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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR CAMPUS SEDE – UMUARAMA O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO À LUZ DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: UM EXAME CRÍTICO SOB A ÓPTICA DA TEORIA DO GARANTISMO PENAL EDUARDO HERNANDES CARDOSO PEREIRA UMUARAMA - PR 2008

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Page 1: O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO À LUZ DO … · princípio da presunção de inocência: Um exame crítico sob a óptica da Teoria do Garantismo Penal. Dissertação de Mestrado

UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR

CAMPUS SEDE – UMUARAMA

O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO À LUZ DO

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: UM EXAME

CRÍTICO SOB A ÓPTICA DA TEORIA DO GARANTISMO

PENAL

EDUARDO HERNANDES CARDOSO PEREIRA

UMUARAMA - PR

2008

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR

CAMPUS SEDE – UMUARAMA

O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO À LUZ DO

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: UM EXAME

CRÍTICO SOB A ÓPTICA DA TEORIA DO GARANTISMO

PENAL

Dissertação apresentada como requisito à obtenção de grau de Mestre pelo Programa de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR. Orientador: Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto

UMUARAMA - PR

2008

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“...Temos o dever de prosseguir na batalha em

defesa de nosso mais importante cliente: a liberdade

individual. Sabemos que no desempenho desta

missão, quer nos regimes totalitários, quer nas

democracias, os espinhos sangrarão nossos pés

durante a caminhada. Nas ditaduras descerá sobre

nós o ódio dos senhores do poder, por defendermos

os ‘inimigos da pátria’. No Estado de Direito

Democrático, por ampararmos os odiados,

acabaremos por partilhar com nossos clientes o

opróbrio da opinião pública. De qualquer forma, não

devemos desanimar, mesmo porque a história tem

sido generosa conosco...”.

Antonio Evaristo de Moraes Filho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a meus pais: Cleide Hernandes Cardoso Pereira e José Roberto

Cardoso Pereira.

A minha mãe, pelo diuturno exemplo de luta, superação e dedicação. Mesmo ante

todas as diversidades e percalços da longa jornada, conseguiu conduzir seus filhos pelo

caminho da educação, do trabalho, da honestidade e da dedicação.

A meu pai, que apesar de todas as dificuldades que a vida lhe impôs, foi e será sempre

um grande exemplo de ser humano, de compaixão, humildade, companheirismo e afeto.

A Lílian, minha esposa, companheira de todos os momentos, responsável pela paz e

alegria na minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, pelo dom da vida, da sabedoria e da perseverança de lutar

sempre pelos objetivos traçados, como o que agora estou concluindo.

À Universidade Paranaense – UNIPAR – pela possibilidade à mim proporcionada de

realizar um curso de Mestrado sério e dirigido por pessoas dignas e comprometidas.

À CAPES e a Fundação Araucária, instituições sérias e comprometidas com o

desenvolvimento intelectual deste país, que através dos incentivos concedidos àqueles que

desenvolvem a pesquisa científica, possibilitam a realização de sonhos, como o que ora estou

encerrando.

À todos os Mestres deste curso de Pós-graduação Strictu-sensu que nos honraram com

o prazer de desfrutar e explorar tamanho conhecimento, em especial ao Professor Doutor José

Laurindo de Souza Netto por ter aceito o convite de orientar a dissertação deste humilde

aprendiz.

À todos os funcionários do Departamento de Mestrado da Universidade Paranaense,

em especial Rose e Antônio, por suas infindáveis prestezas e solicitude durante esta

caminhada.

À todos meus colegas do curso, vindos das mais diversas regiões desse país, obrigado

pela possibilidade de desfrutar momentos inesquecíveis e adquirir um conhecimento que

levarei não só em minha carreira profissional, mais por toda a minha vida.

À meu eterno mestre e amigo, e agora compadre também, Dr. Joelson Luis Pereira,

pelo apoio e contribuição fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho.

Por fim, aos meus tios, Alceu e Edlainy, e aos meus priminhos Léo e Luiza, pela

receptividade, amor e carinho com que me receberam todos os finais de semana durante esses

dois anos. À vocês todo meu amor e minha eterna gratidão.

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PEREIRA, Eduardo Hernandes Cardoso. O Regime Disciplinar Diferenciado à luz do princípio da presunção de inocência: Um exame crítico sob a óptica da Teoria do Garantismo Penal. Dissertação de Mestrado em Direito Processual e Cidadania. Umuarama – Paraná – UNIPAR. Orientador: Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto.

RESUMO

O presente trabalho tem por escopo analisar, sob a óptica da Teoria Garantista, o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), estabelecendo um paralelo entre este e o princípio da presunção de inocência. Aludido regime de cumprimento de pena iniciou-se no Estado de São Paulo, através da Resolução Administrativa nº. 026/01, como forma de regulamentar a vida dos presos tidos como de alta periculosidade dentro dos presídios daquele Estado, tendo sido regulamentado somente em 1º de Dezembro de 2003, quando entrou em vigor a Lei 10.792. Introduzindo os trabalhos, constatar-se-á a grave crise há décadas enfrentada pelo processo penal: sua visão utilitarista, emergencial, aplicada como reflexo de uma política neoliberal, despreocupada com os interesses e necessidades da grande maioria da população que sem poder usufruir dos benefícios tecnológicos, é marginalizada e excluída através de movimentos com o de “lei e ordem”. Verificada esta crise, adentrar-se-á na Teoria Garantista, conhecendo o denominado Sistema Garantista (SG) e a incessante luta pela tutela dos direitos individuais através da observância de seus princípios axiológicos fundamentais, desvelando uma Teoria Geral Garantista, da qual o Estado Democrático de Direito é o mais nobre fruto. Na seqüência o garantismo será apresentado como modelo normativo de direito, como teoria jurídica da validade e da efetividade e, por fim, como uma filosofia política. Ato contínuo, constatar-se-á a necessidade de um Estado social máximo e um direito penal mínimo como forma de realização do sistema garantista, bem como sua especial preocupação com a tutela dos direitos e garantias fundamentais. Posteriormente deitar-se-á os olhos sob o princípio da presunção de inocência, desde sua remota origem no direito Romano-canônico até sua concepção mais atual. Em seguida, sob a matriz de aproximação do político ao jurídico, será apresentado os três significados capitais da presunção de inocência, elaborados pela Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, pelo debate das Escolas penais italianas e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ato contínuo, abordar-se-á a forma e abrangência com que o princípio foi recepcionado pela Constituição Federal Brasileira, da mesma forma em que será constatado sua ausência, até mesmo proposital, tendo-se em vista a origem fascista e ditatorial, no código processual penal. Posteriormente, realizar-se-á um exame acurado da presunção de inocência frente os princípios do in dubio pro reo, favor rei e favor libertatis, passando pela necessidade de um modelo processual acusatório como requisito indispensável para preservação da presunção de inocência do acusado. Na seqüência, far-se-á um exame do princípio da presunção de inocência frente às prisões cautelares, mormente à prisão preventiva, bem como o uso indiscriminado das algemas e a nova lei 11.705/2008. Por fim, o trabalho se voltará para um exame crítico do Regime Disciplinar Diferenciado. Primeiramente serão observadas as características peculiares deste regime de cumprimento de pena, demonstrando sua total inconstitucionalidade, procurando examiná-lo sob o prisma dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade. Feita essa análise, observar-se-á o comprometimento do Regime Disciplinar Diferenciado com o direito penal do inimigo de Günther Jackobs, bem como com o Sistema Garantista e com o princípio da presunção de inocência, tendo sempre como base filosófica a Teoria Crítica do Direito. Palavras Chave: Regime. Diferenciado. Presunção. Inocência. Garantismo.

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PEREIRA, Eduardo Hernandes Cardoso. O Regime Disciplinar Diferenciado à luz do princípio da presunção de inocência: Um exame crítico sob a óptica da Teoria do Garantismo Penal. Dissertação de Mestrado em Direito Processual e Cidadania. Umuarama – Paraná – UNIPAR. Orientador: Prof. Dr. José Laurindo de Souza Netto.

ABSTRACT

This paper seeks to examine, in terms of theory guarantee, the Differential Disciplinary Scheme (RDD), establishing a parallel between this and the principle of innocence presumption . Venture arrangements of penalty comply was initiated in the State of Sao Paulo, through the Administrative Resolution No. 026/01, as a way to regulate the lives of prisoners considered high-hazard within the prisons that state and has been regulated only in 1st December 2003, when the law 10,792 was created. Introducing the work, will see the serious crisis for decades faced by the prosecution: his utilitarian vision , emergency, imposed as a reflection of neoliberal policies, care for the interests and needs of the vast majority of people who can not enjoy the benefits technology, is marginalized and excluded from the movements of "law and order." Checked this crisis, will enter in the Guarantee Theory, knowing what is known as the Guarantee System (GS) and incessant struggle for individual rights protection through the observance of their fundamental axiological principles , revealed a General Guarantee Theory, which the democratic rule of Law is the most noble fruit. Following the guarantee will be presented as normative model of law, as legal theory on the validity and effectiveness, and finally as a political philosophy. Continued act, will see the need for a welfare state maximum and minimum criminal law as a way to guarantee system implementation and its particular concern about the protection of basic rights and guarantees. Later will see the principle of presumption of innocence, since their remote origin in Roman-canonical law until his latest design. Then, under the matrix of political rapprochement of the law, will be presented the three meanings capital of the innocence presumption, prepared by Man and Citiizen Rights Declaration, the complain of the Italian criminal Schools and the Universal Declaration of Human Rights. Continuous act, will address the manner and extent to which the principle has been approved by the Brazilian Federal Constitution, in the same way that his absence will be found, even purposeful and it was on the rise fascist and dictatorial in the criminal code procedure. Later, will take place an accurate examination of the presumption of innocence front of the principles in dubio pro reo, for king and for Libertatis through need for a procedural accusatory model as a precondition for preserving the presumption of innocence of the accused. Following, will be an examination of the principle of innocence presumption in front of the precautionary arrests, particularly of temporary custody, and the indiscriminate use of handcuffs and the new law 11.705/2008. Finally, the work will turn to a critical examination of the Differential Disciplinary Scheme . First will be observing the peculiar characteristics of this regime to comply with pity, showing the total unconstitutional, trying to examine it in the light of the principles of human dignity and proportionality. Once this analysis, there will be the commitment of the Differential Disciplinary Scheme to the criminal law of the enemy of Günther JACKOBS, as well as the system guarantees and the principle of innocence presumption and as always the basic philosophical Critical Theory of Law . Keywords: Scheme. Differentiated. Presumption. Innocence. Guaranteed.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................ 10 CAPÍTULO I................................................................................................................ 13 CRISE DO SISTEMA PENAL................................................................................... 13 1.1 Processo Penal para que(m)?................................................................................ 13 1.2 Um Processo Penal Utilitarista como reflexo do Neoliberalismo....................... 14 1.3 Movimento Repressista – Lei e Ordem................................................................ 18 1.4 Direito Emergencial e a constante idéia de crise................................................. 21 1.5 A difícil relação entre liberdade e segurança...................................................... 25 CAPÍTULO II.............................................................................................................. 28 O MODELO GARANTISTA...................................................................................... 28 2.1 Teoria Geral do Garantismo................................................................................. 29 2.1.1 Garantismo como Modelo Normativo de Direito................................................. 29 2.1.2 Garantismo como Teoria Jurídica da Validade e da Efetividade.......................... 30 2.1.3 Garantismo como Filosofia Política...................................................................... 31 2.2 O Estado Democrático de Direito como fruto de uma Teoria Garantista........ 32 2.3 O Garantismo e a perseguição por um Direito Penal Mínimo.......................... 34 2.4 O Garantismo e a tutela dos Direitos Fundamentais.......................................... 36 CAPÍTULO III............................................................................................................. 39 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA................................................................................ 39 3.1 Evolução Histórica................................................................................................. 39 3.2 Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, as Escolas Penais Italianas, a Declaração Universal de Direitos do Homem e o triplo significado da Presunção de Inocência...............................................................................................

46 3.3 Presunção de Inocência na Constituição Federal Brasileira.............................. 52 3.4 Presunção de Inocência e o in dubio pro reo, o favor rei e o favor libertatis...... 54 3.5 A existência de um sistema processual acusatório como requisito necessário para preservação da presunção de inocência do acusado........................................ 59 3.6 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares...................................................... 64 3.6.1 Prisão Preventiva................................................................................................... 70 3.7 Presunção de Inocência, o uso de algemas e a Dignidade da Pessoa Humana. 78 3.8 Presunção de Inocência e a Lei nº. 11.705/2008.................................................. 82 CAPÍTULO IV............................................................................................................. 88 O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO....................................................... 88 4.1 Características do Regime Disciplinar Diferenciado.......................................... 89 4.2 A Inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado........................... 92 4.3 O Regime Disciplinar Diferenciado e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana......................................................................................................................... 96 4.4 O Princípio da Proporcionalidade como fundamento (des)legitimador do Regime Disciplinar Diferenciado................................................................................ 99 4.5 O Regime Disciplinar Diferenciado sob o prisma da Teoria Crítica do Direito............................................................................................................................ 103 4.6 O Regime Disciplinar Diferenciado e o seu comprometimento com o Direito Penal do Inimigo........................................................................................................... 105 4.7 O Regime Disciplinar Diferenciado e o Princípio da Presunção de Inocência

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dentro de um Sistema Garantista............................................................................... 108 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 111 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................... 114

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INTRODUÇÃO

A história da humanidade foi e sempre será marcada pelo eterno conflito entre

liberdade e poder, sendo certo que a prevalência de um sob o outro decorre sempre das opções

políticas e ideológicas adotadas em determinados momentos históricos.

Assim, ante a indefinição de quais os interesses a serem tutelados: se o do indivíduo

perante o rigor da persecução punitiva estatal ou o da sociedade, em detrimento da liberdade

individual do acusado, ganha especial relevo o princípio da presunção de inocência.

Ainda que pareça precipitado, cabe desde já esclarecer a opção pela liberdade e pelo

indivíduo adotada no presente trabalho, a qual tentar-se-á justificar no desenvolver deste

texto, tendo sempre como fundamento filosófico e político os ideais iluministas e liberais,

buscados através de um sistema de garantias mínimas (base ideológica) com a preservação de

princípios fundamentais, dentre eles o da presunção de inocência.

Com o escopo de cumprir com o objetivo exposto, o trabalho se divide em quatro

capítulos, os quais serão a seguir sucintamente descritos. Primeiramente analisar-se-á a grave

crise há décadas enfrentada pelo processo penal, sua visão utilitarista, emergencial, aplicada

como reflexo de uma política neoliberal, despreocupada com os interesses e necessidades da

grande maioria da população que sem poder usufruir dos benefícios tecnológicos, é

marginalizada e excluída através de movimentos como o de “lei e ordem”.

A crescente violência há algum tempo destacada tem feito com que o sistema penal

seja desvirtuado. Nota-se dia pós dia a criação de tipos penais em branco, imprecisos,

indetermináveis, crimes de perigo abstrato, antecipação da tutela penal, a restrição da

liberdade deixa de ser exceção e passa a ser regra, o enrijecimento das penas e de sua

execução passam a ser tidos como soluções para a celeuma e assim justifica-se a criação de

regimes excepcionais de cumprimento de pena, como o malfadado Regime Disciplinar

Diferenciado (RDD), objeto de análise deste trabalho.

No segundo capítulo, adentrar-se-á na Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli,

fundamento ideológico do presente trabalho, conhecendo o denominado Sistema Garantista

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(SG) e a incessante luta pela tutela dos direitos individuais através da observância de seus

princípios axiológicos fundamentais. Na seqüência, desvelar-se-á uma Teoria Geral

Garantista, da qual o Estado Democrático de Direito é o mais nobre fruto, apresentando o

garantismo como modelo normativo de direito, como uma teoria jurídica da validade e da

efetividade e, por fim, como uma filosofia política. Encerrando o capítulo, constatar-se-á a

necessidade de um Estado social máximo e um direito penal mínimo como forma de

realização do sistema garantista, bem como sua especial preocupação com a tutela dos direitos

e garantias fundamentais.

No capítulo seguinte deitar-se-á os olhos sobre o princípio da presunção de inocência,

desde sua remota origem no direito Romano-canônico até sua concepção mais atual. Em

seguida, sob a matriz de aproximação do político ao jurídico, serão apresentados os três

significados capitais da presunção de inocência, elaborados pela Declaração de Direitos do

Homem e do Cidadão, pelo debate das Escolas penais italianas e pela Declaração Universal

dos Direitos do Homem. Ato contínuo, abordar-se-á a forma e abrangência com que o

princípio foi recepcionado pela Constituição Federal Brasileira, da mesma forma em que será

constatado sua ausência, até mesmo proposital, tendo-se em vista a origem fascista e

ditatorial, no código processual penal. Posteriormente, realizar-se-á um exame acurado da

presunção de inocência frente os princípios do in dubio pro reo, favor rei e favor libertatis,

passando pela necessidade de um sistema processual acusatório como requisito indispensável

para preservação da presunção de inocência do acusado.

Na seqüência far-se-á um exame do princípio da presunção de inocência frente as

prisões cautelares, mormente à prisão preventiva, bem como o uso indiscriminado das

algemas e a nova lei 11.705/2008.

No quarto e último capítulo o trabalho será voltado para um exame crítico do Regime

Disciplinar Diferenciado, instituído pela Lei 10.792/2003. Primeiramente serão observadas as

características peculiares deste regime de cumprimento de pena, demonstrando sua total

inconstitucionalidade, procurando examiná-lo sob o prisma dos princípios da dignidade da

pessoa humana e da proporcionalidade. Feita essa análise, observar-se-á o comprometimento

do Regime Diferenciado com o direito penal do inimigo de Günther Jackobs, bem como com

o Sistema Garantista e com o princípio da presunção de inocência, tendo sempre como base

filosófica a Teoria Crítica do Direito.

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O presente trabalho, ao procurar desconstituir um processo penal autoritário,

inquisitorial, violador de garantias individuais mínimas, não se está a negar a necessidade de

segurança pública, nem tão pouco primar pela impunidade. Todavia, a questão da violência e

criminalidade não pode em hipótese alguma ser solucionada através de pressões públicas,

midiáticas, incutidas através de reformas pontuais, desprovidas de qualquer exame mais

acurado, como foi o caso da Lei 10.792/2003.

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CAPÍTULO I

CRISE DO SISTEMA PENAL

1.1 Processo Penal para que(m)?

O crescimento desenfreado da criminalidade, não só brasileira, como mundial, é fato

notório, que prescinde de qualquer estudo mais acurado para revelá-lo. Da mesma forma, o

direcionamento para o enfrentamento do problema é nítido, qual seja: políticas repressistas e

calcadas num Estado cada dia mais intervencionista.

Neste contexto, o processo, enquanto instrumento de limitação do poder estatal, passa

a ter uma missão fundamental, sendo necessário a rediscussão de qual o fundamento de sua

existência, ou seja, processo penal para que(m)?

Esta indagação pode ser visualizada no questionamento feito por J.GOLDSHMIDT1:

Por que supõe a imposição da pena a existência de um processo? Se o ius puniendi corresponde ao Estado, que tem o poder soberano sobre seus súditos, que acusa e também julga por meio de distintos órgãos, pergunta-se: por que necessita que prove seu direito em um processo?

A resposta à esta indagação tem estreita relação com o paradigma à ser adotado na

leitura desse novo processo: garantista ou utilitarista? É certo que, a resposta a esta indagação

traz com si inúmeras conseqüências práticas, as quais tentar-se-á desvelar no decorrer deste

trabalho.

Como bem assevera LOPES Jr2 a uma constituição autoritária vai corresponder um

processo penal autoritário, utilitarista. Contudo, a uma constituição democrática,

necessariamente deve corresponder um processo penal democrático e garantista.

1 GOLDSCHMIDT, James. Problemas Jurídicos y Políticos del Processo Penal. Barcelona: Bosch, 1935, p. 07. 2 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 02.

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Desde os remotos tempos em que o Estado suprimiu a vingança privada, este, como

ente jurídico e político, avocou para si o monopólio da justiça. No entanto, para que possa dar

o direito ao caso concreto, necessário se faz a utilização de um processo, pois como bem

elucida LOPES Jr.3:

Ainda que os tipos penais tenham uma função de prevenção geral e também de proteção (não só de bens jurídicos, mas também do particular em relação aos atos abusivos do Estado), sua verdadeira essência está na pena e a pena não pode prescindir do processo penal.

O autor continua esclarecendo que para que possa ser aplicada uma pena, não só é

necessário que exista um injusto típico, mas também que exista previamente o devido

processo penal. Assim, fica estabelecido o caráter instrumental do processo penal com relação

ao direito penal e à pena, pois “o processo é o caminho necessário para a pena”.

Desta forma, com a constatação da existência de um Estado cada vez mais

intervencionista e que busca incessantemente a punição imediata, o processo penal ganha

especial relevo, sendo necessário a preservação dos direitos fundamentais do cidadão no seu

desenvolver, de forma que a persecução penal seja exercida respeitando os ideais garantistas

de um Estado Democrático de Direito.

1.2 Um Processo Penal Utilitarista como reflexo do Neoliberalismo

Se é que pode-se dizer que de toda síntese corresponde uma antítese, o sistema

garantista encontra sua antítese no utilitarismo processual. Para LOPES JR4:

O utilitarismo está relacionado à idéia do combate à criminalidade a qualquer custo, a um processo penal mais célere e eficiente, no sentido de diminuir as garantias processuais do cidadão em nome do interesse estatal de mais rapidamente apurar e apenar condutas. É sinônimo de exclusão, supressão de direitos fundamentais para alcançar a máxima eficiência (antigarantista).

3 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 03. 4 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 48.

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Assim, necessário se faz uma análise de quais são as insurgências desse utilitarismo

processual para que se possa, na seqüência, debruçar-se sob o modelo teórico garantista,

fundamento do presente trabalho.

Para que se possa abordar, ao menos coerentemente, a crise do sistema penal, mister se

faz que sejam tecidos alguns comentários acerca da crise econômica e social que afeta não só

o Brasil, como grande parte dos países da América Latina.

O aumento da criminalidade tem estreita relação, ainda que não exclusiva, com o

desamparo social e econômico à que está submetida a grande maioria da população latina,

causado especialmente por um modelo político-econômico imposto pela globalização,

denominado de neoliberal, o qual tem como postulado o Estado social mínimo.

Ao tratar do neoliberalismo, preciosa é a lição de WACQUANT5:

A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um mais Estado policial e penitenciário o menos Estado econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo.

Assim, nota-se a completa falta de preocupação e interesse deste modelo político-

econômico com as mazelas sociais, com os elevados índices de desemprego, com a ampliação

da concentração de renda. Para o neoliberalismo o único ponto relevante é a globalização dos

mercados, devendo a miséria ser tratada penalmente.

Nessa busca desenfreada por mercados não há que se falar em ética, de forma que o

neoliberalismo prega dia-pós-dia a exclusão social, o que pode ser comprovado nas lições de

LOPES Jr6:

A fenomenologia na sociedade de massa está marcada pela globalização e o ritmo ditado pelo neoliberalismo. Como conseqüência, todo o mercado e também o direito estão voltados para

5 WACQUANT, Loic. As prisões da Miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 07. 6 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 21.

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o homo oeconomicus (e não para o homo faber). O indivíduo só interessa enquanto consumidor. Logo, cria-se o binômio consumidor-cidadão. Não há espaço para o diverso, para a tolerância e a solidariedade humana.

Para o autor, a sociedade coloca o indivíduo não consumidor à margem (literalmente

marginal), o exclui, introduzindo-o no sistema penal, que na sua atividade de seleção atuará

com toda dureza sobre o rotulado, o etiquetado, o não consumidor, até porque quem não é

consumidor não é visto como cidadão7.

Da mesma forma, a sociedade pós-industrial trouxe consigo a configuração de novos

bens jurídicos. O poder, antes inerente aos Estados protecionistas, e porque não dizer,

intervencionistas, deslocou-se para instituições privadas (“multinacionais ou corporações”),

deixando de possuir fronteiras territoriais, dando origem ao denominado poder transnacional.

Essas grandes corporações, impulsionadas pelo espantoso avanço tecnológico e a

globalização da economia têm repercussões diretas no bem-estar individual, não podendo ser

ocultadas suas conseqüências negativas.

Jesús-María Silva Sánchez8 elucida que dentre as conseqüências negativas, cabe

destacar, o que ele denomina de “risco de procedência humana como fenômeno social

estrutural”, esclarecendo que grande parte das ameaças a que os cidadãos estão expostos

provém precisamente de decisões que outros concidadãos adotam no manejo dos avanços

técnicos: riscos mais ou menos diretos para os cidadãos (como consumidores, usuários,

beneficiários de serviços públicos etc.) que derivam das aplicações técnicas dos avanços na

indústria, na biologia, na genética, na energia nuclear, na informática, nas comunicações etc.

Esses riscos à que milhões de pessoas estão submetidas, bem como países inteiros (os

denominados “países periféricos”) que se quer usufruem dessas “conquistas” tecnológicas é o

que Ulrich Beck denominou de “modernidade reflexiva”, ou seja, a modernidade reflete nos

7 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 22-23. 8 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal na sociedades pós-industriais, trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha, Série: As Ciências Criminais no século XXI, Vol. 11, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.

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próprios seres humanos todas as mazelas que o homem pensava anteriormente serem

controladas.

Na busca desenfreada pelo lucro, as grandes corporações vislumbraram no avanço

tecnológico um grande aliado, não se importando se essa exploração, tanto da mão de obra,

quanto dos recursos naturais, pudessem um dia vir a sofrer um abalo, trazendo consigo

repercussões negativas, como o dano ambiental, a estigmatização social, etc.

Da mesma forma com que facilita a vida de inúmeras pessoas e até mesmo países, o

avanço tecnológico propicia uma estigmatizante exclusão social, deixando ao léu aqueles que

não possuem condições mínimas de gozar de todos esses privilégios, sendo imediatamente

percebidos pelos demais como fonte de riscos, tanto pessoais, quanto patrimoniais.

Segundo Beck, inúmeros são os riscos à que a sociedade pós-industrial está acometida.

Só para que possa ter uma breve noção, o autor trata dos inúmeros riscos subjetivos

propiciados por essa modernidade reflexiva, ou seja, aquela sensação de risco a que o cidadão

está submisso.

O bombardeio midiático – “mídia de massa” – leva ao cidadão uma quantidade

imensurável de informações, de forma que não permite ao mesmo sequer processá-las,

acarretando uma ausência de valores comuns, o que leva à sensação de insegurança. Da mesma

forma, pugna-se cada vez mais pela competitividade, pela necessidade de superação, de “ser o

melhor” para que se possa ter voz e vez, o que traz consigo um total isolamento do cidadão,

eliminando seus vínculos sociais e afetivos.

Há que se ressaltar ainda os grandes conglomerados urbanos, desde a formação dos

“burgos”, o que faz com que os cidadãos desconheçam com quem convivem, o que por si só,

eleva a desconfiança e a sensação de risco.

Todos esses fatores associados dão origem ao que Ulrich Beck denominou de sociedade

de risco. Assim sendo, a função do direito penal nessa caracterização, seria a proteção desses

grandes riscos à que está acometida a sociedade, riscos esses gerados por sujeitos ativos

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totalmente diferenciados dos à décadas conhecidos, passando a figurar neste pólo as grandes

corporações (pessoas jurídicas), pessoas abastadas (crimes do “colarinho branco”) etc.

Como bem descreve Jesús-María Silva Sánches9, a “sociedade de risco” ou da

“insegurança” conduz, pois, inexoravelmente, ao “Estado vigilante” ou “Estado da prevenção”,

de forma que a barreira de intervenção do Estado nas esferas jurídicas dos cidadãos se adianta

de modo substancial.

Assim, denota-se no direito penal pós-moderno uma atuação eminentemente preventiva,

retornando à teoria “Weltseniana”, centrada no desvalor de ação. Nesse contexto, vê-se um

aumento progressivo dos crimes de perigo abstrato, ocorrendo uma completa antecipação da

tutela penal, criando dia-pós-dia uma nova gama de bens jurídicos, podendo ser notado através

de movimentos como o de lei e ordem, ou ainda em políticas de endurecimento do sistema

penal, como o malfadado Regime Disciplinar Diferenciado, conforme verificar-se-á adiante.

1.3 Movimento Repressista – Lei e Ordem

Conforme esclarece BAUMAN10 a visão de ordem tem estreita relação com à de

pureza, de estarem as coisas nos lugares justos e convenientes. Assim, o oposto de pureza e de

ordem são as coisas fora do seu devido lugar.

Para o autor:

Ordem significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis.

9 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal na sociedades pós-industriais, trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha, Série: As Ciências Criminais no século XXI, Vol. 11, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 127. 10 BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Trad. Mauro Gama e Claudia M. Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 14-15.

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Esta visão de ordem foi a base justificativa para inúmeros regimes políticos totalitários

existentes na história da humanidade, assim que Adolf Rither justificou o nazismo. Da mesma

forma, esta é sem dúvida a base filosófica do movimento de law and order.

Para LOPES Jr11:

O discurso da lei e da ordem conduz a que aqueles que não possuem capacidade para estar no jogo sejam detidos e neutralizados, preferencialmente com o menor custo possível. Na lógica da eficiência, vence o Estado Penitência, pois é mais barato excluir e encarcerar do que restabelecer o status de consumidor, através de políticas públicas de inserção social.

Segundo LOPES Jr12 esse movimento de lei e ordem teve seu início com o promotor

americano Rudolph Giuliani, o qual empunhando a bandeira do zero tolerance foi eleito

prefeito da cidade de Nova York, transformando-a na vitrine mundial dessa política

repressista.

Segundo a política da law and order, todo desvio de comportamento deve ser

rigorosamente perseguido e punido. No entanto, esse rigor excessivo leva necessariamente ao

cometimento de arbitrariedades, quase que na sua totalidade, praticada contra os clientes

preferenciais do sistema penal, negros e pobres.

Uma visualização dessas arbitrariedades é denunciada em WACQUANT13, quando

esclarece o que vinha a ser a “Unidade de Luta contra os Crimes de Rua”:

Trata-se de uma tropa de choque de 380 homens (quase todos brancos), que constitui a ponta de lança da política de tolerância zero, são objeto de diversos inquéritos administrativos e dois processos por parte dos procuradores federais sob suspeita de proceder a prisões pelo aspecto (racial profiling) e de zombar sistematicamente dos direitos constitucionais de seus alvos. Segundo a National Urban League, em dois anos essa brigada, que ronda em carros comuns e opera à paisana, deteve e revistou na rua 45.000 pessoas sob a mera

11 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p.12. 12 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p.12. 13 WACQUANT, Loic. As prisões da Miséria. Trad. André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 34-37.

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suspeita baseada no vestuário, aparência, comportamento e – acima de qualquer outro indício – a cor da pele. Mais de 37.000 dessas detenções se revelaram gratuitas e as acusações sobre metade das 8.000 restantes foram consideradas nulas e inválidas pelos tribunais, deixando um resíduo de apenas 4.000 detenções justificadas: uma em onze. Uma investigação levada a cabo pelo jornal New York Daily News sugere que perto de 80% dos jovens homens negros e latinos da cidade foram detidos e revistados pelo menos uma vez pelas forças da ordem. (...) A tolerância zero apresenta portanto duas fisionomias diametralmente opostas, segundo se é o alvo (negro) ou o beneficiário (branco), isto é, de acordo com o lado onde se encontra essa barreira de casta que a ascensão do Estado penal americano tem como efeito – ou função – restabelecer e radicalizar.

Como já se constatou, o movimento de lei e ordem tem estreita relação com o modelo

sócio-econômico neoliberal. Tem como fundamentos um Estado eminentemente

intervencionista e repressista em detrimentos dos direitos e garantias individuais. Ou seja,

através de um discurso demagógico e valendo-se de uma sociedade alienada, o Estado (Poder)

fundamenta as políticas repressistas como solução para o problema da violência.

COUTINHO14, leciona que:

A repressão pura e simples, a qualquer preço, como querem os arautos da retórica fácil, inoperante e ineficaz (da qual a história está lotada de exemplos, sendo o mais evidente a Santa Inquisição), só traz dissabores, sofrimento (normalmente nas camadas menos favorecidas) e corrupção, patrocinada pelas camadas mais favorecidas.

É fato já demonstrado que a prevenção geral desempenhada pela norma é quase que

inexistente, bem como que o aumento de penas e o endurecimento de seu regime de

cumprimento não reduz em nada a criminalidade. No entanto, é muito mais fácil e cômodo

pregar e defender arduamente este discurso, do que realmente combater as causas efetivas da

criminalidade, como o fracasso da política econômica, o elevado índice de desemprego, a

ausência de programas sociais efetivos e o descaso com a educação.

Na lição de ZAFFARONI15:

14 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Crise da Segurança Pública no Brasil, in Garantias Constitucionais e Processo Penal, org. Gilson Bonato, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 185. 15 ZAFFARONI, Eugenio Raul. “Desafios do Direito Penal na Era da Globalização”. In: Revista Consulex. Ano V, nº 106, 15 de junho/2001, p. 27.

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O aumento de penas abstratas oferecidas pela hipocrisia dos políticos, que não sabem o que propor, não tem espaço para propor, não sabem ou não querem modificar a realidade. Como não têm espaço para modificar a realidade, fazem o que é mais barato: leis penais!

Assim pode-se concluir que o movimento de lei e ordem é mais um dos reflexos da

falsa crença, inteligentemente manipulada pelo poder político-econômico, de que o Direito

Penal é o remédio suficiente e necessário para solução da violência e criminalidade.

1.4 Direito Emergencial e a constante idéia de crise

A sociedade globalizada é sem sombra de dúvidas uma sociedade acelerada. A

informação, agora transmitida via internet, é apresentada em tempo real. As fronteiras não

mais existem, pois a tecnologia encurta, ou porque não dizer, elimina distâncias.

No entanto, conforme elucida LOPES Jr16:

A velocidade da notícia e a própria dinâmica de uma sociedade espantosamente acelerada são completamente diferentes da velocidade do processo, ou seja, existe um tempo do direito que está completamente desvinculado do tempo da sociedade. E o direito jamais será capaz de dar soluções à velocidade da luz.

Nesta sociedade marcada pela aceleração, nasce o denominado “direito emergencial”,

que tem estreita ligação com a idéia de urgência e que por si só submete à um sentimento de

crise. O direito emergencial traz consigo a necessidade de uma resposta pronta, imediata e

que, substancialmente, deve durar enquanto o estado emergencial perdura.

Como conseqüência direta desta cultura emergencial, ante ao desejo de reação

imediata é que o processo penal passa a ser acelerado, atropelando as garantias

constitucionais. A constrição da liberdade no curso do processo deixa de ser excepcional,

passando a ser encarada como algo natural na relação processual, conferindo ares de imediata

punição ao “suposto” (vez que ainda não foi sequer julgado e muito menos condenado)

criminoso.

16 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 27.

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Nas palavras de LOPES Jr17:

A urgência conduz a uma inversão do eixo lógico do processo, pois, agora, primeiro prende-se para depois pensar. Antecipa-se um grave e doloroso efeito do processo (que somente poderia decorrer de uma sentença, após decorrido o tempo de reflexão que lhe é inerente), que jamais poderá ser revertido, não só porque o tempo não volta, mas também porque não voltam a dignidade e a intimidade violentadas no cárcere.

SÉRGIO HABIB18, advogado e professor na Universidade Federal da Bahia, questiona

não só a crescente aplicação das prisões cautelares, como também a “condenação” proferida

pela mídia (o que ele denominou de “prisão midiática”) nas operações espalhafatosas

realizadas principalmente pela Polícia Federal:

De que adianta, pois, provar-se em juízo a inocência, ao fim e ao cabo de um processo penoso, que normalmente se arrasta por anos a fio, se o réu foi preso midiaticamente, teve o seu nome exposto à execração pública, foi algemado, humilhado, ou seja, julgado e condenado em algumas reportagens televisivas ou páginas de jornais? Para que processo, para que juízes, para que defensores, se nada disso importa na prisão midiática? Nessa forma de prisão, basta uma acusação, uma câmera ou os flashes da imprensa, uma polícia ávida por prender, um Ministério Público sedento por acusar (ainda que sem provas), e um suspeito (ainda que mero suspeito). O picadeiro está montado. A cena é por demais conhecida, um déjà vu, ou seja, mais um investigado condenado, com sua honra enxovalhada, com seu nome no chão. A sua culpabilidade será aferida depois, nas páginas silentes de um processo criminal formal. Se vier a ser absolvido de nada adiantará, porque a condenação midiática tem muito mais efeitos práticos, vale dizer, é muito mais eficaz do que absolvição processual.

Da mesma forma, ao passo que exige a prisão imediata do mero suspeito e o expõe a

todos os dissabores desta ação, esse estado de emergência conduz também, inexoravelmente,

a inflação legislativa e ao endurecimento geral do sistema, os quais são apontados como

17 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 31. 18 HABIB, Sérgio. Prisão Midiática. O caso da procuradora federal. In: Revista Consulex. Ano XII, nº 265, 31de janeiro/2008, p. 41.

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soluções para a celeuma. É neste contexto que percebe-se diuturnamente a proliferação de

tipos penais abertos, de perigo abstrato, em branco e desnecessários.19

Como alhures mencionado, este direito penal emergencial traz em seu bojo uma

constante sensação de crise. No entanto, como bem alerta FAUZI20, o conceito de crise

utilizado no sistema penal não pode ter o sentido daquele utilizado pela medicina, como se

fosse algo puramente do presente, originado pela falha de algum componente estrutural, que

solucionado, recolocará o organismo dentro de seu funcionamento normal.

Para o autor:

A idéia de crise, além de sustentar uma falsa premissa para a solução do quadro problemático, tem um efeito colateral devastador. É, por assim dizer, um raciocínio que induz a uma “volta ao passado”, na busca de uma “época de ouro” onde tudo funcionava a contento quando, por alguma mazela do destino, foi perdido o padrão ideal de funcionamento da máquina judicial. O efeito devastador reside justamente nesse eterno retorno a um passado inexistente, induzindo, até inconscientemente, à rejeição de regras “modernas”, vez que projetadas para um futuro incerto e tenebroso, onde a terra é desconhecida.

É preciso que se saiba superar essa constante sensação de crise vivida pelo processo

penal, desprendendo-se de seu discurso conservador e passando a interpretá-lo de uma

maneira mais crítica.

A problematização da hermenêutica jurídica brasileira tem sua gênese nas cadeiras

universitárias, que ainda hoje trazem a marca do positivismo de Augusto Comte, de forma que

os currículos dos cursos continuam sendo construídos com inspiração dogmática, sendo a lei a

principal fonte do direito, cabendo aos operadores não interpretá-la, mas sim aplicá-la.

O doutrinador Luiz Alberto Warat, citado por NASSIF21, leciona que duas são as

principais teorias interpretativas atualmente aplicadas: as formalistas e racionalistas e as 19 A esse respeito vide: CERQUEIRA, Atilo Antonio. Direito Penal Garantista & A Nova Criminalidade. Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 86-101. 20 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 18-20. 21 NASSIF, Aramis. Acusação: O Totem, a Interpretação e Kelsen, in Garantias Constitucionais e Processo Penal, org. Gilson Bonato, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 21.

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realistas ou antiracionalistas. As primeiras apresentam como tendência um direito positivo

coerente, preciso, sem contradições, sem lacunas e, principalmente, como um fator de

controle social, partindo de duas premissas básicas, sendo a primeira a de que manter a ordem

jurídica oferece segurança, e a segunda, de que o legislador sempre é (deve ser) racional em

suas convicções, determinações e prescrições, razão pela qual é comum em seus enunciados

palavras como justiça, segurança e legalidade, de forma que, para os formalistas, a lei está

acima da sociedade, da realidade e dos conflitos sociais.

Já na interpretação realista o legislador perde seu espaço para o juiz, para o

conhecimento, de forma que a norma não tem nenhuma importância, existindo tão somente

para sustentar as decisões dos juízes, encobrir os motivos subjetivos de suas decisões, sendo a

lei tida como algo racional para justificar a irracionalidade do julgador, o qual está

influenciado por qualquer ato ou fato de sua vida particular.

Há que ser buscado um meio termos nestas tão divergentes formas interpretativas do

direito, vez tratar-se o mesmo de um objeto de transformação social e que pois, por esta razão,

deve o operador do direito não estar adstrito as normas dogmatizadas, na maioria das vezes

com o único escopo de dar sustentação ao poder político dominante, como também deve o

mesmo ter limites em sua interpretação, limites estes denominados de garantias individuais

constitucionais.

LÊNIO STRECK22 esclarece:

Em síntese, há que se ter claro que o Estado Democrático de Direito, muito mais do que uma fórmula ou modelo de Estado, é uma proposta civilizatória; é um plus normativo, vinculando a um todo principiológico o agir dos demais entes estatais. Daí porque o legislador não é livre para estabelecer tipos ou favores penais. Deve, sim, obediência à materialidade da Constituição. E essa materialidade é traduzida fundamentalmente pelos princípios, que são a própria condição de possibilidade do sentido da Constituição. Por isso a necessidade de uma constante filtragem hermenêutico-constitucional de todas as normas do sistema. Mais do que deônticas, as normas da Constituição são deontológicas. Obedecê-las faz parte do compromisso ético do operador do direito.

22 STRECK, Lenio Luiz. “O crime do porte de arma à luz da principiologia constitucional e do controle de constitucionalidade”, in Doutrina, nº. 10, coord. James Tubenchlak, Rio de Janeiro: ID, 2000, p. 359-367.

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Essa forma de interpretação preocupada com os valores e garantias constitucionais,

recebeu no processo penal pátrio a denominação de “nova escola processual”, tendo como

principal expoente a doutrinadora Ada Pellegrini Grinover23, no Estado de São Paulo, a qual

fundando-se numa “teoria geral do processo”, voltou-se para a valorização dos princípios

constitucionais. Para CHOUKR24 :

Esse método interpretativo tem o condão de, na tentativa de buscar o balanceamento da equação segurança x liberdade, mostrar que as garantias processuais não apenas se manifestam como instrumentos a serviço “do réu”, como vulgarmente são criticadas, mas dão as linhas mestras para o correto exercício da jurisdição, sempre com o intuito de se alcançar, com a obediência aos postulados, uma “ordem jurídica justa”.

As normas processuais não devem jamais serem aplicadas sem que leve em conta os

postulados constitucionais, pois toda e qualquer norma infraconstitucional deve obediência à

Carta Superior, consagradora de direitos e garantias fundamentais.

1.5 A difícil relação entre liberdade e segurança

Na relação existente entre liberdade e segurança encontra-se o ponto focal do presente

trabalho, vez que em nome da segurança pública, garantias individuais, como a de presunção

de inocência, são atropeladas e postas de lado, criando-se até mesmo regimes excepcionais de

cumprimento de pena, como o malfadado Regime Disciplinar Diferenciado.

Essa linha tênue existente entre o jus puniendi e o direito a liberdade tem sua gênese

no dito Estado moderno, quando o Estado centraliza a justiça e realiza a publicização do

direito, avocando para si o direito de punir.

23 Vide: GRINOVER, Ada Pellegrini. “A Nova Escola Processual de São Paulo”, in Novas Tendências do Direito Processual, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 448. 24 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 22.

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Para CHOUKR25 a insolubilidade da equação liberdade e segurança deve-se ao fato de

tratar-se de visões diferentes a justificar um mesmo problema. O Estado, pela sua óptica, cria

uma regulamentação processual penal a partir de valores políticos dominantes, sendo o

sistema penal marcado pelo conceito de segurança, ao passo que na outra extremidade

encontra-se o indivíduo, exigindo respeito às suas liberdades individuais.

Para o autor, “o conceito de segurança é nitidamente uma tomada de postura ex parte

principe, o conceito de liberdade com o qual se confronta é marcadamente uma noção ex

parte populi, para empregar uma linguagem filosófica reiteradamente apresentada por

Lafer”.

Assim ao analisar o Regime Disciplinar Diferenciado frente ao princípio da presunção

de inocência, estar-se-á colocando em choque dois extremos opostos: Estado / ex parte

principe / segurança x Indivíduo / ex parte populi / liberdade, que só poderão se equilibrar

através de regras capazes de balancear os interesses das partes.

A violência, marginalidade, falta de segurança pública à que está acometido não só o

Brasil, como o mundo é latente. Desta forma é que surgem movimentos extremos, como o já

destacado, de Lei e Ordem, marcados por políticas de Tolerância Zero. No outro eixo,

apresenta-se os adeptos do denominado Direito Penal Mínimo, para os quais a norma penal

deve sempre, e sem qualquer exceção, ser a ultima ratio no deslinde de um conflito.

No entanto, como bem afirma COUTINHO26, há que ser buscado o equilíbrio entre

esses dois extremos:

A palavra de ordem – e de inteligência, portanto – aponta na direção de um discurso cauteloso, ou seja, que ao mesmo tempo seja sensível aos anseios da comunidade (que reivindica, por força da realidade e dos Meios de Comunicação, cada vez mais, Segurança Pública) e, por outro lado, dê conta das Liberdades Públicas cristalizadas na Constituição da República como conquistas não de um indivíduo, transformado em cidadão, mas de todos; logo, do povo.

25 CHOUKR, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2001, p. 12. 26 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Crise da Segurança Pública no Brasil, in Garantias Constitucionais e Processo Penal, org. Gilson Bonato, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 181-182.

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Assim, pode-se perceber que a solução de questão tão grave, como a violência e

segurança pública, não se encontra em medidas pontuais, movidas por clamor público, como

o aumento de leis27, enrijecimento do sistema, e desrespeitos às garantias individuais

arduamente conquistadas.

Como o próprio COUTINHO28 relembra, passamos de um Estado de Natureza, de

guerra de todos contra todos (onde haveria de prevalecer o mais forte, por óbvio) à uma

Sociedade Civil, regida pelo direito positivado, onde a lei adquire uma importância

transcendental.

O autor ainda esclarece:

A grande conquista da razão no espaço da democracia moderna foi fazer – pela cultura – a gente entender que a defesa do outro significava a defesa de si mesmo e das regras do jogo, até porque nunca se sabe se o próximo a ser perseguido não será o próprio. Enfim, temos um volume tão grande de leis penais que, por certo, ninguém – absolutamente ninguém – escapa do cometimento de algum crime (dirigir embriagado; sonegar algum tipo de tributo etc.), o que torna a todos, potencialmente, criminosos. Nessa hora – sempre tão amarga – percebemos que precisamos da proteção das leis; e da sensibilidade e compreensão dos nossos iguais.

As causas da criminalidade são múltiplas e devemos sim combatê-las, no entanto é

preciso ter um discurso equilibrado, o crime deve sim ser repreendido, no entanto, nos limites

da Constituição.

27 A esse respeito vide: SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal na sociedades pós-industriais, trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha, Série: As Ciências Criminais no século XXI, Vol. 11, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 28 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Crise da Segurança Pública no Brasil, in Garantias Constitucionais e Processo Penal, org. Gilson Bonato, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 182.

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CAPÍTULO II

O MODELO GARANTISTA

Como já destacado, o presente trabalho tem como fundamento teórico o modelo

garantista de Luigi Ferrajoli. Desta forma, necessário se faz uma abordagem, ainda que não

exaustiva, das idéias deste eminente doutrinador italiano, que tem como fundamento

filosófico e político, os ideais iluministas e liberais, respectivamente.

Norberto Bobbio ao prefaciar “Direito e Razão” de Luigi Ferrajoli29, descreve o

sistema geral do garantismo como sendo “a construção das colunas mestras do Estado de

direito, que tem por fundamento e fim a tutela das liberdades do indivíduo frente às variadas

formas de exercício arbitrário de poder, particularmente odioso no direito penal”.

O próprio FERRAJOLI30 conceitua:

“Garantismo”, com efeito, significa precisamente a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito à sua verdade.

Nas lições do autor31, os princípios sobre os quais se funda seu modelo garantista

clássico são: a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade

pessoal, o contraditório entre as partes e a presunção de inocência, sendo eles, em sua grande

parte, frutos da tradição jurídica do iluminismo e do liberalismo.

Para o autor o sistema garantista, ao qual ele denomina de SG, resulta da adoção de

dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, assim descritos:

29 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, Prefácio. 30 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 271. 31 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 29.

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1) princípio da retributividade ou da consequencialidade da pena em relação ao delito –

Nulla poena sine crimine;

2) princípio da legalidade – nullum crimen sine lege;

3) princípio da necessidade ou da economia do direito penal – nulla lex (poenalis) sine

necessitate;

4) princípio da lesividade ou da ofensividade do evento – nulla necessitas sine injuria;

5) princípio da materialidade ou da exterioridade da ação – nulla injuria sine actione;

6) princípio da culpabilidade ou da responsabilidade pessoal – nulla actio sine culpa;

7) princípio da jurisdicionariedade – nulla culpa sine judicio;

8) princípio acusatório ou da separação entre juiz e acusação – nullum judicium sine

accusatione;

9) princípio do ônus da prova ou da verificação – nulla accusatio sine probatione;

10) princípio do contraditório, da defesa ou da falseabilidade – nulla probatio sine

defensione.

Segundo o autor, aludidos princípios foram elaborados pelo pensamento jusnaturalista

dos séculos XVII e XVIII, sendo concebidos como princípios políticos, morais ou naturais de

limitação do poder penal “absoluto”. Hoje, os mais modernos ordenamentos jurídicos já os

incorporaram, sendo caracterizados como princípios jurídicos do Estado de Direito.

Em síntese, pode-se dizer que os princípios 1, 2 e 3 tratam-se de garantias relativa à

pena; já os princípios 4, 5 e 6 dizem respeito as garantias relativas ao delito; ao passo que os

princípios 7, 8, 9 e 10 tratam das garantias relativas ao processo.

Assim, pode-se concluir que a Teoria Garantista de Luigi Ferrajoli encontra-se

estruturada sob pilares garantidores de uma pena justa e eficaz, de um delito culpável e de um

processo amplo e democrático, defensor das garantias inerentes ao acusado.

2.1. Teoria Geral do Garantismo

2.1.1 Garantismo como Modelo Normativo de Direito

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Para FERRAJOLI32 o garantismo pode ser entendido como um modelo normativo de

direito, pois respeitando o princípio da estrita legalidade, próprio de um Estado de direito,

caracterizar-se-á, sob o plano epistemológico, como um sistema cognitivo ou de poder

mínimo; sob o plano político caracterizar-se-á como uma técnica de tutela idônea a minimizar

a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos

impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos.

No entanto, como o próprio autor alerta, necessário se faz uma análise acurada acerca

do modelo constitucional e o efetivamente aplicado no sistema normativo, de forma que os

princípios e direitos constitucionalmente previstos não se tornem letras mortas, mas sim que

propiciem, através de técnicas coercitivas, o controle e a neutralização do poder e do direito

ilegítimo.

2.1.2 Garantismo como Teoria Jurídica da Validade e da Efetividade

O garantismo designa uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias

distintas não só entre si mas, também, pela existência ou vigor das normas. Como o próprio

FERRAJOLI33 elucida:

Neste sentido, a palavra garantismo exprime uma aproximação teórica que mantém separados o “ser” e o “dever ser” no direito; e, aliás, põe como questão teórica central, a divergência existente nos ordenamentos complexos entre modelos normativos (tendentemente garantistas) e práticas operacionais (tendentemente anti-garantistas), interpretando-a com a antinomia que subsiste entre validade (e não efetividade) dos primeiros e efetividade (e invalidade) das segundas.

O garantismo visto neste sentido tem como objetivo fundar uma teoria da divergência

entre normatividade e realidade, entre direito válido e direito efetivo, de forma a exigir dos

operadores do direito uma “tensão crítica” sobre as leis vigentes, assumindo, como descreve

FERRAJOLI, como universo do discurso jurídico “o inteiro direito positivo vigente, não lhe

obliterando as antinomias mas evidenciando-as e, assim, retirando a legitimidade, do ponto

32 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 684. 33 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 684.

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31

de vista normativo do direito válido, os contornos antiliberais e os momentos de arbítrio do

direito efetivo”.

Por fim, a perspectiva garantista, no sentido ora esclarecido, requer por parte do

operador do direito o espírito crítico, a dúvida e a incerteza permanente sobre a validade das

leis e de suas aplicações.

2.1.3 Garantismo como Filosofia Política

Neste último sentido, o garantismo, conforme ensina FERRAJOLI34, pressupõe a

separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ponto de vista interno e ponto

de vista externo na valoração do ordenamento, ou mesmo entre o “ser” e o “dever ser” do

direito.

Para ele:

A assunção de um ponto de vista externo ou político não encoberto sobre aquele interno ou jurídico forma o pressuposto de toda a doutrina democrática dos poderes do Estado, e não só dos poderes penais. Em um duplo sentido: porque o externo é o ponto de vista de baixo ou ex parte populi, e o interno é o ponto de vista do alto ou ex parte principis; e porque aquele exprime os valores extra ou meta ou pré-jurídicos “fundadores”, ou mesmo os interesses e as necessidades “naturais” – individuais e coletivas – cuja satisfação representa a justificação ou a razão de ser das coisas “artificiais”, que são as instituições jurídicas e políticas.

Desta forma, segundo FERRAJOLI, o garantismo, como sendo uma filosofia política

que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa, funda doutrinas políticas que

permitem justificações não absolutas ou totais, mas sim contingentes, parciais, a posteriori e

condicionadas não só ao direito penal, mas ao direito como um todo, bem como ao próprio

Estado.

34 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 685.

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32

2.2 O Estado Democrático de Direito como fruto de uma Teoria Garantista

Como bem descreve FERRAJOLI35, Estado de Direito é um daqueles conceitos

amplos e genéricos que tem múltiplas e variadas ascendências na história do pensamento

político: a idéia, que remonta a Platão e Aristóteles, do “governo das leis” contraposto ao

“governo dos homens”, ou como diria Norberto Bobbio, “governo sub lege (submetido às

leis) ou governo per leges (mediante leis gerais eabstratas).

Para o doutrinador italiano, no campo do direito penal, o Estado de direito designa

ambas as coisas: o poder judicial de apurar e punir os crimes é sem dúvidas sub lege, ao passo

que o poder legislativo de defini-los é per leges. No entanto, o poder legislativo é sim

exercitado per leges, todavia está submetido às leis, pois a lei geral e abstrata em matéria

penal deve estar sempre prescrita pela lei constitucional.

AURY LOPES JR36 esclarece que o processo deve ser sempre um instrumento para

realização do Direito Penal, de forma que ao mesmo tempo em que assegura a aplicação da

pena, serve como “efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais,

assegurando os indivíduos contra os atos abusivos do Estado”, servindo como instrumento de

limitação do poder estatal e como forma de garantir plena efetividade aos direitos individuais

constitucionalmente previstos, dentre eles a presunção de inocência.

Da mesma forma, ao passo que forma as bases de um Estado de Direito, o garantismo

ainda se afigura como um precursor de um Estado democrático. Para FERRAJOLI37 a

democracia em sentido substancial e social equivale ao Estado de Direito, vez que reflete,

além da vontade da maioria, os interesses e necessidades vitais de todos. Neste sentido:

O garantismo, como técnica de limitação e disciplina dos poderes públicos, voltado a determinar o que estes não devem e o que devem decidir, pode bem ser concebido como a conotação (não formal, mas) estrutural e substancial da democracia: as garantias, sejam liberais ou sociais, exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos

35 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 687. 36 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 37. 37 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 693.

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33

contra os poderes do Estado, os interesses dos fracos respectivamente aos dos fortes, a tutela das minorias marginalizadas ou dissociadas em relação às maiorias integradas, as razões de baixo relativamente às razões do alto.

O mesmo FERRAJOLI38 finaliza:

Um projeto de democracia social é, portanto, formado por todos aqueles elementos com os quais se faz um Estado social de direito: este consiste na expansão dos direitos dos cidadãos e correlativamente dos deveres do Estado, ou, se se preferir, na maximização da liberdade e das expectativas e na minimização dos poderes.

LOPES JR39 esclarece que “a democracia é um sistema político-cultural que valoriza

o indivíduo frente ao Estado e que se manifesta em todas as esferas da relação Estado-

indivíduo”.

Desta forma, o garantismo leva a uma democratização do processo penal, refletindo

essa valorização do indivíduo no fortalecimento do sujeito passivo do processo penal, de

forma que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes, o

qual adquiriu caráter constitucional e deve ser mantido até que exista uma sentença penal

condenatória transitada em julgado.

Como bem assevera LOPES JR40 “num Estado Democrático de Direito não deve

jamais ser tolerado um processo penal autoritário, típico de um Estado policial, pois o

processo penal deve adequar-se à Constituição e não vice-versa”.

É nesse sentido que o autor trabalha a denominada constitucionalização do Processo

Penal, esclarecendo que o processo deve sempre passar pelo filtro constitucional, de forma a

permitir uma postura mais liberal na relação Estado-indivíduo, pois o Estado não deve e não é

um fim em si mesmo, mais ao contrário, ele só se justifica enquanto meio que tem como fim a

tutela do homem e dos seus direitos fundamentais.

38 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 694-695. 39 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 38. 40 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 39.

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34

Procurando esclarecer o pensamento de Ferrajoli, LOPES JR41 coloca que:

No momento do crime a vítima é o débil e, por isso, recebe a tutela penal. Contudo, no processo penal opera-se uma importante modificação: o mais débil passa a ser o acusado, que frente ao poder de acusar do Estado sofre a violência institucionalizada do processo e, posteriormente, da pena.

Para o autor, o Direito (especialmente o Penal e Processual Penal) passa a

desempenhar um novo papel no Estado Democrático de Direito, orientando-se por uma tutela

constitucional do processo, de forma que o sujeito passivo deixa de ser visto como um mero

objeto, passando a ocupar uma posição de destaque enquanto parte, com verdadeiros direitos e

deveres.

Por todo o exposto, toda e qualquer norma geral e abstrata, dentre elas o Código

Processual Penal, deve ter como norte a Constituição, pois todo texto normativo só é válido

(validade aqui entendida no sentido substancial como diria Ferrajoli), quando estiver de

acordo com as normas e princípios constitucionais, cabendo ao moderno operador do direito

fazer com que estas tenha validade e eficácia (substancial), não permanecendo como meras

normas programáticas, sem qualquer aplicabilidade.

2.3 O Garantismo e a perseguição por um Direito Penal Mínimo

Os extremos da resposta penal podem ser subdivididos em dois modelos de política

criminal: o de direito penal minimalista e o de direito penal maximalista, que segundo

FERRAJOLI42 variam tanto quanto maiores ou menores forem os vínculos garantistas

existentes no sistema, ou seja, quanto maior ou menor for o respeito ao denominado sistema

SG criado pelo mesmo.

Para o autor o direito penal mínimo está condicionado e limitado ao máximo, de forma

que corresponde não apenas ao grau máximo de tutela das liberdades dos cidadãos frente ao

41 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 41. 42 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 83.

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arbítrio punitivo, mas também a um ideal de racionalidade e de certeza, de forma que um

direito penal é racional e correto à medida que suas intervenções são previsíveis e

determinadas.

Assim, o Direito Penal mínimo é uma técnica de tutela dos direitos fundamentais e se

configura na proteção do acusado, proteção esta que se dá por meio do monopólio estatal da

pena e da necessidade de um prévio processo judicial para sua aplicação, bem como da

existência, no processo, de uma série de instrumentos e limites, destinados a evitar os abusos

por parte do Estado na tarefa de perseguir e punir.43

LOPES JR44 afirma ainda que, “a discricionariedade judicial deve ser sempre dirigida

não a estender, mas a reduzir a intervenção penal enquanto não motivada por argumentos

cognoscitivos seguros”. Desta forma, ganham valor princípios como o da presunção de

inocência, ônus da prova a cargo da acusação, do in dúbio pro reo, entre outros.

Por outro lado, o modelo de direito penal máximo, incondicionado e ilimitado,

caracteriza-se, além de sua excessiva severidade, pela incerteza e imprevisibilidade das

condenações e das penas45, configurando um sistema não controlável racionalmente, pela

ausência de parâmetros certos e racionais.

Esse modelo de direito penal máximo identifica-se com o modelo inquisitivo, típico

dos sistema autoritários. Para LOPES JR46 “sempre que o juiz tem funções acusatórias ou a

acusação tem funções jurisdicionais, e ocorre a mistura entre acusação e juízo, estão

comprometidas a imparcialidade do segundo e, também, a publicidade e a oralidade do

processo”.

Como bem define SALO DE CARVALHO47:

43 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 47. 44 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 47. 45 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 85. 46 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista), Rio de Janeiro, Lúmen Júris, 2004, p. 47. 47 CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 89.

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36

Notamos, portanto, que a estrutura minimalista ou maximalista é representada fundamentalmente pela presença ou ausência de critérios de racionalidade e previsibilidade ao arbítrio punitivo, indicando diversas opções políticas e a decorrente (pré)disposição aos custos a serem pagos.

O mesmo SALO DE CARVALHO48, ao esclarecer os “dois modelos de certeza

relativa” de Ferrajoli, esclarece que:

A certeza perseguida pelo direito penal máximo é que nenhum culpado fique sem punição, à custa da incerteza de que algum inocente possa ser punido. A certeza perseguida pelo direito penal mínimo é, ao contrário, que nenhum inocente seja punido, à custa da incerteza de que algum culpado reste impune. Os dois tipos de certeza, e os custos ligados às respectivas incertezas, refletem interesses e opções políticas contrapostas: de um lado a máxima tutela da segurança pública contra as ofensas ocasionadas pelos crimes, por outro, a máxima tutela das liberdades individuais contra as ofensas geradas por penas arbitrárias.

O garantismo, como já alhures mencionado, tem o direito penal mínimo como modelo

de sua aplicação, visando sempre a proteção do mais débil contra o mais forte, como diria

Ferrajoli. Assim, o paradigma do direito penal mínimo assume como única justificativa do

direito penal a sua função de lei do mais fraco, em alternativa a lei do mais forte que vigoraria

na sua ausência: não, portanto, genericamente, a defesa da sociedade, mas a defesa do mais

fraco, que no momento do crime é a parte ofendida, no momento do processo o réu, e no

momento da execução penal o condenado.49

Desta forma, para que se possa buscar um sistema de garantias mínimas, faz-se

necessário a aplicação do direito penal como ultima ratio, negando a utilização de legislações

emergenciais, de forma a possibilitar a existência de um Estado social máximo em similitude

com um direito penal mínimo.

2.4 O Garantismo e a tutela dos Direitos Fundamentais

48 CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 89. 49 CARVALHO, Salo de. Penas e Garantias: Uma Leitura do Garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 100.

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37

Como destacado no desenvolver deste capítulo, uma Teoria Geral do Garantismo

prima necessariamente pela tutela dos direitos fundamentais (liberdades e direitos sociais), os

quais são a base de todo e qualquer Estado Democrático de Direito.

Partindo de uma concepção formulada com base na existência de uma igualdade

substancial entre os homens, a qual não desconsidera de que os homens são social e

economicamente desiguais, FERRAJOLI50 conceitua os direitos fundamentais como sendo

“aqueles direitos cuja garantia é necessária a satisfazer o valor das pessoas e a realizar-lhes a

igualdade”, sendo, pois, invioláveis, inalienáveis, indisponíveis e personalíssimos.

Por todas essas características é que ROSA51 afirma que:

Os Direitos Fundamentais, por um lado, indicam obrigações positivas ao Estado no âmbito social, e de outro, limitam negativamente a atuação estatal, privilegiando a liberdade dos indivíduos, jamais alienados pelo pacto social.

Conforme elucida o próprio ROSA52 , os direitos fundamentais, no pensamento de

Ferrajoli, podem ser caracterizados em quatro classes de direitos. A primeira é composta pelos

denominados Direitos Humanos, que são direitos primários e extensíveis a todas as pessoas,

sem qualquer distinção, como, por exemplo, o direito à vida, saúde, educação, liberdade, entre

outros. A segunda classe é a dos Direitos Públicos, os quais seriam reconhecidos apenas aos

cidadãos, como, por exemplo, o direito de residência, associação, de trabalho etc. Na terceira

classe estão os Direitos Civis, centrados nos direitos potestativos, cuja exteriorização se daria

no âmbito da autonomia privada, como, por exemplo, a liberdade contratual. Já a quarta classe

seria a dos Direitos Políticos, restrita aos cidadãos com direito de votar e ser votado, enfim,

cidadãos capazes de ocupar cargos públicos, tendo participação no cenário político.

50 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 727. 51 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídicoe Controle de Constitucionalidade Material. Florianópolis: Habitus, 2002, p. 38. 52 ROSA, Alexandre Morais da. Garantismo Jurídicoe Controle de Constitucionalidade Material. Florianópolis: Habitus, 2002, p. 38-39.

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38

No entanto, entre todas as divisões existentes dentro da concepção do que seriam os

direitos fundamentais, a mais importante, segundo o próprio FERRAJOLI53 é a existente entre

“direitos de liberdade (ou direitos de) e direitos sociais (ou direitos a)”. Para o autor, os

primeiros corresponderiam às vedações legais e prestações negativas; os segundos, a

obrigações e prestações positivas do Estado. Nos direitos de liberdade os conteúdos não são

predetermináveis, ao passo que os limites o são, como, por exemplo, na liberdade de

expressão, onde não é possível identificar os infinitos atos de seu exercício, mas apenas seus

limites, como vedação legal de difamar, caluniar etc. Já nos direitos sociais, aos quais

correspondem as obrigações, os conteúdos são predetermináveis, enquanto os limites não o

são, sendo variáveis conforme o tempo, o lugar, a circunstância, o grau de desenvolvimento

econômico e civil.

53 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 733.

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CAPÍTULO III

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

3.1 Evolução Histórica

A origem do princípio da presunção de inocência remonta ao Direito romano-

canônico, influenciado especialmente pelo Cristianismo, tendo mais tarde sido consagrado

como princípio do in dubio pro reo e do favor rei. No entanto, sua maior expressão encontra-

se na reforma do sistema repressivo empreendida pela Revolução Liberal do Século XVIII.

ALVES BENTO54 esclarece que a evolução histórica da presunção de inocência é

percebida após a edição da Magna Carta de 1215, surgida a partir de um poder real e soberano

instituído na Inglaterra com a supremacia do rei sobre os barões feudais. A Magna Carta,

numa afirmação dos direitos humanos e da instituição do regime democrático de direito, em

seu artigo 39, desvinculou da pessoa do rei tanto a lei, quanto a jurisdição, estabelecendo que

os homens livres deveriam ser julgados por seus pares e de acordo com a lei da terra.

No entanto, durante a Baixa Idade Média, precisamente no período da Inquisição, este

princípio fora colocado de lado, havendo a concentração das atividades de investigação,

acusação e julgamento nas mãos de uma única pessoa, de forma que a superioridade do

Estado, em sua ânsia de punir, era gritante em detrimento do acusado, o qual era desprovido

de qualquer meio de defesa.

Conforme descreve FERRAJOLI55, “no processo penal medieval a insuficiência da

prova, conquanto deixasse subsistir uma suspeita ou uma dúvida de culpabilidade, equivalia

a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e uma semicondenação a

uma pena mais leve”.

54 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 27. 55 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441.

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40

Assim, o que existia era uma presunção da culpabilidade, onde o infrator da norma

penal, tipificada enquanto crime era presumidamente culpado, não havendo sequer a

possibilidade do exercício das garantias inerentes a um processo justo e célere.56

Essa presunção de culpabilidade era tão latente que o próprio pronunciamento

jurisdicional não operava o trânsito em julgado, possibilitando, a qualquer tempo, a retomada

dos autos, como se fosse uma eterna possibilidade de revisão pro societa. Da mesma forma, a

tortura era considerada meio hábil para se obter a confissão, revelar nomes de cúmplices ou

ainda, em eventual contradição, sendo graduada de acordo com a gravidade da acusação.57

Somente no final do século XVIII, sob influência do Iluminismo, é que foi percebida a

necessidade de reação contra esse modelo inquisitorial de processo penal, através da

denominada Revolução Liberal.

Aludida revolução tinha como principal característica uma visão humanista do

processo, tendo como marco a obra BECCARIA58, que, procurando analisar o princípio da

presunção de inocência face às até então praticadas arbitrariedades do Estado, afirmou:

A um homem não se pode chamar de culpado antes da sentença do juiz, nem a sociedade pode negar-lhe a sua proteção pública, senão a partir do momento em que for decidido que ele violou os pactos por intermédio dos quais ela lhe foi concedida.

Para FERRAJOLI59 o princípio da presunção de inocência “representa o fruto de uma

opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da

impunidade de algum culpado”.

Como explica Ferrajoli, foi sob esta concepção que MONTESQUIEU fundou o nexo

entre liberdade e segurança dos cidadãos. Para este60:

56 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 31. 57 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 32-33. 58 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. Trad. Lúcia Giudicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 34. 59 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441.

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41

A liberdade política consiste na segurança, ou ao menos na convicção que se tem da própria segurança e essa segurança nunca é posta em perigo maior do que nas acusações públicas e privadas, de modo que, quando a inocência dos cidadãos não é garantida, tampouco o é a liberdade.

O próprio FERRAJOLI61, orientado por esta concepção afirma:

A presunção de inocência não é apenas uma garantia de liberdade e de verdade, mas também uma garantia de segurança ou, se quisermos, de defesa social: da específica “segurança” fornecida pelo Estado de direito e expressa pela confiança dos cidadãos na justiça, e daquela específica “defesa” destes contra o arbítrio punitivo.

Assim, há que firmar que a origem histórica do princípio da presunção de inocência é

uma derivação direta do devido processo legal, de forma a não considerar qualquer indivíduo

como autor de uma infração, sem lhe possibilitar o amplo exercício de defesa técnica, o

contraditório e a proibição de utilização de provas ilícitas.

A primeira Declaração de Direitos Fundamentais, tendo uma visão humanista e

preocupada em analisar o princípio da presunção de inocência, como corolário do due process

of law, foi a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia, que era uma das treze colônias

inglesas na América.

Conforme ALVES BENTO62:

A Declaração da Virgínia abarcava as bases dos Direitos do Homem, especialmente assegurando o direito de defesa nos processos criminais, bem como julgamento célere por júri imparcial, posto que ninguém seria privado de sua liberdade, exceto por lei da terra ou julgamento de seus pares. Prestigiava-se a observância da necessidade de defesa, até como um requisito de um processo justo, reconhecido como devido processo legal.

60 MONTESQUIEU apud FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441. 61 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441. 62 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 37.

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42

Já com o objetivo de impedir novos abusos e exageros por parte do poder estatal, na

França surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, criada pela Assembléia

Constituinte no ano de 1789.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi a primeira positivação do

princípio da presunção de inocência, estabelecendo em seu artigo 9º que “todo homem é

considerado inocente, até o momento em que, reconhecido como culpado, se julgar

indispensável a sua prisão”.

Para ALVES BENTO63:

A Declaração Francesa estabeleceu que o cidadão deveria ser tratado no decurso do processo penal ou do inquérito policial com a devida dignidade, obstruindo qualquer submissão a qualquer instituto ou condição que o equiparasse como culpado.

Ante essa positivação, há uma completa inversão da presunção de culpa que até aquele

momento dominava o processo penal, passando a ser priorizada a presunção de inocência do

cidadão.

Logo após a 2ª Guerra Mundial, tendo-se em vista as atrocidades cometidas em

desrespeito à dignidade da pessoa humana, surge a Declaração Universal dos Direitos do

Homem.

Como assevera ALVES BENTO64, “os ideais da Declaração Universal dos Direitos

do Homem ratificaram os preceitos da Revolução Francesa, reconhecendo a igualdade, a

liberdade e a fraternidade entre os homens”.

Em seu artigo 11, a Declaração dos Direitos Humanos da Organização das Nações

Unidas (ONU), reconheceu expressamente o princípio da presunção de inocência, bem como

as garantias necessárias da ampla defesa e do contraditório:

Artigo 11. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de

63 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 39. 64 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 41.

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acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa.

Assim, verifica-se a completa relação existente entre o princípio da presunção de

inocência e o direito à tutela jurisdicional, de forma a garantir ao acusado que a demonstração

de sua culpa deva ser feita através de procedimento público e legal, assegurado a ampla

defesa e o contraditório.

Com base nesse postulado, FERRAJOLI65 afirma:

Se a jurisdição é a atividade necessária para obter a prova de que um sujeito cometeu um crime, desde que tal prova não tenha sido encontrada mediante um juízo regular, nenhum delito pode ser considerado cometido e nenhum sujeito pode ser reputado culpado nem submetido a pena. Sendo assim, o princípio da submissão à jurisdição – exigindo, em sentido lato, que não haja culpa sem juízo, e, em sentido estrito, que não haja juízo sem que a acusação se sujeite à prova e à refutação – postula a presunção de inocência do imputado até prova contrária decretada pela sentença definitiva de condenação.

Outro documento internacional de grande importância que assegura o princípio da

presunção de inocência é a Convenção Européia para Proteção dos Direitos do Homem, de

1950, que em seu artigo 6-2 prescreve:

Artigo 6-2. Qualquer pessoa acusada de uma infração penal deverá ser presumida inocente até provada a sua culpabilidade de acordo com a lei.

Da mesma forma, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos que fora

adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, tendo sido aprovado pelo

Decreto Legislativo nº. 266, de 12 de dezembro de 1991 e posteriormente promulgado pelo

Presidente da República através do Decreto nº. 592, de 6 de julho de 1992, assegura em seu

artigo 14.266:

65 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 441. 66 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 43-44.

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Artigo 14.2. Toda pessoa acusada de um delito terá o direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.

Desta forma, verifica-se mais uma vez a estreita relação entre a presunção de

inocência e o devido processo legal, estabelecendo que a comprovação da culpa deve ser dada

respeitando um processo justo e célere, atento à preservação de todas os direitos e garantias de

defesa.

Em 1969 surge um dos mais importantes documentos internacionais na preservação

dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.

Seu texto foi aprovado em 22 de novembro de 1969, entrando em vigor

internacionalmente em 18 de julho de 1978, tendo sido ratificada pelo Brasil em 25 de

setembro de 1992, quando o Congresso Nacional aprovou, através do Decreto Legislativo nº.

27, de 26 de maio de 1992 e do Decreto nº. 678, de 6 de novembro de 1992, determinou seu

cumprimento.67

O Pacto de São José da Costa Rica trouxe inúmeras e imprescindíveis determinações

asseguradoras do garantismo processual, estabelecendo, expressamente, o direito do acusado

de ser ouvido dentro de um prazo razoável, célere, inerente às garantias de uma ampla defesa.

Em seu artigo 8º, I e II, assim prescreveu:

Artigo 8º, I – Toda pessoa tem o direito de ser ouvida dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal, com as devidas garantias, competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal. II- Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.

Cumpre esclarecer que aludida norma, tem valor de norma constitucional no

ordenamento jurídico pátrio, vez que a Constituição Federal de 1988, através de seu artigo 5º,

§ 2º, estabeleceu que:

67 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 45.

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45

Artigo 5º. ... §2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Desta forma, a Constituição Brasileira de 1988 assegurou o princípio da presunção de

inocência em dois momentos: através do artigo 5º, inciso LVII, o qual verificar-se-á mais

adiante, e do artigo 8º do Pacto de São José da Costa Rica, elevado à norma de valor

constitucional.

Como assevera ALVES BENTO:68

O Pacto de São José da Costa Rica é uma reafirmação de que nos Estados Americanos somente poder-se-ão exercer os fundamentos democráticos de um Estado de Direito através de processos céleres, de defesa técnica efetiva, do contraditório pleno, tendo como paradigma a observância de presumir-se inocente o cidadão para nos ditames do devido processo legal, apurar-se sua culpabilidade.

Já nos idos de 1990 foi publicada a Convenção Européia de Direitos Humanos, a qual,

visando a proteção dos Direitos do Homem e de suas Liberdades Fundamentais, tratou da

preservação do acusado no desenrolar de um processo-crime.

Em seu artigo 5.1, alínea “a” estabeleceu:

Toda pessoa tem direito à liberdade e segurança e, como observância do devido processo legal, que ninguém poderá ter a sua liberdade privada, salvo se for preso em conseqüência de condenação por tribunal competente.69

Com relação a presunção de inocência, esta foi expressamente prevista no item nº. 2,

do artigo 6º, da Convenção Européia de Direitos Humanos, onde estabeleceu que “qualquer

pessoa acusada de uma infração é presumida inocente, enquanto a sua culpabilidade não

tiver sido legalmente provada”.

68 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 48-49. 69 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 49.

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Ainda no continente europeu, foi lançada no ano de 2000, a Carta dos Direitos

Fundamentais da União Européia, privilegiando a observância do devido processo legal,

contribuindo para a preservação e o desenvolvimento dos valores comuns, da democracia e da

cidadania das nações na Comunidade Européia.70

Da mesma forma, uma carta de direitos fundamentais, com previsões garantistas da

dignidade humana não poderia nunca deixar de tratar da presunção de inocência, o que foi

feito através do artigo 48, “garantindo a todo argüido que seja presumido inocente enquanto

não tiver sido legalmente provada a sua culpa, sendo inviolável aos seus respeito dos direitos

de defesa”.71

Assim percebe-se que a preocupação em tutelar os direitos individuais, mormente a

presunção de inocência do acusado, através do respeito a um sistema de garantias mínimas é

fato notório e presente ao longo dos tempos no seio da humanidade, não podendo de forma

alguma ser desrespeitado sob falsas premissas de necessidade de segurança pública,

efetividade processual, entre outras hodiernamente destacadas.

3.2 A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, as Escolas Penais Italianas, a

Declaração Universal de Direitos do Homem e o triplo significado da Presunção de

Inocência

Como já anteriormente destacado, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão,

representa um dos mais importantes documentos históricos de conquista dos direitos

individuais face o arbítrio do poder estatal.

CAMARGO72 assevera que:

A manifestação da DDHC veio estabelecer uma nova base para a concepção de Estado, que parte do reconhecimento dos direitos individuais como limites para sua atuação desmedida. A segurança do indivíduo e a proteção de seus direitos são tarefas do Estado,

70 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 51. 71 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 52. 72 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 26.

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reguladas com base em um esquema de leis, dirigidas pela sua razão, que não prevê mais um direito de punir arbitrário e desequilibrado.

Não menos importante, e porque não dizer, fundamental, para a preservação dos

direitos e garantias do indivíduo foi a Declaração Universal de Direitos do Homem que, após

as inúmeras atrocidades cometidas no desenrolar da II Guerra Mundial, inaugurou a

proclamação de uma série de declarações de direitos que representam, em princípio, o

comprometimento dos Estados na tutela dos direitos humanos.

Da mesma forma, não há como analisar qualquer evolução do princípio da presunção

de inocência, principalmente no direito pátrio, sem direcionar os olhares sob escolas penais

italianas: clássica, positiva e técnico-jurídica.

A Escola Clássica não se limitou apenas à Itália, mais a diversos países europeus, que

sob a influência de princípios políticos liberais, desejavam organizar os limites do poder

punitivo para impedir os arbítrios de outrora.

Como alhures mencionado, a escola clássica teve em seu início, como principal

expoente e como obra fundamental, Cesare Beccaria, com Dos delitos e das penas. Em sua

obra, Beccaria prega como principio central a separação dos poderes, com um corpo

legislativo autônomo, capaz de emitir leis gerais e abstratas, acompanhado de um Judiciário

neutro, onde o juiz é apenas a boca da lei. 73

Assim sendo, a lei passa a ser entendida como única fonte para o Direito Penal, de

forma que caberia a ela definir o que vinha a ser crime e sua respectiva pena, a qual, da

mesma forma, só poderia ser aplicada depois que a culpa do indivíduo fosse comprovada por

um processo regular e pré-estabelecido.

No entanto, firmado estes princípios sob os quais fundara-se a escola clássica, caberia

à seus adeptos instrumentalizá-los, o que foi feito, principalmente por Francesco Carrara. Para

o autor:74

73 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 31. 74 CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Parte Geral. Trad. José Luiz V. de A. Franceschini e J.R. Prestes Barra. São Paulo: Saraiva, 1957, Vol.II, p. 71.

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É evidente que os institutos processuais devem ser adequados a um duplo serviço: tutela do direito que têm os bons à punição do culpado, e tutela do direito que tem o processado a não ser submetido a punição sem culpa ou além da justa medida da sua culpa.

Para Carrara, ante a dúvida de qual deveria ser a prioridade do Estado, se punir ou

proteger os direitos do acusado, a tutela dos direitos individuais deveria estar sempre em

primeiro lugar, resolvendo sempre em favor do acusado.

CAMARGO75 esclarece que:

Enquanto o Direito Penal tem diante de si um culpado, que precisa de normas fixas que estabeleçam a medida de sua pena e de sua culpabilidade, para que não seja punido com excesso e arbitrariedade, o Processo Penal baseia-se na crença de que precisa tutelar um inocente, sobre o qual se sobrepõe o portentoso direito de punir, com todos os seus instrumentos de coerção preventiva antecipada.

Assim, o princípio da presunção de inocência fora elevado por Carrara a postulado da

ciência processual e a pressuposto de todas as outras garantias do processo.

No entanto, essa concepção de processo penal primando pela presunção de inocência

sofreu fortes críticas de outros juristas italianos, principalmente daqueles pertencentes a

chamada Escola Positivista.

No final do século XIX, em virtude de mudanças estruturais ocorridas na sociedade

moderna, fez-se necessário uma postura intervencionista do Estado, principalmente na

economia, mas que também se alastrou para outras atividades estatais.

Como afirma CAMARGO76 :

O Estado liberal, que afirmou a autonomia individual, foi sucedido por um modelo mais adequado ao momento histórico, que, sem deixar de lado a proteção dos direitos individuais, assumiu a guarda

75 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 34. 76 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 37.

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dos direitos sociais, a partir da postura intervencionista na sociedade, sob os lineamentos socioliberais.

Esta alteração de postura do Estado trouxe reflexos imediatos no campo da política

criminal, que neste momento exigia instrumentos capazes de propiciar a ordem interna. Os

principais expositores desta fase foram Cesare Lombroso, Raffaele Garófalo e Enrico Ferri, os

quais pregavam o delito como um fato complexo, de matriz natural e social, sempre

produzido por um homem que agia motivado por fatores antropológicos, físicos e sociais.

Ferri criticava principalmente o desequilíbrio entre os direitos de liberdade do

indivíduo e os direitos de defesa da sociedade causados pela aplicação das teorias clássicas,

que no intuito de evitar as arbitrariedades do Estado, cercaram o acusado de cuidados

desnecessários.

Os autores positivistas consideravam vazia, absurda e ilógica a fórmula de presunção

de inocência. Garófalo defendia a utilização da prisão preventiva obrigatória e generalizada

para os crimes mais graves, ao passo que Ferri adotava os modelos de justiça sumária e

substancial além das provas de culpabilidade.77

Nada obstante as ferrenhas críticas propiciadas pela Escola Positivista, os maiores

ataques experimentados pelos defensores da aplicação do princípio da presunção de

inocência, foram realizados pela denominada Escola Técnico-Jurídica, que têm como

principais expositores Arturo Rocco e Vicenzo Manzini, os quais pretendiam o resgate do

Direito Penal como ciência jurídica, isolado das outras ciências sociais, com método e objeto

diferenciado.

Para Manzini, a principal finalidade do processo penal era a de servir de instrumento

eficaz para provar a culpabilidade do indivíduo, sem margens de erro ou arbitrariedade e,

assim, poder impor ao mesmo a pena correspondente. Desta forma, segundo ele, seria um erro

acreditar que as normas processuais existiriam para proteger a inocência do acusado, pois se a

finalidade do processo era comprovar a culpa e determinar a pena do acusado, como conciliar

77 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 442.

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com normas que tutelam a inocência? Essa crença na presunção de inocência, era segundo

Manzini, uma idéia paradoxal e irracional.78

Com base nesses pensamentos técnicos-jurídicos foi que, em 1930, surgiu na Itália o

Código Rocco, criado durante um regime fascista e desprovido de qualquer interesse pela

tutela dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo e que, nada obstante todos esses

aspectos, fora a principal fonte inspiradora do ultrapassado, mais ainda vigente, código

processual brasileiro, como adiante será visto.

Esse caminhar histórico pela origem da presunção de inocência mostra o quão

influente é o contexto político na interpretação do significado e alcance jurídico do princípio.

Em cada um dos tópicos investigados, seja na Declaração de Direitos do Homem e do

Cidadão, seja nas escolas penais italianas, ou seja na Declaração Universal de Direitos do

Homem, o significado dado à presunção de inocência é diferente, razão pela qual

CAMARGO79 atribui ao princípio um triplo significado:

1º) Em um primeiro momento, pela expressão da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, o acusado não poderia ser tratado como culpado antes da sentença final condenatória. Isso inclui severas limitações a todas as medidas cautelares, no curso do Processo Penal que importassem em restrições de direitos para os acusados, tais como prisão preventiva sem prazo determinado e formas de antecipação da pena, como os suplícios. A partir dessa formulação instituiu-se a presunção de inocência como regra de tratamento do acusado durante o Processo-Crime. O Estado enfrentou uma limitação do exercício do juz puniendi, na afirmação da necessidade de respeito às liberdades individuais. A relação de confronto entre o poder de persecução penal e a liberdade individual estava, sob um de seus vértices, regulada pela presunção de inocência. 2º) Do longo debate entre as Escolas Penais italianas pouco se discutiu sobre o conteúdo da presunção de inocência e sobre suas conseqüências práticas para o Processo Penal. A verdadeira discussão travada entre os teóricos girava em torno do fundamento do Processo Penal, se deveria servir como instrumento de defesa da liberdade individual, com a tutela da inocência, ou como meio de defesa da sociedade diante dos atos lesivos dos delinqüentes.

78 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 46. 79 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 57-58.

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Implicava, portanto, uma discussão de fundo sobre os princípios orientadores da direção das normas processuais, que se ocultava sob a aceitação ou não da presunção de inocência, o que de plano indicaria se o fundamento do Processo estava no indivíduo ou na sociedade. Nesse sentido, a aceitação da presunção de inocência refere-se a um modelo de Processo Penal, de matriz liberal, que se preocupa primeiramente em proteger os direitos do indivíduo. Todavia, certo é que a fórmula inscrita na Constituição italiana de 1948 remete ao sentido de tratamento do acusado antes da sentença penal irrevogável, que não pode ser considerado culpado. 3º) O exame da presunção de inocência oriunda da Declaração Universal de Direitos do Homem restringe-se ao campo probatório, já que impõe à acusação a tarefa da produção completa das provas acerca da culpabilidade do indivíduo. Além de eximir o acusado da obrigação de produzir provas sobre a veracidade da acusação, implica em sua absolvição incondicional, caso a sua culpa não tenha sido totalmente provada, o que permitiu margem de dúvida para o juiz (in dubio pro reu). Ou seja, se persistirem dúvidas sobre a culpa do acusado, ele deve ser absolvido. Portanto, a presunção de inocência refere-se também a uma regra probatória ou de juízo, atuante no decorrer e no deslinde final do Processo Penal.

Diante do exposto, pode-se atribuir à presunção de inocência um tríplice significado:

regra de tratamento, regra probatória ou de juízo e modelo de Processo Penal, que apesar de

distintos, são as três orientações possíveis, segundo a própria história política e jurídica da

expressão.

Alguns autores, como SOUZA NETTO80 diferenciam ainda o princípio da presunção

de inocência em seu aspecto formal e substancial:

O aspecto formal diz respeito à sua qualidade de direito constitucional fundamental, assegurado como cláusula pétrea pelo constituinte. No aspecto substancial, a presunção de inocência é definida como um direito de caráter processual, que repercute no campo da prova e no tratamento do acusado.

No entanto, independente do aspecto em que se analise, num Estado que se apresente

minimamente garantista, a interpretação dada ao princípio da presunção de inocência deve ser

sempre a mais ampla possível, assegurando a demonstração da culpabilidade por um devido

processo legal como única forma para restrição da liberdade individual.

80 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 157.

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3.3 Presunção de Inocência na Constituição Federal Brasileira

O princípio da presunção de inocência só foi introduzido, de forma expressa, no

ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, que através

do artigo 5º, onde estão elencados os direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro,

estabeleceu em seu inciso LVII:

LVII. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

A forma como foi inserida a presunção de inocência na Constituição pátria,

principalmente sob influência das escolas penais italianas, trouxe a paira uma grande

discussão sob a amplitude desta garantia: teria a magna carta inserido uma presunção de

inocência ou uma presunção de não-culpabilidade?

Para uma corrente de doutrinadores, que firmaram seu raciocínio na interpretação

literal da norma, o legislador constituinte não adotou o princípio da presunção de inocência,

como previsto na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas tão

somente o princípio da não-culpabilidade, o qual seria bem mais restrito.

Para DAMÁSIO DE JESUS81, “o termo presunção de inocência não seria adequado,

pois se não se pode considerar o réu culpado até que a sentença transite em julgado, com

mais razão ainda, não se pode considerá-lo presumidamente inocente”.

No entanto, como destacou GOMES FILHO82, desde que o Congresso Nacional,

através do Decreto nº. 27 de 1992 aprovou o texto do Pacto de São José da Costa Rica, e o

Governo determinou seu cumprimento através do Decreto nº. 678, de 1992, fora dada uma

ampla abrangência ao princípio, não se restringindo ao inciso LVII, do artigo 5º, da

Constituição Federal, vez que a mesma Constituição, no mesmo artigo 5º, através de seu §2º,

reconheceu a insurgência dos tratados internacionais em que o Brasil for parte.

81 JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Anotado. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 759. 82 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 30.

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Desta forma, o princípio da presunção de inocência não se limitaria tão somente ao

campo probatório, como pregado por doutrinadores como Afrânio Silva Jardim83, onde é

exigido do Estado, dentro de um devido processo legal, a comprovação da culpa do acusado.

Para SOUZA NETTO84:

O âmbito da presunção não se limita à disciplina probatória. O princípio da presunção de inocência parte do devido processo legal, mas se irradia por todo o sistema da intervenção estatal de natureza penal sobre uma pessoa. Daí alcançar, também, a investigação do cidadão e o tratamento a ele dispensado em toda a trajetória que visa, no final, à aplicação ou não de uma pena.

E continua o autor:

Assim, constitui o princípio informador de todo o processo penal, concebido como instrumento de aplicação de sanções punitivas em um sistema jurídico no qual sejam respeitados, fundamentalmente, os valores inerentes à dignidade da pessoa humana; como tal, deve servir de pressuposto e parâmetro de todas as atividades estatais concernentes à repressão criminal.

Desta forma, resta evidenciado que a Constituição Federal Brasileira, ao prescrever o

princípio da presunção de inocência, o fez da forma mais abrangente possível, procurando

resguardar as garantias individuais do acusado ante o poder punitivo estatal.

No entanto, o Código Processual Penal pátrio, até mesmo por sua origem fascista,

extremamente ditatorial, não possui nenhum registro da preservação do princípio da

presunção de inocência, razão pela qual uma grande parte da doutrina afirma que inúmeros

dispositivos deste diploma, dentre eles o artigo 594, que trata da prisão por sentença

condenatória recorrível, não teriam sido recepcionados pela Constituição Federal de 1988.

Em virtude desta ausência de previsão legal expressa, a doutrina e a jurisprudência

pátria, até a promulgação da Magna Carta, trataram o princípio da presunção de inocência

83 JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal: estudos e pareceres. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 413. 84 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 158-159.

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como sendo o princípio do in dubio pro reo, previsto no artigo 386, inciso VI, do Código

Processual Penal, os quais, sem sombra de dúvidas, caminham juntos e são fundamentais para

concretização de um Estado minimamente garantista, conforme verificar-se-á na seqüência.

Nada obstante essa ausência de previsão expressa do princípio na legislação

processual pátria, num Estado Democrático de Direito, fundado sobre um sistema de garantias

mínimas, deve-se buscar sempre a proteção do indivíduo, conferindo-lhe a presunção de

inocência em todos os seus termos.

3.4 Presunção de Inocência e o in dubio pro reo, o favor rei e o favor libertatis

Como anteriormente mencionado, o princípio da presunção de inocência foi por muito

tempo interpretado, tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria, como sendo

sinônimo do in dubio pro reo, previsto no artigo 386, inciso V do Código Processual Penal.

Traço marcante para esse tratamento singular é a incerteza existente nos dois

princípios, o que impossibilita o Estado tratar como culpado aquele contra quem inexiste

sentença penal condenatória definitiva.85

Para ALVES BENTO86:

A presunção de inocência tem um liame direto com os preceitos estabelecidos pelo in dubio pro reo, refletindo exatamente como sendo uma presunção oposta, demonstrada quando tomada medidas de restrição à liberdade, sem que haja manifestamente o cumprimento das exigências legais.

CAMARGO87 no mesmo sentido leciona que:

O in dubio pro reo consiste em uma regra de decisão que opta pelo indivíduo e nisso está seu elo principal com a presunção de inocência, que toma idêntico partido. Por ser aplicável como

85 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 158. 86 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 151. 87 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 141.

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uma regra para dirimir os casos de dúvida no momento da sentença, nos quais o juiz não está convicto acerca dos fatos alegados no processo, o in dubio pro reo pertence ao significado de regra probatória ou de juízo, um dos vértices da presunção de inocência.

No entanto, apesar de convergirem ao mesmo sentido, as diferenças entre ambos são

facilmente detectáveis. Para DOTTI88, o princípio do in dubio pro reo aplica-se “sempre que

se caracterizar uma situação de prova dúbia, pois a dúvida em relação à existência ou não de

determinado fato deve ser resolvida em favor do imputado”. Ao passo que o princípio da

presunção de inocência teria por objetivo “garantir ao acusado o exercício dos direitos

humanos civis e políticos enquanto não forem direta e expressamente afetados pela sentença

penal condenatória, transitada em julgado ou pelas decisões cautelares”.

É noção preliminar e prescinde de maiores esclarecimentos o fato de que o processo

penal tem início quando há indícios ou provas suficientes para sustentar não apenas a

existência de um crime, como também as sérias suspeitas de que uma determinada pessoa foi

a autora desse ato criminoso. Assim, uma vez apresentados esses indícios e provas surge a

dúvida acerca da materialidade e autoria do crime, de forma que o processo tem início

justamente para tentar dissipar essa dúvida, sendo todos os atos processuais praticados com

esta finalidade, visando formar a convicção do magistrado, que expressará sua certeza através

de uma sentença condenatória ou absolutória.89

O grande problema surge quando, mesmo após a análise de todos os elementos

trazidos tanto pela acusação quanto pela defesa, o magistrado não tem a certeza se o acusado

cometeu ou não o delito, ou seja, a dúvida anteriormente suscitada não fora esclarecida.

Para CAMARGO90:

A história do Processo Penal mostra que duas soluções foram tecnicamente criadas para resolver os casos de incerteza fática: deixar o assunto sem decisão, aguardando que novos elementos sejam apresentados para desfazer essa incerteza ou, em uma

88 DOTTI, René Ariel. Princípios do Processo Penal. Revista dos Tribunais, n. 687, São Paulo, jan. 1993. 89 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 135. 90 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 136.

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segunda fórmula, determinando diretamente o sentido da sentença nos casos de incerteza.

Esta segunda fórmula apontada, após a reforma penal ocorrida no final do século XIX

apontou para a absolvição, de forma que, havendo dúvida, impõe-se a absolvição do acusado,

não sendo necessário a comprovação absoluta de sua inocência, como anteriormente previsto.

No entanto, este posicionamento não se apresenta livre de questionamentos, pois a regra do in

dubio pro reo ao estabelecer a absolvição de um acusado sobre o qual ainda pairam sérias

dúvidas acerca de sua inocência, corre o risco de estar absolvendo um culpado. No entanto,

“isso naturalmente se resolve em um ordenamento jurídico que prima pelo valor do indivíduo

e de sua liberdade, sobreposto aos interesses do Estado. Para a concepção que rege esse

ordenamento, é preferível absolver um culpado do que condenar um inocente”.91

A principal diferenciação entre o in dubio pro reo e o princípio da presunção de

inocência é percebido no dispositivo da sentença proferida pelo magistrado. Quando o réu é

absolvido por falta de provas, a sentença final não declara sua culpabilidade, tampouco sua

inocência, somente afirma que da análise do material probatório sobressaíram muitas dúvidas,

de modo que isso conduz à absolvição do acusado, sob o imperativo do in dubio pro reo.92

A principal conseqüência dessa absolvição por falta de provas é a dúvida que

estigmatiza o indivíduo perante a sociedade, em seu ambiente de trabalho, familiar e amigos,

recebendo o rótulo de suposto criminoso, que só não teria sido punido em virtude da

incompetência do poder estatal em demonstrar sua culpa. Já quando se decide um caso de

incerteza judicial por meio da presunção de inocência, o acusado, não tendo sido demonstrada

sua culpabilidade, é declarado inocente, não trazendo consigo o plus de ter sido declarado

inocente em virtude da falta de provas.

Portanto, tudo depende das palavras utilizadas pelo juiz para selar a decisão final, pois

se apenas declarar que o acusado foi absolvido por insuficiência de provas, sem destacar que

isso leva a declaração de sua inocência, o dispositivo da sentença estará violando a presunção

de inocência, pois permitirá que a dúvida persista e estigmatize o indivíduo.

91 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 137. 92 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 141.

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Para CAMARGO93:

A presunção de inocência não é um frágil artifício técnico para resolver os casos de incerteza judicial e por fim ao processo, mas afirma a inocência do acusado, porque sua culpa não está demonstrada. Opera uma verdadeira certeza, que substitui totalmente as dúvidas sobre os fatos expostos pela acusação, sobre as provas produzidas pelas partes (seja da acusação ou da defesa) e sobre o sentido da norma penal e processual penal aplicada ao caso concreto.

Desta forma, constata-se que o in dubio pro reo está inserido na presunção de

inocência, desde que sua resposta não seja apenas para absolver e colocar em liberdade o

indivíduo, mas, muito além, para declarar sua inocência.

Da mesma forma, não há como se falar num sistema de garantias mínimas, num

Estado Democrático de Direito, numa democracia substancial, sem que seja preservado o

princípio do favor rei. Para ALVES BENTO94:

Este princípio se encontra presente em qualquer norma ou instituto que se revele favorável ao acusado, para que, apesar de estar submetido a ocupar o pólo passivo de uma relação processual, não se deve reduzir o cidadão à condição de objeto.

CAMARGO95 no mesmo sentido afirma que:

O princípio do favor rei é a marca da legislação processual penal produzida pelo Estado que é orientado pelo respeito à supremacia da liberdade individual, como sucedâneo lógico do acolhimento da democracia, não apenas como regime de governo, mas como aspecto material das normas punitivas.

Aludido princípio pode ser verificado na apelação pela aplicação da lei mais favorável,

vedando a reformatio in pejus; na observância do in dubio pro reo, no caso de dúvidas sobre a

autoria do crime; pode ser verificado ainda na impossibilidade de imputação em sede de

93 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 144. 94 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 143. 95 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 139.

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inquérito policial ou acusação durante a instrução criminal, com base em meras suposições ou

simples suspeitas, além de muitos outros casos, onde sempre estará em prevalência os

interesses do acusado.

ALVES BENTO96, esclarece que:

O paralelo entre o favor rei e a presunção de inocência, tem para a presunção como, no processo penal, exigir e desonerar do ônus da prova de sua inocência, compatível com sua presunção; já o favor rei, manifesta-se no sentido mais favorável ao acusado, mas não para sua inocência simplesmente, mas independente dela. Ou seja, mesmo em casos em que se aceita a culpabilidade do cidadão, ainda assim, esta deve ser para proteção dos inocentes até que sejam culpados definitivamente, ainda que não na condição de réu, não podendo perder sua condição de sujeito de direitos e garantias; independente de sua culpa formada é uma pessoa humana nos padrões do fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana.

O princípio do favor rei é entendido ainda como uma regra de interpretação da norma

penal e processual penal, que nem sempre são claras e precisas, levando a algumas incertezas

que, em virtude do princípio em comento, devem sempre ser interpretadas da forma mais

benéfica ao acusado, primando por sua liberdade individual.

Assim verifica-se que o favor rei é um princípio imprescindível para sustentação de

um Estado garantista, onde a liberdade individual sobrepõe-se a ânsia punitiva estatal.

Assim como o favor rei e o in dúbio pro reo, o princípio do favor libertatis tem

estreita relação com o princípio da presunção de inocência, pois ambos são garantias à

liberdade individual do cidadão.

Para ALVES BENTO97:

96 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 145. 97 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 150.

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O princípio do favor libertatis é aquele que, em função do conflito entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do acusado, deve a balança inclinar-se a favor do acusado.

Por esta razão é que observa-se no direito processual institutos como da absolvição por

insuficiência de provas, proibição da reformatio in pejus, os embargos infringentes ou de

nulidade, a revisão criminal e principalmente, o princípio da presunção de inocência.

Ainda podem ser percebidas garantias constitucionais para o indivíduo que tem contra

si uma investigação penal ou uma acusação, como a ampla defesa e os meios inerentes para

tal exercício; a possibilidade de acompanhar a produção de provas; assistência de advogado e,

ainda, a possibilidade de recorrer de qualquer decisão desfavorável.98

Na verdade o que pode ser constatado é que todos esses princípios, do in dubio pro

reo, do favor rei, do favor libertatis, em conjunto com o princípio da presunção de inocência,

têm como principal mister proteger e garantir a liberdade individual do cidadão perante o

poder punitivo estatal, evitando abusos e desrespeito à dignidade da pessoa humana, a qual,

mesmo durante e após um processo judicial deve ser preservada.

3.5 A existência de um Sistema processual Acusatório como requisito necessário para

preservação da Presunção de Inocência do acusado

A partir do momento em que se extingue a vingança privada como forma de solução

dos litígios e o Estado avoca para si o jus puniendi, o processo passa a ter fundamental

importância, sendo tido como o meio necessário para que o direito possa ser dito ao caso

concreto.

Assim, dependendo das formas com que esse processo se organize, três são os

sistemas ou modelos processuais existentes: acusatório, inquisitório ou misto. Para que se

possa determinar qual o melhor modelo para um sistema de garantias mínimas, preservador da

presunção de inocência, necessário se faz deitar olhos, ainda que sucintamente, sob esses três

sistemas, verificando suas características, particularidades e abrangência.

98 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 151.

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O sistema ou modelo adotado por cada país ao longo da história tem estreita relação

com a ideologia e grau de liberdade individual adotado num determinado período, de forma

que a diferença entre o processo penal acusatório e o processo penal inquisitório não se limita

a diferença procedimental, sendo o primeiro uma expressão típica de um Estado liberal

democrático e o segundo de um Estado autoritário.99

O sistema acusatório vigorou até o século XII perante a democracia ateniense e em

Roma, notadamente durante o período republicano. Em sua forma pura, pode-se dizer que

surgiu no início do século XII, mais precisamente na Inglaterra, com a chamada form of

action, caracterizando-se por ser um processo de partes.

Para SOUZA NETTO100, o modelo acusatório tem como característica fundamental “a

separação nítida de funções entre o órgão prevalente da ação penal e o julgador, além da

retirada do acusado (suspeito) da condição de objeto do processo para alçá-lo a sujeito de

direitos na relação processual”.

Na visão do doutrinador TOURINHO FILHO101, sete são as principais características

do sistema processual acusatório:

a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadoras e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo (excepcionalmente se permite um publicidade restrita ou especial); d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas, e, logicamente, não é dado ao Juiz iniciar o processo; e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes; g) a iniciativa do processo cabe à parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou órgão do Estado.

Desta forma, diz-se que um processo penal é acusatório quando a acusação é

formulada por uma pessoa distinta do julgador, sendo assegurada e defesa e o contraditório.

Para SOUZA NETTO102:

99 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 20. 100 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 21. 101 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 18 ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 34.

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Uma das características irrenunciáveis da estrutura acusatória do processo penal é a adoção do princípio da acusação, segundo o qual, o órgão julgador não pode ter funções de acusação das infrações, mas apenas de investigar e de julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado.

Desta forma:

O juiz que preside o processo, é uma entidade suprapartes, conhece das razões de quem acusa e quem se defende e depois decide como um árbitro. Esse tipo de estrutura implica que a pessoa acusada tenha a possibilidade de se defender desde o início; essa estrutura exige também, por isso mesmo, que quem acusa seja uma entidade diferente de quem julga, isto é, a entidade que decide há de ser uma entidade a quem a acusação é trazida por outra entidade. Nesse sentido, a sua imparcialidade está assegurada.

Assim, há que se concluir que a finalidade do modelo processual acusatório é manter o

equilíbrio entre as partes, tornar o processo célere e assegurar a imparcialidade do juiz.

Por sua vez, o sistema ou modelo processual inquisitório teve sua origem no seio da

Igreja Católica, tendo ocupado seu espaço desde o século XII. No entanto, sua maior

insurgência data dos idos do século XIV, quando ganhou força por influência do Direito

Canônico.103

O modelo processual inquisitório é um modelo típico de Estados autoritários, tendo

acompanhado as organizações teocráticas e se caracterizando como expressão do terror dos

Estados absolutistas e dos Tribunais do Santo Ofício.

Para SOUZA NETTO104:

O processo tipo inquisitório puro é a antítese do acusatório. Nele, não há o contraditório, e, por isso mesmo, inexistem as regras de igualdade e da liberdade processual. As funções de acusar, defender e julgar encontram-se enfeixadas em uma só pessoa: o juiz. É ele quem inicia, de ofício, o processo, quem

102 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 25. 103 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 20. 104 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 25.

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recolhe as provas e quem, ao final, profere a decisão, podendo, no curso do processo submeter o acusado a torturas (na origem), a fim de obter a rainha das provas: a confissão. O processo é secreto e escrito, nenhuma garantia se confere ao acusado.

Desta forma, observa-se que o processo inquisitório tem como sua característica

principal a concentração do poder nas mãos do órgão julgador, a quem cabe acusar, investigar

os fatos, a gerir as provas e julgar, sem qualquer respeito ao contraditório, tendo o acusado o

status de mero objeto do processo.

Como anteriormente destacado, este modelo processual desenvolvido nas

organizações eclesiásticas, predominou em quase todos os países da Europa quando estes

eram dominados pelo Absolutismo. Como destaca SOUZA NETTO105, “não havia limites ao

poder da Igreja, tendo em vista que ela conciliava seus interesses aos objetivos dos monarcas

(aliança entre os reis e a Igreja)”.

O processo inquisitório, durante séculos vigente, desenvolvia-se através de uma

simples denúncia, muitas vezes anônimas, a partir do que o inquisidor ouvia as testemunha

registrando apenas os fatos contrários ao acusado. Em hipótese alguma era admitida a defesa

do réu e as penas aplicadas não guardavam qualquer proporção com o delito (ou heresia)

cometido, sendo cruéis e desumanas. Da mesma forma, a confissão era tida como a prova

fundamental (“rainha das provas”), independente da maneira como fosse obtida, razão pela

qual a tortura era constantemente aplicada.

Finda a Segunda Guerra Mundial, as transformações políticas naquela ocasião

firmadas consagram novos valores, de forma a exigir uma completa reestruturação do sistema

persecutório penal, levando a declínio o modelo processual inquisitório.

No entanto, como elucida SOUZA NETTO106, “os países não adotam um sistema

acusatório penal ou inquisitório penal na sua pureza. Na prática, os sistemas mesclam, em

diferentes graus, elementos de cada um deles”.

105 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 28. 106 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 20.

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Com o Iluminismo e o desenvolvimento das idéias ligadas a Revolução Francesa de

1789, novos valores são introduzidos no processo penal. O sistema misto estruturou-se na

filosofia inquisitória, no que pertine à instrução preparatória, ao passo que, a matéria de fato

era decidida por um júri, em audiência de julgamento pública, oral e contraditória, guardando

assim preceitos acusatórios.107

Com o sistema misto há uma descentralização nas atividades de instrução, acusação e

julgamento, de forma que a ação penal passa a ser promovida pelo Ministério Público, como

órgão representante da sociedade. O processo passa a ser desenvolvido em duas etapas, onde

na primeira há uma instrução preparatória, desprovida de garantias ao acusado, ao passo que

na segunda, quando os fatos serão apurados, assegura-se a ampla defesa ao acusado.

Para CAMARGO108:

O modelo misto sobrevive até os dias atuais no corpo processual penal de algumas legislações ocidentais modernas e, de modo geral, consiste em um Processo calcado em duas fases, em que a primeira geralmente se concretiza em uma pesquisa minuciosa sobre os fatos e sobre a autoria do delito, para que, em um segundo momento, a acusação seja oferecida, acompanhada das manifestações do direito de defesa. O esforço metodológico para conjugar inquisitório e acusatório foi idealizado como um mecanismo de cognição apto a asilar, com relativa proporcionalidade, o direito de punir e a tutela dos direitos individuais do acusado.

Por muito tempo a doutrina nacional afirmou tratar-se o sistema processual penal

brasileiro de um sistema misto, vez que o interrogatório era carregado por características

eminentemente inquisitoriais, ao passo que os demais atos processuais resguardavam as

garantias de um sistema processual acusatório.

Não se pode ocultar as origens do código processual pátrio, editado nos idos de um

regime autoritário e tendo como principal fonte inspiradora o Código fascista de Rocco. No

entanto, com a Constituição Federal Brasileira de 1988 e, principalmente, com a Lei nº.

10.792/2003, a qual reformulou por inteiro o instituto do interrogatório, nada obstante as

107 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 32. 108 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 72.

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posições divergentes, tem prevalecido entre a doutrina o entendimento de tratar-se o sistema

processual penal brasileiro de um sistema acusatório, vez que restam consagradas garantias

como do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV

da Constituição Federal).

Como anteriormente constatado, o sistema acusatório tem como pressuposto primeiro

a proteção e garantia da ampla defesa do acusado, visando protegê-lo do excesso punitivo

estatal. Desta forma, referido modelo processual guarda estreita relação com o princípio da

presunção de inocência, como constata CAMARGO109:

Se um dos significados da presunção de inocência, lapidado pela história jurídica e política no ocidente moderno, é o de remontar a um fundamento de Processo Penal, indicando que este está centralizado na proteção do indivíduo e não da sociedade, perfazendo um modelo processual, sem dúvidas esse modelo aponta para o acusatório. A presunção de inocência ao ser adotada como viga mestre de uma determinada estrutura processual, indica a opção política do legislador que elegeu a proteção dos direitos individuais de liberdade como conteúdo orientador das formas processuais.

A mesma autora ainda conclui:

O modelo acusatório está em íntima relação com a presunção de inocência, enquanto postulado orientador dos fins do Processo Penal, pois ambos coincidem na opção pelo indivíduo acusado e a implementação de seus direitos individuais de liberdade, ou seja, determinam o Processo como meio de limitar o rigor repressivo do Estado.

Desta forma, um Estado Democrático de Direito fundado na proteção de garantias

mínimas e na preservação da presunção de inocência passa necessariamente pela existência de

um sistema processual penal acusatório, respeitador do contraditório e da ampla defesa, com

todos os meios e garantias a ela inerentes.

3.6 Presunção de Inocência e Prisões Cautelares

109 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 73.

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O presente tópico tem por finalidade examinar a estrutura básica das prisões cautelares

existentes no ordenamento pátrio. Com exceção da prisão preventiva, não se fará uma

abordagem exaustiva das demais espécies de prisões cautelares, como a prisão em flagrante,

mesmo porque para alguns doutrinadores não se trata esta de uma prisão cautelar, mas sim

pré-cautelar110, a prisão temporária e até mesmo a prisão decorrente de sentença penal

condenatória recorrível, que tem sua natureza jurídica discutível pela doutrina.111

Numa definição sintética pode-se dizer que a prisão penal definitiva é a que se dá em

função de sentença penal condenatória transitada em julgado, enquanto a prisão processual

(cautelar, provisória) ocorre no curso do processo, antes, portanto, da sentença condenatória,

ou seja, com a prisão cautelar pretende-se garantir o regular desenvolvimento do processo e a

possível punição que dele poderá se originar, daí porque seu caráter instrumental.

Como já destacado, o inciso LVII, do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira

elevou a categoria de princípio constitucional expresso a presunção de inocência,

estabelecendo que enquanto não sobrevier uma sentença condenatória irrecorrível, o acusado

deverá ser tratado como inocente, o que implica, necessariamente, na impossibilidade de

restrição de sua liberdade física no curso processual.

Assim sendo, para que se respeite o princípio da presunção de inocência deve-se

estabelecer como regra a de que o indivíduo deve responder em liberdade ao processo,

destinando a prisão apenas para os casos excepcionais.

Como bem descreve NICOLITT112:

Nosso sistema constitucional optou claramente por fazer da liberdade a regra e da prisão processual, a exceção. Assim, prescreveu, em seu art. 5º, o due processo of law como pressuposto da perda da liberdade. Acentuou que ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem judicial, e que ninguém será mantido preso quando for possível a liberdade

110 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 213-218. 111 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 262-295. 112 NICOLITT, André Luiz. As Subversões da Presunção de Inocência. Violência, Cidade e Processo Penal. Coleção: Pensamento Crítico. Coord. Geraldo Prado. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 111-112.

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provisória, com ou sem fiança, determinando, ainda, que a prisão ilegal seja relaxada.

Desta forma, não há uma contraposição entre o princípio da presunção de inocência e

as prisões cautelares, de forma que ambas podem, e devem, conviver harmonicamente,

bastando para observação e respeito ao princípio da presunção de inocência, que a privação da

liberdade se dê em caráter eminentemente excepcional.

Para CAMARGO113:

A prisão imprime o estigma de culpado ao indivíduo que ainda está sendo processado, numa clara afronta à presunção de inocência, motivo pelo qual sua aplicação antes da sentença final condenatória deve se reduzir apenas às circunstâncias necessárias, excepcionais e amplamente justificadas.

É evidentemente possível o convívio entre o princípio da presunção de inocência e as

prisões cautelares desde que estas sejam utilizadas como medida excepcional, de natureza

cautelar, instrumental, ligada à estreita necessidade de preservar o processo e sua efetividade,

de forma que a presunção de inocência atue com a finalidade de evitar a antecipação da

pena.114

Para concessão de toda e qualquer medida cautelar faz-se necessário a observância de

alguns requisitos legais. Muitos doutrinadores identificam os requisitos das providências

cautelares civis, o fumus boni iuris e o periculum in mora, como igualmente válidos para as

medidas aplicadas no processo penal. No entanto, os bens jurídicos tutelados são totalmente

divergentes, enquanto o processo civil, na sua grande maioria, versa sobre questões

patrimoniais, no processo penal, lida-se com a liberdade individual, bem de maior valia para o

ser humano, razão pela qual há uma evidente diferenciação e relevância de interesses.

Para LOPES JR115:

113 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 262-295. 114 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de Inocência e Prisão Cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 70. 115 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 189.

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Constitui uma impropriedade jurídica (e semântica) afirmar que para a decretação de uma prisão cautelar é necessária a existência de fumus boni iuris. Como se pode afirmar que o delito é a “fumaça de bom direito”? Ora, o delito é a negação do direito, sua antítese!

Para grande parte da doutrina o correto seria falar em fumus commissi delicti, ou seja,

“fumaça de um delito”, pois, para que seja decretada uma prisão cautelar, faz-se necessário a

existência de provas de materialidade do crime e indícios suficientes de autoria116.

Como explica LOPES JR117, para que a prisão cautelar se encontre justificada,

necessário se faz um juízo de probabilidade, de verossimilhança dos requisitos positivos

(conduta típica, antijurídica e culpável), bem como não pode haver requisitos negativos do

delito, como excludentes de ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade etc.) ou

excludentes de culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa, erro de proibição etc.). Se

não bastasse, a decisão judicial deve ser fundamentada e amparada em provas suficientes para

demonstrar a autoria e materialidade do crime.

Da mesma forma, o requisito do periculum in mora, na concepção civilista, não é o

mais adequado a se utilizar na seara penal. Na concepção civilista, o periculum in mora diz

respeito ao dano que será causado a uma das partes pela demora do julgamento final de

mérito, quando referida decisão poderá tornar-se inócua e não mais alcançar a tutela almejada

no processo.

Quando se analisa o periculum in mora na esfera penal, nota-se que o fator

determinante não é o tempo, mas a situação de perigo criada pela conduta do imputado. Como

bem assevera LOPES JR118:

O perigo não brota do lapso temporal entre o provimento cautelar e o definitivo. Não é o tempo que leva ao perecimento do objeto. O risco no processo penal decorre da situação de liberdade do sujeito passivo. Basta afastar a conceituação puramente civilista para ver que o periculum in mora no

116 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 260 117 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 192. 118 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 190.

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processo penal assume o caráter de perigo ao normal desenvolvimento do processo (perigo de fuga, destruição da prova) em virtude do estado de liberdade do sujeito passivo.

Desta forma, o requisito do periculum in mora no processo penal seria substituído pelo

requisito ou fundamento do periculum libertatis, ou seja, os riscos de estando o imputado

solto, vir a se escusar da possível pena que lhe poderá ser aplicada (risco de fuga), risco de

perturbar o normal prosseguimento do processo (coleta de provas) ou risco de provocar uma

desordem social ou econômica.

Esse perigo de fuga não pode nunca ser fixado com base em meras suposições, nem

muito menos em virtude da gravidade do delito imputado. Deve-se fundar em fatos claros,

determinados, como por exemplo, quando o indivíduo está se desfazendo de seus bens,

preparando documentos para viagem etc., pois, do contrário, se estaria violando o princípio da

presunção de inocência.

Como visto, o princípio da presunção de inocência não impede a prisão do acusado

antes da sentença penal definitiva, no entanto, implica na necessidade de que tais prisões

respeitem as especificidades de uma medida cautelar.

LOPES JR119 leciona que toda e qualquer prisão cautelar deve estar fundamentada

sobre cinco princípios básicos: a jurisdicionalidade, a provisionalidade, a provisoriedade, a

excepcionalidade e a proporcionalidade, os quais tentar-se-á explicar, ainda que sucintamente,

com base nos ensinamentos do autor.

Para ele, toda e qualquer prisão cautelar somente pode ser decretada por ordem

judicial fundamentada, estando a jurisdicionalidade diretamente relacionada com o devido

processo legal (art. 5º, LIV da CF). Assim, para que ocorra a privação da liberdade do

indivíduo, imprescindível se faz a existência de um processo, impedindo a decretação de

qualquer prisão antes deste. Todavia, em nome da necessidade e da proporcionalidade, tem se

admitido a prisão para cumprir a função instrumental do processo.

119 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 195-200.

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O princípio da provisionalidade implicaria no reconhecimento de que as medidas

cautelares são situacionais, ou seja, tutelam uma situação fática. Na medida em que este

suporte fático desaparece, deve-se cessar imediatamente a prisão. Aludido princípio encontre-

se insculpido no artigo 316 do Código Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva

(ou qualquer outra cautelar) poderá ser revogada a qualquer tempo, no curso do processo ou

não, desde que desapareçam os motivos que a legitimam, bem como pode ser novamente

decretada, desde que surja a necessidade (periculum libertatis).

Para o autor, a provisoriedade estaria relacionada ao fator tempo, de modo que toda

prisão cautelar deve ser temporária, de breve duração, não podendo assumir contornos de

pena antecipada. Segundo ele, sob este princípio reside o maior problema do sistema cautelar

brasileiro onde, com exceção da prisão temporária, as demais prisões cautelares não têm

previsão de duração, sendo absolutamente indeterminadas, ficando ao livre arbítrio do

magistrado ou tribunal. Por esta razão e tendo-se em vista o insucesso da medida adotada pela

jurisprudência (prazo de 81 dias no procedimento ordinário), urge a necessidade de se

estabelecer parâmetros de duração das prisões cautelares, a partir dos quais a segregação

tornar-se-ia absolutamente ilegal.

Dando prosseguimento ao enunciado, esclarece o autor que as prisões cautelares

devem sempre serem regidas pelo princípio da excepcionalidade, ou seja, devem sempre ser a

ultima ratio do sistema, reservadas para os casos mais graves e onde as provas já se

encontram minimamente e suficientemente demonstradas. Para que as prisões cautelares

respeitem o princípio da presunção de inocência, mister se faz que as mesmas não sejam

banalizadas, como atualmente se encontram no Brasil. Como bem leciona o autor, no atual

sistema brasileiro, primeiro se prende, para depois ir atrás do suporte probatório que legitime

a medida.

Para LOPES JR120:

Infelizmente as prisões cautelares acabaram sendo inseridas na dinâmica da urgência, desempenhando um relevantíssimo efeito sedante da opinião pública pela ilusão de justiça instantânea. O simbólico da prisão imediata acaba sendo utilizado para

120 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 200.

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construir uma (falsa) noção de “eficiência” do aparelho repressor estatal e da própria justiça. Com isso, o que foi concebido para ser “excepcional” torna-se um instrumento de uso comum e ordinário, desnaturando-o completamente. Nessa teratológica alquimia, sepulta-se a legitimidade das prisões cautelares.

Por fim, como último princípio orientador na aplicação das prisões cautelares, o autor

tece alguns comentários sob o princípio da proporcionalidade. Cumpre desde já esclarecer que

referido princípio será objeto de um estudo pormenorizado no capítulo seguinte, razão pela

qual neste momento tecer-se-á apenas breves comentários.

Como esclarece LOPES JR121:

As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico do difícil equilíbrio entre dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos. O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, pois deverá ponderar a gravidade da medida imposta com a finalidade pretendida, sem perder de vista a densidade do fumus commissi delicti e do periculum libertatis.

Assim sendo, com base nas provas que possui em mãos, o magistrado irá sopesar se a

prisão cautelar é o meio mais adequado, necessário e proporcional para se atingir o fim

objetivado no caso concreto, que pode ser a manutenção da ordem pública ou econômica, a

conveniência da instrução criminal ou a segurança da aplicação da lei penal.

Feitas estas considerações acerca da estrutura básica que norteia as prisões cautelares

em respeito ao princípio da presunção de inocência, analisar-se-á a prisão preventiva, a mais

conhecida e aplicada espécie de prisão cautelar.

3.6.1 A Prisão Preventiva

Como já mencionado, a prisão preventiva é uma das espécies de prisões cautelares,

estando prevista nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal. Por ser uma espécie de 121 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 200.

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prisão cautelar, na prisão preventiva devem estar presentes os requisitos do fumus commissi

delicti (provas da existência do crime e indícios suficientes de autoria) e do periculum

libertatis (prisão feita como garantia da ordem pública, econômica, conveniência da instrução

criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal).

Da mesma forma que as demais prisões cautelares, para que a prisão preventiva

respeite o princípio da presunção de inocência está deve ser sempre aplicada em caráter

excepcional, como a ultima ratio e dependendo das circunstâncias concretas, não se

apresentando nunca como uma antecipação da pena, tendo uma função meramente simbólica.

A esse respeito, concludentes são as palavras de ALVES BENTO122:

Em face do estado de inocência do acusado, a antecipação do resultado representa provimento excepcional, que não pode ser confundida com a punição, somente justificada em situações de extrema necessidade.

Antes que se adentre nas causas justificadoras para decretação da prisão preventiva,

necessário se faz tecer alguns comentários sobre a alteração promovida pela Lei nº.

11.719/2008 no artigo 387 do Código de Processo Penal, que trouxe repercussões diretas para

as prisões cautelares, principalmente a preventiva.

Com a referida lei, foi acrescido ao artigo 387 do Código de Processo Penal, o

parágrafo único, que assim dispõe:

O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.

Desta forma, como conseqüência lógica, restou revogado o artigo 594 do Código de

Processo Penal, não sendo mais o recolhimento ao cárcere condição necessária para

admissibilidade do recurso.

BARROS123, ao tratar do assunto esclarece: 122 ALVES BENTO, Ricardo. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 157.

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Esta determinação faz com que a prisão decorrente de sentença penal condenatória apenas subsista se presentes os requisitos da prisão preventiva, hipótese que se compatibiliza com a presunção de inocência.

Da mesma forma, o novo parágrafo único veio em consonância com o disposto no

Enunciado nº. 347 do Superior Tribunal de Justiça, que tem a seguinte redação: “O

conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

Para BARROS124, além do artigo 594, outros dispositivos do Código de Processo

Penal teriam sido revogados com a Lei 11.719/2008:

Como conseqüência e coerentemente, foi revogado o art. 594, que exigia a condição de primariedade para que o réu pudesse apelar em liberdade. E, embora não revogados expressamente, deixam de ter aplicação os arts. 393, I e 595, por manifesta incompatibilidade. Aquele arrola a prisão como efeito automático da sentença condenatória; e este considera que a fuga do acusado após a interposição do recurso equivale à deserção e abandono do próprio recurso, que, nesse caso, deixaria de ser conhecido.

Há que ser constatado não ser inadmissível a prisão decorrente de sentença

condenatória, no entanto, para que a mesma seja mantida ou decretada, mister se faz a

presença dos fundamentos da prisão preventiva. Assim, referida reforma levou em conta não

só o princípio da presunção de inocência, como também o direito ao duplo grau de jurisdição.

Verificada essa nova moldagem conferida ao artigo 387 do Código de Processo Penal,

cumpre examinar o periculum libertatis, requisito de toda e qualquer prisão cautelar e que

encontra seu fundamento na prisão preventiva em quatro hipóteses: na garantia da ordem

pública, na garantia da ordem econômica, na conveniência da instrução criminal e na

segurança da aplicação da lei penal.

123 BARROS, Antonio Milton de. A Reforma do CPP em relação aos procedimentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1868, 12 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11584> Acesso em: 28 ago. 2008. 124 BARROS, Antonio Milton de. A Reforma do CPP em relação aos procedimentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1868, 12 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11584> Acesso em: 28 ago. 2008.

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Inicialmente, analisar-se-á os dois primeiros fundamentos da prisão preventiva: a

garantia da ordem pública e econômica, visando demonstrar suas totais

inconstitucionalidades.

Como alhures destacado, toda e qualquer medida cautelar tem como característica

básica a instrumentalidade, ou seja, sua finalidade é assegurar a eficácia do procedimento

definitivo, garantindo o normal funcionamento do processo.

Nesse sentido, preciosa é a lição de DELMANTO JUNIOR125:

Acreditamos, igualmente, que a característica da instrumentalidade é ínsita à prisão cautelar na medida em que, para não se confundir com pena, só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório.

Assim, para que uma prisão cautelar tenha fundamento e respeite o princípio da

presunção de inocência, necessário se faz que a mesma apresente um caráter instrumental,

visando assegurar a eficácia do procedimento final, o que não é percebido na aplicação da

prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública ou econômica, razão pela

qual são absolutamente inconstitucionais.

Para LOPES JR126:

Trata-se de grave degeneração transformar uma medida processual em atividade tipicamente de polícia, utilizando-as indevidamente como medidas de segurança pública. Quando se mantém uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal.

E continua o autor:

125 DELMANTO JUNIOR, Roberto. As Modalidades de Prisão Provisória e seu Prazo de Duração. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 83. 126 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 203.

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Inadmissível, portanto, a prisão preventiva sob o argumento de “perigo de reiteração” de condutas criminosas. Trata-se de (absurdo) exercício de vidência por parte de julgadores, que até onde temos conhecimento ainda não possuem um periculosômetro (diria Zaffaroni) à disposição. Além de ser um diagnóstico absolutamente impossível de ser feito (salvo para os casos de vidência e bola de cristal), é flagrantemente inconstitucional, pois a única presunção que a Constituição permite é a de inocência e ela permanece intacta em relação a fatos futuros.

Como por várias vezes reiterado, as prisões processuais não podem nunca ter um

caráter satisfativo, de forma a ser inaceitável a fundamentação de um cárcere com base em

conceitos vagos, indeterminados e imprecisos, como a garantia da ordem pública e

econômica.

Um Estado Democrático de Direito, não pode jamais ter suas garantias individuais

mínimas sucumbidas diante de um clamor público, de uma necessidade de proporcionar uma

satisfação imediata à sociedade, pois a prisão processual não tem as funções de prevenção

geral e especial, pois se assim fosse, nada mais seria do que uma pena antecipada.

Uma decisão da Quinta Câmara Criminal do TJRS, no HC 70005916929, Relator Dês.

Amilton Bueno de Carvalho, em 12 de março de 2003 sintetiza bem o assunto127:

- O “clamor público”, a “intranqüilidade social” e o “aumento da criminalidade” não suficientes à configuração do periculum in mora: são dados genéricos, sem qualquer conexão com o fato delituoso praticado pelo réu, logo não podem atingir as garantias processuais deste. Outrossim, o aumento da criminalidade e o clamor público são frutos da estrutura social vigente, que se encarrega de multiplicá-los nas suas próprias excrescências. Assim, não é razoável que tais elementos – genéricos o suficiente para levar qualquer cidadão à cadeia – sejam valorados para determinar o encarceramento prematuro. - A gravidade do delito, por si só, também não justifica a imposição da segregação cautelar, seja porque a lei penal não prevê prisão provisória automática para nenhuma espécie delitiva (e nem o poderia porque a Constituição não permite), seja porque não desobriga o atendimento dos requisitos legais em caso algum. - À unanimidade, concederam a ordem.

127 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 206-207.

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Por todas essas características, nota-se ser a prisão preventiva com fundamento na

garantia da ordem pública totalmente inconstitucional, vez ser desprovida do caráter inerente

a todas as prisões processuais – a instrumentalidade – razão pela qual viola flagrantemente o

princípio da presunção de inocência, configurando-se numa verdadeira antecipação da pena.

A prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem econômica, no mesmo

sentido, revela-se flagrantemente inconstitucional, sendo resultado de uma modelo neo-

liberal, e que em nada preserva as características e requisitos das prisões cautelares.

Para LOPES JR128:

Num país pobre como o nosso, ter uma prisão preventiva para tutelar o capital especulativo envergonha o processo penal. É elementar que, se o objetivo é perseguir a especulação financeira, as transações fraudulentas, e coisas do gênero, o caminho passa pelas sanções à pessoa jurídica, o direito administrativo sancionador, as restrições comerciais, mais jamais pela intervenção penal, muito menos de uma prisão preventiva.

Desta forma, assim como prisão preventiva fundada na garantia da ordem pública, a

prisão fundada na garantia da ordem econômica apresenta-se totalmente desprovida de

legitimidade, sendo, pois, inconstitucional, não tendo quaisquer das características das

medidas cautelares.

Os demais fundamentos utilizados para legitimar a manutenção ou decretação da

prisão preventiva são a tutela da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Essas duas

hipóteses são sem sombra de dúvidas eminentemente cautelares, vez que procuram assegurar

o regular desenvolvimento do processo.

No entanto, como bem assevera FERRAJOLI129:

128 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 207. 129 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 446.

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A pergunta que devemos tornar a levantar é então se a custódia preventiva é realmente uma “injustiça necessária”, como pensava Carrara, ou se, ao invés, é apenas o produto de uma concepção inquisitória de processo que deseja ver o acusado em condições de inferioridade em relação à acusação, imediatamente sujeito à pena exemplar e, acima de tudo, não obstante as virtuosas proclamações em contrário, presumido culpado.

Sob os fiéis argumentos da necessidade e de que os fins justificam os meios, a prisão

preventiva com fundamento na tutela da instrução criminal e da aplicação penal perpetrou-se

ao longo do tempo.

No entanto, a necessidade de prevenir a deterioração das provas não pode ser

confundida com a de interrogar o imputado e obter sua confissão. Como leciona

FERRAJOLI130:

O interrogatório do imputado, em uma visão não inquisitória de processo, não é uma necessidade da acusação, mas um direito da defesa, que deve servir não para formar prova de culpabilidade mas só para contestar a imputação e para permitir a defesa do acusado.

O mesmo FERRAJOLI131 esclarece que para que o imputado não altere o estado das

provas e apresente falsas defesas não seria necessária a custódia cautelar, mais tão somente a

condução coercitiva do imputado até a presença do juiz, ou até mesmo a detenção – durante o

tempo estritamente necessário, por horas ou no máximo dias, mas não por anos – para

interrogá-lo e realizar as primeiras comprovações do fato. Assim se evitaria todos os efeitos

difamatórios e infamantes ocasionados pela prisão cautelar, da mesma forma que tão logo

após seja o imputado ouvido e produzida a prova, deve ser cessada a custódia cautelar, vez

que não haveria mais qualquer motivo para sua manutenção.

Tratando ainda sobre a legitimação da prisão preventiva com fundamento na tutela das

provas, LOPES JR132 examina a necessidade de uma maior cientificidade da própria

130 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 447. 131 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 447. 132 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 210.

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investigação e coleta de indícios, de forma que quanto mais eficiente for a polícia científica e

as técnicas de recolhimento de provas, mais célere será o procedimento para apuração do fato

e por conseguinte, menores serão as chances de manipulação ou destruição das provas. Da

mesma forma, o argumento de que a prisão preventiva para garantia da instrução criminal tem

seu fundamento em virtude do medo da vítima e das testemunhas não tem qualquer

legitimidade. Cabe ao Estado promover a segurança publica – da vítima, das testemunhas e de

todos os cidadãos, a custódia cautelar não tem função de prevenção geral, nem tão pouco

especial, como já destacado.

Resta evidenciado que a tutela das provas pode ser feito por diversos outros

mecanismos, não sendo necessário a imposição de uma medida tão drástica, como a prisão

cautelar, que frisa-se, deve ser aplicada excepcionalmente e mediante fatos concretos

suficientemente capazes a demonstrar o periculum à instrução criminal.

Por fim, com relação a prisão preventiva feita com fundamento na tutela da aplicação

da lei penal, quando do exame do periculum libertatis como requisito para decretação de

qualquer prisão cautelar já foram tecidos alguns comentários à respeito, os quais vale a pena

repisar.

Como naquele momento esclarecido, toda custódia cautelar não pode jamais se fundar

em meras suposições, fruto de ilações e desprovidas de fatos concretos, posto que desta forma

violariam flagrantemente a presunção constitucional de inocência.

Para FERRAJOLI133, a fuga é causada mais pelo medo da prisão preventiva do que

pela própria pena final, pois a possibilidade do mesmo ser incluso num sistema carcerário

deplorável como o que hoje se apresenta antes mesmo de ter sido condenado causa tremor e

calafrios em qualquer indivíduo, ainda mais naquele inocente, o que por muitas vezes, acaba

por originar a fuga.

O risco de fuga no patamar em que se encontra a sociedade informatizada e

globalizada torna-se cada vez menor, razão pela qual a custódia cautelar não se apresenta tão

necessária como outrora.

133 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. 6ª ed., Trad.: Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 448.

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Da mesma forma, como leciona LOPES JR134, faz-se necessário a adoção de novos

mecanismos para resguardar a aplicação da lei penal:

É imprescindível a ampliação dos instrumentos a serviço da liberdade provisória, com um rol mais abrangente de restrições gradativas, que podem ir da obrigação de comparecimento periódico (até mesmo diário) para informar as atividades e comprovar a presença na comarca, passando pela retenção de passaporte, expedição de documentos que permitam o trânsito restrito, obrigatoriedade de recolhimento noturno a estabelecimentos especiais, até a vigilância por meio de pulseiras com GPS ou outros recursos tecnológicos, cujo custo econômico e social, tanto para o Estado como para o imputado é infinitamente menor do que os de uma prisão cautelar.

Por tudo o que aqui foi exposto, resta demonstrado não ser a prisão preventiva e até

mesmo as prisões cautelares como um todo, tão necessárias assim como prega o utilitarismo e

o Estado policialesco. Não se está aqui a proclamar pela extinção das prisões cautelares como

proclama Ferrajoli, que nada obstante seja um desejo, há que se admitir ser necessários longos

e árduos passos para tal. Todavia, resta demonstrado que as prisões cautelares devem ser

preservadas para casos evidentemente excepcionais e que observem todos os requisitos e

características cautelares, pois somente assim a presunção constitucional de inocência do

acusado será preservada.

3.7 A Presunção de Inocência, o Uso de Algemas e a Dignidade da Pessoa Humana

Nos últimos anos, tendo-se em vista principalmente as operações realizadas pela

Polícia Federal, bem como o sensacionalismo estimulado pelos órgãos de imprensa na

cobertura de algumas prisões realizadas, veio a paira a discussão sobre o uso desmotivado das

algemas.

Tal discussão fundamentava-se pelo único argumento de que, desde 1984, quando

entrou em vigor a Lei nº. 7.210 (Lei de Execuções Penais), o uso de algemas não havia sido

regulamentado. Referida lei, nas suas disposições finais e transitórias, mais precisamente no

artigo 199, assim dispõe: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. 134 LOPES Jr., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2004, p. 212.

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Passado mais de duas décadas aludido decreto federal não fora ainda publicado,

ficando a regulamentação acerca do uso das algemas a mercê da legislação até então vigente.

Desta forma, seu uso era até então fundamentado com base no artigo 38 do Código Penal,

bem como nos artigos 284 e 292, do Código de Processo Penal, que ora transcreve-se:

Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.

O Código de Processo Penal Militar, da mesma forma, em seu parágrafo primeiro do

artigo 234, assim dispõe:

Art. 234... §1º. O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido nos presos a que se refere o art. 242.

Com base nos destacados dispositivos legais, percebe-se nitidamente a orientação de

dever ser o uso das algemas resguardado tão somente para os casos de extrema necessidade,

onde o detido ofereça resistência ou riscos à sua própria pessoa ou a terceiros envolvidos, bem

como quando haja intento de fuga por parte deste.

O uso desmotivado das algemas viola por si só princípios fundamentais do Estado

Democrático de Direito, como a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III da CF) e a

presunção de inocência (Art. 5º, LVII da CF), além de submeter o detido a tratamento

degradante (Art. 5º, III da CF).

No entanto, mesmo diante de todas essas orientações, constitucionais e infra-

constitucionais, as algemas vem sendo utilizadas diuturnamente pelo Estado no exercício de

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seu poder repressor. A exposição do detido e algemado perante a mídia, principalmente nos

crimes de grande repercussão, tem uma função única e exclusivamente simbólica, que visa

demonstrar uma falsa eficiência do aparato de segurança pública.

Por esta razão foi que, em sessão realizada no dia 13/08/2008, o Supremo Tribunal

Federal, em sua composição plenária, por unanimidade, aprovou a Súmula Vinculante nº. 11,

com a seguinte redação:

Súmula n. 11. Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiro, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Referida Súmula fora editada após o julgamento pelo próprio STF do HC 91.952

(Plenário – Rel. Min. Marco Aurélio, j. 07.08.08 – votação unânime), onde anulou-se o

julgamento proferido pelo Tribunal do Júri da Comarca de Laranjal Paulista-SP, em virtude

do réu, um pedreiro da cidade condenado por homicídio qualificado, ter permanecido

algemado durante toda a sessão do Júri, o que teria influenciado os jurados na tomada de sua

decisão. Alegou-se ainda não existirem dados concretos a indicar, pelo perfil do acusado, a

existência de risco aos presentes caso o mesmo permanecesse sem as algemas, razão pela qual

teria sua dignidade humana sido aviltada.135

Desta forma, uma vez editada a Súmula Vinculante nº. 11, ainda que inexistente uma

lei ordinária regulamentando o assunto, o uso das algemas finalmente teve seus parâmetros de

utilização perfeitamente delineados pelo Supremo Tribunal Federal.

Esclarecendo o porque de tanta preocupação em evitar o abuso na utilização das

algemas, LUIZ FLÁVIO GOMES136 esclarece:

135 FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 28 ago. 2008. 136 GOMES, Luiz Flavio. Algemas: STF disciplina seu uso. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1885, 29 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11662>. Acesso em: 29 ago. 2008.

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(a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. 5º, inc. LVII, da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de Direito.

É claro que referida Súmula não se encontra imune de críticas, dentre as quais

destacam-se a de que a Súmula tem por especial fim blindar as classes mais abastadas da

sociedade, autores dos chamados “crimes do colarinho branco” que passaram a ser alvo das

operações policiais137, bem como prejudica e muito o cotidiano dos policiais, visto que suas

operações não se limitam àquelas noticiadas pela mídia, além das críticas referentes a

desnecessidade de nulidade dos atos processuais no caso de procedimentos não afetos ao Júri,

visto que não há qualquer relação entre a prova produzida e a colocação de algemas no réu.

Questiona-se ainda a imprecisão e o risco de se deixar ao livre poder discricionário do juiz a

interpretação do que venha a ser “fundado receio de fulga”.138

Todavia, nada obstante todas estas críticas, a Súmula n. 11 do Supremo Tribunal

Federal contribui e muito para a preservação dos direitos e garantias do acusado

constitucionalmente previstas. Como bem esclarece LUIZ FLÁVIO GOMES139:

Os juízes e policiais radicais, amantes do Direito penal do inimigo, não podem cometer abusos nem coonestar a prepotência do Estado de Polícia. Não se pode admitir a chamada Justiça penal da humilhação, que conduz a uma “anarquia institucionalizada”. Uma das preocupações do STF (ao editar a citada súmula) diz respeito à falta de invocação de um motivo concreto justificante do uso de algemas. Não se proíbe o seu uso, sim, o seu abuso.

137 Vide: CARVALHO, Bernardo Marino. Súmula Vinculante nº 11: República algemada. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11615>. Acesso em: 28 ago. 2008; SELL, Sandro César. O pedreiro, o banqueiro e um par de algemas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11618>. Acesso em: 28 ago. 2008 e JANONES, Luiz Alécio Scarabucci. Algemados à hipocrisia. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11617>. Acesso em: 28 ago. 2008. 138 A esse respeito vide: FUDOLI, Rodrigo de Abreu. Uso de algemas: a Súmula Vinculante nº 11, do STF. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1875, 19 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11625>. Acesso em: 28 ago. 2008. 139 GOMES, Luiz Flavio. Algemas: STF disciplina seu uso. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1885, 29 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11662>. Acesso em: 29 ago. 2008.

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Assim sendo, resta clarevidente que as algemas poderão sim continuar sendo

utilizadas, no entanto, seu uso deve ficar restrito aos casos de extrema resistência e

oferecimento de real perigo por parte do preso, sendo sempre fundamentada a atitude, pois,

caso contrário, o agente ou autoridade serão responsabilizados, além do ato ou prisão serem

declarados nulo.

Desta forma, o uso indevido da algema gera uma tríplice responsabilidade:

administrativamente, configura uma infração, sendo passível até, conforme a gravidade, de

uma demissão. Civilmente, pode gerar um ilícito, implicando em responsabilidade civil, o que

ensejaria uma indenização para reparação do dano civil e moral. Por fim, penalmente,

configuraria o crime de abuso de autoridade, regulado pela Lei nº. 4.898/1965.140

A Súmula n. 11 do STF vem de encontro com as alterações promovidas no

procedimento dos crimes afetos ao Tribunal do Júri pela Lei nº. 11.689/2008, que alterou o

disposto no parágrafo terceiro, do artigo 474 do Código de Processo Penal, o qual passou a

dispor que:

Art. 474... §3º. Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

Portanto, diante de tudo o que ora foi examinado, há que ser constatado que as

algemas podem sim ser utilizadas pelo Estado no desenvolvimento de sua atividade

persecutória, todavia, tal utilização deve ser resguardada a casos de extrema necessidade,

nunca sendo utilizadas como uma pena ou mesmo como um simbolismo de eficiência

antigarantista, pois somente assim, estar-se-á respeitando o princípio da presunção de

inocência do acusado e sua dignidade humana, cânones constitucionais inarredáveis.

3.8 O Princípio da Presunção de Inocência e a Lei 11.705/2008

140 PRIETO, Andre Luiz. O uso abusivo de algemas e a tríplice responsabilidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1878, 22 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11629>. Acesso em: 28 ago. 2008.

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Visando conter o imenso número de acidentes de trânsitos, provocados em sua grande

maioria pela ingestão de bebidas alcoólicas, foi publicada em 20/06/2008, a Lei 11.705, a qual

alterou alguns dispositivos legais do Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997).

Primeiramente cumpre esclarecer que o Código de Trânsito Brasileiro possui duas

sanções para o condutor de veículo automotor que o conduz após a ingestão de bebida

alcoólica ou qualquer outra substância psicoativa: uma administrativa (art. 165) e outra

criminal (art. 306).

Pois bem, feitos estes esclarecimentos, surgem os primeiros conflitos proporcionados

pelo novel diploma legal: teria a Lei 11.705/2008 alterado o crime do artigo 306 do Código de

Trânsito em um crime de perigo abstrato?

Para RENATO MARCÃO141 sim:

O legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, é conduta que, por si, independente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição da pena criminal. Não se exige mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a incolumidade de outrem. O crime, agora, é de perigo abstrato; presumido.

No entanto, parece mais acertada a posição de LUIZ FLÁVIO GOMES142:

Não se pode nunca confundir a infração administrativa com a penal. Aquela pode ter por fundamento o perigo abstrato. Esta jamais. O Direito Penal atual, fundado em bases constitucionais, é dotado de uma série de garantias. Dentre elas está a da ofensividade, que consiste em exigir, em todo crime, uma ofensa (concreta) ao bem jurídico protegido. Constitui grave equívoco interpretar a lei seca “secamente”. Não há crime sem condução anormal.

141 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454> Acesso em: 28 ago. 2008. 142 GOMES, Luiz Flávio. Lei seca (Lei nº 11.705/2008). Exageros, equívocos e abusos das operações policiais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1842, 17 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11496> Acesso em: 28 ago. 2008.

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Desta forma, resta evidenciado que para a caracterização do crime previsto no artigo

306 do Código de Trânsito Brasileiro, não basta que o sujeito apresente uma concentração de

álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, sendo imprescindível que o

mesmo esteja dirigindo anormalmente, expondo a risco concreto seus concidadãos, pois caso

contrário, deve ser-lhe aplicada tão somente as sanções administrativas do artigo 165, tais

como multa, suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses, retenção do veículo e

recolhimento do documento de habilitação, bem como não há que se falar na possibilidade de

prisão em flagrante, pois como já dito, neste caso não haveria crime, mais unicamente

infração administrativa, sendo absurdo, abusiva e flagrantemente inconstitucional a utilização

de tal medida.

Nada obstante as discussões anteriormente suscitadas, o ponto crucial das alterações

proporcionadas pela Lei 11.705/2008, encontra-se no artigo 277 do Código de Trânsito

Brasileiro, que assim passou a dispor:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência do álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. §1º Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. §2º A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. §3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Desta feita, há que se constatar o fato de que, independente da quantidade de álcool

encontrada no sangue do condutor do veículo, este sofrerá as conseqüências da infração

administrativa disposta no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, bastando para

imposição desta sanção, dentre outros meios de prova, a simples percepção do agente de

trânsito de notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, o que sem sombra de dúvidas

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torna a sanção administrativa aberta, imprecisa, ficando ao livre arbítrio do agente de trânsito,

o que certamente levará à equívocos e cometimento de abusos, tão perseguidos pelo sistema

garantista.

No entanto, ponto de fundamental relevo e objeto de grandes debates desde a

publicação da Lei 11.705/2008, encontra-se na aplicação automática das sanções

administrativas do artigo 165 do Código de Trânsito em caso de recusa pelo condutor em se

submeter aos exames de alcoolemia, dentre eles o uso do etilômetro, vulgarmente conhecido

como bafômetro.

Referida imposição viola flagrantemente não só o princípio da presunção de inocência,

como também o direito de permanecer calado, previsto no artigo 5º, LXIII da Constituição

Federal, que tem como consectário lógico o princípio de que ninguém pode ser compelido a

produzir prova em seu desfavor.

Como descreve LAGE143:

A culpa de alguém pela prática de determinado fato não se presume, sendo a sua inocência regra. Enquanto não restar cabalmente comprovado, através das provas em direito admitidas, que o condutor dirigia veículo sob a influência de álcool ou outra substância psicoativa, não pode a este ser imputada qualquer penalidade, independente da sua recusa em se submeter a qualquer exame. Forçoso concluir que a imposição de pena “automática”, em caso de recusa do condutor a se submeter a exames de alcoolemia, é uma flagrante afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Da mesma forma o artigo 8º, números 2 e 9 da Convenção Americana de Direitos

Humanos (Pacto San José da Costa Rica), o qual fora ratificado pelo Brasil, e eregido a

categoria de emenda constitucional pelo §3º, do artigo 5º da Constituição Federal, preserva

expressamente os princípios da presunção de inocência e da não auto-incriminação:

Art. 8º. Garantias Judiciais ...

143 LAGE, Rafael de Oliveira. A inconstitucionalidade da reforma do Código de Trânsito Brasileiro e seus aspectos sociais e morais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1828, 3 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11462> Acesso em: 28 ago. 2008.

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2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: ... 9. direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

Para LAGE144 “o princípio da não auto-incriminação traduz-se em uma simples

constatação: ninguém poderá ser obrigado, por qualquer meio, por qualquer autoridade, a

produzir provas contra si mesmo”.

RENATO MARCÃO145 no mesmo sentido esclarece:

O agente surpreendido na via pública, sobre o qual recaia suspeita de encontrar-se a conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, não poderá ser submetido, contra sua vontade, sem sua explícita autorização, a qualquer procedimento que implique intervenção corporal, da mesma maneira que não está obrigado a se pronunciar a respeito de fatos contra si imputados (art. 5º, LXIII, CF), sem que de tal “silêncio constitucional” se possa extrair qualquer conclusão em seu desfavor.

Assim sendo, o motorista sob suspeita de conduzir seu veículo sobre influência de

álcool pode legitimamente recusar-se a produzir prova contra si, principalmente no que diz

respeito ao bafômetro, de forma que tal atitude não poderá nunca ser tida como desacato ou

desobediência, fundamentando inclusive prisões em flagrante, como já vem ocorrendo após a

publicação da Lei 11.705/2008, pois tal negativa nada mais é do que o exercício regular de

um direito constitucionalmente previsto à este cidadão.

Da mesma forma, a Lei 11.705/2008, mormente no que diz respeito a alteração do

artigo 277 do Código de Trânsito, vai totalmente em desencontro a tendência do direito

144 LAGE, Rafael de Oliveira. A inconstitucionalidade da reforma do Código de Trânsito Brasileiro e seus aspectos sociais e morais. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1828, 3 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11462> Acesso em: 28 ago. 2008. 145 MARCÃO, Renato. Embriaguez ao volante, exames de alcoolemia e teste do bafômetro. Uma análise do novo art. 306, caput, da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1827, 2 jul. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11454> Acesso em: 28 ago. 2008.

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processual brasileiro moderno, que através da recente Lei 11.690/2008, alterou o artigo 157

do Código de Processo Penal Brasileiro, que passou a assim dispor:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Por todo o aqui exposto há que se concluir pela completa inconstitucionalidade da Lei

11.705/2008, a qual viola flagrantemente os princípios constitucionais da presunção de

inocência e do direito de permanecer calado, com seu consectário lógico da não auto-

incriminação.

Não há que se argumentar ainda ser o §3º, do novo artigo 277 do Código de Trânsito

Brasileiro constitucional, tendo-se em vista que sua conseqüência lógica seria a aplicação da

sanção administrativa e não criminal, pois o Direito Administrativo, num Estado Democrático

de Direito minimamente garantista, deve ser regido sempre por valores constitucionais. Como

afirma MAGALHÃES146:

Se mesmo no âmbito penal, onde as infrações previstas são inegavelmente mais graves e comparativamente mais nocivas ao interesse social, os órgãos de persecução penal não podem forçar a confissão ou produção obrigatória de prova pelo acusado, isto é muito menos viável na seara administrativa. Em respeito ao mais que milenar brocardo nemo tenetur se detegere, por mais nobre que seja a intenção política ou interesse social a ser resguardado, definitivamente, tem-se aqui exemplo clássico de aplicabilidade da afirmativa de que o fim não justifica o meio, razão pela qual incidiu o legislador em cristalina violação ao princípio constitucional implícito da razoabilidade.

Há que se deixar bem claro, que não se está a defender os desrespeito às regras de

trânsito, nem tão pouco a estimular a condução de veículos por indivíduos em estado de

embriaguez. Todavia, cumpre ao Estado, através de seus órgãos de persecução penal, procurar

meios de se apurar a verificação de tal ilícito penal, ou mesmo administrativo, respeitando os

direitos e garantias constitucionalmente previstos. 146 MAGALHÃES, Vlamir Costa. A produção obrigatória de prova acusatória pelo réu: uma aberração aplaudida e legislada. Comentários à Lei nº 11.705/2008, que alterou a redação do Código de Trânsito (Lei nº 9.503/97). Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1871, 15 ago. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11605> Acesso em: 28 ago. 2008.

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CAPÍTULO IV

O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO

Visto toda essa evolução histórica, as conceituações e aplicações atualmente firmadas

do princípio da presunção de inocência, principalmente dentro de um modelo processual penal

garantista, procurar-se-á neste momento, realizar um exame crítico deste frente à um novo

regime de cumprimento de pena, denominado Regime Disciplinar Diferenciado.

A necessidade de criar um regime prisional adequado para coibir a ação de líderes

criminosos se fazia necessária, ainda mais quando Luiz Fernando da Costa, o “Fernandinho

Beira Mar” foi capturado em meados de 2002.

Receosos de arcar com o ônus político de prováveis rebeliões, que certamente

ocorreriam em seus presídios com a presença do líder brasileiro do tráfico, os governadores de

então passaram a travar um verdadeiro jogo de empurra para decidir quem deveria custodiá-lo

em seu Estado durante o cumprimento da pena.

Inicialmente a dificuldade residia na estrutura prisional nacional que não dispunha de

equipamentos, funcionários e sistemas de vigilância suficientemente eficientes para

implementar um maior rigor e garantir o cabal cumprimento da pena para presos perigosos.

Depois de uma pesquisa por presídios em todo o território brasileiro, descobriu-se no

interior de São Paulo, em Presidente Prudente, o que parecia ser a solução para a celeuma; o

presídio de segurança máxima de Presidente Bernardes. Recém inaugurado, com celas

individuais, vidros que isolavam o preso do contato com visitantes e sistemas de câmera em

todos os ambientes, o presídio fora criado para viabilizar um regime de cumprimento de pena

mais severo.

Contudo, esse novo sistema, que à época já era chamado de RDD, não tinha amparo

legal. Foi assim que inaugurou-se o enfrentamento do segundo problema, qual seja, a melhor

maneira de superar os princípios da legalidade (art. 5º, II, CF/88) e da irretroatividade da lei

penal (art. 5º, XL, CF/88) de forma a propiciar a imediata inserção de Fernandinho Beira Mar

no Regime Disciplinar Diferenciado.

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Com esse intuito, foi que o então Secretário de Administração Penitenciária do Estado

de São Paulo, Nagashi Furukawa, através da Resolução Administrativa nº. 026/01, instituiu o

Regime Disciplinar Diferenciado, como forma de regulamentar a situação dos presos ditos de

alta periculosidade nos presídios daquele Estado.

Somente em 1º. de Dezembro de 2003, entrou em vigor a Lei 10.792/2003, a qual

regulamentou o RDD, conferindo ares de legalidade às arbitrariedades perpetradas até então,

alterando algumas disposições da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84) e do Código de

Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/41).

Na verdade, verifica-se que o RDD é um novo regime de cumprimento de pena, não

previsto em lei (v.g. art. 33, caput, do CP), o qual foi criado como forma de conter o crime

organizado, bem como controlar efetivamente a vida dos detentos tidos como de alta

periculosidade dentro dos presídios, através de seu completo isolamento.

Entretanto, como observar-se-á durante o desenvolvimento deste capítulo, ao criar o

RDD, o Estado deu vida a uma pena desumana e atentatória aos direitos e liberdades

fundamentais, ou seja, no intuito de solucionar um problema (segurança pública / crime

organizado), criou-se novos outros, violando flagrantemente princípios embasadores de um

Estado Democrático de Direito.

Desta forma, faz-se necessário um processo de práxis jurídica, visando a desalienação

da sociedade, de forma a concluir que para a solução de uma questão tão grave, não faz-se

necessário inserir o condenado, ou o que é ainda pior, o preso provisório, em um regime

“fechadíssimo” de cumprimento de pena, bastando para tanto a realização de políticas

públicas corretas e, sobretudo, a efetiva aplicação e readaptação da Lei de Execuções Penais.

4.1 Características do Regime Disciplinar Diferenciado

A Lei 10.792/2003 deu a seguinte redação ao artigo 52, da Lei de Execuções Penais:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina

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internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características: I- duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada; II- recolhimento em cela individual; III- visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; IV- o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol. §1º O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentam alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. §2º Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Conforme esclarece NUCCI147:

A esse regime serão encaminhados os presos que praticarem fato previsto como crime doloso (note-se bem: fato previsto como crime e não crime, pois se esta fosse a previsão dever-se-ia aguardar o julgamento definitivo do Poder Judiciário, em razão da presunção de inocência, o que inviabilizaria a rapidez e a segurança que o regime exige).

GOMES, CUNHA e CERQUEIRA148, afirmam que:

O RDD somente se aplica a preso provisório ou condenado que, durante o cumprimento da pena internamente no estabelecimento penal (e não externamente, por exemplo, o que encontra-se de Livramento Condicional) cometa crime doloso (e não crime culposo ou contravenção penal) que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas. Logo, não será todo e qualquer crime doloso que sujeitará o seu agente ao RDD, mas apenas aqueles que causam tumulto carcerário.

147 NUCCI, Guilherme de S. Primeiras Considerações sobre a Lei nº. 10.792/03. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emerson/sapem/2004/AGOSTO/2008/ARTIGOS/A05.htm Acesso em: 06 jul. 2006. 148 GOMES, Luiz F.; CUNHA, Rogério S.; CERQUEIRA, Thales T. P. L. de P. O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional? O legislador, o Judiciário e a caixa de pandora. Disponível em: http://www. bu.ufsc.br/regimeXRDD.pdf Acesso em: 05 jul. 2006.

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Portanto, três são as hipóteses para inclusão no RDD: quando o preso provisório ou

condenado praticar fato previsto como crime doloso, conturbando a ordem e a disciplina

interna do presídio onde se encontre; quando o preso provisório ou condenado representar alto

risco para a ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; e por fim, quando

o preso provisório ou condenado estiver envolvido com organização criminosa, quadrilha ou

bando.

Com relação ao inciso I do dispositivo alhures descrito GOMES, CUNHA e

CERQUEIRA149, ensinam que:

O RDD na primeira ocorrência tem duração de um ano, contado em dias. Na reincidência de falta grave (crime doloso), o RDD poderá ser superior ou não a um ano, pois o limite é de 1/6 da pena efetivamente aplicada, podendo ser prorrogado tantas vezes quantas forem as faltas graves repetidas.

No que concerne à cela individual, conhecida como solitária, os mesmos doutrinadores

disciplinam que “faz-se necessário um acompanhamento psicológico, devendo ser

respeitadas as proibições trazidas pelo artigo 45 da LEP, que veda o emprego de cela escura,

acrescentando ainda as inabitáveis ou insalubres”.

Com relação ao inciso III, continuam:

Sua redação é confusa, pois dá a impressão que as crianças não entrariam no rol de duas pessoas, podendo entrar quantas forem, mas na verdade sequer pode entrar, pois o local e a forma dura do regime carcerário podem provocar um péssimo abalo psicológico nas mesmas (art. 6º do ECA).

No que diz respeito ao §1º, verifica-se que a intenção é estender o RDD aos detentos

que, de dentro do presídio ou estabelecimento prisional, comandam crimes extra muros,

colocando em risco a sociedade e a própria polícia. No entanto, conforme elucidam GOMES,

CUNHA e CERQUEIRA “a gravidade do crime praticado não basta para presumir a

149 GOMES, Luiz F.; CUNHA, Rogério S.; CERQUEIRA, Thales T. P. L. de P. O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional? O legislador, o Judiciário e a caixa de pandora. Disponível em: http://www. bu.ufsc.br/regimeXRDD.pdf Acesso em: 05 jul. 2006.

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personalidade do seu autor, havendo que existir, concretamente, dados que indiquem ser ele,

enquanto preso, um perigo para ordem e a segurança do presídio”.150

Com relação à outra exceção de aplicação do RDD, prevista no §2º, cabe ressaltar que

não precisa o detento praticar o crime da Lei das Organizações Criminosas (Leis 9.034/95 e

10.217/01), bastando o artigo 288 do Código Penal que se afigure nocivo a sociedade.

O artigo 54 e seus parágrafos da Lei de Execuções Penais, prevêem que a inclusão do

preso provisório ou condenado no Regime Disciplinar Diferenciado somente se dará através

de despacho fundamentado do juiz da execução penal, após requerimento pormenorizado do

diretor do estabelecimento penal ou outra autoridade administrativa e ouvido sempre o

membro do Ministério Público e a defesa.

4.2 A Inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado

Demonstrada as características deste novo regime de cumprimento de pena, necessário

se faz uma análise pormenorizada do mesmo frente aos direitos e garantias individuais

constitucionalmente previstos.

Como é sabido, a prisão teve sua origem na Igreja, que recolhia os religiosos

pecadores a fim de sofrer a expiação. A promiscuidade, a sujeira, a alimentação – que não era

fornecida aos presos pelas penitenciárias, mas levada a eles pelos familiares –, transformavam

as prisões em locais infectados, onde às vezes a espera da execução da pena capital era

abreviada.

Hoje, como sistema, a prisão é uma instituição quase falida e sua manutenção somente

se justifica diante da impossibilidade do convívio social de criminosos de alta periculosidade,

não pelo que são ou representam, mas sim pelo que fizeram.

150 GOMES, Luiz F.; CUNHA, Rogério S.; CERQUEIRA, Thales T. P. L. de P. O Regime Disciplinar Diferenciado é constitucional? O legislador, o Judiciário e a caixa de pandora. Disponível em: http://www. bu.ufsc.br/regimeXRDD.pdf Acesso em: 05 jul. 2006.

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O auto custo de manutenção dos presídios afeta um Estado que tende a ser mínimo,

vivendo às voltas com um déficit público perene. Prédios imensos demandam vultosas

quantias para construção e conservação, um pessoal especializado para guarda, controle e

reeducação dos presos.

No entanto, caminhando na contra mão de todas essas tendências penais

contemporâneas, o Estado brasileiro, institui o Regime Disciplinar Diferenciado, sendo este

produto de uma ideologia, proporcionada principalmente, pelos argumentos retóricos de que

para acabar com o crime organizado faz-se necessário a implantação de penas mais severas,

regimes de cumprimento de pena mais rigorosos, construção de presídios federais, entre

tantos outros argumentos que o Estado, submetendo-se ao clamor popular, procura enfiar

“goela abaixo” da sociedade totalmente alienada.

O Regime Disciplinar Diferenciado com suas características peculiares não se adequa

ao princípio da humanidade das penas e consequentemente ao cânone constitucional da

dignidade da pessoa humana.

BECCARIA151, em seu Dos delitos e das Penas já afirmava:

Entre as penas, e na maneira de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é mister, pois, escolher os meios que devem causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado.

Para que sejam respeitados os princípios da humanidade das penas e da dignidade da

pessoa humana, não basta que as penas não sejam cruéis fisicamente, como a aflição de

ferimentos ou a pena de morte, a pena não pode revestir-se de crueldade ao ser humano como

ente vivo, cuja dignidade da existência encontra amparo constitucional.

Nos dizeres de FOUCAULT152, “a própria pena restritiva de liberdade já seria uma

desumanidade, vez que não produz os efeitos práticos desejados de prevenção especial (em

relação ao infrator) e prevenção geral (em relação à comunidade)”.

151 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas, Trad. Lúcia Giudicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1991, p. 73. 152 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1999, p.82.

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ROSA153, ao tratar da pena afirma:

Não pode ser uma coerção puramente negativa. Isso não significa, de modo algum, questionar o caráter retributivo, timbre real e inegável da pena. Contudo, a que se detém na simples retributividade e, portanto, converte seu modo em seu fim, em nada se distingue da vingança.

O Regime Disciplinar Diferenciado, ao impor ao preso a obrigatoriedade do isolamento

em cela individual, a limitação de movimentação e mesmo de contato familiar, mostra-se

totalmente desumano e cruel. Não é de hoje que esse sistema de isolamento celular não

apresenta-se revestido de eficácia penal, a experiência histórica e do direito comparado já

demonstra que tal atitude contribui para a precarização da condição psicológica do preso, em

prejuízo da sua ressocialização.

Como será visto adiante, o preso no RDD é visto como inimigo do Estado, perdendo a

sua condição de ser humano, e assim lhe podem ser infligidos castigos que o princípio da

dignidade da pessoa humana (condição que lhe é negada) não permitiria.

Tal situação dá-se através de mais um argumento retórico do Estado que, sob a falsa

premissa da proporcionalidade entre os princípios da segurança e da humanização, insere o

indivíduo num regime cruel e desumano, pois em nome do interesse público se permite a

restrição dos direitos de liberdade.

Por estas razões denota-se a incompatibilidade do RDD com os direitos e garantias

fundamentais, já que ao negar ao preso a sua condição de (ser) humano permite a aplicação de

um regime de cumprimento de pena que não respeita a dignidade da pessoa humana,

centrando-se o Estado unicamente no caráter retributivo da pena, em verdadeira vingança,

violando assim, princípios basilares do Estado Democrático Brasileiro, mormente os

especificados em nossa Carta Magna, em seu artigo 5º, incisos XLVII e XLIX.

Da mesma forma, ao prever em seus §§ 1º e 2º do artigo 52 da LEP, a possibilidade de

inclusão do preso neste regime diferenciado de cumprimento de pena com base em meras

153 ROSA, Fábio B. da. A humanização das Penas. Disponível em: http://www.cjf.gov.br/revista/numero7/artigo2.htm Acesso em: 18 jul. 2006.

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suspeitas ou suposições, ou seja, valendo-se de tipos penais totalmente abertos e imprecisos,

aludido regime viola não só o princípio da presunção de inocência, como também o princípio

da legalidade, previsto no inciso XXXIX, do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira.

Para CIRINO DOS SANTOS154, trata-se o RDD de um regime inconstitucional de

cumprimento de pena por vários motivos:

a) constitui violação da dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, definido no art. 1º da Constituição da República; b) representa instituição de pena cruel, expressamente excluída pelo art. 5º, XLVII, letra “e” da Constituição da República; c) a indeterminação das hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado infringe o princípio da legalidade (art. 5º, XXXIX, da Constituição da República), porque subordina a aplicação da sanção disciplinar a critérios judiciais subjetivos e idiossincráticos: primeiro, é indeterminável a quantia de alteração necessária para configurar o conceito de subversão da ordem ou da disciplina (art. 52, LEP); segundo, é indeterminável a quantidade de risco definível como alto para a ordem e segurança da prisão ou da sociedade (art. 52, §1º, LEP); terceiro, é indefinível o conceito de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas, quadrilha ou bando (art. 52, §2º, LEP).

Por fim, argumenta-se ainda ser a Lei 10.792/2003 inconstitucional por violar o

princípio da individualização da pena, previsto no inciso XLVI, do artigo 5º da Constituição

da República, vez que referido princípio deve ser respeitado não só por ocasião aplicação da

pena, como em sua execução. Assim, ao aplicar a pena, com base nos parâmetros

estabelecidos no artigo 59 do Código Penal, o magistrado deve prescrever o regime de

cumprimento de pena, de forma que a condenação do agente em cumprir sua pena em regime

integralmente fechado, sem possibilidade de progressão, desrespeitaria a finalidade básica da

pena, que é a prevenção, violando, consequentemente, o princípio da individualização da

pena.155

154 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal. Parte Geral, 2 ed. Curitiba: Lúmen Júris, 2007, p. 530. 155 MOREIRA, Rômulo Andrade. Este monstro denominado RDD – Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=5047&. Acesso em: 15 ago. 2008.

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Por todas essas razões percebe-se nitidamente a inconstitucionalidade deste regime de

cumprimento de pena criado pela Lei 10.792/2003, vez que sob o discurso da necessidade de

segurança pública e contenção do crime organizado, o legislador ordinário atropelou direitos e

garantias constitucionalmente previstas, mormente a dignidade da pessoa humana, cânone

constitucional inarredável em qualquer Estado Democrático de Direito.

4.3 O Regime Disciplinar Diferenciado e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição Federal Brasileira, através de seu artigo 1º, elevou a dignidade da

pessoa humana à posição de fundamento da República Federativa do Brasil, de forma que seu

respeito tornou-se obrigatório e inarredável em toda e qualquer relação do Estado para com o

indivíduo, bem como entre os próprio indivíduos.

Fruto do pensamento humanitário, a dignidade da pessoa humana pode ser traduzida

como o mínimo existencial que permite ao indivíduo não só sobreviver, mas especialmente se

desenvolver e buscar a plena realização pessoal.

Para JOSÉ AFONSO DA SILVA156:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concebidos como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana.

Para ALEXANDRE DE MORAES157:

156 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 105. 157 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 52.

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A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria pessoa e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

Com base nas definições acima firmadas, nota-se que o conceito de dignidade da

pessoa humana não provém de um ramo específico do direito ou da ciência, mas sim do

jusnaturalismo, sendo, pois, anterior e superior a qualquer regra positivada pelo homem.

A Constituição Federal Brasileira não só prescreve a dignidade da pessoa humana

como fundamento da República Federativa, em seu inciso III, do artigo 1º, como também

veda toda e qualquer proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais, dentre eles

a dignidade da pessoa humana (Artigo 60, §4º, inciso IV da Constituição Federal).

Da mesma forma, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser percebido em

vários outros consectários legais, como os previstos nos incisos III, XLI, XLII, XLIII, XLVII

e XLIX, todos do artigo 5º da Constituição Federal.

Assim sendo, constata-se que o respeito à integridade física e moral do preso, bem

como a impossibilidade de existência de penas desumanas ou cruéis, são corolários básicos do

princípio da dignidade da pessoa humana, devendo serem obrigatoriamente respeitados pelo

Estado no exercício de seu jus puniendi.

BITENCOURT158, ao discorrer sobre o princípio da humanidade, leciona:

Esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura e maus-tratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de dotar sua infra-estrutura carcerária de meios e

158 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. Volume 1, 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 15.

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recursos que impeçam a degradação e a dessocialização dos condenados são corolários do princípio da humanidade.

Todavia, ao se analisar o atual sistema penitenciário brasileiro, nota-se um completo

desrespeito aos princípios da humanidade e da dignidade da pessoa humana, consagradores de

um Estado Democrático de Direito. As finalidades de prevenção e ressocialização da pena na

atual conjectura não obtêm de forma alguma qualquer êxito, razão pela qual o Estado além de

não conseguir atingir seus objetivos, viola diuturnamente a dignidade daqueles sobre os quais

recaem seu poder repressor.

Como bem descreve DROPA159:

O sistema carcerário no Brasil, hoje, está falido. Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras ‘usinas de revolta humana’, uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no país.

MOREIRA160, no mesmo sentido leciona:

É induvidoso que o cárcere deve ser concebido como última via, pois não é, nunca foi e jamais será solução possível para a segurança pública de um povo. A nossa realidade carcerária é preocupante; os nossos presídios e as nossas penitenciárias, abarrotados, recebem a cada dia um sem número de indiciados, processados ou condenados, sem que se tenha a mínima estrutura para recebê-los; e há, ainda, milhares de mandados de prisão a serem cumpridos; ao invés de lugares de ressocialização do homem, tornam-se, ao contrário, fábricas de criminosos, de revoltados, de desiludidos, de desesperados; por outro lado, a volta para a sociedade (através da liberdade), ao invés de solução, muitas das vezes, torna-se mais uma via crucis, pois são homens fisicamente libertos, porém, de uma tal forma estigmatizados que se tornam reféns do seu próprio passado. Hoje, o homem que cumpre uma pena ou de qualquer outra maneira deixa o cárcere encontra diante de si a triste realidade do desemprego, do descrédito, da desconfiança, do

159 DROPA, Romualdo Flávio. Direitos humanos no Brasil: a exclusão dos detentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 333, 5 jun. 2004. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5228>. Acesso em: 09 set. 2007. 160 MOREIRA, Rômulo Andrade. Este monstro denominado RDD – Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em: http://www.escritorioonline.com/webnews/noticia.php?id_noticia=5047&. Acesso em: 15 ago. 2008.

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medo e do desprezo, restando-lhe poucas alternativas que não o acolhimento pelos seus antigos companheiros; este homem é, em verdade, um ser destinado ao retorno: retorno à fome, ao crime, ao cárcere (só não volta se morrer).

Nota-se que tanto as penitenciárias como as cadeias públicas, têm se transformado em

verdadeiras masmorras, onde o discurso de proteção aos direitos humanos são meramente

obsoletos e sem qualquer aplicação prática.

Desta forma, o simples fato de ser incluso no atual sistema carcerário brasileiro já

desrespeita o princípio da dignidade humana, quanto mais ser incluso neste regime

fechadíssimo de cumprimento de pena.

Ao impor ao preso o isolamento em cela individual, sem contato com os demais

detentos, sem acesso às informações do cotidiano, tendo como oportunidade de experimentar

a luz do sol por tão somente duas horas diária, tudo isso por um período de até trezentos e

sessenta dias, o Estado está lhe submetendo a uma pena não somente física, como,

inegavelmente, psicológica, aniquilando sua personalidade, seu caráter e sua vida,

configurando-se como uma verdadeira tortura do corpo e da alma.

Diante destas observações há que se concluir que inserção do preso no regime

disciplinar diferenciado, com suas características peculiares, é totalmente antagônico ao

princípio da dignidade da pessoa humana, passando a ter a pena a única e exclusiva função de

retribuição, vingança e punição.

4.4 O Princípio da Proporcionalidade como fundamento (des)legitimador do Regime

Disciplinar Diferenciado

Como alhures descrito, a história da humanidade foi e será sempre marcada pelo

eterno conflito entre liberdade e poder, ou seja, a tutela do indivíduo perante o rigor da

persecução punitiva estatal ou da sociedade, em detrimento da liberdade individual do

acusado.

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Ao se analisar o Regime Disciplinar Diferenciado, não se está a fazer nada diferente

disso, de forma que, de um lado encontra-se o direito da sociedade, ávida por segurança e

proteção, ao passo que do outro lado há os direitos do preso, provisório ou condenado, de não

ser inserido num regime fechadíssimo de cumprimento de pena, atentatório aos direitos e

garantias individuais constitucionalmente previstos.

Assim é que, como forma de sopesar esses interesses, surge o princípio da

proporcionalidade ou razoabilidade. Conforme leciona BARROSO161:

O princípio da razoabilidade (ou proporcionalidade) é um parâmetro de valorização dos atos do poder público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico, a justiça.

Para ROLIM162, o princípio da proporcionalidade apresenta duas funções distintas:

Na primeira delas, o princípio da proporcionalidade configura instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos, possibilitando a contenção do exercício abusivo das prerrogativas públicas. De outro lado, o princípio em exame também cumpre a relevante missão de funcionar como critério para solução de conflitos de direitos fundamentais, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto.

Ressaltando esta segunda função, BONAVIDES163 esclarece:

Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorre antagonismo entre direitos fundamentais e se busca daí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado.

Assim sendo, verifica-se ser o princípio da proporcionalidade um cânone

constitucional interpretativo, ainda que não expresso, vez que deflui do disposto no §2º, do

161 BARROSO, Luiz Roberto. Princípio da Proporcionalidade. Rio de Janeiro: Revista Forense, v. 336, p. 128. 162 ROLIM, Luciano Sampaio Gomes. Uma visão crítica do princípio da proporcionalidade. Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2858>. Acesso em: 17 nov. 2006. 163 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed., Malheiros, 2000, pg. 386.

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artigo 5º, da Constituição Federal, dirigido, em especial, ao Poder Judiciário para que possa

dirimir os eventuais conflitos entre normas de direitos fundamentais.

O mesmo ROLIM164 leciona que:

Relativamente ao conteúdo do princípio da proporcionalidade, a doutrina, de um modo geral, desdobra-se em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Primeiramente, a medida adotada deve ser a mais adequada para a satisfação do interesse público visado pela norma, sob pena de invalidade. Outrossim, a restrição aos direitos fundamentais deve restringir-se ao estritamente necessário ao atendimento daquele interesse. Por último, reclama-se a proporcionalidade entre a restrição imposta e a medida adotada.

Quando observadas as causas que podem levar um preso ao cumprimento de sua pena

num regime diferenciado, constata-se a completa falta de adequação, necessidade e

proporcionalidade da medida. O completo isolamento do preso, com base em argumentos

eminentemente subjetivos ou amparado em meras suposições, não é de forma alguma o meio

adequado, necessário e proporcional para se alcançar a segurança pública tão desejada pela

sociedade.

O problema da violência e da criminalidade não será nunca resolvido através de

reformas pontuais, como a Lei 10.792/2003. Esta celeuma tem sua origem, sem sombra de

dúvidas, na grande desigualdade social que assola o país e que deixa a mercê do

desenvolvimento, dos avanços tecnológicos e até mesmo desprovidos de condições básicas de

subsistência, grande parte da população brasileira. Faz-se necessário a adoção de políticas

públicas corretas, capazes de propiciar o desenvolvimento econômico do país, de forma que

se não exterminada, possa ao menos ser reduzida essa grande desigualdade social.

Da mesma forma, o sistema carcerário brasileiro precisa ser repensado, urge a

necessidade de melhoria da assistência médica, psicológica, social e jurídica fornecida aos

detentos, bem como a ampliação de projetos relacionados ao estudo e trabalho do preso,

mantendo ocupada sua mente e espírito, além de um necessário acompanhamento na sua

164 ROLIM, Luciano Sampaio Gomes. Uma visão crítica do princípio da proporcionalidade. Jus Navegandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2858>. Acesso em: 17 nov. 2006.

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reintegração à vida social, ou seja, faz-se necessário uma correta e efetiva aplicação das

normas já existentes, dentre elas a Lei de Execuções Penais.

A inserção do preso no regime disciplinar diferenciado de cumprimento de pena não

pode jamais ser tido como medida adequada para solução da criminalidade e violência. Como

leciona SOUZA NETTO165:

A proporcionalidade atua primordialmente no âmbito dos direitos fundamentais, enquanto critério valorativo constitucional determinante das restrições impostas aos cidadãos. Protege o indivíduo contra as intervenções estatais desnecessárias ou excessivas que oneram o cidadão, mais do que o indispensável para os interesses públicos. ... Qualquer invasão da esfera protegida pelos direitos fundamentais encontra-se submetida à proporcionalidade dos meios, que deverá manter com o objetivo perseguido uma relação de razoabilidade. Desse modo, causa lesão à proporcionalidade a exigência de um meio quando é claro desde o princípio que se pode recorrer a outro, igualmente eficaz, porém menos lesivo, ou quando se comprova ex post que o mesmo objetivo poderia ter sido alcançado com um meio menos restritivo.

Resta claro e evidenciado, por todo o já exposto, que a inserção do preso num regime

diferenciado de cumprimento de pena não é o melhor meio, nem tão pouco, o menos lesivo,

para se conter a violência e a criminalidade.

As alternativas, como anteriormente destacado, são as mais amplas e inesgotáveis,

passando por uma readequação do sistema prisional atual até chegar, aqui como medida de

médio e longo prazo, a implantação de políticas públicas corretas, tendentes a exterminar ou

ao menos reduzir a desigualdade social que assola o país.

Assim sendo, encontra-se mais uma vez demonstrada a inconstitucionalidade do

Regime Disciplinar Diferenciado, que ao submeter o preso ao isolamento em cela individual,

sem qualquer contato com os demais, tendo seu direito de visita restrito e demais

peculiaridades deste regime, viola fragrantemente o princípio da proporcionalidade, pois

165 SOUZA NETTO, José Laurindo. Processo Penal. Sistemas e Princípios. Curitiba: Juruá, 2006, p. 65-66.

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passa a intervenção estatal a ser desnecessária e excessiva, não se utilizando do meio mais

adequado para se atingir a finalidade buscada, que é a contenção da violência e criminalidade.

Cumpre mais uma vez destacar que num Estado Democrático de Direito, independente

da finalidade almejada, é imprescindível o respeito aos direitos e garantias individuais

constitucionalmente previstos, de forma que toda política de contenção à violência e o crime

organizado, por mais necessária que se faça, deve respeitar sempre um sistema de garantias

mínimas.

4.5 O Regime Disciplinar Diferenciado sob o prisma da Teoria Crítica do Direito

Recentes ondas de violência, encabeçadas pelas duas maiores facções criminosas

brasileiras centralizadas no eixo Rio-São Paulo, o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro

Comando da Capital (PCC) fez e ainda têm feito com que o direito penal atue exclusivamente

em sua face simbólica, funcionando como um aplacador da vontade popular, não refletindo

qualquer eficácia material, a ponto desta conduta por parte do Estado ser vista como uma

“política de gestos de encontro à platéia e à opinião pública”.

No intuito de se demonstrar que as atitudes vêm sendo tomadas para se controlar o

crime organizado, o Estado viola flagrantemente as garantias individuais pré-estabelecidas,

mormente as atinentes à dignidade da pessoa humana, cânone constitucional inarredável.

O Regime Disciplinar Diferenciado é mais uma medida a reforçar o crescente uso do

direito penal como símbolo de combate a violência, reforçando cada vez mais a natureza de

prevenção geral do que a específica da tutela penal.

Entretanto, a questão central não é somente a prevenção geral, a qual é elemento do

direito penal, que por isso, tem uma natureza simbólica, mas sim quando o direito penal torna-

se exclusivamente simbólico. A esse respeito, ZAFFARONI e PIERANGELI166 esclarecem

de forma impecável:

166 ZAFFARONI, Eugênio Raul, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: RT, 2005, p. 75.

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É lógico que a pena, ainda que cumpra em relação aos fatos uma função preventiva especial, sempre cumprirá também uma função simbólica. No entanto, quando só cumpre esta última será irracional e antijurídica, por que se vale de um homem como instrumento para a sua simbolização, o usa como um meio e não como um fim em si, “coisifica” um homem, ou por outras palavras, desconhece-lhe abertamente o caráter de pessoa, com o que viola o princípio fundamental em que se assenta os Direitos Humanos.

Assim, conclui-se que o legislador ao estabelecer o Regime Disciplinar Diferenciado

optou pelo direito penal simbólico e do autor, já que leva em conta a periculosidade do agente

e não os fatos que o levaram ao cárcere, julgando o preso pelo que ele é (membro de quadrilha

ou bando) e não pelos fatos de que é acusado, razão pela qual esse malfadado regime é

totalmente destituído de legitimidade.

O preso no Regime Disciplinar Diferenciado não é visto como ser humano, mas sim

como inimigo do Estado, é desumanizado, e sem a condição de ser humano lhe podem ser

infligidos castigos que o princípio da dignidade da pessoa humana (condição que lhe é negada)

não permitiria.

Da mesma forma, postulados antigos, inclusive inseridos na Declaração Universal dos

Direitos do Homem e na Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, preceituam que

“ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou

degradante”, de forma que, toda pessoa privada de sua liberdade deve ser tratada com respeito,

devido à dignidade inerente ao ser humano. O Regime Disciplinar Diferenciado, com suas

peculiaridades desrespeita todas essas garantias consagradoras de um Estado Democrático de

Direito.

Neste sentido, o presente trabalho coaduna com os ensinamentos de COELHO167, que

em sua obra Teoria Crítica do Direito, critica o princípio da positividade axiológica do direito,

o qual acrescenta ao ser jurídico uma característica valorativa positiva, tendo a finalidade

evidente de ocultar os aspectos perversos do direito, o uso das leis para semear o ódio, a

discórdia e o desejo de vingança, omitindo os valores negativos da experiência jurídica, como

167 COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito, 3. ed, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 69.

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a escravidão, o despotismo e o desprezo pelos direitos humanos, como demonstra-se

atualmente através deste Regime Disciplinar Diferenciado.

Como descreve COELHO168:

A bondade essencial do direito não passa de artifício retórico para sua imposição ideológica ao consenso da macro-sociedade dominada e seu caráter ético está na dependência de seu uso como instrumento de controle social.

E continua:

Tal perversão do direito deve ser continuamente denunciada, e assim, a Teoria Crítica do Direito opõe-se ao princípio da polaridade axiológica do direito, enfatizando que ele, sem deixar de ser direito, pode ser utilizado tanto para o bem quanto para o mal, e que essa escolha depende do grau de alienação da sociedade regida por tal direito.

Por todas essas razões, o Regime Disciplinar Diferenciado apresenta-se atentatório aos

direitos e garantias fundamentais, não podendo o direito ser utilizado em sua forma perversa,

para o mal, violando sem qualquer contra-argumentação a dignidade da pessoa humana.

4.6 O Regime Disciplinar Diferenciado e o seu comprometimento com o Direito Penal do

Inimigo

Günther Jackobs foi criador do funcionalismo sistêmico (radical), sustentando que o

direito penal tem a função primordial de proteger a norma (e só indiretamente tutelaria os

bens jurídicos mais fundamentais). Nessa linha de pensamento, escreveu em 2003, uma de

suas mais relevantes obras, Derecho penal del enemigo.

Conforme elucida GOMES169, da obra de Jackobs pode-se extrair o seguinte:

168 COELHO, Luiz Fernando. Teoria Crítica do Direito, 3. ed, Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 69. 169 GOMES, Luiz Flavio. Direito Penal do Inimigo (Ou Inimigos do Direito Penal). http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20040927113955798&mode=print Acesso em: 21 jul. 2006.

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Quem são os inimigos? É inimigo quem se afasta de modo permanente do Direito e não oferece garantias cognitivas de que vai continuar fiel à norma. São os criminosos econômicos, terroristas, delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações penais perigosas. Como devem ser tratados os inimigos? O indivíduo que não admite ingressar no estado de cidadania, não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa, por conseguinte, não é um sujeito processual, logo, não pode contar com direitos processuais. Contra ele não se justifica um procedimento penal (legal), sim, um procedimento de guerra. Quem não oferece segurança cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, não só não deve esperar ser tratado como pessoa, senão que o Estado não deve tratá-lo como pessoa. Principais características do Direito penal do inimigo: o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa, já o inimigo perde esse status; mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal. Dois Direitos penais: de acordo com a tese de Jackobs, o Estado pode proceder de dois modos contra os delinqüentes: pode vê-los como pessoas que delinqüem ou como indivíduos que apresentam perigo para o próprio Estado, existindo, portanto, dois direitos penais: um é o do cidadão, que deve ser respeitado e contar com todas as garantias penais e processuais e o outro é o direito penal do inimigo, que deve ser tratado como fonte de perigo e, portanto, como meio para intimidar outras pessoas. O direito penal do cidadão é um direito penal de todos, já o direito penal do inimigo é contra aqueles que atentam permanentemente contra o Estado.

Percebe-se que o legislador, ao criar o Regime Disciplinar Diferenciado, optou por um

direito penal simbólico e do autor (inimigo), já que leva em conta a periculosidade do agente e

não os fatos que o levaram ao cárcere.

Tal opção fica clara quando analisada a redação dos §§1º e 2º do artigo 52 da LEP, que

permitem a inclusão de presos no RDD quando acarretem “altos riscos para a ordem e

segurança do estabelecimento penal ou da sociedade” ou sob os quais “recaiam fundadas

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suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas,

quadrilhas ou bandos”.

O ilustre doutrinador ZAFFARONI170 leciona:

Ainda que não haja um critério unitário acerca do que seja direito penal do autor, podemos dizer que, ao menos em sua manifestação extrema é uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma ‘forma de ser’ do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva. O ato teria o valor de sintoma de uma personalidade; o proibido e reprovável ou perigoso, seria a personalidade e não o ato. Dentro dessa concepção não se condena tanto o furto, como ser ladrão, não se condena tanto homicídio quanto o ser homicida, o estupro, como o ser delinqüente sexual.

Para que se justifique uma medida legislativa que implique no cerceamento de garantias

fundamentais do cidadão deve-se estar presente uma situação de excepcionalidade suficiente

para legitimar o ato, todavia, tal situação não encontra-se no Regime Disciplinar Diferenciado,

razão pela qual este apresenta-se totalmente desprovido de legitimidade.

Em conferência pronunciada da sede do Instituto de Ensino Luiz Flávio Gomes

(IELF)171, em São Paulo, no mês de agosto de 2004, Zafaroni, ao tratar do direito penal do

inimigo concluiu que:

Desde 1980, especialmente nos E.U.A., o sistema penal vem sendo utilizado para encher os presídios. Isso se coaduna com a política econômica neoliberal. Cabe considerar que desde essa época vem se difundindo o fenômeno da privatização dos presídios.Quem constrói ou administra presídios precisa de presos (para assegurar remuneração aos investimentos feitos). Considerando-se a dificuldade de se encarcerar gente das classes mais bem posicionadas, incrementou-se a incidência do sistema penal sobre os excluídos. O Direito penal da era da globalização caracteriza-se (sobretudo) pela prisionização em massa dos marginalizados.

170 ZAFFARONI, Eugênio Raul, PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro, São Paulo: RT, 2005, p. 86. 171 GOMES, Luiz Flavio. O direito penal na era da globalização. Ed. RT, 2002.

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Aqui, verifica-se nitidamente a polaridade axiológica do direito, sendo este utilizado em

sua forma mais perversa, vez que se vale dos velhos inimigos do sistema penal (pobres,

marginalizados, etc), que nunca haviam cumprido qualquer função econômica (não são

consumidores, não são empregadores, não são geradores de impostos), mas que agora, com

suas presenças massivas geram a construção de mais presídios, mais renda para seus

exploradores, movimenta a economia, dá empregos, estabiliza o índice de desempregados,

enfim, passaram a cumprir uma função econômica.

Percebe-se neste quadro que o sistema penal funciona seletivamente, consegue-se

facilmente alimentar os cárceres com esse “exército” de excluídos. Ao invés de ficarem

jogados pelas calçadas e ruas, economicamente, tornou-se útil o encarceramento deles, assim,

atenua-se o mal estar que eles “causam” e transmite-se a sensação de “limpeza” e de

“segurança”.

4.7 O Regime Disciplinar Diferenciado e o Princípio da Presunção de Inocência dentro

de um Sistema Garantista

Muito foi dito até o presente momento acerca da completa ilegitimidade deste regime

disciplinar diferenciado de cumprimento de pena. No entanto, imprescindível se faz a análise

deste modelo frente ao princípio da presunção de inocência, vez ser este um pilar fundamental

de todo qualquer sistema garantista num Estado Democrático de Direito.

As características deste regime de cumprimento de pena criado pela Lei 10.792/2003

já foram anteriormente citadas, no entanto cabe aqui reprisar algumas particularidades. Três

são as hipóteses capazes de ensejar o preso condenado ou provisório no Regime Disciplinar

Diferenciado: o cometimento de crime doloso que determine subversão da ordem ou da

disciplina interna; ser o preso de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento

penal ou da sociedade e por fim, a existência de fundadas suspeitas de envolvimento ou

participações do preso em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Como anteriormente constatado, inúmeros são os dispositivos constitucionais

flagrantemente violados pelo RDD, no entanto, no presente momento ater-se-á ao princípio da

presunção de inocência. Como já constatado no capítulo anterior, o princípio da presunção de

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inocência, em toda sua plenitude, trata-se de um pilar fundamental em todo e qualquer Estado

que se diga minimamente garantista, sedento por preservar as liberdades individuais frente à

ânsia punitiva estatal.

A Teoria Garantista, fundamento ideológico do presente trabalho, através do princípio

da presunção de inocência rechaça toda e qualquer forma de prisão anterior a uma sentença

condenatória irrecorrível. Desta forma, ainda mais grave é o fato de se inserir um preso

“provisório” à um regime de cumprimento de pena totalmente desumano e cruel.

Como pode um cidadão, que têm sobre si a proteção constitucional da presunção de

inocência ser inserido num regime fechadíssimo de cumprimento de pena antes mesmo de

uma sentença condenatória transitada em julgado? Quem é esta pessoa ou órgão supremo

capaz de aferir qual é o grau de risco a ordem e segurança, tanto do estabelecimento prisional,

quanto da sociedade, propiciada pelo cidadão encarcerado ou ainda essas “fundadas

suspeitas” de envolvimento em organizações criminosas, quadrilha ou bando?

Afirmar que aludido regime de cumprimento de pena não fere o princípio da

presunção de inocência é negar a própria existência de um Estado de Direito. Como alhures

destacado, não se deve interpretar o princípio da presunção de inocência como mera

presunção de não-culpabilidade, mais sim conceder-lhe a maior abrangência possível, de

forma que o mero suspeito não tenha sua liberdade restringida e ainda pior, não seja incluído

num sistema atentatório dos direitos e garantias individuais do cidadão.

Num Estado de garantias mínimas, mais vale a liberdade de um delinqüente culpado

que a condenação de um cidadão inocente. O simples fato de uma condenação injusta já

proporciona danos imensuráveis ao cidadão, quanto mais ser o mesmo inserido neste regime

excepcional de cumprimento de pena. Quem irá reparar todos os danos, inclusive psicológicos

já constatados em presos inclusos neste regime, caso ao final do processo venha o acusado ser

absolvido?

O Regime Disciplinar Diferenciado da forma como está previsto viola fragrantemente

o princípio da presunção de inocência, retrocedendo ao período inquisitorial onde, ao

contrário, imperava a presunção de culpabilidade e com base em meras suspeitas ou indícios

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eram oferecidas as denúncias e instaurado um processo, o qual buscava a todo custo a

condenação do acusado, tido como mero objeto do sistema.

Não pode o processo penal moderno aceitar a aplicação de tipos penais abertos e

imprecisos como os utilizados pela Lei 10.792/2003, as definições do que vem a ser

“subversão da ordem ou disciplina”, “altos riscos” e “fundadas suspeitas” ferem não só o

princípio da legalidade, como enfatizado por CIRINO DOS SANTOS172, como também o

princípio da presunção de inocência, pois como bem afirmou CAMARGO173, referido

princípio deve ser tido não só como uma regra de tratamento, limitando o exercício do jus

puniendi estatal, evitando a utilização de medidas cautelares no curso do processo que

importassem em restrições de direitos para o acusado, como também, a aceitação da

presunção de inocência implica num modelo de processo penal, de matriz liberal, onde o

fundamento do processo é o indivíduo e a defesa de sua liberdade e não os interesses da

sociedade.

Não se está aqui a proclamar a impunidade, nem se pretende fechar os olhos sobre a

escalada da violência. No entanto, a segurança pública não pode de forma alguma ser feita

atropelando garantias individuais.

172 CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal. Parte Geral, 2 ed. Curitiba: Lúmen Júris, 2007, p. 530. 173 CAMARGO, Mônica Ovinski de. Princípio da Presunção de Inocência no Brasil: O conflito entre punir e libertar. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p. 57-58.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto denota-se a necessidade de um processo de práxis jurídica, tendente

a desraigar toda essa ideologia incutida na sociedade brasileira, ideologia essa fundada em

falsas premissas de que a violência / crime organizado deve ser combatido através de medidas

rigorosas, penas severas, inserção do preso em regime de cumprimento de pena mais rigoroso,

construções de presídios federais e assim por diante.

Não restam dúvidas de que para o Estado esta é a atividade mais fácil e muito menos

trabalhosa, razão pela qual os cidadãos brasileiros são “bombardeados” todos os dias por

milhares de informações de que a violência aumenta-se em progressão geométrica, sendo

necessário a punição exemplar daqueles poucos criminosos que são detidos e que,

supostamente controlam essa onda de terror, tendo a pena como única e exclusiva finalidade a

retribuição.

Todavia, não se deve jamais admitir o uso desse direito emergencial, ávido por

punições imediatas, atropelador das garantias individuais, onde a restrição do maior

patrimônio do cidadão – a sua liberdade – passa a ser regra no processo e não uma medida

excepcional, como primado num Estado Democrático de Direito, onde a presunção de

inocência figura como norma fundamental.

Neste momento vale reprisar às já expostas palavras de COUTINHO 174:

A palavra de ordem – e de inteligência, portanto – aponta na direção de um discurso cauteloso, ou seja, que ao mesmo tempo seja sensível aos anseios da comunidade (que reivindica, por força da realidade e dos Meios de Comunicação, cada vez mais, Segurança Pública) e, por outro lado, dê conta das Liberdades Públicas cristalizadas na Constituição da República como conquistas não de um indivíduo, transformado em cidadão, mas de todos; logo, do povo.

Como já destacado em guisa de introdução, não pretende o presente trabalho negar a

necessidade de segurança pública, nem tão pouco primar pela impunidade. No entanto, com

174 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A Crise da Segurança Pública no Brasil, in Garantias Constitucionais e Processo Penal. Org. Gilson Bonato, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2002, p. 181-182.

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base ideológica na Teoria Garantista de Ferrajoli, aludida segurança deve ser buscada sempre

colocando o indivíduo em primeiro lugar, o respeito à suas garantias fundamentais e

individuais como condição sine qua non no desenrolar do processo que busca demonstrar sua

culpabilidade, de forma que a presunção de inocência atue como um verdadeiro aplacador da

insana gana persecutória estatal.

Para a solução de uma questão tão grave como a segurança pública não são suficientes

medidas de “marketing”, desprovidas de análise prévia e que vão de encontro à opinião

pública. Faz-se necessário um estudo sério do problema, avaliação de suas causas, discussões,

ou seja, uma profilaxia, para que a médio e longo prazo possam as medidas surtir os efeitos

desejados. A desigualdade e exclusão social não podem ser tidas como matérias penais, mais

pelo contrário o direito penal deve ser a última alternativa à ser aplicada, devendo o Estado

Social ser o mais presente possível, ao passo que o direito penal seja o mínimo.

Assim, mister se faz uma correta e adequada aplicação das normas constitucionais, do

Código Penal e da Lei de Execuções Penais, de forma que as normas ali contidas não sejam

meramente programáticas, mas pelo contrário, alcancem os escopos desejados quando de sua

elaboração.

O Código Penal, por exemplo, em seus artigos 33 e seguintes estabelece como deve

ser cumprida a pena de reclusão, bem como as regras de cada regime ali previsto. Todavia,

percebe-se que o Estado sequer disponibiliza colônias penais agrícolas ou industriais ou ainda

casa de albergado, razão pela qual uma vez inserido o preso no regime semi-aberto ou aberto,

a pena não será aplicada em sua forma adequada, propiciando uma real sensação de

impunidade.

Da mesma forma, a Leis de Execuções Penais em seu artigo 10, dispõe que “é dever

do Estado a assistência ao preso e ao internado”, sendo esta assistência material, jurídica,

educacional, à saúde, religiosa e social, devendo a mesma ser realizada na forma do disposto

nos artigos 12 e seguintes.

No entanto, verifica-se que estas são normas desprovidas de qualquer eficácia, não

sendo aplicadas, ou melhor, respeitadas pelo Estado quando do cumprimento da pena. A

situação prisional deplorável no Brasil é fato público e notório à qualquer cidadão, no entanto,

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o artigo 88 da LEP, dispõe que “o condenado será alojado em cela individual que conterá

dormitório, aparelho sanitário e lavatório”, acrescendo ainda, em seu parágrafo único, que

são requisitos básicos dessa unidade celular a “salubridade do ambiente e uma área mínima

de 6,00 m² (seis metros quadrados)”.

Portanto, nota-se que as normas pertinentes ao assunto são suficientes e, se não

capazes de erradicar o problema da segurança pública, ao menos diminuí-la, desde que saiam

do plano teórico e sejam aplicadas no plano prático.

Por fim, como medida de mais longo prazo, faz-se necessário a implantação pelos

governantes de políticas públicas corretas, capazes de atender o verdadeiro anseio da

população, reduzindo a desigualdade social e fornecendo condições mínimas de sobrevivência

com dignidade, sendo de fundamental importância o investimento em educação de qualidade,

pois somente assim o problema da violência / segurança pública poderá ser solucionado.

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