulado “nullum crime e nulla poena, sine previa lege”, ou seja, não há crime ou pena sem que haja prévia cominação legal, o qual é a base fundamental de todo sistema penal.

                        José Frederico Marques expõe duas dimensões ao princípio da legalidade, político e jurídico, os quais são:

garantia constitucional dos direitos do homem, e no segundo, fixa o conteúdo das normas incriminadoras, não permitindo que o ilícito penal seja estabelecido genericamente sem definição prévia da conduta punível e determinação da sanctio juris aplicável[2].

`                       Luiz Regis Prado conceitua o princípio:

A sua dicção legal tem sentido amplo: não há crime (infração penal) nem pena ou medida de segurança (sanção penal) sem prévia lei (stricto sensu). Isso vale dizer: a criação dos tipos incriminadores e de suas respectivas conseqüências jurídicas está submetida à lei formal anterior (garantia formal). Compreende, ainda, a garantia substancial ou material que implica uma verdadeira predeterminação normativa (lex scripta lex praevia et lex certa)[3].

                        Francisco de Assis Toledo também leciona que:

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O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera das liberdades individuais[4].

                        Por seu turno, Aníbal Bruno explica:

O rigor dessa limitação e a força dessas garantias estão no princípio que faz da lei penal a fonte exclusiva de declaração dos crimes e das penas, o princípio da absoluta legalidade do direito punitivo, que exige a anterioridade de uma lei penal, para que determinado fato, por ela definitivo e sancionado, seja julgado e punido como crime[5].

                        Assim, o princípio da reserva legal é o fundamento central do direito penal brasileiro, pois por intermédio dele, o Estado está, por um lado, legitimado a estabelecer restrições a direitos fundamentais do cidadão, bem como limitado a não atuar com abusos no exercício de tal prerrogativa, fazendo-o pela lei em sentido estrito e tal comando normativo deverá ser prévio a realização do fato e nele encerrar toda descrição da conduta proibida e a correlata sanção.

2.1.) GARANTIA FORMAL DA LEGALIDADE:

                        A Garantia Formal da Legalidade se presta a ser um limitador formal no exercício abstrato do Direito Penal, uma vez que a criação de leis penais é matéria atribuída, por delegação constitucional, a União (artigo 22, I, CF).

                        Assim, por exclusão temos que é vedado aos demais entes federados a elaboração de tipos penais incriminadores.

                        Nilo Batista[6], por seu turno, subdivide o princípio da reserva legal em duas vertentes com o fim de destrinchar o tema de dispositivos constitucionais relativos à reserva legal.

De um lado, surge a reserva legal absoluta, pela qual, a lei penal sempre deverá advir do debate democrático parlamentar, cujos procedimentos legislativos seriam garantidores da liberdade individual e da segurança pública, cumprindo a lei a construção da figura típica, criando crimes e impondo penas.

Noutro giro, tem-se negado a autonomia do poder legislativo na delimitação de matérias de cunho penal, donde se admitem outras fontes normativas capazes de traçarem diretivas, por exemplo, normas penais em branco, as quais trataremos adiante à luz do princípio da legalidade.

                        Além disso, não é todo corpo normativo que pode se prestar de molde a encerrar um comportamento penalmente reprovável, mas tão somente a lei elaborada com o perfeito respeito ao devido processo legislativo, atendendo de forma correta todo o trâmite constitucional para a confecção de um texto legal.

                        A razão fundamental do Direito Penal ser reservado a matéria de lei reside justamente no ponto que a lei emana do Poder Legislativo, o qual é integrado pelos representantes do povo e refletem a ideologia e valores essenciais em dado instante histórico.

                        Dessa sorte, apuramos a exclusão de outras formas legais, conquanto emanam da vontade do Poder Executivo, a qual pode não coincidir com a da sociedade, a saber, leis delegadas, medidas provisórias, decreto de execução, regulamentos, afora os atos administrativos infralegais. Assim, o pensamento de José Henrique Guaracy Rebello é correto ao expor: “a Constituição veda delegação, em matéria de legislação, sobre direitos individuais, dentre os quais aflora o Princípio da Liberdade”[7]

                        Luiz Regis Prado expõe:

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O fundamento de garantia da reserva de lei, como princípio de legitimação democrática, deve informar e presidir a atividade de produção normativa penal, por força da particular relevância dos bens em jogo.

O motivo que justifica a escolha do Legislativo como o único detentor do poder normativo em sede penal reside em sua legitimação democrática[8].

                        A despeito da Medida Provisória temos que, inicialmente convivemos com um desvirtuamento completo dos critérios constitucionais de urgência e relevância, o que justifica o pensamento de Francisco de Assis Toledo:

... a medida provisória, por não ser lei, antes de sua aprovação pelo Congresso, não pode instituir crime ou pena criminal (inciso XXXIX). Se o faz choca-se com o princípio da reserva legal, apresentando um vício de origem que não se convalesce pela sua eventual aprovação posterior, já que pode provocar situações e males irreparáveis[9].

                        Não se trabalha na criação de crime por Medida Provisória (artigo 62, § 1º, I, “b”, CF), e antes mesmo da Constituição já se vedava no STF a criação por base no art. 68, CF, além da restrição fundada no direito individual à liberdade, onde já se vedava Emenda Constitucional tendente a abolir.

                        Controvertida é a questão a respeito da Medida Provisória conter norma penal permissiva que excluí a ilicitude/culpabilidade, onde como elas são criadas para garantir a liberdade serão válidas.

                        Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Júnior[10] vislumbram como possível pela conjugação de normas constitucionais a adoção de Medida Provisória tratar de matéria penal, porém, condicionada a aprovação pelo Congresso Nacional, portanto, veiculam tão somente matérias favoráveis aos autores de fato típico, e, nunca matérias relativas imediatamente a formulação do injusto, por exemplo, a prorrogação do prazo na entrega de armas no Estatuto do Desarmamento e o parcelamento de dadas figuras tributárias e os reflexos penais.

2.2.) GARANTIA MATERIAL OU SUBSTANCIAL:

                        A face material do princípio da legalidade se traduz em uma série de garantias, cunhadas na história, as quais se confundem com o asseguramento dos direitos humanos de primeira geração, cuja violação de outrora é ilustrada por Cesare Bonesana, no clássico Dos Delitos e Das Penas.

                        A Garantia Material vem consagrada na expressão lex scripta lex praevia et lex certa, ou como traduz Miguel Reale Júnior: “A lei deve ser prévia, clara, precisa, geral e abstrata, à qual se submete o juiz, o Estado e todos os cidadãos”[11].

2.2.1.) PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE:

                        O comportamento humano deve produzir ressonância dentro do corpo social para que, por intermédio da reiteração de condutas, o fato social possa ser entabulado dentro do ordenamento jurídico.

                        Ante a lesividade da conduta, o Direito Penal pode ser requisitado para solucionar o conflito de interesses. Assim, o fato passa a ter relevância penal e daquele momento em diante o Estado fica autorizado a exercer o direito de punir.

O marco inicial da tipicidade da conduta é a data de sua publicação e, a Lei que institui o crime e a pena deve ser anterior ao fato o qual se pretende repreender penalmente não possuindo eficácia retroativa para alcançar fatos prévios a sua entrada em vigência.

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Bitencourt aponta: “nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente”[12].

A garantia do princípio vem ancorada na possibilidade que se dá ao cidadão de prévio conhecimento do conteúdo do injusto e, assim, dar uma maior estabilidade a vida em sociedade.

Os fundamentos legais para um agravamento de fatos ou as novas leis penais que majorem a punibilidade foram criadas para ofertar tratamento futuro, nos termos exatos dos arts 5º, XXXIX, CF c.c 1º, CP.

Hipóteses fáticas do passado, prévias a novel legislação são irrelevantes penais, não merecedores de tipicidade e, portanto, são atípicos.    

2.2.2) PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL( LEX PRAEVIA) :

                        O Princípio da Irretroatividade da Lei Penal é postulado constitucional e serve como instrumento de controle temporal das leis (art. 5º, XL, CF).

                        A regra principiológica determina que as leis penais devem atingir apenas fatos posteriores a sua vigência, ou seja, os fatos supervenientes a sua entrada em vigor com atuação do tempus regit actum.

A norma incriminadora é feita para atender aos fatos futuros, sendo-lhe vedado a retroação para alcançar fatos preliminares a sua vigência, caso apresentem um quadro mais acintoso ao acusado, sob pena de quebrantamento da segurança jurídica e manutenção de um eterno cenário de instabilidade social e incerteza.

Francisco de Assis Toledo bem esclarece:

a norma de direito material mais severa só se aplica, enquanto vigente, aos fatos ocorridos durante sua vigência, vedada em caráter absoluto a sua retroatividade. Tal princípio aplica-se a todas as normas de direito material, pertençam elas à Parte Geral ou à Especial, sejam normas incriminadoras (tipos legais de crime), sejam normas reguladoras da imputabilidade, da dosimetria da pena, das causas de justificação ou de outros institutos de direito penal[13].

A norma penal que traça um ideário de maior aspereza, com, em um plano, projetando o aumento de circunstâncias agravantes, causas de aumento de pena ou inclusão de qualificadoras e, de outro, a diminuição de requisitos para privilégios, ou supressão de atenuantes ou causas de diminuição apenas não pode alcançar fatos prévios, apenas os posteriores.

Nesse sentido, apontamos que a Súmula 711, STF não assinala violação ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa justamente pelo crime ainda estar se consumando, portanto, a novel legislação atinge fato crime em andamento e não é subsistente eventual alegação nesse sentido.

Cezar Roberto Bitencourt explica: “Nos crimes permanentes ou continuados aplicar-se-á a lei posterior em vigor, desde que ainda perdure a permanência ou a continuidade, mas resultam impuníveis a continuidade dos atos precedentes à entrada em vigor da lei”[14].

Acaso haja uma lei penal que oferte uma situação de mais gravidade, a lei antiga tem ultratividade e regerá o fato em detrimento da nova.

                        A função histórica do princípio da legalidade[15] nasceu para combater as chamadas lex ex post facto, onde as leis penais que ofertem tratamento diverso e mais gravoso não podem retroagir em detrimento do acusado.

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                        Nesse diapasão, o cenário traz uma importante subdivisão, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, onde para Magalhães Noronha tem-se o princípio incondicional da retroatividade in mellius[16].

Malgrado tal posicionamento doutrinário ousamos discordar, vez que a norma da retroação da lei penal encontra embargo sólido nas chamadas leis penais temporais e excepcionais do art. 3º, CP, pelo qual, possuem ultratividade independentemente de serem mais ou menos gravosas em função de sua vigência delimitada ou delimitável previamente. 

A apuração da norma incidente, quando da análise da retroatividade é casuísta, onde em havendo a nova lei penal com contornos que importem em uma melhora na situação jurídica do criminoso, via de regra, tal merece ser considerada e aplicada em detrimento da lei anterior, relativizando a regra do tempo reger o ato.

Juarez Cirino dos Santos pontua:

trata-se de determinar a lei penal aplicável no caso concreto. Esse critério específico é o da lei penal mais favorável. Assim, na sucessão de leis penais no tempo, os conflitos entre a lei nova e a lei anterior são resolvidos pelo critérios da lei penal mais favorável ao autor (de qualquer modo, e sem restrições): se a lei anterior, então essa é a lei aplicável; se a lei posterior, então esta é a lei aplicável[17].

                        A retroatividade da lei penal mais benéfica pode ocorrer por meio de duas formulações, a saber a abolitio criminis ou novatio legis in mellius.

                        A abolitio criminis é causa excludente da punibilidade, onde se tem a sobrevinda de novel lei penal, a qual por julgar o fato não mais digno de ser penalmente tutelado afasta o comportamento da pecha de ser crime.

A lei que afasta o rótulo penal da conduta provoca a total eliminação do fato para o sistema e configura uma exceção a regra do absolutismo da coisa julgada, com a aplicação da nova lei ocorrendo ex officio pelo julgador (art. 61, CPP). Além disso, pelos seus efeitos irem para depois da sentença definitiva, o Juiz de Direito da Vara de Execução Penal (artigo 66, I, CP e Súmula 611,STF) poderá conhecê-la.   

                        De outro lado, a novatio legis in mellius é a lei nova que apresenta um tratamento penal mais brando, diminuindo o peso da norma incriminadora, a qual pode se dar por meio de criação de nova causa de diminuição de pena, atenuante, novos critérios para progressão de regime, flexibilização de requisitos para livramento condicional, dentre outros.

A nova lei também tem incidência imediata e seus efeitos retroagem para alcançar fatos pretéritos pelo simples fator de representar mais condignamente os valores e ideais que amparam o pensamento social.

Há uma divergência doutrinária a respeito do momento da aplicação da nova lei penal, onde ela será imediatamente por idéias de celeridade ou após a entrada em vigor, com fincas em segurança jurídica.

Filiamos a segunda corrente, vez que durante o período de vacatio legis a lei penal ainda é um embrião de intenções benéficas, o qual poderá ou não vir a lume, e, o ato de conceder o beneplácito sem tal lei é agir à margem da legalidade em uma pretensa expectativa de direito, sem o escudo da lei para fundamentar a decisão.

De arremate Rogério Greco assinala:

Se prejudicar, o termo inicial de aplicação será, sempre, o da data de sua vigência; se beneficiar, podemos trabalhar com duas correntes doutrinárias – a primeira entendendo pela aplicação, por critérios de economia, a partir da sua publicação; a segunda, sob o argumento da segurança, após sua entrada em vigor[18].

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Em suma, para Ney Moura Teles:

o princípio da reserva legal é claro ao dizer que só haverá crime e pena, se houver, previamente, uma lei anterior. Mas o objetivo não era o de reafirmar o princípio da legalidade, mas o de construir outro pilar sobre o qual se sustenta o Direito Penal, o de que a lei penal mais favorável retroagirá ou ultra-agirá[19].    

2.2.3.) PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE ( LEX CERTA ):

                        O Princípio da Taxatividade, sub-princípio da legalidade, determina ao legislador o dever de delinear com clareza os elementos fundantes do tipo de injusto, oferecendo um texto que prime pela determinação da conduta ilícita, das elementares, circunstâncias e fatores influenciadores na configuração dos contornos da tipicidade e sua respectiva conseqüência jurídica.

                        Maurício Antônio Ribeiro Lopes assinala:

É mister que a lei defina o fato criminoso, ou melhor, enuncie com clareza os atributos essenciais da conduta humana de forma a torna-la inconfundível com outra, e lhe comine pena balizada dentro de limites não exagerados[20].

Indica o dever imposto ao legislador de proceder, quando elabora a norma, de maneira precisa na determinação dos tipos legais de ilicitude, a fim de se saber, de modo taxativo, o que é penalmente ilícito ou proibido[21].

                        Francisco de Assis Toledo expõe com clareza solar:

A exigência de lei certa diz com a clareza dos tipos, que não devem deixar margens a dúvidas nem abusar do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores genéricos, vazios. Para que a lei penal possa desempenhar função pedagógica e motivar o comportamento humano, necessita ser facilmente acessível a todos, não só aos juristas. Infelizmente, no estágio atual de nossa legislação, o ideal de que todos possam conhecer as leis penais parece cada vez mais longínquo, transformando-se, por imposição da própria lei, no dogma do conhecimento presumido, que outra coisa não é senão pura ficção jurídica[22].

                        A lei penal que comina pena e descreve conduta punível não deve ser generalista, mas sim, precisa, taxativa e determinada, sem qualquer indeterminação com a pré-fixação a respeito dos dados que permitem a qualificação e assimilação das figuras típicas.

Luiz Regis Prado aponta as peculiaridades e função da taxatividade:

Procura-se evitar o arbitrium judicis através da certeza da lei, com a proibição da utilização excessiva e incorreta de elementos normativos, de casuísmos, cláusulas gerais e de conceitos indeterminados ou vagos. O princípio da taxatividade significa que o legislador deve redigir a disposição legal de modo legal de modo suficientemente determinado para uma mais perfeita descrição do fato típico (lex certa). Tem ele, assim, uma função garantista, pois o vínculo do juiz a uma lei taxativa o bastante contitui autolimitação do poder punitivo-judiciário e uma garantia de igualdade[23].

Ela Wiecko Volkemer de Castilho pontifica que: “As leis penais devem apresentar nos tipos e nas penas um mínimo de determinação”[24].

André Coppetti salienta o paradigma da crise de legalidade:

Mas, se por um lado, o princípio da legalidade oferece uma garantia aos cidadãos quando a edição de leis penais é realizada dentro de parâmetros racionais humanistas, por outro, a inflação legislativa em matéria penal pode tornar a reserva legal um instrumento com reflexos totalmente diversos e contrários aos seus

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objetivos garantistas primordiais, fato que se verificou com especial particularidade a partir da instituição do Estado social e estendeu-se sem limites até nossos dias, sendo hoje um fenômeno que se manifesta concomitante ao processo de mundialização econômica caracterizando-o marcadamente[25].

                        A incriminação deve ser permeada de elementos que permitam a sociedade o conhecimento do injusto, mas tal atividade se revela por árdua hodiernamente, tendo em vista o fato de que vivemos sobre uma intensa inflação legislativa, bem como vivemos na sociedade de risco, onde o Direito Penal avança a passos largos rumo a campos permeados de necessidades técnicas em interesses difusos.

                        Rodrigo Sánchez Rios explica-nos a problemática da tutela penal dos interesses difusos, o garantismo e a taxatividade:

A vigência do princípio da legalidade, no entanto, vem sofrendo hoje uma insatisfatória realização. Tal assertiva é justificada pela tendência de política criminal em utilizar-se o legislador de exacerbados elementos normativos na descrição típica, bem como da utilização dos assim denominados tipos abertos e leis penais em branco.

Pois bem: na elaboração de figuras típicas delitivas no âmbito dos bens jurídicos coletivos ou supra-individuais hoje penalmente tutelados (a exemplo do meio ambiente, do sistema financeiro nacional e da ordem econômico-tributária) o legislador tende a utilizar tipos penais nos quais há uma remissão expressa a conteúdos extra-penais[26].

A importância em ofertar uma segurança social e uma tutela penal aos interesses difusos passa, em primeiro lugar, pela seletividade do bem jurídico com estribo sócio-constitucional, para adiante se realizar uma seqüência de tipos penais que oferte o mínimo de regramento aos fatos, porém, sem desvirtuar da necessidade de se ter uma lei penal apreensível aos seus destinatários.

Em dados ramos, a ininteligibilidade do tipo penal, seja pela imprecisão e fluidez de seus termos, por exemplo, arts.4º, Lei 7492/86 e 54, Lei 9605/98 ou pelo elevado teor técnico das elementares configuradoras do tipo.

Daí, a importância de criar um injusto cognoscível que oferte equilíbrio na certeza dos preceitos, com segurança na relação Estado - Sociedade e a tutela eficaz aos interesses difusos, dentro de parâmetros objetivos, guindados por normas generalistas e não incertas e imprecisas.

Ao fim, a Taxatividade tem por finalidade, segundo Juarez Tavares:

...evitar possa o direito penal transformar-se em instrumento arbitrário, orientado pela conduta de vida ou pelo ânimo. Considerando que a função primeira do direito penal é a de delimitar as áreas do justo e do injusto, mediante um procedimento ao mesmo tempo substancial e informativo, a exata descrição dos elemenos que compõem a conduta criminosa serve, primeiramente, ao propósito de sua materialização, quer dizer, sua condição espaço-temporal; depois, como instrumento de comunicação entre o Estado e os cidadãos, pelo qual se assinalam as zonas do proibido e do permitido; por fim, de regulação sistemática[27].

3.) HIPÓTESES DE EXCLUSÃO E ADMISSIBILIDADE DOS COSTUMES NO DIREITO PENAL (LEX SCRIPTA):

                        Pelo postulado da lex scripta, o Direito Penal tem como marco fundamental de seus institutos a lei, a qual veda completamente qualquer tentativa de majoração da pena por outro meio diverso, porém, há margem a utilização de outros recursos interpretativos e modalidades de lei com o fito de elucidar o conteúdo da proibição.

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O costume, atos normativos secundários, analogia penal in malam partem não pode servir de base alteração do preceito incriminador, sob pena de flagrante inconstitucionalidade formal[28].

                        Tem-se como inidônea a utilização do direito consuetudinário como fundamento para agravar a situação do criminoso, mas, de outro lado, tal é admitido para integrar em elementos secundários a figura penal.

A plasticidade do conteúdo de tais normas, bem como pelo não reflexo dos ideais democráticos veda tais espécies normativas. Contudo, o costume pode ser reconhecido como membro configurador do tipo penal quando atue em favor do cidadão, sendo fonte legítima do Direito Penal, desde que haja o “reconhecimento geral e a vontade geral que a norma costumeria atue como direito vigente”[29].

4.) ADMISSIBILIDADE E EXCLUSÃO DA ANALOGIA EM MATÉRIA PENAL ( LEX STRICTA ):

                        A analogia é o reconhecimento por parte do homem da mutabilidade dos preceitos da sociedade, bem como da limitação natural de que o legislador não é hábil a regrar tudo, com o Direito não encerrando em si mesmo todos os comportamentos sociais.

                        Aníbal Bruno explica:

Nenhuma legislação, por mais compreensivas que sejam as suas disposições ou mais minuciosa a sua casuística, conseguirá abranger todas as hipóteses que a vida, na sua complexidade e variabilidade, oferece à decisão da Justiça. Era uma ilusão a idéia que tinha o racionalismo jurídico, da plenitude logicamente necessária do Direito. Todo sistema de direito positivo tem lacunas. Além disso, mesmo que uma sábia interpretação evolutiva distenda o sentido primitivo dos textos que regem determinados fatos, para acomodá-los à transformação destes, não basta essa função para manter o sistema jurídico em condições de abranger com as suas normas todas as necessidades sociais. A vida, na sua evolução, se distancia do Direito legislado, ultrapassa-o e vai criar, assim, outras lacunas no sistema jurídico. Se novas leis não ocorrem a cobri-las, é ao juiz que cabe preenchê-las por meio do processo da analogia[30].

                        Analogia é meio de integração da norma penal, onde o intérprete apura a presença de um vazio no sistema e avalia uma hipótese similar contida em outro preceito penal (analogia legis) ou em princípios fundantes desta outra lei (analogia iuris), os quais serão integrados por meio da aplicação das motivações que induziram a tal regramento jurídico.

                        O Direito Penal majoritariamente a admite, salvo no caso de normas que delimitem o injusto culpável e seu alcance, hipótese em que se subverteria a garantia da legalidade. A ampliação dos lindes dos tipos pela analogia é inconstitucional (analogia penal in malam partem), vez que trabalha com elementos alheios a vontade popular externada no processo legislativo de incriminação, o que abala com igual força o princípio da segurança jurídica.

                        Nos preceitos penais que atuam em favor do cidadão, pois atenua a situação do criminoso e lhe traz benefícios. Assim, a doutrina vem a considerando como válida tal modalidade de analogia in bonam partem que se funda em princípio de eqüidade e na regra da legalidade não trazer proibitivos a sua incidência.

Miguel Reale Júnior:

A taxatividade impõe uma leitura precisa e clara da norma, definindo para além de toda a dúvida, os limites e fronteiras do punível. O princípio da tipicidade em sua angulação político-garantidora obriga que o trabalho hermenêutico não amplie o significado do proibido para atender aos fins que o acusador ou o julgador pretendam dar à incriminação e, em conseqüência, é absolutamente vedada a analogia nos domínios do direito penal, senão in bonam partem[31].

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No que tangencia ao uso da analogia em função das normas penais não-incriminadoras gerais, aquelas excludentes ou atenuantes, temos que Luiz Regis Prado veda sua utilização e parte da premissa de que por se tratar de um direito excepcional, a interpretação do comando deve ser restritiva[32], malgrado tal posicionamento insurge majoritariamente a doutrina nacional.

5.) CONJUGAÇÃO DE LEIS PENAIS (LEX TERTIA):

                        A Lex Tertia é a combinação de leis, a qual consiste na aplicação de partes benéficas de duas ou mais leis visando favorecer ao autor do fato.

                        O juiz com base no tempus regit actum aplica o preceito benéfico da primeira e pela retroatividade benéfica aplica o postulado minorado da segunda lei.

                        Tal questão gera celeuma acerca do juiz estar legislando positivamente e violando o princípio da legalidade, bem como a separação dos poderes.

                        Há quem defenda a inadmissibilidade da medida, como Nelson Hungria[33] e Aníbal Bruno, pois o juiz não pode criar leis e invadir campo exclusivo e privativo do Poder Legislativo, configurando-se como legislador positivo. O juiz monocrático pode ser legislador negativo, por meio do controle de constitucionalidade, mas, todavia, nunca positivo.

                        Outros, por seu turno, defendem a possibilidade da lex tertia, com Cezar Bitencourt[34], Magalhães Noronha[35] e José Frederico Marques que aduz que quem pode o mais poderá o menos, onde se ele pode aplicar toda a lei igualmente poderá aplicar apenas uma parcela dela. O juiz não cria lei, apenas está interpretando-a para uma perfeita adequação aos ditames constitucionais do Direito Penal e a função garantista do julgador, portanto ele “está apenas movimentando-se dentro dos quadros legais para uma tarefa de integração perfeitamente legítima”[36].

6.) LEIS PENAIS TEMPORÁRIAS E EXCEPCIONAIS:

As Leis Penais premidas de tais elementos possuem prazo de validade pré-delimitado, vez que foram criadas para dar tratamento a uma situação de especial gravidade e instabilidade social, onde podem ou não ter o lastro de vigência determinado ou, ao menos, determinável.

                         José Frederico Marques pontua:

...por ter sido elaborada em função de acontecimentos anormais, ou em razão de uma eficácia previamente limitada no tempo, não se pode esquecer que a própria tipicidade dos fatos cometidos sob seu império, inclui o fator temporal como pressuposto da ilicitude punível ou agravamento de sua sanção[37].

A Norma Penal Excepcional é aquela que se refere expressamente e tão somente ao caso contido nela, pois tem por fundamento uma medida de política criminal específica e não se ampara em princípio geral do direito. São aquelas cujo período de vigência vincula-se à duração das circunstâncias anormais que a deu vida e condicionam a sua existência.

Inicialmente, as Leis Penais Temporárias são aquelas cujo período de vigência encontra-se expressamente determinado em seu texto ou em outro texto legal. Justificam-se em épocas mais graves, com o período de vigência sendo pré-determinado.

                        As leis supramencionadas sempre possuirão a ultratividade, alcançando fatos ocorridos durante a sua vigência que não estarão sob o crivo da legislação normal, pois os fatos se deram em período de instabilidade e, por tal, se submeterão à lei anormal. 

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                        O fundamento dela é evitar a fraude para a aplicação da lei penal benéfica, afastando eventual inocuidade.

                        O art. 5º, XL, CF traz o princípio regra do tempus regit actum e a retroatividade da lei penal benéfica e os princípios constitucionais só podem ser excepcionados na própria Constituição. Paulo José da Costa Júnior com estribo na referida norma constitucional defende a inconstitucionalidade no art. 3º, CP[38].   

Malgrado a opinião supra, não se trata, contudo, de irretroatividade ou sucessão de leis penais no tempo, mas sim, de ultratividade[39], porque durante esse período extraordinário de convulsão social ou calamidade pública[40] teríamos dois crimes, onde a pena mais gravosa se justificaria ante a situação de anormalidade, aplicando-a ante o período da especialidade.

A retroatividade se fundaria na aplicação futura de uma lei pretérita, o que não é o caso, pois a lei nasceu com um condicionamento temporal de vigência que deve ser respeitado na inteireza, sob pena de subverter a finalidade da norma e a anormalidade da situação de fato. A lei não retroage, mas se aplica a fatos ocorridos durante sua vigência.  

                        No caso de haver sucessão de leis excepcionais ou temporárias a questão passa a ser de leis no tempo, mas com um condicionante especial, a aplicação de a segunda lei depender de previsão expressa no sentido de trazer a retroatividade benéfica alcançando os fatos anteriores da anormalidade.

7.) NORMA PENAL EM BRANCO:

                        É aquela norma penal incriminadora que necessita de complemento para a aplicação do preceito primário dela mesmo.

Andreas Eisele explica:

No entanto, determinados enunciados legais (tipos) são incompletos (ou seja, insuficientes na descrição da conduta), carecendo de complementação devido ao fato de conterem elementos cujo conteúdo semântico é estabelecido por outros dispositivos de natureza legislativa. Desse modo, para elaboração completa da descrição da conduta típica, é necessária uma síntese coordenada de ambos os dispositivos legais[41].

A norma penal em branco, segundo Luiz Regis Prado: “é aquela que necessita de complementação de outro ato normativo que também passa a ter natureza penal”[42].

As Normas Penais em Branco em sentido lato, homogênea, imprópria são aquelas cujo complemento deriva da mesma fonte formal que a editou. O comando emana da União (art. 22, I, CF), e o complemento também dela advém. Binding quando a criou pensou em estabilizar o preceito primário e permitir sua atualização constante sem o devido processo legal que se desatualize o corpo legal.

De outro lado, as Normas Penais em Branco em sentido estrito, heterogênea, própria possuem o complemento decorrente de fonte distinta da lei formal, tal qual o decreto, a portaria.

                        Tal arcabouço normativo, não pode ter complemento em leis estaduais ou municipais porque a alteração do complemento ensejaria um processo legislativo para alterar as referidas leis. De outro lado, outros defendem sua possibilidade por atender o requisito formal de Binding, a saber, outro ente federado.

                        A flexibilização da norma penal em branco se dá dos aspectos laterais dos tipos penais, nunca podendo ir além dos mandamentos incriminadores centrais de um tipo penal ou ser utilizado em demasia para que se tenha um maior alcance as figuras incriminadoras, sob pena de subverter a legalidade, a taxatividade e a segurança jurídica.

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Muito embora, seja necessário tal cuidado por parte do legislador tal se revela como medida de política criminal cômoda[43] ao legislador, em especial, no Direito Penal Econômico.  

Deparando-nos com lei penal em branco que apresente influência negativa sobre o próprio preceito primário do tipo temos uma situação de evidente inconstitucionalidade, onde a lei deixa de ser certa, perdendo espaço para estágios de antecipação de tutela penal e maximização do controle penal.

Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli apontam: “O Poder que complementa a lei em branco deve ter o cuidado de respeitar a natureza das coisas porque, do contrário, através de tal recurso pode ser mascarada uma delegação de competências legislativas penais”[44]

                        Na hipótese de haver uma alteração de complemento no tempo em tais normas, e, sendo a norma sucessora mais benéfica ela retroagiria para alcançar fato submetido ao complemento?

                        Em se tratando de Norma Penal em Branco em sentido lato a mudança do complemento em benefício do agente enseja a retroatividade do novo complemento, se houver uma modificação na concepção do Estado sobre um determinado instituto a lei penal benéfica retroage. Caso o primeiro complemento seja uma lei temporal ou excepcional e o outro uma lei geral, não se terá a retroatividade.

Tratando-se a mudança do complemento em benefício do agente pode-se ou não acarretar a retroatividade do novo complemento. Haverá retroatividade quando o complemento vigente ao tempo do fato não se vincular a circunstâncias temporais e anormais. Hipótese em que terá natureza similar a das leis excepcionais ou temporais possuindo ultratividade, ressalvado a interpretação constitucional que por ventura limite os efeitos da decisão.

8.) FREQÜENTES ESPÉCIES DE LESÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE:

                        O princípio da legalidade pode ser vulnerado por diversas formas, porém, Nilo Batista[45] ao discorrer sobre o assunto de forma sucinta e clara, bem define os principais ataques sofridos pela norma princípio.

                        Em primeiro lugar vem a ocultação do núcleo do tipo, onde o preceito incriminador pode estar oculto na sua inteireza ou esconder-se atrás de outro verbo que revele um agir vago e indeterminado. Há a confusão entre o verbo e o resultado, e.g. arts. 149, 233, CP.

                        No segundo momento, o emprego de elementos do tipo sem precisão semântica, onde os elementos normativos não contém o mínimo de referência que permita uma estabilização do conteúdo do injusto. A imprecisão ocorre aqui até mesmo nos elementos descritivos da conduta proibida, v.g. arts. 245, 247, I e II, CP.

                        O terceiro nível trata de tipificações abertas e exemplificativas, ou seja, tipos penais com preceitos por demais abertos, que dão ensejo a uma excessiva discricionariedade na adequação típica ou permitem abusos por via de interpretação analógica, e.g. arts. 147 e 226, II, CP.

9.) PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NA EXECUÇÃO PENAL:

                        O princípio da legalidade, postulado básico e premissa fundamental da segurança jurídica, busca em sede de execução penal demarcar com rigidez o alcance da sentença e a reserva dos direitos do condenado não atingidos pela decisão[46].

                        É certo que os condenados não podem sofrer privações ou restrições além dos limites necessários à execução de sua pena, com vistas a sua “ação readaptadora”[47].

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                        Tal matriz limita o Estado na forma de execução da sanção penal e para Ela Wiecko Volkemer de Castilho: “O princípio da legalidade na execução penal importa na reserva legal das regras sobre as modalidades de execução das penas e medidas de segurança, de modo que o poder discricionário seja restrito e se exerça dentro dos limites definidos”[48].

                        Nesse sentido, temos um arcabouço de princípios constitucionais que se referem a execução penal, a saber, juiz e promotor natural (art.5º, LIII, CF); presunção de não-culpabilidade (art. 5º, LVII, CF); individualização da pena (art. 5º, XLVIII, CF) e humanidade das penas (art. 5º, XLIX, CF). 

10.) CONCLUSÃO:

Face o exposto, após visualizarmos e contextualizarmos o princípio da legalidade em suas várias facetas, bem como contrapô-lo com a tutela dos interesses meta-individuais podemos averiguar que estamos vivendo uma crise de legalidade, pois há o uso irrestrito da lei penal de forma inapropriada na tutela do risco com variados tipos penais que quebrantam a legalidade e não oferecem a necessária segurança jurídica ou social.

Logo, o princípio da legalidade sofre distorção em sua essência, pois além de termos um Direito Penal de Prima Ratio presenciamos o excesso de elementos normativos, cláusulas gerais, normas penais em branco, além da antecipação das hipóteses de risco e utilização desse ramo do direito como instrumento eleitoral, ao viés, de fomentar uma primordial estabilidade jurídica e social. 

Ao fim, forçoso é concordar com Edmundo de Oliveira que aponta: “não devemos renunciar à busca de uma solução razoável e que se aproxime o mais possível do ideal”[49].

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Notas:

[1] LUISI, Luiz. Princípios Constitucionais Penais. 2ª Ed. Sergio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre. 2003. p. 21.

[2] MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal, vol. I. 1ª Ed. Saraiva: São Paulo. 1954. p.132/133.

[3] PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6ª Ed. RT: São Paulo. 2006. p.130.

[4] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª Ed. Saraiva: São Paulo. 1994. p.21.

[5] BRUNO, Aníbal. Direito Penal, PG. 1ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 1956. p. 192.

[6] BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4ª Ed. Revan: Rio de Janeiro. 1999. p.73.

[7] RÊBELO, José Henrique Guaracy. Princípio da Insignificância e sua Interpretação Jurisprudencial. 1ª Ed. Del Rey: Belo Horizonte. 2000. p.15.

[8] PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 131.

[9] TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 24.

[10] CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JÚNIOR, Paulo José. Direito Penal na Constituição. 3ª Ed. RT: São Paulo. 1995. p. 49.

[11] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal, PG, vol. I. 2ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 2004. p. 36.

[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal, PG, vol. I. 6ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2000. p.110.

[13] TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 31/32.

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[14] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 111.

[15] BATISTA, Nilo. Op. cit. p. 69.

[16] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, vol. I. 24ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2003. p.78.

[17] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: A Nova Parte Geral. 1ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 1985. p.50/51.

[18] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. II, PE. 2ª Ed. Impetus: Rio de Janeiro. 2006. p.26.

[19] TELES, Ney Moura. Direito Penal, PG. 2ª Ed. Atlas: São Paulo. 2006. p.40.

[20] LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípios Penais Constitucionais: O Sistema das Constantes Constitucionais. RT, Fascículos Penais, Ano 89, v. 779. RT: São Paulo. 2000. p. 426.

[21] Ibid. Ibidem. p. 427.

[22] TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 29.

[23] PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 133.

[24] CASTILHO, Ela Wiecko Volkemer. Controle de Legalidade na Execução Penal. 1ª Ed. Sérgio Antônio Fabris Editor: Porto Alegre. 1988. p.18.

[25] COPPETTI, André. Direito Penal e Estado Democrático de Direito. 1ª Ed. Livraria do Advogado: Porto Alegre. 2000. p. 112.

[26] RIOS, Rodrigo Sanchez. Reflexões sobre o Princípio da Legalidade no Direito Penal e o Estado Democrático de Direito. RT, Fascículos Penais, Ano 95, v. 847. RT: São Paulo. 2006. p. 414/415.

[27] TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 2ª Ed. Del Rey: Belo Horizonte. 2002. p.173.

[28] PRADO, Luiz Regis. Op. cit. p. 132.

[29] TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 26.

[30] BRUNO, Aníbal. Op. cit. p.208.

[31] REALE JÚNIOR, Miguel. Op. cit. p. 38.

[32] PRADO, Luiz Régis. Elementos de Direito Penal, vol.I.  3ª Ed. RT: São Paulo. 2005. p.39/40.

[33] HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Comentários ao Código Penal, vol.I. 6ª Ed. Forense: Rio de Janeiro. 1980. p.120.

[34] BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p.109.

[35] NORONHA, Edgard Magalhães. Op. cit. p.81/82.

[36] MARQUES, José Frederico. Op. cit. p. 192.

[37] MARQUES, José Frederico. Op. cit. p.200.

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[38] COSTA JÚNIOR, Paulo José. Curso de Direito Penal, vol. I. Saraiva: São Paulo. 1991. p.29.

[39] NORONHA, Edgard Magalhães. Op. cit. p.80/81.

[40] TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit. p. 44.

[41] EISELE, Andreas. Crimes contra a Ordem Tributária. 2ª Ed. Dialética: São Paulo. 2002. p.32.

[42] PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 3ª Ed. RT: São Paulo. 2006. p. 45.

[43] SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Leis Penais em Branco e o Direito Penal do Risco. Lúmen Júris: Rio de Janeiro. 2004. p. 85 e ss.

[44] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, PG. 2ª Ed. RT: São Paulo. 1999. p. 450.

[45] BATISTA, Nilo. Op. cit. p. 81/82.

[46] DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. 2ª Ed. RT: São Paulo. 1998. p.463.

[47] Ibid. Ibidem. p. 464.

[48] CASTILHO, Ela Wiecko Volkemer. Op. cit. p. 25.

[49] OLIVEIRA, Edmundo. Política Criminal e Alternativas à Prisão. Forense: Rio de Janeiro. 2001. p.10.

http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1751

Sumário:Introdução. 1. As três acepções para uma Teoria Geral do Garantismo. 2. O Garantismo sob o ponto de vista externo. 3. O modelo garantista de legitimidade. 4.Considerações Finais. Bibliografia

Introdução:

O garantismo jurídico nasce, nas palavras de N. Bobbio, ao prefaciar a primeira edição da obra Direito e Razão de Luigi Ferrajoli, do interesse em elaborar um "...sistema geral do garantismo jurídico ou, se se quiser, a construção das colunas mestras do Estado de direito, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo frente às variadas formas de exercício arbitrário de poder" [01].

Para tanto, parte de um postulado teórico bem definido, qual seja, de que os ordenamentos jurídicos modernos de todos os Estados democráticos da atualidade estão fundados em parâmetros sólidos de justiça, racionalidade e legitimidade. E que tais parâmetros, embora consolidados por uma estrutura normativa constitucional, são negligenciados em todos os níveis do poder estatal, revelando um Estado moderno em crise de governabilidade, em meio ao paradoxo instalado em seu ordenamento jurídico que abarca um "modelo normativo" garantista por excelência, mas que em sua "prática operativa" revela-se essencialmente antigarantista.

Cria-se, assim, uma clara divergência entre normatividade e efetividade, e o garantismo submerge como um "modelo limite", pelo qual os sistemas são analisados de forma a distingui-los sempre entre o modelo constitucional e o efetivo funcionamento nos seus sistemas inferiores. Dentro dessa premissa, será adequado

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o sistema constitucional que "...detiver mecanismos de invalidação e de reparações idôneos, de modo geral a assegurar efetividade aos direitos normativamente proclamados." [02]

A proposta de Ferrajoli consiste em resolver esse paradoxo entre modelo normativo e prática operativa, a fim de minimizar a crise presente nos sistemas jurídicos da atualidade.

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Formula, portanto, a Teoria Geral do Garantismo Jurídico, partindo de três concepções de garantismo: (i) garantismo como modelo normativo de Direito, em que ".. é a principal conotação funcional de uma específica formação moderna que é o Estado de direito" [03] ; (ii) garantismo como uma teoria jurídica da validade, da efetividade e da vigência das normas; e (iii) garantismo como filosofia do direito e critica da política.

Cademartori, buscando aprofundar o marco teórico da Teoria Garantista, como filosofia política, assevera que: "... impõe ao Direito e ao Estado a carga de sua justificação externa, isto é, um discurso normativo e uma prática coerente com a tutela e garantias dos valores, bens e interesses que justificam sua existência. Isto permite a valoração do ordenamento a partir da separação entre ser e dever ser do direito, o que é denominado por Ferrajoli de ‘ponto de vista externo’. Tal ‘ponto de vista’ é para o autor essencialmente democrático, pois ‘ex parte populi’, à diferença do ‘ponto de vista interno’, que seria para ele ‘ex parte principis’". [04]

À luz desse preceito doutrinário, o presente trabalho tem por objetivo apresentar, em linhas gerais, a teoria do garantismo jurídico, conforme formulada por Ferrajoli, principalmente sob seu aspecto filosófico político ou, como intitula o autor, da "filosofia do direito e crítica da política" [05] , limitando-se ao entendimento e análise do modelo garantista de legitimidade e da incorporação de um "ponto de vista externo", com o fim de efetivar a prática de legitimação e de deslegitimação ético-poilitica do Direito e do Estado, de forma a ensejar que a adoção de uma postura garantista represente a transformação do Direito e a consolidação da democracia nas sociedades contemporâneas.

1. As três acepções para uma Teoria Geral do Garantismo Jurídico.

A formulação da teoria garantista de Ferrajoli, nasceu e foi aplicada primordialmente no campo do direito penal como resposta à ".. divergência existente entre normatividade do modelo em nível constitucional e sua não efetividade nos níveis inferiores" [06] .

Convicto da sua eficácia Ferrajoli procurou estender o modelo de sua teoria garantista, até então restrita à área penal, para todos os ramos do Direito, aplicando-se-lhes os mesmos pressupostos e a mesma matriz conceitual e metodológica.

A linha condutora para o entendimento de um modelo geral da teoria garantista está presente nas três acepções de garantismo apresentadas pelo seu formulador; acepções estas que interagem entre si, ainda que sejam aparentemente distintas, conforme pretendemos demonstrar no decorrer do desenvolvimento deste comentário.

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1.1) A primeira acepção de garantismo:

A primeira acepção de garantismo, tem sua inserção no modelo normativo de Direito, a partir do momento em que postula que "..o garantismo é a principal conotação funcional de uma específica formação moderna que é o Estado de direito".

O Estado de direito, analisado por Ferrajoli, tem sua origem na tese desenvolvida primordialmente por Norberto Bobbio, marco da diferenciação entre os dois tipos de governo fontes do Estado moderno. Assim, a primeira acepção de garantismo jurídico sugere entendamos essa diferença entre: ( i ) um governo sub leges [07] , submetido às leis; e (ii) um governo per leges [08] , que se expressa mediante leis preponderantemente gerais e abstratas.

Cademartori esclarece que qualquer ordenamento, inclusive os totalitários, poderia ser entendido como "Estado de direito" se analisado pela ótica do governo sub leges. Todavia, pela ótica de um governo per leges "...somente os Estados constitucionais, particularmente os de constituições rígidas, merecem esse epíteto, já que em seus níveis superiores incorporaram não só os procedimentos para a edição de normas de nível inferior, como também os limites substanciais para o exercício de qualquer poder". [09]

Ambas tipificações de governo – sub leges e per leges - coadunam-se perfeitamente aos dois princípios clássicos de legalidade, a saber: (i) a legalidade em sentido lato (ou validade formal); e (ii) a legalidade em sentido estrito (ou validade substancial). [10]

A acepção do termo garantismo, enquanto um modelo normativo de Direito, requer entendamos o "Estado de direito" como aquele que se submete a uma legalidade em sentido estrito (ou validade substancial) - o que Ferrajoli chama de "estrita legalidade", por entender que este princípio exige da lei que condicione a legitimidade do exercício de qualquer poder por ela instituído a determinados conteúdos substanciais.

Sendo assim, Estado de direito é sinônimo de garantismo quando se assemelha a "...um modelo de Estado nascido com as modernas Constituições e caracterizado: (i) no plano formal, pelo princípio da legalidade, por força do qual todo o poder público – legislativo, judiciário e administrativo- está subordinado às leis gerais e abstratas que lhes disciplinam as formas de exercício e cuja observância é submetida a controle de legitimidade por parte dos juizes delas separados e independentes; (ii) no plano substancial da funcionalização de todos os poderes do Estado à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos, por meio da incorporação limitadora em sua Constituição dos deveres públicos correspondentes, isto é, das vedações legais de lesão aos direitos à liberdade e das obrigações de satisfação dos direitos sociais." [11]

Portanto, a distinção entre legitimidade formal e legitimidade substancial é imprescindível para que se compreenda a relação entre democracia política e Estado de direito, fazendo a primeira (formal), referência à forma de governo, e a segunda (substancial) à estrutura de poder.

Tal distinção é necessária para que não se confunda o Estado de direito, entendido como sistema de limites substanciais aos poderes públicos para a consecução das garantias dos direitos fundamentais, ao Estado absoluto, seja ele democrático ou não. [12]

O garantismo como modelo normativo de Direito, segundo Cademartori permite o estudioso analisar um determinado sistema constitucional para verificar eventuais antinomias entre as normas inferiores e seus princípios constitucionais, bem como incoerências entre as praticas institucionais efetivas e as normas legais. A partir daí, poderá inferir-se o grau de garantismo do referido sistema, ou seja, o grau de efetividade da norma constitucional." [13]

1.2) A segunda acepção de garantismo:

Page 23: Do Garantismo Penal

A segunda acepção de garantismo corresponde ao campo da teoria jurídica da validade, da efetividade e da vigência das normas, quando estabelece uma diferença entre "ser" e "dever ser" no Direito; diferença esta centrada na discrepância entre os modelos normativos (tedencialmente garantista e, desse modo, válidos, mas ineficazes) e as práticas operativas vigentes (tedencialmente antigarantistas e, portanto, inválidas mas eficazes). Embora, identificando tais diferenças, Ferrajoli busca, por assim dizer, aproximar os seus elementos, visto entender que pode existir validade sem efetividade e, em um patamar inferior de garantismo, efetividade sem validade, motivando, assim, uma reformulação das noções tradicionais de validade e vigência.

Partindo dessa premissa, se em Kelsen a validade de uma norma está em uma outra norma que lhe é anterior no tempo e superior hierarquicamente, o que equivaleria às diretrizes formais para que tais normas sejam válidas. Revelando a existência de um mecanismo de derivação entre as normas jurídicas, dentro de uma idéia de supra e infraordenação e entre as espécies normativas. [14]

Contudo, evidencia-se que Ferrajoli adere à mesma um novo elemento ao conceito de validade, ou seja, uma norma será válida não somente por sua adequação formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são anteriores e estabelecem pressuposto para sua verificação, mas sim a partir do momento em que a validade traz em si elementos de conteúdos materiais, como fundamento da norma, pautados nos direitos fundamentais.

Dessa feita, a teoria garantista propõe uma redefinição das categorias tradicionais, reconhecendo como vigentes (ou formais), as normas postas pelo legislador ordinário em conformidade com os procedimentos previstos em normas superiores (este é o caso de uma norma que ingresse no ordenamento jurídico a partir do esquema formal de Kelsen), remetendo a palavra validade, à validade substancial dos atos normativos inferiores (caso em que se consideraria tal norma como inválida, se em desconformidade com a racionalidade material deste ordenamento, se não observasse, por exemplo, os direitos fundamentais garantidos por este ordenamento).

Observa-se também que dentro de segunda acepção o garantismo opera "... como doutrina jurídica de legitimação e, sobretudo, de perda de legitimação interna do direito, que requer dos juízes e dos juristas uma constante tensão crítica sobre as leis vigentes, por causa do duplo ponto de vista que a aproximação metodológica aqui delineada comporta seja na sua aplicação, seja na sua explicação: o ponto de vista normativo, ou prescritivo do direito válido e o ponto de vistas fático, ou descritivo, do direito efetivo." [15]

Com base nessas redefinições, entende Cademartori, que o "pano de fundo teórico – geral do garantismo", constitui-se também de quatro predicados distintos que se podem imputar às normas, a saber: justiça, vigência, validade e eficácia (efetividade). [16]

Importante ressaltar que o garantismo se insere dentro de um modelo positivista próprio do Estado moderno, consubstanciado pela forma jurídica do

Estado, em conformidade com o princípio da legalidade, desde que o mesmo seja apreendido dentro do conceito de um juspositivismo crítico, em contraposição ao juspositivismo dogmático. Eis, pois, a diferença substancial entre normas vigentes, válidas e eficazes. [17]

Assim sendo, encontra-se o objeto, o ponto de partida para uma teoria positivista crítica, a qual, por sua vez, não é externa, ao contrário, é interna, isto é, inerente ao próprio processo científico e questionador que se depreende do exercício da atividade jurisdicional.

Embasado neste postulado, Ferrajoli deixa claro que "Em contraste com as imagens edificantes dos sistemas jurídicos oferecidos a partir de suas representações normativas, e com a confiança a priori difusa da ciência jurídica na coerência entre normatividade e efetividade, a perspectiva garantista requer, ao contrário, a dúvida, o espírito crítico e a incerteza permanente sobre a validade das leis e de suas aplicações e, ainda, a

Page 24: Do Garantismo Penal

conseqüência do caráter em larga medida ideal – e, em todo o caso não realizado e a realizar- de suas mesmas fontes de legitimação jurídica." [18]

Isto posto, as determinações a priori contidas na distinção entre normatividade e efetividade não têm por objetivo determinar certezas absolutas, como a unidade e coerência inerentes a um ordenamento jurídico, mas ao contrário, pretende o questionamento, o espírito crítico do operador do direito, em verdadeiro estado de prontidão, objetivando perquirir sempre, ainda que partindo de um referencial estatal, sobre a validade da lei posta, em sintonia com a possibilidade real de sua aplicabilidade, com eficácia.

1.3) A terceira acepção de garantismo:

A terceira, e última, acepção de garantismo é apresentada por Ferrajoli sob a denominação de "ponto de vista externo", via da qual sustenta que a teoria garantista comporta também uma filosofia do direito e uma crítica da política. Neste sentido invoca a presença de uma filosofia política que impõe ao Direito e ao Estado a carga de sua justificação externa, fato que permite a valoração do ordenamento, a partir da dicotomia ser e dever ser do direito, o que Ferrajoli chama de "ponto de vista externo". Isso vale dizer que o ponto de vista externo ".. equivale à assunção, para os fins de legitimação e da perda de legitimação ético-política do Direito e do Estado, do ponto de vista exclusivamente externo." [19]

Dentro dessa assertiva, conclui que uma doutrina filosófica-política, permite não somente a crítica, mas é também responsável pela "...perda da legitimação desde o exterior das instituições jurídicas positivas, baseadas na rígida separação entre direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre direito e moral, ou entre validade e justiça, ou entre ponto de vista jurídico ou interno e ponto de vista político ou externo do ordenamento." [20]

Por seu turno, Ferrajoli afirma que a confusão e separação entre legitimação interna ou jurídica e legitimação externa ou moral, equivale às duas vertentes existentes nas doutrinas políticas que fundamentam os sistemas políticos de todos os tempos, a saber: (i) à primeira, denominada pelo mesmo de doutrinas "autopoiéticas", correspondem às doutrinas políticas que fundamentam os sistemas políticos sobre si mesmas; (ii) a segunda, designada como doutrinas "heteropoiéticas", dizem respeito a legitimação externa ou moral, cuja doutrina política se funda na finalidade social, tendo suas instituições políticas e jurídicas justificadas como mecanismo garantidor dos direitos fundamentais dos cidadãos.

É de todo importante ressaltar que são "autopoiéticas", todas as doutrinas de legitimação que fundamentam a razão de ser do Estado em identidades metafísicas como religião, natureza e similares. Do mesmo modo, o são as doutrinas idealistas, versões do juspositivismo ético-liberal-nacionalista, como as fascistas e stalinistas, porque assumiram "...o princípio da legalidade não só como princípio jurídico interno, mas também como princípio axiológico externo, sobrepondo à legitimidade política a legalidade jurídica e conferindo às leis valor, e não apenas validade ou vigor, unicamente com base no valor associado à priori, à sua forma, ou pior, à sua fonte (o soberano, ou a assembléia, ou o ditador, ou o partido, o povo, ou similares)". [21]

Ferrajoli é categórico ao afirmar que a perda de um ponto de vista ético-político externo tem como conseqüência a negação da legitimidade, dando margem a uma doutrina de ausência de limites aos poderes do Estado.

O garantismo, num sentido filosófico – político, consiste essencialmente nesta fundação heteropoiética do direito, separado da moral.

Page 25: Do Garantismo Penal

2. O ponto de vista externo

Neste tópico os nossos comentários circunscrevem-se especificamente aos argumentos sustentados por Ferrajoli no Capítulo 14 da sua obra, oportunidade em que apresenta a sua "análise metateórica do ponto de vista externo", onde, partindo da vinculação dos poderes com os direitos fundamentais, elucida, esclarece e identifica a simetria existente nas relações entre cidadãos e Estados e tudo mais que deriva desta relação.

Com base no seu conceito de "ponto de vista externo", Ferrajoli esclarece que o significado desse conceito está diretamente vinculado ao ponto de vista das pessoas, dos cidadãos. É o valor atribuído à pessoa, fundado no princípio da igualdade jurídica, em que se inclui as diferenças pessoais e se exclui as diferenças sociais.

Segundo o autor, o princípio da igualdade jurídica, embora sendo um princípio complexo, possui, num primeiro sentido, um valor associado indistintamente à todas as pessoas, "sem distinção". Num segundo sentido, as diferenças se resolvem em privilégios ou discriminações sociais que, segundo o autor, "...lhe deformam a identidade e lhe determinam a desigualdade, lesando-lhe ao mesmo tempo o igual valor." [22]

Dissecando esse entendimento, Cademartori esclarece, "com a normatização da igualdade formal, parte-se do pressuposto de que os homens devem ser considerados como iguais (abstraindo suas diferenças pessoais, tais como, raça, sexo, etc.) Com a afirmação da igualdade substancial, sustenta-se que as diferenças sociais devem ser levadas em conta, mas os homens devem ser igualados na medida do possível. Então chamará o autor de diferenças as diversidades do primeiro tipo e desigualdades as do segundo." [23]

Portanto, independente da tipologia, a igualdade jurídica, seja formal ou substancial, será definida como igualdade nos direitos fundamentais, onde garantias do direito à liberdade (ou direitos de) equivalem a igualdade formal ou política, enquanto as garantias dos direitos sociais ( ou direitos a ) asseguram a igualdade substancial.

Embasado nesta sustentação, Ferrajoli concebe o direito à igualdade como um metadireito, tanto no que diz respeito à liberdade, relacionadas aos direitos de liberdade, quanto à fraternidade, objetivada pelos direitos sociais.

Também é neste sentido que os direitos fundamentais são redefinidos, "como aqueles direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor das pessoas e realizar-lhes a igualdade. Diferentemente dos direitos patrimoniais (tais como dos direitos patrimoniais ao direito de credito) os direitos fundamentais não são negociáveis e dizem respeito a "todos" em igual medida, em razão da identidade de cada um como pessoa e/ou como cidadão." [24]

É, portanto, a autonomia crítica da política e da moral sobre o direito positivo que faz com que este seja um meio para realizar os valores metajurídicos, ou seja, externos. A este princípio são somadas três teses: (i) a refutação do legalismo ético; (ii) a inexistência de uma obrigação política e moral, mas jurídica de obedecer às leis; (iii) a crítica do conceito de soberania estatal. [25]

A separação entre direito e moral e a necessidade de se recorrer a princípios morais que justifiquem as decisões político-jurídicas, não implicam numa contradição no Sistema Garantista (SG). Na realidade, a relação dicotômica existente entre direito e moral quer dizer, num sentido assertivo, que moral e direito não se confundem; e principalmente, que a moral não é suficiente nem em sede judiciária, nem em sede executiva para justificar a intervenção penal. Daí a existência e o primado do ponto de vista externo.

Assim, refutar o legalismo ético representa a própria assunção de um ponto de vista externo, ou seja, de um modelo heteropoiético do direito. O que não quer dizer que o primado de um ponto de vista extrajurídico, impeça que o Direito assuma determinados valores. Como vimos, esta é a própria característica distintiva do Estado de Direito.

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Quanto a tese da existência ou não de uma obrigação moral de se respeitar o Direito, esta nos remete a duas outras questões: (i) a obrigação de obedecer às leis é universalizável?; (ii) o Estado de direito pode pretender uma adesão moral para além da adesão jurídica? [26]

De acordo com Ferrajoli, responder positivamente a estas duas questões nos levaria a um legalismo ético (embasado num positivismo dogmático), que per si o SG refuta. Na verdade, a adesão moral do cidadão ao Estado de Direito é conseqüência do fato de ele não a pressupor.

A terceira tese suscitada é a da existência de uma "soberania limitada" como característica do Estado de Direito. Esta idéia, no entanto, está menos ligada a uma orientação jurídica, (uma vez que o conceito jurídico de soberania abarca seu caráter absoluto) e mais propensa a uma orientação política, isto é, está voltada para o entendimento de uma realidade ainda em construção, das mudanças realizadas no plano da autonomia externa dos Estados Nacionais. Significa a insustentabilidade - já defendida por Kelsen - do dogma da soberania absoluta. Acalentando interessante discussão acerca da relação entre garantismo e Federalismo em nível mundial, a partir da aceitação de todos os paises, de um direito internacional eficaz e garantista, com poder de controle externo sobre os poderes internos desses mesmos Estados.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/8037/teoria-geral-do-garantismo#ixzz259P9Zvx4

http://jus.com.br/revista/texto/8037/teoria-geral-do-garantismo

O princípio da legalidade no direito penal brasileiroRommero Cometti Tironi

Elaborado em 06/2009.

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a A

Resumo: O princípio da legalidade, como uma das principais garantias individuais do cidadão, tem aplicação em todos os ramos do direito. Restringimo-nos aqui a abordar a legalidade no âmbito do Direito Penal, fazendo breve menção à sua previsão constitucional no inciso II do art. 5º da Constituição Federal. Pretendemos, com este lacônico estudo, apontar as características fundamentais do princípio da legalidade, suas funções, bem como as implicações que daí decorrem, os princípios que com ele se relacionam diretamente e a aplicação da lei penal no tempo, trazendo algumas orientações jurisprudenciais dos Tribunais Superiores sobre os assuntos mais relevantes. É garantia individual de cunho constitucional cuja análise é imprescindível para a compreensão de todos os outros institutos do Direito Penal, sendo também o princípio mais importante desse ramo do Direito. Sem a pretensão de esgotar o tema, estudaremos apenas as questões do instituto que reputarmos mais relevantes.

Palavras-chave: Estado de Direito. Direito Penal. Princípio. Legalidade. Norma penal.

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Abstract: The principle of legality, as one of the main citizen individual guarantees, is applied in all spheres of law. Here we limit ourselves to analyze legality by the Criminal Law point of view, briefly mentioning it’s constitutional appearance in art. 5º, number II, of the Federal Constitution. We intend, by this laconic study, indicate the fundamental characteristics of the principle of legality, it’s functions and the arising implications of it, the principles directly related to it and the application of the criminal rule according to time, bringing some precedentes of the Superior Courts about the most relevant subjects. The principle of legality is a constitutional individual guarantee whose analysis is indispensable for the comprehention of all other institutes of Criminal Law and it’s the most important principle of this ambit of Law. There’s no intention in exhausting the subject, so we’ll study only the issues that we repute most relevants.

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Keywords: State of Law. Criminal Law. Principle. Legality. Criminal rule.

Sumário: 1. Estado de Direito e princípio da legalidade. 2. Princípios qualificadores da legalidade no Direito Penal. 3. Origem. 4. Funções. 5. Legalidade formal e legalidade material. 6. Conflito de leis penais. 6.1. Lei penal no tempo. 7. Norma penal em branco. 8. Bibliografia.

1. ESTADO DE DIREITO E PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Estado de Direito é uma concepção imediatamente ligada ao princípio da legalidade. Inocêncio Mártires Coelho remonta o conceito de Estado de Direito ao direito alemão, mencionando Böckenförde, o qual ressalta que o surgimento dessa expressão se deu na Alemanha. Seu significado não tem correspondente exato em outro idioma, significando, no âmbito da teoria do Estado do liberalismo alemão, dentro da qual foi cunhada a expressão, o Estado da razão, do entendimento, ou "[...] o Estado em que se governa segundo a vontade geral racional e somente se busca o que é melhor para todos". O autor aponta, então, características essenciais do Estado de Direito: não é criação de Deus, estando a serviço dos interesses de todos os indivíduos; sua atividade cinge-se a garantir a liberdade, a segurança e a propriedade, assegurando a todos a possibilidade de desenvolvimento individual; e: [01]

[...] a organização do Estado e a regulação das suas atividades obedecem a princípios racionais, do que decorre em primeiro lugar o reconhecimento dos direitos básicos da cidadania, tais como a liberdade civil, a igualdade jurídica, a garantia da propriedade, a independência dos juízes, um governo responsável, o domínio da lei, a existência de representação popular e sua participação no Poder Legislativo (grifo nosso).

Um Estado com o predicativo "de Direito" tem como principal característica, então, exatamente o domínio da lei. Daí a garantia de que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei (art. 5º, II, da Constituição). É exatamente esse o princípio da legalidade, sendo inclusive garantia individual. [02]

Zagrebelsky, citado por Inocêncio Coelho, afirma categoricamente que, a lei não depende de legitimação material, ainda possa vir a ser invalidada por inconstitucionalidade. Ela vale porque é lei, e não pelo conteúdo de sua prescrição [03] . Vemos que a afirmação é fruto da tamanha importância que é dada à lei no Estado de Direito. É claro que não podemos aderir cegamente à ideia de que a lei, sendo formalmente válida, sê-lo-á invariavelmente no âmbito jurídico. Hodiernamente temos que admitir uma legalidade comprometida

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com a Constituição, lei fundamental do moderno Estado de Direito. [04] Vale a lembrança de que todas as Constituições brasileiras trouxeram o princípio da legalidade no sentido do Direito Penal em seu bojo. [05]

2. PRINCÍPIOS QUALIFICADORES DA LEGALIDADE NO DIREITO PENAL

Trasladado especificamente para o âmbito do Direito penal, o princípio da legalidade assume feições peculiares. Sua aplicação é idêntica, tendo-se-o como verdadeira garantia do cidadão (art. 5º, XXXIX, CF), [06] todavia vários outros princípios associam-se a ele. Nucci aponta três significados principais de legalidade: o político, que o posiciona como garantia constitucional dos direitos fundamentais; o jurídico lato sensu, traduzido pelo art. 5º, II, da Constituição; e o jurídico stricto sensu, consoante o qual os tipos penais incriminadores apenas podem ser criados por leis em sentido estrito, produzidas pelo Poder Legislativo e em conformidade com o processo legislativo constitucionalmente disciplinado. [07]

Auxiliando-o, surge uma série de princípios, os quais não abordaremos aqui em sua totalidade, por não ser essa a pretensão deste estudo. Vale a menção de alguns deles, de suma importância para a eficiência da legalidade. Isso porque o legislador não está adstrito tão-somente ao princípio da legalidade para criar leis penais incriminadoras, mas também a uma gama de outros princípios. [08] O princípio da intervenção mínima, por exemplo, designa a exclusividade da intervenção do Direito Penal para os casos de violação aos bens jurídicos mais importantes; é a criação da lei penal vinculada ao Direito Penal como ultima ratio. Esse princípio limita o poder incriminador do Estado, qualificando o princípio da legalidade, tornando-o mais benéfico ao cidadão. [09] Complementando a intervenção mínima, temos o princípio da fragmentariedade. Diz esse princípio que o Direito Penal, apesar de proteger apenas os bens jurídicos mais importantes, somente deverá intervir em situações específicas, de grave violação a esses bens. "Fragmentariedade" porque importará ao Direito Penal apenas um "fragmento" das hipóteses de violação aos bens jurídicos mais importantes. [10] Mencionemos também o princípio da taxatividade, segundo o qual a lei penal deverá ser categórica e o mais clara possível, garantindo maior segurança jurídica ao cidadão. [11]

Não podemos deixar de citar o princípio da proporcionalidade, também qualificador da legalidade. No momento de cominação das penas de cada crime (bem como na aplicação), deverá o legislador atender ao critério da proporcionalidade. Deverá o valor da pena corresponder razoavelmente à gravidade da conduta praticada pelo agente. [12] Ademais, o princípio da limitação das penas, garantido constitucionalmente (art. 5º, XLVII, CF), impede que uma lei penal imponha penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis. [13]

O princípio da ofensividade, bem lembrado por Luiz Flávio Gomes, determina que uma conduta punível pelo Direito Penal não é só aquela que se subsume a uma descrição típica, senão aquela que efetivamente lesiona o bem jurídico protegido por aquele tipo penal (nullum crimen sine iniuria). [14] Acompanhando o princípio da legalidade, temos também o da irretroatividade da lei penal (constitucional, apenas se permitindo a retroatividade se a lei for mais benéfica ao réu). [15] São todos princípios voltados a beneficiar o cidadão, corroborando a intervenção mínima exigida pela natureza repressiva do Direito Penal.

Finalmente, os princípios da territorialidade e da extraterritorialidade contribuem também para uma maior segurança jurídica para os cidadãos. De nada adianta saber que para se ser obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo deve haver uma lei dizendo que deve ser assim se não se sabe em que lugares será aplicada essa lei. Pelo princípio da territorialidade, é aplicada a lei brasileira a todo crime cometido no território brasileiro. Para efeitos de aplicação da lei penal no espaço, território é o espaço onde o Estado exerce sua soberania. Dessarte, compreende a área terrestre, limitada pelas fronteiras; os mares interiores, lagos e rios; o mar territorial e as ilhas marítimas; o espaço aéreo correspondente e as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro, onde quer que estejam, bem como aeronaves e embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada que se encontrem no espaço aéreo correspondente ou em alto mar (art. 5º, § 1º, CP). [16]

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O princípio da extraterritorialidade é aplicável em situações excepcionais. Serão punidos agentes que houverem praticado crimes no estrangeiro nas hipóteses previstas no art. 7º, I (extraterritorialidade incondicionada) e II (extraterritorialidade condicionada). Tomamos a liberdade de não dispô-las aqui, por serem hipóteses e condições categóricas de aplicação da lei brasileira, sem maiores complicações. [17]

3. ORIGEM

Muitos afirmam remontar à Magna Carta, de 1215, a primeira aparição do princípio da legalidade. Seu art. 39 assim dispunha: [18]

Art. 39. Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem despojado de sua propriedade, de suas liberdades ou livres usos, nem posto fora da lei, nem exilado, nem perturbado de maneira alguma; e não poderemos, nem faremos pôr a mão sobre ele, a não ser em virtude de um juízo legal de seus pares e segundo as leis do País (grifo nosso).

Desenvolveram essas ideias John Locke [19] e Montesquieu [20] , do final do século XVII ao início do século XVIII, propagando-se com os enciclopedistas, com os filósofos, entre outros. [21]

Por outro lado, foi com a Revolução Francesa que o princípio amoldou-se às exigências do Direito Penal, mais precisamente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Antes dela, o Bill of Rights e as Constituições das colônias inglesas na América do Norte já o haviam mencionado, com destaque para o Bill de Virgínia, como primeiro reconhecimento legislativo. O Congresso da Filadélfia, de 1774, erigiu-o à categoria de direito fundamental. Na Europa, o primeiro registro após a Magna Carta fora a Ordenança Penal Austríaca, de José II, a Josefina, do início de 1787. Logo após, ainda em 1787, nasceu a Constituição americana de 1787, fazendo menção expressa ao princípio. [22] Quem trouxe o princípio à América Latina foi Feuerbach, sob o brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege. [23]

Vale lembrar que esse princípio sempre foi expressamente previsto no Código Penal brasileiro (desde o Código do Império, de 1830, até Código de 1940, com a Reforma de 1984), [24] o que não seria necessário, haja vista que a Carta Magna já dispõe nesse sentido. Atualmente, o Código Penal traz o princípio da legalidade (ou da anterioridade da lei penal [25] , como preferem alguns) no seu art. 1º.

Insta salientar que muitos autores diferenciam princípio da legalidade, princípio da reserva legal e princípio da anterioridade da lei penal. Consideramos equivalentes os três conceitos. Mesmo que se os considerem diversos, abordaremo-los como aspectos atinentes ao princípio da legalidade, apenas não mencionando o nomen juris pretendido por alguns autores.

4. FUNÇÕES

Consoante o magistério de Rogério Greco, o princípio da legalidade apresenta quatro funções fundamentais: proibir a retroatividade, a criação de crimes e de penas pelos costumes, o emprego de analogia na criação de crimes ou na fundamentação ou agravação de penas e as incriminações vagas e indeterminadas. [26]

Essa é apenas uma sistematização das funções do princípio da legalidade, pois, ao analisarmos os princípios qualificadores da legalidade, já fizemos menção a todas elas. Vejamo-las, então.

A primeira delas é a de proibir a retroatividade. Vimos que o princípio da irretroatividade da lei penal, com fulcro constitucional (art. 5º, XL, CF), reforça a legalidade, pois, além de uma pessoa só poder ser punida por previsão legal, essa punição apenas se poderá dar a partir do início da vigência daquela lei. Esta é a

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redação do inciso XL do art. 5º da Constituição: "A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" (grifo nosso). Aqui o próprio dispositivo constitucional que disciplina o princípio prevê uma exceção. Como dissemos, os princípios qualificadores da legalidade estão sempre voltados para o bem do cidadão, portanto a exceção se coaduna com essa ideia. Assim, diz-se que o Brasil aceita a retroatividade in mellius (ou proíbe a retroatividade in pejus), podendo-se aplicar a lei mesmo se ainda estiver em vacatio legis, desde que benéfica ao réu. Um brocardo resume essa função do princípio da legalidade: nullum crimen nulla poena sine lege praevia. [27]

A segunda diz respeito à impossibilidade de se criarem crimes ou penas pelos costumes. Ora, vimos que a principal implicação do princípio da legalidade é o fato de ser a lei a fonte precípua do Direito Penal (a única fonte imediata). A incriminação e a penalização são funções atribuídas exclusivamente à lei. Dessarte, é imperioso admitir que os costumes não têm o condão de criminalizar condutas, ou seja, nullum crimen nulla poena sine lege scripta. [28] Por outro lado, não podemos afirmar categoricamente que os costumes não exercem influência no Direito Penal. Doutrinária e jurisprudencialmente se reconhece o costume como fonte do Direito Penal quando aparece para beneficiar o réu. [29]

Vale aqui uma observação. Temos o chamado princípio da adequação social, segundo o qual não devem ser criminalizadas (ou devem ser descriminalizadas) condutas socialmente adequadas ou reconhecidas. Se a sociedade não abomina determinada conduta a ponto de ser tão importante que demande uma proteção do Direito Penal, essa proteção não deverá ocorrer. Atentemo-nos para a afirmação: o princípio da adequação social não tem o poder de revogar tipos penais incriminadores. Destina-se, antes de tudo, ao legislador, para que adapte o Direito Penal à cultura da época e do local nos quais se o aplicará. [30] Outrossim, deve ser admitida a aplicação do princípio da adequação como critério para a determinação, pelo juiz, da atipicidade de certas condutas. Tanto deve ser assim que até recentemente se aderiu a essa prática, quando os juízes, desconsiderando o tipo penal do adultério, não o aplicavam, sob o pretexto de que, para a sociedade, não havia mais aquela repugnância de tempos atrás com relação à conduta adúltera.

A terceira função é a de proibir o emprego de analogias para se criarem crimes ou para se fundamentarem ou agravarem penas. Em resumo, o princípio da legalidade é voltado também para impedir a analogia in malam partem. [31] A analogia não poderá ser empregada em prejuízo da parte. Isso porque as normas penais devem estar escritas, legalmente previstas, não se podendo impor, por exemplo, a pena do crime de estupro sobre uma mulher que constrangeu um homem a conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça, pois o tipo penal do art. 213 do Código Penal apenas faz menção a "constranger mulher". Ora, não há lei alguma dizendo, expressamente (na forma escrita), que o constrangimento feito pela mulher sobre o homem com essa finalidade é punível como crime de estupro, razão pela qual não se deverá aplicar a pena desse crime. Por outro lado, a analogia in bonam partem é amplamente aceita, por se basear num princípio de equidade. [32] Empresta-se a essa função o brocardo nullum crimen nulla poena sine lege stricta.

A última função sugerida por Greco é a proibição de incriminações vagas e indeterminadas. Já vimos também essa função quando falamos do princípio da taxatividade. O crime, além de ter que ser previsto legalmente, deve ser disposto de forma categórica e clara. A lei deve ser taxativa. Não pode o cidadão ficar à mercê do intérprete. O art. 5º, II, da Constituição diz que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Imaginemos um tipo penal com o seguinte preceito primário: "atentar contra os interesses da pátria. Pena – reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos". Pelo dispositivo constitucional, o cidadão só é obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo em virtude de lei. Sendo esse tipo penal instituído por lei, estará o cidadão obrigado a "deixar de atentar contra os interesses da pátria". O que vêm a ser "interesses da pátria"? Que condutas almodariam-se ao tipo em questão? São perguntas sem resposta exata. Diante da vagueza do tipo penal, o cidadão encontra-se em situação de extrema insegurança, não sabendo exatamente o que deve deixar de fazer em função daquela norma. É justamente isto que o princípio da legalidade abomina: tipos penais abertos. [33]

Para burlar o princípio da legalidade (mediante a violação do princípio da taxatividade), regimes totalitários lançaram mão de tipos penais vagos com o objetivo de deixar ao talante do seu aplicador as hipóteses de

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subsunção. Foi o que ocorreu na Alemanha nazista, [34] na Itália fascista e também na União Soviética, [35] após a revolução bolchevique. Na atual Dinamarca, há previsão profundamente hostil ao princípio da legalidade, e na Inglaterra não há disposição constitucional expressa relativamente ao princípio da legalidade. [36] No Brasil, temos ainda tipos penais vagos. Exemplo é o art. 9º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83): "Art. 9º. Tentar submeter o território nacional, ou parte dele, ao domínio ou à soberania de outro país [...]". É caso que se assemelha ao do exemplo dado anteriormente. Como ocorre a submissão do território nacional à sobernia de outro país? Tipos penais obscuros como esse são o que o princípio da legalidade repugna (nullum crimen nulla poena sine lege certa). [37] Dessarte, é perfeitamente plausível defender-se a inconstitucionalidade desse dispositivo. Na falta de uma tipificação mais taxativa, seria até possível defender-se a tese da "lei ainda constitucional", porém de fato devemos rechaçar essa prática.

É mister salientarmos que, no pós-guerra, o princípio da legalidade se fez mais presente nos códigos penais: art. 2º do Código Penal tcheco de 1950; art. 4º do iugoslavo de 1951; arts. 2º e 9º, I, dos búlgaros de 1951 e de 1968, respectivamente; art. 1º do húngaro de 1961; art. 4º do da República Democrática da Alemanha de 1968. [38] Hodiernamente, temos ainda vários exemplos de códigos: o art. 4º do francês; o art. 1º do holandês; os arts. 5º e 18 do português; o art. 2º do belga; o art. 1º do italiano; o art. 1º do suíço; os arts. 1º e 23 do espanhol de 1944; o art. 1º do polonês; o art. 1º do romeno; o art. 7º do mexicano; os arts. 27 e 28 do boliviano; o art. 4º do haitiano; os arts. 18 e 80 do chileno; o art. 4º do dominicano; os arts. 1º e 40 do salvatoriano; os arts. 15, 41 e 83 do nicaraguense; os arts. 20 e 89 do hondurense; os arts. 53 e 54 do paraguaio; o art. 85 do uruguaio; o art. 1º do panamenho; os arts. 2º e 3º do peruano; o art. 1º do venezuelano; o art. 2º do cubano; o art. 1º do colombiano; os arts. 1º e 2º do guatemalteco; os arts. 2º e 4º do equatoriano; o art. 1º do costarriquense; e o art. 1º do portorriquense. [39]

Vale dizer um dos objetivos principais do princípio da legalidade, além de ser garantia individual constitucional dos cidadãos, é impedir que o Judiciário e o Executivo possam especificar as condutas que devem ser punidas pelo Direito Penal. Aqui há uma forte demanda pela segurança jurídica. [40] A certeza do direito é fundamental para a proteção das liberdades individuais, alvos principais das sanções penais, e o Legislativo é o poder nas melhores condições para conceder essa certeza. Não há segurança maior do que ter um documento escrito disciplinando as situações em que o Estado poderá exercer seu direito de punir, cerceando a liberdade de um cidadão.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/13282/o-principio-da-legalidade-no-direito-penal-brasileiro#ixzz259gTte00

5. LEGALIDADE FORMAL E LEGALIDADE MATERIAL

Mencionamos, no início deste trabalho, que o princípio da legalidade não exige apenas que uma lei discipline a conduta que se pretende prescrever. Esse é o aspecto formal do princípio. A afirmação de Zagrebelsky, citado por Inocêncio Coelho, não pode prosperar rigidamente num Estado de Direito. O Estado é regido pela lei, porém o é, antes de tudo, pela Lei Fundamental, que é a Constituição.

Uma obrigação, para ser imposta ao cidadão (art. 5º, II, CF), deve estar prevista em lei e em harmonia com a Constituição. A Carta Magna de 1988 prescreve vários direitos e garantias fundamentais que são invioláveis, tanto por uma conduta quanto por qualquer ato normativo.

Ora, uma lei não deve ser obedecida apenas por ser lei. Sua natureza não lhe confere uma aura de inquestionabilidade e de exigência de obediência incondicional. Para que uma lei seja válida e possa produzir os efeitos pretendidos pelo legislador, ela deve seguir os trâmites legais para a sua criação, bem como deve estar em consonância com a Lei Maior em seu aspecto material. [41]

A legalidade formal, então, é exatamente o seguir o procedimento formal para a criação de uma lei daquela natureza. Legalidade material, por sua vez, é o amoldar-se o conteúdo da lei aos direitos e às garantias fundamentais, previstos constitucionalmente. [42] Num Estado Constitucional de Direito, a legalidade diz

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respeito a um Estado regido por uma Constituição, a lei suprema, portanto as leis hierarquicamente inferiores devem sempre obediência à suprema. Já que devem observar o procedimento formal, disciplinado na Mater Legis, devem também, e com muito mais razão, conformar-se com as normas constitucionais materiais. O princípio da legalidade exige obediência incondicional à Constituição, seja em âmbito formal (processo legislativo) ou em âmbito material (direitos e garantias fundamentais). Aqui tem lugar a máxima nullum crimen nulla poena sine lege valida.

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6. CONFLITO DE LEIS PENAIS

As leis penais podem entrar em conflito. Assim, por serem as leis penais sempre de mesma hierarquia, podemos dizer com certeza que lei posterior revoga anterior. [43] A revogação é instituto que está no âmbito da invalidade das normas jurídicas. São espécies de revogação a ab-rogação e a derrogação. Aquela designa a invalidação total de uma norma jurídica; esta, a parcial. Assim, como se dá com qualquer norma jurídica, a lei penal posterior revogará a anterior nas disposições em que forem incompatíveis apenas. A revogação pode ser, ainda, tácita ou expressa, não se alterando, contudo, seus efeitos. Será tácita quando as disposições de cada lei forem incompatíveis entre si, de forma que não possam coexistir num mesmo sistema jurídico. Por outro lado, será expressa quando a lei posterior trouxer na forma escrita que determinada lei está revogada, ou a clássica expressão "revogam-se as disposições em contrário", desnecessária, pelo raciocínio que ora demonstramos. [44]

Dissemos que as leis penais são sempre de mesma hierarquia. Isso no âmbito das normas penais incriminadoras, pois uma lei penal pode ser contrária a certa disposição constitucional relativa ao Direito Penal. Nesse caso, é cediço que a lei penal é inconstitucional, sendo, por isso, nula. Ainda, se a Constituição surgir quando a lei penal com ela incompatível já estava vigente, tratar-se-á do fenômeno da não-recepção. Cessará a produção de efeitos pela lei a partir da vigência da nova Carta Magna.

Tanto a parte material da Mater Legis é fundamental para que seja válida a lei penal que uma norma, penal ou não, cuja incompatibilidade com a Constituição for apenas formal será válida, desde que materialmente compatível. Se, por outro lado, a incompatibilidade for exclusivamente material, havendo harmonia entre as duas leis, será ela válida. Queremos dizer aqui que não importa a roupagem dada à lei (o Código Penal, por exemplo, foi elaborado em 1940 sob a forma de Decreto-Lei. A Constituição de 1988 não previu essa espécie legislativa (art. 59), e nem por isso deixou o diploma repressivo de ser válido. Apenas ganhou nova roupagem, hoje sendo tido hierarquicamente como lei ordinária, pois é a espécie legislativa designada pela Lei Maior para a elaboração de normas penais.

Vale lembrar que o fenômeno da repristinação é proibido no Brasil (art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil) para qualquer espécie normativa. Quer dizer essa proibição que, "salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência", conforme o dispositivo legal mencionado.

6.1. LEI PENAL NO TEMPO

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A regra geral da lei penal no tempo é tempus regit actum, isto é, aplica-se a lei vigente à epoca do fato, preservando-se, assim, o princípio da legalidade (ou da anterioridade da lei penal). Havendo conflito de leis no tempo, poderão surgir quatro situações: a lei posterior é mais grave, aboliu o crime, é mais benigna no que tange à pena ou à medida de segurança, contém uns preceitos mais benéficos, e outros mais gravosos. Aplicam-se a essas hipóteses os arts. 2º e 3º do Código Penal.

No caso de lex gravior (lei posterior mais grave), opera a irretroatividade absoluta. A lei nova, tenha criado tipo penal novo ou inovado na agravação de consequências penais, submete-se incondicionalmente ao princípio da irretroatividade. Aplica-se a lei nova apenas aos fatos ocorridos a partir da sua entrada em vigor, e essa regra vale para todas as normas de direito material. [45]

Se, durante a consumação de um crime permanente (que se consuma, como é cediço, a cada instante), surgir lei nova maléfica, e o agente permanecer cometendo o crime, temos duas posições. Assis Toledo afirma que a lei mais maléfica se aplica, e Cirilo de Vargas diz que não, por contrariar o princípio da irretroatividade in pejus. Já nas hipóteses de crime continuado, temos duas situações: se a lei nova surge no curso da série criminosa, só se a aplica às condutas praticadas durante a sua vigência, se os fatos anteriores eram impuníveis; se os fatos anteriores já eram puníveis, vindo a lei nova apenas a agravar a sua pena, aplica-se-a, em tese, a toda a série delitiva. Em casos bem particulares, a solução será diversa, porém sempre se observando a anterioridade da lei penal e o tempus regit actum. Cirilo de Vargas, entendendo diversamente, critica a posição de Assis Toledo e afirma sempre o princípio segundo o qual só pode ser aplicada a lei posterior se mais benigna, ainda que venha a entrar em vigor durante uma série delitiva ou durante um crime permanente. [46] Em 2003, a Súmula nº 711 do STF veio corroborar o posicionamento de Assis Toledo, o qual perfilhamos.

A hipótese de abolitio criminis tem solução bastante simples na doutrina e na jurisprudência. Havendo lei nova que extirpe determinado tipo penal do ordenamento jurídico-penal, aplicá-la-se-á imediatamente, esteja o processo penal na fase em que estiver. [47] Muitos doutrinadores, inclusive, admitem a aplicação da lei nova mais benéfica (lex mitior) já no período de vacatio legis, por uma questão lógica: o período de vacância da norma é criado em benefício do cidadão, logo não faz sentido que o prejudique. Pode-se fundamentar esse raciocínio, ainda, com o art. 5º, XL, e § 1º da Constituição. [48] Havendo abolitio criminis cessam todos os efeitos penais da sentença condenatória (se já houver sido proferida, obviamente), porém persistem os efeitos civis. [49]

A situação de lex mitior também se resolve com facilidade. Sempre que a lei for mais benéfica ao réu, em qualquer sentido, aplicá-la-se-á. Se for anterior, opera com ultraatividade; se for posterior, retroage. [50] Cernicchiaro atenta para a dificuldade de se determinar com clareza, em muitos casos, qual é a lei mais benéfica. O Código Penal de 1969, em seu art. 2º, § 2º, assim dispunha, sem muita utilidade: "para se reconhecer qual a mais favorável, a lei posterior e a anterior devem ser consideradas separadamente, cada qual no conjunto de suas normas aplicáveis ao fato". Atualmente, não temos definição de lex mitior na lei brasileira. [51] O mesmo autor lembra que, em se tratando de diminuição da pena, aparentemente a aferição da lei mais benigna ficaria facilitada. Não é bem assim. Exemplifica o caso de mudança de uma pena de 6 (seis) a 20 (vinte) anos para uma de 4 (quatro) a 25 (vinte e cinco) anos. Defende a avaliação, no caso concreto, de qual lei será mais benéfica. Assim, se, dadas as circunstâncias do caso, o juiz tiver que aplicar a pena mínima, a lei nova será mais benéfica; já se for aplicada a pena máxima obviamente será mais benigna a lei anterior. [52] Alguns autores, ainda, entendem que, havendo dúvida quanto à maior benignidade de uma norma ou de outra, perguntar-se-á ao réu qual lei ele prefere que seja aplicada. [53] Entendemos bastante razoável esse entendimento.

Ainda sobre a lex mitior, Cernicchiaro propõe interessantíssima observação acerca do Direito italiano no tocante à lei mais benéfica inconstitucional. A inconstitucionalidade está no âmbito da invalidade, portanto uma norma inconstitucional é uma norma inválida, na modalidade nula. Sendo nula, é como se nunca tivesse existido, portanto a decretação de inconstitucionalidade produz efeitos ex tunc. Nesse caso, teoricamente seria imperiosa a aplicação da lei posterior, ainda que maléfica. A doutrina italiana propõe solução mais

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afeta à justiça. Conjugando o raciocínio com o art. 25, 2, da Constituição italiana, reputa aplicável a lei inconstitucional aos fatos ocorridos durante a sua vigência, aplicando-se normalmente o princípio tempus regit actum (operam os efeitos ultraativos da lei mais benéfica). [54] É um raciocínio interessante e admissível, desde uma perspectiva da realização da segurança jurídica.

Por fim, havendo lei posterior com alguns preceitos mais benéficos e outros mais maléficos, a doutrina se divide quanto à possibilidade de retroagir apenas a parte boa da lei nova, ou de ultraagir somente a parte boa da lei anterior. A combinação de leis, como chamam os doutrinadores, é aceita por autores como Rogério Greco [55] e Assis Toledo [56] , com os quais concordamos. [57] De fato, não podemos, por mero formalismo, deixar de beneficiar o réu. A retroatividade da lei mais benéfica já é uma medida de política criminal, pois tecnicamente a lei produz efeitos a partir da sua vigência. Que problema haveria, então, em aplicarem-se parte de uma lei e parte de outra? Trata-se de medida protetiva do acusado que condiz com os ditames da política garantista adotada pelo Direito Penal brasileiro. Relata-nos Greco, citando um acórdão de felicíssima constatação, do TACrim/SP:

Malgrado o dissenso doutrinário sobre a combinação de leis mais benignas o julgador, no caso concreto, pode e deve, em obediência aos princípios da equidade consagrados pela Constituição Suprema, selecionar parte da lei anterior e parte da lei superveniente, desde que, de qualquer modo, favoreça o agente. [58]

7. NORMA PENAL EM BRANCO

Entre as leis penais, existem as normas penais em branco, que remetem o seu preceito primário a uma outra norma, externa ao direito penal. Na precisa lição de Frederico Marques, "[...] são disposições penais cujo preceito é indeterminado quanto a seu conteúdo e nas quais só se fixa com precisão a parte sancionadora". [59]

Nas palavras de Aníbal Bruno,

Normas penais em branco são normas de tipo incompleto, normas em que a descrição das circunstâncias elementares do fato tem de ser completada por outra disposição legal, já existente ou futura. Neles a enunciação do tipo mantém deliberadamente uma lacuna, que outro disposição (sic) legal virá integrar. [60]

As leis penais em branco podem ser homogêneas ou heterogêneas [61] . As homegêneas são complementadas por leis cuja elaboração advém da mesma autoridade competente para a criação de normas penais (art. 22, I, CF). As heterogêneas, simetricamente, são integradas por normas elaboradas por autoridade diversa da responsável pela legiferação penal.

É exemplo de norma penal em branco o art. 269, que tipifica o crime e omissão de notificação de doença. Portaria do Ministério da Saúde será a norma regulamentadora das doenças sobre as quais o médico deve notificar, pois o tipo penal não as traz em seu preceito primário.

Forte discussão doutrinária cinge a existência de normas penais em branco. Questionam alguns autores a sua constitucionalidade por ferirem o princípio da legalidade. Se apenas a lei é fonte imediata do Direito Penal, perguntam como podem normas de terceiro escalão (portarias, regulamentos, decretos) regulamentarem questões penais? Não vê problema nas normas penais em branco Cernicchiaro, propondo perfeito raciocínio. Para ele, "O caráter absoluto da reserva legal é entendido da seguinte maneira: somente a lei pode referir-se a outra norma, integrando-a à definição do delito ou da contravenção penal". Em outras palavras, se é a lei penal que, por determinação própria, permite a remissão a uma norma não-penal, não há violação ao princípio da legalidade, pois a regulamentação da lei penal foi indicada por ela própria, "[...] mantendo-se intacto o princípio que confere somente à lei a origem da relevância penal". [62]

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