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O estudo geral do homem, uma base para a pedagogia

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O estudo geral do homem, uma base para a pedagogia

Rudolf Steiner

O estudo geral do homem, uma base para a pedagogia

(A arte da educação – I)

Metodologia e didática(A arte da educação – II)

Discussões pedagógicas (A arte da educação – III)

Rudolf Steiner

O estudo geral do homem,uma base para a pedagogia

(A ARTE DA EDUCAÇÃO – I) Catorze conferências proferidas de 21 de agosto a 5 de setembro

de 1919 em Stuttgart (Alemanha), por ocasião da fundação da Escola Waldorf Livre

Com alocução introdutória, de 20 de agosto de 1919

Tradução: Rudolf Lanz

Jacira Cardoso

Título original:Allgemeine menschenkunde als Grundlage der Pädagogik

© 1960 Rudolf Steiner Nachlassverwaltung, Dornach9ª ed. 1992, Rudolf Steiner Verlag, Dornach (Suíça)

GA 293 — ISBN 978-3-7274-2930-9

Direitos desta tradução reservados àeditorA AntroposóficA ltdA. — Rua da Fraternidade, 180

04738-020 São Paulo - SP — Tel./Fax (11) 5687-9714www.antroposofica.com.br — [email protected]

Retraduções, textos editoriais e atualizações: Jacira CardosoCapa: sobre projeto original de Paula Cristina Dassie

Produção editorial: Ad Verbum Editorialwww.ad-verbum-editorial.com.br

1ª edição: 1988; 2ª edição: 1995; 3ª edição: 2003; 4ª edição: 2007

5ª edição revista e atualizada — 2015

ISBN 978-85-7122-241-0

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Steiner, Rudolf, 1861-1925.O estudo geral do homem : uma base para a pedagogia /

Rudolf Steiner ; tradução de Rudolf Lanz, Jacira Cardoso. – 5. ed. – São Paulo : Antroposófica, 2015. – (A arte da educação ; v. 1)

Título original: Allgemeine Menschenkunde als Grundlage der Pädagogik.

“Catorze conferências proferidas de 21 de agosto a 5 de setembro de 1919 em Stuttgart (Alemanha), por ocasião da fundação da Escola Waldorf Livre.”

“Com alocução introdutória, de 20 de agosto de 1919.”ISBN 978-85-7122-241-0

1. Antropossofia 2. Educação de crianças 3. Escolas Waldorf 4. Psicologia educacional I. Título. II. Série.

14-08828 CDD-370.15Índices para catálogo sistemático:

1. Psicologia educacional 370.15

Sobre a publicação da obra de Rudolf Steiner

Os fundamentos da Ciência Espiritual Antropo sófica en contram-se nas obras escritas e publicadas por Rudolf Steiner (1861–1925). Além disso, existem as publicações das numerosas conferências proferidas e cursos ministrados por ele entre os anos de 1900 e 1924, tanto ao público em geral quanto aos membros da Sociedade Teosófica e, subsequentemente, da Sociedade Antroposófica. A princípio, ele mesmo não desejava que suas conferên cias, proferidas livremente, fossem registradas por escrito, visto que as considerava “comunicações verbais, não destinadas à impressão”. Com o aumento da distribui-ção de anotações de ouvintes, às vezes incompletas e incorretas, ele decidiu regulamentar a reprodução escrita. Essa tarefa foi confiada a Marie Steiner-von Sivers, a quem passou a incumbir a designação dos estenógrafos, a administração das anotações e a necessária revisão dos textos a serem publicados. Como, por escassez de tempo, apenas em muito poucos casos Rudolf Steiner pôde corrigir pessoalmente as anotações, suas ressalvas em relação a todas as publicações de con-ferências devem ser consideradas: “É preciso admitir que em edições não corrigidas por mim possam encontrar-se erros.”

Após a morte de Marie Steiner (1867–1948) foi inicia da, de acordo com as diretrizes dadas por ela, a publicação de uma edição completa (Gesamtausgabe) da obra de Rudolf Steiner, cujos volumes foram numerados sob a sigla abreviada GA. O trabalho de seleção, revisão e notas é realizado pelo Rudolf Steiner Archiv, pertencente à instituição administradora do espólio literário do Autor — a Rudolf Steiner Nachlass verwaltung, também proprietária do Rudolf Steiner Verlag, que procede às publicações.

A atividade do Rudolf Steiner Archiv — que não recebe nenhum incentivo estatal ou de outra natureza — depende inteiramente de doações financeiras e, mais recentemente, dos direitos autorais das obras traduzidas. Mais informações:

Rudolf SteineR ARchiv

Postfach 135 — CH 4143 Dornach, Suíçawww.rudolf-steiner.com

Sumário

Nota preliminar ....................................................................... 11

A título de prefácio .................................................................. 13

Alocução introdutóriA 20 de agosto de 1919 ............................................................... 20

PrimeirA conferênciA 21 de agosto de 1919 ............................................................... 23A tarefa da educação na quinta época cultural pós-atlântica. Edu-cação, uma continuação da atuação de seres superiores antes do nascimento. Harmonização do respirar. Alternância entre sono e vigília. Autoeducação do professor.

SegundA conferênciA 22 de agosto de 1919 ............................................................... 35Início da observação do homem do ponto de vista anímico. Caráter imagético da representação mental. Espelhamento da vida pré-natal. Vontade, germe da vida pós-morte. Simpatia–antipatia. O sentir. Memória–fantasia. Nervos–sangue. A tríplice constituição do ser humano.

terceirA conferênciA

23 de agosto de 1919 ............................................................... 50Lei da conservação da energia, um obstáculo para a compreensão do homem. Recriação. A compreensão, pelo intelecto, do que é perecível; o entendimento, por meio da vontade, do que é vivo. O pensar puro. A liberdade. A vivificante participação do homem na evolução da Terra. A participação das forças mortíferas na natureza humana. O sistema sanguíneo-muscular. O sistema ósseo-nervoso. Geometria como reflexo de movimentos cósmicos. Transformação do conhecimento.

QuArtA conferênciA

25 de agosto de 1919 ............................................................... 66Importância da formação da vontade e do sentimento para o futuro. Natureza da vontade. A natureza humana composta de nove mem-

8 O estudo geral do homem8

bros. Manifestações da vontade no âmbito corpóreo como instinto, impulso, cobiça; no âmbito anímico como motivo; nos membros constitutivos superiores como desejo (aspiração), intenção, resolu-ção. Reformas educacionais socialistas. Educação do sentimento. Formação da vontade.

QuintA conferênciA

26 de agosto de 1919 ............................................................... 81A plena articulação das forças anímicas. Simpatia–querer; antipa-tia–pensar. Natureza do desenvolvimento moral. O sentir; sua cor-relação com a observação dos sentidos, a vontade e o conhecimento.

SextA conferênciA

27 de agosto de 1919 ............................................................... 93Visão geral dos temas abordados. Início da observação do ponto de vista espiritual. Os estados de consciência da vigília, do sonho e do sono em relação ao pensar, ao sentir e ao querer. A vida do eu no pensar, no sentir e no querer.

SétimA conferênciA

28 de agosto de 1919 ............................................................... 106Conceitos reais mediante a inter-relação dos fatos. Relação das for-ças anímicas na idade infantil e na idade senil. Do querer sensível da criança ao pensar sensível do idoso. A sensação. Vigília, sonho e sono na configuração espacial do homem. A natureza do sistema nervoso. Vigília e sono em relação à natureza temporal do homem: esquecer e recordar.

oitAvA conferênciA

29 de agosto de 1919 ............................................................... 120Recordação e esquecimento em analogia com despertar e adormecer. Formação da memória mediante hábitos de vida. Os doze sentidos. Diferenciação entre sentidos do conhecimento, do sentimento e da vontade. Sua atuação conjunta na formação do juízo.

nonA conferênciA

30 de agosto de 1919 ............................................................... 133Conclusão, juízo e conceito. Efeito do tipo de formação conceitual até no âmbito corpóreo. Caracterizar em vez de definir. Conceitos vivos. A suposição do inconsciente da criança: o mundo é moral; o mundo é belo; o mundo é verdadeiro.

Sumário 9

décimA conferênciA

1º de setembro de 1919 ............................................................ 145Visão conjunta da observação espiritual, anímica e corpórea do homem. A tríplice configuração corporal e sua relação com o Cosmo. Metamorfose dos ossos vertebrais e tubulares. A teoria materialista da evolução.

décimA PrimeirA conferênciA

2 de setembro de 1919 ............................................................. 158Cabeça, tronco e membros em sua evolução corporal, anímica e espiritual. Educação, um despertar. O leite materno. O despertar do intelecto por meio da vontade no ensino artístico. Incentivo e inibição do crescimento; sua relação com a fantasia e a memória.

décimA SegundA conferênciA

3 de setembro de 1919 ............................................................. 169Início da observação corporal do homem. A compreensão do corpo com base nos processos. Cabeça e mundo animal. Formação dos pensamentos. Sistema torácico e mundo vegetal. Natureza da doen ça. Respiração e alimentação. Ossos, músculos e reino mineral.

décimA terceirA conferênciA

4 de setembro de 1919 ............................................................. 180A atividade do elemento anímico-espiritual no ser humano. O homem como aparelho represador. Os nervos. O sangue. Trabalho corporal e trabalho espiritual. Atividade coerente e atividade sem sentido. Sono. Ginástica e euritmia. Esporte. Trabalho intelectual.

décimA QuArtA conferênciA

5 de setembro de 1919 ............................................................. 191A tríplice constituição corporal do homem. A totalidade de cada parte contendo as demais. A laringe. A linguagem; gramática. Fantasia nos últimos anos do ensino fundamental. Das condições de vida do professor.

Nota preliminar1

Após o término da [Primeira] Guerra Mundial, o Dr. Rudolf Steiner, atendendo ao pedido de alguns membros da Sociedade Antroposófica, proferiu também em Stuttgart suas abrangentes conferências sobre a trimembração do organismo social, as quais formam o conteúdo de seu livro Os pontos centrais da questão social.2

As sugestões dadas então pelo Dr. Rudolf Steiner fizeram amadurecer no conselheiro comercial Emil Molt a decisão de fundar uma escola que pudesse representar uma espécie de célula germinativa de uma vida espiritual livre. A seu pedido o Dr. Ru-dolf Steiner assumiu a direção espiritual dessa escola, tendo-se empenhado incansavelmente em seu florescimento.

A inauguração da Escola Waldorf Livre foi precedida por um curso pedagógico que o Dr. Rudolf Steiner ministrou durante três semanas, em agosto e setembro de 1919, aos primeiros professores do estabelecimento e a uma série de personalidades que desejavam atuar no sentido de sua pedagogia.

Esse curso abrangia três etapas. Inicialmente foram proferi-das catorze conferências sobre o estudo antroposófico do homem como fundamento de uma pedagogia adequada à nossa época e ao futuro próximo; elas constituem o conteúdo deste livro. Segui-ram-se conferências que revelaram a eficiência dessa antropologia antroposófica no manuseio da metodologia e da didática no ensino e na educação. Juntamente com as presentes conferências, a cujo con teúdo se referem constantemente, formam uma unidade.

Às etapas das conferências seguiram-se discussões sob forma seminarística, nas quais Rudolf Steiner debateu com os professo-res a elaboração prática de certas disciplinas e os caminhos para

1 Da primeira edição do original (1932), sob o título ‘Uma palavra de gratidão’. (N.T.)2 Die Kernpunkte der Sozialen Frage, GA 23. Mencionado o título da edição brasi-leira (São Paulo: Antroposófica, 2011). (N.T.)

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uma solução de problemas educacionais. Essas discussões foram também publicadas.

Os ouvintes vivenciaram nesse curso um acontecimento espiritual que — realizando-se com toda a tranquilidade num pequeno círculo — tencionava servir à humanidade em sua evo-lução superior. Os professores da Escola Waldorf Livre desejam, com o sentimento de sua profunda gratidão, acompanhar esta obra de Rudolf Steiner em seu caminho pelo mun do, para que ela fecunde a educação e o ensino em todo lugar onde for acolhida com plena compreensão.

O Colégio de Professores da Escola Waldorf Livre

A título de prefácio3

‘Estudo geral do homem’ — foi este o título escolhido por Rudolf Steiner para o primeiro ciclo de conferências pedagógicas que proferiu aos professores da nova Escola Waldorf Livre a ser fundada; pois sua arte educacional é construída sobre o conheci-mento plurilateral do ser humano — não apenas do ser humano terreno, mas também do recôndito ser humano anímico e espiri-tual. E para o mundo das manifestações físicas, moldadas segundo arquétipos, ele quer obter uma atenta formação da consciência por meio desse método educacional que conta com o eterno cerne existencial no ser humano e com a transformação dos fenômenos na evolução natural e histórica.

Diz ele em seu pronunciamento na festa de inauguração:

Esta nova escola deve realmente ser inserida naquilo que é exigido pela evolução da humanidade justamente em nossos dias e para o futuro próximo; e, na verdade, tudo o que dessas premissas finalmente ingressa na educação e no ensino revela-se como um tríplice dever sagrado.

E prossegue:

O que seria, enfim, de todo o sentir-se, reconhecer-se e atuar na comunidade humana se isso não pudesse confluir no sagrado compromisso que justamente o professor, o edu-cador se impõe ao realizar em sua específica comunidade social, junto ao ser humano em formação e crescimento, um serviço que se pode chamar de comunitário no mais sublime sentido!

Tudo o que finalmente podemos saber do ser humano e do mundo só será devidamente frutífero quando pudermos transmiti-lo vivamente àqueles que formarão o mundo

3 Com introdução e conclusão de Marie Steiner e citações da alocução de Rudolf Steiner durante a festa de inauguração da primeira Escola Waldorf Livre em Stuttgart (em 7.7.1919). Texto integral publicado em Rudolf Steiner in der Wal-dorfschule, GA 298 (Dornach: Rudolf Steiner Verlag, 1980). (N.T.)

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social quando não mais pudermos estar presentes com nosso trabalho físico.

Tudo o que somos capazes de realizar artisticamente só se tornará algo sublime quando pudermos fazê-lo afluir para a Arte maior, na qual não nos é entregue um material artístico morto como argila e cor: nela nos é entregue de forma inacabada o ser humano vivo, que devemos trans-formar até certo grau, de maneira artística e educativa, num ser humano completo. E acaso não será, afinal, um compromisso sublime, sagrado, religioso, cultivar na educação o aspecto divino-espiritual que se manifesta e revela de forma renovada em cada ser humano que nasce? Não será esse serviço educativo um culto religioso no mais elevado sentido da palavra? Não devemos todos nós fazer confluir nossas emoções humanas, devotadas justamente ao sentimento religioso, para o ofício cultual que realiza-mos ao procurar desenvolver na criança em formação o elemento divino- espiritual do homem, elemento que se manifesta como algo predisposto nele?

Vida impregnando a Ciência! Vida impregnando a Arte! Vida impregnando a Religião!

— eis enfim a educação, eis enfim o ensino. Quando se compreende o ensinar e o educar neste sentido, não se tem a inclinação de exercer levianamente críticas ao que, de outro lado, é estabelecido como princípios, intuitos e fundamentos para a arte da educação. Entretanto, não me parece que alguém possa discernir de forma correta justamente o que a atual cultura da educação e do ensino impõe, caso não consiga perceber o quanto é necessária, em nossa época, uma completa renovação espiritual; caso não seja capaz de reconhecer profundamente como deve afluir para o futuro, em nossas ações como professores e educa-dores, algo totalmente diverso daquilo que pode prosperar na esfera denominada hoje “educação científica”. Contudo, hoje o professor que deve formar o ser humano do futuro é introduzido na opinião, na mentalidade da ciência atual! Jamais me ocorreu censurar depreciativamente essa ciên-cia atual. Eu estou inteiramente compenetrado do apreço

A título de prefácio 15

por tudo o que essa ciência do presente alcançou de triunfos para a evolução da humanidade, com sua opinião e seu método científico baseados justamente no conhecimento da natureza, e pelo que ela ainda alcançará no futuro; mas justamente por isso — assim me parece —, o que emana da atual opinião científica e cultural não pode ser transmitido frutiferamente à arte da educação e do ensino, porque a grandeza dessa opi nião reside em algo diferente do lidar com o ser humano e do insight em seu coração, em sua índole. Podem-se fazer enormes progressos técnicos com o que jorra da atual mentalidade. Com ela pode-se também desenvolver uma livre concepção da humanidade no as-pecto social; mas ninguém consegue — por mais grotesco que isto possa soar ainda hoje à maioria das pessoas —, com uma opinião científica que chegou paulatinamente à convicção, por um lado, de que o coração humano é uma bomba e, por outro, de que o corpo físico humano é uma engrenagem mecânica, ninguém consegue, com os senti-mentos e sensações que emanam dessa ciência, vivificar a si próprio a ponto de tornar-se um artístico educador do ser humano em desenvolvimento. Justamente pelo fato de nossa época tanto engrandecer o domínio da técnica morta é que é impossível desenvolver a arte educacional viva. Então é preciso que um novo espírito interfira na evolução da humanidade — justamente o espírito que pro-curamos por meio da nossa Ciência Espiritual. O espírito que leva a enxergar no ser humano vivo um portador de instrumentos de pulsão e sucção — um mecanismo — só pode ser compreendido segundo os métodos científico- naturais. É preciso introduzir na mentalidade espiritual da humanidade a convicção de que o espírito vive em toda existência natural, e que se pode reconhecê-lo.

E assim nós procuramos, no curso que precedeu nossa iniciativa escolar Waldorf e que foi destinado aos professores, fundamentar uma antropologia, uma ciência educacional capaz de tornar-se uma arte da educação, uma arte da condição humana, que, partindo do elemento morto, desperte novamente o elemento vivo no homem. O elemento morto — e este é o mistério da nossa atual cultura moribunda —, o elemento morto torna o homem

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sapiente, torna o homem sagaz quando este o acolhe como lei natural; mas enfraquece sua índole, da qual deve ema-nar o entusiasmo, justamente na educação. Enfraquece a vontade. Não coloca o homem harmoniosamente dentro da existência total, abrangente. Nós procuramos por uma ciência que não seja simplesmente ciência, que seja ela própria vida e sensibilidade, e que, no momento em que afluir para a alma humana como saber, desenvolva ao mesmo tempo a força para viver nela como amor — a fim de jorrar como um querer efetivo, como um trabalho imer-so em calor anímico, como um trabalho que se transmita principalmente ao ser vivo, ao ser humano em formação. Nós precisamos de uma nova mentalidade científica; pre-cisamos de um novo espírito, principalmente, para toda e qualquer arte do ensino, para toda e qualquer arte da educação. [...]

A convicção de que o chamado que ressoa da evolu-ção da humanidade exige um novo espírito para a época atual, e de que devemos levar esse espírito antes de tudo para o âmbito da educação, é que fundamenta es esforços da escola Waldorf, que deveria ser um exemplo-padrão. Procurou-se ouvir o que reside inconscientemente nas exi-gências justamente das melhores pessoas que, no passado mais recente, se empenharam por um saneamento, por uma regeneração da arte da educação e do ensino. [...]

Eis que o mestre em pedagogia se questiona: será que nós podemos também compreender que tipo de for-ças atuam na natureza humana, que quase a cada mês — mas, em todo o caso, a cada ano — nos dirige um sem-blante corpóreo-anímico-espiritual diferente? Enquanto não tivermos uma ciência histórica real — assim dizem esses pedagogos —, tampouco poderemos saber como se desenvolve o ser humano individual; pois o indivíduo por si representa, de maneira concentrada, o que toda a hu-manidade representa no decurso de sua evolução histórica.

Tais pessoas sentem que, no fundo, a ciência atual falha quando lhe compete dizer algo sobre as grandiosas leis vigentes através da História, e quando se deveria compreender, no atual momento, o que emana para nós dessas grandes e abrangentes leis históricas da evolução

A título de prefácio 17

da humanidade. Querer compreender o ser humano indivi-dual com base na qualidade dos alimentos que ele assimila desde o primeiro sopro respiratório até a morte seria uma pretensão extremamente tola; mas no tocante à História, à compreensão da completa evolução da humanidade, no fundo é assim que as pessoas se comportam.

No caso do homem é preciso saber como, por exemplo, um processo fisiológico como a troca dos dentes interfere na evolução. É preciso saber tudo o que de misterioso ocorre fisicamente partindo de uma fisiologia totalmente nova, que a atual ciência ainda não possui. Mas também é preciso saber o que acompanha animicamente essa reviravolta. Cumpre conhecer as metamorfoses da natureza humana. No caso do ser humano individual, ao menos não se nega-rá, mesmo diante da impossibilidade de reconhecê-lo, que do fundo do seu mais íntimo ser o homem experimenta metamorfoses e transformações. Na evolução his tórica de toda a humanidade, não se admite algo assim; os mes-mos métodos são empregados para a Antiguidade, para a Idade Média, para a Idade Moderna. Com isto não se permite que ocorram grandes saltos na evolução histórica da humanidade. Ao olharmos retrospectivamente para transcorrer da História, encontramos um último salto no século XV. Tudo o que na época mais atual se transfor-mou no sentir, no pensar e no querer da humanidade, tal como os conhecemos hoje, só recebeu seu íntimo caráter na humanidade civilizada a partir do século XV. E essa humanidade civilizada se distingue daquela do século X ou VIII da mesma forma como a criança de doze anos di-verge daquela que ainda não atingiu os sete anos. E o que ocorreu no século XV como reviravolta produziu-se desde o mais íntimo cerne da humanidade, tal como da mais íntima natureza humana se produz a regular evolução da troca dos dentes. E todo o clima em que nós vivemos hoje, no século XX — esse anseio por individualidade, o anseio pela estruturação social, o anseio pelo aperfeiçoamento da personalidade — é apenas uma consequência do que as forças inerentes à História transmitiram desde o momento apontado acima.

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Nós só poderemos compreender como o homem quer situar-se no presente se compreendermos a trilha que a evolução da humanidade empreendeu da maneira des-crita. [...]

Quem observa em profundidade a geração que se vem formando tem uma nítida sensação de que as pessoas, jun-tamente com o que elaboram, com o que pensam e sentem, e também com o que anseiam para o futuro como adultos, despontaram do seio da História. E o que hoje constitui as profissões, a organização estatal, âmbitos nos quais os seres humanos podem situar-se, nasceu desses mesmos se-res humanos! Não está anexo a esses seres humanos como uma exterioridade! Não se pode absolutamente perguntar: será que se deve educar a pessoa mais para a natureza humana ou mais para a profissão exterior? — pois, vistas corretamente, ambas são, afinal, a única e mesma coisa!

Se hoje pudermos desenvolver um vivo entendimento do que lá fora são as profissões, as pessoas, estaremos de-senvolvendo também o entendimento do que as gerações precedentes, que ainda vivem e têm ocupações, trouxeram do seio materno da humanidade para dentro do presente.

Com a separação entre educação visando o ser humano e educação visando a profissão, nós não chegamos a sen-tir-nos professores e educadores conforme é necessário. Para tal é necessário viver em nós algo que não é visível exteriormente — numa profissão, numa organização política, em nenhum lugar no âmbito exterior. Para tal é necessário viver em nós aquilo que somente as gerações subsequentes levarão para o plano exterior da vida. Para tal é necessário viver em nós um profético e efetivo es-tado de união com a evolução vindoura da humanidade. Dessa união é que depende o sentir, o pensar e o querer artístico-educativos de um universo docente. Que possa fluir para o universo docente o que é possível saber sobre o ser humano em formação, tal qual um sangue vital anímico-espiritual que, sem constituir apenas saber, se torne arte — eis a que deve aspirar uma viva pedagogia e didática da atualidade. E dessa didática viva só pode emanar aquilo que deve penetrar no coração, na índole e no intelecto da criança. [...]

A título de prefácio 19

Não nos compete, em absoluto, transmitir à pessoa em formação nossos ‘dogmas’, nossos princípios, o conteúdo de nossa cosmovisão. Nós não aspiramos a criar uma educa-ção dogmática. Aspiramos a que os dados obtidos por nós mediante a Ciência Espiritual se tornem ação educacional viva. Aspiramos a possuir em nossa metodologia, em nossa didática, as possíveis emanações da Ciência Espiritual viva aplicadas como tratamento anímico do homem. Da ciência morta só pode emanar o saber; da Ciência Espiri-tual viva emanará metodologia, didática, um manejo no sentido anímico-espiritual. Poder ensinar, poder educar, eis nossa aspiração! [...]

Entretanto, observaremos honestamente o que lou-vamos: que as diversas confissões religiosas possam mi-nistrar seu próprio ensino religioso, podendo trazer para dentro de nossa escola seus princípios ideológicos. Apenas esperamos que, da mesma forma como perturbaremos ao mínimo as cosmovisões que serão trazidas à nossa escola, tampouco seja perturbado o que queremos introduzir da forma mais modesta — somente por enquanto — como uma arte; pois sabemos que de início a humanidade deverá entender que de uma cosmovisão espiritual pode surgir uma arte da educação no sentido pedagógico, metódico, didático, antes de vir a ter uma correta compreensão das questões ideológicas e suas inter-relações. Portanto, não fundaremos uma escola ideológica. Uma escola artístico-educativa é o que estaremos esforçando-nos por fundar com a Escola Waldorf.

Às conferências sobre o estudo geral do homem seguiram-se aquelas sobre metodologia e didática da educação e, finalizando, um seminário decorrido em livre discussão. Com estes três ciclos seria transmitido o fundamento da arte educacional de Rudolf Steiner, como um remédio redentor, à nossa humanidade em vias de submergir em carência anímica e material.

Marie Steiner