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GT I: Direitos Humanos e Criminalização da questão social na América Latina

O ENFRENTAMENTO DA POBREZA ATRAVÉS DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO

PROFISSIONAL NO BRASIL

Moacyr Salles RamosAna Cecília dos Santos Santoro

Inêz Stampa

Resumo: o artigo analisa as possibilidades deenfrentamento da pobreza entre os sujeitos com idadeentre 15 e 18 anos, através do PRONATEC. Para tal,realizamos revisão bibliográfica e utilizamos dados deuma pesquisa empírica. Constatamos que o PRONATECrepresenta uma oportunidade importante para osadolescentes pobres, mas, sua revisão é necessária, poistem precarizado os processos formativos.

Abstract: the article analyzes the coping possibilities ofpoverty among subjects aged 15 and 18, through thePRONATEC. To this end, we conducted a literaturereview and use data from empirical research. We notethat the PRONATEC represents an important opportunityfor the poor teenagers, but their revision is necessary, asit has precarious training processes.

Introdução

A reflexão sobre as condições de vida de crianças e adolescentes na

América Latina é oportuna e necessária. Dentre as várias razões, podemos citar o

lento avanço na construção de um sistema de proteção social para esse público, as

experiências ditatoriais e o atual retrocesso mundial no que tange aos direitos

sociais, que aprofunda a fragilidade dos países periféricos.

No caso do Brasil, é possível afirmar que vivenciamos, atualmente, um

período bastante contraditório, pois comporta elementos de um processo de

transição democrática ainda inconcluso, combinado com o recrudescimento de

vertentes ultraconservadoras. O cenário evidencia a criminalização da pobreza, o

incentivo midiático aos “justiceiros” locais, a responsabilização individual das

crianças e adolescentes pobres por suas condições de vida e, principalmente,

objetivos de eliminação dos sujeitos vulneráveis e não da vulnerabilidade.

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Não obstante, os avanços sociais construídos a partir da Constituição

Federal de 1988 e, mais especificamente, pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), no que tange à proteção e integração social da criança e do

adolescente, apesar de estarem em constante disputa, ainda mobilizam sujeitos

coletivos e individuais na luta por direitos. Também têm fortalecido uma agenda de

ações, que por vezes interferem na ossatura do Estado e resultam em políticas

sociais que beneficiam as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade

social.

Dentre as diversas políticas sociais que buscam integrar socialmente os

adolescentes, têm se destacado as de educação profissional, que nos últimos anos

têm ampliado o número de vagas para adolescentes com idade entre 15 e 18 anos.

Convém ainda lembrar que os sujeitos dessa faixa etária, juntamente com os que

têm idade até 29 anos, desde os anos 1990, nos países da América Latina, têm sido

foco de políticas sociais de inserção produtiva, as quais buscam dialogar com as

áreas trabalho, educação e transferência de renda. Esse direcionamento coloca a

formação para o trabalho no centro dos debates sobre inclusão/exclusão, sendo

essa formação hoje um elemento importante na transição para a vida adulta.

Nesse sentido, a proposta desse artigo é refletir acerca das potencialidades

da política de educação profissional na minimização da exclusão social de

adolescentes com idade entre 15 e 18 anos. Para tal, escolhemos o Programa

Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), que tem sido

central na expansão da oferta de vagas em educação profissional no Brasil desde a

sua criação, em 2011 e tem atendido adolescentes que cursam o Ensino Médio nas

redes estaduais de ensino. Assim, apresentamos como o PRONATEC vem

contribuído para a inclusão social dos adolescentes atendidos, via qualificação

profissional. Trata-se de uma revisão bibliográfica, que se utiliza de documentos

governamentais e de dados de uma pesquisa concluída em 2014.

Educação profissional para o enfrentamento da pobreza?

A política de educação profissional brasileira é permeada por processos de

continuidade e descontinuidade. Enquanto estes se dão pelo ciclo de criação e

desmonte de programas de educação profissional desde os anos 1990, aqueles

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estão relacionados à pedagogia orientadora dos múltiplos programas que já

existiram. Em outras palavras, a política de educação profissional passou, a partir

daquela década, por inúmeras transformações, porém tem preservado seus

aspectos mais contraditórios no que tange aos objetivos formativos, ou seja, ainda

contribui para o aprofundamento da dualidade estrutural da educação brasileira:

formação para o trabalho separada da formação geral.

A redefinição da política de educação profissional no contexto neoliberal

tinha como pano de fundo os pressupostos herdados da Teoria do Capital Humano,

notoriamente divulgada no Brasil a partir dos anos 1960, a fim de justificar nosso

lugar subalterno no mundo capitalista. Segundo essa teoria, era preciso investir em

capital humano para alcançar o pleno emprego. Nos anos 1990, esse pensamento

ganha um sentido diferenciado, mas não menos falacioso: trata-se da necessidade

de investir em capital humano a fim de desenvolver a empregabilidade. Gentili

(2002) denomina de desintegração da promessa integradora, que para ele:[...] não tem suposto a negação da contribuição econômica da escolaridade,mas sim uma transformação significativa de sentido. Passou-se de umalógica da integração em função de necessidades e demandas de carátercoletivo (a economia nacional, a competitividade das empresas, a riquezasocial etc.) para uma lógica econômica estritamente privada e guiada pelaênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir nomercado educacional para atingir uma melhor posição no mercado detrabalho (GENTILI, 2002, p. 51).

Dessa forma, a noção de empregabilidade foi potencializada como estratégia

de superação das expressões da questão social, especialmente, o desemprego e a

pobreza. Entre os adolescentes pobres com idade entre 15 e 18 anos, se tornar

empregável é uma necessidade de sobrevivência, tendo em vista o aviltamento das

condições de vida. Entendemos ser esta uma preocupação típica dos adolescentes

oriundos das camadas mais pobres da sociedade, ou seja, é uma preocupação de

classe. Nessa direção, percebe-se uma cultura do “esquecimento do social no

individual”, com deslocamento dos problemas estruturais do sistema capitalista para

os indivíduos. Tal deslocamento também coloca os indivíduos como potenciais

solucionadores dos problemas estruturais e: [...] permite a celebração do mérito individual, que em última análisejustifica e legitima todo tipo de privilégio em condições modernas. É essemesmo “esquecimento”, por outro lado, que permite atribuir “culpa”individual àqueles “azarados” que nasceram em famílias erradas, as quaissó reproduzem, em sua imensa maioria, a própria precariedade (SOUZA,2009, p. 43).

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Na realidade, essa estratégia de incentivo ao mérito individual na luta por

melhores condições de vida, cria uma falsa aparência de que as oportunidades são

iguais para todos, bastando ter força de vontade e qualificação profissional para

conseguir “vencer na vida”. Logo é fortalecida na esfera sociopolítica uma cultura de

alternativas pragmáticas à ordem capitalista (MOTA e AMARAL, 2010), sendo a

educação profissional o espaço/tempo central no bojo dessas alternativas, com fins

de inclusão produtiva.

Não obstante, sob a perspectiva conjuntural, a “inclusão produtiva” proposta

no bojo dos programas de educação profissional, não sem contradições, se constitui

de propostas “ambivalentes de educação, que se caracterizam principalmente pela

diferenciação de acesso às condições materiais necessárias ao bom desempenho”

(OLIVEIRA, 2010, p.351). Portanto não se tem garantido todas as condições

necessárias para o pleno desenvolvimento pedagógico no processo educativo, isto

é, deve-se prover infraestrutura física e pedagógica adequada, assim como

professores qualificados, laboratórios, recursos tecnológicos, bibliotecas,

assistência estudantil que atendam às reais necessidades dos alunos.

Já no que se refere ao aspecto estrutural, trata-se de propostas pedagógicas

dedicadas unicamente à educação profissional, ou seja, a formação de

trabalhadores para o trabalho manual sem integração com a formação geral ou

precariamente articuladas, limitando os adolescentes das camadas populares

através da socialização desigual do conhecimento historicamente construído.

Conforme esclareceu Gramsci em seu estudo sobre Americanismo e

Fordismo, os processos pedagógicos cumprem a função de valorizar o capital, na

medida em que criam novas formas de viver, comportar-se e compreender o mundo

a partir das relações de produção e organização do trabalho. A questão central é a

criação de uma nova concepção de mundo que naturalize a alienação do

trabalhador por meio do disciplinamento físico, moral e intelectual (GRAMSCI,

2008).

Considerando os estudos de Gramsci no contexto do atual processo de

recomposição capitalista, podemos inferir que se pretende deslocar o debate sobre

as desigualdades sociais do campo estrutural para o conjuntural por meio de um

processo de certificação em massa que internalize nos trabalhadores adolescentes

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a ideia de que é possível enfrentar o desemprego via qualificação profissional.

Assim, “sendo a qualificação profissional ofertada, estar desempregado é

incompetência do trabalhador” (LEITE, 1997, p.64), pois o mesmo é quem não foi

capaz de desenvolver sua empregabilidade, conceito que parte do falso princípio de

que o desemprego é causado por inadequações dos trabalhadores às demandas do

mercado de trabalho .

Dito isto, a ampliação do acesso à educação profissional, salvo poucas

exceções, tem produzido um processo de “certificação vazia”, que só servirá de

justificativa para a incompetência, para a incapacidade de se conseguir um emprego

(KUENZER, s.d, p.15). Individualizando a culpa, o adolescente trabalhador

encontrará dificuldades para compreender a sua existência a partir do modo de

reprodução capitalista, o que poderá resultar na autoculpabilização pela pobreza. A

proposta, então, é a de naturalizar as expressões da questão social, educando os

pobres para encararem-nas como problemas individuais ou, no máximo,

conjunturais.

Entretanto não podemos negar que a educação profissional seja importante

na luta pelo emprego, especialmente, o formal, pois “nas últimas décadas, o

mercado de trabalho tem se caracterizado pelo desemprego em massa e pelo

aprofundamento das polarizações entre empregos formais e informais,

trabalhadores qualificados e pouco qualificados” (OLIVEIRA, 2010, p.243). Contudo,

se a educação profissional desenvolvida com todos os recursos necessários não

representa qualquer segurança de emprego, pois o setor produtivo não absorve os

trabalhadores na mesma proporção em que os programas de educação profissional

certificam, a qualificação ofertada de modo precarizado coloca os adolescentes das

camadas populares em condições inferiores na disputa por uma vaga no competitivo

e excludente mercado de trabalho. A fim de exemplificar nossa abordagem,

passemos a refletir sobre a proposta do PRONATEC para os adolescentes de 15 a

18 anos de idade.

A educação profissional para os adolescentes pobres no PRONATEC

O PRONATEC foi sancionado pela Lei 12.513, de 26 de outubro de 2011,

com objetivo de “expandir, interiorizar e democratizar o acesso à educação

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profissional no Brasil” (BRASIL, 2011). Ele se desenvolve por meio de um fomento

chamado Bolsa Formação. Neste trabalho, nos debruçamos sobre a Bolsa

Formação Estudante, pois é no âmbito desta que os adolescentes estudantes do

ensino médio público são atendidos.

A Bolsa Formação Estudante oferta, no contraturno da jornada escolar,

cursos técnicos de nível médio de no mínimo 800h, para alunos das redes estaduais

de ensino. A seleção dos alunos não é padronizada, sendo as regras estabelecidas

pelas secretarias estaduais de educação. No Estado do Rio de Janeiro, por

exemplo, o processo se dá por meio do Sistema de Avaliação da Educação do

Estado do Rio de Janeiro (SAERJ). Os alunos com as maiores notas são

selecionados, fato que já coloca em questão a função inclusiva do programa, pois a

seleção é unicamente meritocrática, deixando de fora os alunos que, talvez, mais

necessitem de uma qualificação profissional. Os objetivos dessa bolsa são:

Formar profissionais para atender às demandas do setor produtivo e dodesenvolvimento socioeconômico e ambiental do País; contribuir para amelhoria da qualidade do ensino médio público, por meio da articulaçãocom a Educação Profissional; ampliar e diversificar as oportunidadeseducacionais aos estudantes, por meio do incremento da formação técnicade nível médio (BRASIL, 2013, ART.17- grifo nosso).

Se a qualidade do ensino médio público fosse realmente melhorada, sem

dúvida, isso seria um grande benefício para os adolescentes pobres que cursam

essa etapa. Entretanto o objetivo de “contribuir para melhoria da qualidade do

ensino médio público” não corresponde à real materialização do programa. Para tal,

não é prevista nenhuma iniciativa já que o caminho adequado seria o fortalecimento

das redes estaduais para que estas ofertassem educação profissional integrada ao

ensino médio, visto que, pela Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB), elas

são as responsáveis por essa etapa da educação básica. Outra iniciativa coerente

seria a ampliação da infraestrutura física e pedagógica da Rede Federal de

Educação Profissional Científica e Tecnológica (doravante, Rede federal), para

ampliar a oferta de cursos técnicos integrados ao ensino médio. Dessa maneira, a

integração, mesmo que no limite do capital, abriria uma possibilidade de minimizar a

dualidade estrutural da educação brasileira.

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Curiosamente, com objetivo de melhorar a qualidade do ensino médio

público, o PRONATEC tem destinado a maior parte de suas verbas para as

instituições que compõem o Sistema S. Enquanto estas, no período de 2011 a 2014,

receberam um total de R$ 4.528.266.363,68, as Redes Estaduais receberam

apenas R$ 404.523.150,00 (BRASIL, 2014). Além disso, conforme apontou Ramos

(2014), em pesquisa no Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ), as

instituições públicas que participam do programa são obrigadas a ampliar a oferta

de vagas, sem haver, porém, a ampliação real de sua estrutura física e pedagógica,.

Através de uma pesquisa em três campi, o autor constatou que, para os alunos do

PRONATEC, o governo cria uma estrutura paralela sem ampliação real da estrutura

física e pedagógica das instituições, como o número de profissionais, de

laboratórios, de bibliotecas e de salas de aula.

No universo empírico pesquisado, o grupo de alunos da Bolsa Formação

Estudante era formado por 39 alunos, dos quais 90% estavam desempregados e

71% possuíam renda familiar de até dois salários mínimos. Além disso, apenas 35%

dos pais desses alunos concluíram o ensino médio, fato que interfere nas

possibilidades de emprego desses pais e, consequentemente, nas condições

materiais desses adolescentes. Assim eles saem em busca de qualificação

profissional com o objetivo de exercer uma profissão de modo imediato, mesmo que

na informalidade, pois não podem aguardar a conclusão do ensino médio sem que

algum ofício lhes garanta a sobrevivência (RAMOS, 2014).

Os alunos que não declararam a necessidade de ter uma profissão,

apresentaram como motivação para estudar pelo PRONATEC o fato de terem

acesso a algum tipo de renda, ou seja, o PRONATEC alivia, de alguma forma, as

necessidades financeiras desses alunos por intermédio da bolsa recebida, que é de

R$ 12,00 por dia de aula (RAMOS, 2014). Nesses casos, as necessidades materiais

se sobrepõem às demandas educacionais. A bolsa se torna uma forma de melhorar

as condições de vida, pois, conforme afirma um supervisor de curso “tem muitos

alunos que são chamados por conta da bolsa, pura e simplesmente porque existe

uma bolsa que ele acha que é uma forma de contribuir em casa” (RAMOS, 2014, p.

120).

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Ao longo dos anos, tanto as camadas médias como parte das camadas

desfavorecidas têm entrado na Rede Federal, mas a ampliação do número de vagas

para o atendimento das demandas destas não se dá com os mesmos investimentos,

restando para as camadas populares as piores condições de inserção e

permanência. Isso foi confirmado através dos depoimentos dos gestores do IFRJ

(RAMOS, 2014), ao reconhecerem que o PRONATEC, por não ser posto em prática

junto com a ampliação real da capacidade pedagógica dos campi, não garante aos

alunos do programa as mesmas condições de aprendizagem oferecida aos demais

alunos da instituição.

Na questão da alocação de professores, o PRONATEC retirou o tempo de

planejamento docente para as aulas que aconteceriam fora do programa. A

ocupação pelo programa da carga horária que era destinada às atividades de

planejamento docente é mais uma evidência de que sua implementação foi feita de

modo aligeirado e desprovido de planejamento e investimentos na ampliação do

IFRJ. Ora, se o professor não tem mais tempo para planejar as aulas de suas

turmas “regulares”, menos tempo ainda terá para planejar as aulas de suas turmas

do PRONATEC. Vejamos o que diz um coordenador do programa:

Ele é extracurricular pra gente. A gente dá aula num horário que não fazparte do nosso horário previsto pra permanecer na instituição. Aqui a gentetem o nosso dia de planejamento... [...] e aí nesses horários a gente colocaas aulas do PRONATEC ou as atividades, até a supervisão do curso(RAMOS, p. 112).

No que tange ao aspecto pedagógico, outro problema enfrentado pelos

alunos do PRONATEC está no fato de eles não terem garantidos todos os direitos

que constam no regimento interno do IFRJ, como, por exemplo, a recuperação e o

número de reprovações. Como os professores do PRONATEC não são

remunerados pelos períodos de recuperação, na maioria dos casos, esse direito

não é dado aos alunos do programa. Portanto, nas vezes em que a recuperação

ocorre, é porque o professor aceitou lecionar no período de recuperação mesmo

sem pagamento.

Quanto à retenção, para os alunos regulares, ela é permitida por até três

vezes, sendo, posteriormente, o caso analisado pelo conselho de classe. Já os

alunos do PRONATEC, conforme a fala de uma supervisora, “[...] não podem ser

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reprovados mais de uma vez no mesmo período. Então, até que ponto vale a pena

exigir tanto dele e fazer ele passar por uma nova reprovação e aí mais uma outra

reprovação, correndo o risco de perder o curso” (RAMOS, 2014, p. 117). Então, no

PRONATEC o aluno não é avaliado pelo seu desenvolvimento pedagógico, mas,

principalmente, pelo seu vínculo precário, resultando, em alguns casos, no

nivelamento dos conteúdos pelo mínimo.

Estudar no IFRJ pelo PRONATEC também não significa ter como professor

um profissional concursado, altamente qualificado e com direitos trabalhistas.

Apesar de, na pesquisa de RAMOS (2014), todos os profissionais que atuavam no

programa serem servidores do IFRJ, essa não é a regra para o funcionamento do

programa, pois, de acordo com a legislação, apenas o coordenador precisa ser do

quadro efetivo da instituição, podendo todos os outros profissionais serem

contratados temporariamente.

Além de o PRONATEC não ser capaz de ofertar uma formação técnico-

profissional de qualidade para os alunos que cursam o ensino médio nas redes

estaduais de ensino, o programa parece desprezar essas redes, tratando os alunos

oriundos delas como um “apêndice” da Rede Federal, sem dar a eles as mesmas

condições dos demais para uma formação mais ampla e sólida. Contudo, apesar do

cenário apresentado, ao serem questionados sobre o significado do PRONATEC em

suas vidas, 97% dos alunos responderam que consideram o programa como uma

forma de acessar o mercado trabalho. Eles não percebem os descaminhos entre a

educação profissional e o emprego, o que põe a educação profissional como

solução para o desemprego, mesmo quando o que é ofertado é uma formação

precária (RAMOS, 2014).

Considerações finais

Sem pretensões de finalizar o debate, consideramos que a educação

profissional seja um elemento importante na formação integral dos sujeitos com

idade entre 15 e 18 anos, tanto na disputa pelo emprego, como na transição para a

vida adulta. Além disso, como a integração entre educação e “mundo do trabalho”

se torna cada vez mais urgente, a política de educação profissional muito pode

contribuir para diminuir os níveis de exclusão. Porém é preciso compreender que

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ela sozinha não pode dar conta de eliminar as desigualdades e o aviltamento das

condições de vida oriundos do sistema capitalista.

Nessa direção, para que a educação profissional possa ter potencialidade na

no enfrentamento da pobreza, ela precisa se desenvolver de modo articulado com a

formação geral, com condições de acesso, permanência, estudos, processos de

ensino e avaliativos adequados, ou seja, condições que garantam um nível de

aprendizagem capaz de instrumentalizar as camadas pobres na disputa política na

sociedade capitalista. Ao que parece, não é dessa forma que tem se desenvolvido o

PRONATEC, pois o mesmo, não sem contradições, se desenvolve precarizando os

processos formativos, o que limita os sujeitos atendidos pela socialização desigual

do conhecimento científico, tecnológico, filosófico e cultural.

Bibliografia BRASIL. Lei 12.513, de 26 de outubro de 2011. Instituiu o Programa Nacional deAcesso ao Ensino Médio e Emprego (PRONATEC) e dá outras providências.Brasília, DF, 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12513.htm>. Acesso em: 24 mar. 2016.______. MEC. PRONATEC 2011-2013. Brasília, DF, 2013. Disponível em:<http://www.epsjv.fiocruz.br/upload/doc/Pronatec-execucaoOfertantes-25-11-13_v3.pdf>. Acesso em: 29 mai. 2016.______. TCU. Relatório de auditoria anual de contas. Brasil, 2014. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=16416&ltemid=>. Acesso em: 05 mai. 2016.GENTILI, Pablo (Org.) Pós-neoliberalismo: As políticas sociais e o estadodemocrático. RJ: Paz e Terra, 2000. p.63-118.GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. Tradução de Gabriel Bogossian. SãoPaulo: Hedra, 2008.IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formaçãoprofissional. São Paulo: Cortez, 1998.KUENZER, A. Exclusão includente e inclusão excludente: a nova forma dedualidade estrutural que objetiva as novas relações entre educação e trabalho.(s.d). Disponível em:http://ufpr.cleveron.com.br/arquivos/EP_104/exclusao_includente.pdf. Acesso em:25 de mai. 2016.LEITE, M.P. Qualificação, desemprego e empregabilidade. São Paulo emperspectiva, v11, n.1, jan-mar., p. 64-69. São Paulo: Fund. Seade, 1997.MOTA, A. E; AMARAL, A. S. Reestruturação do capital, fragmentação do trabalho eserviço social. In: MOTA, A. E. (Org). A Nova Fábrica de Consensos. São Paulo:Editora Cortez, 2010.OLIVEIRA, D. A. Educação básica gestão e da pobreza. Petrópolis: Editora Vozes,2010.

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