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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC - SP Carlos Roberto Ibanez Castro O direito fundamental à verdade: divulgação e acesso à informação Doutorado em Direito São Paulo 2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC - SP

Carlos Roberto Ibanez Castro

O direito fundamental à verdade: divulgação e acesso à

informação

Doutorado em Direito

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC - SP

Carlos Roberto Ibanez Castro

O direito fundamental à verdade: divulgação e acesso à

informação

Doutorado em Direito

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para

obtenção do título de Doutor em Direito,

área de concentração Efetividade do

Direito (Direito Constitucional), sob a

orientação do Professor Doutor Roberto

Baptista Dias da Silva.

São Paulo

2016

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Banca Examinadora

___________________________________

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À Catarina, minha verdade!

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Roberto Dias, amante inveterado do Direito Constitucional e

ferrenho defensor dos direitos fundamentais, pela orientação e ensinamentos

constantes, quais capazes de iluminar meus pensamentos mais obscuros e

resgatar-me de uns tantos devaneios intelectuais.

Aos professores Luiz Guilherme Arcaro Conci e Carlos Gonçalves Júnior, pelas

valiosas e oportunas sugestões ao trabalho, e que se mostraram essenciais ao

bom desenvolvimento desta tese.

À Camila, que em meio aos maiores “desafios” e “obstáculos intransponíveis”

que se impuseram diante de mim durante a elaboração deste estudo, foi capaz de

me fazer enxergar o quão pequenos são uns e outros quando se tem ao redor

tudo aquilo que verdadeiramente importa, e que jamais poder-se-ia traduzir em

palavras.

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IBANEZ CASTRO, Carlos Roberto. O direito fundamental à verdade:

divulgação e acesso à informação. 2016. 191 p. Tese (Doutorado) – Faculdade

de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.

RESUMO

A verdade é normalmente definida segundo um subjetivismo que demanda

contra a efetiva existência da perfeita correlação entre o enunciado a respeito de

determinado objeto e a realidade por ele manifestada. Contudo, é possível

conceber uma definição do conceito de verdade suficientemente objetivo,

partindo do estudo do pensamento filosófico que muito investiu no debate

acerca do verdadeiro. Essa objetivação, capaz de atribuir à verdade a concretude

que aparentemente lhe faltaria, evidencia-se relevante para fortalecer a defesa de

um direito fundamental humano à verdade, como corolário do princípio da

veracidade. Superado esse exercício, buscar-se-á compreender que o direito de

acesso à informação está condicionado pelo direito fundamental à verdade, que

atua como princípio e fim daquele, com vistas a preservar a dignidade da pessoa

humana e a liberdade. Outrossim, demonstrar-se-á, ainda sob a égide de um

direito à verdade, que a classificação de informações sigilosas é processo que

não pode se aperfeiçoar à revelia do povo, sob pena de manifesta violação aos

princípios democrático e republicano. O reconhecimento do direito fundamental

à verdade nas relações que envolvem o acesso e a divulgação de informações

será considerado, ainda, quando do exercício da liberdade de expressão e de

informação no contexto das prerrogativas da imprensa.

Palavras-chave: Verdade, direito fundamental, direito à verdade, Lei de acesso

à informação, liberdade de imprensa.

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IBANEZ CASTRO, Carlos Roberto. The fundamental right to the truth:

dissemination and access of information. 2016. 191 p. Thesis (Ph.D in Law) –

Law School of Pontifical Catholic University of São Paulo, São Paulo, 2016.

ABSTRACT

The truth is usually defined according to a subjectivism that demand against the

actual existence of perfect correlation between the statement about a certain

object and the reality manifested by it. However, it is possible to devise a

definition of the concept of truth sufficiently objective, based on the study of

philosophical thought has invested heavily in the debate about the true. This

objectification, able to assign to the truth concreteness that apparently it miss,

evidences relevant to strengthen the defense of a fundamental right to truth, as a

corollary of the principle of truthfulness. Overcome this exercise will try to

understand that the right of access to information is conditioned by the

fundamental right to the truth, which acts as the beginning and end of that, in

order to preserve the dignity of the human person and freedom. Moreover, will

demonstrate, still under the aegis of a right to the truth, that the classification of

sensitive information is a process that cannot be perfected over the heads of the

people, under penalty of manifest violation to the democratic and republican

principles. The recognition of the fundamental right to the truth in relations

involving the access and dissemination of information will be considered, even

when the exercise of freedom of expression and information in the context of

press prerogatives.

Palavras-chave: Truth, fundamental right, right to the truth, law on acess to

information, freedom of press.

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Posso ser uma pessoa desprezível, mas

quando a verdade fala em mim, sou

invencível.

Mohandas Karamchand Gandhi

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................12

VERDADE PARA FINS DESTE TRABALHO...............................................................17

CAPÍTULO I

SOBRE VERDADE E FILOSOFIA……………….....………….………..…..23

I.1 ALGUMAS CONCEPÇÕES DE VERDADE………………………………..25

I. 2. A VERDADE NA FILOSOFIA PRÉSOCRÁTICA……………….……..…..26

I. 3. A VERDADE EM SÓCRATES E PLATÃO…………………………....….30

I. 4. A VERDADE EM ARISTÓTELES…………………...……………….....33

I. 5. A VERDADE PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA…………...……..………..36

I. 6. A VERDADE DO HUMANISMO AO ILUMINISMO……...……………….40

I. 7. A VERDADE PARA KANT…………………………………...……….47

I. 8. A VERDADE NO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO....................49

I. 9. A VERDADE ENTRE O IDEALISMO E O CONVENCIONALISMO………...54

I. 10. A VERDADE DSEDE A ESCOLA DE BADEN À ESCOLA DE

FRANKFURT……………………………………………………...........…56

I. 11. A CONCEPÇÃO SEMÂNTICA DA VERDADE DE ALFRED TARSKI……..64

CAPÍTULO II

EXISTE UMA VERDADE OBJETIVA: CRÍTICA À REIFICAÇÃO DA

VERDADE.........................................................................................................68

CAPÍTULO III

SOBRE VERDADE E DIREITO…………………...………………………....78

III. 1. A VERDADE NOS TEXTOS JURÍDICOS DO DIREITO COMPARADO…...80

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III. 2. VERDADE E DIREITO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

BRASILEIRA…………………………………………………………...…87

CAPÍTULO IV

SOBRE VERDADE E CONSTITUIÇÃO…………………………………….93

IV.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E VERDADE………………………...…...93

IV.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM SUA ACEPÇÃO FORMAL E MATERIAL...93

IV.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS......................96

IV.4. A DEFINIÇÃO DO CONCEITO: QUE É, AFINAL, DIREITO

FUNDAMENTAL?.......................................................................................104

IV.5. DIREITOS FUNDAMENTAIS: CARACTERÍSTICAS NO SISTEMA

CONSTITUCIONAL......................................................................................109

IV. 6. DIREITOS FUNDAMENTAIS: FUNÇÕES NA ORDEM

CONSTITUCIONAL......................................................................................114

IV. 7. DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU REGIME NA CONSTITUIÇÃO

BRASILEIRA..............................................................................................116

IV. 8. A NORMA DO ART. 5O, § 2O, DA CONSTITUIÇÃO: ODE À MÁXIMA

PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA E A VERDADE COMO DIREITO

FUNDAMENTAL.........................................................................................118

IV.9. VERDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A INTERPRETAÇÃO

CONSTITUCIONAL: VERDADE COMO PRINCÍPIO..........................................124

CAPÍTULO V

SOBRE VERDADE E INFORMAÇÃO...........................................................134

V.1. A VERDADE NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL, O DIREITO

FUNDAMENTAL À VERDADE E A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI NO 12.

527/2011).................................................................................................134

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V.2. PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NA CLASSIFICAÇÃO E REAVALIAÇÃO DE

INFORMAÇÕES SIGILOSAS E O DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE: UMA

SUGESTÃO DE LEGE FERENDA....................................................................148

V.3. DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO

PENSAMENTO E DE INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DO EXERCÍCIO DE

IMPRENSA..................................................................................................155

CONCLUSÕES………………………………………………….……….........166

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……………………...……...…….…….176

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INTRODUÇÃO

O objetivo do trabalho proposto é demonstrar, através do estudo das

teorias filosóficas acerca do axioma verdade, que é possível estabelecer um

conceito objetivo de verdade de maneira a viabilizar a inserção desse valor no

rol dos direitos fundamentais da pessoa humana, oponível, então, ao Estado e

aos demais indivíduos.

Bem assim, é evidente a preocupação do constituinte de 1988 no sentido

de garantir ao indivíduo o acesso às informações que lhe são valiosas e

necessárias para bem conformar a existência humana.

Esse direito, por sua vez, exterioriza-se sob diversos matizes. É, por

vezes, a prerrogativa de o indivíduo ter acesso às informações e dados de

interesse geral ou privativo do solicitante (art. 5º, XIV; XXXIII; LXXII, a). Por

outras, evidencia-se diante dos princípios que regem a administração pública,

obrigada que está a atuar sob o signo da publicidade (art. 37), aspecto que ganha

contornos peculiares também na norma infraconstitucional, a garantir, por

exemplo, a publicidade dos atos processuais e das audiências na processualística

nacional.

Tem-se, então, que a Constituição brasileira cuidou de respeitar institutos

que constituem a base do Estado Democrático de Direito. Com efeito, não há

democracia se aos súditos de uma Nação lhes for obstado o acesso à informação

sobre temas relevantes para si próprios e para a coletividade. De igual modo,

estar-se-iam violando princípios democráticos e republicanos basilares fossem

os atos estatais acobertados sob o manto da dissimulação, do sigilo absoluto, o

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que nos permite bem compreender a relevância da publicidade a que estão

sujeitos.

Nesse diapasão, é de notar a tendência atual, em terras brasileiras, de se

utilizar o substantivo verdade ou o qualificativo verdadeiro em alguns debates

que envolvem a questão do acesso à informação.

Com efeito, tal fenômeno é plenamente observável no contexto das

questões que envolvem, por exemplo, os esforços da sociedade brasileira no

intuito de buscar e obter o acesso a informações e dados dos períodos

autoritários que permearam parte da história nacional recente.

Claro exemplo disso é a Lei nº 12.528/2011, que criou a chamada

“Comissão Nacional da Verdade”, com o fito de examinar e esclarecer as graves

violações de direitos humanos praticados no período compreendido entre 18 de

setembro de 1964 e a data de promulgação da Constituição Federal de 1988, de

modo a efetivar o direito à memória e à verdade histórica, bem como promover

a reconciliação nacional.

Vê-se, pois, que o tema da verdade tem merecido alguma preocupação por

parte do Poder Público. Mais, há evidente intuito em relacionar a ideia da

verdade ao instituto dos Direitos Humanos, ainda que, in casu, tal ligação se

faça no exclusivo contexto da busca pelas informações relacionadas ao período

repressivo da política brasileira, como meio de preservar a memória diante da

divulgação daquilo que efetivamente ocorreu naqueles tempos e a fim de

viabilizar uma justiça de transição.

Contudo, a análise das propostas aqui suscitadas obriga-nos a uma

indagação que parece não ter sido aventada ou considerada com o devido

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apreço: que verdade é essa de que tratam esses documentos legais? Ou, é a

verdade um conceito ou valor passível de ser definido com objetividade para, a

partir daí, ingressar na ordem jurídica como definidor de direitos e obrigações?

Não é de hoje que o problema da verdade tem sido enfrentado pela

humanidade. Já em sua Metafísica, Aristóteles reservou aprofundada análise

acerca do que significa esse valor. A partir de sua teoria da correspondência, o

Estagirita intenta definir a verdade sob os auspícios da lógica, ao enfatizar que

dizer do que é que ele é, ou dizer do que não é que ele não é, é a verdade. A

defesa de seu entendimento envolverá, ainda, os conceitos da não-contradição e

do terceiro excluído.

Assim, é seguro afirmar que a busca da verdade constitui um dos

problemas fundamentais da Filosofia, dedicada, entre outros, a situar a vida

humana sob o aspecto da verdade.

E o estudo da verdade não pode descurar da análise das diversas teorias

filosóficas, lógicas, literárias, sociológicas e jurídicas edificadas na tentativa de

melhor compreendê-la.

Desde as teorias tradicionais (teoria da correspondência, teoria da

coerência, teoria do pragmatismo), mister se faz avaliar os conceitos de verdade

– e também de mentira - para estudiosos como Sófocles, Platão, Aristóteles,

Agostinho, Maquiavel, Hugo Grocio, Friedrich Hegel, Immanuel Kant,

Friedrich Nietzsche, Karl Marx, Bertrand Russell, Peter Häberle, Alfred Tarski,

entre outros.

O estudo analítico das diversas doutrinas sobre a verdade permite-nos

cunhar a ideia de que o ser humano não pode estar privado de um direito à

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verdade como direito constitucional fundamental, passível de oposição ao Poder

Público.

Demais disso, a ideia de verdade como direito fundamental não pode estar

atrelada apenas ao contexto da garantia de acesso às informações acerca da

realidade dos períodos totalitários no País, unindo-se e limitando-se ao conceito

de “preservação da memória”.

Deve ser mais do que isso. O direito fundamental à verdade compreende-

se, a contrario sensu, da noção de que deve haver – ou efetivamente há – uma

proibição constitucional da mentira segundo a argumentação de G. Böhne, para

quem “através das mentiras, insulta-se a humanidade na pessoa do parceiro com

quem se comunica e na sua própria pessoa. Disso resulta que especialmente os

poderosos, ou seja, também os políticos, não têm um direito à mentira”1.

É de se admitir, então, que a verdade, ultrapassando os limites da

filosofia, eleva-se a princípio fundamental da ordem constitucional,

indispensável à dignidade humana e à liberdade nos Estados Democráticos de

Direito, os quais, sob a égide de uma constituição igualmente democrática, hão

de proibir a mentira, seu oposto natural.

Ainda que não se tenha a pretensão de encerrar uma doutrina estanque

sobre o tema – até porque a natureza transcendental e, por vezes, efêmera, da

verdade não nos permite fazê-lo -, o que se propõe é inseri-la em um contexto

mais abrangente, de modo a garantir o direito à verdade em todas as instâncias,

os níveis e o proceder das autoridades públicas e dos entes que exercem alguma

política, entendida esta em sua acepção primária, como exercício do poder.

1 BÖHNE apud HÄBERLE, Peter. Os problemas da verdade no Estado Constitucional . Trad. Urbano Carvelli. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008., p. 121.

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Mister que se compreenda inviável considerar o conceito de verdade

como juridicamente irrelevante, utópico, relegando-o ao plano das fórmulas

vazias sob o argumento de que careceria de objetividade e concretude. Ora,

tantos outros valores aparentemente metafísicos, transcendentais em sua

essência, foram constitucionalizados e positivados (vida, liberdade, bem estar

social, dignidade). Por que então carece a verdade da devida atenção no sistema

jusfundamental brasileiro?

O presente trabalho visa demonstrar, desse modo, que não se é possível

conceber o Estado de direito sem a busca intensiva e constante da verdade. Não

há espaço no Estado constitucional para o dito hobbesiano auctoritas non veritas

facit legem.

Objetiva o trabalho proposto demonstrar, assim, a real e efetiva existência

de um conceito objetivo de verdade capaz de permitir a positivação desse

atributo como direito fundamental de modo a balizar a atuação do Poder Público

e instituir os meios jurídicos necessários a compelir a autoridade política a atuar

sob o manto da verdade, sancionando os desvios de conduta em sentido oposto.

A ideia da verdade como direito fundamental desenvolver-se-á,

precipuamente, mediante a análise da Lei de Acesso à Informação (Lei no

12.527/2011), em especial quanto ao permissivo legal acerca do segredo, de

modo a demonstrar que a ausência do cidadão nos trâmites procedimentais para

classificação de informações e documentos, bem assim a revisão de tais

critérios, vai de encontro com os fundamentos constitucionais concernentes à

verdade, à liberdade e, por conseguinte, à dignidade da pessoa humana.

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Outrossim, far-se-á uma análise crítica da liberdade de imprensa, esta

adstrita ao dever de divulgar informação jornalística faticamente verdadeira,

limite que, se transposto, redundará na responsabilidade do emissor ante a

violação do direito fundamental à verdade, seja do indivíduo retratado, seja da

sociedade receptora da mensagem.

Concebe-se o presente trabalho sob o anseio de se provar que a verdade -

direito fundamental, princípio constitucional – é o qualificativo a nortear a

conduta daqueles que estão sob a égide da Lex Maxima e têm nela seu

pressuposto de existência e validade. É sob o pálio dessa verdade que o Estado

Constitucional prevalece.

VERDADE PARA FINS DESTE TRABALHO

A verdade que constitui o argumento fundacional deste trabalho, e

através da qual desenvolver-se-á a defesa da efetividade de um direito

fundamental que a resguarde, e bem assim demonstre que ela encerra evidente

princípio fundante no edifício constitucional, há, desde logo, por ser definida.

Essa premência, contudo, não significa seja plenamente possível estatuir

uma definição estanque, peremptória e definitiva sobre o tema. E assim o é por

diversas razões, que exigem a postura de sincera humildade com a qual se deve

avaliar a problemática aqui posta, cujo motor inicial está repleto de muitas

intenções e expectativas, nenhuma delas que se aproxime, todavia, do desejo

presunçoso de desconstruir tudo que foi dito sobre verdade ou Direito até agora,

num arremedo de falsa revolução dogmática.

Primeiramente, a plurissignificação do termo verdade já pressupõe algum

esforço exegético para surpreender a(s) ideias(s) que o conceito permite

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desenvolver, exercício que precede a outro igualmente trabalhoso: precisar os

limites sob os quais se construirá uma definição objetiva ou absoluta da

verdade. E é essa a segunda razão que evidencia a complexidade que envolve o

tema e, por conseguinte, o intento de estudá-lo.

Verdade objetiva, tal qual verdade absoluta, é expressão que não se vê

com frequência, dado o sentimento humano de que esse valor somente é

exprimível em concreto através da experiência sensorial do observador, o que,

desde logo, haveria de qualificar a verdade segundo um viés de pessoalidade.

Tal análise será melhor realizada adiante.

Não bastasse esse aspecto, é possível o estudo da verdade sob o enfoque

moral, lógico, ontológico, epistemológico, semiótico, etc. Oportuno, pois, que se

especifique sobre qual verdade este estudo pretende discorrer.

É a concepção clássica de verdade ou concepção semântica de verdade o

ponto inaugural deste trabalho. É a definição do conceito de verdade formulado

por Aristóteles, a qual o lógico Alfred Tarski precisaria mais adequadamente em

meados do século XX.

Segundo a concepção aristotélica da verdade, uma afirmação será

verdadeira se o que é dito corresponde ao que realmente se manifesta no mundo

dos fenômenos. Será falsa, se dita afirmação não guardar relação de

conformidade com o que realmente é:

[...] não pode haver um termo médio entre contraditórios, mas de um só sujeito ou devemos afirmar, ou negar qualquer predicado que seja. Isto é claro pela própria definição do verdadeiro e do falso. Falso é dizer que o que é, não é, ou que o que não é, é; verdadeiro é dizer que o que é, é, e o que não é, não é (ARISTÓTELES, 1969, p. 106).

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Aqui se tem a análise puramente ontológica da verdade, que considera o

ente em sua essência, sem digressões acerca da intenção do agente que expressa

a sentença que se pretende conhecer seja verdadeira ou falsa. É possível ao

sujeito, assim, dizer uma falsidade sem, contudo, estar mentindo, desde que

acredite estar dizendo algo que corresponda à realidade, destituído da pretensão

de enganar, iludir ou omitir. Nesse sentido, a ideia de verdade surge sob uma

concepção moral ou ética.

Paulo Klautau Filho, aludindo à Sissela Bok, faz a distinção entre as

dicotomias verdade/falsidade (domínio ontológico) e veracidade/mentira

(domínio moral) para estabelecer referenciais específicos para as questões que

envolvem a verdade. Naquele importa a relação entre dizer algo e a realidade

daquilo que se diz. Nesta, revela-se fundamental o comportamento de quem diz

algo, de modo que, se “sua intenção é iludir ou enganar, não está sendo

verdadeiro – está mentindo. Diz algo que acredita ser falso com a intenção de

que outras pessoas acreditem que seja verdade” (KLAUTAU FILHO, 2008, p.

24).

Numa concepção moral ou ética da verdade, como bem se vê, ocupa-se

menos com a relação dizer algo/realidade e mais com a intenção premeditada de

iludir que estaria na base do comportamento daquele que mente:

A essência da mentira, então, não é a verdade ou a falsidade (ontológica) da afirmação, mas a intenção consciente de enganar. Nessa linha, saber se alguém está mentindo ou não, dependerá do conhecimento de suas intenções e crenças, do que acredita ser verdadeiro ou falso. A partir da intencionalidade, Bok define a mentira como “uma mensagem intencionalmente enganosa que é ‘expressa’ (any intentionally deceptive message which is stated)” (KLAUTAU FILHO, 2008, p. 24).

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Neste trabalho ambos os domínios de verdade serão considerados. A

verdade no plano ontológico será tratada para que seja possível, através do

estudo abrangente do conceito, compreender a dimensão do termo sob uma

análise fundada na relação entre a sentença e a coisa, até para que se permita

cunhar uma definição adequada a respeito de uma verdade objetiva. No plano

moral, por seu turno, a pretensão deste estudo é avaliar a intencionalidade do

agente – público ou privado – em enganar ou iludir, acrescentando-se a estes

desvios de conduta o propósito de omitir, já que sonegar o acesso àquilo que é

verdadeiro equivale a falsear a realidade, pelo menos para fins desta pesquisa.

Efetivamente, ao se considerar o elemento humano como determinante para fins

de violação do dever de agir conforme a verdade, o ato consciente de

negligenciar parcial ou totalmente uma realidade configura idêntico golpe

àquele valor, passível de sanção adequada.

O direito à verdade que se pretende conceber, então, está vinculado a

pretensão que move o agente quando divulga determinada informação e quando

a omite. Se o faz cônscio de que a alteração dos fatos ou a omissão destes tem a

finalidade de afastar o interlocutor de conhecer a realidade e ter acesso à verdade

factual, estaremos diante de atentado ao direito fundamental à verdade.

Nesse contexto, o segredo – e o sigilo a preservá-lo – importam

sobremaneira, já que o presente estudo visa demonstrar também que o

monopólio do conhecimento de determinados fatos pelo agente público

demanda contra o direito fundamental ora defendido. Se é certo que a

Constituição de 1988 resguarda o sigilo imprescindível à segurança da sociedade

e do Estado (art. 5o., XXXIII), é igualmente verdadeiro que a eleição daquelas

informações que devam manter-se à margem do conhecimento público há de se

fundar em procedimentos que garantam a participação desta sociedade a ser

protegida e de um dos elementos desse Estado a ser resguardado: o povo.

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O direito à verdade que constitui o foco deste estudo não é (só) aquele que

se convencionou relacionar, em direito internacional, com as práticas levadas a

termo pelo poder público em períodos de violência política extraordinária, em

que pese a merecida menção que se fará à justiça transicional em

reconhecimento às origens do debate a respeito da existência de um direito à

verdade, especialmente como vetor do acesso a informações verídicas sobre

fatos e acontecimentos.

O pressuposto deste trabalho é, especificamente, o direito à verdade como

prerrogativa do indivíduo de ter acesso à informação factualmente verdadeira a

respeito de eventos que interessem a ele próprio e a coletividade, sejam estes

detidos pelo agente público e resguardados sob sigilo – cujos critérios

classificatórios hão de ser claros, justificados e conhecidos -, sejam eles objeto

de matéria jornalística que se pretende verídica.

Trata-se de um direito à verdade, no primeiro caso, que surge tanto para

complementar quanto para condicionar aquele direito previsto no art. 5o,

XXXIII, da Lei Fundamental, estabelecendo o contexto em que o acesso à

informação deve ser resguardado. Desse modo, a norma constitucional que

resguarda o acesso à informação restará plenamente cumprida se, e somente se,

houver clara demonstração de que a informação prestada é verdadeira,

corresponde à realidade do evento que descreve.

Mais ainda – e com maior ênfase – esse direito à verdade incide sobre o

comportamento do agente público, cuja mentira configura não apenas ato que

fere a moral, mas que golpeia a Constituição. Igual golpe se manifesta quando a

omissão da realidade ou seu desvirtuamento consciente impede ao indivíduo

planificar sua vida segundo um estado mínimo de segurança e liberdade. Ver-se-

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á o quanto a falsidade advoga em favor da restrição da liberdade e do cenário de

desconfiança, ambos vícios nefastos ao ambiente democrático.

Por fim, o dever de veracidade aplica-se igualmente nas relações entre os

indivíduos, especialmente naquelas em que a divulgação de informações

constituem o objeto primordial de dita relação. Nesse contexto, a divulgação de

informações jornalísticas jamais deve prescindir do reconhecimento do direito à

verdade, seja do sujeito retratado, seja da sociedade receptora da informação.

Aqui buscar-se-á demonstrar que a mentira e a dissimulação, como restrições ao

direito fundamental de informar, são imanentes, resultam da própria ideia de que

a liberdade de imprensa já nasce com a proibição de não falsear.

Conhecendo o aspecto da verdade que se busca garantir sob o manto

protetivo do respectivo direito fundamental, releva trilhar um breve caminho

sobre esse valor que tem promovido intensas reflexões no curso da evolução

humana.

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CAPÍTULO I

SOBRE VERDADE E FILOSOFIA

Ainda que se empreenda longa jornada ao redor do globo, de modo a

permitir uma breve pesquisa daquilo que move o pensamento humano nas mais

diversas culturas, provavelmente serão poucos os lugares em que a verdade não

tenha uma importância considerável.

E se essa jornada, ao invés de percorrida no espaço, o fosse na senda do

tempo, igualmente não seria fácil localizar algum momento da história em que a

busca pelo sentido daquilo que é verdadeiro tenha sido abandonada.

É parte do ser humano, desde que povoa a Terra, a necessidade de

compreensão da verdade. Tão importante quanto perquirir de onde viemos e

qual o sentido da vida, é indagar sobre o “que é a verdade”.

Paradoxalmente, em que pese tal questionamento ser tão antigo quanto a

própria existência humana, poucos parecem preparados para fornecer, real e

claramente, as razões que tornam a verdade tão importante.

Mais: poucos são capazes de exprimir em linguagem algum sentido

objetivo desse substantivo, tanto é que invariavelmente vem ele acompanhado

de um pronome possessivo capaz de personificar tudo aquilo que é verdadeiro,

relativizando o conceito e o afastando de um significado unívoco. É a minha

verdade que se contrapõe à tua verdade; é a verdade deles que contrasta com a

nossa verdade.

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Tal realidade se torna ainda mais complexa quando deparamos com o uso

desse substantivo no plural. É comum, e de certo modo aceitável, a compreensão

acerca da existência de várias verdades.

O escritor Luigi Pirandello explorou essa pluralidade na icônica obra

teatral Così è (se vi pare) (PIRANDELLO, 1917), evidenciando-a, em especial,

na parte final do Terceiro Ato, quando a Senhora Ponza parece enfatizar a

derrocada da verdade objetiva: Per me, io sono colei che mi si crede.

Eu sou aquilo que se acredita que eu seja!

Teria sido esse subjetivismo, ou essa relatividade, que inspirou Pôncio

Pilatos a sequer aguardar a resposta que porventura Jesus Cristo teria à sua

memorável pergunta: “Que é verdade?”?2

Séculos de pensamento debruçado sobre seu significado e parece não ter

havido o esforço necessário e reiterado para conceber a verdade senão sob um

viés subjetivista, incapaz de lhe atribuir concretude e infirmar as teorias que a

situam na consciência do ser cognoscente, fundindo o objeto com seu intérprete?

Havemos de percorrer alguns desses caminhos do pensamento humano

para, enfim, buscar um significado que permita à verdade libertar-se dos limites

da consciência de cada um de seus pensadores, o que contribuirá sobremaneira

para a fixação de um conceito de verdade concreto e juridicamente viável.

2 Em João 18:36 e 37 a Bíblia retrata parte do diálogo entre Jesus e Pilatos, diante dos sacerdotes judeus que exigiam sua crucificação. A certa altura Jesus afirma que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, e ao proclamar que “todo aquele que é da verdade ouve a minha voz” é interpelado pelo então governador da Judéia, que lhe faria a célebre pergunta tantas vezes repetida no curso da história.

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I.1. ALGUMAS CONCEPÇÕES DE VERDADE

Desde logo há que estabelecer alguma definição sobre o conceito de

verdade, mais afeto ao mundo da filosofia do que à realidade das ciências

jurídicas.

Com efeito, a busca da verdade constitui um dos problemas fundamentais

da Filosofia. Pode-se dizer, seguramente, que sem essa busca a Filosofia sequer

existiria. O núcleo das principais correntes filosóficas, desde os primeiros

pensadores, é situar a vida humana sob o aspecto da verdade.

Prudente, neste início, é destacar a existência de três concepções distintas

de verdade, provindas das línguas grega, latina e hebraica.

Aletheia é a verdade no idioma grego. Tem o significado daquilo que não

é oculto ou escondido. É, enfim, aquilo que se manifesta aos olhos do

observador, física e espiritualmente.

Em latim, verdade surge como veritas, com o sentido de precisão.

Relaciona-se ao rigor e à exatidão de um relato, através do qual se diz, de forma

detalhada e fidedigna, o que ocorreu em determinando momento.

No idioma hebraico, emunah é o termo que exprime a verdade, e o faz de

modo a significar confiança, razão pela qual é usualmente traduzido como fé,

derivada de uma convicção inata em algo. Assim, verdade é uma crença baseada

na esperança e na confiança, relacionadas ao porvir, àquilo que virá. Sua forma

mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais perfeita é a profecia.

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Cada umas das três ideias – aletheia, veritas e emunah – conformam o

pensamento filosófico sobre a verdade, estabelecendo distintas concepções

dependendo qual delas predomina.

Assim, se predominante é a aletheia, temos que a verdade está na

evidência, e é alcançada através dos processos inerentes à razão ou ao intelecto.

Sua raízes estão na visão intelectual e racional da realidade tal como ela é em si

mesma.

Como veritas, o alcance da verdade depende do rigor e da precisão na

busca, na medida em que, aqui, ela está vinculada ao enunciado do fato, ao

relato seu, e este, quanto mais preciso, mais próximo estará de revelar a veritas.

Quando predomina a emunah, pressupõe-se que a verdade depende de um

acordo ou pacto de confiança entre os pesquisadores, que estipulam um conjunto

de convenções universais acerca do conhecimento verdadeiro, que deve ser

respeitado por todos.

Essa divergência de sentidos decorre não só do enfoque referencial ou dos

distintos ângulos sob os quais a verdade é avaliada. É, também, a

plurissignificação do mesmo e único objeto que permite um sem número de

concepções da verdade, cujo estudo merece ser organizado temporal e

espacialmente para melhor compreensão

I.2. A VERDADE NA FILOSOFIA PRÉSOCRÁTICA

Como dito, os questionamentos sobre a verdade transitam pelo

pensamento humano há milênios, tendo ganhado especial atenção entre os

filósofos de todas as épocas.

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Já no século VI a.C., encontramos em Heráclito profícuo trabalho sobre o

que é verdadeiro.

Sob a influência da lição de Heráclito, não podemos imaginar esteja a

verdade alheia ao devir, preceito inelutável, a que tudo e todos estão sujeitos, e

que corresponde à realidade insuplantável de que as coisas do universo

caracterizam-se pela contínua passagem de um contrário ao outro.

A verdade, igualmente sujeita ao panta rhei heraclitiano é, portanto,

dialética, vez que as palavras, enfim, descrevem as coisas em sua eterna

transformação. Aquilo que aos sentidos primeiros do observador parece estático,

imóvel, com uma forma própria e determinada, é captado pelo pensamento na

máxima expressão de sua mutabilidade.

Para os Pitagóricos3 e sua filosofia matemática, o mundo não é dominado

por obscuras e indecifráveis forças. É número, que expressa ordem,

racionalidade e verdade4.

A verdade pitagórica poderia ser expressada pelo número 10, visualmente

representado pela Tetraktys5, um triângulo perfeito, formado pelos primeiros

3 Preferimos nos referir ao “pensamento pitagórico” em lugar do “filósofo Pitágoras” tendo em conta a dificuldade de se atribuir a ele a autoria dos textos que veiculam seus ensinamentos. O pensamento original de Pitágoras era essencialmente oral. As Vidas de Pitágoras não possuem credibilidade histórica, pois logo após sua morte seus seguidores já não viam em seu mestre traços humanos; era ele venerado quase que como uma divindade e sua palavra ganhou um valor oracular, a ponto de prejudicar a identificação daquilo que individualmente criou, que se confundiu com as lições de seus discípulos. É temerário falar do pensamento de Pitágoras, considerado isoladamente e com base apenas naqueles escritos, e preferível referir ao pensamento dos Pitagóricos, considerados globalmente. 4 Tal qual afirma Filolau, “todas as coisas conhecidas têm número, pois nada pode ser conhecido ou compreendido sem número (...) Jamais a mentira sopra contra o número” (KAHN, 2007, p. 44). 5 Na tetraktys estão contidos igualmente os pares (quatro pares: 2, 4, 6 e 8) e os ímpares (quatro ímpares: 3, 5, 7 e 9), sem que predomine uma parte. Bem assim, resultam iguais os números primos e não compostos (2, 3, 5 e 7) e os números segundos e compostos (4, 6, 8 e 9). Há, ainda, igualdade de múltiplos e submúltiplos (três submúltiplos – 2, 3 e 5; e três múltiplos deles – 6, 8 e 9). No 10 estão todas as relações numéricas (a de igualdade; a de menos-mais; a de todos os tipos de números, os lineares, os quadrados e os cúbicos – o 1

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quatro números e tendo o número 4 em cada lado. É a realidade da natureza

captada através da observação de suas formas numéricas, mediante as quais se

obtém a perfeição da verdade.

Entre os présocráticos, evidenciamos, ainda, o pensar de Parmênides, em

clara oposição à escola de Heráclito.

Um dos maiores desafios para o Eleata é a possibilidade de se distinguir o

verdadeiro conhecimento da opinião, bem como avaliar em que condições se

pode alcançar a verdade, a qual, obviamente, não pode ser e não-ser ao mesmo

tempo, como sugere Heráclito.

A primeira parte do poema Sobre a Natureza6, de Parmênides, faz uso da

instigante metáfora de uma viagem para ilustrar o processo que conduz ao

conhecimento verdadeiro. Deste fragmento temos que o percurso rumo à

verdade tem início nas casas da Noite, um bairro da cidade de Eléia que

simbolizava a escuridão em que vive o homem cujos sentidos o governam. A

viagem tem fim diante das portas do tempo, onde Parmênides, admitido com equivale ao ponto, o 2 à linha, o 3 ao triangulo, o 4 à pirâmide) e todos esses números são princípios e elementos primos das realidades a eles homogêneas. 6 “As éguas que me levam até onde o meu desejo quer chegar, / me acompanharam, depois que me conduziram e me puseram no caminho que diz muitas coisas, / que pertence à divindade e que leva por todos os lugares o homem que sabe / Fui levado para lá. Com efeito, lá me levaram prudentes éguas / puxando meu carro, e jovens indicavam o caminho. / O eixo das rodas soltava um silvo agudo, / inflamando-se - enquanto era premido por dois círculos que giravam / de uma parte e da outra -, quando apressavam o curso para acompanhar-me, / as jovens filhas do Sol, após deixar as casas da Noite, / para a luz, afastando com as mãos os véus da cabeça. / Lá está a porta dos caminhos da Noite e do Dia, / tendo nos dois extremos uma arquitrave e um limiar de pedra; / e a porta, erguida no éter, é fechada por grandes batentes. / Destes, Justiça, que muito pune, tem as chaves que abrem e fecham. / As jovens, então, dirigindo-lhe suaves palavras, / com prudência a persuadiram, a fim de que, para elas, a barra do ferrolho / sem demora tirasse da porta. / E esta, abrindo-se imediatamente / produziu grande abertura dos batentes, fazendo girar / nos gonzos, em sentido inverso, os eixos de bronze / fixados com pregos e tachos. De lá, imediatamente, através da porta, / direto pela estrada principal as jovens guiaram carro e éguas. / E a deusa me acolheu benevolente, e com sua mão tomou minha mão direita, / e começou a falar assim e me disse: / ‘Ó jovem, tu que, companheiro de imortais guias, / com as éguas que te carregam chegas à nossa moradia, / alegra-te, pois não foi sorte infausta que te levou a percorrer / este caminho - com efeito, / ele está fora do caminho percorrido pelos homens -, mas lei e justiça divinas. É preciso que aprendas tudo: / tanto o sólido coração da verdade bem redonda / como as opiniões dos mortais, nas quais não há verdadeira certeza. / E também isto aprenderás: como as coisas que aparecem / era preciso que verdadeiramente existissem, sendo todas em todo sentido’” (REALE; ANTISERI, 2003, p. 58).

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alguma dificuldade, recebe diretamente da deusa Necessidade a doutrina do Ser,

ideia central de sua filosofia.

Sinteticamente, a verdade para o filósofo de Eléia será encontrada na

razão (a senda do dia), enquanto o erro é o destino daqueles que percorrem o

caminho dos sentidos (a senda da noite):

Afasta o pensamento desse caminho de busca e que o hábito nascido de muitas experiências humanas não te force, nesse caminho, a usar o olho que não vê, o ouvido que retumba e a língua: mas, com o pensamento, julga a prova que te foi fornecida com múltiplas refutações. Um só caminho resta ao discurso: que o ser existe (REALE; ANTISERI, 2003, p. 35).

Temos ao depois, já em Protágoras, a preocupação em responder a

seguinte questão: Existe uma verdade não opinável? Talvez esse questionamento

já contenha o núcleo de sua doutrina antropocêntrica: “O homem é a medida de

todas as coisas, das que são por aquilo que são e das que não são por aquilo que

não são”7.

E sua conclusão, bastante peremptória, é no sentido de que a experiência

individual do observador é o único critério real da verdade, o que impõe a

inexistência de leis eternas e verdades objetivas. O que há são apenas opiniões,

já que o único critério é apenas o homem individual.

Contudo, alerta o sofista, essa condição fundada na relatividade de todo

juízo não pode induzir à derrocada do pensar filosófico, já que é através da

dialética – e seu característico choque de opiniões – que a melhor solução se

destaca, aquela que se mostra mais útil.

7 Esse axioma é considerado a pedra de toque da filosofia relativista ocidental. Tal negação ao critério absoluto do ser e não-ser, do verdadeiro e falso, cunhou as mais variadas teses que infirmam a existência de uma verdade objetiva, deslocando esse valor para o vasto campo da subjetividade, do relativismo e, por vezes, do niilismo.

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Pode-se afirmar, então, que o relativismo de Protágoras não está alheio de

alguma limitação, já que, além de relativista, o filósofo de Abdera é utilitarista.

Em o sendo, o homem até pode ser a medida daquilo que é verdadeiro ou falso,

mas está ele próprio mensurado pela utilidade de suas opiniões8.

Protágoras não identificou, contudo, sob quais bases seria possível

reconhecer o útil na sociedade ou na política, já que para tanto dependia de uma

análise mais aprofundada da natureza humana, missão que seria executada

posteriormente, por Sócrates.

I. 3. A VERDADE EM SÓCRATES E PLATÃO

Realmente Sócrates revolucionou a história do pensamento humano, e não

lhe é injusto o epíteto de pai da tradição filosófica ocidental. Na mesma medida

8 Tal se pode extrair deste fragmento do Teeteto, de Platão (PLATÃO, 2010, p. 234 - 235): “Pois afirmo que a verdade é como eu escrevi. Pois cada um de nós é a medida do que é e do que não é, e no entanto cada um difere infinitamente do outro: para um é uma coisa e assim aparece, a outro é e aparece outra coisa. E estou longe de negar que exista a sabedoria e o homem sábio. Mas este mesmo a quem chamo sábio é aquele de nós que, quando as coisas são e lhe aparecem más, as muda, de modo a aparecerem e serem boas. Pelo contrário, não persigas este raciocínio pelas minhas palavras, mas tenta comprender mais claramente o que digo. Recorda-te, pois, do que foi dito atrás, que, para quem está doente, aquilo que come aparece e é amargo, mas para quem está saudável aparece e é o contrário. E não é preciso fazer mais sábio nenhum dos dois - pois não é possível -, nem se deve acusar o doente de ser ignorante por ter esta opinião, nem o saudável de sábio por ter outra; mas deve-se fazer uma mudança no doente, porque é melhor o estado do outro. Do mesmo modo, também na educação se deve fazer uma mudança de um estado para outro melhor; mas o médico faz a mudança com remédios e o sofista com discursos. Por conseguinte, não fez com que o que tem uma opinião falsa tivesse posteriormente uma opinião verdadeira; pois não é possível ter opinião sobre o que não é, nem ser afectado por outra coisa que não aquela que o afecta, que será sempre verdade. Mas penso que, a quem tem uma opinião afim ao defeituoso estado de alma em que se acha, um benéfico estado de alma fará ter outras opiniões como esta, imagens a que alguns, por ignorância, chamam verdadeiras; eu chamo a umas melhores que as outras, mas não mais verdadeiras. Também aos sábios, meu caro Sócrates, estou longe de lhes chamar rãs. Chamo-lhes médicos, quando tratam os corpos, e agricultores, quando tratam as plantas. Efectivamente, afirmo que também estes causam às plantas, em vez de percepções defeituosas, quando alguma delas está fraca, percepções benéficas, saudáveis e verdadeiras. E afirmo que os oradores sábios e bons fazem com que as coisas benéficas pareçam ser justas às cidades, em vez de defeituosas. Pois aquilo que a cada cidade parece justo e belo é isso para ela, enquanto assim o determinar. Mas o sábio é aquele que faz serem e parecerem benéficas cada uma das coisas que para os outros são defeituosas. E, pela mesma ordem de ideias, também o sofista, assim, capaz de instruir os que são ensinados por ele, é sábio e merece muito dinheiro da parte dos que educa. E deste modo, uns são mais sábios que outros e ninguém tem uma opinião falsa. E também tu quer queiras, quer não, tens de aceitar ser “medida”, pois este argumento foi salvo por estas razões”.

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em que foi capaz de lançar valiosas críticas às posições céticas e relativistas dos

sofistas, foi por eles influenciado, mantendo o homem e seus dilemas no centro

da reflexão filosófica.

Daí porque, em sua maiêutica, haveria de fundar a solução dos problemas

da verdade na busca da essência do homem, já que ela está latente em todo ser

humano, podendo aflorar aos poucos através das respostas a uma série de

perguntas elementares, de uma simplicidade quase infantil, porém muito

perspicazes.

Sim, para Sócrates, a verdade já preenchia a alma humana. Prenhe desse

valor, bastava um processo obstétrico espiritual – maiêutica - para que o

discípulo pudesse trazer à luz a tal verdade9. Vemos, mais uma vez, a verdade

como aspecto interior ao homem, parte de sua própria psyché.

Platão, por seu turno, demonstrou conhecer a verdade lógica que mais

tarde seria mencionada por Aristóteles. Fê-lo em Eutidemo, sugerindo que o

falar a verdade é atributo dos nobres, dos bons (PLATÃO, 2011, 67 – 71).

Também em Crátilo, faz alusão ao discurso falso e ao discurso verdadeiro

(PLATÃO, 1987, 366 – 368). 9 “Pois, nesta minha arte de dar à luz, coexistem as outras todas que há na outra arte, diferindo não só no facto de serem homens a dar à luz e não mulheres, mas também no de tomar conta das almas e não dos corpos dos que estão a parir. E o mais importante desta nossa arte está em poder verificar completamente se o pensamento do jovem pariu uma fantasia ou mentira, ou se foi capaz de gerar também uma autêntica verdade. Pois isto é o que justamente a minha arte partilha com a das parteiras: sou incapaz de produzir saberes. Mas disso já muitos me criticaram, pois faço perguntas aos outros, enquanto eu próprio não presto declarações sobre nada, porque nada tenho de sábio; e o que criticam é verdade. A causa disso é a seguinte: o deus que me obriga a fazer nascer, impediu-me de produzir. Não sou, portanto, absolutamente nada sábio, nem tenho nenhuma descoberta que venha de mim, nascida da minha alma; mas aqueles que convivem comigo, a princípio alguns parecem de todo incapazes de aprender, mas, com o avanço do convívio, todos aqueles a quem o deus permite, é espantoso o quanto produzem, como eles próprios e os outros acham; sendo claro que nunca aprenderam nada disto por mim, mas descobriram por si próprios e deram à luz muitas e belas coisas. No entanto, o deus e eu é que fomos a causa do parto. E isto é evidente; já muitos que o ignoram e atribuem a causa a si próprios, me olharam com desprezo, e, quer por convicção própria, quer persuadidos por outros, afastaram-se mais cedo do que deviam. Depois de se afastarem, fizeram abortar as coisas que ainda restavam, por causa das más companhias e, alimentando-as mal, destruíram as que eu tinha feito nascer, preferindo a mentira e as fantasias à verdade, acabando por parecer ignorantes, tanto a si próprios, como aos outros” (PLATÃO, 2010, p. 202 - 203).

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A verdade platônica pode significar uma propriedade do ser, já que se o

ser é como deve, então é verdadeiro. Temos, aqui, uma “verdade ontológica”.

No entanto, vale lembrar que, em Platão, aquilo que “existe” jamais remete

integralmente à sua ideia. A verdade platônica só existe no mundo ideal, e todo

o verdadeiro deve ser algo imutável, idêntico consigo mesmo. É uma verdade

eterna, atemporal portanto.

Importa perquirir sobre a fonte da verdade para Platão, e, de plano,

excluímos a sensibilidade. A percepção sensível não merece fé na doutrina do

filósofo, vez que invariavelmente concluímos que os nossos sentidos percebem

as coisas diferentes do que realmente são.

A fonte da verdade só pode mesmo estar no espírito, n’alma (razão)

dissociada do corpo (sentidos), que ao aprender objetos iguais a si mesmos

apreende a verdade10.

Imperioso destacar que essa busca do espírito pela verdade é

facilitada pelo fato de este a possuir desde sempre, dada sua própria natureza

ideal. Para Platão, a alma já habitara o mundo das ideias antes de integrar o

corpo do indivíduo, o que o torna capaz de se “lembrar” dos modelos perfeitos

que outrora vivenciara em sua preexistência junto aos deuses.

10 “Siempre que ella [a alma] las observa por sí misma , entonces se orienta hacia lo puro, lo siempre existente e inmortal, que se mantiene idéntico, y, como si fuera de su misma especie se reúne con ello, en tanto que se halla consigo misma y que le es posible, y se ve libre del extravio en relación con las cosas que se mantienen idénticas y con el mismo aspecto, mientras que está en contacto con éstas” (PLATÃO, 1988, p. 70).

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I. 4. A VERDADE EM ARISTÓTELES

Em Metafísica, Aristóteles reservou aprofundada análise acerca do que

significa esse valor. Dada a importância de suas ideias para o desenvolvimento

de um conceito de verdade juridicamente possível, havemos de nos deter com

maior precisão à sua doutrina.

A partir de sua teoria da correspondência, o Estagirita intenta definir a

Verdade sob os auspícios da lógica, ao enfatizar que dizer do que é que ele é, ou

dizer do que não é que ele não é, é a verdade. Seria a verdade, então, a

adequação de determinada sentença à realidade, o que exige a perfeita

identidade entre a proposição afirmativa ou negativa de algo e a realidade por

ela referida. A defesa de seu entendimento envolverá, ainda, os conceitos da

não-contradição e terceiro excluído11. A verdade, para o filósofo, há, pois, de ser

compreendida segundo um critério lógico, em que a linguagem ganha especial

relevância (concepção semântica da verdade)12.

11 “Já dissemos o suficiente para mostrar: (1) que a mais indisputável de todas as crenças é a de que declarações contraditórias não podem ser simultaneamente verídicas; (2) as consequências que advêm da asserção contrária a esta; e (3) por que certas pessoas sustentam tal opinião. Ora, como é impossível que asserções contraditórias sejam ao mesmo tempo verdadeiras da mesma coisa, é evidente que os contrários não podem coexistir no mesmo sujeito. Efetivamente, de dois contrários um é privação não menos que contrário - privação da natureza essencial; e privação é a negação de um predicado a um gênero determinado. Se, pois, é impossível que sejam verdadeiras a um tempo a afirmação e a negação, impossível também é a coexistência de contrários no mesmo sujeito, a menos que ambos lhe pertençam sob aspectos particulares, ou um sob um aspecto particular e o outro, absolutamente. Por outro lado, não pode haver um termo médio entre contraditórios, mas de um só sujeito ou devemos afirmar, ou negar qualquer predicado que seja. Isto é claro pela própria definição do verdadeiro e do falso. Falso é dizer que o que é, não é, ou que o que não é, é; verdadeiro é dizer que o que é, e o que não é, não é; e assim, quem afirma que uma coisa é, ou que não é, estará dizendo uma verdade ou uma falsidade; mas, se houvesse um termo médio, nem do que é se diria que é, nem do que não é, que não é. E mais: o termo médio entre os contraditórios o será ou à maneira do cinzento, intermediário entre o preto e o branco, ou do que nem é homem nem cavalo, entre este e aquele. (a) Se fosse da segunda espécie, não poderia mudar-se nos extremos (pois só há mudança do não bom para o bom, e vice-versa); na verdade, porém, quando existe um termo médio vemo-lo mudar-se nos extremos. Com efeito, não há mudança a não ser para os extremos e os seus intermediários. (b) Se houvesse um verdadeiro termo médio, também deveria haver uma mudança para o branco, que não proviesse do não branco; mas isso jamais se viu” (ARISTÓTELES, 1969, p. 106-108). 12 “Como vemos, todas essas doutrinas também estão sujeitas à objeção tantas vezes repetida: que elas destroem a si mesmas. Efetivamente, quem diz que tudo é verdadeiro admite também como verdadeira a declaração contrária a essa, e, portanto, que a sua própria asserção não é verdadeira (uma vez que é negada pela asserção contrária), enquanto o que diz que tudo é falso assevera a falsidade do que ele próprio declara. E, se o primeiro executa a declaração contrária, dizendo que só ela não é verdadeira, enquanto o segundo ressalva a sua própria declaração como não sendo falsa, isso não impede que sejam forçados a postular a verdade ou falsidade de um

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Explica, ainda, que as descrições serão falsas sempre que versarem sobre

objetos não existentes, ou aplicadas a algo que não seja o seu objeto verdadeiro,

asseverando que, em certo sentido, cada coisa tem uma única descrição, que é

própria de sua essência, mas em outro sentido tem muitas, pois há alguma

identidade entre a coisa em si e quando acompanhada de um atributo.

É possível, assim, descrever o objeto tanto pela definição que lhe é

própria quanto pela definição que se atribui a outra coisa, sem que tal constitua

uma falsidade: “oito pode ser descrito como um número duplo mediante o uso

da definição de dois” (ARISTÓTELES, 1969, p. 139).

No livro IX de sua Metafísica, Aristóteles densifica seu entendimento no

sentido de que a medida da verdade é o ser ou a coisa, e não o pensamento ou

discurso: “Tu não és pálido pelo fato de pensarmos com acerto que o és, mas é

por seres pálido que dizemos a verdade quando afirmamos isso”

(ARISTÓTELES, 1969, p. 204).

número infinito de asserções, porquanto é verdadeiro o que afirma a verdade da proposição verídica, e assim por diante, indefinidamente. (...) Deixemos o ser acidental, cuja natureza já está suficientemente determinada. Mas, como o que “é” no sentido de ser verdadeiro, ou “não é” no sentido de ser falso, depende de combinação e separação, e a verdade e a falsidade conjuntamente dependem da disposição de um par de juízos contraditórios (pois o juízo verdadeiro afirma quando sujeito e predicado realmente se combinam e nega quando eles se separam, enquanto o juízo falso tem a disposição oposta; como sucede pensarmos as coisas conjunta ou separadamente, é outra questão; por ''conjunta ou separadamente" entendo pensá-las de modo que não haja sucessão nos pensamentos, mas estes constituam uma unidade); com efeito, falsidade e verdade não se encontram nas coisas: não é que o bem seja verdadeiro ou o mau, falso em si mesmo - mas no pensamento; enquanto, no que tange aos conceitos simples e às essências, falsidade e verdade não existem sequer no pensamento; - assim sendo, devemos considerar mais tarde o que cumpre discutir com respeito ao que é ou não é neste sentido. Como, porém, a combinação e a separação se encontram no pensamento e não nas coisas, e o que é neste sentido constitui uma espécie de "ser" diferente das coisas que são no sentido pleno (pois que o pensamento agrega ou separa quer a essência do sujeito, quer o fato de possuir ele qualidade, quantidade ou algum ou outro atributo), devemos deixar de lado o que “é” acidentalmente e o que “é” no sentido de ser verdadeiro. Com efeito, a causa do primeiro é indeterminada, enquanto a do segundo é alguma afecção do pensamento, e ambas se relacionam ao restante gênero do que é, não indicando a existência de qualquer classe separada de ser. Deixemos, pois, as duas, e consideremos as causas e princípios do ser em si mesmo, enquanto ser” (ARISTÓTELES, 1969, p. 109 e 146).

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O pensamento de Aristóteles mostra-se fundamental na jornada em busca

da verdade. Foi ele capaz de caracterizar com propriedade o logos apofantikós,

aquela espécie de discurso passível de ser verdadeiro ou falso, excluindo dessa

seara aquelas falas significativas, como as preces, as ordens e os pedidos.

Como visto, a verdade há de ser investigada no cerne daqueles discursos

que afirmem (katáfasis) ou neguem (apofansis) algo acerca do objeto do

conhecimento, e será revelada se reunir e manter juntas (synthesis) ou dissociar

e manter separadas (diairesis) coisas entre si relacionadas - pois o juízo

verdadeiro afirma quando sujeito e predicado realmente se combinam e nega

quando eles se separam, enquanto o juízo falso tem a disposição oposta.

A ideia corrente de que a verdade decorre da coincidência do enunciado

com o objeto descrito - verdade por correspondência - é das maiores

contribuições do pensamento aristotélico, já que esta concepção de verdade é o

fundamento para as teorias que visam outorgar concretude ao característico

aprioristicamente transcendental de tudo aquilo que é verdadeiro.

Pode-se, no entanto, afirmar que Aristóteles parte de um pressuposto

realista para definir que a verdade depende da coerência entre o discurso e o

objeto. Com efeito, é possível identificar em suas assertivas uma certa

anterioridade da verdade do objeto em relação à verdade ou inverdade do

enunciado a ele relativo, como se a verdade já latente na coisa apenas

reclamasse ser dita.

Nesse ponto de sua tese, o sujeito assume uma postura passiva: a de narrar

(ou descrever) a verdade que o objeto já manifesta, em clara oposição às ideias

do idealismo-crítico moderno, em que o mesmo sujeito cognoscente se

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posiciona diante da coisa a ser conhecida, julgando-a e, então, atribuindo-lhe

verdade.

É exatamente o que os teóricos do conhecimento – desconhecidos por

Aristóteles – fariam mais adiante, ao buscar estabelecer os meios através dos

quais um juízo interno do ser cognoscente pode concordar com os dados

perceptíveis difundidos pelo objeto cognoscível.

I. 5. A VERDADE PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA

Santo Agostinho, em sua doutrina da Iluminação Divina, pondera que a

finalidade do homem, como ser racional, é a busca da verdade. Ela (a verdade) é

definida como sendo o Verbo de Deus.

A descoberta da verdade é, em primeira e última análise, a descoberta do

homem interior: “E dizer que os homens vão admirar as encostas das

montanhas, os vastos fluxos do mar, as amplas correntes dos rios, a extensão do

oceano, o girar dos astros, e abandonam a si mesmos” (ZILLES, 2006, p. 101).

Com essas palavras, Agostinho faz crer que nenhuma resposta está no

mundo exterior, e volta as atenções ao homem, como o único caminho a ser

percorrido em busca da verdade13.

Os objetos sensoriais são percebidos pelos sentidos, e essa alteração do

corpo é apreendida pela alma que busca em seu interior – não nos sentidos

externos – a representação desses objetos, criando a sensação. Nota-se que nesse

13 “Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo, a Verdade habita no coração do homem. E se não encontras senão a tua natureza sujeita a mudanças, vai alem de ti mesmo. Em te ultrapassando, porém, não te esqueças que transcende tua alma que raciocina. Portanto, dirige-te à fonte da própria luz da razão. Aonde pode chegar, com efeito, todo bom pensador senão até a Verdade? Se a Verdade não é atingida pelo próprio raciocínio, ela é justamente, a finalidade da busca dos que raciocinam” (AGOSTINHO, p. 106-107).

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processo o corpo é passivo e a alma é ativa. A alma, ativa, julga essa sensação

de modo racional, segundo critérios de conhecimento imutáveis, perfeitos e

necessários, superiores até aos próprios objetos observados e à própria alma. Se

superiores à própria alma, tais critérios não podem ser um produto dela própria,

mas derivam de uma Lei que se chama verdade.

A verdade é, pois, objeto superior à alma, que, por sua vez, julga através

dela, mas por ela também é julgada. A verdade é a medida de todas as coisas,

inclusive da própria alma humana.

Agostinho, aqui, se aproxima de Platão, e também se distancia. Para ele,

essa verdade que captamos com o intelecto é constituída pelas Ideias, as

supremas realidades inteligíveis (rationes intelligibiles incorporalesque

rationes). No entanto, divergindo de Platão, faz das Ideias os pensamentos de

Deus e rejeita a teoria da reminiscência, substituindo-a pela da iluminação (o

que faz todo sentido no contexto do criacionismo como base da doutrina

agostiniana).

O acesso ao verdadeiro, em Agostinho, obviamente está vinculado à

assimilação do divino, e a pureza da alma torna-se condição indispensável para a

visão e fruição da verdade.

Tomás de Aquino, por seu turno, toma de empréstimo alguns aspectos da

lógica aristotélica para pensar sobre a verdade (princípio da identidade, princípio

da não-contradição, princípio do terceiro excluído), porém, defende que, além da

lógica, deve a metafísica se ocupar da verdade, posto que o mundo e as criaturas

são expressão de um projeto divino, frutos do pensamento de Deus.

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De suma importância é reconhecer que o tomismo efetivamente considera

estar a verdade tanto no objeto cognoscente quanto no intelecto:

Do mesmo modo que o bem está na coisa, enquanto ordenada ao apetite e por isso a razão da bondade passa da coisa que atrai ao apetite, de modo que o apetite se diz bom, conforme é do bem, assim também o verdadeiro, estando no intelecto à medida que ele se conforma com a coisa conhecida, é necessário que a razão de verdadeiro passe do intelecto à coisa conhecida, de modo que esta última seja dita verdadeira na medida em que tem alguma relação com o intelecto. (...) Assim como o bem tem a razão de ser atrativo, assim o verdadeiro está ordenado ao conhecimento. Ora, na medida em que uma coisa participa do ser, nessa mesma medida ela é cognoscível. Por esta razão se diz no tratado sobre a alma: “A alma é, de certo modo, tudo”, segundo o sentido e segundo o intelecto. Daí resulta que assim como o bem é convertível ao ente, assim o é o verdadeiro (AQUINO 2001, p. 358-363).

Na Suma Teológica o filósofo responde a alguns questionamentos

precisos a respeito da verdade. Nos chama a atenção dois deles, o sexto e o

oitavo. No sexto artigo Tomás intenta responder a pergunta sobre se há ou não

uma única verdade como critério de todo o verdadeiro14. Segundo essa

inteligência, o filósofo parece admitir certa relativização da verdade caso sua

compreensão estivesse restrita única e exclusivamente ao juízo particular de

14 “Solución. ‘Hay que decir’: En cierto modo una es la verdad por la que todo es verdadero, y en cierto modo no lo es. Para probarlo hay que tener presente que, cuando algo se atribuye a muchos unívocamente, aquello mismo se encuentra en cada uno propiamente, como animal se encuentra en cualquier especie de animal. Pero cuando algo se dice de muchos análogamente, aquello mismo se encuentra en uno solo de ellos propiamente, por el que son denominados todos los demás. Como sano se dice del animal, de la orina y de la medicina, no porque la salud esté en el animal sólo, sino porque por la salud del animal se llama medicina sana porque la produce, y orina sana porque la manifiesta. Y cuando la salud no está ni en la medicina ni en la orina, sin embargo, en ambas hay algo por lo que una la produce y otra la manifiesta. Se ha dicho (a.1) que la verdad está primero en el entendimiento y después en las cosas, en cuanto que están orientadas hacia el entendimiento divino. Por lo tanto, si hablamos de la verdad en cuanto que está en el entendimiento, según su propia razón, en muchos entendimientos creados hay muchas verdades; lo mismo que en un solo entendimiento si conoce muchas cosas. Por eso, la Glosa 24 al Sal. 11,2: ‘¡Cuan pocas son las verdades entre los hombres!’, etc., dice que así como por una sola cara humana resultan muchas imágenes en un espejo, así para una sola verdad divina resultan muchas verdades. Y si hablamos de la verdad según está en las cosas, todas serían verdaderas con una sola verdad, a la que cada una se asemeja según su propia entidad. De este modo, aun cuando sean muchas las esencias o formas de las cosas, sin embargo, una sola es la verdad del entendimiento divino, según la cual todas las cosas son llamadas verdaderas” (AQUINO, 2001, p. 229).

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cada indivíduo.15 Contudo, a considerar que o intelecto que apreende a verdade

estaria conectado ao divino - e para este há uma única verdade – as diversas

essências ou formas pelas quais se manifesta a coisa no intelecto decorreriam

desta única verdade, tornando-as, assim, verdadeiras.

De outro dizer, seriam verdadeiras todas as coisas enquanto consequência

de uma única verdade divina, ainda que percebidas individualmente segundo um

viés pessoal de verdade que, teoricamente, é apofântico.

Surgiria, então, o problema de comunicar a verdade aos outros, já que em

cada juízo ela se manifestará de modos distintos, mesmo que conectada ao

verdadeiro divino. No enfrentamento dessa problemática, que Tomás de Aquino

faz na Suma contra os gentios, surgem algumas digressões que nos remetem à

definição do que mais tarde seria conceituado como a verdade consensual:

Com efeito, o que é afirmado por todos é impossível ser totalmente falso. A opinião falsa é uma certa fraqueza da inteligência, como, por exemplo, um juízo falso a respeito do objeto próprio do sentido acontece por fraqueza do sentido. Ora, os defeitos são acidentais porque estão fora da inclinação da natureza. Ademais, o que é acidental não pode ser sempre e em tudo, por exemplo o juízo feito a respeito de um gosto comum não pode ser falso. Logo, o juízo que por todos é feito a respeito da verdade não pode incidir em erro. Ora, é sentença comum de todos os filósofos que do nada, nada é feito. Isto, pois, deve ser verdadeiro. (TOMÁS DE AQUINO, 1990, p. 219)

Retomando o estudo da Suma Teológica, o aspecto relativo à

imutabilidade da verdade defendida por Agostinho é assertado no oitavo artigo.

A verdade do entendimento divino é imutável, enquanto a verdade de nosso

entendimento é modificável, não porque ela própria está submetida à mutação,

mas porquanto nosso entendimento passa da verdade à falsidade em decorrência

do câmbio das formas. 15 Essa menção se faz com o conhecimento de que a teoria tomista da verdade não é relativista. A considerar que a verdade está em Deus, não haveria mesmo como Tomás de Aquino relativizá-la sem se contradizer.

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E reforça: Mas a verdade do entendimento divino, critério para se concluir

se tudo é ou não verdadeiro, é absolutamente imutável (TOMÁS DE AQUINO,

2001, p. 231).

I. 6. A VERDADE DO HUMANISMO AO ILUMINISMO

A valorização dos textos clássicos, e sua releitura sob novas luzes, traz

para a filosofia um novo sentido do homem e dos problemas decorrentes de sua

existência. O estudo da verdade, por óbvio, ganha renovado contorno.

Para alguns (Erasmo de Rotterdam) é na loucura que se é revelada a

verdade16. Para outros (Lutero), a verdade está nas Escrituras, sem

intermediações ou intermediários17.

Poucos, no entanto, foram tão comentados acerca das opiniões sobre a

verdade do que o florentino Nicolau Maquiavel. Em realidade seus escritos se

eternizaram não exatamente pelo estudo da verdade, mas pela exaltação de seu

oposto.

Com efeito, Maquiavel defende o exercício da salutar mentira, aquela

capaz de se mostrar útil, necessária e indispensável para garantir, em algumas

16 “Deuses imortais! Devo falar? Devo calar-me? E porque devo calar-me, se tudo o que quero dizer é mais verdadeiro do que a própria verdade? Ajudai-me, porém, em assunto de tão relevante importância, a me dirigir às Musas e pedir-lhes que me auxiliem, dispondo-se a vir do seu Helicão até a mim, tanto mais quanto os poetas tantas vezes cometem a indiscrição de fazê-las descer por meras frioleiras. Vinde, pois, por um instante, oh filhas de Júpiter, pois quero provar que essa sabedoria tão gabada e que enfaticamente se chama o baluarte da felicidade, só é acessível aos que são orientados pela Loucura” (ERASMO, 2002, p. 60). 17 “Nem no céu, nem na terra resta à alma outra coisa a não ser viver e ser justa, livre e cristã, segundo o Sagrado Evangelho, a palavra de Deus pregada por Cristo [...] Assim, passamos a ter certeza de que a alma pode prescindir de todas as coisas, menos da palavra de Deus, e fora a palavra de Deus nada mais pode auxiliá-la. Quando, porém, ela possui a Palavra, de nada mais necessitará, pois na Palavra ela encontrará satisfação, alimento, alegria, paz, luz, ciência, justiça, verdade, sabedoria, liberdade e todos os bens em abundância. Desse modo, lemos nos Salmos (...) que o profeta não clama por mais nada, a não ser pela Palavra de Deus” (LUTERO, 1998, p. 27).

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hipóteses, a boa gestão da coisa pública e o controle dos súditos, estes que,

destituídos de julgamento reto, vêm a verdade das aparências e pouco se ocupam

em buscar o efetivo verdadeiro18.

Havemos de considerar que Maquiavel, diferentemente do que fizeram

seus antecessores igualmente humanistas, tem por princípio uma análise

autônoma, da política para a política (iuxta propria principia), influenciado pela

realidade do poder na Florença – e em praticamente toda a Itália - do início do

século XVI. Assim, suas considerações acerca da verdade e da mentira jamais

devem ser descontextualizadas, olvidando o leitor de que foram escritas com

base e para a realidade específica de uma Itália fragmentada no poder, e que

deveria unificar-se sob a tutela de um governante ocupado tão somente a

cumprir esse desiderato, ainda que o fizesse sem demasiado respeito às leis

morais.

Mais adiante, o filósofo holandês Hugo Grócio desponta como o primeiro

grande jurista a discorrer sobre a verdade, na obra As leis da guerra e da paz, de

1625, como um tema afeto ao direito internacional.

18 “Todos reconhecem o quanto é louvável que um príncipe mantenha a palavra empenhada e viva com integridade e não com astúcia. Entretanto, por experiência, vê-se, em nossos tempos, que fizeram grandes coisas os príncipes que tiveram em pouca conta a palavra dada e souberam, com astúcia, rever a mente dos homens, superando, enfim, aqueles que se pautaram pela lealdade. (...) Assim, um príncipe prudente não pode, nem deve, guardar a palavra dada, quando isso se torna prejudicial ou quando deixam de existir as razões que o haviam levado a prometer. Se os homens fossem todos bons, este preceito não seria bom, mas, como são maus e não mantêm sua palavra para contigo, não tens também que cumprir a tua. (...) Precisa, portanto, ter o espírito preparado para voltar-se para onde lhe ordenarem os ventos da fortuna e as variações das coisas e, como disse acima, não se afastar do bem, mas saber entrar no mal, se necessário. (...) Os homens, em geral, julgam as coisas mais pelos olhos que com as mãos, porque todos podem ver, mas poucos podem sentir. Todos vêem aquilo que pareces, mas poucos sentem o que és; e estes poucos não ousam opor-se à opinião da maioria, que tem, para defende-la, a majestade do estado... Cuide pois o príncipe de vencer e manter o estado: os meios serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo está sempre voltado para as aparências e para o resultado das coisas, e não há no mundo senão o vulgo; a minoria não tem vez quando a maioria tem onde se apoiar” (MAQUIAVEL, 1996, p. 84-86). Essa submissão da minoria pela maioria - considerada uma e outra sob critério meramente quantitativo – denota a fragilidade das bases em que se apóiam os defensores da verdade pelo consenso da epistemologia habermasiana.

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No capítulo XIII do segundo livro, Grócio explana sobre o juramento,

referindo aos pensadores clássicos para apresentar um perfil claro sobre

perjuradores e mentirosos. É no primeiro capítulo do terceiro livro, contudo, que

o jurista enfrenta com maior propriedade o problema da dissimulação, ao

discorrer acerca das “regras gerais sobre o que é licito na guerra conforme o

Direito Natural”19.

Enumera, então, Hugo Grócio, pelo menos cinco situações em que se

afigura lícito mentir: (1) Dizer inverdades às crianças e doentes mentais,

inclusive para entretê-los. A considerar que estes não possuem autonomia - ou

liberdade - de juízo, não se está a ofendê-los; (2) Se o interlocutor não é

enganado pela mentira, ainda que algum terceiro o seja. Não há mentira neste

caso, pois aquele com quem se fala mantém íntegra sua liberdade, e aquele que

não participa diretamente do diálogo, e o ouve de soslaio, não pode obrigar o

emissor da mensagem que com ele não tem qualquer compromisso; (3) Se a

mentira tem por finalidade o bem daquele que a recebe, de modo que este não se

sinta prejudicado, mas, antes, beneficiado por ela, tal qual se dá no consolo ao

amigo doente que, movido pelas palavras de otimismo, ainda que inverídicas, se

sente melhor. Ou, quando se minimizam os perigos da guerra aos combatentes,

de modo a animar-lhes a alcançar a vitória – “o médico engana o enfermo, o

general o exército, o comandante aos marinheiros, e nisso não há mal algum”;

(4) Se a mentira é utilizada pelo detentor de algum poder para que através dela

prevaleça a utilidade comum; (5) Quando não há outro modo de conservar a

19 Faz, neste ponto, menção à Marco Túlio Cícero com vistas a contextualizar a importância da verdade. Essa relativização, vale ressaltar, é admissível naqueles estados de guerra, o que reveste a verdade de certo utilitarismo: “Indudablemente es demasiado cruda la frase de 'Cicerón : de toda vida pase de quitar la simulación y la disimulación. Pues no. Teniendo obligación de manifestar a otros ni todo lo que sabes ni todo lo que quieres, síguese que es Lícito disimular algunas cosas delante de algunos, es decir, cubrirlas y ocultarlas. Es licito, dice el Agustino, ocultar prudentemente la verdad bajo alguna disimulación. Y que ésta es totalmente necesaria e inevitable, principalmente para aquellos a quienes se ha encomendado la república, lo confiesa el mismo Cíceron no en un solo lugar” (GRÓCIO, 1925, p. 278).

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vida de um inocente ou livrá-lo de ser vítima de um crime grave. (GRÓCIO,

1925, Tomo III, p. 290-295).

Com Galileu Galilei, já sob um cenário de valorização do estudo e

pesquisa científicas, é a ciência que nos diz verdadeiramente como é o mundo,

permitindo uma descrição verdadeira da realidade. Só pode fazê-lo, no entanto,

se estiver em condições de distinguir fundamentalmente entre as qualidades

objetivas e as qualidades subjetivas do objeto cognoscível, descrevendo as

qualidades objetivas (publicamente observáveis) e excluindo o homem20.

A compreensão das lições de Galileu mostra-se determinante para a busca

da objetivação da realidade, pois em sua obra está a essência do método

científico, segundo o qual a verdade se prova por intermédio das experiências

sensatas e demonstrações necessárias. As primeiras são as experiências

efetivadas sob nossos sentidos; as observações executadas com nossos olhos,

por exemplo. As demonstrações necessárias, por seu turno, são as

argumentações nas quais se deduzem rigorosamente os resultados que devem ser

observados na realidade, tendo como ponto de partida uma hipótese.

Vê-se, pois, que Galileu baseia a ciência na experiência, de modo que

tudo aquilo que as experimentações e o senso nos demonstram deve servir de

pressuposto a qualquer discurso, mesmo que não pareça muito bem

fundamentado.

20 Como se nota desta passagem de Saggiatore: (...) me sinto bem arrastado pela necessidade, tão logo concebo uma matéria ou substância corpórea, concebendo tudo ao mesmo tempo que ela é acabada e figurada por esta ou aquela figura, que é pequena ou grande em relação a outras, que está neste ou naquele lugar, neste ou naquele tempo, que ela se move ou está parada, que toca ou não toca outro corpo, que ela é uma, poucas ou muitas – e por nenhuma imaginação posso separá-la dessas condições. Mas não me sinto forçado pela mente a ter de saber se ela é branca ou vermelha, amarga ou doce, surda ou muda, de bom ou mau cheiro, necessariamente acompanhada de tais condições: ao contrário, se os sentidos não a houvessem percebido, talvez o discurso ou a imaginação, por si mesma, não a alcançasse jamais (GALILEI, 1953, p. 108).

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Na experiência científica, cumpre obtemperar, o observador não assume

uma postura passiva, até porque é ele o experimentador, e não a coisa

experimentada. Suas conclusões decorrem de um juízo que combina ambos os

aspectos supra citados, os quais não surgem diante dele sponte propria. A

experiência científica, que revela a verdade, é dinâmica, questionadora e ativa.

Mais tarde Issac Newton formulou extraordinária tese metodológica que

demonstrava que a razão é limitada e controlada pela experiência, esta a lhe

impor um campo determinado de atuação. Não mais se permite que a razão

devaneie em hipóteses sobre a natureza essencial dos fenômenos. A experiência,

agora, é guia da razão.

Ambos, Galileu e Newton transmudaram o ponto de partida do pensar

filosófico, que migrava da natureza para a ciência clássica. A ciência seria,

também, a fonte da verdade.

Diante das novas perspectivas científicas a lançar luz sobre o modo

tradicional do pensar filosófico, René Descartes identifica a necessidade de se

criar um método alternativo ao sistema aristotélico, e que fosse capaz de ordenar

a experiência do saber verdadeiro e servir-lhe de fundamento.

Vale a menção ao primeiro princípio normativo fundamental do método

cartesiano, que é a regra da evidência. Reza que jamais se deve acatar como

verdadeiro aquilo que não se reconheça assim pela evidência. De outro dizer, é

preciso evitar a precipitação e a prevenção, assim como nunca se deve abranger

entre nossos juízos aquilo que não se apresente tão clara e distintamente à nossa

inteligência a ponto de excluir qualquer possibilidade de dúvida.

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E o ato pelo qual se alcança a evidência é o intuitivo ou a apreensão de

um conceito não dúbio da mente pura e atenta que nasce apenas da luz da razão

e é mais certo que a própria dedução.

Curiosamente, para Descartes a verdade surge somente após a inquietação

motivada pela dúvida. É a dúvida metódica uma passagem obrigatória para se

chegar à verdade. A partir daí, a atividade do pensar não estava mais fundada no

ser metafísico, mas na clareza e na distinção decorrentes do cogito, ergo sum.

Ora, se a verdade da existência humana está provada pelo simples fato de se

pensar clara e distintamente, todas as outras verdades estarão igualmente

fundadas nessa dupla de adjetivos, e não em outros fundamentos.

Percebe-se que a filosofia renuncia às suas bases no ser, para adotar a

doutrina do conhecimento. A filosofia se torna gnosiologia, apoiada na certeza

do que é claro e distinto a partir de um processo de intuição e dedução, o que

torna desnecessária qualquer outra explicação que se distancie desses

pressupostos. E do postulado maior: a reta razão humana, donde inclusive

derivam a clareza e a distinção da pesquisa.

Vale, por fim, referir acerca da existência de verdades evidentes, as quais,

segundo o filósofo francês, podem ser realizadas mesmo sem raciocínio, pela

simples intuição:

Por intuição entendo, não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo enganador de uma imaginação de composições inadequadas, mas o conceito da mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que compreendemos; ou então, o que é a mesma coisa, o conceito da mente pura e atenta, sem dúvida possível, que nasce apenas da luz da razão e que, por ser mais simples, é ainda mais certo do que a dedução, se bem que esta última não pode ser mal feita pelo homem, como acima observamos.Assim, cada qual pode ver pela intuição intelectual que existe, que pensa, que um triângulo é delimitado apenas por três linhas, que a esfera o é apenas

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por uma superfície, e outras coisas semelhantes, que são muito mais numerosas do que a maioria observa, porque não se dignam aplicar a mente a coisas tão fáceis (DESCARTES, 1985, p. 20).

Bem se vê que existem verdades objetivadas ou evidentes, que sequer

dependem de procedimentos complexos para sua percepção, e decorrem

unicamente da submissão da coisa à mente pura e atenta. De tão óbvia e distinta,

não suscita qualquer dúvida. Nem toda busca do que é verdadeiro passa

necessariamente por intrincado juízo, tão fácil que algumas delas se apresentam.

A possibilidade da existência da verdade, contudo, pareceria sofrer duro

golpe com o nominalismo de George Berkeley. Se não existem fatos, mas

apenas ideias, e jamais abstratas, apenas singulares, o máximo que se poderia

admitir seria a ocorrência “desta” ou “daquela” verdade, baseada

necessariamente nas impressões concretas e individuais dos sentidos .

No entanto, a própria ideia de nominalismo torna possível a concepção da

verdade:

Há algumas verdades tão familiares e óbvias à mente que um homem precisa apenas abrir os olhos para vê-las. Considero que uma delas é esta: que toda abobada celeste e tudo quanto a Terra contém – numa palavra, todos os corpos que compõem a poderosa estrutura do mundo – não possuem nenhuma existência fora de uma mente; que seu ser é ser percebido ou conhecido. E que, consequentemente, na medida em que eles não são de fato percebidos por mim, ou não existem na minha mente ou na de qualquer outro espírito criado, não devem ter absolutamente existência alguma, ou, ao contrário, existem na mente de algum espírito eterno, sendo completamente ininteligível e implicando todo o absurdo da abstração atribuir a uma parte isolada deles uma existência independente de um espírito. Para se convencer disso, o leitor precisa apenas refletir e tentar separar em seus pensamentos o ser de uma coisa sensível de seu ser percebido (BERKELEY, 2010, p. 60).

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Em sendo assim, onde houver uma mente haverá verdade, ainda que essa

verdade. Para fins de demonstração da existência do verdadeiro, tal raciocínio se

mostra suficientemente adequado, conforme veremos mais adiante.

I. 7. A VERDADE PARA KANT

A filosofia kantiana tem sua sólida fundação apoiada no terreno da moral

e da ética. Sua teoria do Direito, igualmente, é marcada pela nota dos princípios

morais, que legitimam a ciência das leis. Por certo, a verdade em Kant não

estará distante de uma ou outra.

E, nesse contexto, a proibição à mentira assume contornos axiomáticos.

Não há hipóteses que permitam ao homem faltar com a verdade, porque em

qualquer uma delas estaria agindo de modo a violar tanto um dever moral,

representado pelo imperativo categórico kantiano, quanto o direito fundamental

da liberdade do outro.

Lembremos que Kant defende a existência de um único direito inato:

A liberdade (a independência de ser constrangido pela escolha alheia), na medida em que pode coexistir com a liberdade de todo os outros de acordo com uma lei universal, é o único direito original pertencente a todos os homens em virtude da humanidade destes. Este princípio de liberdade inata implica as seguintes competências, que não são realmente distintas dela (como se fossem integrantes da divisão de algum conceito superior de direito): igualdade inata, isto é, independência de ser obrigado por outros a mais do que se pode, por sua vez, obrigá-los; daí uma qualidade humana de ser o seu próprio senhor (“sui iuris”), bem como ser um ser humano ‘irrepreensível’ (“iusti”), visto que, antes de realizar qualquer ato que afete direitos, não causou dano algum a ninguém; e, finalmente, está autorizado a fazer aos outros qualquer coisa que em si mesma não reduza o que é deles, enquanto não quiserem aceitá-la – coisas como meramente comunicar suas ideias a eles, dizendo-lhes ou prometendo-lhes algo, quer o que diga seja verdadeiro e sincero ou falso e insincero (“veriloquium aut

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falsiloquium”), pois lhe cabe inteiramente se disporem a nele acreditar ou não (KANT, 2008a, p. 83). grifamos

A lógica kantiana na qual se apóia o aforismo não mentir em toda

circunstância tem como pressuposto o maior dos direitos humanos: a liberdade.

Efetivamente, a mentira inibe a capacidade do outro quanto à percepção da

realidade do que lhe é apresentado, inspirando-o a tomar decisões ou assumir

comportamentos que não o faria caso conhecesse a verdade que lhe é omitida ou

distorcida.

A mentira, pois, saca do homem o direito que lhe é mais caro,

consubstanciado na liberdade de agir, o que somente lhe é possível caso não

esteja diante da mentira que lhe retire a capacidade de plenamente discernir e

bem fazer uso de sua prerrogativa de ser livre.

Mais ainda, a mentira, agora sob o enfoque meramente ético, é nefasta

ainda que não atinja um terceiro, pois a desonra que ela acarreta acompanha o

mentiroso em sua porção mais íntima. Saliente-se, aliás, que a mentira interna é

classificada pelo filósofo como algo ainda pior do que a mentira externa. Se

nesta o mentiroso se torna desprezível aos olhos dos outros, naquela ele se faz

ignóbil aos seus próprios olhos e viola a dignidade da humanidade em sua

própria pessoa.

E é exatamente por essa razão que Kant não mede esforços para condenar

a mentira, esta que é nada menos do que a maior violação do dever de um ser

humano consigo mesmo, e que o torna um nada existencial sem personalidade

alguma21. Ele não admite, contrariando Maquiavel, Hugo Grócio, Benjamin

21 “Pela mentira um ser humano descarta e, por assim dizer, aniquila sua dignidade como ser humano. Um ser humano que não crê ele próprio no que diz a outro (mesmo que o outro seja uma pessoa simplesmente ideal) tem mesmo menos valor do que se fosse uma mera coisa; pois uma coisa, por ser algo real e dado, possui a propriedade de seu útil, de maneira que um outro pode destina-la a algum uso. Mas a comunicação dos próprios

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Constant e tantos outros, a possibilidade de haver mentiras benéficas. Se a

pretensão do sujeito é valer-se da mentira para atingir um fim realmente bom,

esta finalidade é, por si só, verdadeiro crime contra ele próprio, e capaz de torná-

lo desprezível ao seu juízo mesmo.

A relação necessária que Kant estabelece entre verdade, liberdade e

dignidade da pessoa humana é de extremo relevo para os fins pretendidos neste

estudo, o qual aprofundar-se-á neste sentido pouco mais adiante.

I. 8. A VERDADE NO MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO

É inegável a densidade da filosofia marxista. Bem assim, sua

complexidade há de ser reconhecida, especialmente se considerarmos os

diversos aspectos da existência e das relações humanas para os quais Karl Marx

e Friedrich Engels voltaram seus estudos.

Para os fins desta pesquisa, nos importa tão somente a visão marxista

sobre a verdade e a contribuição de seus pensadores na elaboração de uma teoria

científica do conhecimento comprometida com a importante função da prática

no processo do conhecer.

O idealismo não responde adequadamente às indagações sobre a

existência dos seres, preso que está à ideia de que somente a consciência possui

existência real, e tudo o mais, incluindo o mundo material, o ser, a natureza,

existem apenas nas sensações humanas, nas percepções da mente. A filosofia

marxista do materialismo histórico-dialético advoga que a matéria, o ser, a

pensamentos a alguém através de palavras que, entretanto (intencionalmente), contêm o contrario daquilo que pensa o discursador sobre o assunto, constitui um fim diretamente oposto ao natural propósito da faculdade do discursador de comunicar seus pensamentos, e, constitui, assim, uma renúncia da parte do discursador à sua personalidade, e um tal discursador é uma mera aparência enganosa de um ser humano, e não um ser humano ele próprio” (KANT, 2008a, p. 271).

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natureza são realidades objetivas e, portanto, existem fora e independentemente

da consciência humana. A lógica se inverte: é da matéria (primária) que deriva a

sensação (secundária):

Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. No primeiro modo de considerar as coisas, parte-se da consciência como do indivíduo vivo; no segundo, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos reais, vivos, e se considera a consciência apenas como sua consciência (MARX; ENGELS, 2007, p. 94).

Enquanto o idealismo repugna a veracidade dos conhecimentos

humanos e não reconhece a verdade objetiva, vez que o mundo é repleto de

coisas em si que nunca poderão ser apreendidas pela ciência, o materialismo

filosófico marxista pressupõe que o mundo e as leis que o regem – naturais,

sociais, jurídicas, filosóficas, religiosas – são perfeitamente cognoscíveis e

comprováveis pela experiência, pela práxis, que os torna conhecimentos

verídicos22. No mesmo sentido é a crítica de Lênin, ao analisar a obra de Engels

e sua contraposição ao materialismo metafísico de Dühring23.

22 “A refutação mais contundente dessas manias, como de todas as demais manias filosóficas, é a prática, ou seja a experiência e a indústria. Se podemos demonstrar a exatidão de nosso modo de conceber um processo natural, reproduzindo-o nós mesmos, criando-o como resultado de suas próprias condições, e se, além disso, colocamo-lo a serviço de nossos próprios fins, daremos cabo da "coisa em si" inacessível de Kant. As substâncias químicas produzidas no mundo vegetal e animal continuaram sendo "coisas em si" inacessíveis até que a química orgânica começou a produzi-las umas após outras: com isso, a "coisa em si" se converteu em coisa para nós, como, por exemplo, a matéria corante da ruiva, a alizarina, que hoje já não se extrai da raiz natural daquela planta, mas se obtém do alcatrão da hulha, processo muito mais barato e mais fácil. O sistema solar de Copérnico foi durante trezentos anos uma hipótese, na qual se podia apostar cem, mil, dez mil contra um, mas, apesar de tudo, uma hipótese, até que Leverrier, com os dados tomados desse sistema, pôde calcular, não só a necessidade da existência de um planeta desconhecido, como também, o lugar em que esse planeta tinha que se encontrar no firmamento, e até que apareceu logo após Galle e descobriu efetivamente esse planeta: a partir deste momento, o sistema de Copérnico ficou demonstrado” (MARX; ENGELS, 1982, t. I, p. 409). 23 “Para ser materialista, é preciso admitir a verdade objetiva que nos é proporcionada pelos órgãos dos sentidos. É preciso admitir a verdade objetiva, isto é, independente do homem e da humanidade, e admitir, de um modo ou de outro, a verdade absoluta. Esse "de um modo ou de outro" separa o metafísico materialista Dühring do dialético materialista Engels. A propósito dos problemas mais complexos da ciência em geral ou da ciência histórica em particular, Dühring distribuía a torto e a direito as palavras: verdade acabada, definitiva, eterna. Engels motejava-o: Certamente, respondia-lhe, as verdades eternas existem, mas não é fazer prova de inteligência empregar grandes palavras (gewaltige Worte) em coisas muito simples. Para fazer progredir o materialismo, é necessário acabar com o jogo banal da verdade eterna, saber formular e resolver, em termos dialéticos, a questão das relações entre a verdade absoluta e a verdade relativa. Tal foi, há trinta anos, o objeto da pendenga Dühring—Engels. E Bogdanov, que conseguiu não observar esses esclarecimentos dados por Engels no mesmo capitulo consagrado à verdade absoluta e à verdade relativa; Bogdanov, que chegou a acusar Engels de "ecletismo" por ter admitido uma tese elementar aos olhos de todo materialista; Bogdanov apenas revelou,

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Lênin traz à lembrança o esforço de Marx e Engels em demonstrar que a

prática é o fundamento da teoria materialista e, por conseguinte, da questão

uma vez mais, sua completa ignorância do materialismo e da dialética. (...) Do ponto de vista do materialismo moderno, isto é, do marxismo, os limites da aproximação dos nossos conhecimentos em relação à verdade objetiva absoluta são historicamente relativos, mas a própria existência dessa verdade não é contestável, como não é contestável que dela nos aproximamos. Os contornos do quadro são historicamente relativos, mas não se pode contestar que esse quadro representa um modelo existente objetivamente. O fato de que nesse ou naquele momento, nessas ou naquelas condições, temos progredido em nosso conhecimento da natureza das coisas a ponto de descobrirmos a alizarina no alcatrão da hulha ou de descobrirmos os eléctrons no átomo, é historicamente relativo, mas o que em absoluto não é relativo é que toda descoberta desse gênero constitui um progresso do "conhecimento objetivo absoluto". Numa palavra, toda ideologia é historicamente relativa, mas é fato absoluto que a cada ideologia científica (contrariamente ao que acontece, por exemplo, com a ideologia religiosa) corresponde uma verdade objetiva, uma natureza absoluta. Essa distinção entre a verdade absoluta e a verdade relativa é vaga, dirão. Responderei: é precisamente bastante "vaga" para impedir a ciência de tornar-se um dogma no pior sentido dessa palavra, uma coisa morta, congelada, ossificada; mas também é bastante precisa para traçar entre nós e o fideísmo, o agnosticismo, o idealismo filosófico, a sofistica dos discípulos de Hume e de Kant, uma linha de demarcação decisiva e indestrutível. Existe aqui um limite que não observastes, e, por não o terdes observado, caístes no pântano da filosofia reacionária. É o limite entre o materialismo dialético e o relativismo” (LENINE, 1975, p. 161-165). Tradução livre, a partir da edição espanhola, do original: “El ejemplo elegido por Engels es de una simplicidad elemental, y cada cual podrá encontrar sin trabajo decenas de ejemplos semejantes de verdades que son eternas y absolutas, de las que no es permitido dudar más que a los locos (como dice Engels, al dar este otro ejemplo: "París está en Francia"). ¿Porqué habla aquí Engels de "trivialidades"? Por que refuta y ridiculiza al materialista dogmático y metafísico Dühring, que no supo aplicar la dialéctica a la cuestión de la relación entre la verdad absoluta y la verdad relativa. Ser materialista significa reconocer la verdad objetiva, que nos es descubierta por los órganos de los sentidos. Reconocer la verdad objetiva, es decir, independiente del hombre y de la humanidad, significa admitir de una manera o de otra la verdad absoluta. Y este "de una manera o de otra", precisamente, es lo que distingue al materialista-metafísico Dühring del materialista-dialéctico Engels. A propósito de las más complejas cuestiones de la ciencia en general y de la ciencia histórica en particular, prodigó Dühring a diestra y siniestra estas palabras: la verdad última, definitiva, eterna. Engels lo ridiculizó: Es cierto -- respondía éste -- que existen las verdades eternas, pero no es dar pruebas de inteligencia emplear palabras altisonantes (gewaltige Worte) para cosas sencillas. Para hacer progresar el materialismo, hace falta acabar con el juego trivial de estas palabras: la verdad eterna, hace falta saber plantear y resolver dialécticamente la cuestión de la correlación entre la verdad absoluta y la verdad relativa. Tal fue hace treinta años el motivo de la lucha entre Dühring y Engels. Y Bogdánov, que se las ha ingeniado para "no advertir" esas aclaraciones a la cuestión de la verdad absoluta y la verdad relativa dadas por Engels en el mismo capítulo, Bogdánov, que ha llegado a acusar a Engels de "eclecticismo" por haber admitido una tesis elemental para cualquier materialismo, Bogdánov no ha hecho otra cosa que revelar una vez más su absoluta ignorancia del materialismo y de la dialéctica (...) Desde el punto de vista del materialismo moderno, es decir, del marxismo, son históricamente condicionales los límites de la aproximación de nuestros conocimientos a la verdad objetiva, absoluta, pero es incondicional la existencia de esta verdad, es una cosa incondicional que nos aproximamos a ella. Son históricamente condicionales los contornos del cuadro, pero es una cosa incondicional que este cuadro representa un modelo objetivamente existente. Es históricamente condicional cuándo y en qué condiciones hemos progresado en nuestro conocimiento de la esencia de las cosas hasta descubrir la alizarina en el alquitrán de hulla o hasta descubrir los electrones en el átomo, pero es incondicional el que cada uno de estos descubrimientos es un progreso del "conocimiento incondicionalmente objetivo". En una palabra, toda ideología es históricamente condicional, pero es incondicional que a toda ideología científica (a diferencia, por ejemplo, de la ideología religiosa) corresponde una verdad objetiva, una naturaleza absoluta, Diréis: esta distinción entre la verdad absoluta y la verdad relativa es imprecisa. Y yo os contestaré: justamente es lo bastante "imprecisa" para impedir que la ciencia se convierta en un dogma en el mal sentido de esta palabra, en una cosa muerta, paralizada, osificada; pero, al mismo tiempo, es lo bastante "precisa" para deslindar los campos del modo más resuelto e irrevocable entre nosotros y el fideísmo, el agnosticismo, el idealismo filosófico y la sofística de los adeptos de Hume y de Kant Hay aquí un límite que no habéis notado, y no habiéndolo notado, habéis caído en el fango de la filosofía reaccionaria. Es el límite entre el materialismo dialéctico y el relativismo”.

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acerca da correspondência da verdade objetiva em relação ao pensamento

humano:

A concepção da prática, da vida, deve ser a concepção fundamental da teoria do conhecimento. Afastando do seu caminho as elucubrações intermináveis da escolástica professoral, conduz infalivelmente, em linha reta, ao materialismo. É certo que não se deve esquecer que o critério da prática nunca pode, no fundo, confirmar ou refutar completamente uma ideia humana; qualquer que seja. Esse critério é, igualmente, bastante para não permitir que os conhecimentos humanos se tornem ‘absolutos’; é, entretanto, suficientemente determinado para permitir uma luta implacável contra todas as variedades do idealismo e do agnosticismo. Se o que nossa prática confirma é a verdade objetiva única, final, conclui-se que o único rumo que conduz a essa verdade é o da ciência baseada na concepção materialista. (...) A única conclusão que se pode tirar da opinião, partilhada pelos marxistas, de que a teoria de Marx é uma verdade objetiva é a seguinte: baseando-nos na teoria de Marx, cada vez mais nos aproximamos da verdade objetiva (sem, entretanto, nunca a esgotar); qualquer outro caminho que sigamos, nos conduzirá, ao contrário, tão somente ao erro e à confusão. (LENINE, 1975, p. 174).24

E, efetivamente, a crença de Marx, nesse aspecto, funda-se na certeza de

que a atividade prática, e, mais ainda, a atividade produtiva dos homens, é

fundamento e fim de todo o processo do conhecimento, revelando-se como

critério decisivo da verdade. Seu pensamento, enfático, é trazido na II Tese

sobre Feuerbach:

A questão de saber se o pensamento humano pertence a verdade objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão ‘prática’. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a

24 Tradução livre, a partir da edição espanhola, do original: “El punto de vista de la vida, de la práctica debe ser el punto de vista primero y fundamental de la teoría del conocimiento. Y conduce infaliblemente al materialismo, apartando desde el comienzo mismo las elucubraciones interminables de la escolástica profesoral. Naturalmente, no hay que olvidar aquí que el criterio de la práctica no puede nunca, en el fondo, confirmar o refutar completamente una representación humana cualquiera que sea. Este criterio también es lo bastante "impreciso" para no permitir a los conocimientos del hombre convertirse en algo "absoluto"; pero, al mismo tiempo, es lo bastante preciso para sostener una lucha implacable contra todas las variedades del idealismo y del agnosticismo. Si lo que confirma nuestra práctica es la verdad única, última, objetiva, de ello se desprende el reconocimiento del camino de la ciencia, que se mantiene en el punto de vista materialista, como el único camino conducente a esta verdad (...) La única conclusión que se puede sacar de la opinión, compartida por los marxistas, de que la teoría de Marx es una verdad objetiva, es la siguiente: yendo por la senda de la teoría de Marx, nos aproximaremos cada vez más a la verdad objetiva (sin alcanzarla nunca en su totalidad); yendo, en cambio, por cualquier otra senda, no podemos llegar más que a la confusión y la mentira”.

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realidade e o poder, o carácter terreno de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente ‘escolástica’. (MARX, 1982, p. 32)

Assim, é a prática o critério de prova da verdade, de modo que não há

como se atingir o verdadeiro por meio de enunciações puramente teóricas e

nelas buscar fundar a origem desse qualificativo.

Se em outras áreas do conhecimento o termo prático possa ter adquirido

sentido depreciativo, correlato ao pragmatismo utilitarista da busca de vantagens

sob qualquer condição, na filosofia marxista a práxis é o conjunto de atividades

materiais e produtivas executadas pelo homem com a finalidade de

transformação do mundo fenomênico em todos os seus aspectos: os filósofos têm

apenas ‘interpretado’ o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é

‘transformá-lo’ (MARX; ENGELS 1982, p. 33).

Nesse contexto, a prova através da prática e da realidade é o único critério

válido da verdade. Assim, as teorias ou hipóteses que não podem ser

confirmadas pela prática, pela realidade e experiência, são inverossímeis.

Há de se reconhecer, entretanto, que nem tudo pode ser submetido à

provação prática, sob pena de refrear-se a própria evolução do conhecimento

humano, ante os evidentes inconvenientes fáticos da necessidade de se provar

toda a realidade, especialmente naquelas hipóteses em que tal comprovação se

evidencia custosa ou impossível. Nesses casos, faz-se necessário confirmar a

verdade de determinada ideia, teoria ou alegação sob o critério da demonstração

lógica, em que alguns juízos previamente demonstrados pela práxis funcionam

de fundamentação a outros carentes de plena comprovação.

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Nessas hipóteses a prática ainda atua, mas de modo mediato, derivada das

bases primeiras as quais a ciência faz uso, tais como os axiomas, definições, leis

da natureza, teorias da sociedade, etc, nas quais a verdade tenha sido

aprioristicamente demonstrada pela atividade humana. Nas ciências jurídicas

pode-se conceber que as fontes do Direito compõem essas bases primeiras, de

modo que a verdade se demonstra da conformação lógica entre tais fontes e a

realidade sob análise.

I. 9. A VERDADE ENTRE O IDEALISMO E O CONVENCIONALISMO

A controversa filosofia de Arthur Schopenhauer, manifestamente

influenciada pelas ideias da espiritualidade oriental – budismo e hinduísmo –

mostra-se um campo profícuo para os estudos da verdade em oposição aos

materialistas, realistas e idealistas (ainda que ele próprio veja no idealismo a

melhor teoria, desde que depurada dos absurdos dos filósofos das

Universidades).

Tudo o que conhecemos sobre o mundo é puro fenômeno. Uma ilusão

condicionada pelos esquemas de espaço, tempo e causa-efeito radicados na

mente do ser cognoscente. Forçoso, pois, que todo conhecimento seja

essencialmente uma construção mental, uma representação25. A verdade do

schopenhauerismo está diretamente vinculada a esta representação dos 25 “‘O mundo é a minha representação’: esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o homem possa trazê-la à consciência refletida e abstrata. E de fato o faz. Então nele aparece a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece sol algum e terra alguma, mas sempre apenas um olho que vê um sol, uma mão que toca uma terra. Que o mundo a cerca-lo existe apenas como representação, isto é, tão-somente em relação a outrem, aquele que representa, ou seja, ele mesmo – Se alguma verdade pode ser expressa a priori, é essa, pois é uma asserção da forma de toda experiência possível e imaginável, mais universal que qualquer outra, que tempo, espaço e causalidade, pois todas essas já a pressupõem. (...) Verddae alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é tão somente objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra, representação. Naturalmente isso vale tanto para o presente quanto para o passado e o futuro, tanto para o próximo quanto para o distante, pois é aplicável até mesmo ao tempo, bem como ao espaço, unicamente nos quais tudo se diferencia. Tudo o que pertence e pode pertencer ao mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo sujeito, existindo apenas para este. O mundo é representação” (SCHOPENHAUER, 2005, p. 43).

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fenômenos que se constrói na mente de cada sujeito segundo os esquemas

preordenados da consciência. Não pode ser objetiva, portanto.

Digna de nota é a tese do convencionalismo moderado de Henri Poincaré,

para o qual labora em enorme equívoco aqueles que, tal qual Édouard Le Roy26,

fiam-se na certeza de que não podemos conhecer nada. As leis e teorias

científicas tem caráter convencional, donde mostra-se inútil sua verificação ou

controle tendente a demonstrar alguma objetividade.

Poincaré, ao revés, atesta que a ciência é norma de ação que tem êxito, ou

seja, para que as receitas científicas possuam valor como norma de ação, é

necessário que saibamos que elas terão êxito quando demonstradas. E saber que

terão êxito é saber alguma coisa, o que contradiz o princípio de que nada

sabemos. O cientista não cria os fatos, pois estes existem em estado bruto. Não

pode haver ciência sem fato científico, nem fato científico sem fato bruto. O que

o pesquisador faz é intervir ativamente, escolhendo os fatos que merecem ser

observados.

Essa escolha dos fatos é fruto da atividade livre do cientista, cujos

resultados são passíveis de controle empírico, já que a experiência é a única

fonte da verdade, segundo o pensador. Todas as hipóteses, bem assim, devem

ser submetidas a verificação. Se aprovada, prevalece; se não, deve ser

abandonada. (POINCARÉ, 2011,p. 131)

26 O espiritualista ligado ao modernismo apresentou suas ideias em obras como Ciência e filosofia, de 1899; A ciência positiva e a filosofia da liberdade, de 1900; Um novo positivismo, de 1901; Dogma e crítica, de 1906.

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I. 10. A VERDADE DESDE A ESCOLA DE BADEN À ESCOLA DE FRANKFURT

O neocriticismo teve por inspiração as ideias de Kant, com vistas a

repropor, na segunda metade do século XIX, uma filosofia descomprometida

com a metafísica, e intentada à avaliação das condições de validade da ciência,

da moral, da religião e outros conhecimentos humanos.

A Escola de Baden é umas da grandes referências da filosofia

neocriticista, e nela destacamos o pensamento de Heinrich Rickert acerca do

conhecimento sob o valor de verdade.

Em seus estudos de filosofia como teoria dos valores em simbiose com a

investigação filosófica, desenvolve grande contribuição ao conhecimento do

verdadeiro.

Segundo Rickert, conhecer é julgar. O conhecimento pressupõe o

julgamento da realidade, a qual aceitamos ou rejeitamos, aprovamos ou

reprovamos, e tal exige o reconhecimento de um dever ser prévio, fincado na

base do conhecimento. Sem o dever ser não há juízo, e negar este critério de

avaliação redundaria na negativa do próprio juízo que busca nulificá-lo

(REALE; ANTISERI, 2005, p. 25).

Assim, o juízo não será verdadeiro quando limita-se a expressar o ser das

coisas, mas, acima de tudo, quando consiste numa representação do dever ser.

Este dever ser, estes valores e estas normas, por seu turno, são transcendentes

em relação ao consciente empírico.

Mais adiante, agora no pragmatismo empírico radical de William James,

temos que será verdadeiro aquilo que é parte de nossa experiência e enquanto

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seja capaz de nos auxiliar a obter relação satisfatória com as outras partes de

nossas experiências.

Aflora, aqui, o sentido pragmático da verdade, identificada com sua

capacidade de operar, com sua utilidade em permitir a evolução da condição

vital do homem. É a verdade instrumental, que só faz sentido se considerada

como meio – e não fim – para outras satisfações vitais27.

Mais adiante, o conceito de verdade seria objeto de análise da filosofia

hermenêutica de Hans Georg Gadamer em seu icônico Verdade e Método, onde

propõe uma leitura interpretativa desse valor sob os auspícios do círculo

hermenêutico.

Entende que a ocultação e o velamento são intrínsecos à ação e ao falar

humanos, vez que o discurso não transmite apenas a verdade, mas conhece

igualmente o engano, a aparência, a simulação e o erro. Há uma correlação

natural, pois, entre o verdadeiro e o discurso verdadeiro, e a desocultação da

coisa, vem à fala no desvelamento da proposição.

No fundo, a investigação sobre a verdade pressupõe muito mais do que

seu simples reconhecimento, encobrimento e esquecimento, mas a certeza de

que estamos sempre presos nos limites de nossa situação hermenêutica e, mais

ainda, de nossos preconceitos e de tudo aquilo que cerca as enunciações 27 “Everywhere, these teachers say, 'truth' in our ideas and beliefs means the same thing that it means in science. It means, they say, nothing but this, that ideas (which themselves are but parts of our experience) become true just in so far as they help us to get into satisfactory relation with other parts of our experience, to summarize them and get about among them by conceptual short-cuts instead of following the interminable succession of particular phenomena. Any idea upon which we can ride, so to speak; any idea that will carry us prosperously from any one part of our experience to any other part, linking things satisfactorily, working securely, simplifying, saving labor; is true for just so much, true in so far forth, true instrumentally. This is the 'instrumental' view of truth taught so successfully at Chicago, the view that truth in our ideas means their power to 'work,' promulgated so brilliantly at Oxford. (...) We live in a world of realities that can be infinitely useful or infinitely harmful. Ideas that tell us which of them to expect count as the true ideas in all this primary sphere of verification, and the pursuit of such ideas is a primary human duty. The possession of truth, so far from being here an end in itself, is only a preliminary means towards other vital satisfactions” (JAMES, 1907, p. 18-58).

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estudadas e o contexto em que existem, especialmente sua motivação, a

pergunta que move a investigação (GADAMER, 2009, p. 67).

E, salientado a importância da filosofia da linguagem, sustenta que o

modo de ser de uma coisa só se expressa quando falamos sobre ela. Por

conseguinte, aquilo que entendemos por verdade, desocultação das coisas, tem

sua própria temporalidade e historicidade e em todo nosso esforço para

encontrar a verdade descobrimos que ela resulta da interpelação, da resposta, e

do caráter comum do consenso obtido28.

Na mesma toada hermenêutica, a verdade aparece em absoluta relação

existencial com a pessoa na filosofia de Luigi Pareyson. É o homem, assim,

enquanto ser interpretante, órgão da verdade.

Para Pareyson, a ideia de interpretação se exprime na solidariedade

original que há entre pessoa e verdade. A pessoa individual torna-se órgão

revelador da verdade, e jamais se sobrepõe a ela29.

Em sua doutrina há a exata noção de que, se o homem é instrumento

revelador da verdade, esta jamais estará, em sua totalidade e definitivamente,

aprisionada à uma perspectiva interpretativa individualizada.

A verdade, enfim, é um impulso humano, o fundamento e a base de sua

razão. Forçoso admitir, então, que não pode ser reduzida a resultado de um

28 “O mais admirável, porém, na essência da linguagem e do dialogo é que eu próprio não estou ligado ao que penso quando falo com outras pessoas sobre algo, e que nenhum de nós abarca toda a verdade em seu pensar, mas que a verdade no seu todo, no entanto, pode abarcar a todos nós em nosso pensar individual. Uma hermenêutica adequada à nossa existência histórica deveria assumir a tarefa de desenvolver as relações semânticas entre linguagem e dialogo, que os atingem e ultrapassam” (GADAMER, 2009, p. 71). 29 “Toda relação humana, que se trate do conhecer ou do agir, do acesso à arte ou das relações entre pessoas, do saber histórico ou da meditação filosófica, sempre tem um caráter interpretativo. Isso não ocorreria se a interpretação não fosse em si originária: ela qualifica tal relação com o ser em que reside o próprio ser do homem; nela se manifesta a primigênia solidariedade do ser com a verdade” (PAREYSON, 2005, p. 3).

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processo de investigação, em que a verdade não reside na sua origem

epistemológica e científica, mas em sua raiz ontológica30.

O pensamento do filósofo piemontês importa para os fins do presente

trabalho, acima de tudo, quando explora a relevância da verdade como processo,

e não necessariamente como produto. Um direito fundamental à verdade que se

pretenda efetivo está relacionado tanto ao acesso à informação faticamente

verdadeira (finalidade/produto), quanto ao direito de buscá-la segundo métodos

que garantam esse acesso (meio/processo).

Seguindo no trânsito da importância da realidade comunicativa para a

filosofia, releva destacar o movimento do giro linguístico empreendido em

meados do século XX, que tem em Bertrand Russel31 e Ludwig Wittgenstein a

sua expressão mais representativa.

Segundo Russel, há de se observar três aspectos na tentativa de descobrir

a natureza da verdade: (1) a teoria da verdade válida é aquela que reconhece o

seu oposto, a falsidade32; (2) verdade e falsidade, como aspectos correlativos, só

podem existir onde há crença, pois num mundo de mera matéria teremos apenas

30 “Não é preciso esquecer que o verdadeiro pensamento, o pensamento digno desse nome, é, antes de tudo, pensamento do ser, e, precisamente de ser tal, deriva a sua virtualidade prática e sua eficácia histórica: por um lado, unidade originária de teoria e práxis, anterior à sua divisão, portanto à contraposição ou redução de uma à outra; e por outro lado, pensamento autêntico, preocupado com aquilo que é o seu princípio e a sua origem, isto é, com a sua radicação ontológica e com seu caráter revelativo, e, por isso mesmo, capaz de dirigir e fecundar a experiência e dominar e transformar a situação. Finalmente, a verdade não pode ser entendida em sentido objetivo e puramente meta-histórico: por um lado, ela não é objeto mas origem do pensamento, não resultado mas princípio da razão, não conteúdo mas fonte dos conteúdos; por outro lado, ela só se oferece no interior de uma interpretação histórica e pessoal que já a formula de um determinado modo, com o qual ela se identifica a cada vez, sem nele se exaurir ou a ele se reduzir, inseparável da vida de acesso através da qual é atingida e, por conseguinte, da forma histórica em que se apresenta no tempo” (PAREYSON, 2005, p. 3-4). 31 Bertrand Russell é reconhecido como um dos fundadores da filosofia analítica, que dominou o pensamento anglo-americano, ainda que atualmente seja menos citado do que outros pensadores que, contudo, trabalham sob a estrutura teórica que ele estabeleceu, mormente a partir de sua Teoria das Descrições, que influiu fortemente a doutrina filosófica da linguagem 32 Nota-se clara a influência do universo dicotômico, fundando na guerra dos contrários, que identifica o pensamento heraclitiano.

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fatos; (3) apesar disso, a verdade ou falsidade de uma crença depende sempre de

algo contido fora da própria crença, na relação das crenças com outras coisas.

Russell refuta a ideia de verdade por coerência, que classifica a falsidade

como aquilo que não possui coesão no corpo de nossas crenças, a uma porque

não é razoável supor que exista apenas um corpo coerente de crenças que possa

respaldar a verdade nesse sistema, sendo perfeitamente possível a coexistência

de duas hipóteses absolutamente opostas que sejam capazes de dar conta de

todos os fatos.

A duas, porque o próprio significado de coerência pressupõe a verdade das

leis da lógica, as quais elas próprias não podem ser estabelecidas pelo mesmo

teste da coerência. (RUSSELL, 1912, p. 192)

Resta, pois, reconhecer alguma validade ao critério de verdade por

correspondência com fatos, sendo imperioso definir precisamente o que é o fato

e qual a natureza de correspondência que há de prevalecer entre crença e fato

para que aquela seja verdadeira.

Tem-se presente, aqui, a necessidade de perquirir pelos requisitos antes

analisados, para que a teoria da verdade permita que a verdade tenha um oposto

falso e seja uma propriedade de crenças que dependa completamente da relação

destas crenças com as coisas exteriores.

Dada a necessidade de se permitir a existência da falsidade, não é possível

encarar a crença como uma relação da mente com o objeto que se acredita real e

nada mais. De fato, a crença ou juízo é em si uma relação, consubstanciada no

acreditar ou ajuizar, que relaciona a mente com várias outras coisas além de si

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própria. Qualquer que seja o ato de ajuizar há uma mente que ajuíza, e há termos

com relação aos quais ela (a mente) ajuíza.

E, cumpre lembrar, verdade e falsidade se manifestam como propriedades

extrínsecas de crenças, pois a condição de verdade de uma crença é algo que

nada tem a ver com crenças, mas com os objetos da crença. A mente que

acredita verdadeiramente o faz porque existe um complexo correspondente que

não envolve a mente, mas tão somente seus objetos.

É essa correspondência que assegura a verdade, sendo a falsidade fruto da

ausência dela, o que implica em afirmar que as crenças dependem das mentes

para a sua existência, mas não para a sua verdade.

É seguro dizer, nessa toada, que as mentes não criam a verdade ou a

falsidade. Aquilo que as mentes criam são as crenças, as quais não pode torná-

las verdadeiras ou falsas. O que torna uma crença verdadeira é um fato que não

envolve de nenhuma maneira a mente daquele que crê.

Transitando ainda nos caminhos da virada lingüística, e reservando ainda

maior atenção à linguagem, Ludwig Wittgenstein protagoniza importante

(r)evolução na filosofia. Não é demais reconhecer – o que se faz com grande

respeito aos demais filósofos da linguagem - que as teorias filosóficas poderiam

ser resumidas cronologicamente com base em três grandes paradigmas: a

filosofia do ser, especialmente a partir de Sócrates; a filosofia da consciência,

desde Kant; e, a filosofia da linguagem, a partir de Wittgenstein.

Com ele, e seu Tractatus logico-philosophicus, a linguagem deixa de ser

unicamente um instrumento de comunicação do conhecimento para ser a própria

condição de possibilidade para constituição do próprio conhecimento. A teoria

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do conhecimento se afasta da relação entre sujeito e objeto para se ater a relação

entre linguagens.

A proposta central de sua obra é que a linguagem representa

projetivamente o mundo e a cada elemento da realidade corresponde um

elemento da linguagem. Tal impõe o fim do mundo “em si”, dissociado da

linguagem, e que por ela possa ser captado. Deixa de fazer sentido analisar a

correspondência entre a linguagem e o objeto, uma vez que este é criado por

aquela.

Mais do que isso, o Tractatus define que é a linguagem do indivíduo, no

seu sentido mais estrito, aquela que representa o mundo. Essa homenagem ao

solipsismo se revela claramente em seus escritos:

“Os limites de minha linguagem” denotam os limites de meu mundo (...) Que o mundo é o “meu” mundo, isto se mostra porque os limites “da” linguagem (da linguagem que somente eu compreendo) denotam os limites de “meu” mundo (...) Sou meu mundo (WITTGENSTEIN, 1968, p. 111).

Se, pois, o mundo está adstrito aos limites da linguagem do ser pensante,

igualmente o estará a verdade. Ela se dá pela relação entre linguagens. A

semântica do Tractatus busca estabelecer as regras que permitem a associação

entre os conteúdos da realidade e as representações linguísticas, de modo que, se

o estado de coisas descrito pela linguagem existe, estaremos diante da verdade;

se não existem, a proposição é falsa.

A teoria da verdade que deflui da primeira fase do pensamento de

Wittgenstein não deixa de ser a verdade como correspondência, em que o

significado da palavra é o objeto que ela nomeia.

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Tal concepção wittgeinsteiniana da verdade seria objeto de revisão na

segunda fase do pensamento filosófico do autor. Com efeito, em Investigações

Filosóficas, abranda-se o conceito de que a verdade resulta de uma isomorfia

entre linguagem e mundo, para prevalecer o entendimento de que o verdadeiro

reside na compreensão daquilo que as pessoas dizem para podermos julgar se

estão ou não falando a verdade. Continua a ser uma visão de verdade sob a

teoria da correspondência, mas, agora, como correlação, com certo viés

pragmático33.

Caminhando no entreguerras, releva destacar a Teoria Crítica da

Sociedade empreendida pela Escola de Frankfurt, e sua contribuição sobre as

investigações a respeito da verdade.

E as questões que envolvem a verdade povoam a mente de Theodor

Adorno, um dos expoentes dessa linha filosófica. Segundo sua teoria, a verdade

consiste exatamente no oposto do que a sociedade impõe e deseja, encontra-se,

assim, fora do tom estabelecido pela sociedade: é atonal.

Para Adorno, a verdade não reside na coisa ou objeto cognoscível, tão

pouco no conceito ou no sujeito cognoscente. Ela estaria no campo quase

indeterminado entre o sujeito e o objeto.

Por sua vez, Jürgen Habermas empreende valiosas pesquisas no campo da

verdade e, ainda que não tenha participado da fundação da Escola de Frankfurt,

é seu herdeiro direito, e por atualizar o fundamento dessa teoria crítica, suas

definições serão conhecidas desde logo.

33 “Assim você está dizendo, portanto, que a concordância entre os homens decide o que é certo e o que é errado? – Certo e errado é o que os homens ‘dizem’; e os homens estão concordes na ‘linguagem’. Isto não é uma concordância de opiniões mas de forma de vida” (WITTGENESTEIN, 2009, p. 123).

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A verdade, para Habermas, se manifesta como inserção inquebrantável de

uma sentença no contexto geral da realidade em que está inserida. De outro

dizer, haverá verdade quando presente o consenso no discurso dos participantes,

sob a ideia orientadora de um dialogismo livre e universal.

I. 11. A CONCEPÇÃO SEMÂNTICA DA VERDADE DE ALFRED TARSKI

O lógico e matemático polonês Alfred Tarski dedicou parte de seus

estudos a comprovar ser destituído de fundamento o ceticismo sobre a

possibilidade de se estruturar concepções adequadas da verdade. Para tal,

investiu na construção de uma teoria da verdade que fosse formalmente correta,

materialmente adequada e fisicamente respeitável.

Nessa teoria, ganha relevo a linguagem, já que a solução proposta por

Tarski transita pela semântica. A definição de verdade deve ser relativa a uma

linguagem particular, na medida em que a verdade é um atributo das sentenças,

consideradas em seu significado e sua estrutura gramatical na linguagem em

questão.

A contribuição de Tarski para o estabelecimento de uma noção mais clara

da verdade é realmente inegável, em especial por transmudar o tema do cenário

filosófico para a seara da lógica linguística. Essa mudança de fundo, contudo,

não se fez de maneira a relegar os conceitos outrora construídos pela filosofia,

os mesmos que inspiraram ele próprio a optar por um ponto de partida já

conhecido desde a antiguidade clássica:

Nossa compreensão da noção de verdade parece concordar essencialmente com as várias explicações dadas para ela na literatura filosófica. Na “Metafísica” de Aristóteles está o que talvez seja a mais antiga explicação (TARSKI, 2007, p. 204).

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Sua concepção de verdade, bem se vê, está apoiada na concepção

correspondentista delineada por Aristóteles - em clara oposição às definições

rivais, como a utilitarista ou pragmática e a coerentista -, na qual incluiu a nota

da relação entre linguagem e realidade:

A concepção de verdade que encontra sua expressão na formulação aristotélica...é usualmente chamada “concepção clássica de verdade” ou “concepção semântica de verdade”. Por semântica, entendemos aquela parte da lógica que, informalmente falando, discute as relações entre os objetos linguísticos (tais como sentenças) e aquilo que é expresso por esses objetos. O caráter semântico do termo ‘verdadeiro’ está claramente evidenciado na formulação oferecida por Aristóteles e em outras formulações que serão dadas mais adiante neste artigo. (...) Tentaremos aqui obter uma explanação mais precisa da concepção clássica da verdade, uma explanação que possa superar a formulação aristotélica e que preserve, ao mesmo tempo, suas intenções básicas (TARSKI, 2007, p. 205-206).

Fazendo uso da semântica, com enfoque na relação entre sentenças da

linguagem-objeto e os objetos aos quais essas sentenças se referem, conclui o

pesquisador que a definição de uma noção adequada de verdade é uma definição

de uma noção semântica relacionada: a noção de satisfação. “Verdade é, então,

facilmente definida em termos de satisfação” (TARSKI, 2007, p. 221).

Reformulando a definição clássica de verdade por equivalência, agora

inspirado na ideia de satisfação, tem-se que uma sentença é verdadeira se

designa um estado de coisas existente, ou, a verdade de uma sentença consiste

em sua conformidade (ou correspondência) com a realidade, juízo que se perfaz

segundo a noção de satisfação, a qual, por seu turno, remete ao conceito de

demonstração e prova, aspectos tão caros na ciência do Direito.

A questão da prova, para Tarski, se mostra essencial no combate ao

ceticismo diante das questões da verdade:

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(...) em algumas situações podemos desejar explorar a possibilidade de alargar o conjunto de sentenças demonstráveis. Para esse fim, nós enriquecemos a dada teoria por inclusão de novas sentenças no sistema axiomático ou provendo a ela novas regras de prova. Para fazer isso, usamos a noção de verdade como um guia; para não desejarmos incluir novas sentenças ou regras se temos motivos para crer que o novo axioma não é uma sentença verdadeira, ou que a nova regra de prova, quando aplicada para sentenças verdadeiras, pode culminar numa sentença falsa (TARSKI, 1969, p. 77).

Mais adiante a teoria de Alfred Tarski serviria de objeto de estudo para

Karl Popper. O pensador britânico ocupou-se do aspecto realista da teoria de

Tarski, a qual designava como uma reabilitação da concepção clássica de que a

verdade constitui uma correspondência com os fatos, donde reformula o

esquema tarskiano para induzir que determinada sentença é verdadeira se ela

corresponde aos fatos (POPPER, 1975, p. 53).

Desatacadas as principais teorias filosóficas sobre a verdade e o

verdadeiro, vale estabelecer uma breve síntese sobre as diversas concepções

aqui tocadas, de modo a permitir uma classificação destas teses segundo o

aspecto fundamental da definição desse conceito a cada uma delas.

Assim, para o fenomenalismo, o homem não tem acesso ao objeto

cognoscível “em si”, mas apenas à manifestação dele. Há verdade quando

houver relação de correspondência entre o enunciado e essa sua manifestação, o

seu fenômeno.

A teoria pragmática da verdade advoga que determinado enunciado será

verdadeiro se, e somente se, tiver efeitos práticos para quem o sustenta,

conferindo-lhe alguma utilidade. Quanto mais útil, maior o âmbito de

credibilidade da proposição que se pretende verdadeira. Verdadeiro seria apenas

aquilo que, no dizer de Nietzsche, é apropriado para a conservação da

humanidade (MACHADO, 2002, p. 101).

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A teoria da coerência, por seu turno, vislumbra a realidade como um todo

coerente, sendo que as proposições que a descrevem não podem ser

contraditórias entre si. Aqui, a verdade decorre da coesão entre determinado

juízo e o sistema de crenças ou verdades anteriormente estabelecidas, e se

evidencia diante de um discurso dotado de coerência interna.

Na teoria consensual, a verdade se extrai do consenso ou acordo entre os

indivíduos de determinada comunidade ou cultura. Seria verdadeira, então, a

ideia que contasse com maior credibilidade. Aqui, se o próprio sistema

estabelece o que é esta consonância e o modo como opera, a determinação da

verdade consensual estaria, em tese, alheia a instabilidades.

Resta perquirir sobre a existência de uma verdade objetiva capaz de

refutar aquelas tentativas de esvaziamento desse valor através de uma

relativização inadequada e temerária.

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CAPÍTULO II

EXISTE UMA VERDADE OBJETIVA:

CRÍTICA À REIFICAÇÃO DA VERDADE

O questionamento acerca da existência ou não de verdades objetivas só

faz sentido em um contexto no qual os aspectos acerca daquilo que é verdadeiro

tenham sido objeto de subversões no curso da evolução do pensamento humano.

De fato, o estudo mais detido a respeito da ideia de verdade torna forçoso

concluir pela real e efetiva existência de uma verdade objetivável e concreta,

alheia a julgamentos, aparências e relativizações. As dúvidas que surgem quanto

a possibilidade de manifestação da verdade objetiva decorrem de alguns

equívocos e confusões na compreensão do tema.

Reafirmamos que é a filosofia o melhor cenário para a crítica e reflexão a

respeito da verdade, instituto mais afeto à ciência do pensar filosófico do que a

qualquer outra, ainda que a preocupação com o verdadeiro ocupe praticamente

todas as manifestações da existência humana e em especial o Direito34.

E, tal qual decorre da análise detida das concepções filosóficas trazidas

neste trabalho, não são poucas as doutrinas que nos permitem extrair o desejo de 34 No cenário das ciências jurídicas, vale referenciar Roberto Dromi, que há muito se ocupa das questões relativas à verdade no Direito Constitucional. O publicista argentino pondera que “muchos abandonaron la búsqueda de la verdade del Derecho incluso antes de empezarla: unos, por entender que no existia tal cosa denominada ‘verdad’: el hombre moderno, despojado de las ataduras de la ontologia clásica, había redescubierto la relatividad de las cosas, que en definitiva se confundía con el absolutismo de la própria percepción. Otros, por el contrario, se esforzaron denodamente por explicar que el verdadero Derecho era la norma positiva, o la práctica social, o el deber moral o religioso, o la inasible voluntad de uno, vários o muchos integrantes del cuerpo social por mantener o modificar cualquiera de los anteriores” (DROMI, 2006, p. 17).

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seus respectivos pensadores em expressar a real ocorrência da verdade objetiva,

esteja ela no objeto, no ser, em Deus, na linguagem.

Pitágoras professa a verdade do mundo que reside na matemática e na

objetividade de seus números, enquanto Parmênides, advoga que a verdade está

na razão, a qual, alheia aos sentidos, capta a essência das coisas do mundo.

Em que pese ser classificado como idealista, a verdade ontológica de

Platão não se afasta, por assim dizer, de uma manifestação objetiva dela,

bastando que o ser cognoscente se distancie da experiência sensível que não lhe

traz nenhum conhecimento uniforme, e se aproxime do espírito, da alma

racional que aprende os objetos iguais a si mesmos e, por conseguinte, apreende

a verdade objetivamente.

A teoria da correspondência de Aristóteles e sua posterior evolução para

uma concepção semântica da verdade mais recentemente explorada por Alfred

Tarski exprime, igualmente, a possibilidade de haver perfeita relação entre

observador e observado, revelando a real natureza deste. A verdade latente na

coisa apenas reclama ser dita, e tal comprova a objetividade da verdade nela

inscrita.

Tanto Agostinho quanto Tomás de Aquino confiam igualmente na

verdade sem subjetivações. Dada a origem divina da razão humana que capta a

realidade, o homem estará mais ou menos próximo da verdade quanto maior ou

menor for sua aproximação de Deus. Tomás de Aquino, mais fortemente do que

seu antecessor da filosofia cristã, considera a verdade de maneira objetiva,

exprimível no próprio objeto, ainda que percebida por meio de um processo no

qual o intelecto humano (razão) tem papel fundamental.

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Não obstante a doutrina tomista admita que a verdade esteja primeiro no

entendimento e depois no objeto, e que a possibilidade de haver distintos

entendimentos poderia supor a existência de distintas verdades, todas elas são

resultado de uma única verdade divina que impede sua relativização, ainda que

cada qual a acesse por diferentes ângulos. As diversas essências e manifestações

da coisa no intelecto decorrem desta única e objetiva verdade divina, tornando-

se igualmente concreta.

Para Galileu a verdade objetiva é fruto da submissão das coisas

observáveis ao método científico, respeitadas as experiências sensatas e as

demonstrações necessárias. A descrição das qualidades objetivas, portanto

publicamente observáveis, do ente que se propõe ao estudo e a exclusão do

homem dessa equação tende a permitir o acesso à verdade objetiva e, tal qual,

observável por qualquer ser. A ciência, e sua característica objetivação a

respeito de tudo, é o critério da verdade.

Descartes percebe a verdade nas coisas que concebemos bem claramente e

bem distintamente, e até define aquilo que entende por verdade evidente, que,

bem assim, pode ser realizada pela simples intuição, tamanho é seu nível de

objetividade.

A peremptoriedade kantiana a respeito da verdade exprime uma das mais

profícuas defesas em favor da existência de uma verdade objetiva, seja

funcionando como princípio de seu imperativo categórico, seja ocupando lugar

como finalidade de todo proceder moral vocacionado a garantir e preservar a

dignidade humana.

Contribuição similar devemos à filosofia marxista, fundada na ideia de

que a matéria, o ser e a natureza são realidades objetivas. Bem assim o é a

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verdade, que existe fora e independente da consciência humana, pois é da

matéria que deriva a sensação, e não o contrário. É através da práxis que a leis

que regem o mundo, inclusive as jurídicas, são conhecidas e comprovadas.

E o idealismo, tão criticado por Marx, parece mesmo contradizer-se

quando repugna a veracidade dos conhecimentos humanos e a verdade objetiva

sob o argumento de que o mundo seria repleto de coisas em si que nunca

poderão ser aprendidas pela ciência e, assim, pela razão humana.

Mas reconhecer que o mundo está carregado de coisas em si não

tangenciáveis é, de certo modo, admitir que elas, efetiva e objetivamente,

existem. Pouco importa se podem ou não ser tocadas pela razão ou experiência,

elas e suas respectivas verdades estão presentes em algum plano e lá têm sua

manifestação, merecedora de ser buscada, o que se faz por meio da prática

transformadora do materialismo histórico-dialético.

Igualmente fundado na experiência como fonte da verdade, Poincaré

acredita que os fatos já existam em estado bruto, e, submetidos à verificação

científica (estatística, probabilística, histórica, comparativa), revelar-se-ão de

modo objetivo, externando igual verdade.

A verdade por correspondência outrora balizada por Aristóteles é

fundamento dos estudos de Bertrand Russell. A objetividade desse conceito

reside no entendimento do filósofo de que a mente acredita verdadeiramente em

algo porque existe um complexo correspondente que não envolve a própria

mente, mas apenas seus objetos. Russell ainda valoriza a evidência que bem

pode ter sua gênese do conhecimento direto do fato que corresponde,

objetivamente, à verdade. A mesma teoria correspondentista é defendida por

Tarski, agora também sob um enfoque semântico.

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Bem se vê que a filosofia está repleta de teorias que reconhecem a

existência de verdades objetivas, ainda que seu contrário, a relativização da

verdade, não seja assunto absolutamente desconsiderado pelo pensamento

humano.

Em nosso pensar, contudo, a tentativa dos relativistas em propalar a

inexistência de uma verdade objetiva é desconstruída por meio do próprio

princípio que defendem. Ora, se tudo é relativo, o será também a ideia de que a

verdade objetiva não existe. Em outro dizer, se os relativistas não enxergam

nada além de pontos de vista referenciais, a própria ideia de verdade relativa é

igualmente relativa e, assim, comporta a presunção de que a verdade objetiva

pode, afinal, existir realmente.

O que impende observar, de todo modo, é que devemos reconhecer que

existem objetos cuja existência e manifestação não dependem do sujeito

cognoscente, tão pouco de sua vontade para que se revelem do modo que lhes

são próprios.

Não há dúvida de que o processo do conhecimento clama pela

intermediação da consciência subjetiva do observador para ser apreendido, mas

não nos parece que a pretensa subjetividade dessa aproximação seja capaz de

tornar o objeto exterior igualmente subjetivo. O que se tem é o reflexo

subjetivado de um ente objetivo, e tão só. Assim, a essência do conhecimento –

o objeto que se conhece – segue possuindo caráter objetivo e existindo

independentemente de nós.

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O átomo não passou a ser divisível somente a partir de 1897 e por vontade

de J. J. Thomson35. Sempre o foi desde que existe objetivamente como parte da

matéria, bastando que tal verdade fosse, enfim revelada - e não criada - pelo

cientista, até porque não pertencia ela ao domínio de seu pensamento.

A filosofia cética e a idealista-subjetivista (para ficar apenas nelas),

quando suscitam que a verdade não pode ter caráter objetivo, pois relativa,

equívoca e múltipla, parte de um raciocínio deturpado sobre o que realmente se

pode compreender da definição dos conceitos de objetivo e subjetivo.

Objetivo pode ser definido como relativo ao objeto, existente no campo da

experiência sensível independentemente do pensamento individual e perceptível

dos observadores. É, enfim, aquilo que está situado na exterioridade do sujeito

cognitivo humano, podendo ser tocado pelo intelecto.

De outra banda, subjetivo faz referencia àquilo que existe na mente, que

pertence ao sujeito pensante e ao seu íntimo, em contraste com as experiências

externas, gerais e universais. É relativo ao sujeito do conhecimento que se

apodera cognitivamente dos objetos que lhe são externos.

No entanto, há alguma confusão quando se considera o termo objetivo

para exprimir o próprio objeto do conhecimento, aquele internalizado pelo

sujeito e realmente pertencente ao domínio do pensamento. Nesse exercício o

sentido do termo acaba por corresponder ao seu exato contrário. A mesma

subversão figurativa pode ocorrer com a palavra subjetivo, que passaria, então, a

definir a opinião ou impressão pessoal, parcial e dependente da arbitrariedade do

sujeito pensante.

35 O físico britânico descobriu o elétron e sua natureza subatômica, desconstruindo a crença da indivisibilidade do átomo em trabalho que lhe rendeu o Nobel de Física de 1906.

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Partindo desse mal entendido, afastamo-nos da ideia de que o

conhecimento é apenas e tão somente o reflexo subjetivo das qualidades

extrínsecas e objetivas da realidade exterior, permitindo supor a possibilidade de

existência de várias verdades pessoais e o aniquilamento de uma verdade geral e

válida para todos.

É claro que a presença do ser cognoscente é indispensável para a

revelação da verdade, mas tal não pode significar seja ela subjetiva, pois seu

conteúdo não depende da vontade individual. Essa assertiva mostra-se

duramente reconhecível no processo judicial em que determinada prova

documental faz ruir a narrativa dos fatos da parte contra a qual ela foi produzida.

O argumento que, afinal, se mostrou processualmente infactível, era verdadeiro

segundo o desejo de seu defensor.

Talvez a dúvida que se possa ter acerca da existência de uma verdade

objetiva advenha da abstração perpetrada pelos idealistas quanto aos objetos do

conhecimento. Realmente o pensamento humano não prescinde de algumas

generalizações conceituais que lhe permitam melhor organizar seu pensamento

e, de certo modo, facilitar a transmissão do conhecimento através das gerações e

o desenvolvimento de algumas ideias.

Essas abstrações que refletem os objetos e os eventos do mundo

fenomênico são, no entanto, planificadas através de um processo paulatino de

referibilidade, na qual se toma um ser real e se lhe abstrai posteriormente. Essa

generalização, contudo, não desnatura a origem empírica dos conceitos,

formulados com base na realidade material do mundo.

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Os idealistas, ao que parece, iniciaram um processo de absolutização

desses conceitos abstratos e passaram a considerá-los como produtos do

pensamento racional ou divino. Assim, o conceito segundo o qual nada mais é

do que a abstração da realidade é transferido para a base da existência do próprio

objeto, baralhando sua origem ao posicioná-la na consciência do ser pensante.

Essa objetivação racional encobre o caráter imediato, concreto, qualitativo

e material de todas as coisas como bem asseverou Georg Lukács (2003, p. 209).

É certo que o filósofo húngaro disserta sobre a reificação ou coisificação dos

conceitos no contexto do pensamento marxista da alienação do trabalho pelo

capital, mas seu escólio é de grande valia para o presente trabalho ao

transportarmos a ideia da reificação para o conceito da verdade.

Sobre essa distância entre a origem empírica dos conceitos e a abstração

absoluta deles, pondera Lukács:

A maneira como é concebida essa transcendência mostra que seria vão alimentar a esperança de que a coesão da totalidade – a cujo conhecimento as ciências particulares renunciaram conscientemente ao se distanciarem do substrato material do seu aparato conceitual – pudesse ser adquirida por uma ciência que, pela filosofia, incluísse todas. Isso seria possível somente se a filosofia rompesse as barreiras desse formalismo mergulhado na fragmentação, colocando a questão segundo uma orientação radicalmente diferente e orientando-se para a totalidade material e concreta do que pode ser conhecido, do que é dado a conhecer. Para isso, no entanto, seria preciso revelar os fundamentos, a gênese e a necessidade desse formalismo (...) (...) A filosofia toma, assim, em relação às ciências particulares, exatamente a mesma posição que estas em relação à realidade empírica. Na medida em que a conceituação formalista das ciências particulares torna-se para a filosofia um substrato imutavelmente dado, afasta-se, definitivamente e sem esperança, toda possibilidade de revelar a reificação que está na base desse formalismo. O mundo reificado aparece doravante de maneira definitiva – e se exprime filosoficamente, elevado à segunda potencia, num exame “crítico” – como o único mundo possível, conceitualmente acessível e compreensível, que é dado a nós, os homens (LUKÁCS, 2003, 238-239).

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Se os conceitos gerais do idealismo resultam da abstração e generalização

de coisas concretas e objetivas, certamente só existem na consciência ou no

pensamento humanos, sendo equivocado, pois, considerar que existem na

realidade e passem a ser designados como algo que sempre esteve ali.

Nos parece que foi exatamente isso que ocorreu com o conceito da

verdade. Há, efetivamente, uma verdade objetiva, de origem empírica, que

resulta do contato do ser cognoscente com o mundo exterior, e se configura pela

correspondência entre aquilo que se observa e o enunciado que exprime essa

observação. A verdade, portanto, está no objeto e é apenas tocada pela

consciência do ser pensante. Este, vale dizer, se labora em equívoco, não terá

contato com a verdade, exprimindo apenas juízos de aparência ou crença.

O idealismo então, ao generalizar e abstrair essa verdade objetiva,

transportou esse conceito diretamente para a consciência do observador,

estabelecendo a confusão entre o conceito geral do objeto e o próprio objeto. A

partir daí a base da existência da verdade deixou de ser o mundo exterior

(objetiva) e passou a residir na consciência sensitiva do sujeito (subjetiva). De

outro dizer, inadvertidamente passou-se a considerar que o conceito geral

(abstraído) de verdade objetiva existe na realidade como sendo a própria

verdade objetiva, quando, em efetivo, ele só existe na consciência ou no

pensamento, como resultado da abstração da verdade concreta, objetiva.

A verdade objetiva é, pois, o dado primário, e a subjetivação da verdade

em cada consciência humana é o dado secundário ou derivado oriundo da

consideração errônea de que a abstração de um objeto seja o próprio objeto em

si. É a existência da verdade objetiva que determina a consciência, e não o

contrário.

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Qualquer entendimento oposto ao ora explanado permite a temerária

coisificação do pensamento abstrato, transformando tudo aquilo que é

pensamento em coisa bruta exterior à consciência, levando à falsa impressão de

que tudo é matéria, inclusive as criações da consciência. Essa prática resvala

num solipsismo nada salutar para a evolução do pensamento humano e da

ciência jurídica na qual o conceito e os critérios de verdade são tão caros.

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CAPÍTULO III

SOBRE VERDADE E DIREITO

A obra de Franz Kafka é repleta de sugestões e alegorias sobre o mundo

do Direito, e as mais intrigantes estão reunidas em O Processo. Publicado em

1925, narra a história de um desafortunado Josef K., personagem que busca a

todo custo superar os trâmites e as agruras de um processo jurisdicional o qual

sequer compreende o objeto. Não sabe nem mesmo a razão pela qual está sendo

processado, dúvida que foi incapaz de sanar enquanto viveu.

O escrito de Kafka pode seguramente ser considerado uma crítica ferrenha

ao imbricado sistema judiciário, vocacionado à interpretação e aplicação clara e

objetiva do Direito, mas, paradoxalmente, repleto de obscuridade e ocultação.

Esse acobertamento como característica do Direito, retratado por Kafka,

evidencia-se, dentre outros, quando da visita de Josef K. à residência do

advogado Huld. Sua casa era tomada pela penumbra, pela escuridão, que não

permitiu ao desesperado réu perceber a presença, num dos cantos mal

iluminados da sala em que estava, do chefe de repartição do tribunal, que

visitava o adoentado causídico36.

36 Essa passagem integra o capítulo sexto, intitulado O Tio. Leni, da referida obra literária: “(...) Inseguro, olhou em volta; a luz da pequena vela nem de longe chegava a penetrar até a parede do outro lado. E de fato algo lá no canto começou a se mexer. À luz da vela, que o tio agora segurava alto, via-se ali, junto a uma pequena mesa, um senhor idoso sentado. Certamente, ela não tinha nem respirado para ficar tanto tempo sem ser percebido. Levantou-se, então, com cerimônia, obviamente insatisfeito com o fato de lhe dirigirem a atenção. Era como se quisesse repelir com as mãos, que ele movimentava como asas curtas, todas as apresentações e cumprimentos; como se de forma alguma quisesse perturbar os outros com sua presença e pedisse urgentemente que o mandassem de novo para o escuro e o esquececem” (KAFKA, 2005, 106-107).

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Curioso como o escritor contextualiza o mundo do Direito sob cenários e

discursos repletos de símbolos confusos, diálogos equívocos, personagens

misteriosas, ritos enigmáticos e impenetráveis. É a realidade do Direito, ali

retratada em um processo judicial, obscura e confusa, em cujos meandros

reinaria a ocultação, o secreto.

Com efeito, tirante a licença poética que autoriza o escritor tcheco a

cometer alguns exageros narrativos que constituem a tônica de seu estilo

literário, Kafka acaba por chamar a atenção a um aspecto de extrema relevância

no Direito: o papel fundamental da verdade nas ciências jurídicas e, ao mesmo

tempo, o desprezo com o qual ela é usualmente considerada.

Efetivamente, apesar de não constituir um conceito próprio das ciências

jurídicas, as questões atinentes à busca e ao alcance da verdade sempre

ocuparam algum lugar no estudo e aplicação do Direito, ainda que pouco se

debata sobre o tema fora do cenário das matérias ditas propedêuticas.

De certo, tal se dá por conta daquela relativização do conceito de verdade

pelas correntes filosóficas derivadas do ceticismo e do idealismo subjetivista,

que afastam qualquer objetivação mais palatável à lógica deôntica pouco afeta

àquilo do qual não se possa extrair o máximo de concretude.

Assim, em que pese a inegável importância do conhecimento da verdade

na evolução do pensamento humano e de seu valor referencial nos diversos

aspectos da conduta moral do indivíduo, o Direito pouco se ocupa com a

verdade, especialmente como finalidade, mediata ou imediata, da norma.

Importa avaliar a relação entre Direito e verdade, sem a pretensão,

contudo, de esgotar o tema. O faremos nos lindes necessários à compreensão das

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ideias aventadas neste trabalho e aos seus objetivos, demonstrando, sobretudo,

que a verdade está de tal modo imbricada com o Direito que merece maior

atenção do estudioso, especialmente do Direito Constitucional.

E desde pronto nos propomos a buscar respostas a alguns

questionamentos: Existe um direito humano à verdade? Se é certo que o

ordenamento jurídico constitucional brasileiro apóia-se em valores como bem-

estar e justiça, não estaria igualmente fundado na verdade?

Aprofundamo-nos no sistema do Direito de modo a encontrar uma

solução consentânea com as tendências contemporâneas do constitucionalismo e

da supremacia dos direitos fundamentais da pessoa humana.

III.1. A VERDADE NOS TEXTOS JURÍDICOS DO DIREITO COMPARADO

We hold these “Truths” to be self-evident, that all Men are created equal,

that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that

among these are Life, Liberty, and the Pursuit of Happiness.

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 1776,

é provavelmente o mais emblemático dos textos constitucionais históricos que

fazem alusão direta à verdade. Seu segundo parágrafo, como visto, enumera um

punhado de verdades evidentes por si mesmas, manifestadas nos direitos

inalienáveis à vida, igualdade, liberdade e busca da felicidade.

Bem assim, a Constituição do Estado Livre da Baviera, de 1946, estatui,

em seu artigo 131, II, ao enumerar os objetivos educacionais primordiais, a

reverência a Deus, respeito às crenças humanas e à dignidade humana,

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autodeterminação, senso de responsabilidade e a vontade de aceitá-la, o

voluntarismo, a consciência aberta a tudo que é verdadeiro, bom e belo.

A mesma Norma estabelece, como responsabilidades da imprensa,

inclusive a televisiva, a divulgação de matérias jornalísticas sobre

acontecimentos, circunstâncias, instituições e personalidades públicas de acordo

com a verdade (arts. 111, I; 111, a, I).

Igualmente se tem na Constituição do Estado de Hesse, do mesmo ano de

1946. É a redação de seu artigo 56, IV: “O objetivo da educação é permitir ao

jovem que desenvolva uma personalidade dotada de senso comum, de modo a

preparar suas habilidades para servir ao povo com cortesia, caridade, respeito e

aceitação, legalidade e veracidade”.

E o inciso V do mesmo dispositivo constitucional determina que o estudo

da história deve ser executado de modo a garantir verdadeira e genuína

representação do passado.

Do mesmo ano, o Texto Fundamental do Estado da Turíngia impõe, em

seu artigo 72, II, o dever da escola de educar os jovens a desenvolver o espírito

de humanidade verdadeira.

As proposições educacionais do Estado Livre Hanseático de Bremen,

enunciados em sua Constituição de 1947 (art. 26, 3) não passaram ao largo dessa

tendência germânica antes manifestada no Texto bávaro. A criação e a educação

dos jovens bremenses prima pelo pensamento autônomo de modo a garantir o

respeito à verdade e à coragem para lutar por esse valor.

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Por seu turno, a Lei Maior do Estado Federal da Renânia-Palatinado, de

1947, reza, em seu artigo 33 que a escola tem de educar os jovens à piedade,

caridade, respeito e tolerância, honestidade e veracidade, amor às pessoas e à

pátria, respeito ao meio ambiente e ao sentimento democrático, e espírito de

reconciliação.

A Constituição de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, de 1947, garante,

em sintonia com a Lei turíngia, a educação sob o espírito de convivência

pacífica das nações para o humanitarismo verdadeiro (art. 98, II).

Importante notar que os textos constitucionais dos Estados germânicos do

pós Segunda Grande Guerra ocupam-se em fomentar a valorização da verdade

como valor indissociável dos Estados democráticos recém inaugurados. Bem se

nota que o espírito democrático, que seria a tônica do renascimento dos países

fortemente marcados pelo conflito armado que teve fim em 1945, e em oposição

ao Estado totalitário, se forma a partir da pedagogia da verdade.

Efetivamente, o princípio democrático fartamente citado nos textos aqui

analisados caminha pari passu com o princípio da verdade, de modo que um

fundamenta e valida o outro.

Na mesma toada, e também diante do contexto educacional e cultural, a

Convenção para Constituição da UNESCO, de 16 de novembro de 1945,

opondo-se às teses subjetivistas da verdade, traz a sugestiva alusão à verdade

objetiva em seu preâmbulo:

Os Governos dos Estados Partes desta Constituição, em nome de seus povos, declaram: Que uma vez que as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que devem ser construídas as defesas da paz;

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Que, através da história da raça humana, foi a ignorância sobre as práticas e sobre as vidas uns dos outros uma causa comum da suspeita e da desconfiança entre os povos do mundo, através das quais suas diferenças com enorme frequência resultaram em guerras; Que a grande e terrível guerra que acaba de chegar ao fim foi uma guerra tornada possível pela negação dos princípios democráticos da dignidade, da igualdade e do respeito mútuo dos homens, e através da propagação, em seu lugar, por meio da ignorância e do preconceito, da doutrina da desigualdade entre homens e raças; Que a ampla difusão da cultura, e da educação da humanidade para a justiça, para a liberdade e para a paz são indispensáveis para a dignidade do homem, constituindo um dever sagrado, que todas as nações devem observar, em espírito de assistência e preocupação mútuas; Que uma paz baseada exclusivamente em arranjos políticos e econômicos dos governos não seria uma paz que pudesse garantir o apoio unânime, duradouro e sincero dos povos do mundo, e que, portanto, a paz, para não falhar, precisa ser fundamentada na solidariedade intelectual e moral da humanidade. Por esses motivos, os Estados Partes desta Constituição, acreditando em oportunidades plenas e iguais de educação para todos, na busca irrestrita da verdade objetiva, e no livre intercâmbio de idéias e conhecimento, acordam e expressam a sua determinação em desenvolver e expandir os meios de comunicação entre os seus povos, empregando esses meios para os propósitos do entendimento mútuo, além de um mais verdadeiro e mais perfeito conhecimento das vidas uns dos outros; Em consequência, eles, por este instrumento criam a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, com o propósito de fazer avançar, através das relações educacionais, científicas e culturais entre os povos do mundo, os objetivos da paz internacional, e do bem-estar comum da humanidade, para os quais foi estabelecida a Organização das Nações Unidas, e que são proclamados em sua Carta. (grifamos)

Curioso notar que estas diretrizes da Organização das Nações Unidas para

a Educação, Ciência e Cultura não fazem exatamente uma referência direta a um

suposto direito à verdade objetiva. Mais do que isso, visam garantir e resguardar

a oportunidade irrestrita de se buscar essa verdade como pressuposto

indissociável ao avanço da humanidade, a conquista da paz internacional e ao

bem-estar de todos os povos do mundo.

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Ainda no direito comparado, vale a menção à Lei Fundamental sueca de

1809, e que vigeu por longos 165 anos. O §1637 do Instrumento de Governo

estatui o dever do Rei em proibir a injustiça e salvaguardar a vida, a honra a

liberdade, a prosperidade e a verdade.

A Constituição da Turquia, de 1982, traz importante disposição a respeito

da investigação da verdade no âmbito da administração do estado e dos crimes

contra a honra cometidos em face dos indivíduos que exercem funções públicas.

O artigo 3938 daquela Lei Maior assenta que nas ações judiciais que envolvem

difamação oriunda de declarações que se referem ao exercício de funções

públicas, o acusado tem o direito de apresentar a comprovação da verdade de

suas manifestações. Em todas as outras hipóteses, a prova da verdade só será

admitida quando houver manifesto interesse público em conhecer a verdade ou

inverdade do fato de que trata a lide.

O artigo 15 da Constituição da Grécia, de 1975, regula o dever da

imprensa quanto a veiculação de informações e notícias sob o signo da

igualdade e da verdade.39

O Direito Canônico constitui, de igual modo, preciosa fonte para as

pesquisas acerca da verdade nas ciências jurídicas. Exemplos corriqueiros são o

37 Na redação original “Konungen bör rätt och sanning styrka och befordra, vrångvisa och orätt hindra och förbjuda, ingen förderfva eller förderfva låta till lif, ära, personlig frihet och välfärd, utan han lagligen förvunnen och dömd är, och ingen afhända eller afhända låta något gods, löst eller fast, utan ransakning och dom, i den ordning Sveriges lag och laga stadgar föreskrifva; ingens fred i dess hus störa eller störa låta; ingen ifrån ort till annan förvisa; ingens samvete tvinga eller tvinga låta, utan skydda hvar och en vid en fri utöfning af sin religion, så vidt han derigenom icke störer samhällets lugn eller allmän förargelse åstadkommer. Konungen låte en hvar blifva dömd af den domstol, hvarunder han rätteligen hörer och lyder”. 38 Originalmente se lê “In libel and defamation suits involving allegations against persons in the public service in connection with their functions or services, the defendant has the right to prove the allegations. A plea for presenting proof shall not be granted in any other case, unless finding out whether the allegation is true or not would serve the public interest, or unless the plaintiff consents”. 39 A redação original traz a expressão “την αντικειµενική και µε ίσους όρους µετάδοση πληροφοριών και ειδήσεων”. Em tradução livre, algo como “transmissão objetiva e igualitária de informações e notícias”.

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Codex Iuris Canonici (1983) e a encíclica Veritas Splendor, que o complementa

e funciona como parâmetro interpretativo (1993).

Insta destacar, no Código de Direito Canônico, os cânones 747, §1 e 748,

§1:

Cân. 747 — § 1. A Igreja, à qual Cristo Senhor confiou o depósito da fé, para que ela, assistida pelo Espírito Santo, guardasse inviolavelmente, perscrutasse mais intimamente, anunciasse e expusesse fielmente a verdade revelada, tem o dever e o direito originário, independentemente de qualquer poder humano, de pregar o Evangelho a todos os povos, utilizando até meios de comunicação social próprios. Cân. 748 — § 1. Todos os homens estão obrigados a procurar a verdade no que concerne a Deus e à sua Igreja, e, uma vez conhecida, em virtude da lei divina têm obrigação e gozam do direito de a abraçar e observar.

E na encíclica Esplendor da Verdade, importa aludir à relação que o texto

faz entre liberdade e verdade, de modo a demonstrar que está na consciência dos

homens o vínculo entre um e outro valor.40

40 “(...) Chamados à salvação pela fé em Jesus Cristo, «luz verdadeira que a todo o homem ilumina» (Jo 1, 9), os homens tornam-se «luz no Senhor» e «filhos da luz» (Ef 5, 8) e santificam-se pela «obediência à verdade» (1 Pd 1, 22). Esta obediência nem sempre é fácil. Na sequência daquele misterioso pecado de origem, cometido por instigação de Satanás, que é «mentiroso e pai da mentira» (Jo 8, 44), o homem é continuamente tentado a desviar o seu olhar do Deus vivo e verdadeiro para o dirigir aos ídolos (cf. 1 Ts 1, 9), trocando «a verdade de Deus pela mentira» (Rm 1, 25); então também a sua capacidade para conhecer a verdade fica ofuscada, e enfraquecida a sua vontade para se submeter a ela. E assim, abandonando-se ao relativismo e ao cepticismo (cf. Jo 18, 38), ele vai à procura de uma ilusória liberdade fora da própria verdade. (...) Hoje, porém, parece necessário refletir sobre o conjunto do ensinamento moral da Igreja, com a finalidade concreta de evocar algumas verdades fundamentais da doutrina católica que, no atual contexto, correm o risco de serem deformadas ou negadas. De fato, formou-se uma nova situação dentro da própria comunidade cristã, que experimentou a difusão de múltiplas dúvidas e objeções de ordem humana e psicológica, social e cultural, religiosa e até mesmo teológica, a propósito dos ensinamentos morais da Igreja. Não se trata já de contestações parciais e ocasionais, mas de uma discussão global e sistemática do patrimônio moral, baseada sobre determinadas concepções antropológicas e éticas. Na sua raiz, está a influência, mais ou menos velada de correntes de pensamento que acabam por desarraigar a liberdade humana da sua relação essencial e constitutiva com a verdade. Rejeita-se, assim, a doutrina tradicional sobre a lei natural, sobre a universalidade e a permanente validade dos seus preceitos; consideram-se simplesmente inaceitáveis alguns ensinamentos morais da Igreja; pensa-se que o próprio Magistério possa intervir em matéria moral, somente para «exortar as consciências» e «propor os valores», nos quais depois cada um inspirará, de forma autônoma, as decisões e as escolhas da vida. (...) Precisamente sobre as questões que caracterizam hoje o debate moral e à volta das quais se desenvolveram novas tendências e teorias, o Magistério, por fidelidade a Jesus Cristo e em continuidade com a tradição da Igreja, sente com maior urgência o dever de oferecer o próprio discernimento e ensinamento, para ajudar o homem no seu caminho em busca da verdade e da liberdade”.

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No final do século passado e início do atual, o debate sobre a existência de

um direito à verdade ganharia novos contornos, advindos da necessidade de se

esclarecer algumas práticas atentatórias aos direitos humanos levadas a termo no

transcurso de determinados regimes ditatoriais.

Assim, entre este e o último século vivenciou-se a tendência mundial de

criação das chamadas Comissões de Reconciliação, Memória e Verdade em

diversos países, as quais propunham a investigação de um passado de violações

das prerrogativas constitucionais, a avaliação dos dados colhidos sob o signo da

veracidade, a punição – em alguns casos – dos responsáveis por crimes contra a

vida e a humanidade, e, especialmente, a preservação da memória e a

reconciliação entre os protagonistas da história. Era a concretização das antigas

ideias a respeito da conveniência de se estabelecer as bases para uma Justiça de

Transição.

Iniciativas que tais foram estruturadas na Uganda (1974 e 1986);

Honduras (1980); Bolívia (1982); Argentina (1983); Uruguai (1985 e 2000);

Zimbábue (1985); Chile (1986 e 2003); Nepal (1990); Chade (1991); Alemanha

(1992); El Salvador (1992); Sri Lanka (1994); África do Sul (1995); Haiti

(1995); Equador (1996 e 2007); Guatemala (1999); Nigéria (1999); Ruanda

(1999); Coréia do Sul (2000); Peru (2000); Granada (2001); Iugoslávia (2001);

Panamá (2001); Gana (2002); Serra Leoa (2002); Timor Leste (2002); Indonésia

(2004); Carolina do Norte – EUA (2004) ); República Democrática do Congo

(2004); Marrocos (2004); Paraguai (2004); Colômbia (2005); Libéria (2005);

Espanha (2007); Canadá (2009); Ilhas Maurício (2009); Ilhas Salomão (2009);

Quênia (2009); Togo (2009).

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Cada uma dessas comissões tinha por fundamento as peculiaridades dos

acontecimentos havidos em seus respectivos territórios, mas guardavam

identidade quanto a investigação da prática de graves violências contra a

população ou parte dela.

A salutar iniciativa de investigar o passado para esclarecer os fatos

segundo a verdade histórica mostrou-se muito adequada a permitir a cura de

muitas chagas, a cessação de algumas injustiças, e a reconciliação social

necessárias a garantir a continuidade da evolução humana e seu progresso rumo

a realidades mais fraternas, democráticas e pacíficas, livres do rancor e do

sentimento de impunidade.

O Brasil tardou em criar sua comissão, que seria constituída apenas em

2011, para investigação dos atos atentatórios aos direitos humanos durante o

regime militar que persistiu entre 1964 e 1985, e à sombra da malfadada Lei de

Anistia de 1979. Tal será objeto de análise oportunamente.

III.2. VERDADE E DIREITO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL

BRASILEIRA

Em nosso País, o tema atinente à verdade está adstrito à legislação

ordinária, pouco havendo no cenário constitucional análises aprofundadas a

respeito da existência de um suposto direito fundamental à verdade. Quando

muito, o debate a respeito do direito do indivíduo ter acesso às informações de

interesse particular, geral ou coletivo junto aos órgãos públicos (art. 5o., XXXIII,

CF/88) resvala na discussão sobre a verdade.

E esse silêncio constitucional quanto ao reconhecimento expresso da

importância de se promover e garantir um direito à verdade parece não

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considerar sua onipresença nos textos legais de nosso sistema normativo.

Efetivamente, não se pode afastar a ideia de que o edifício jurídico brasileiro

está fundado na busca pela verdade.

No processo civil temos a obrigação das partes e de todos aqueles que

participam do processo de “expor os fatos em juízo conforme a verdade” (art.

14, I, CPC), reputando-se litigante de má-fé, sujeito às sanções correspondentes,

aquele que “alterar a verdade dos fatos” (art. 17, II, CPC).

Ainda na estrutura do Código de Processo Civil, fazemos alusão à

prerrogativa do Ministério Público de “juntar documentos e certidões, produzir

prova em audiência e requerer medidas ou diligências necessárias ao

descobrimento da verdade” (art. 83, II, CPC). Essa verdade reputar-se-á

presumida quando o réu deixar de comparecer à audiência de conciliação do

procedimento comum sumário (art. 277, §2o, CPC) ou, citado, não ofertar sua

defesa (arts. 285, 302, 319 e 803, CPC).

É requisito da inicial, dentre tantos, “as provas com que o autor pretende

demonstrar a verdade dos fatos alegados” (art. 282, CPC), valendo-se de todos

os meios legais e moralmente legítimos para tanto (art. 332, CPC).

Tem-se, demais disso, no artigo 339, do mesmo diploma processual, clara

deferência ao verdadeiro. Sob a imposição de que “ninguém se exime do dever

de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade”, resta

evidente que esse valor é de tal importância no dialogismo processual que os

esforços para desvelá-lo se estendem também aqueles que não figuram como

partes no processo.

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O próprio conceito de confissão, na sistemática processual civil, faz

alusão à verdade que é admitida pelo confitente a respeito de fatos contrários a

seu interesse e favoráveis aos do adversário (art. 348, CPC). Efeitos similares

aos da confissão operam-se quando o detentor de determinado documento ou

coisa se recusa a entregá-lo, pressupondo a verdade dos fatos que, por meio de

um ou outra, a parte adversa pretendia provar (art. 359, CPC).

Transitando ainda pela fase instrutória do feito, o Codex faz menção aos

documentos verdadeiros (arts. 368, 372, 378, 387, do CPC), aspecto que poderá

ser perquirido em eventual incidente de arguição de falsidade (arts. 390 e ss., do

CPC).

Na mesma toada, a prova testemunhal se produz segundo os auspícios da

verdade. A testemunha é compromissada a jamais prestar falso testemunho, sob

pena de incorrer em prática delituosa: “Ao início da inquirição, a testemunha

prestará compromisso de dizer a verdade do que souber ou lhe for perguntado,

sendo que o juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz a

afirmação falsa, cala ou oculta a verdade” (art. 415, CPC).

Cumpre notar que a quase totalidade das disposições processuais ora

mencionadas, que constituem evidente homenagem à verdade no Direito,

recebeu idêntica atenção quando da elaboração da Lei 13.105/2015, que instituiu

entre nós o Novo Código de Processo Civil.41

O processo penal, igualmente, não passou ao largo das questões que

remetem ao verdadeiro. Prova dessa assertiva temos na alusão ao esclarecimento

da verdade (art. 184, CPP); à oportunidade de o acusado afirmar que não são

41 Conforme demonstra a leitura dos artigos 77, I; 80, II; 99, §3o; 319, VI; 341; 344; 369; 378; 389; 398, p. único; 400; 408; 417; 427; e, 458, da nova codificação.

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verdadeiros os fatos que se lhe imputam (art. 187, §2o, II, CPP); ao dever da

testemunha dizer a verdade a respeito do que sabe ou lhe perguntarem (arts. 203

e 211, CPP); à possibilidade de oitiva de testemunha sem a presença do réu, caso

este lhe cause humilhação, temor ou constrangimento capaz de prejudicar a

verdade do depoimento (art. 217, CPP), fundamento que também justifica o

reconhecimento velado do acusado pela pessoa chamada a fazê-lo (art. 226, III,

CPP); aos poderes instrutórios do juiz presidente do Tribunal do Júri – e

qualquer outro – que viabilizam o “esclarecimento da verdade” (art. 497, CPP);

à prevalência da “verdade substancial”, que impedirá a declaração de nulidade

do ato processual que não houver influído em sua apuração (art. 566, CPP).

De outra banda, as questões atinentes à busca da verdade mereceram

atenção no direito material civil. Tal se nota na proteção contra publicidade

enganosa nas relações de consumo (art. 6o, IV, CDC) e a imposição quanto a

veracidade das informações constantes dos cadastros de consumidores (art. 43,

§1o, CDC).

Bem assim, o Código Civil reconhece a nulidade dos negócios jurídicos

simulados, “quando contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não

verdadeira” (art. 167, §1o, II, CCivil); o direito a retificação ou anulação do teor

do registro público em caso de não expressão da verdade (art. 1.247, CCivil); a

possibilidade de a mãe contestar o termo de nascimento do filho provando-lhe a

falsidade (art. 1.608, CCivil); a proibição de exercer a tutela àqueles condenados

por crime de falsidade contra a família ou os costumes (art. 1.735, IV, CCivil).

E o Código Penal, quando tipifica como crimes a fraude no comércio por

venda de coisa falsificada como se fora verdadeira (art. 175, CPenal); a

falsificação de moeda (art. 289, CPenal); a falsificação documental (arts. 296 a

305, CPenal); a falsidade ideológica (art. 299, CPenal); o falso reconhecimento

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de firma (art. 300, CPenal); o falso testemunho (art. 342, CPenal), quando

tipifica tais condutas como crime, o faz em estrita observância ao dever de

proceder segundo a verdade.

Bem se vê o quanto a legislação infraconstitucional, aqui ilustrada pelos

exemplos das diversas codificações mencionadas, revela preocupação com o

tema da verdade, seja buscando sua revelação, seja oprimindo e sancionando o

seu contrário, a falsidade e o estratagema.

Nesse contexto de sobrelevar a verdade como fundamento de um ou outro

proceder juridicamente regulado, e ainda sob a motivação de desvelar os

acontecimentos havidos durante o regime militar que prevaleceu no País durante

o período entre 1964 e 1985, a Lei no 12.528/2011 instituiu a Comissão da

Verdade, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de

direitos humanos praticadas durante dito período, a fim de efetivar o direito à

memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.

É esse o instrumento jurídico nacional que, na passagem de um regime

autoritário e repressivo a um regime democrático, veio a definir o marco da

justiça transicional ou reparadora, tendente a retratação pelos abusos cometidos

contra os direitos humanos e a possibilitar o restabelecimento do Estado

Democrático de Direito. Através da expiação das ofensas outrora perpetradas,

busca-se caminhar de um estado de conflito, ainda que velado, a um estado de

paz, possível diante do conhecimento da verdade capaz de aplacar a dor muitas

vezes eternizada pela dúvida sobre o que realmente acontecia nos bastidores da

ditadura militar.

O fato de o Brasil ter optado por um processo de transição fundamentado

no conhecimento da verdade, lança luzes à questão da existência de um efetivo

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direito fundamental à verdade, que serviu de pressuposto material da referida lei,

conforme veremos adiante.

Por hora, importante destacar que a criação da comissão foi precedida de

importante providência legalmente disciplinada, consubstanciada no

recolhimento dos documentos arquivísticos públicos produzidos e recebidos

pelo Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de Investigações e

Serviço Nacional de Informações, custodiados pela Agência Brasileira de

Inteligência ao Arquivo Nacional, nos termos do Decreto no 5.584/2005. Essa

iniciativa permitiu a reunião de inúmeros documentos indispensáveis aos

trabalhos da comissão.

As investigações da Comissão Nacional da Verdade culminaram com um

relatório de quase três mil e quinhentas páginas, detalhando desde o contexto

histórico da repressão militar, até as peculiaridades da prisão e morte de 434

vítimas das nefastas atrocidades daquele regime ditatorial. Nesse trabalho,

concluído em dezembro de 2014, destacou-se a inegável busca pela verdade

histórica, aclarada por intermédio da análise do substrato probatório colhido

entre arquivos documentais e depoimentos das testemunhas e protagonistas dos

eventos estudados.

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CAPÍTULO IV

SOBRE VERDADE E CONSTITUIÇÃO

IV.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E VERDADE

Desde logo havemos de estabelecer alguns aspectos atinentes à definição

do conceito de direitos fundamentais, bem como sua respectiva estrutura, de

modo a demonstrar a plausibilidade de nossa tese no sentido de que o direito à

verdade, em sua concepção mais abrangente, constitui, um direito fundamental

cuja aproximação do valor que o sustenta permite, quiçá, cunhá-lo mesmo como

princípio fundamental.

Em realidade, buscaremos demonstrar que a fundamentalidade de um

direito de acesso àquilo que é verdadeiro nos permite concluir que a verdade

encerra verdadeiro princípio fundamental, base indissociável do edifício

constitucional brasileiro, de modo a exercer, também, relevante papel de

pressuposto interpretativo da Norma Fundamental enquanto considerada como

elemento garantidor da liberdade e dignidade da pessoa humana.

IV.2. DIREITOS FUNDAMENTAIS EM SUA ACEPÇÃO FORMAL E MATERIAL

A questão atinente à uma definição adequada do conceito de direito

fundamental para os fins do presente trabalho será tratada adiante com maior

propriedade. Tal, no entanto, não impede que nos refiramos a um ponto vital na

compreensão da problemática que envolve a existência de um direito subjetivo à

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verdade e o caráter fundamental dele. Para tanto, partimos desde logo ao estudo

da dualidade entre forma e conteúdo no direito fundamental.

A melhor concepção a definir os direitos fundamentais está associada a

ideia de posições jurídicas ativas das pessoas enquanto tais, que os detêm,

portanto, pela simples razão de existirem como seres humanos, individual ou

institucionalmente consideradas, instituídas na Constituição em seu sentido

formal e material.

A análise dúplice desses direitos fundantes nos é proposta por Jorge

Miranda (MIRANDA, 2000, Tomo IV, p. 7). Tanto é direito fundamental aquela

posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagrada na Constituição,

quanto aqueloutras decorrentes da preferência por certa ordem de valores

atinentes ao resguardo das condições básicas da existência humana em seu nível

atual de dignidade, e que ultrapassam as disposições decorrentes do trabalho

legislativo do Poder Constituinte.

Nesse sentido – e especialmente para os fins pretendidos no presente

trabalho - importa destacar o relevo dessa ideia de fundamentalidade material

diante da vasta positivação e formalização dos direitos fundamentais que, em

princípio, poderia assinalar pela sua desnecessidade. Canotilho bem pontua esse

equívoco:

Por um lado, a fundamentalização pode não estar associada à constituição escrita e à ideia de fundamentalidade formal como o demonstra a tradição inglesa das “Common-Law Liberties”. Por outro lado, só a ideia de fundamentalidade material pode fornecer suporte para: (1) a abertura da constituição a outros direitos, também fundamentais, mas não constitucionalizados, isto é, direitos materialmente mas não formalmente fundamentais; (2) a aplicação a estes direitos só materialmente constitucionais de alguns aspectos do regime jurídico inerente à fundamentalidade formal; (3) a abertura a novos direitos fundamentais (CANOTILHO, 2003, p. 379).

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O aspecto atinente à não tipicidade dos direitos fundamentais, indicados

nos itens 1 e 3 do escólio acima transcrito, será devidamente considerado

adiante, pois nele se espalda a defesa da existência de um Direito Fundamental à

Verdade.

Com base nessa estrutura, Canotilho aponta a distinção, necessária aqui,

entre aqueles direitos consagrados e reconhecidos pela constituição, enunciados

e resguardados por normas com valor constitucional formal. São, por isso,

designados direitos fundamentais formalmente constitucionais.

De outra banda, ao aludir à Constituição lusitana, e especificamente ao

seu art. 16o42, pondera que a própria Norma Fundamental admite a existência de

outros direitos fundamentais elencados nas leis e regras aplicáveis ao direito

internacional, ainda que não veiculados sob a forma de norma constitucional e,

por isso mesmo, reconhecidos como direitos materialmente fundamentais.

Esse tipo de disposição materialmente constitucional, que bem evidencia

o caráter aberto desse tipo de norma, tende a abarcar todas as possibilidades de

direitos passíveis de serem reconhecidos ao existir humano. E, nesse ponto, há

de se indagar de que modo estabelecer, entre todos os direitos que não possuem

forma na constituição, quais merecem ostentar a qualidade de fundamentais. A

solução:

É a de considerar como direitos extraconstitucionais materialmente fundamentais os direitos equiparáveis pelo seu objeto e importância aos diversos tipos de direitos formalmente fundamentais. Nesse sentido, o âmbito normativo do art. 16o/1 “alarga-se” ou “abre-se” a todos os

42 Cuja redação – “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional” – configura fórmula comumente utilizada em outras ordens constitucionais, como a brasileira, que lança mão de texto semelhante, porém mais abrangente, e que ratifica uma tradição inaugurada na Constituição da primeira República, em 1891.

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direitos fundamentais e não, como já se pretendeu, a uma certa categoria deles – os direitos, liberdades e garantias (CANOTILHO, 2003, p. 404).

Reconhecer a existência de direitos fundamentais não expressos no texto

da constituição, e que por sua própria natureza ganham não só esse qualificativo,

mas também todo o aparato protetivo e de garantias que lhes são comuns, e

vislumbrar o sentido de abertura material das normas constitucionais que

expressam direitos fundamentais do homem, é a tomada de posição necessária a

compreender que a ordem constitucional efetivamente garante o direito à

verdade, em sua mais variadas acepções.

IV.3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

É consenso na doutrina constitucional que os direitos individuais,

enquanto inerentes ao homem e oponíveis ao Estado, surgem nas últimas

décadas do século XVIII, com as declarações de direitos (e revoluções) nos

Estados Unidos e França. Tal não significa, no entanto, um silêncio histórico na

manifestação de direitos fundamentais em tempos anteriores aos marcos aqui

indicados.

Com efeito, já na Inglaterra medieval despontam importantes movimentos

pelo reconhecimento de alguns direitos fundamentais, ainda que identificados

pelo pragmatismo e não universalização, já que dirigidos a determinada classe

ou grupo de indivíduos concretamente beneficiados pelas declarações de direitos

da época.

Assim, a Magna Charta Libertatum, de 21 de junho de 1215 (FERREIRA

FILHO, 2004, p 11), não obstante haja instituído algumas limitações à

monarquia inglesa que beneficiavam apenas os proprietários de terras e os

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bispos da Igreja católica inglesa, encerra direitos que constituem a base da

Constituição da bretanha, destacando-se entre as primeiras declarações de

direitos da história. Insta salientar que outras cartas semelhantes, a impor

limitações à monarquia, já faziam parte do cenário político-jurídico dos séculos

XII e XIII em terras espanholas e portuguesas (SARLET, 2007, p. 49), mas é

inegável a importância da Carta britânica como referência entre aquelas

declarações de direitos que precederam o constitucionalismo do século XVIII.

A bem dizer, a Magna Charta, ainda que corporativista na essência, já

continha algumas notas indicativas da transformação daqueles direitos

estamentais em direitos do homem, os quais seriam, tempos depois,

efetivamente universalizados. Tal se nota, por exemplo, das previsões contidas

no texto acerca do direito de herança relativos aos bens deixados pelo “homem

livre” (art. 2743); da necessidade em se observar o devido julgamento para fins

de prisão do “homem livre” ou privação de seus bens e direitos (art. 3944); a

liberdade de locomoção (art. 4245). Imperioso lembrar que o conceito de

“homem livre”, outrora limitado aos barões, proprietários dos condados e os

burgueses com representação na Câmara dos Comuns, acabou por ter uma

dimensão mais geral, extensiva a todos os ingleses, precipuamente a partir da

Petition of Right, de 1628.

Ainda em tempos pretéritos, há de se mencionar, também na Inglaterra, a

própria Petition of Right, de 1628, firmada pelo rei Carlos I, o Habeas Corpus

43 “If a free man dies intestate, his movable goods are to be distributed by his next-of-kin and friends, under the supervision of the Church. The rights of his debtors are to be preserved”. 44 “No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or deprived of his standing in any way, nor will we proceed with force against him, or send others to do so, except by the lawful judgment of his equals or by the law of the land”. 45 “In future it shall be lawful for any man to leave and return to our kingdom unharmed and without fear, by land or water, preserving his allegiance to us, except in time of war, for some short period, for the common benefit of the realm. People that have been imprisoned or outlawed in accordance with the law of the land, people from a country that is at war with us, and merchants - who shall be dealt with as stated above - are excepted from this provision”.

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Amendment Act, de 1679, subscrito pelo rei Carlos II, e o Bill of Rights, de 1689,

promulgado pelo parlamento inglês, com o consentimento do Rei Guilherme de

Orange. Vez mais, tais declarações careciam da absoluta universalidade,

necessária a firmá-los como conquistas de toda a humanidade. Contudo, embora

limitados à Inglaterra e sua monarquia, devem ser celebrados por constituírem

parte das primeiras tentativas de imposição de limitações ao exercício do poder

estatal.

De todo modo, os documentos de maior relevância para o

desenvolvimento da doutrina dos direitos fundamentais foram a Virginia Bill of

Rights (12 de junho de 1776) e a Déclaration des Droits de l’Homme et du

Citoyen (26 de agosto de 1789).

A Declaração da Virgínia não só ratificou os direitos consagrados em suas

congêneres inglesas, mas foi além: o texto estadunidense conferiu aos direitos

humanos uma supremacia que não se encontrava nas cartas inglesas, bem como

instituiu a garantia da proteção daqueles direitos por intermédio da função

judiciária do Estado, e em particular da Suprema Corte daquele país que rumava

à independência. Pela primeira vez os direitos do homem eram positivados como

direitos fundamentais constitucionais, tendo sido reconhecida a sua supremacia

jurídica (SARLET, 2007, p. 52).

Mas foi especialmente com a Revolução Francesa, de 1789, que os

direitos fundamentais ganharam universalidade. E a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, do mesmo ano, constitui o documento fundacional dessa

nova realidade, em que os direitos fundamentais eram outorgados

indistintamente a todo e qualquer ser humano, bastando, para sua proteção, a

simples condição de pessoa humana: “Todos os homens nascem e permanecem

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livres e iguais em direitos”46. A constitucionalização desses direitos naquele país

veio com a Constituição Francesa, em 1791, que inseriu a referida declaração de

direitos no preâmbulo de seu texto.

Importa notar que os direitos fundamentais declarados até então, e

assegurados na primeira Constituição francesa, aludem às liberdades públicas,

cujo intento é limitar o poder dos entes estatais, especialmente da monarquia.

Pode-se identificar, assim, a constitucionalização das liberdades civis,

econômicas, sociais e política, todas expressão dos direitos fundamentais de

primeira dimensão.

São esses direitos aqueles que têm por titular o indivíduo, oponíveis ao

Estado e que se traduzem como faculdades ou atributos da pessoa e manifestam

uma subjetividade que é seu traço mais marcante. São, no dizer de Bonavides

(2007, p. 564), os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado:

Entram na categoria do status negativus da classificação de Jellinek e fazem ressaltar na ordem dos valores políticos a nítida separação entre a Sociedade e o Estado. Sem o reconhecimento dessa separação, não se pode aquilatar o verdadeiro caráter antiestatal dos direitos da liberdade.

Inserem-se nesse rol, cuja nota é a autonomia do indivíduo, a liberdade de

expressão, de locomoção, de manifestação; a igualdade perante a lei; os direitos

políticos; a vida; a propriedade.

Correto afirmar, no entanto, que a teoria dos direitos fundamentais ainda

tardaria a atingir a abrangência e a expansão que o tema merecia, vez que sua

desejada evolução encontrou alguma resistência da classe burguesa dominante a

qual, apesar de celebrar o triunfo de tais prerrogativas como ideia reinante

46 Art. 1o da Declaração.

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naqueles tempos, omitiu-se em garantir a ampliação dos direitos civis como

prática cotidiana.

Se os direitos de primeira dimensão, como prestações negativas do

Estado, dominam o século XIX, tendo sido constitucionalizados em terras

brasileiras nas Leis Fundamentais de 1824 (arts. 179 e seguintes) e 1891 (arts.

70 e seguintes), a partir do século XX se fazem presentes os direitos sociais,

culturais e econômicos, cuja satisfação não mais depende de uma abstenção

estatal. Ao revés, exigem uma atuação positiva do Estado, para o qual surge o

dever de concretizar os meios necessários a permitir o acesso do indivíduo a

bens e direitos que outrora o cenário da igualdade meramente formal não era

capaz de viabilizar.

Esses direitos prestacionais têm sua gênese no Estado Social do pós

Primeira Grande Guerra, e na consequente substituição da concepção liberal-

burguesa do homem abstrato, individualizado, pelo critério histórico da

existência humana e sua socialização. Deixa a cena aquele Estado que em nada

intervém, absenteísta, para surgir um ente estatal ativo, do qual se exige um

fazer positivo capaz de assegurar os direitos sociais e a igualdade material.

Tal concepção dos direitos fundamentais sociais, no lembrar de Manoel

Gonçalves Ferreira Filho (1995, p. 251), restou positivada na icônica

Constituição de Weimar, de 1919, e na da Espanha, de 1931. Contudo, cabe

destacar que já se fazia presente na história constitucional desde a Constituição

mexicana de 1917 - em que pese o nacionalismo exacerbado que caracterizou

essa obra - e da Declaração russa de 1918. No Brasil, esses direitos foram

consagrados a partir da Constituição de 1934 (nos dispositivos que seguem ao

art. 115, inclusive).

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Inserem-se no rol desses direitos de segunda dimensão aqueles

relacionados à educação, saúde, assistência social, moradia, cultura, lazer. Bem

assim, as prerrogativas inerentes aos trabalhadores, tais quais o direito ao

salário, às férias, à greve. São, enfim, aqueles direitos de liberdade e igualdade

por intermédio do Estado, e não mais perante o Estado (SARLET, 2007, p. 57) .

Tais direitos de segunda dimensão constituem a tônica das construções

constitucionais do entreguerras, em que pese tenham experimentado um período

de baixa normatividade e pouca eficácia, já que dependem, para sua efetividade,

da presença constante e ativa do Estado, que nem sempre é capaz de preservar

sua exequibilidade, lançando-os, por vezes, ao limbo demagógico das

disposições programáticas que jamais se concretizam senão a partir do

fortalecimento do preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais.

Já a partir da segunda metade do século XX, e em especial no transcorrer

da década de 1960, uma nova perspectiva de direitos fundamentais viria somar

às duas anteriores. A terceira dimensão de direitos do homem surge num

contexto de reiteradas e assombrosas violações à vida, de extermínio em massa

de classes de pessoas, da utilização de armas químicas e nucleares de destruição

em massa, para se desenvolver com plenitude no final do último século.

Nesse diapasão, a Declaração Universal dos Direitos do Homem,

promulgada pela Assembléia Geral da ONU, em 1948, desponta como a mais

importante das construções de direito dessa realidade que se impunha, tendo por

base o ideal de fraternidade entre os povos. Embora não se caracterize como

tratado de direito propriamente dito - quando vinculante aos seus signatários -,

externa indiscutível relevância jurídica, na medida em que seus ditames foram

reproduzidos nas constituições das diversas nações cujas sociedades não mais

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podiam admitir qualquer desrespeito aos princípios basilares e essenciais à

existência humana digna e plena.

Bem assim, a Declaração de 1948 intentou a criação de um sistema

internacional de proteção aos direitos do homem, incluindo aí o resguardo ao

desenvolvimento, ao patrimônio comum da humanidade, ao meio ambiente, à

paz. Aqui, esse sistema depende tanto do atuar ativo de cada um dos Estados,

quanto, e principalmente, da colaboração efetiva entre eles.

Bonavides bem pontua a respeito desses direitos de solidariedade (2007,

p. 569):

Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles na reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Essa internacionalização dos direitos fundamentais é ainda marcada pela

assinatura da Convenção Americana dos Direitos do Homem, em 1969, e a

votação dos Pactos Internacionais de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e

de Direitos Cívicos e Políticos, que vigoram desde 1976.

No Brasil, a Constituição de 1988 albergou os direitos dessa terceira

geração, e tal se nota não apenas a partir da inclusão de um direito fundamental

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225) ou do fomento à

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inovação tecnológica (art. 218) . Antes ainda, logo no art. 3o, a Lei Máxima

elegeu como objetivos fundamentais do País a construção de uma sociedade

solidária e a garantia do desenvolvimento nacional. Na ordem internacional,

ademais, as relações do Brasil devem ser regidas pelos princípios da

autodeterminação dos povos, defesa da paz e cooperação mútuas (art. 4o).

Nesta terceira dimensão, nota-se o caráter difuso dos direitos

fundamentais que lhe são parte, embora essa transindividualidade não afaste a

possibilidade – e a necessidade - de que sejam tutelados individualmente. Essa

tutela, vale dizer, há de respeitar a natureza híbrida desses direitos, cujo pleno

exercício depende ora de uma prestação positiva do ente estatal, ora de sua

abstenção.

Importa salientar que parte da doutrina indica ainda a existência de

direitos fundamentais de quarta (e por vezes quinta, sexta, sétima...) dimensão.

Para alguns estariam relacionados ao fenômeno da globalização política47, para

outros decorreriam do avanço tecnológico e suas conquistas nas biociências

(clonagem, inseminação artificial, organismos geneticamente modificados).

Ainda que reconheçamos a importância da outorga de novos direitos

fundamentais aos róis já existentes, de modo a acompanhar a dinâmica da

evolução humana, cremos que as disposições contemporâneas desses direitos

não demandam a criação de outras e novas dimensões, de modo que a conquista

de novas prerrogativas de direitos inerentes ao existir humano bem podem ser

alocadas nas três dimensões já analisadas, e é essa a razão de nos abstermos

apenas a elas.

47 Paulo Bonavides (2007, p. 570-572) advoga a tese de que o direito à democracia, à informação e ao pluralismo inserem-se numa quarta dimensão de direitos fundamentais, indispensáveis a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

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Mais valioso ao quanto propomos é o estudo da definição do conceito, do

regime e eficácia dos direitos fundamentais, de maneira a permitir a

compreensão do tema sob a perspectiva da identificação de um suposto direito

fundamental à verdade.

IV.4. A DEFINIÇÃO DO CONCEITO: QUE É, AFINAL, DIREITO FUNDAMENTAL?

É possível estabelecer uma definição formal ou estrutural do conceito de

direito fundamental a partir da sua característica intrínseca de universalidade,

partindo-se do pressuposto segundo o qual eles podem ser atribuídos a todos os

indivíduos, de todos os povos, tornando-se um apanágio da qualidade de

cidadão. Essa concepção delineada por Luigi Ferrajoli (2000, p. 8) se opõe à

doutrina hobbesiana no sentido de que os direitos fundamentais seriam

prerrogativas inerentes ao Estado e existiriam enquanto atributo das atividades

estatais (HOBBES, 1998, p. 43).

Em sentido próprio, seriam os direitos fundamentais essencialmente

aqueles direitos do homem individual e livre, frente ao Estado. De outro dizer,

incluir-se-iam entre os direitos fundamentais, sob esse entendimento, somente

aqueles direitos de liberdade do indivíduo, reconhecidos segundo um princípio

basilar de distribuição: uma esfera de liberdade do indivíduo, em princípio

ilimitada, e uma possibilidade de intervenção do Estado nessa liberdade, em

princípio limitada, mensurável e submetida a controle. À conceituação trazida

por Carl Schmitt (1996, p. 170) incluem-se, segundo o próprio autor, os direitos

do indivíduo em relação a outros indivíduos e, ante a necessidade de sua

regulação – sob pena de carecer de efetiva proteção – não residem somente na

esfera particular, mas contém manifestações sociais.

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Todos os direitos fundamentais autênticos, no dizer de Schmitt, são

direitos fundamentais absolutos, que não se garantem “nos termos da lei”, Seu

conteúdo não resulta da Lei, e a interposição legal surge como exceção limitada

em princípio e mensurável, regulada, em geral. É característica do princípio

fundamental de distribuição do Estado de Direito que a liberdade do indivíduo

seja a regra, e as limitações estatais a exceção.

A definição do conceito de disposição de direito fundamental para Carl

Schmmit, que, em síntese, traz a associação de elementos substanciais e

estruturais, é objeto de alguma crítica por parte de Alexy, que prefere vincular o

conceito a um critério formal, vinculado à sua positivação. Nesse caso, direitos

fundamentais são todos aqueles previstos na Constituição como tais,

independentemente daquilo que por meio das normas assim intituladas seja

estabelecido (ALEXY, 2008, p. 68).

Reconhece, no entanto, que esse conceito formal é muito limitado, pois

realmente há normas de direito fundamental não expressas diretamente na Lei

Maior. Tem-se aqui o a definição do sentido de normas de direito fundamental

atribuídas, cuja identificação decorre de uma relação de refinamento ou relação

de fundamentação entre uma norma expressa de direito fundamental e outra

norma constitucional que, em princípio, não parece exprimir a mesma

característica.

Faz-se necessário, contudo, respeitar alguns limites pré-determinados de

modo a não eleger atribuições quaisquer e alçá-las à categoria de fundamentais:

Uma atribuição correta ocorre quando a norma atribuída pode ser classificada como válida. Para classificar as normas diretamente estabelecidas pelo texto constitucional basta a referencia à sua positivação. No caso das normas atribuídas isso é, por definição, logo excluído. Que uma norma seja válida social ou eticamente não significa

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que ela possa ser corretamente atribuída a uma norma de direito fundamental diretamente estabelecida. Portanto, nenhum dos três critérios de validade é adequado para identificar normas de direito fundamental atribuídas. Mas todos eles são levados em consideração no âmbito do seguinte critério: uma norma atribuída é válida, e é norma de direito fundamental se, para tal atribuição a uma norma diretamente estabelecida pelo texto constitucional, for possível uma “correta fundamentação referida a direitos fundamentais”. É possível perceber que os três critérios são levados em consideração quando se atenta ao papel que desempenham o texto das disposições de direitos fundamentais, os precedentes do Tribunal Constitucional Federal e os argumentos práticos gerais na fundamentação referida a direitos fundamentais (ALEXY, 2008, p. 69).

A norma atribuída constituirá uma norma de direito fundamental, pois, se

a argumentação que a sustente fizer referência a direitos fundamentais. Tal

lógica se estende também às normas de direitos fundamentais diretamente

estabelecidas, de maneira que se pode advogar a tese de que todas aquelas

normas que permitem uma correta fundamentação referida a direitos

fundamentais são normas de direito fundamental.

Não são poucas as expressões usualmente empregadas para designar os

direitos fundamentais. Direitos naturais, direitos inatos, direitos humanos,

direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades

fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem.

José Afonso da Silva esforça-se em distinguir cada um desses conceitos,

de modo a melhor situar a definição do que se poderia designar direitos

fundamentais do homem, terminologia, aliás, que se revela mais adequada

porque:

(...) além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política década ordenamento jurídica, é reservada para designar “no nível do direito positivo”, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. (SILVA, 1995, p. 174).

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A adjetivação do que é fundamental deve fazer referência àquelas

situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se pode realizar, não tem

condições de convívio e, por vezes, sequer é capaz de sobreviver. E são

fundamentais do homem pois devem ser materialmente efetivados a todos,

igualmente, sem que se permitam outras distinções senão aquelas previstas na

própria ordem constitucional.

Pondera, de modo a demonstrar a historicidade dessas prerrogativas, que a

expressão direitos fundamentais do homem não se traduz num contraponto entre

a esfera privada e a atividade pública, como mera imposição de limites ao

Estado, mas limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos

do Estado que dela dependam. Essa manifestação da soberania popular se faz

em consonância com a realidade econômica, política e social de cada momento

histórico, ressaltando o caráter reflexivo dos direitos fundamentais, o que, dentre

outros, nos permite situar sua gênese nas dimensões antes analisadas.

Ao introduzir sua teoria dualista dos direitos fundamentais já referida,

Jorge Miranda pondera que são fundamentais os direitos ou posições jurídicas

ativas das pessoas enquanto tais, individual ou institucionalmente consideradas,

estatuídas na Constituição, seja na sua acepção formal, seja em seu sentido

material (MIRANDA 2000, tomo IV, p. 7).

Canotilho prefere referir à definição do conceito de direitos fundamentais

a partir de uma análise comparativa com os direitos do homem. Estes são

direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (designação

consentânea com a dimensão jusnaturalista-universalista), enquanto os primeiros

são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados

espacial e temporalmente. Se os direitos do homem emergem da própria

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natureza humana, a revelar seu caráter inviolável, intemporal e universal, os

direitos fundamentais são objetivamente vigentes em determinada ordem

jurídica (CANOTILHO, 2003, p. 393).

Nos parece especialmente adequada a definição de direitos fundamentais

ofertada por Gregório Peces-Barba Martinez, para quem os direitos subjetivos

fundamentais são disposições normativas atribuídas às pessoas para proteção de

tudo aquilo que se refira à sua vida, liberdade, igualdade, participação política e

social, ou a qualquer outro aspecto fundamental atinente ao seu

desenvolvimento integral como pessoa em uma comunidade de homens livres,

que devem ser asseguradas pelos demais homens, pelos grupos sociais e pelo

Estado, e passíveis de serem exigidos através dos meios coercitivos oferecidos

pelo próprio Estado (PECES-BARBA MARTINEZ ,1976, p. 80).

A definição de direitos fundamentais que podemos estabelecer não deve

se distanciar dos paradigmas aqui tratados, de modo que soa oportuno estatuir

como direitos fundamentais dos homens todas as prerrogativas instituídas em

determinada ordem Constitucional, expressas ou implicitamente, inerentes à

própria existência digna da pessoa humana, relativas à vida, liberdade e

igualdade, as quais transcendem a esfera de proteção individual para alcançar

as relações sociais e políticas nas quais estará inserido e cuja efetivação há de

ser assegurada, inclusive judicialmente, em sua relação com o Estado e com

outros homens, de modo que tanto àquele quanto a estes seja-lhes vedada a

supressão ou limitação de tais prerrogativas sem a necessária, prévia e

expressa justificação constitucional.

Tão relevante quanto estabelecer uma definição adequada do conceito de

direitos fundamentais é compreender a razão pela qual o silêncio do constituinte

jamais será capaz de afastar do regime protetivo e de garantias próprias do

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sistema de direitos fundamentais aquelas prerrogativas que não encontram

previsão expressa no texto da Lei Fundamental mas externam as características

definidas no conceito formulado.

IV.5. DIREITOS FUNDAMENTAIS: CARACTERÍSTICAS NO SISTEMA

CONSTITUCIONAL

Tão logo iniciamos o estudo dos direitos fundamentais, alertamos para a

importância de se compreender que eles se manifestam na ordem jurídico-

constitucional tanto expressa quanto implicitamente, conforme escólio de

Canotilho. É essa realidade, ademais, considerada na definição do conceito de

direitos fundamentais que cunhamos há algumas linhas.

Tal qual o constitucionalista lusitano, e ainda com mais profundidade,

Loewenstein faz alusão a determinados âmbitos de autodeterminação do

indivíduo nos quais o Estado está proibido de penetrar para referir à

historicidade dos direitos fundamentais. Assim, ao tomarem corpo no texto

constitucional, estão, em realidade, sujeitando-se a processo meramente

declarativo:

O acesso a estas áreas proibidas está fechado a todos aqueles que detém o poder, ao governo, ao parlamento e, uma vez que os direitos fundamentais são “inalienáveis”, também ao eleitorado. Essas esferas privadas, no âmbito das quais os destinatários do poder estão livres de intervenção estatal, coincide com o que se convencionou denominar há trezentos anos “direitos humanos” ou “liberdades fundamentais” (...) Apesar de estarem sujeitos a uma interpretação variável devido à diferença do ambiente em que vigoram, estas garantias fundamentais são o núcleo inviolável do sistema político da democracia constitucional, regendo como princípios superiores ao ordenamento jurídico positivo, mesmo quando não são formulados em normas constitucionais expressas. Como um todo, estas liberdades

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fundamentais são corolários da dignidade do homem (LOEWENSTEIN, 1979, p. 390)48.

Canotilho, por seu turno, alude à Constituição portuguesa de 1976 e sua

classificação relativa aos direitos, liberdades e garantias e ressalta que essa

categorização é relevante porque ela não constitui mero esquema classificatório,

mas pressupõe um regime jurídico-constitucional especial, materialmente

caracterizador dessa espécie de direitos.

Demais disso, a classificação mencionada e o respectivo regime servem

de parâmetro material a outros direitos análogos distribuídos ao longo do texto

constitucional, aos quais:

se atribui uma força vinculante e uma densidade aplicativa que apontam para um reforço de “mais-valia” normativa destes preceitos relativamente a outras normas da Constituição, incluindo-se aqui as normas referentes a outros direitos fundamentais (CANOTILHO, 2003, p. 398).

Desenvolve, em prodigiosa construção teorética, os traços específicos dos

direitos, liberdades e garantias em sua relação com outros direitos, definindo os

critérios do radical subjetivo; da natureza defensiva e negativa; da determinação

ou determinabilidade constitucional do conteúdo; da aproximação tendencial

aos traços distintivos dos direitos, liberdades e garantias. Por sua relevância aos

fins aqui propostos, valorosa é a apreensão de cada um deles.

48 Tradução livre de “El acesso a estas zonas prohibidas está cerrado a todos los detentores del poder, al gobierno, al parlamento y, dado que los derechos fundamentales son “inalienables”, también al electorado. Estas esferas privadas, dentro de las cuales los destinatários del poder están libres de la intervención estatal, coinciden con lo que se ha venido a llamar desde hace trescientos años los “derechos del hombre” o “libertades fundamentales”...Aunque están sometidas a una interpretación variable debido a la diferencia del ambiente donde estén en vigor, estas garantias fundamentales son el núcleo inviolable del sistema político de la democracia constitucional, rigiendo como principios superiores al ordem jurídico positivo, aun cuando no están formulados en normas constitucionales expresas. En su totalidad, estas libertades fundamentales encarnan la dignidad del hombre”.

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Em que pese a própria Constituição invariavelmente incluir na categoria

de direitos, liberdades e garantias aqueles atinentes à coletividade e às

organizações sociais e políticas, é reconhecida a referência pessoal ao homem

individual (radical subjetivo) quando se trata dessa categoria jurídica. De notar

que a possibilidade de a ordem constitucional albergar tais prerrogativas também

àqueles entes polisubjetivos jamais poderia redundar na impossibilidade de

estabelecer como traço específico dos direitos, liberdades e garantias esse

radical subjetivo, já que a manifestação destes em comunidade não exclui sua

expressão pessoal e individualizada. De outro dizer, o exercício de um direito

fundamental difuso, coletivo ou social pelo grupo de pessoas aos quais é

dirigido não pode obstar igual exercício pela pessoa individual que integra o

mesmo grupo, já que o fundamento desses direitos e liberdades reside numa

lógica centrípeta, em que cada titular que as tem autonomamente garantidos une-

se a outros titulares de mesmas prerrogativas, permitindo sejam elas tuteladas,

agora em conjunto, mas sem destituir seus integrantes de igual amparo.

A considerar que direitos, liberdades e garantias são os direitos que

demandam uma abstenção do Estado seu destinatário, relativamente à esfera

jurídico-subjetiva por eles definida e protegida, há de se concluir pela natureza

defensiva e negativa destes. Ressalte-se que o próprio Canotilho suscita a

relativa inadequação desse critério, dentre outros, porque há direitos que

demandam uma prestação positiva do ente estatal (e.g. direitos de segunda

dimensão).

Pensamos que a ressalva do constitucionalista, ainda que respeitável e

plenamente justificada na higidez técnica de sua obra, mostra-se exagerada. O

critério sugerido não é inadequado se considerarmos que mesmo as chamadas

liberdades negativas dependem para sua efetivação, no mais das vezes, de um

fazer estatal (a liberdade de locomoção não se garante apenas quando da

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abstenção de executar uma ordem de prisão ilegal, mas de revogar eventual

encarceramento indevido por ato comissivo da autoridade competente; a

propriedade privada deve ser garantida tanto pela proibição de desapropriar sem

prévia e justa indenização, quanto ou mais pela atividade estatal dirigida a

repelir o furto e o roubo). Por outro lado, as prestações positivas como

característica dos direitos fundamentais de segunda dimensão por vezes se

concretizam paradoxalmente, por um non facere, como ocorre quando o Estado

não intervém nas diretrizes pedagógicas do ensino superior de modo a garantir a

autonomia didático-científica das universidades como forma de consagrar o

direito à educação.

No que pertine ao critério da determinação ou determinabilidade

constitucional do conteúdo, se pode afirmar que são direitos, liberdades e

garantias aqueles cujo conteúdo é essencialmente determinado – ou se pode

determinar – ao nível das opções constitucionais. Por tal, ainda que a

interposição legislativa não seja de todo irrelevante ou desnecessária para uma

otimização em sua aplicabilidade, as normas constitucionais consagradoras de

direitos, liberdades e garantias são passíveis de aplicabilidade direta, donde

deflui a certeza de que as prerrogativas por elas reconhecidas possuem

densidade normativa suficiente para valerem ainda que na ausência de lei ou

mesmo contra ela.

A aproximação tendencial aos traços distintivos dos direitos, liberdades e

garantias é critério decorrente daqueles até aqui analisados, com o destaque no

sentido de que eles se caracterizam como direitos self executing, e não

dependem da mediação concretizadora ou densificadora dos poderes públicos.

Podemos ainda destacar como característica intrínseca dos direitos

fundamentais a posição hierárquica superior que ocupam no sistema normativo,

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sendo que muitos deles, ao manifestarem verdadeiros princípios, expressam

evidente função normogenética. A opção do constituinte brasileiro quanto à

supremacia desses direitos, a exemplo de outros sistemas constitucionais, resta

clara da leitura dos dispositivos constitucionais consagradores de tais

prerrogativas e da petrificação do núcleo de direitos fundamentais, alheios ao

ímpeto reformador (art. 60, § 4o, IV, CF/88).

A proteção dos direitos fundamentais ao intento modificativo do Poder

Derivado guarda estreita relação com outro atributo dessa espécie de direito: a

proibição do retrocesso. Com efeito, a outorga de direitos fundamentais no curso

da evolução humana segue uma lógica progressiva, segundo a qual as novas

prerrogativas não substituem ou anulam as anteriores, mas as complementam.

Tal característica, vale salientar, não impede que determinado direito

fundamental perca uma parcela de sua efetividade diante da gênese de outro

direito de igual quilate a demandar a harmonização entre ambos ou princípio que

encerre cláusula de redutibilidade, o que ocorre, por exemplo, com a liberdade

de contratar sob estrito respeito à função social do contrato. Essa realidade,

aliás, alude a outra características dos direitos fundamentais, que é a

relativização, dada a necessidade de convivência entre as liberdades a impor

algumas limitações de ordem ético-jurídicas.

São os direitos fundamentais, ademais, caracterizados por dupla

universalidade, pois esta se manifesta tanto em relação ao seu titular (todo ser

humano), quanto sob uma análise temporal (surgem em dado momento histórico

mas seu exercício é atemporal).

Outra característica que merece alusão consiste na compreensão de que os

direitos fundamentais são interdependentes, na medida em que coexistem suas

mais diversas proclamações, e a tutela de um ou alguns não obsta o exercício

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cumulativo de outros, passíveis de idêntica proteção jurídica a evidenciar outro

caracter: a indivisibilidade.

Destaque-se, demais disso, que o titular dos direitos fundamentais não

está, por óbvio, obrigado a exercê-los, porém, essa faculdade jamais poderia

resultar na renúncia destes. Igualmente não prescrevem, já que alheios ao

transcurso dos anos, incapaz de fazer cessar a possibilidade de seu exercício.

Outro atributo indissociável dos direitos fundamentais é a sua aplicabilidade

imediata, uma vez que não faz qualquer sentido elevá-los a uma posição de

relevo na ordem jurídica se não se lhes resguardassem plena e imediata eficácia,

independentemente de sua natureza, se explícitos ou subentendidos, pois

decorrentes do sistema constitucional e dos valores adotados na respectiva

ordem fundacional.

IV. 6. DIREITOS FUNDAMENTAIS: FUNÇÕES NA ORDEM CONSTITUCIONAL

A garantia de resguardo e preservação da dignidade da pessoa humana

ressoa como a primeira e mais importante função dos direitos fundamentais.

Segundo Canotilho, essa função se manifesta sob uma dupla perspectiva:

(1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa) (CANOTILHO, 2003, p. 408).

Anote-se que Jorge Miranda pontua a relevância da dignidade da pessoa

humana e sua estreita relação com os direitos fundamentais sendo que estes se

apóiam naquele valor, de modo que o sistema constitucional repousa na ideia de

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que a pessoa é fundamento e fim da sociedade e do Estado (MIRANDA, 2000,

IV, p. 180).

Têm, ainda, os direitos fundamentais, a função de prestação social, com

vistas a permitir que o indivíduo tenha acesso aos bens sociais, econômicos e

culturais através de ações estatais.

Uma terceira função dos direitos fundamentais está relacionada ao dever

que se impõe ao Estado de proteger o indivíduo titular de um direito

fundamental perante eventuais violações a essas prerrogativas, seja o agressor o

próprio poder público, seja um terceiro. Essa função de proteção dos direitos

fundamentais quando destinada a assegurá-los da agressão perpetrada por outro

indivíduo justifica a atividade legiferante do Estado quanto às normas

reguladoras das relações interpessoais, editadas sob forte influência dos direitos

fundamentais em consagração à técnica contemporânea de constitucionalização

do direito ordinário.

Exercem os direitos fundamentais, outrossim, a função assecuratória da

igualdade entre os cidadãos, afastando qualquer intento discriminatório que não

se espalde na própria constituição. As ações afirmativas e o sistema jurídico de

garantia aos direitos das minorias são algumas das manifestações concretas

dessa atribuição dos direitos fundamentais.

Não é exagero definir como a mais importante entre as funções que

exercem os direitos fundamentais aquela destinada à garantir a existência digna.

Não por outra razão a Constituição de 1988 estatui a dignidade da pessoa

humana entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito que se

libertava das amarras do período ditatorial que o antecedia. É, pois,

sobreprincípio a influir em todo o edifício jurídico-constitucional, atuando como

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ponto de partida, diretriz e finalidade de qualquer ato de outorga de direitos

fundamentais.

IV. 7. DIREITOS FUNDAMENTAIS E SEU REGIME NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Ainda que o reconhecimento e a garantia de proteção dos direitos

fundamentais independa da positivação de um rol de normas dessas estirpe, até

porque já demonstramos a existência de direitos cuja fundamentalidade é

implícita na ordem constitucional, preferível é a clara determinação de um

núcleo básico, facilmente reconhecível, de direitos e garantias fundamentais.

Nesse aspecto, a Constituição brasileira de 1988 foi prodigiosa em explicitá-los

de maneira destacada, reservando a eles as linhas inaugurais do texto.

Com efeito, logo depois de enumerar os Princípios Fundamentais em seu

Título I, o constituinte tratou de reunir os Direitos e Garantias Fundamentais no

titulo seguinte, sistematizando-o em cinco capítulos distintos, mas

complementares e interdependentes, abrangendo os Direitos e Deveres

Individuais e Coletivos (art. 5o), Direitos Sociais (art. 6o), incluindo aqueles dos

trabalhadores urbanos e rurais (arts. 7o a 11), Nacionalidade (arts. 12 e 13) e

Direitos Políticos (arts. 14 a 16) com clara tutela à liberdade político-partidária

(art. 17).

Não bastasse sua catalogação destacada logo no início da Lei Maior, a

evidenciar a importância que a declaração de direitos assume na Constituição,

aos direitos fundamentais foi reservado assento no rol de matérias intangíveis, as

quais mantêm-se incólumes no núcleo petrificado impassível de supressão pelo

câmbio constitucional formal (revisão e emenda) e informal (mutação), como é

cediço da análise do art. 60, §4o, IV do texto constitucional. De notar que a

cláusula de imodificabilidade instituída labora em prol dos direitos

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fundamentais, o que autoriza a modificação constitucional que proponha o

alargamento das prerrogativas que tais, seja através da inclusão de novos direitos

fundamentais, seja por meio do incremento do campo de atuação daqueles já

existentes.

Nesse diapasão, ainda, cumpre salientar que, apesar de o constituinte ter

se valido da expressão direitos e garantias individuais quando da positivação

dos limites materiais à reforma constitucional, é pacífica a compreensão no

sentido de que o manto protetivo reveste todo e qualquer direito fundamental e

não apenas aqueles grafados como individuais, já que inseridos no mesmo

regime jurídico. É, dentre outros, a lição de Vladimir Brega Filho:

O princípio da dignidade da pessoa humana força-nos a concluir que a expressão “direitos individuais” posta no art. 60, parágrafo 4°, inciso IV, da Constituição deve ser interpretada de forma ampla, de modo a garantir a eficácia dos direitos fundamentais. Não há vida digna sem o reconhecimento de todos os direitos fundamentais. Além disso, as características da indivisibilidade e da interdependência exigem que todas as espécies de direitos fundamentais sejam tratadas sob um mesmo regime jurídico (BREGA FILHO, 2002, p. 106).

Importante regra foi introduzida no § 1o, do art. 5o, da Lex Legum, acerca da

eficácia plena e aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e

garantias fundamentais. Não haveria de ser diferente, já que o fundamento

destes – e sua função primordial – alude à dignidade da pessoa humana,

princípio do Estado Democrático de Direito, cujo resguardo não pode estar

sujeito à conveniência legislativa que pudesse estatuir norma regulamentadora

de direitos fundamentais a preservar essa matriz.

Por derradeiro, havemos de atentar ao preceito contido no § 2o, do mesmo

art. 5°. Nos termos da dicção daquele comando constitucional, os direitos e

garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e

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dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a

República Federativa do Brasil seja parte.

O alcance, a dimensão e abrangência dessa disposição constitucional serão

melhor e precisamente avaliados no tópico seguinte, vez que a compreensão da

importância da norma nela inserta é imprescindível para os fins pretendidos no

estudo que tencionamos executar.

IV. 8. A NORMA DO ART. 5O, § 2O, DA CONSTITUIÇÃO: ODE À MÁXIMA

PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA E A VERDADE COMO DIREITO

FUNDAMENTAL

A primeira Constituição Republicana do Brasil instituiu a salutar tradição de

reconhecer e respeitar a natureza aberta das disposições constitucionais,

especialmente daquelas mediante as quais há outorga de direitos e garantias

fundamentais. Em seu art. 7849, a Constituição de 1891 consagrara que a

especificação das garantias e direitos expressos na Norma não excluíam outras

garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que

ela estabelecia e dos princípios ali consignados.

Semelhante disposição viu-se na Constituição de 1934, em seu art. 11450, e,

em seguida, na de 1937, cuja redação de seu art. 12351, alem de explicitar a

abertura material relativa aos direitos fundamentais, exprime o cenário político

da época, com marcante participação do Estado.

49 No original: “A especificação das garantias e direitos expressos na Constituição não exclui outras garantias e direitos não enumerados, mas resultantes da forma de governo que ela estabelece e dos princípios que consigna”. 50 Com a seguinte redação: “A especificação dos direitos e garantias expressos neta Constituição não exclui outros, resultantes do regime e dos princípios que ela adota”. 51 “A especificação das garantias e direitos acima enumerados não exclui outras garantias e direitos, resultantes da forma de governo e dos princípios consignados na Constituição. O uso desses direitos e garantias terá por limite o bem público, as necessidades da defesa, do bem-estar, da paz e da ordem coletiva, bem como as exigências da segurança da Nação e do Estado em nome dela constituído e organizado nesta Constituição”.

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A Constituição de 1946 fez alusão ao tema no art. 14452, já destituído das

influências normativas do Estado máximo de outrora, em que pese o retorno

desse panorama a partir de 1964. De todo modo a consagração aos direitos

fundamentais não positivados replicou-se em 1967, no art. 150, § 3553, da

Constituição da ditadura militar, e na Emenda Constitucional 1/69, cujo art. 153,

§ 36 manteve a mesma redação da versão original.

Bem se vê que a tradição de não se impor limites formais aos direitos

fundamentais inaugurada na Primeira República se manteve incólume no

processo evolutivo das constituições brasileiras, de modo que a Constituição de

1988 não excetua a regra, tal qual se depreende da leitura de seu art. 5o, § 2o:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados

internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Das fontes históricas a instituírem o resguardo às chamadas liberdades

implícitas - ou inominadas, decorrentes – releva notar a Emenda IX, da

Constituição dos Estados Unidos da América do Norte, ratificada em 1791. Nos

termos de sua dicção, “the enumeration in the Constitution of certain rights

shall not be construed to deny or disparage others retained by the people” ou,

“a enumeração, na Constituição, de alguns direitos, não será interpretada de

maneira a excluir ou prejudicar outros direitos retidos pelo povo”.

Importa destacar que a expressão outros direitos retidos pelo povo alberga

tanto aqueles já inscritos no patrimônio de direitos fundamentais do indivíduo,

52 “A especificação, dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”. 53 “A especificação dos direitos e garantias expressas nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”.

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seja em razão do regime e princípios adotados na Constituição, seja por força de

tratados internacionais – no caso da Constituição brasileira – quanto aqueloutros

que ainda podem integrar esse rol em alguma fase da evolução humana.

O fato é que nenhuma Constituição é capaz de abranger em seu conteúdo a

totalidade do direito constitucional de um povo, mormente se exitosa na missão

de ostentar o atributo da perenidade que é tão cara às normas constitucionais.

Como documento histórico, está sujeita às circunstâncias de tempo e espaço,

inclusive na ordem internacional, especialmente acerca da introdução no texto

de um rol de direitos humanos fundamentais, cuja interdependência com a

realidade supraconstitucional é evidente.

Mais ainda, a plena realização do indivíduo, como ser dotado de

racionalidade e destinado a concretizar sua existência sob o signo da dignidade

não pode estar adstrito a um acervo de direitos e garantias fundamentais

declarados em determinado momento e que se queda estático.

É, ainda sobre o tema, a inspirada lição de Meirelles Teixeira, sobre o já

suscitado art. 144, da Constituição Federal de 1946, que merece ser trazida à

colação:

(...) os direitos e as garantias constitucionais, se os considerarmos em conjunto, revelar-se-ão “condicionados, entrelaçados uns aos outros, servindo-se, auxiliando-se mutuamente”, na tarefa comum e suprema da preservação da liberdade. (...) E as garantias constitucionais, afinal, seja de modo geral, seja como dispositivos especiais de repressão e segurança, destinam-se especificamente à proteção dos direitos, garantias de liberdade, e todos servem, afinal, àquele centro e fulcro, àquela razão de ser da vida social, do Estado, do ordenamento jurídico, do Bem Comum – a “pessoa humana” (MEIRELLES TEIXEIRA, 1991, p. 705).

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Assim, em que pese a enumeração exaustiva dos direitos e garantias

fundamentais, individuais, sociais e coletivos explicitamente resguardados no

Titulo II da Lei Maior, esses róis constituem numerus apertus, são meramente

exemplificativos54, e não afastam a proteção a outros direitos contidos em outras

partes do próprio texto constitucional – e.g. princípio da anterioridade tributária

como direito fundamental55 -, bem assim localizadas fora dele, desde que sua

fundamentalidade decorra da sua referência a posições jurídicas vinculadas aos

valores da dignidade humana e da liberdade que, por tal relevância, não podem

ser deixados ao sabor do intento modificativo do legislador ordinário.

Resta claro, pois, que o constituinte brasileiro privilegiou a materialidade

dos direitos fundamentais em detrimento da forma, de maneira que pouco

importa esteja o direito fundamental expressamente enumerado, relevando

considerar, em realidade, que ele possua base sólida, coerente e firme no texto

constitucional. Nesse sentido é o dizer de Ingo Wolfgang Sarlet:

54 Jorge Miranda advoga que a enumeração é aberta, sem ser, em rigor, exemplificativa (2000, IV, p. 162). 55 Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 939, assim ementada: Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

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Ao contrário da Constituição portuguesa (art. 16/1), que, no âmbito da abertura material do catálogo, se limita a mencionar a possibilidade de outros direitos fundamentais constantes das leis e regras de direito internacional, a nossa Constituição foi mais além, uma vez que, ao referir os direitos ‘ decorrentes do regime e princípios’, evidentemente consagrou a existência de direitos fundamentais não-escritos, que podem ser deduzidos, por via do ato interpretativo, com base nos direitos constantes do ‘catálogo’, bem como no regime e nos princípios fundamentais da nossa Lei Suprema. Assim, sob pena de ficar desvirtuado o sentido da norma, cumpre reconhecer – a despeito de todas as dificuldades que a questão suscita – que, paralelamente aos direitos fundamentais fora do ‘catálogo’( com ou sem sede na Constituição formal), o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais abrange direitos não expressamente positivados (SARLET, 2007, p. 100).

E para que não restem dúvidas acerca da plenitude de efeitos da norma

inserta no multicitado § 2o, do art. 5o, da Constituição Cidadã, é seguro

classificá-la como norma de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e

integral. A uma porque é portadora de normatividade suficiente, incidindo direta

e imediatamente sobre a matéria que lhe constitui o objeto e, a duas, porque o §

1o do mesmo art. 5o, define inequivocamente que as normas definidoras dos

direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Nesta senda, e por

decorrência lógica, terá aplicabilidade imediata a norma que assegura a

existência de outras normas prescritoras de direitos fundamentais.

Disposta a questão a respeito da garantia de proteção a direitos

fundamentais não enumerados nos róis do Título II da Constituição Federal, é de

indagar quais poderiam ser esses outros direitos e garantias compreensíveis no

regime e princípios adotados pela Lei Fundamental. Essa tarefa revela-se

primordial para os fins deste trabalho, através do qual se busca perquirir a

respeito da possibilidade de incluir, entre os direitos e garantias fundamentais, o

direito à verdade.

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Não pairam dúvidas – até porque a norma assim explicita – de que os

direitos e garantias definidos no dispositivo em testilha são aqueles

compreendidos expressa ou implicitamente no regime e nos princípios

constitucionais, ou que ganhem o ordenamento jurídico-constitucional pátrio por

meio de tratados internacionais dos quais seja o Brasil signatário.

Se assim o é, afigura-se acertado considerar que serão direitos e garantias

fundamentais aquelas posições jurídicas destinadas ao resguardo da liberdade

(preâmbulo e art. 5o, caput, da CF/88), dignidade da pessoa humana (art. 1o, III,

CF/88) e de sua realização plena, decorrentes do modelo federativo de Estado

Democrático de Direito (art. 1o, caput), e que tem como pressuposto fundacional

a soberania (art. 1o, I) e o exercício da cidadania (art. 1o, II, CF/88) , num plano

em que o princípio da manifestação do poder está fulcrada no povo, dada a

submissão ao regime republicano.

Ínsitos ao pleno exercício da cidadania são seus valores mais relevantes,

dentre os quais a liberdade, em todas as suas formas de expressão. É o estado de

liberdade do indivíduo, aliás, a condição indispensável para que exista com

dignidade e exerça com propriedade as prerrogativas inerentes ao princípio da

cidadania. De outro dizer, não se pode conceber vida digna e existência cidadã

sob um cenário de restrição injustificada da liberdade.

Por sua vez, a condição de homem liberto vai muito além do repúdio às

amarras físicas que segregam o corpo. Extrapolam mesmo os limites materiais

para alcançar o nível intelectual, do pensamento, da expressão, da análise crítica

e livre das percepções que lhe tocam a razão sensível. É expressão da liberdade,

pois, também aquelas decisões que o indivíduo leva a termo para bem planificar

sua vida, fazendo-o segundo um julgamento de valor a respeito da conduta do

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Estado e de outros indivíduos, das informações e dados que lhe são trazidos ou

se lhe disponibilizam, também por força do direito fundamental de acesso a elas.

E se depende o indivíduo do julgamento da realidade (ou aparência de)

que lhe é imposta, das informações e dados que lhe são trazidos para que possa

atuar com liberdade; se essa liberdade é pressuposto do exercício da cidadania e

condição essencial para existir dignamente, é de rigor considerar que tais jamais

poderão estar dissociadas do qualificativo que as tornem dignas de credibilidade,

pois manifestadas segundo o atributo da verdade.

Desde logo, então, há se compreender a verdade como direito

fundamental do indivíduo enquanto informador de outros princípios

fundamentais - dignidade, cidadania, liberdade -, garantindo-lhe não só a busca

de tal prerrogativa, mas impondo ao poder público o dever de nortear sua

atuação segundo esse qualificativo.

IV.9. VERDADE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A INTERPRETAÇÃO

CONSTITUCIONAL: VERDADE COMO PRINCÍPIO

A Constituição brasileira não faz alusão direta e explícita à verdade, tão

pouco define garantias tendentes a permitir a concretização de eventual direito

de acesso ao verdadeiro. No entanto, em que pese a omissão enunciativa, através

de algum esforço hermenêutico é possível vislumbrar a presença efetiva do

direito à verdade no ordenamento constitucional pátrio.

Esse processo interpretativo, como visto, depende da apreensão dos

contornos e alcance da cláusula de abertura material dos direitos e garantias

fundamentais consagrada no art. 5o, § 2o, da Lex Legum, e sua convergência com

a máxima efetivação das prerrogativas inerentes à liberdade e dignidade da

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pessoa humana. Depende, outrossim, da total observância dos postulados

hermenêutico-constitucionais evidenciados por Celso Ribeiro Bastos (BASTOS,

1999, p. 95-107).

Bem se sabe que a interpretação das normas constitucionais possui alguns

traços peculiares, e que a distingue da interpretação de outros ramos

didaticamente autônomos do Direito. Na realidade, podemos afirmar que a cada

disciplina jurídica correspondem alguns "pressupostos de interpretação" ou

"pressupostos hermenêuticos", que se justificam pela particularidade inerente à

cada um desses sistemas.

As diretrizes hermenêuticas são verdadeiros postulados, dogmas que todo

aquele que interpreta deve admitir, sob pena da total invalidade de seu esforço

científico. São eles: a Supremacia da Constituição; a Unidade da Constituição;

a Maior Efetividade Possível do texto constitucional; e, a Harmonização.

O primeiro deles diz respeito ao fato de a Constituição ser a norma

superior em qualquer ocasião. O postulado da Supremacia da Constituição

repele todo o tipo de intervenção que venha de baixo. É dizer, repele toda a

tentativa de interpretar a Constituição a partir da lei. O que cumpre ser feito é

sempre o contrário: procede-se à interpretação do ordenamento jurídico a partir

da Constituição.

Em resumo, significa que a norma constitucional é superior a todas as

demais, servindo-lhes como fundamento de validade. Expressa também a

proibição de ser interpretada a partir das leis que lhe são inferiores.

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O segundo pressuposto hermenêutico – postulado da Unidade da

Constituição – determina que a Lei Maior deve ser interpretada como algo uno e

indecomponível, de tal sorte que não deixe margem a contradições entre suas

normas. Tal postulado obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua

globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as

normas constitucionais a concretizar.

Trata-se de compreender que a Constituição deve ser apreendida como um

sistema, ou seja, como um conjunto de elementos que mantém entre si intrínseca

relação de pertinência, de tal sorte que modificado um único dispositivo ou

preceito constitucional, toda a Constituição restará modificada.

Como consequência deste princípio, as normas constitucionais devem

sempre ser consideradas como coesas e mutuamente imbricadas. Não se poderá

jamais tomar determinada norma isoladamente, como suficiente em si mesma. É

que a Constituição pode perfeitamente prever determinada solução jurídica num

dado ponto para, em outro, tomar posição contrária, dando lugar a uma relação

entre norma geral e outra específica. Esta predomina no espaço que abrange.

Assim,

(...) Pode-se dizer, pois, que a Constituição não é um conglomerado caótico e desestruturado de normas. Pelo contrário, não obstante apresentarem o mesmo grau hierárquico, é possível identificar certas normas que, na medida em que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, ascendem para uma posição que lhes permite sobrepairar em área muito mais ampla. O que elas perdem, pois, em carga normativa, ganham como força valorativa a espraiar-se por um sem-número de outras normas, inclusive da própria Norma Fundamental, sem que com isso se possam considerar como de escalão superior. No fundo, tanto são normas as que encerram princípios quanto as que encerram preceitos, podendo-se dizer que é desse entrelaçamento que o todo constitucional sai fortalecido (e nunca prejudicado, com o afastamento de qualquer de suas regras). O reflexo mais imediato é o caráter de

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sistema que os princípios imprimem ao corpo constitucional (BASTOS, 1999, p. 103-104).

A Unidade da Constituição, então, exige que o intérprete considere cada

norma constitucional em interdependência com todas as demais, reconhecendo-

se que estão no mesmo patamar hierárquico.

O primado da Máxima Efetividade Possível, por seu turno, determina que

se proceda à interpretação da Constituição, sempre que possível, atribuindo ao

dispositivo constitucional sob exame o máximo de eficácia. Faz-se importante

ressaltar que este axioma não tem por objetivo promover a interpretação

ampliativa dos dispositivos constitucionais, fazendo sempre prevalecer a

interpretação mais abrangente, o que se apresentaria como inegável subversão

dos fins para os quais a Constituição fora criada.

O postulado é válido na medida em que por meio dele se entenda que não

se pode empobrecer a Constituição. O que efetivamente significa este

pressuposto é o banimento da ideia segundo a qual um dispositivo ou parte dele

deva ser considerado sem qualquer efeito. Neste aspecto funciona como reforço

do postulado da Unidade da Constituição, na medida em que proíbe o

esvaziamento completo do conteúdo de um artigo, qualquer que seja, já que tal

redundaria flagrante violação ao sentido do texto constitucional.

Assim, o postulado da Máxima Efetividade determina que a interpretação

que se faz da Constituição deve conferir o maior grau de eficácia à norma, que

se traduz na realização plena da Constituição.

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Por derradeiro, o pressuposto decorrente, da Harmonização, pretende a

conciliação das normas e princípios constitucionais, para que nenhum deles

fique prejudicado em razão de outro:

Mais do que possibilitar a máxima efetividade possível, o postulado da harmonização relaciona-se com o da unidade, na medida em que não se podem admitir contradições. O que é uno não é divisível, muito menos em partes opostas. Nesse sentido, a harmonização é como o postulado da máxima efetividade transportado para o preceito fundamental considerado em sua unidade. Só através da harmonização das diversas normas da ordem constitucional é que se poderá atribuir ao texto a mais ampla aplicação que ele exige (BASTOS, 1999, p. 106).

Desse modo, o postulado da Harmonização significa que as normas

constitucionais, por estarem no mesmo patamar hierárquico e por lhes serem

conferidas o máximo de efetividade não devem, quando conflitantes, anularem

umas às outras. Ou seja, nos casos de tensão entre normas constitucionais, o

intérprete deverá se socorrer da razoabilidade para reduzir o campo de atuação

de cada uma das normas, proporcionalmente, de forma a garantir a eficácia de

ambas, mesmo que de maneira reduzida.

Diante de tais diretrizes, havemos de analisar se a interpretação do

edifício constitucional brasileiro permite concluir pela existência de um direito à

verdade, oponível nas relações entre os particulares e entre estes e o Estado.

Mais do que isso, esse processo do pensar hermenêutico seria capaz de

demonstrar que a verdade se revela como ente superior, assumindo posição

hierárquica de destaque no ordenamento constitucional, acima de qualquer rol

de direitos?

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Para tanto, importante considerar, a Teoria dos Princípios destacada por

Robert Alexy, e a ideia de que os direitos constitucionais são princípios e, assim,

qualitativamente distintos das regras.

Os princípios constitucionais exercem papel fundamental na atividade

interpretativa da Constituição. Pode-se afirmar que os princípios são verdadeiros

amálgamas do ordenamento jurídico, servindo para sistematizá-lo e dotá-lo de

coerência interna.

No dizer de Vezio Crisafulli, princípio é

toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém (CRISAFULLI, 1952, p. 112).

Nesse passo, vale diferenciar os princípios das regras, seja no Direito

Constitucional ou nos demais ramos do Direito, tarefa que faremos de modo

sintético, buscando a máxima objetividade.

Enquanto os princípios são normas com um grau de abstração

relativamente elevado, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

Ademais, por serem vagos e indeterminados, os princípios necessitam de

mediações concretizadoras, para que possam ser aplicadas, enquanto as regras,

mais específicas e determinadas, são suscetíveis de aplicação direta.

Quanto ao caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de Direito,

os princípios surgem como normas de natureza ou com um papel fundamental

no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes

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(e.g. princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do

sistema jurídico (e.g. princípio do Estado de Direito). As regras, igualmente

fontes de Direito, assumem uma posição subordinada aos princípios. Demais

disso, os princípios são standards, padrões juridicamente vinculantes fundados

nas exigências de justiça ou na ideia de direito, já as regras podem se manifestar

como normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional (e. g. regras

de procedimento no Direito Processual).

Os princípios, ademais, são fundamento de regras. São normas que estão

na base ou constituem a razão das regras jurídicas, desempenhando uma função

normogenética inexistente nas simples regras.

Assim, é possível identificar, enfaticamente, que os princípios são normas

jurídicas impositivas de uma otimização, compatíveis com vários graus de

concretização, consoante os condicionalismos fáticos e jurídicos. Por isso

mesmo a convivência dos princípios é conflitual. Os princípios coexistem.

Ao constituírem exigências de otimização, por sua vez, permitem o

balanceamento de valores e interesses, consoante o seu peso e a ponderação de

outros princípios eventualmente conflitantes. Não obedecem, como as regras, a

lógica do “tudo ou nada”.

Exatamente por externar tal característica, em caso de conflito entre

princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles

contém apenas exigências ou standards que, a priori, devem ser realizados.

Não restam dúvidas, pois, que os princípios constitucionais são,

efetivamente, normas, e, como tais, não são meras construções informativas,

devem ser aplicados quando da interpretação do texto constitucional.

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Nesse diapasão, afigura-se conveniente a análise, ainda que brevíssima, da

classificação dos princípios, importando lembrar que o tema não encontra

unanimidade na doutrina. Valeremo-nos, aqui, da lição de Canotilho acerca da

matéria (CANOTILHO, 2003, p. 1165 e ss.).

Temos, assim, primeiramente, os denominados Princípios jurídicos

fundamentais, historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na

consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no

texto constitucional. Servem de fundamento material para a interpretação das

normas constitucionais e infraconstitucionais (e.g. princípio da boa-fé, princípio

de que a ninguém é dado desconhecer a lei).

Os Princípios políticos constitucionalmente conformadores explicitam as

valorações fundamentais do legislador constituinte, suas opções político-

ideológicas, que têm reflexo na fixação da forma de Estado, bem como sua

estrutura, forma de governo e regime político. A titulo exemplificativo podemos

mencionar o princípio republicano, princípio federativo, princípio da tripartição

dos poderes, dentre outros.

Destacam-se, ainda, os Princípios constitucionais impositivos, que, tal

qual sugere o titulo, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a

realização de fins e a execução de tarefas, constituindo, sobremaneira, as normas

constitucionais programáticas.

Temos, por fim, os Princípios-garantia, identificados como aquelas

normas que visam instituir direta e imediatamente uma garantia aos cidadãos.

Incluem-se, aqui, os princípios inerentes ao devido processo legal (contraditório

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e ampla defesa), o princípio da legalidade, o princípio do juiz natural, o

princípio da vedação de tribunais de exceção, dentre tantos outros.

Sob tal análise, e a considerar as características distintivas de princípios e

regras ora analisadas, é seguro conceber o entendimento segundo o qual a

verdade atua em um nível acima daquele em que atuam as regras.

Vislumbrar a existência de um direito à verdade no sistema da

Constituição de 1988 é, em realidade, reconhecer que tal prerrogativa atua, no

mínimo, como princípio constitucional do tipo jurídico fundamental, passível de

assumir contornos de sobredireito a influir na interpretação, aplicação e

integração do direito pátrio.

Com efeito, falar em verdade no ordenamento constitucional, exige certo

exercício de abstração idêntico àquele do qual se lança mão para identificar os

princípios que regem esse sistema normativo. Outrossim, sua vagueza e

indeterminação clamam, para efetiva e integral aplicação, por mediações

concretizadoras que sintetizem e, ao mesmo tempo, revelem a importância do

papel estruturante da ideia que exprime, funcionando, assim, como fonte para

criação de outras normas (função normogenética).

A dúvida que poderia surgir na compreensão da busca da verdade como

princípio constitucional decorre da imposição de otimização desse tipo de

norma, a permitir o balanceamento de valores e interesses segundo seu peso e a

ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes.

De outro dizer, definir a busca da verdade ou a veracidade como

princípio constitucional, seria admitir que, em caso de conflito entre este e

outros princípios, valer-se-ia o intérprete das regras de ponderação,

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harmonização e balanceamento, de modo que, em algumas ocasiões e segundo

as exigências de otimização do caso concreto, a verdade sucumbiria diante de

outra qualquer norma principiológica.

Mas em que situações a revelação da verdade se mostraria menos

importante? Existiriam, realmente, hipóteses em que outros princípios

constitucionais conflitantes com o princípio da veracidade funcionariam como

atenuante deste? A verdade haveria de se envergar, por exemplo, diante da

segurança da sociedade e do Estado a justificar a negativa de acesso a

informações de interesse particular, coletivo ou geral (art. 5o, XXXIII, da CF/88)

Nos parece que não há insegurança social ou estatal maior do que aquela

oriunda do segredo, da omissão e do proceder dissimulado, e que talvez a

pretensão de garantir qualquer segurança através da ocultação da verdade é mero

subterfúgio que se justifica na falsa ideia de que os súditos de um Estado não

seriam capazes de conviver com ela.

Diante desse raciocínio, é de se ter em conta que o sigilo tendente a

preservar aquelas informações sensíveis, cuja desocultação possa resultar em

grave ameaça ou dano à segurança da sociedade e do Estado, é situação

excepcionalíssima, já que a regra é o acesso à verdade e às garantias tendentes a

permitir sua efetiva busca. Essa busca da verdade, alçada ao nível de princípio

jurídico constitucional fundamental, prevalece, em abstrato, diante da eventual

necessidade de resguardo de um ou outro dado, cujo acobertamento somente se

justifica constitucionalmente quando evidente, claro e inequívoco o risco que

sua revelação possa acarretar.

Esse aspecto será melhor avaliado quando do estudo da legislação relativa

ao acesso à informação.

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CAPÍTULO V

SOBRE VERDADE E INFORMAÇÃO

V.1. A VERDADE NO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL, O DIREITO

FUNDAMENTAL À VERDADE E A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO (LEI NO 12.

527/2011)

Com vistas a regular o acesso à informação previsto no inciso XXXIII, do

artigo 5o, inciso II, do § 3o, do artigo 37; e, no § 2o, do artigo 216, da

Constituição Federal, foi publicada, em 18 de novembro de 2011, a Lei no

12.527. Já nasceu sob o epíteto de Lei de Acesso à Informação (LAI), sendo

festejada como um marco da efetivação do princípio da publicidade e da

transparência administrativas.

Sem dúvida a produção legislativa em análise constitui alguma evolução

se comparada aos instrumentos normativos aos quais veio substituir, atribuindo

maior efetividade e coesão às prerrogativas inerentes ao acesso à informação

estatal56.

Não se pode olvidar que o acesso à informação faticamente verdadeira é

um direito humano fundamental, e se manifesta como condição indispensável ao

pleno exercício da liberdade num contexto democrático. Esse acesso à

informação verdadeira deve estar fundado no princípio da máxima divulgação

56 A corroborar essa afirmação pode-se mencionar dois exemplos: o Decreto no 4.553/2002 e o Decreto no 5.301/2004. O primeiro ganhou a alcunha de “Lei do Sigilo Eterno”, conquanto as informações consideradas ultrasecretas teriam um interregno de sigilo de cinquenta anos, prazo que poderia ser renovado indefinidamente, de acordo com o interesse da segurança da sociedade e do Estado (art. 7o, § 1o). O Decreto de 2004, por seu turno, reduziu alguns prazos de duração da classificação de informações sigilosas sem, contudo, instituir grandes alterações no cenário jurídico vigente.

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de dados, sendo que as exceções, as raras exceções possíveis a tal direito, devem

ser claras, justificadas e especificamente estabelecidas pela lei ou pela

Constituição, mediante um processo em que impera a transparência e o respeito

ao princípio republicano.

Nossos tribunais superiores têm decidido, com alguma reiteração, acerca

da importância do acesso à informação – verdadeira, complementamos – para

consecução dos princípios democráticos. Ilustrativo é o decisum proferido pelo

Superior Tribunal de Justiça nos autos do mandado de segurança no

20.196/DF57, da relatoria do Ministro Humberto Martins, cujo objeto é a

concessão do writ para que ao impetrante fosse franqueado acesso ao conteúdo

de processo administrativo classificado como reservado, nos termos dos artigos

23 e 24 da LAI. Curiosamente, no caso concreto, o autor do mandamus foi quem

protocolou a representação em face do servidor público investigado.

Digna de nota é a menção que se faz à relação entre o acesso à informação

e o primado da democracia, com a lembrança à doutrina constitucional de

Clèmerson Clève e Julia Franzoni:

“O que se debate nos presentes autos é a apreciação jurídica, muito delicada ao Estado de Direito contemporâneo, entre o direito à informação dos cidadãos e o direito da sociedade de que determinados dados sejam processadas sob o sigilo. A Lei de Acesso à Informação - Lei n. 12.527/2011 - possui a complexa tarefa de fornecer parâmetros normativos mais precisos para que a Administração Pública possa efetivar este equilíbrio. Ela traz diversos dispositivos que reiteram - com mais detalhes – o princípio da publicidade, insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal. De fato, não é possível pensar em um sistema administrativo público sem que se prestigie a regra geral de publicidade nos atos e ações oficiais. A maior densidade que tem sido atribuída ao nodal princípio da publicidade tem repercutido em diversos aspectos da ação estatal no Brasil contemporâneo, como bem pode ser depreendido da lição de Clèmerson Merlin Clève e Julia Ávila Franzoni:

‘O Estado brasileiro está trocando sua casca. Semelhante ao processo de mudança dos caranguejos, que, silenciosos, transformam sua roupagem num

57 Julgado aos 08 de outubro de 2014, por maioria.

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momento de renovação frágil e necessariamente discreta, as instituições brasileiras experimentam um processo de revolução silenciosa que guarda aspectos de avanço, renovação e continuidade. (...) É nesse contexto de requalificação da legitimidade institucional que as premissas democráticas incorporadas na Constituição se arranjam com os direitos fundamentais e permitem uma construção normativa que alça a transparência a uma condição de possibilidade do Estado plural, republicano e aberto às exigências de controle racional das decisões. Faz-se referência, aqui, à construção normativa que autoriza o trânsito do constitucionalismo garantista para o constitucionalismo emancipatório que tem como pano de fundo o reconhecimento do sujeito constitucional como autor dos processos de mudança. (...) A relação entre os ideais republicano e democrático encontra, portanto, sustentação na perspectiva constitucional — tanto teórica quanto prática — para se desenvolver. A junção de dois paradigmas, quais sejam, (i) a atuação pública em rede — contexto de reconfiguração do papel do Estado, com ação democrática, dialógica e controlada (accountability) e (ii) a transparência da ação política — implicando amplo acesso à informação, traduz e representa as exigências republicana e democrática instituídas na CF/88 (art. 5º, XXXIII; art. 37, § 3º, inc. II e art. 216, § 2º. da Constituição Federal), pressupostos do constitucionalismo emancipatório.’ (Clèmerson Merlin Clève; Julia A. Franzoni. Administração pública e a nova lei de acesso à informação. Interesse Público. Belo Horizonte, ano 15, n. 79, p. 15-40, maio/jun. 2013, p. 17-19).

A ampliação do acesso à informação é central ao desenvolvimento da democracia brasileira e ao avanço do Estado de Direito. É por tal motivo que o Lei de Acesso à Informação possui tanta importância. Afinal, a regra geral da publicidade da ação estatal pode ser visualizada de forma límpida no caput do artigo 21 da Lei n. 12.527/2011:

‘Art. 21. Não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais.’

Assim, se a informação requerida for necessária para a postulação judicial ou administrativo em defesa de direitos fundamentais, deve ser fornecida. O direito à informação é amplo. Contudo, deve ser equilibrado com restrições socialmente relevantes, bem como por meio de deveres inerentes aos seus usuários.

Seria realmente desarrazoado advogar a tese de que a Lei no 12.527/2011

nada inovou em termos de acesso à informação. A redução dos prazos máximos

de restrição ao conhecimento das informações (art. 24, § 1o, da LAI), por si só,

já configura um avanço digno de nota, bem assim a proibição de prorrogação

indefinida do sigilo a acobertar as informações classificadas como ultrassecretas

(art. 35, III e § 2o).

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Contudo, desde logo há de se destacar o total silêncio do legislador a

respeito da necessidade de se estruturar a norma - e o acesso informativo que

visa garantir - sob o valor constitucional supremo da verdade. Com efeito, entre

seus 47 artigos e mais de seis mil palavras, não há qualquer referência ao direito

fundamental à verdade, ao princípio da veracidade ou mesmo aos termos

verdade e verdadeiro.

Ainda que se reconheça a exigência de se considerar o direito à verdade

quando do exercício interpretativo da referida norma, trata-se de uma omissão

que bem demonstra aquele desprezo a esse valor tão caro em uma democracia

que se pretende plena, estável e garantidora dos princípios da liberdade e da

dignidade humana.

Mais do que isso, a análise criteriosa do texto legal bem demonstra a

prática corriqueira do legislador brasileiro em afastar a participação direta do

povo nas questões sensíveis relativas ao exercício do poder e ao acesso pleno e

efetivo aos bens e informações da República, o que demanda contra o princípio

democrático.

Considerando que os princípios da publicidade, transparência e,

sobretudo, verdade, são primordiais para controle e fiscalização dos atos de

poder, e a eles deve ser atribuída a máxima efetividade possível, não se afigura

lícito – na realidade, constitucional – o alijamento da participação popular direta

na definição daquilo que será objeto ou não de divulgação pelo Estado.

E o enfoque, aqui, não está unicamente relacionado aos critérios e prazos

para classificação das informações impassíveis de serem veiculadas em razão

das restrições definidas na lei, mas ao procedimento para definição daqueles

dados que serão acobertados pelo segredo e pela ocultação, aspectos que,

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conforme defendemos, atenta contra o direito à verdade inscrito na Norma

Fundamental.

Curioso notar que o texto que define o acesso às informações estatais, as

quais devem ser prestadas sob o signo da verdade – ainda que a lei não o

estabeleça explicitamente -, ele próprio viola o direito fundamental estabelecido

com base nesse valor, na medida em que impõe igual sigilo ao procedimento de

avaliação e classificação dos documentos cujas informações não podem ser

acessadas pelo cidadão brasileiro.

De notar que os artigos 23 e 24 da Lei de Acesso à Informação aludem à

classificação das informações quanto ao grau e prazos de sigilo. O primeiro

define, em rol taxativo (numerus clausus) quais hipóteses permitem a

confidencialidade das informações sensíveis, imprescindíveis à segurança da

sociedade ou do Estado, cuja divulgação ou acesso irrestrito possam (I) por em

risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional; (II)

prejudicar ou por em risco a condução de negociações ou as relações

internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por

outros Estados e organismos internacionais; (III) por em risco a vida, a

segurança ou a saúde da população; (IV) oferecer elevado risco à estabilidade

financeira, econômica ou monetária do País; (V) prejudicar ou causar risco a

planos ou operações estratégicos das Forças Armadas; (VI) prejudicar ou causar

risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim

como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico nacional;

(VII) por em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais

ou estrangeiras e seus familiares; ou, (VIII) comprometer atividades de

inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento,

relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

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E o artigo 24, por seu turno, estabelece três classificações de restrição do

acesso à informação: ultrasecreta, com prazo máximo de restrição de 25 anos;

secreta, com acesso restrito por 15 anos; e, reservada, mantidas sob sigilo por

até 5 anos.

O § 5o, do referido dispositivo legal pondera que a classificação da

informação em determinado grau de sigilo deve considerar o interesse público

da informação, de modo a se utilizar sempre o critério menos restritivo possível

segundo uma análise quanto à gravidade do risco ou dano à segurança da

sociedade e do Estado e o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que

defina seu termo final.

Mais adiante, o artigo 25 da referida norma trata da proteção e do controle

das informações ditas sigilosas. Seu § 1o reza que “o acesso, a divulgação e o

tratamento de informação classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas

que tenham necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente credenciadas na

forma do regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes públicos

autorizados pela lei”.

Vale, contudo, nos determos nas disposições legais alusivas aos

procedimentos de classificação, reclassificação e desclassificação previstos nos

artigos 27 a 30 da indigitada lei, especialmente nesse primeiro dispositivo, o

qual define a competência para classificação do sigilo de informações no âmbito

federal.

Nesse sentido, a lei estabelece que a classificação no grau de ultrasecreto

caberá ao Presidente e Vice-Presidente da República, aos Ministros de Estado e

autoridades que gozem das mesmas prerrogativas, aos Comandantes de cada

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uma das Forças Armadas, aos Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares

permanentes no exterior.

Para classificação sob o grau de secreto, a competência caberá, além

destes, aos titulares das autarquias, fundações ou empresas públicas e sociedades

de economia mista. E, por fim, para classificação de reservado, serão

competentes aquelas autoridades antes mencionadas e, ainda, aquelas que

exerçam funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5 no mínimo,

do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente.

Nos termos do quanto disposto no artigo 28, a classificação de informação

em qualquer grau de sigilo deve ser formalizada mediante decisão

suficientemente fundamentada, contendo ao menos (I) o assunto sobre o qual

versa a informação; (II) o fundamento da classificação segundo os critérios

indicados no artigo 24; (III) a indicação do prazo de sigilo, contado em anos,

meses ou dias, ou do evento que defina o seu termo final, conforme os limites

igualmente previstos no artigo 24; e, (IV) a identificação da autoridade que a

classificou. Esta decisão, vale notar, será mantida sob o mesmo grau de sigilo da

informação classificada.

Cumpre ressaltar a ausência de qualquer representação ou participação

direta do povo no rol de competências classificatórias, o que induz a manifesto

desrespeito ao princípio democrático sob o manto da verdade.

Digna de nota, ainda, é a instituição da Comissão Mista de Reavaliação de

Informações (CMRI), que tem a função de decidir sobre o tratamento e a

classificação de informações sigilosas e possui competência para: (I) requisitar

da autoridade que classificar informação como ultrassecreta e secreta

esclarecimento ou conteúdo, parcial ou integral da informação; (II) rever a

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classificação de informações ultrassecretas ou secretas, de ofício ou mediante

provocação de pessoa interessada; e (III) prorrogar, por uma única vez, o prazo

de sigilo de informação classificada como ultrassecreta, sempre por prazo

determinado, enquanto o seu acesso ou divulgação puder ocasionar ameaça

externa à soberania nacional ou à integridade do território nacional ou grave

risco às relações internacionais do País.

A composição da CMRI referida no artigo 35 da lei é objeto do Decreto no

7.724, de 16 de maio de 2012 que, em seu artigo 46, indica como seus

integrantes os titulares dos seguintes órgãos: I - Casa Civil da Presidência da

República, que a presidirá; II - Ministério da Justiça; III - Ministério das

Relações Exteriores; IV - Ministério da Defesa; V - Ministério da Fazenda; VI -

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; VII - Secretaria de Direitos

Humanos da Presidência da República; VIII - Gabinete de Segurança

Institucional da Presidência da República; IX - Advocacia-Geral da União; e X -

Controladoria Geral da União.

Vez mais se pode notar o odioso e temerário silêncio quanto a

participação direta do povo em atividade tendente a estabelecer exceções ao

direito de acesso à verdade. Mas não é só.

Posteriormente, o Decreto no 7.845, de 14 de novembro de 2012, viria

para regulamentar os procedimentos de credenciamento de segurança e

tratamento de informação classificada em qualquer grau de restrição, dispondo,

ademais, sobre o Núcleo de Segurança e Credenciamento (NSC) - órgão central

de credenciamento de segurança, estruturado no âmbito do Gabinete de

Segurança Institucional da Presidência da República - e criando o Comitê Gestor

de Credenciamento de Segurança.

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As funções do Núcleo de Segurança e Credenciamento, segundo a dicção

do artigo 3o do Decreto em testilha, incluem: (I) habilitar os órgãos de registro

nível 1 para o credenciamento de segurança de órgãos e entidades públicas e

privadas, e pessoas para o tratamento de informação classificada; (II) habilitar

postos de controle dos órgãos de registro nível 1 para armazenamento de

informação classificada em qualquer grau de sigilo; (III) habilitar entidade

privada que mantenha vínculo de qualquer natureza com o Gabinete de

Segurança Institucional da Presidência da República para o tratamento de

informação classificada; (IV) credenciar pessoa que mantenha vínculo de

qualquer natureza com o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da

República para o tratamento de informação classificada; (V) realizar inspeção e

investigação para credenciamento de segurança necessárias à execução do

previsto, respectivamente, nos incisos III e IV do caput do dispositivo; e (VI)

fiscalizar o cumprimento das normas e procedimentos de credenciamento de

segurança e tratamento de informação classificada.

Já ao Comitê Gestor de Credenciamento de Segurança cabe, nos termos

do artigo 5o do decreto sob exame, (I) propor diretrizes gerais de credenciamento

de segurança para tratamento de informação classificada; (II) definir parâmetros

e requisitos mínimos para, a) qualificação técnica de órgãos e entidades públicas

e privadas, para credenciamento de segurança, nos termos dos arts. 10 e 11; e b)

concessão de credencial de segurança para pessoas, nos termos do art. 12; e, (III)

avaliar periodicamente o cumprimento do disposto no decreto em questão.

Merece destaque a composição de dito comitê, integrado pelos

representantes dos seguintes órgãos (§ 4o, do Decreto 7.845/12): I - Gabinete de

Segurança Institucional da Presidência da República, que o coordenará; II - Casa

Civil da Presidência da República; III - Ministério da Justiça; IV - Ministério

das Relações Exteriores; V - Ministério da Defesa; VI - Ministério da Ciência,

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Tecnologia e Inovação; VII - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

e VIII – Controladoria Geral da União.

E, tal qual se vê do rol das autoridades que compõe o órgão responsável

pela fiscalização quanto ao cumprimento das diretrizes de credenciamento de

segurança e tratamento de informação classificada, não há, igualmente, dentre

seus integrantes, qualquer representante direto do povo brasileiro.

Insta relembrar que o acesso público, pleno e irrestrito às informações

detidas pelas autoridades da República é a regra sobre a qual se erige o Estado

Democrático de Direito e, com vistas a preservar o valor da verdade e o

consequente direito de acesso à informação verdadeira, não se pode relegar a

participação direta do povo nas diretrizes e procedimentos tendentes a

estabelecer a exceção a esta regra.

Sob os auspícios de um direito fundamental à verdade, não se concebe

como legítima, tão pouco constitucionalmente válida, a regra que impede a

participação direta do povo nas atividades de imposição de sigilo a informações

que, antes de restritas, são de pleno domínio público.

Não se pode garantir o exercício do direito fundamental à verdade,

indispensável à preservação da dignidade da vida humana, da liberdade e do

princípio democrático, quando todo o processo de exclusão de alguma

informação do domínio popular e sua transferência aos arquivos secretos é

realizado sem a participação e fiscalização diretas de membros do povo,

representados por cidadãos sem qualquer vínculo com a administração pública e

eleitos diretamente pelo povo ou indicados nos mesmos moldes previstos para

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preenchimento das duas vagas do Conselho Nacional de Justiça reservadas a

cidadãos de reputação ilibada58.

Esses membros, provenientes da sociedade civil e desvinculados da

administração pública, ainda que sujeitos às mesmas obrigações relativas ao

tratamento e resguardo das informações tidas por sigilosas, e previstas no art. 32

da Lei de Acesso à Informação59, incluindo a vedação de divulgação de ditas

informações, terão o condão de atribuir ao processo classificatório e revisional a

legitimidade necessária a convalidar o ato excepcional consistente em ocultar e

omitir a verdade, cujo acesso está resguardado pelo direito fundamental aqui

defendido, e que decorre do valor constitucional supremo a ele relativo.

Não se pretende estabelecer uma realidade jurídica em que toda e

qualquer informação possa ser livremente acessada por qualquer indivíduo,

independentemente dos dados que contenha, como meio de preservar o direito à

verdade factual invocada. Obviamente o exercício do direito à verdade está

sujeito aos mesmos critérios de relativização ínsitos a todo e qualquer direito

fundamental, o que justifica as exceções constitucionais previstas no art. 5o,

XXXIII, cujo fundamento, aliás, invoca também um valor constitucional

supremo expressamente previsto no Preâmbulo da Lex Maxima: a segurança.

58 Desnecessário, pela própria natureza da função, o notável saber jurídico que se exige para preenchimento das vagas do Conselho Nacional de Justiça reservadas aos cidadãos, nos termos do inciso XIII, do artigo 103-B, da Constituição Federal. 59 Art. 32. Constituem condutas ilícitas que ensejam responsabilidade do agente público ou militar: I - recusar-se a fornecer informação requerida nos termos desta Lei, retardar deliberadamente o seu fornecimento ou fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa; II - utilizar indevidamente, bem como subtrair, destruir, inutilizar, desfigurar, alterar ou ocultar, total ou parcialmente, informação que se encontre sob sua guarda ou a que tenha acesso ou conhecimento em razão do exercício das atribuições de cargo, emprego ou função pública; III - agir com dolo ou má-fé na análise das solicitações de acesso à informação; IV - divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal; V - impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro, ou para fins de ocultação de ato ilegal cometido por si ou por outrem; VI - ocultar da revisão de autoridade superior competente informação sigilosa para beneficiar a si ou a outrem, ou em prejuízo de terceiros; e, VII - destruir ou subtrair, por qualquer meio, documentos concernentes a possíveis violações de direitos humanos por parte de agentes do Estado.

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O que se há de resguardar através da participação direta do povo nos

procedimentos de classificação das informações que serão ocultadas do

conhecimento público, é o controle popular prévio desse ato de ocultação que

haverá por determinar a inacessibilidade de informação verdadeira, cujo acesso

irrestrito, em princípio, se mostra consentâneo com os princípios republicano,

democrático e da dignidade, e com o valor supremo da liberdade.

Vale a lembrança, nesse contexto, ao aresto do mandado de segurança no

20.895/DF60. Em especial à ponderação que o relator, Ministro Napoleão Nunes

Maia Filho, faz a respeito do hábito salutar de evitar que ilegalidades se

perpetuem sob o manto protetivo do sigilo legal, sob a justificativa de que a

profilaxia é preferível à remediação. Ainda que o julgador não estivesse tratando

exatamente desse controle prévio que propomos, a finalidade por ele referida

poder-se-ia alcançar mais facilmente com a participação direta que aqui se

advoga.

O objeto do remédio constitucional em apreço era o acesso aos dados do

cartão de pagamentos do Governo Federal, vulgo cartão corporativo, utilizado

por Rosemary Nóvoa de Noronha61, que chefiava o Escritório da Presidência da

República em São Paulo no período compreendido entre os anos de 2003 e

2011.

Segundo os impetrantes, em resposta a seu pedido de acesso, foram-lhes

fornecidas apenas planilhas contendo os gastos gerais, sem as discriminações

relativas ao tipo de despesa, valor das transações e identificação dos

fornecedores. A justificativa do oferecimento de informações parciais se fez sob

60 Julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, aos 12 de novembro de 2014, por maioria. 61 Também investigada na Operação Porto Seguro da Policia Federal, a protagonista daquele que ficou conhecido como “Escândalo Rosegate” – em alusão ao Watergate estadunidense capitaneado por Richard Nixon, na década de 1970 – foi denunciada por improbidade administrativa, corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica.

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a regra inserta nos arts. 23, VII, 24 § 2o, e 25 da LAI, sob o argumento de que os

dados completos colocariam em risco a segurança do Presidente e Vice-

Presidente da República.

Na decisão concessiva da segurança pretendida, cumpre destacar o

excerto:

Diante dessas ponderações, deve ser reconhecida a violação ao direito líquido e certo dos impetrantes, assegurando-lhes o acesso às informações solicitadas, porquanto possuem relevante interesse social e público, importando a sua divulgação, regida pelos princípios da publicidade e transparência, consagrados na Constituição Federal e na Lei de Acesso à Informação; esta, aliás, festejada como paradigma e sinal de transparência de gastos públicos e avanço democrático. Convém deixar ressaltado que o direito à obtenção de informações como as cogitadas neste MS é reconhecido amplamente em todas as democracias contemporâneas ocidentais e não deveria, a rigor, provocar qualquer estranheza ou recusa; na verdade, a sonegação de tais informações, ao que se percebe, é capaz de produzir maior celeuma do que a sua disponibilidade; afinal, se nada há para ocultar, dissimular ou esconder, é claro que o negaceio em causa assume feitio de ilegalidade ou de ato abusivo, além de irrazoável. Deve-se, ainda, assinalar que a transparência das gastos e das condutas governamentais não deve ser apenas um “flatus vocis”, mas sim um comportamento constante e uniforme; de outro lado, a divulgação dessas informações seguramente contribui para evitar episódios lesivos e prejudicantes; também nessa matéria tem aplicação, ao meu ver, a parêmia consagrada pela secular sabedoria do povo, segundo a qual é melhor prevenir, do que remediar. (grifamos)

A transparência multicitada nos julgamentos supra referidos deve ser

compreendida como premissa indissociável ao pleno exercício do direito à

verdade, na medida em que garante ao indivíduo a busca pelas informações

pretendidas e a possibilidade de executar o julgamento de valor que lhe permite

concluir pela correlação ou não entre tais dados e a realidade de determinado

evento, fazendo-o segundo critérios objetivos que possibilitam o acesso à

verdade factual ou por correspondência.

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Vez mais recorremos a Roberto Dromi e suas ensinanças sobre

transparência administrativa para sobrelevar a importância da veracidade no

Estado Democrático de Direito:

A transparência administrativa requer a concordância de certos elementos-parte e que configuram um concerto de conhecimento, consciência, comunicação e controle . Tais são a existência de uma publicidade real; genuína participação dos administrados nos assuntos públicos; informação plena dos atos da administração; realização de audiências públicas; livre e irrestrito acesso aos documentos administrativos; a legitimação coletiva setorial ou supraindividual, defesa dos interesses comuns dos governados; concorrência potencial; a motivação fundamentada de todos os atos de poder administrativo; defesas públicas ou sociais, e o controle eficaz dos atos estatais . Todos estes aspectos viabilizam a correta atuação administrativa sob o adjetivo do devido processo legal (DROMI, 2006, p. 27 - grifos nossos).62

E, em alerta acerca da importância da verdade no Direito, pondera:

Superadas e esquecidas diversas ideologias e teorias, juristas, advogados e juízes devem assumir que o Direito tem de superar a ficção para se tornar uma ferramenta de concretização da verdade. O futuro do Direito deve ser, exatamente, na Verdade implementação. O futuro do Direito deve ser, precisamente, ser Direito-verdade (DROMI, 2006, p. 31).63

A instituição efetiva de um Direito-verdade principia pela concretização

de um Estado constitucional em que o acesso a informação faticamente

verdadeira é regra, garantida, dentre outros, através da participação direta do

povo no ato de classificação e reavaliação dos temas e informações que 62 Tradução livre a partir do original “La transparencia administrativa exige la concurrencia de ciertos elementos-parte y que configuran un concierto de conocimiento, conciencia, comunicación y control. Son tales la existencia de una publicidad real; la participación auténtica de los administrados en el quehacer público; la información efectiva de los actos de la Administración; la celebración de audiências públicas; el libre acceso o ingreso irrestrito a la documentación administrativa; la legitimación colectiva sectorial o supraindividual, defensa de los intereses comunes de los administrados; la competencia posible; la motivación causada y fundada de todos los actos del poder administrador; las defensas públicas o sociales, y el control eficaz de los actos estatales. Todos estos aspectos viabilizan la correcta actuación administrativa en el marco del debido proceso adjetivo”. 63 Tradução do original “Superadas y olvidadas numerosas ideologias y teorias, juristas, abogados y magistrados deben asumir que el Derecho tiene que superar la ficción para convertirse en una herramienta de la verdad en realización. El futuro del Derecho debe ser, justamente, ser Derecho-verdad”.

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excepcionalmente estarão fora do alcance do indivíduo, incrementando as

ferramentas de controle do proceder estatal, especialmente no que concerne às

justificativas que possam autorizar a não incidência do direito fundamental à

verdade como corolário do princípio fundamental da veracidade.

Somente assim, reconhecendo a supremacia da verdade, estar-se-á

consolidando uma realidade constitucional de pleno respeito à liberdade, à

dignidade da pessoa humana e aos princípios democrático e republicano.

V.2. PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA NA CLASSIFICAÇÃO E REAVALIAÇÃO DE

INFORMAÇÕES SIGILOSAS E O DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE: UMA

SUGESTÃO DE LEGE FERENDA

São injustas todas as ações que se referem ao direito de outros homens,

cujas máximas se não harmonizam com a publicidade. Em seu princípio

transcendental do direito público, Kant, defensor irrefreável da verdade,

pretende aqui resguardar a supremacia da moral na política através da

publicidade (KANT, 2008c, p. 46).

Essa publicidade, a assegurar o exercício de um direito à verdade que se

propõe, é uma exigência lógica naqueles sistemas constitucionais insertos num

Estado Democrático de Direito, na qual a informação é credora de uma atenção

particular por sua relevância na participação do indivíduo quanto ao controle e a

crítica dos assuntos públicos. Demais disso:

Da publicidade e da informação decorre uma forma de o cidadão poder controlar os atos emanados do Estado e aí reside, também, a participação popular. No dizer de Diogo [de Figueiredo Moreira Neto], a publicidade “é um instituto polivalente da participação política, de amplo espectro subjetivo, pois se estende a toda a sociedade, visando tanto à legalidade quanto à legitimidade, mediante a qual, pela

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divulgação dos atos do poder público, reconhece-se o direito ao conhecimento formal ou informal das suas tendências, decisões, manifestações e avaliações oficiais”. (LIMBERGER, 2006, p. 70)

Como visto, o direito fundamental à verdade, corolário do Princípio da

Veracidade, no contexto do Estado Democrático de Direito, fundado, dentre

outros, no princípio republicano, demanda que o cidadão exerça controle direto

dos atos estatais tendentes à ocultação de dados e informações que, a priori,

estão sujeitas à plena e irrestrita informação.

Se a regra nessas democracias é a plena publicidade, garantidora do

acesso ao verdadeiro, há de se arquitetar um sistema de fiscalização dos critérios

e procedimentos classificatórios das informações sensíveis que não esteja

limitado ao monitoramento a posteriori pelo judiciário, tão pouco aos trâmites

do processo entre muros que se estabelece no âmbito da Comissão Mista de

Reavaliação de Informações. Esse sistema deve primar, repisa-se, pela máxima

efetividade dos princípios democrático e republicano.

Com efeito, a evolução do constitucionalismo brasileiro coincide com o

desenvolvimento paulatino da consciência democrática em nosso País. Se não é

possível afirmar categoricamente que atingimos um nível de excelência das

instituições democráticas nacionais – até porque a história nos reservou

momentos de retroação política e repressão popular que prejudicaram o

progresso da soberania popular – é válido, ao menos, reconhecer o avanço

democrático que representou a promulgação da atual Constituição brasileira.

As soluções democráticas previstas na Norma Fundamental de 1988

foram capazes de refletir, no mais das vezes, os anseios de um momento social e

político no qual a ordem primeira fora garantir ao povo brasileiro papel de

destaque nos rumos políticos da Nação.

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Nesse contexto, a redação da Norma Fundamental indica, desde logo, que

suas bases tocam os ideais do postulado democrático que servirá, inclusive, de

pressuposto para a interpretação da ratio constitucional manifestada no restante

do texto.

Bem assim, já em seu preâmbulo, a Lei Maior indica o objetivo de

instituir um Estado Democrático, e em seguida, no art. 1º, indica como

fundamento desse Estado Democrático a cidadania (inc. II).

A cidadania, por sua vez, tem seu exercício garantido nos termos do

parágrafo único do dispositivo que inaugura a Constituição: todo o poder emana

do povo, que o exerce por meio de representante eleitos ou diretamente, nos

termos da Constituição. Esse mandamento constitucional encerra, pois, as bases

que justificam e autorizam a participação popular no controle e fiscalização

prévios do procedimento de classificação de informações, senão vejamos.

O Texto Máximo é suficientemente claro ao delinear que o poder que

emana do povo não está sujeito a parcelamento. TODO o poder emana do povo.

Assim, havemos de incluir aí, também, o poder de definir os dados que podem

ou não ser de livre acesso, tendo por pressuposto o valor constitucional supremo

da verdade a justificar o exercício de um direito fundamental de acesso à

informação factualmente verdadeira.

O exercício desse direito-poder, por sua vez, se fará, nos termos da norma

positivada, de modo indireto, por meio de representantes, ou DIRETAMENTE,

observados os termos da própria Constituição. Essa ressalva, contudo, jamais

pode servir como pressuposto limitativo do exercício direto do poder popular.

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Não cabe ao intérprete, numa tentativa de afastar a participação popular

no controle da classificação de informações sigilosas, limitar aquilo que a

própria Constituição previu de forma plena, ainda que busque fazê-lo invocando

a ressalva constante da parte final do referido artigo.

A expressão nos termos desta Constituição, cunhada ao final do

dispositivo em análise, faz referência aos ideais que devem pautar o exercício

das atribuições dos mandatários do povo, obrigados a dirigir essa representação

política à luz das balizas constitucionais. É, pois, no que concerne ao exercício

indireto do poder que emana do povo, um alerta ao representante de que sua

atuação há de observar as diretrizes basilares do Estado Constitucional

Brasileiro.

No que toca à manifestação sem intermediários da supremacia popular, a

expressão em análise jamais pode ser compreendida como uma referência ao

fato de que o exercício direto do poder limitar-se-ia aos institutos de

participação popular expressamente previstos na Carta de 1988,

circunscrevendo-o, assim, ao plebiscito (art. 14, I, CF/88), ao referendo (art. 14,

II, CF/88) e à iniciativa popular (art. 14, III, CF/88) das leis complementares e

ordinárias (art. 61, caput e § 2º, CF/88).

Ora, os meios de exercício direto do poder popular devem ser

compreendidos sob o crivo dos princípios que informam o Estado Democrático

de Direito estabelecido pela Constituição republicana de 1988. Se a democracia

pressupõe o governo do povo, para o povo, pelo povo e em benefício dele,

qualquer interpretação da norma que vise conter esse princípio, confinando-o às

fronteiras formais da regra escrita, vão de encontro com a pedra angular do

Estado constitucional brasileiro: o valor democrático e o princípio da soberania

popular, a partir dos quais edificou-se esta Nação.

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Aliás, partindo de um juízo racional sobre o tema, torna-se forçoso

concluir que a democracia representativa é um conceito suplementar, que tem

como antecedente lógico a ideia de democracia direta. Aquela pressupõe a

existência inderrogável e irredutível desta. Não se pode pretender, desse modo,

que uma democracia pressuponha a relativização de um conceito que é, por si

só, absoluto. Não se admite que o núcleo da ideia de democracia seja suplantado

por um seu consequente.

A própria natureza do contrato social, que constituiria a gênese do Estado,

comprova esse entendimento, e é ela que explica a aversão que Rousseau nutria

pela democracia representativa, para quem a soberania não pode ser

representada pela mesma razão que a torna inalienável; ela reside

essencialmente na vontade geral, e a vontade não admite representação

(ROUSSEAU, 2002, p. 231).

O fundamento da ficção consistente na representação política é, pois, nas

democracias, a soberania popular, exercida, primordialmente, de forma direta.

Portanto, a prerrogativa do mandato político jamais pode afastar a prerrogativa

da democracia direta, e tudo que se pode lá, se pode cá. Raciocínio contrário

subverteria toda a lógica que explica a relação entre criador (soberania popular

exercida diretamente) e criatura (soberania popular exercida mediante

representação política) naqueles sistemas que elegeram a democracia como

valor fundante.

Note-se que o entendimento aqui delineado não se constrói somente sob

as justificativas do Direito Natural, capazes de explicar a existência de

princípios e direitos que, independentemente de positivação, encontrariam

validade e eficácia em determinado sistema jurídico, pois adviriam de valores

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que antecedem o próprio Direito. A tese ora alinhavada encontra guarida

também no Direito Positivo, pois o valor Democracia está expressamente

previsto em nosso sistema constitucional, como visto.

A participação direta do povo no processo classificatório de informações

sensíveis - em concorrência com os mandatários previstos na norma e as

autoridades por ele indicadas -, assim, encontra plena previsão na Lei Maior,

bastando interpretar a dicção da Norma Fundamental sob a égide dos postulados

hermenêuticos da máxima efetividade e da harmonização constitucional. O

primeiro não permite a redução de uma prerrogativa tão relevante ao sistema

constitucional – a verdade. O segundo impõe o entrelaçamento dos preceitos

constitucionais, de modo que o conteúdo da norma e seu real sentido seja

aquilatado sob uma análise sistemática o que, in casu, submete a interpretação

de todo e qualquer dispositivo constitucional à luz do valor da democracia e do

princípio republicano, fundado na soberania popular.

Ademais, ao pressupor que a representação política que garante àquelas

autoridades a prerrogativa de determinar a ocultação de informações, deve

seguir os princípios que norteiam a lógica do exercício representativo de um

poder, havemos de considerar que só é possível ao povo outorgar um poder que

ele próprio possui, pois, do contrário, sequer haveria legitimidade na

representação. Assim, se ao representante mandatário foi outorgado o poder de

classificar determinada informação como sigilosa, é porque tal força pertence

diretamente ao outorgante mandante, já que se transfere somente aquilo que

poder-se-ia exercer diretamente.

Em uma democracia não é possível conceber a ideia de que o

representante político possua um poder que seu representado não detenha, pois,

se assim o fosse, o objeto dessa representação política seria inexistente. Não se

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outorga um poder que não se possui e, se lhe é titular, não se lhe perde ao

outorgá-lo.

Fácil depreender, desse modo, que o poder de classificação de

informações previsto no art. 27 da LAI, e que detêm aqueles representantes

populares indicados nas alíneas a e b, de seu inciso I64, pertence, por primeiro,

aos representados que, com mais razão, também o podem exercer diretamente.

Desse modo, e a considerar os inconvenientes práticos e a falta de lógica

que residiria em se permitir que todos os cidadãos participassem do rito de

classificação de informações previsto na LAI, o que se sugere, de lege ferenda, é

a inclusão de uma alínea e, ao inciso, I, do art. 27 da Lei n 1o. 12. 527/2011, para

incluir no rol dos competentes para classificação do sigilo de informações dois

cidadãos sem vínculo com a administração pública, eleitos diretamente pelo

povo ou indicados nos mesmos moldes previstos para preenchimento das duas

vagas do Conselho Nacional de Justiça65. Estes terão mandato de dois anos,

admitida uma reeleição ou recondução e, a considerar que sua escolha se fará

única e exclusivamente para a execução desse mister, a tendência é que tal

recaia sobre aqueles indivíduos que se mostrarem mais bem preparados para

tanto.

De igual modo, a mesma previsão far-se-ia no contexto do Decreto no

7.724/2012, incorporando-se no rol dos integrantes da Comissão Mista de

Reavaliação de Informações – cuja competência foi analisada alhures – um

inciso XI, para nele incluir os dois cidadãos acima mencionados.

64 Presidente e Vice-Presidente da República. Ao primeiro cabe nomear os Ministros de Estado e Comandantes das Forças Armadas, bem como acreditar as Missões Diplomáticas e seus respectivos chefes, todas autoridades que, ao lado daqueles, integram o rol de competências classificatórias da citada LAI. 65 Cuja composição inclui dois cidadãos, de notável saber jurídico – qualificativo irrelevante para o quanto proposto neste trabalho – e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal (art. 103-B, XIII, da CF/88).

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Tal previsão, a permitir o controle prévio de uma exceção ao direito

fundamental de acesso à verdade factual, coaduna com a tão propalada

preservação da dignidade da vida humana, da liberdade e do princípio

democrático, mediante a participação e fiscalização diretas de membros do povo

no exercício direto da soberania que detém.

Vale reiterar que esses membros, oriundos da sociedade civil e

desvinculados da administração pública, estarão sujeitos às mesmas obrigações

relativas ao tratamento e resguardo das informações tidas por sigilosas, e

previstas no art. 32 da LAI, que veda a divulgação de ditas informações. De toda

maneira, a só participação direta destes tende a revestir de legitimidade o

processo classificatório em testilha e assegurar a observância do direito

fundamental aqui defendido e que decorre do princípio constitucional da

veracidade.

V.3. DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DO

PENSAMENTO E DE INFORMAÇÃO NO CONTEXTO DO EXERCÍCIO DE IMPRENSA

Não se desconhece a relevância do papel fundamental da imprensa na

manutenção do Estado Democrático de Direito, tão pouco do direito em que se

espalda para praticar seu valoroso mister.

O direito (ou dever mesmo, sob certo viés) de informar é o corolário

lógico da liberdade de expressão, direito fundamental de primeira dimensão e

base do constitucionalismo, como expressão da técnica jurídica de tutela das

liberdades face ao Estado opressor.

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Vital sua importância, que a comunicação social – meio de exteriorização

do pensamento livre - mereceu do constituinte um capítulo próprio no Texto

Excelso (arts. 220 a 224, CF/88).

A liberdade de imprensa é, assim, pressuposto inderrogável ao pleno gozo

das prerrogativas constitucionais pelo indivíduo e pela sociedade. Não se

vislumbra um Estado livre sem uma imprensa livre.

Contudo, é inerente à natureza dos Direitos Fundamentais sua relatividade.

Pode-se afirmar, categoricamente, que não há direito fundamental absoluto ou

ilimitado, já que estão, todos eles, sujeitos a limites de ordem interna e externa.

Para os teóricos da internalização das restrições dos direitos fundamentais,

o processo de definição dos limites de cada direito é aspecto inerente a ele.

Teríamos, então, limites imanentes ao direito.

Os direitos fundamentais, sob esse enfoque, jamais seriam absolutos, na

medida em que encontram limites definidos, implícita ou explicitamente, na

própria constituição.

Em duas ocasiões indicadas por Virgílio Afonso da Silva, o STF parece ter

recorrido a essa teoria em julgados que veiculam, exatamente, a questão da

liberdade de expressão:

No caso Ellwanger, por exemplo, ao tratar dos limites do exercício dos direitos fundamentais, o Min. Mauricio Corrêa recorre à seguinte ideia “Como sabido, tais garantias, [liberdade de expressão e pensamento] como de resto as demais, não são incondicionais, razão pela qual devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites traçados pela própria Constituição Federal (CF, art. 5o, § 2o, primeira parte).

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Em sentido muito semelhante, pela definição dos limites imanentes no caso da liberdade de manifestação do pensamento, o Min. Ilmar Galvão pronunciou-se na ADI 569: “Ementa: (...) Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas – Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria Constituição. (SILVA, 2010, p. 131)

Nessa toada, a vedação à calúnia ou à inverdade não decorreria de uma

restrição à liberdade de imprensa, já que tal liberdade, devido aos seus limites

imanentes, sequer protege tais comportamentos (caluniar ou mentir). Trata-se de

uma proibição (não caluniar e não mentir) decorrente de uma verdadeira não-

proteção.

Então, quando a norma proíbe a calúnia pelos jornalistas e veículos de

informação – art. 20 da Lei 5.250/6766, por exemplo – ela não atribui restrição

alguma à liberdade de imprensa, já que tal liberdade já nasce com essa limitação,

que lhe é, portanto imanente. A lei “restritiva” seria mera redundância.

De outra banda, a teoria externa não enxerga apenas um objeto, o direito e

seus limites imanentes, divide-o em dois: (1) o direito em si, prima facie; e, (2)

restrições a seu exercício, que se manifestam no caso concreto.

Aqui, portanto, interessa a colisão entre princípios ou direitos

fundamentais no mundo fenomênico, ocasião em que o exercício de

sopesamento e ponderação redundará na cedência de um – que não perde sua

validade ou essência – em favor de outro, merecedor de prevalência naquela

oportunidade de fato.

66 A proibição à calúnia pelos órgãos de imprensa remanesce íntegra na sistemática jurídico-constitucional, exatamente em razão dos limites imanentes aqui suscitados, pouco importando se a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição vigente, conforme decidido na ADPF 130.

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Para os externalistas, o papel do intérprete, como construtor do conteúdo e

significado da norma, é essencial, já que seu conteúdo é definido a partir de fora,

dos condicionantes fáticos e jurídicos vinculados ao caso concreto.

Nessa linha, as restrições aos direitos fundamentais não são imanentes,

vêm do exterior, e se manifestam por meio de regras, constitucionais ou

infraconstitucionais, e princípios, que exigem ponderação para que sejam

aplicados em cada caso.

Naquelas hipóteses em que os meios de comunicação relatam determinado

acontecimento ou narram alguma história que envolve um indivíduo ou grupo

deles temos, de um lado, a liberdade de imprensa, como manifestação da

liberdade de expressão e corolário do direito fundamental à informação.

De outro, a acobertar os personagens retratados com um manto de

proteção jurídico-constitucional, temos o princípio da inviolabilidade da honra e

da imagem do indivíduo, aspectos da dignidade da pessoa humana.

E, por fim, completando a tricotomia dos institutos jurídicos envolvidos

nessa relação, está o multicitado direito à verdade, decorrente do princípio da

veracidade, que, nesse contexto, pode ser exprimido como o direito fundamental

à informação faticamente verdadeira, como já delineado linhas atrás.

Como demonstrado, efetivamente há, em nossa Constituição, um direito

fundamental à verdade, decorrente do princípio que é consentâneo, sob a égide

do § 2o, de seu art. 5o. E tal prerrogativa é especialmente evidente na própria

sistemática da liberdade de expressão e de imprensa.

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O Texto Maior assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, e o

faz logo em seguida da outorga do direito à liberdade de expressão, donde

decorre a liberdade de imprensa. Em respeito à estrutura constitucional de

garantia das liberdades e à própria lógica, forçoso concluir que o direito de

resposta visa assegurar a busca da verdade sob uma realidade dialógica. A ideia

do contraditório, tão recorrente no processo jurisdicional, decorre exatamente

dessa necessidade de investigação da verdade.

Nesse diapasão, merecem destaque os estudos de John Stuart Mill acerca

do Freedom of Speech no contexto do constitucionalismo norte-americano,

valorosa fonte de pesquisa a respeito da liberdade de expressão, tema

amplamente debatido naquele sistema jurídico e positivado pela Emenda I à

Constituição de 1787. Sinteticamente, Mill defende a liberdade de expressão

como meio de promover o debate, a controvérsia, a oposição de ideias, todos

capazes de fazer emergir a verdade (MILL, 1985, p. 115).

As violações à liberdade de expressão e de pensamento devem ser

condenadas porque tais liberdades são imprescindíveis para o alcance da

verdade, evidenciada dos debates, do dialogismo e do contraponto.

Enfim, não se pode afastar a ideia de que o edifício jurídico-constitucional

brasileiro está fundado na busca da verdade, seja no processo (verdade formal vs.

verdade real; verossimilhança das alegações; presunção da veracidade dos fatos

alegados como efeito da revelia); seja no direito material civil (proteção contra

publicidade enganosa nas relações de consumo; nulidade do negócio simulado

quando contiver declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

direito a retificação do teor do registro público em caso de não expressão da

verdade), seja no penal (fraude no comércio por venda de coisa falsificada como

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se fora verdadeira; falsificação de moeda; falsificação documental; falsidade

ideológica; falso reconhecimento de firma; falso testemunho).

Não haveria de ser diferente quanto ao exercício do direito de informação,

caso em que o compromisso com a verdade atua como limite iminente à sua

concretização. Esse limite, de informar sob os auspícios da verdade, não é

imposto apenas pelos envolvidos no fato informado. Mais do que isso, o valor da

verdade pontua a relação entre o emissor e o receptor da informação.

Nesse diapasão, vale trazer à colação o aresto do Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, relativo ao julgamento da apelação cível no 513.146-4/6-

0067. O apelo impugnava decisão monocrática em ação de indenização por danos

extrapatrimoniais oriundos de matéria jornalista que, no dizer do recorrente,

ultrapassava os limites da informação para ofender sua honra.

Importa transcrever trecho do voto do relator, Desembargador Caetano

Lagrasta, no qual faz interessante menção ao dever do jornalista de respeitar a

verdade objetiva não só quanto ao indivíduo retratado na matéria jornalística,

mas também à sociedade receptora da informação, bem como ao dialogismo

necessário a garantir a prevalência da verdade:

(...) Da leitura atenta da peça inquinada de ofensiva se extrai que seja ela oriunda de expediente policial, ou qualquer outro, passível de comprovação, por se tratar de mera suspeita, que não se coaduna com o pretendido interesse público. O cidadão tem o direito de ser informado, enquanto que o jornalista, é de seu dever fazê-lo de forma a revestir a notícia de todas as garantias de que seja ela verdadeira ou, se partida de mera suspeita, que seja ouvido o interessado, em esclarecimento. É esta a forma de expungir-se à notícia a pecha de "ser fabricada", quando o dever da mídia é o de informar e não o de criar notícias. Não há como confundir, desta forma, o direito de informar e o de liberdade de Imprensa, com eventual acusação de impedi-las.

67 Julgado aos 14 de maio de 2008, por maioria de votos.

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(...) Acresce que a notoriedade das pessoas é aquilatada pelo exercício de cargo ou função pública, em cargo eletivo, etc, não assim quando a notoriedade é devida a fatos com a conotação proibida ou infracional, nada obstante possa alçar-se à posição de notoriedade e que sirva esta como forma de denegrir ao acusado, às vezes, antes mesmo de ser condenado, inclusive pela mídia. Nesse ponto, cabe lembrar a lição de ENÉAS COSTA GARCIA, em Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação: “A estreita relação entre liberdade de expressão e Democracia foi colocada em relevo pela Corte Européia de Direitos do Homem, no julgamento Handuside: "A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de semelhante sociedade (a sociedade democrática), uma das condições primordiais de seu progresso e do desabrochar de cada um." (...) Na determinação deste componente cultural surge, com grande importância, os meios de comunicação. Com efeito, aliada às variadas formas de manifestação da cultura, a imprensa permite o desenvolvimento do espírito crítico, educa e prepara o intelecto, desenvolvendo a cultura e o senso político do povo, ajudando-lhe no desenvolvimento necessário para a melhor realização da prática Democrática. A liberdade de imprensa é a mola propulsora da opinião pública,imprescindível para o correto funcionamento do governo. É num clima de liberdade que a imprensa pode cumprir o seu papel, trazendo informação, divulgando ideias, propiciando a crítica e a formação da opinião pública. Esta opinião pública vai determinar os destinos do governo. Mas, reitera-se, a opinião pública se forma também pela correção da notícia, pela dignidade que lhe dedicam os jornalistas, não a deformando através de subjetivismos que possa servir, especialmente, ao proprietário do meio de divulgação ou a indisfarçáveis interesses políticos. E, completa o mesmo autor, invocando a lição de SERRANO NEVES: “É dever de ofício do jornalista informar, transmitir ao público os acontecimentos de interesse geral, de modo que imune à sanção civil o profissional que, de forma objetiva e fiel, reproduz os fatos ocorridos na vida pública” (Responsabilidade Civil dos Meios de Comunicação, Editora Juarez de Oliveira, 2002, página 35-38 e 322, g.n.). Neste mesmo sentido, anteriores julgados, desta Relatoria (Apelações Cíveis n° 317.050.4/9, 269.858.4/2 e 310.784.4/7). Ademais, (...) O requisito da verdade deve ser compreendido como exigência de que a narrativa do que se apresenta como verdade factual seja a conclusão de um atento processo de busca de reconstrução da realidade. Traduz-se, pois, num dever de cautela imposto ao comunicador. (grifamos)

O mesmo Tribunal de Justiça, mais recentemente, ao enfrentar novamente

o tema da liberdade de imprensa, insistiu na inafastabilidade do compromisso

com a informação faticamente verdadeira, Fê-lo no julgamento da apelação cível

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no 0135893-85.2008.8.26.000068, relatado pelo Desembargador João Pazine

Neto:

(...) Ocorreu verdadeiro abuso da liberdade de expressão e ou informação. As matérias veiculadas pelos Réus não se situaram nos limites do exercício desses direitos, garantidos constitucionalmente, pois retrataram fato inverídico, de forma açodada, antes de qualquer confirmação, perante o órgão competente, da afirmação que faziam. O que a população precisa é de informação verdadeira e não aquela que busca apenas o sensacionalismo, como forma de obter visibilidade. Observou o eminente Professor Darcy Arruda Miranda (“Comentários à Lei de Imprensa”, ed. RT, 1969):

“Notícia escreve o mesmo Duane Bradley – é o relato honesto, imparcial e completo de fatos que interessam e afetam ao público” (sublinhados nossos, p. 141). “E prossegue (DUANNE BRADLEY): ‘Uma reportagem incompleta pode ser parcial e torcida porque omite alguns fatos. Alguns podem ser verdadeiros e importantes, mas capazes de gerar confusão. ...’” (pp. 142-143). “...A imprensa é livre para a divulgação de informações, fatos, notícias, críticas etc., não para divulgar ofensas, deturpar a verdade, pregar a sedição, fazer a apologia de crimes e servir de veículo a fins extorsionários” (p. 67). “...Se essa liberdade (de imprensa) é desenfreada, e afeta a honra, o bom nome e o crédito das pessoas, falseando ou tergiversando a verdade dos fatos (ainda quando eles sejam certos e se trate de ações privadas), é evidente que não só lhe deve negar proteção, mas também reprimir seus excessos antijurídicos e antisociais ...” (p. 39). “A isso aditava DELLE DONNE: ‘A responsabilidade não é um limite, mas um aspecto da liberdade, se do plano abstrato se quer descer à realidade; de outro modo, não se pode falar de liberdade como faculdade jurídica, mas de arbítrio ou faculdade fora ou contra a lei, ou seja, de negação do direito, inconcebível num Estado livre’. (...) “O jornalista, no seu magnífico sacerdócio, deve ser sereno como um juiz, honesto como um confessor e verdadeiro como um justo...” “A verdade deve ser a preocupação máxima do lidador da imprensa...” “O jornalista que se desalinha e, com desaire, agride a honra alheia, desveste-se do indumento ético da profissão, descalça o coturno da nobreza missionária e se transforma em simples insultador, em magarefe da própria dignidade.”

(...) O Prof. e Jornalista Carlos Alberto di Franco, da Faculdade de Comunicações Casper Líbero, desta Capital, teve oportunidade de

68 Julgado aos 31 de julho de 2012, por unanimidade.

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ensinar comezinhas lições sobre conduta ética no jornalismo em geral, ocasião em que asseverou, lapidarmente: ‘A imprensa, se quiser avançar na conquista de novos leitores, precisa estabelecer normas que desestimulem a promiscuidade entre o texto opinativo e a matéria informativa’, pois, ‘Respeito ao público, verdadeiro detentor da informação, e fidelidade à verdade factual são as duas exigências do jornalismo competente’, já que ‘O noticiário exige qualidade técnica e ética. E, sobretudo, pensar sempre naquele que decreta o sucesso ou o fracasso do jornal: o leitor’ (cf. Jornalismo, ética e qualidade, Rio de Janeiro: Vozes, 1995, p. 28 - RT, 803/201). grifamos

Nesse sentido, os escritos ou televisivos jornalísticos têm inafastável

compromisso com a verdade, na medida em que a sociedade, alvo da informação

veiculada, tem direito a receber informações faticamente verdadeiras. Do

contrário, estaríamos privilegiando o proselitismo, algo inimaginável na

exploração dos meios de comunicação.

Considerando, pois, a relatividade dos direitos e princípios fundamentais,

e o fenômeno da cedência recíproca entre eles, a única interpretação conforme ao

texto constitucional que se pode extrair, in casu, é resumida pelo seguinte

axioma: É livre a manifestação do pensamento, de expressão e de imprensa,

desde que resguardados o respeito à dignidade da pessoa humana e o

compromisso com a verdade, esta erigida a princípio constitucional a

condicionar o exercício daquelas liberdades.

Temos, pois, como limites internos à liberdade de imprensa, o direito

fundamental à honra e à imagem do indivíduo e o direito fundamental à verdade.

LIBERDADE DE

IMPRENSA

VERDADE

DIGNIDADE DA

PESSOA

HUMANA

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A análise dessa reciprocidade nos permite, aliás, concluir que a verdade

tende a assumir posição hierárquica de destaque nessa relação. Como princípio

constitucional de relevo, portanto, está em posição de destaque perante os

princípios e direitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da

liberdade de imprensa. Em sendo assim, é a verdade o pressuposto, o ponto de

partida e a finalidade do direito de informação. Só há exercício legítimo da

liberdade de imprensa se presente o compromisso com a verdade.

Outrossim, será digna a vida da pessoa humana que tem acesso à

informação verdadeira, que a permita livremente planificar sua existência na

realidade, sem distorções, manipulações ou falsidades. Quando, então, o signo da

verdade passa ao largo da conduta do emissor de determinada informação

jornalística, estar-se-á diante da desinformação a que se refere Giovanni Sartori:

“Por desinformación entiendo una distorción de la información: dar noticias

falseadas que inducen a engaño al que las escucha” (SARTORI, 1998, p. 80).

Assim, diante de eventual calúnia ou difamação perpetrada contra o

indivíduo retratado, sob a violação à honra e à imagem, e pelos prejuízos

eventualmente causados, deve o emissor da informação responder diretamente à

vítima. É o direito subjetivo da resposta proporcional ao agravo e da indenização

por prejuízos materiais e imateriais.

Por sua vez, o abuso no exercício do direito de se expressar e o cenário de

desinformação daí decorrente - especialmente quando fulcrados na violação do

direito fundamental à verdade - suscitam a responsabilização do autor do ilícito,

porém, sob outro enfoque. Aqui, sua responsabilidade é mais grave, pois

extrapola o rol de direitos subjetivos da vítima retratada pelo meio de

comunicação para alcançar o direito de toda a sociedade a não ser manipulada

por opiniões travestidas de informação jornalística.

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Sob qualquer ângulo que se analise, pois, o direito à verdade há de ser

resguardado na relação entre os órgãos de imprensa, os indivíduos retratados em

seus jornalísticos e a sociedade receptora da informação.

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CONCLUSÕES

1. A abordagem sistemática do tema relativo à verdade no Direito revela-se

das tarefas mais complexas, dada a ambiguidade da própria ideia inserida nas

definições mais vulgares de verdade, característico para o qual a ciência jurídica

é, em princípio, fortemente refratária. O Direito não é afeto à pouca

objetividade.

No entanto, não é possível ao construtor do Direito, tão pouco prudente,

cerrar os olhos ao debate que tem se instalado desde o final do século passado e

que referencia à existência de um direito à verdade, de início gestado sob o

cenário de uma justiça de transição que pugna pela revelação da realidade dos

eventos odiosos praticados por agentes públicos no transcurso de períodos

governamentais totalitários ou de exceção, e que constituem graves violações

aos direitos humanos.

O pressuposto de que a reconciliação do presente com um passado de

práticas atentatórias à vida, à liberdade e à dignidade da pessoa humana haveria

mesmo de ter como ponto de partida a desocultação dos eventos de outrora

sobrelevou a importância de um estudo mais acurado do papel da verdade no

Direito.

2. Essa verdade que deve ser celebrada, também e especialmente, na ciência

jurídica, ocupa a mente humana desde tempos pretéritos, e encontra na filosofia

terreno fértil para desenvolver-se, seja no domínio ontológico, mais amplo, em

que importa ao estudioso perquirir sobre a verdade em si; seja sob o aspecto

epistemológico, ocupado com as questões a respeito da possibilidade de o

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homem conhecer a (ter acesso à) verdade; seja, por fim, no domínio moral, no

qual ganha relevo a intenção do agente em atuar sob o manto da verdade, agindo

segundo um comportamento veraz.

Do estudo filosófico da verdade é possível, pois, construir as bases sobre

as quais será erigida uma teoria de verdade para o Direito. Perquirir sobre o que

é, como acessá-la, e se realmente há sentido em atuar conforme o princípio da

veracidade, é jornada que se percorre a partir da filosofia do ser, do

conhecimento e da linguagem para, apreendendo suas particularidades,

transportá-la para o mundo jurídico do dever-ser.

E não é, essa jornada, isenta de intempéries. Ao revés, na mesma

proporção que alguns estudiosos se lançam em defesa da verdade, da capacidade

humana para surpreendê-la, e da necessidade moral de agir sob seus princípios,

outros tantos desenvolvem sugestivos raciocínios que visam demonstrar a total

irrelevância das ideias sobre o verdadeiro em uma realidade que não dá guarida

ao intangível, qualificativo que, para estes, bem define o valor em debate.

3. O fato é que negar a existência da verdade – e aqui não importa qual

verdade, pois a referência nesse momento é a mais ampla possível – culminaria

num estado de total e destrutivo niilismo, onde a aniquilação dos valores é o

único valor a ser reverenciado, e tudo passa a (in)existir destituído de sentido, do

homem às suas construções. De outra banda, refutar a existência de uma verdade

objetiva, e especificamente esta, constitui o ponto de partida para uma

concepção de mundo em que tudo é relativo, onde a única realidade subsistente

é o eu e suas sensações, e todo o resto das pessoas e coisas é mero partícipe

dessa única mente pensante, reles impressões subjetivadas sem existência

própria, vítimas desse solipsismo mendaz.

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Desnecessárias grandes elucubrações para se concluir que a destituição

dos valores no proceder humano, dentre os quais a verdade, só faria sentido em

uma existência sem qualquer sentido, condição desejada por aqueles que

intentam subjugar a vontade alheia fazendo crer que, afinal, pouco ou nada há

para ser preservado, e o que realmente importa é manter esse vácuo existencial

favorável à manipulação de fatos, quereres e, enfim, ações.

Relativizar a verdade, lançando-a a essa classe de coisas que não

importam à comunidade geral, posto que cada qual construiria sua própria ideia

sobre a verdade, revela-se atitude que não resiste a uma análise mais acurada do

tema. Efetivamente há objetos cuja existência independe do sujeito cognoscente

ou de sua vontade pois se manifestam verdadeiramente e, percebidos pelo

observador, podem ser definidos ou reconstruídos segundo técnica que garanta a

correlação entre a descrição da realidade e o próprio real.

4. Com efeito, a concepção clássica da verdade revela a absoluta

possibilidade de se estabelecer um conceito de verdade objetiva plausível tanto

para as ciências do ser quanto para a ciência do dever-ser. Essa teoria

correspondentista suscitada por Aristóteles e posteriormente reconstruída por

pensadores de todas as épocas, a exemplo de Alfred Tarski, se estrutura de tal

modo que as relativizações próprias do idealismo não encontram guarida,

permitindo o florescimento de uma ideia de verdade menos afeta a tribulações

subjetivistas.

Há uma verdade evidente que apenas reclama ser dita, e que decorre da

correspondência entre o enunciado e o objeto cognoscível. Se existe uma

verdade fora e independente da consciência humana, e realmente existe, é da

matéria que deriva a sensação, e não o oposto. Trata-se da regra secular e

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peremptória do dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é falso,

enquanto que dizer do que é que é, ou do que não é que não é, é verdadeiro.

Essa retidão conceitual não se presta simplesmente a estabelecer uma

outra definição de verdade, dentre tantas. Exerce um papel muito mais

importante, na medida em que viabiliza o reconhecimento de uma exigência de

veracidade no proceder humano, capaz de embrenhar-se no Direito e conformar

condutas.

A definição do conceito de verdade objetiva aqui proposta, e que se

identifica com a multicitada concepção clássica, pode ser assim enunciada:

Verdade objetiva é a condição de perfeita correlação entre o enunciado

proferido pelo ser cognoscente e a realidade intrínseca manifestada pelo objeto

cognoscível, e cuja identificação independe de juízo subjetivo do observador,

dado que este assume posição de espectador dessa realidade latente que não

pode modificar e que apenas reclama ser dita.

5. Não se pode negar, em efetivo, que a verdade é tema de reconhecida

importância na ciência jurídica, ainda que a relação entre uma e outra se

manifeste contraditória por vezes. A exemplo disso temos, no processo penal, a

defesa de um suposto direito de mentir69, enquanto no processo civil é dever das

partes e de todos aqueles que participam do processo “expor os fatos em juízo

conforme a verdade”, sob pena de incorrer nas sanções pela litigância de má-fé

prescritas àquele que “alterar a verdade dos fatos” (art. 14, I, c.c art. 17, II, do

Código de Processo Civil).

69 Cuja defesa se faz por José Frederico Marques (1961, p. 324): “O réu não é obrigado a depor contra si próprio e tem o direito de responder mentirosamente ao juiz que o interroga”; Fernando da Costa Tourinho Filho (1994, p. 240-241): “Se o réu tem o direito ao silêncio (CF, art. 5o, LXIII); se não há lei que obrigue o réu a falar a verdade, é induvidoso que o interrogatório...é meio de defesa e não de prova”; e, David Teixeira de Azevedo (1992, p. 293): “O faltar à verdade equivale a silenciar sobre ela, omiti-la...sob o plano ético-axiológico, como adequação da coisa à escala valorativa...o que é mais valioso tem precedência ontológica sobre o menos valioso”.

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E resta pacificada, ademais, a existência de um direito humano à verdade,

principiado no contexto da justiça transicional, de modo a garantir o acesso às

informações relativas aos atos de violência perpetrados por agentes públicos sob

a espada de regimes ditatoriais, e que fundamenta o intento de reconciliação

com o passado e, em alguns casos, a punição dos envolvidos.

Esse direito fundamental à verdade, implícito e justificado na abertura

material do art. 5o, § 2o, da Lex Maxima, funda-se no princípio da veracidade e,

considerada a relevância estrutural no edifício jurídico-constitucional, bem pode

ser alçado à categoria de sobreprincípio na Constituição de 1988, ombreando

com a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a

justiça.

Desse modo, não se há como negar a proteção sobrelevada de um direito

fundamental à verdade, consubstanciado na prerrogativa de o indivíduo exigir

lhe seja franqueado todos os meios legais e jurídicos a lhe permitir o acesso às

informações e dados capazes de garantir o conhecimento a respeito de

determinado evento, bem como identificar a exata correspondência entre aqueles

e este.

6. Trata-se de um direito bifaciado, que garante tanto o acesso à denominada

verdade factual, como exige seja a conduta humana norteada pelo dever de

veracidade, de maneira a inspirar confiança70, fidelidade e lealdade, mormente

no que concerne à relação entre o indivíduo e o Estado, ao qual não é lícito agir

com a falsidade e a dissimulação capazes de refrear a evolução para um

70 Canotilho advoga a existência de um princípio da proteção da confiança como elemento constitutivo do Estado de direito, e que se manifesta, dentre outros, através da fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos de poder (2003, p. 257).

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constitucionalismo do porvir, transparente, ético, moralmente adequado, eficaz e

sincero.

De se considerar que as mentiras sempre foram consideradas como

ferramentas necessárias e justificáveis ao ofício do político e do estadista

(ARENDT, 2014, p. 283), contudo suas consequências são nefastas para a

manutenção da liberdade, especialmente nas democracias, o que, por si só, já

justifica o rechaço a um suposto direito de mentir, dissimular ou, ainda, omitir.

E essa assertiva se faz ainda que se reconheça a atemporal e onipresente

existência dos segredos de Estado, estes que, no entanto, não podem servir de

subterfúgio ao acobertamento de dados e informações cujo segredo não se

justifica na segurança do próprio Estado. Aliás, nos parece justificável apenas o

sigilo tendente à proteção em face de um inimigo real e efetivo, designação que

não se aplica ao próprio povo cuja proteção é visada.

7. E tal porque o sistema constitucional prescreve um direito fundamental à

verdade que se presta também a impedir a restrição exagerada de dados e

informações, na medida em que à sociedade não pode ser convenientemente

negado o acesso àquilo que necessita ter conhecimento para bem planificar sua

existência e permitir ao indivíduo formar sua opinião livre e tomar as decisões

adequadas, pois estabelecidas segundo o domínio da realidade. Realmente, se

não se garante o acesso à informação factualmente verdadeira, prevalece a

dissimulação capaz de transformar a liberdade de opinião em uma farsa a

contaminar a ação humana e, por conseguinte, a ação política (ARENDT, 2014,

p. 295).

Salutar, portanto, que os avanços legislativos tendentes a garantir o direito

insculpido no art. 5o, XXXIII, da Norma Fundamental não se limitem à redução

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dos prazos de sigilo a resguardar as informação classificadas como

ultrassecretas, secretas e reservadas. É necessário que se vá alem para garantir

maior participação democrática nos procedimentos de classificação e

reavaliação das informações e dados sensíveis.

Não por outra razão, é proposta a inclusão de representantes da sociedade

civil, sem qualquer vínculo com a administração pública, entre aqueles sujeitos

competentes para classificação do sigilo de informações (art. 27, da Lei de

Acesso à Informação no 12.527/2011), bem assim entre os membros que

compõem a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (art. 46, do Decreto

no 7.724/2012).

Estes dois cidadãos de reputação ilibada, eleitos diretamente pelo povo ou

indicados um deles pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos Deputados –

nos moldes prescritos para preenchimento das vagas não institucionais do

Conselho Nacional de Justiça – personificarão a concretude do direito

fundamental à verdade, exercendo o controle e fiscalização do ato técnico-

político que culmina com a inacessibilidade de determinada informação que, até

aquele momento, gozava da presunção de máxima publicidade decorrente da

regra constitucional que a assegura.

O fato de tais cidadãos estarem igualmente sujeitos ao dever de resguardo

das informações restritas não desnatura o viés democrático e republicano desta

medida, capaz de atribuir maior legitimidade ao processo classificatório em

análise e assegurar a observância do direito fundamental à verdade.

8. O dever de veracidade é de tal importância que se manifesta, ademais, no

plano horizontal, de modo a atingir a relação entre os indivíduos, mormente no

contexto da liberdade de expressão do pensamento e de informação. Se a

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imprensa livre é um pressuposto do Estado Democrático de Direito e vetor do

direito à verdade, é igualmente submetida ao dever de veracidade ora defendido.

A liberdade de imprensa não pressupõe a odiosa prática do

desvirtuamento da realidade. Ao contrário, a informação jornalística deve ser

buscada, tratada e divulgada com vistas ao império da verdade, tanto no domínio

ontológico quanto no aspecto moral. O desrespeito a esse postulado, o

descompromisso com a verdade factual, constitui grave violação ao princípio da

veracidade, e gera severos danos não só ao indivíduo retratado na matéria

jornalística falseada, mas à sociedade receptora da informação, esta alijada de

tocar à verdade necessária à formação da opinião pública e ao adequado

planejamento de suas ações.

9. Vale, a título conclusivo, uma breve menção ao momento político o qual a

Nação brasileira está submetido atualmente, dada a inafastável alusão à verdade

- em contraposição à mentira - no seio do Estado.

Vive-se no Brasil do início deste século uma evidente crise de

credibilidade, cujas consequências transitam entre a mera descrença na gestão

honesta da coisa pública ao colapso de uma economia que, em tempos recentes,

fora capaz de amealhar as melhores projeções e atrair a atenção do mercado

internacional, requisito indispensável para exercer algum protagonismo mundial

em um cenário globalizado.

Não há mais espaço, na moderna democracia, para a mentira e a

dissimulação governamental, seja sob qualquer pretexto. O direito fundamental

à verdade, manifestado pela prerrogativa de ter acesso àquilo que o governo

intenta esconder imotivadamente ou falsear, e compreendido tanto pela

finalidade (alcançar a verdade) quanto pelo processo (buscar a verdade), exige

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que haja absoluta ruptura com um Estado que mente, bem como a exemplar

punição dos protagonistas dessa violação a um princípio constitucional supremo,

o que se pode obter pela subsunção do proceder mentiroso e dissimulado às

normas que definem crimes de responsabilidade por improbidade administrativa

(e.g. art. 85, V, da Constituição Federal), e em decorrência do descompasso

entre o comportamento tal e o princípio da moralidade da administração pública.

10. Bem por isso, o constitucionalismo da verdade demanda uma mudança de

paradigma, de modo a permitir que se reconheça o poder destrutivo que a

ocultação e o desvirtuamento obsessivo e desmedido das informações é capaz de

revelar, e se estabeleça uma realidade em que o império da lei seja erigido sobre

o império da verdade.

Hannah Arendt lembra que a verdade, do ponto de vista político, tem um

caráter despótico, e por tal é odiada por tiranos que receiam a competição de

uma forma coerciva que não são capazes de monopolizar (ARENDT, 2014, p.

298).

Se antes a supremacia constitucional e a efetividade dos direitos

fundamentais da liberdade e da dignidade dependiam de uma vontade de

Constituição capaz de nutrir de força suficiente as instituições destinadas à

garantia dessas prerrogativas, hoje se faz necessária a gênese de uma vontade de

Verdade, que se liberte das amarras do subjetivismo que tudo relativiza, e tenha

na Constituição o seu fundamento maior.

Caminhemos para uma realidade constitucional em que a mentira e a

ocultação não mais sejam consideradas funções de Estado, e que o proceder

verdadeiro deixe de ser qualidade dos heróis da mitologia e passe a constituir a

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tônica de uma autoridade consciente da importância desse valor, que permeia a

existência humana desde a primeira centelha de vida.

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