o diÁlogo com grupos de interesse … · corrente teórica clássica do pensamento econômico....

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA MONOGRAFIA DE BACHARELADO O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE (STAKEHOLDERS ) NA INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS PAULA RUBEA B. M. EBRAICO matrícula nº 099114113 ORIENTADORA: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha MARÇO 2003

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Page 1: O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE … · corrente teórica clássica do pensamento econômico. Desta escola de pensamento derivou a moderna escola neoclássica que analisa a esfera

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE(STAKEHOLDERS) NA INDÚSTRIA DE

PETRÓLEO E GÁS

PAULA RUBEA B. M. EBRAICOmatrícula nº 099114113

ORIENTADORA: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha

MARÇO 2003

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE ECONOMIA

MONOGRAFIA DE BACHARELADO

O DIÁLOGO COM GRUPOS DE INTERESSE(STAKEHOLDERS) NA INDÚSTRIA DE

PETRÓLEO E GÁS

__________________________________PAULA RUBEA B. M. EBRAICO

matrícula nº: 099114113

ORIENTADORA: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha

MARÇO 2003

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As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade daautora

Dedico este trabalho à mulheres muitoespeciais. Às minhas amadas tias Valéria eVerônica pelo apoio em todos os momentos dedificuldade, à minha prima Beatriz pelaadmiração e carinho de irmã, e é claro à minhamãe Mônica e minha avó Beth que através dosuor do trabalho e do amor infinito que medestinaram, foram as responsáveis por eu terchegado até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, de forma especial, à Valéria que mais do que professora eorientadora, foi uma grande amiga em vários momentos difíceis desta longatrajetória até a monografia. Eu não poderia retribuir sua paciência e carinho nemcom um grande texto, mas deixo esta mensagem de gratidão.

Ao Pedrinho, meu irmão, meu muito obrigado por você existir e trazertantas alegrias ao meu coração. Você ainda é muito pequeno, mas já éresponsável por me ensinar a amar da forma mais plena, a de uma mãe para umfilho.

Ao André, por seu companheirismo, grande incentivo acadêmico e poracreditar no futuro maravilhoso que teremos juntos. Mas principalmente, por seugrande amor e por permitir que eu o ame tanto.

Finalmente, agradeço a Deus por tudo.

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RESUMO

O trabalho descreve as estratégias de empresas do setor de petróleo egás visando evitar custos de mitigação de impactos ambientais e deadministração de conflitos entre grupos de interesse. As empresas do setorprocuram enquadrar - se em novos padrões de competitividade imposto pelaconvenção do Desenvolvimento Sustentável, tanto na sua dimensãoregulatória (ambiental e social), quanto no seu poder de articular e negociarinteresses diferenciados. Esta articulação tem sido mais eficiente quando sefaz utilizando - se de uma nova ferramenta de gestão social, denominadaDiálogo com Grupos de Interesse (Stakeholder Dialogue ou StakeholderEngagement ), destinada a captar as percepções e as expectativas dos atoressociais em relação às atividades de exploração e produção, criando um canalde comunicação entre a empresa e seus grupos de interesse (stakeholders ). A monografia faz ainda, uma discussão teórica entre Adam Smith e KarlPolanyi, e procura resgatar os conceitos introduzidos por Polanyi através daferramenta de diálogo com Grupos de Interesse (Stakeholders) como forma deinserir uma maior consciência social na atividade econômica.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................9

CAPÍTULO I - ADAM SMITH E KARL POLANYI EM DEBATE .........................................................11

I.1 - SMITH X POLANYI ............................................................................................................................................12I.2 - A CRIAÇÃO DO MERCADO ................................................................................................................................15I.3- OS CONTRAMOVIMENTOS PROTETORES .................................................................................................................16

CAPÍTULO II – A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA E O DIÁLOGO COM STAKEHOLDERS......17

II.1 - A NOVA SOCIOLOGIA ECONÔMICA – UM BREVE HISTÓRICO.................................................................................18II.2 - EMPRESAS RESPONSÁVEIS..................................................................................................................................20II.3 - A CONVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E O “ENRAIZAMENTO SOCIAL”.............................................20II.4 - O MODELO CHAMADO DE “CAPITALISMO DE STAKEHOLDERS”................................................................................21II.5 - A FERRAMENTA “DIÁLOGO COM STAKEHOLDERS” ..............................................................................................23

II.5.1 - Metodologia do Diálogo com Stakeholders: ..........................................24

CAPÍTULO III - A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS E O CASO DA SHELL...............................26

III.1 - A INDÚSTRIA DE PETRÓLEO E GÁS E A CONVENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. ....................................27III.2 - PRESSÃO SOCIAL PARA A TRANSFORMAÇÃO DO PARADIGMA - O CASO DA SHELL.................................................28

III.2.1 - Um breve histórico ......................................................................................29III.2.2 - A Transformação da Shell.........................................................................30III.2.3 - A Estratégia de Diálogo com Grupos de Interesse .............................31III.2.4 - Exemplo Camisea .........................................................................................32III.2.5 - Shell Brasil ......................................................................................................37

CONCLUSÕES....................................................................................................................................................41

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................................45

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INTRODUÇÃO

O tema da monografia aborda a recente estratégia do setor de petróleo e gás

no sentido de envolver seus stakeholders 1 (grupos de interesse) num processo

de diálogo contínuo, de maneira a captar - lhes as percepções e expectativas

em relação aos riscos inerentes à atividade de exploração, visando evitar

custos de mitigação de impactos ambientais e a emergência de conflitos

sociais.

O Diálogo com Grupos de Interesse (Stakeholder Dialogue ) é uma ferramenta

de gestão social que busca adequar - se ao novo padrão de gerenciamento dos

recursos naturais imposto pela convenção do desenvolvimento sustentável,

tanto na sua dimensão regulatória (ambiental e social), quanto na articulação

de interesse entre os atores envolvidos. Esta ferramenta será aqui analisada à

luz do arcabouço teórico da Nova Sociologia Econômica.

O objetivo da monografia é mostrar que para lidar com o meio ambiente e

com as pessoas é necessário mais que medidas paliativas e indenizações por

perdas, é preciso entender que a atividade econômica está inserida dentro das

relações sociais e que o homem possui outras motivações além da aquisição

de bens materiais.

No primeiro capítulo, faremos uma discussão teórica para avaliar a

pertinência de utilizarmos a corrente da Nova Sociologia Econômica, mais

adequada para o nosso objetivo, contrapondo - a com a Economia Clássica e a

Neoclássica. Para tanto, faremos um debate entre Karl Polanyi, um dos autores

mais importantes da Sociologia Econômica, e Adam Smith, o responsável pela

criação da corrente clássica da economia.

No segundo capítulo, apresentamos a Nova Sociologia Econômica, fazendo um

breve histórico dos fundamentos desta corrente teórica e de seus autores.

1 Optamos por usar o termo stakeholder pois não encontramos similar em português. Em geral, étraduzido por “grupos de interesse”, que não traduz plenamente a idéia conforme concebida eminglês.

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Posteriormente, retomamos os principais conceitos introduzidos por Polanyi,

e apresentamos a metodologia do Diálogo com Grupos de Interesses

(Stakeholders), à luz dos conceitos polanyianos e da Nova Sociologia

Econômica, com as soluções discutidas por Polanyi para amenizar os efeitos

maléficos da economia capitalista moderna.

O terceiro capítulo explica a relevância da indústria do petróleo e gás para a

organização econômica moderna, indústria intensiva em recursos naturais

não renováveis, que envolve um alto risco econômico e, sobretudo, sua

natureza altamente poluidora. Desta forma, a utilização de um instrumento

de diálogo com a sociedade se torna fundamental para que as empresas do

setor possam se inserir no novo ambiente competitivo informado pela

“convenção do desenvolvimento sustentável” que objetiva reduzir ao máximo

a poluição ambiental, e internalizar práticas de responsabilidade social como

comportamento indispensável a toda e qualquer empresa. Para ilustrar,

apresentamos o exemplo da Shell no processo de adaptação da empresa a esta

convenção, e ao uso desta ferramenta.

Finalmente, o quarto capítulo resume as considerações gerais, e traz uma

interpretação pessoal sobre o tema desenvolvido.

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CAPÍTULO I - ADAM SMITH E KARL POLANYI EM DEBATE

A publicação de A Riqueza das Nações (1776) de Adam Smith funda a

corrente teórica clássica do pensamento econômico. Desta escola de

pensamento derivou a moderna escola neoclássica que analisa a esfera

econômica descolada do ambiente social, e possui como premissa básica a

maximização dos ganhos dos indivíduos através do comportamento

competitivo, comportamento este, que deriva da “propensão a intercambiar,

permutar ou trocar uma coisa pela outra” (SMITH, 1996, p.73) da natureza

humana.

Segundo Karl Polanyi, a palavra economia pode ser definida de duas

formas: a economia substantiva e a economia formal. A economia substantiva

é aquela caracterizada pelas relações entre o homem e a natureza e entre o

homem e os outros homens, relações estas que garantem a sobrevivência da

espécie humana. A economia formal é caracterizada pela lógica, as regras que

se definem a partir das escolhas dos agentes, considerando os recursos

escassos.

As duas definições de economia, a substantiva e a formal, pode- se dizer

que não possuem nada em comum, a última deriva da lógica enquanto a

primeira deriva dos fatos.

Em sua pesquisa, Polanyi percebeu que o modelo de economia formal

nem sempre se verificou na história, já que nem todas as sociedades humanas

alocaram recursos escassos para incrementar a produção. Desta forma,

somente o significado substantivo pressupõe a presença da economia em

todas as sociedades humanas, verificando que na maior parte da história, a

satisfação da subsistência era estabelecida por laços de parentesco, religião e

outras práticas culturais quaisquer que não possuíam nenhuma relação com a

alocação de recursos escassos.

O modelo de economia formal predominante nas Escolas Clássica e

Neoclássica, que valoriza a predição e os instrumentos especializados em

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modelos matemáticos, deve ser questionado pois não aborda as diferenças

fundamentais entre as sociedades capitalistas e pré- capitalistas.

I.1 - Smith x Polanyi

O principal argumento utilizado por Polanyi para combater o

pensamento inaugurado por Adam Smith é a análise histórica dos sistemas

econômicos das sociedades pré- capitalistas para explicar as motivações do

homem enquanto ser social. Para Polanyi, quando Smith afirmou que a divisão

do trabalho depende da existência do mercado, justificando a propensão do

homem a barganhar e permutar, “pode- se dizer que nenhuma leitura errada

do passado foi tão profética do futuro” (POLANYI, 1980, p. 59). Isto porque,

segundo Polanyi, esta propensão à troca não havia se manifestado em escala

considerável nas comunidades 2 pesquisadas até a data de publicação de A

Riqueza das Nações .

Segundo Polanyi, a troca e o escambo nunca foram os determinantes da

vida social humana, a economia, assim como as outras esferas da vida social,

serviram para a organização da sociedade. A partir deste princípio é

sustentada a idéia de que “o sistema econômico será sempre dirigido por

motivações não econômicas”.

Para Polanyi, o ganho e o lucro não foram os impulsionadores da

economia nas sociedades anteriores ao mundo capitalista, assim a economia

de mercado é algo novo e único na história, isto é, nenhuma outra sociedade

anterior a nossa foi controlada pelo mercado auto- regulável através dos

preços e “embora a instituição do mercado fosse bastante comum desde a

Idade da pedra, seu papel era apenas incidental na vida econômica” (POLANYI,

1980, p. 59).

Sobre a divisão do trabalho, Polanyi discordava da suposição de Smith

de que era necessária a existência do mercado para viabilizar a divisão do

trabalho, uma vez que somente com um mercado relativamente grande seria

permitido ao homem dedicar - se a apenas uma tarefa, caso contrário, ele não

22 Estas Comunidades foram pesquisadas por Polanyi e estão em “A Grande Transformação”.

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teria como trocar o bem produzido por outros bens necessários à sua

subsistência. De acordo com Polanyi, a divisão do trabalho é um fenômeno

antigo que não possui qualquer ligação direta com a existência do mercado,

derivando de diferenças inerentes ao sexo, à capacidade individual e às

condições geográficas.

Nestas sociedades pré- capitalistas, não existia a noção de lucro nem de

barganha individual, ao contrário, o que se verificava era um esforço para

assegurar a sobrevivência do conjunto de seus membros, como forma de

preservar os laços sociais que os identificava enquanto coletividade, isto é, a

esfera econômica servia ao interesse social, não ao econômico.

“... a economia do homem, como regra, está submersa em suas

relações sociais. Ele não age desta forma para salvaguardar seu

interesse individual na posse de bens materiais; ele age assim

para salvaguardar sua situação social, suas exigências sociais,

seu patrimônio social. Ele valoriza os bens materiais na medida

em que eles servem a seus propósitos.” (POLANYI, 1980, p. 61)

Polanyi, então, se questiona sobre como garantir a ordem na produção e

na distribuição, sem a motivação do lucro, do princípio de trabalhar por

remuneração e, ainda, sem a presença de qualquer instituição separada e

distinta baseada em motivações econômicas. Para tal pergunta, Polanyi

responde com dois tipos de comportamento: a reciprocidade e a

redistribuição que eram colocados em prática através de padrões

institucionais: a simetria e a centralidade, desta forma para a compreensão

das sociedades humanas deve- se tratar a economia como um processo

historicamente instituído.

Polanyi 3 entendia a economia como processo historicamente instituído,

na medida em que ela era definida como a interação entre o homem e a

natureza (ambiente que o rodeia) e porque estas atividades que formam o

processo econômico estão concentradas dentro das instituições.

3 Ver em “The Economy as na Instituted Process”.

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A economia estaria enraizada em instituições econômicas e não

econômicas e estas seriam as responsáveis pelo seu funcionamento e

estrutura. Assim, para entender como a economia é instituída em diferentes

tempos e lugares é necessário o estudo dos tipos de comportamento humano

e seus padrões empíricos.

A reciprocidade garantiria a subsistência de um grupo familiar através

dos laços de parentesco. Através do padrão institucional da simetria que é

marcado pela dualidade, seria garantido um sistema de dar e receber de bens

e serviços, ainda que sem uma determinação superior ou um registro

determinado.

Já o comportamento da redistribuição foi verificado facilmente entre os

membros de uma tribo de caçadores que ao chegar o final do dia, tudo que

fora conseguido era reunido e entregue ao chefe da tribo, para posteriormente

ser redistribuído. O padrão institucional da centralidade forneceu a

possibilidade de uma divisão mais igualitária, através da existência de uma

autoridade instituída, este fato permitiria que os rendimentos irregulares

entre famílias e tribos fossem suavizados.

Para Polanyi, os princípios de reciprocidade e redistribuição são

verificados mesmo em sociedades não democráticas, como oligarquias. O

terceiro princípio chamado de domesticidade consiste na produção para uso

próprio do grupo, cujos excedentes poderiam ser vendidos, e daí derivaria o

princípio do intercâmbio.

A permuta, a barganha e a troca são princípios de comportamento que

dependem da existência do padrão de mercado para a sua efetivação. Polanyi

argumenta que a permuta estaria para o padrão de mercado assim como a

reciprocidade está para o padrão simétrico de organização, e a redistribuição

para a centralização, porém o padrão de mercado é o único capaz de criar

uma instituição específica, o mercado.

Polanyi destaca ainda que mesmo quando os mercados adquiriram

maior importância no século XVI, ainda não foi suficiente para o padrão de

mercado controlar a sociedade. Durante muitos séculos a troca e a permuta

conviveram com importância reduzida em relação aos princípios de

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reciprocidade e redistribuição, isto se verificou principalmente devido à

proteção exercida pelas cidades, que funcionavam como um sistema comercial

fechado e altamente regulado, com vistas a resguardar a economia doméstica

das modalidades de pirataria e roubo resultantes do comércio em uma esfera

externa.

Vale lembrar que “uma economia de mercado é um sistema econômico

controlado, regulado, e dirigido apenas por mercados; a ordem na produção e

distribuição dos bens é confiada a esse mecanismo auto- regulável” (POLANYI,

1980, p. 81), por isto, o controle do sistema econômico pelo mercado altera

toda a organização da sociedade que passa a ser dirigida em função do

mercado. Desta forma, a economia de mercado inaugurada no século XIX, teve

a peculiaridade de transformar toda a organização instituída, já que, pela

primeira vez na história, “ao invés da economia estar embutida nas relações

sociais, são as relações sociais que estão embutidas no sistema econômico”

(POLANYI, 1980, p. 72).

I.2 - A criação do mercado

Como já foi citado anteriormente, o mercado implica na existência de

instituições econômicas separadas, instituições que não foram necessárias

nas sociedades tribais, feudais ou mercantis. É nesse sentido que Polanyi

afirma que a sociedade que nasceu no século XIX foi singular, já que foi

impulsionada por motivações puramente econômicas.

A sociedade depois da instituição do mercado, deveria ser modelada de

forma a atender o funcionamento do mesmo segundo suas próprias leis. Este

mercado auto - regulável pressupõe que a ordem na produção e na distribuição

de bens e serviços é assegurada apenas pelos preços. A produção é

determinada pelo lucro daqueles que a organizam, lucro este que depende dos

preços; já a distribuição dos bens é feita através dos rendimentos, que

também são determinados pelos preços.

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Para assegurar a existência de uma economia de mercado deve- se

incluir o trabalho, a terra e o dinheiro que são elementos essenciais à

indústria. Estes três elementos também devem ser organizados em mercados,

porém esta organização em mercados é perigosa, já que o trabalho, a terra e o

dinheiro não são mercadorias, “... o trabalho e a terra nada mais são do que os

próprios seres humanos nos quais consistem todas as sociedades, e o

ambiente natural no qual elas existem. Incluí- los no mecanismo de mercado

significa subordinar a substância da própria sociedade às leis de mercado.”

(POLANYI, 1980, p. 84), já o dinheiro “é apenas um símbolo do poder de

compra e, como regra, ele não é produzido para a venda” (POLANYI, 1980, p.

85)

Para os elementos trabalho, terra e dinheiro, Polanyi atribuiu a

denominação de mercadorias fictícias, e assim, seria através desta ficção que

os mercados reais seriam organizados. Portanto, não deveria ser permitido

nenhum comportamento ou entendimento que viesse a comprometer o

funcionamento dos mecanismos de mercado “nas linhas de ficção da

mercadoria”. Ora, não seria possível, porém, admitir que apenas o mecanismo

de mercado regulasse o destino dos seres humanos e da natureza de forma

completa, as conseqüências para tal postulado seriam desastrosas para a

sociedade. De forma particular, o elemento trabalho, forma técnica de

denominar o ser humano na condição de empregado ou de empregador, seria

o mais afetado, já que o homem sob o efeito do abandono social viria a

sucumbir através de males como a perversão, o crime, a fome, e o vício.

I.3- Os contramovimentos protetores

Os chamados contramovimentos protetores são ações tomadas pela

sociedade, como forma de resguardar o homem e a natureza dos efeitos

maléficos do mercado e do controle da esfera econômica sobre as demais

esferas sociais.

Polanyi afirma que foi devido a estes movimentos que as sociedades

capitalistas conseguiram evitar o caos social. A sociedade, ao perceber que os

efeitos deletérios do mercado podem provocar a sua própria ruína, começam

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a desenvolver formas de suavizar estes efeitos, um exemplo disto foi a

regulamentação do trabalho, quando a Inglaterra instituiu um conjunto de

direitos ao trabalhador como forma de protege- lo minimamente da pesada

carga de trabalho 4.

CAPÍTULO II – A No va Sociologia Econômica e o Diálogo co m

St akeholders.

No capítulo 1, discutimos as diferenças teóricas entre Adam Smith e

Karl Polanyi no que se refere à ciência econômica e a sua aplicação na

sociedade. Para os propósitos deste trabalho - que busca entender a interação

4 Polanyi desenvolve o conceito de contramovimentos protetores em “A Grande Transformação” efornece uma visão histórica sobre o assunto.

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entre o homem e o meio ambiente através de arranjos institucionais - ,

adotaremos a corrente teórica da Nova Sociologia Econômica (NSE) que resgata

os conceitos introduzidos por Polanyi, cujo principal pressupos to é a idéia de

que toda ação econômica está enraizada no ambiente social5.

II.1 - A Nova Sociologia Econômica – um breve histórico.

Quando A Riqueza das Nações foi publicada, ainda não havia ocorrido a

separação formal entre a Economia e a Sociologia. Foi a partir de David

Ricardo (1772- 1823) que a economia se tornou uma teoria dedutiva e

abstrata. A esta corrente, podemos chamar de corrente inglesa, que se opunha

à corrente histórica social da Alemanha.

Alguns destes economistas historicistas foram atraídos para a

sociologia, pelo simples motivo da sociologia ter mais afinidade com a

corrente histórica que com a corrente dedutiva abstrata. Desta forma, o

criador do termo sociologia, o primeiro sociólogo Auguste Comte, já em 1830,

criticou os economistas por darem tanta importância à abstração em

detrimento da abordagem empírica.

Finalmente, na virada do século foi fundada a Sociologia Econômica por

Max Weber e Durkheim. A definição de Sociologia Econômica que Weber e

Durkheim introduziram, defende que a perspectiva sociológica pode ser

aplicada ao fenômeno econômico. Os dois mais importantes trabalhos de

Weber foram Economia e Sociedade (1922) e História Econômica Geral (1919),

na realidade economia nunca fascinou Durkheim como educação, religião e

moralidade.

Porém, foi no século XX que os estudos em sociologia econômica foram

ampliados, conquistando, inclusive, alguns economistas de renome, com

destaque para a obra de Joseph Schumpeter neste campo do conhecimento:

Capitalismo, Socialismo e democracia (1942) e de Karl Polanyi, A Grande

Transformação (1944), que através de um estudo antropológico minucioso

constatou que a teoria econômica era aplicável não só às sociedades

5 Tradução do inglês social embeddedness.

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industriais, como defendiam os liberais, mas, também, nas sociedades pré-

industriais.

A Nova Sociologia Econômica que se iniciou nos anos 80 possui

pensadores como Mark Granovetter, Beth Mintz, Viviane Zelizer e Susan

Shapiro. Porém, iremos nos deter nos autores responsáveis por sistematizar

os três principais axiomas da NSE, Granovetter e Swedberg, cujas proposições

chaves são: 1) As ações econômicas são uma forma de ação social; 2) A ação

econômica é situada socialmente; 3) Instituições econômicas são construções

sociais 6 .

Para facilitar a compreensão, faremos uma distinção entre a Nova

Sociologia Econômica e a Economia Clássica e Neoclássica, que é a escola

dominante no pensamento econômico moderno.

A Escola Neoclássica tem como premissa que o agente econômico não é

influenciado por outros agentes (individualismo metodológico) e que suas

decisões econômicas são racionais, determinadas pelas suas preferências e

pela escassez de recursos. Logo, o mercado e a economia são as referências

básicas e a sociedade é considerada como dada no modelo neoclássico.

Para a Nova Sociologia Econômica, ao contrário, o agente é influenciado

por outros agentes que fazem parte da sociedade, suas ações possuem

motivações racionais dentre muitas outras não “racionais”. Diversamente do

que acreditam os defensores da economia clássica e neoclássica, as decisões

econômicas são feitas não somente a partir da escassez de recursos, mas,

também, considerando a estrutura social e o seu significado, é neste sentido

que a NSE defende que a ação econômica é uma modalidade da ação social.

Quando a NSE se refere à ação econômica como sendo socialmente

“situada”, significa que a ação econômica “está enraizada em redes de

relacionamentos pessoais e não em indivíduos atomizados” (VINHA, 2000, p.

159). Além disto, a economia é considerada como parte de um todo que é a

sociedade, e esta sim constituiria a referência básica da análise.

6 Ver em GRANOVETTER, M.S., SWEDBERG, R. (Eds.). The Sociology... Op. cit. “Introduccion”.

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As instituições sociais, por sua vez, também são frutos de uma

construção social, já que as instituições resultam de um lento e gradual

processo de criação que se inicia com muitas dificuldades de “como fazer”,

até chegar ao estágio de “como são feitas”, neste sentido é necessário olhar

para a trajetória histórica de uma determinada instituição para compreendê -

la de forma completa.

II.2 - Empresas Responsáveis.

Polanyi vislumbrava que o surgimento de uma instituição regida por

interesses puramente econômicos, o mercado, geraria muitos desequilíbrios

sociais. Mas acreditava, também, que a sociedade criaria defesas

(“contramovimentos protetores”) para preservar, em algum grau, os princípios

que a regiam originalmente, isto é, antes da ascensão do mercado como

padrão institucional. Os “contramovimentos protetores” são aqui resgatados

para explicar o comportamento socialmente responsável de determinados

segmentos empresariais da sociedade industrial moderna.

Atualmente, observa- se que as empresas – particularmente, as grandes

e líderes de mercado - estão seriamente empenhadas em expressar idéias e

atitudes socialmente aceitas, e a comportar - se de forma a demonst rar

“reciprocidade” com os demais segmentos sociais e a contribuir para a

“redistribuição” dos benefícios gerados por suas atividades.

Este comportamento não é necessariamente simétrico, embora a rede

constituída em torno dessas relações possa funcionar como uma instância de

coordenação social, fazendo da empresa a instituição central, isto é, aquela

responsável por um aspecto do bem- estar coletivo. Na ótica da NSE, este

comportamento representaria um dos "contramovimentos protetores"

mencionados por Polanyi contra o sistema de mercado "auto- regulável".

II.3 - A Convenção do Desenvolvimento Sustentável e o “Enraizamento

Social”

O conceito de Desenvolvimento Sustentável vem sendo construído

desde a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, mas só viria a ser

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mundialmente conhecido quinze anos depois, durante a Comissão Mundial

sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O relatório Nosso Futuro Comum

popularizou sua relatora, a Ministra da Noruega e Secretária Geral das Nações

Unidas, Gro Brundtland, sendo também conhecido como Relatório Brundtland.

De acordo com este relatório, o desenvolvimento sustentável é definido

como aquele que permite à geração atual suprir as suas necessidades, sem

comprometer as condições de subsistência das gerações futuras.

Esta premissa transformou - se em convenção de mercado, aceita

universalmente, e ajudou a estabelecer um novo paradigma científico,

apoiado na visão holística de uma sociedade regida pela lógica ecológica

também, além da lógica do mercado. Mas foi ao longo da década de 90 que o

conceito de desenvolvimento sustentável popularizou - se no meio

empresarial, passando a se constituir numa poderosa estratégia de negócios.

Contudo, para que o paradigma do desenvolvimento sustentável realize

plenamente os seus fundamentos e princípios, é necessário existir um certo

grau de “enraizamento social” (social embeddedness) na empresa. A

conseqüência disto é que, quanto mais a empresa dialoga e convive com sua

comunidade, mais ela se compromete com o controle e a minimização dos

impactos ambientais gerados por suas atividades, e se envolve e apóia

projetos comunitários. Este diálogo, resultado do aprofundamento da sua

inserção na comunidade, aproxima a cultura empresarial da cultura popular e,

por conseguinte, harmoniza as respectivas agendas.

Assim, políticas de compensações, mitigações, programas sociais,

enfim, a política de administração de impactos sócio- ambientais, seriam

formas modernas de reciprocidade e redistribuição uma vez que implicam em

"tomar e dar" entre grupos de parceiros.

II.4 - O modelo chamado de “capitalismo de stakeholders”.

O uso do termo stakeholder começou a se generalizar recentemente, no

final da década de 80, cujo marco foi o trabalho de R. Edward Freeman

Strategic Management: a Stakeholder Approach , publicado em 1984.

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O objetivo principal desta teoria era oferecer aos empresários e

executivos uma ferramenta para compreenderem os interesses e os desejos do

“outro” (isto é, dos stakeholders , definidos como os indíviduos afetados e/ou

interessados, direta ou indiretamente, pelos empreendimentos econômicos) e

aprender a lidar, estrategicamente, com eles e a gerenciar as diferentes

percepções e interesses. Nas palavras de Freeman: "the stakeholder approach

is about groups and individuals who can affect the organization, and is about

managerial behavior taken in response to those groups and individuals"

(FREEMAN, 1984, p. 48).

Para desenvolver tais estratégias, segundo ele, seria necessário

responder a três perguntas básicas sobre seus stakeholders:

1. Quem são eles? (seu perfil, atributos e características de comportamento)

2. O que eles querem? (refere- se aos seus interesses e metas)

3. Como eles tentarão atingir suas metas e satisfazer seus interesses? (esta

questão é relativa aos meios para se alcançar os fins)

Como uma figura de retórica, o “capitalismo de stakeholder” fornece

uma visão mais ampla e inclusiva do papel e das responsabilidades das

empresas na sociedade, além de apenas remunerar seus acionistas. O termo

apenas recentemente foi incorporado ao contexto legal, enquanto que o termo

shareholder (acionista) já é utilizado há muito tempo.

Os stakeholders de uma companhia têm poder porque carregam um

“stake ” (um bastão, de madeira ou metal), simbolicamente entendido como

uma poderosa arma capaz de destruir a empresa quando seus interesses não

são satisfeitos. Os chamados stakeholders voluntários são aqueles que

suportam alguma forma de risco em antecipação a alguma forma de ganho, ou

incremento de valor. São eles: os acionistas, os empregados, os fornecedores,

e os consumidores. E os stakeholders involuntários estão expostos ao risco

sem conhecimento prévio e sem garantia de benefício: o governo, as

comunidades e o meio ambiente.

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II.5 - A ferramenta “Diálogo com Stakeholders” 7

O diálogo com grupos de interesse é uma metodologia participativa, de

consulta social, que mapeia e caracteriza o perfil de cada stakeholder e capta

sua percepção e as suas expectativas sobre uma determinada empresa e sua

atividade.

A coleta de dados é feita de forma sistemática, executada por uma

equipe multidisciplinar, orientada para obter, no menor tempo possível, e

evitando - se gastos excessivos, novas informações e hipóteses. Foi

desenvolvido como uma alternativa às tradicionais análises sobre a situação

social nos países em desenvolvimento, que envolvem coleta exaustiva de

dados e um grande número de pesquisadores, durante um longo período de

tempo, acarretando num aumento substancial dos custos de pesquisa.

Além disso, ao incorporar a consulta direta a indivíduos representa tivos

dos grupos e técnicas de dinâmica de grupo, faz emergir uma série de

demandas, expectativas e problemas não captados através dos canais fixos e

formais de comunicação.

Durante as dinâmicas coletivas, criam- se oportunidades para a

população local colaborar ativamente não só no levantamento dos dados, mas,

também, na construção da análise, aportando, a esta, particularidades do

sistema e “insights ” pessoais suscitados pela dinâmica coletiva.

O programa de consulta sistemática aos stakeholders fornece,

fundamentalmente, um quadro das tendências comportamentais e das

possíveis estratégias a serem adotadas pelos diferentes grupos de interesse

face a uma determinada situação. Neste sentido, é um instrumento apropriado

para captar a dimensão de subjetividade existente em todo e qualquer

processo de escolhas e de decisão estratégica dos atores sociais.

As técnicas de Diálogo com os Stakeholders passaram a ser cruciais,

não apenas na comunicação externa da empresa, mas, também, na formulação

7 INSTITUTO PRÓ-NATURA. Relatórios de Pesquisa Diagnóstico de Grupos de Interesse (Stakeholders) ePlanos de Comunicação Social. Empresas: BP, Shell, Kerr- McGee e Esso. 2001/2002

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da estratégia corporativa, que, hoje, passa, necessariamente, na capacidade de

a empresa expressar seu compromisso com a sociedade.

II.5.1 - Metodologia do Diálogo com Stakeholders:

Objetivos:

• Manter todos os stakeholders da área de influência do empreendimento

permanentemente informados a respeito das operações em curso.

• Criar um canal de comunicação permanente entre a empresa e seus

stakeholders , construindo um ambiente de confiança entre eles.

• Desenvolver mecanismos que ajudem a promover a coexistência social

pacífica e colaborativa entre a equipe de trabalhadores e funcionários

da empresa e os habitantes das regiões onde atuam.

• Identificar os focos potenciais de conflito para apoiar uma ação

estratégica futura.

• Buscar o consenso em torno de questões polêmicas surgidas ao longo

do processo de diálogo.

Pressupostos

Os pressupostos desta metodologia estão diretamente relacionados com o

compromisso da empresa em adotar práticas corporativas de

responsabilidade social e ambiental. São elas:

• compromisso da empresa em adotar os mais elevados padrões de

qualidade técnica e ambiental, e a praticar sistematicamente o diálogo

com os seus stakeholders.

• Os stakeholders são considerados informantes privilegiados no

processo de monitoramento e avaliação da estratégia de comunicação.

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• As comunidades locais devem ser encaradas como stakeholders

primários 8 assim como os órgãos reguladores, fornecedores e

contratados, devendo assim ocupar o mesmo patamar de importância e

atenção atribuída a esses.

• Ênfase especial deve ser dada aos setores que utilizam os mesmos

recursos ambientais usados no empreendimento (ex: pescadores,

quando se trata de extrair petróleo no mar).

Técnicas

Existe uma variedade de técnicas de consulta e diálogo que são

aplicadas de acordo com o grau de impacto (social e ambiental) da atividade e

com o tipo de relacionamento social já existente. Nas atividades iniciais de

exploração sísmica, por exemplo, quando não ainda não há evidência da

existência de óleo na reserva, nem o compromisso com a produção, portanto,

as técnicas de consulta restringem - se a contatar indivíduos e organizações,

entrevistá - los ou aplicar questionários, além de organizar reuniões amplas e

abertas nas quais participam todos os potenciais interessados na exploração

futura. Por parte da empresa, o principal é manter o compromisso com o

diálogo e com a disponibilização das informações relativas ao

empreendimento.

A primeira providência é realizar um mapeamento de todas as

instituições e organizações setoriais, organizações não governamentais, e

associações da sociedade civil, e a partir daí são selecionadas pessoas que

conhecem mais a comunidade ou a área em estudo, em geral as que vivem ou

produzem no local, para desenhar um mapa das organizações e instituições

que atuam na área, indicando a disposição e as formas de uso do espaço, o

grau de influência dessas organizações, e as dificuldades mais comuns.

A visão diagnosticada é representa tiva dos segmentos sociais

pesquisados e aponta para a necessidade de colocar medidas em ação que

favoreçam o diálogo e permitam a construção em parceria de um projeto de

8 O que distingui um stakeholder primário de um secundário é o grau de impacto que ele pode sofrerdo empreendimento em questão. Ou seja, ele estaria, assim, mais propenso a comportar- senegativamente, podendo criar conflitos de serem administrados pela empresa.

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intervenção social. O valor dessas informações está no indicativo de

problemas e potencialidades que venham a fazer parte dos temas prioritários

de ação, como por exemplo, os programas de incremento à geração de renda

das populações tradicionais.

A realidade revelada no diagnóstico deve ser entendida, portanto, como

uma oportunidade para a empresa fortalecer sua opção estratégica de

conquistar o atributo de empresa socialmente responsável, encarando as

ações sócio- ambientais como investimento e não como custo, e os

stakeholders como informantes privilegiados e potenciais parceiros.

Além disso, esta metodologia fornece subsídios para orientar o

desempenho da assessoria de comunicação da empresa, e de seus

funcionários da base e da sede, sobre como responder aos seus stakeholders .

Contudo, o processo de diálogo é dinâmico, sendo necessário combinar outros

instrumentos de informação para refinar os procedimentos de monitoramento

e avaliação do Projeto de Comunicação Social, particularmente os diagnósticos

sócio- econômicos.

CAPÍTULO III - A INDÚSTRIA DO PETRÓLEO E GÁS E O CASO DASHELL

Devido à dependência da sociedade moderna na energia baseada em

hidrocarbonetos, principal combustível para o desenvolvimento industrial, a

indústria de Petróleo e Gás (P&G) desempenha um papel fundamental na

economia mundial. Porém, o alto padrão poluidor da indústria faz desta

indústria um foco constante de críticas por parte dos defensores do

desenvolvimento sustentável.

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III.1 - A indústria de Petróleo e gás e a Convenção do desenvolvimento

sustentável.

O alto retorno econômico da indústria de Petróleo e Gás é acompanhado

por um elevado risco. Muitos poços podem apresentar - se inviáveis

economicamente depois do investimento ter sido feito. Desta forma, a

indústria de P&G apresenta uma natureza de longo prazo que irá obrigá- la a

tomar decisões estratégicas.

Nos anos de 1997 e 1998, os preços de petróleo caíram em 31%, queda

esta atribuída à globalização dos mercados pela busca de novas reservas de

hidrocarbonetos. Este movimento gerou a impossibilidade de cooperação para

a manutenção de altos preços pelos países participantes da OPEP

(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que, numa busca

desesperada para manter seus rendimentos dos anos 80 e 90,

sobrecarregaram o mercado mundial com mais barris de petróleo do que a

demanda podia absorver, contribuindo ainda mais para a queda de preços.

Face ao declínio dos preços, foi imperioso proceder - se à reestrutu ração

na indústria de petróleo e gás, no sentido de torná - la mais sensível às

variações da demanda, além de aumentar a diversificação em petroquímica e

em outras indústrias derivadas. Este novo cenário exigia mudanças

estratégicas, entre elas, a mais importante consistia em compreender os novos

anseios da demanda, como a incorporação da preocupação ambiental e social

de acordo com o paradigma do desenvolvimento sustentável.

Para os países mais desenvolvidos, o controle de reservas de

hidrocarboneto, juntamente com o seu abastecimento contínuo e barato, irá

garantir sua supremacia no cenário mundial, podendo, com isso, manter o seu

ritmo frenético de crescimento industrial. Já para os países em

desenvolvimento, o acesso a esta energia se torna de vital importância para o

processo de industrialização tardio que irá possibilitar o seu desenvolvimento

econômico. No entanto, a crescente preocupação com o meio ambiente e o

surgimento de tensões entre grupos ativistas e comunidades locais contra os

governos dos países em desenvolvimento e contra a atividade de exploração e

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produção de petróleo, vem tornando a atuação da indústria de P&G nestes

países cada vez mais complexa.

A indústria de P&G é super poluente em termos ambientais em

praticamente todas as fases do seu processo de produção. Na exploração,

além do esgotamento dos estoques de recursos naturais, ainda há o risco de

derramamentos, perigo de explosão e contaminação por resíduos das

comunidades do entorno das operações de exploração e produção de P&G, já a

combustão de hidrocarbonetos é a fonte primária de gases do efeito estufa,

provocando chuva ácida e causando problemas de saúde à população.

Conseqüentemente, a indústria de P&G recebe críticas de todos os lados,

não só dos ambientalistas, mas também, de representantes das comunidades

mais pobres e dos governos populares. O intenso escrutínio social levou à

adoção de novos padrões de competitividade pautados na necessidade de se

identificar, previamente, os danos que a atividade gera ao meio ambiente e à

sociedade os quais se refletem nos negócios maculando a reputação da

empresa.

Do ponto de vista financeiro, as conseqüências podem ser

extremamente danosas, elevando os custos de mitigação dos impactos

ambientais, obrigando a empresa a pagar indenizações milionárias a

comunidades e indivíduos atingidos pela poluição, isto sem falar dos boicotes

organizados por grupos ambientalistas e a deterioração da imagem da

empresa.

III.2 - Pressão Social para a transformação do paradigma - o caso da Shell

As mudanças na indústria de P&G foram impulsionadas pela crise

econômica mundial e foram seguidas pelas exigências da demanda no sentido

de adequar as ações do setor energético aos princípios do desenvolvimento

sustentável.

Como resultado, começa a crescer a pressão social pela diminuição do

efeito poluidor da indústria baseada em hidrocarbonetos. A incorporação do

paradigma do desenvolvimento sustentável nas indústrias modernas consiste

na adoção de tecnologias menos poluentes, tanto no processo produtivo

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quanto na expressão de um compromisso público corporativo, preocupado

com o meio ambiente e com os benefícios sociais distribuídos pela empresa.

Neste novo cenário competitivo, as indústrias do setor de P&G procuram

implementar novas estratégias empresarias que correspondam aos anseios da

demanda mais preocupada com a proteção ambiental e, por que não,

socialmente responsável?

O caso da empresa Shell ilustra bem a trajetória do setor de petróleo e

gás e a adaptação a este novo paradigma. Sob o impacto de dois desastres

ambientais de grande proporção, a empresa procurou identificar os anseios

da sociedade bem como priorizar a sustentabilidade ambiental e a

responsabilidade social.

III.2.1 - Um breve histórico 9

Em 1887, a Companhia Shell de Transporte e Comércio foi fundada no

Reino Unido e logo foi para o ramo de combustíveis, parafina comercial e

querosene dos poços de Bornéu. Em 1906, a Shell funde - se com a Royal

Dutch, devido ao esgotamento de suas reservas em Bornéu.

Atualmente, o grupo Shell compõe - se de três Companhias Holding:

Shell Petroleum NV, Shell Petroleum Inc. USA e Shell Petroleum Co. Ltd. UK,

além da subsidiária independente Shell Oil Company (EUA). Além disso, o

grupo possui as Companhias de Serviços (SERVCOS) que fornecem suporte

técnico para as Holdings e as Companhias operadoras (Opcos). O grupo Shell

atua em mais de 130 países, e é uma empresa completamente integrada, do

poço à origem das bombas - as operadoras trabalham na exploração e

produção de produtos de petróleo e renováveis, que são transportados em

oleodutos e navios- tanques operados pela Companhia – e ainda possui

refinarias nos países em que opera. Cabe lembrar que a Shell, além de

combustíveis e lubrificantes refinados do petróleo cru, utiliza 10% do óleo

confeccionado na produção de substâncias químicas e polímeros. O grupo

possui mais de 47 mil postos de serviço, que cresceram e acabaram por

9 MAY, Peter H., BARBOSA, A.H., ZAIDENWEBER, N., FERNANDEZ-DAVILA, P., VINHA, Valéria G. da.Corporate roles and rewards in promoting sustainable development: lessons and guidelines fromCamisea. Berkeley, CA: Energy Resource Group, Jan. 1999.

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lançar - se no ramo de alimentos através das lojas de conveniência (posto

Sellect). A Shell é reconhecida mundialmente como uma das líderes no seu

ramo e, segundo pesquisas de opinião, é a preferida dos consumidores em 48

países.

A Shell apresentou os maiores lucros em ações ordinárias de 1988 até

1997, além de demostrar maior estabilidade que as outras seis maiores

Companhias, sendo rivalizada apenas pela Exxon até a sua fusão com a Mobil.

Para manter sua estabilidade e colocar - se sempre à frente das tecnologias

mais modernas, a Shell gasta em média mais de $715 milhões em P&D por

ano. Contudo, a empresa sofreu com uma queda dos lucros nos anos 90,

gerando uma revisão dos princípios e da estratégia operacional do grupo, com

o objetivo de captar os anseios da sociedade priorizando a sustentabilidade

ambiental e a responsabilidade social.

III.2.2 - A Transformação da Shell

Em 1995, a Shell enfrentou duas crises que detonaram as mudanças

necessárias à implementação das diretrizes do Desenvolvimento Sustentável

no grupo. A primeira se deu quando a poderosa ONG Greenpeace ocupou a

plataforma de Brent Spar, no Mar do Norte, para impedir o seu afundamento;

e a outra se deu quando o governo nigeriano enforcou o ativista Ogoni de Ken

Saro- Wiwa e oito aliados.

A decisão da empresa de afundar uma plataforma já considerada

obsoleta foi tomada após vários estudos técnicos constatando que não haveria

nenhum perigo à operação. Entretanto, neste momento houve a invasão do

Greenpeace, colocando em questão sua real segurança.

O outro foco da crise partiu da Nigéria, onde a Shell criou uma

companhia para explorar petróleo, que é a maior produtora do País. A

empresa opera no Niger Delta, área sensível do ponto de vista ambiental, que

vive um conflito étnico histórico. Na região, vivem 7 milhões de pessoas de 20

diferentes etnias.

Em 1995, o ativista Ogoni Ken Saro- Wiwa, e mais oito aliados, foram

enforcados pelo governo nigeriano quando tentavam receber alguma

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compensação pela extração de petróleo das concessões nas suas terras e pelos

graves impactos ambientais decorrentes das operações de petróleo e das

práticas de sabotagem.

Estes incidentes coincidiram com um momento de reflexão interna da

Shell e com o projeto que ficou conhecido internamente pela sigla TINA

("There is no alternative") que consistiu em uma revisão dos princípios da

empresa baseada nas expectativas da sociedade, em todos os aspectos do

negócio.

Os incidentes ocorridos geraram várias manifestações contra a empresa

como boicotes, clamor público e atos de violência, os quais, de certa forma,

contribuíram para a implementação e fortalecimento da TINA. Além disso, a

empresa fez várias pesquisas em empresas de consultoria de prestígio, como

a MORI, as quais identificaram que a Shell era acusada de não trabalhar em

parcerias com as comunidades, desconsiderando suas opiniões.

Em 1997, através da "Declaração de Princípios Gerais de Negócios", a

sede da empresa determinou como cada uma das companhias que compõem o

Grupo Shell deveria conduzir seus assuntos. A partir desse momento, a Shell

comprometeu - se a apoiar os direitos humanos, fornecendo a atenção

apropriada às áreas de saúde, segurança e meio ambiente, visando sempre o

desenvolvimento sustentável.

O conceito de desenvolvimento sustentável contido neste documento

engloba três aspectos: econômico, social e ambiental, e os seus princípios

são: 1- gerar lucros, 2- desenvolver produtos de “valor” para os

consumidores, 3- proteger o meio ambiente, 4- gerenciar os recursos naturais

(ex: energia, terra e água), 5- respeitar e proteger as pessoas, trabalhar com os

stakeholders, 6- beneficiar as comunidades.

III.2.3 - A Estratégia de Diálogo com Grupos de Interesse

Nos dias de hoje, a maior preocupação com o meio ambiente e o

desenvolvimento das tecnologias de informação, que permitem que fatos e

acidentes isolados rapidamente sejam difundidos pelo mundo, tornam o

ambiente de negócios de qualquer empresa muito mais complexo. As

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empresas passam a ter que se preocupar não apenas com as demandas de

seus acionistas (de obtenção de lucros), mas, também, com uma gama maior

de grupos que de alguma forma são afetados pelas suas operações.

Para identificar a demanda desses “novos atores” é necessário dialogar,

ouvindo o que estes têm a dizer e informando o que a empresa pretende

fazer. A Shell identificando este cenário e seguindo suas novas regras,

estabeleceu que em qualquer um dos seus novos projetos as opiniões da

comunidade afetada; dos governos locais; dos grupos de interesses como um

todo, deveriam ser ouvidas, assimiladas, pesadas e a partir deste diálogo,

baseado em relações de confiança e respeito construídas ao longo do tempo,

as decisões deveriam ser tomadas.

Ao agir dessa forma, diversos agentes, além da própria Shell, estão

engajados no projeto em questão, o que faz com que as chances de sucesso se

tornem muito maiores e, no caso de surgirem problemas, as

responsabilidades passam a ser compartilhadas. A fim de consolidar esta

conduta e tornar públicas suas decisões e sua performance, permitindo aos

diversos agentes comparar as promessas com os atos concretos, a Shell

elaborou os Relatórios Shell para a Sociedade.

No entanto, os resultados previstos no referido documento não

acontecem rapidamente, ao contrário, são lentos e prevêem alguns anos até

que os primeiros frutos sejam alcançados. Esta demora em produzir

resultados se deve ao fato de os princípios do Desenvolvimento Sustentável

precisarem ser difundidos, e internalizados, entre todos os funcionários,

mudando a cultura interna no cumprimento de suas tarefas. Somente quando

as mudanças estiverem totalmente internalizadas na cultura da empresa, os

resultados serão notados.

III.2.4 - Exemplo Camisea

O campo de gás de Camisea no Peru localiza - se no interior da floresta

amazônica peruana, no Vale da baixa Urubamba. Trata - se de uma área

habitada por aproximadamente 10.000 pessoas, espalhadas em mais de 35

aldeias, representando sete culturas nativas diferentes.

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A Shell chegou na região no início dos anos 80 durante uma campanha

de exploração que levou à descoberta de um depósito de gás de “classe

mundial” (11 trilhões de pés cúbicos de gás natural e 640 milhões de barris

em condensados líquidos). Durante a exploração, a Shell foi acusada de abusar

dos direitos humanos, pondo em risco a saúde das populações indígenas

desprotegidas devido ao isolamento, e prejudicando o frágil ambiente natural

da floresta tropical. Tais abusos, registrados ao longo de toda a bacia

amazônica, mobilizaram protestos de organizações ambientais e de direitos

humanos no Peru e nos países industrializados.

Em 1996, a Shell junto com a Mobil, voltou à região num novo

empreendimento, já buscando aplicar o novo paradigma do Desenvolvimento

Sustentável, iniciado com o processo de transformação interna que foi

motivado pelos gravíssimos conflitos ocorridos na Nigéria e no Brent Spar.

Camisea surgiu, assim, como uma oportunidade de desenvolver um processo

de aprendizagem na Shell, permitindo à companhia pôr em discussão novas

abordagens destinadas a administrar as frágeis e controversas relações sociais

encontradas em áreas sensíveis como a Amazônia peruana.

A oportunidade de desenvolver o processo de aprendizagem nesta

região foi aproveitada, e a Shell lançou um programa abrangente de

consultoria e participação de stakeholders que possibilitou a tradução efetiva

de assuntos emergentes em decisões técnicas e planejadas.

A empresa estabeleceu boas relações de vizinhança e firmou contratos

com as comunidades indígenas locais. Além disso, adotou estratégias de longo

prazo para geração de Capital Social e projetos de desenvolvimento

sustentável, visando contribuir para a capacitação local autônoma, e planejou

entregar um benefício líquido às comunidades locais durante 40 anos.

A SPDP (Shell Peruana), comprometida com a adoção de práticas sociais,

reuniu uma equipe de executivos experientes em atuar em ambientes

sensíveis. Como resposta à herança negativa da campanha anterior, a

administração da SPDP assumiu, desde o início, um compromisso de que

Camisea operaria tão discretamente quanto possível. Seu acampamento básico

e o seu pessoal ficariam completamente isolados das comunidades; os

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trabalhadores do empreendimento deveriam portar um Passaporte de Saúde

certificando sua inoculação contra doenças e enfermidades que poderiam

atacar os nativos, e decidiu - se que infrações contra esta decisão seriam

punidas com demissão sumária.

Com o objetivo de proteger as comunidades indígenas da competição e

do conflito em torno dos recursos da região, foi decidido pelo grupo que não

seriam construídas estradas para o vale do Urubamba e para o corredor de

exportação de gás, evitando o fácil acesso de colonos ou madeireiros à frágil

região. Ao invés de estradas, o transporte de todo o equipamento e materiais

para a base de operações seria feito por rio e helicóptero. Os nativos, porém,

demonst raram um grande transtorno quanto ao uso do aerobarco para

transpor te no rio, o barco foi denominado de "aerobarco demoníaco" pelas

comunidades por sua aparência e seu som estridente, por fim, a empresa

encontrou meios para evitar um desconforto que poderia ter adiado

seriamente o projeto.

Todas essas heterodoxas políticas e decisões de planejamento do

projeto resultaram de consultas às comunidades locais, realizadas pelos

chamados "Agentes de Ligação com a Comunidade" (CLOs) durante as rodadas

de conversações. Nelas, os CLOs apresentavam as características do

planejamento e identificavam os problemas locais para receberem assistência

da companhia. A Shell negou - se a adotar uma política puramente

compensatória, evitando transações de dinheiro vivo em favor de

investimentos na comunidade com ampla distribuição de benefícios, como

postos de saúde, treinamento e bolsas de estudos. A companhia também fez

esforços para fortalecer e legitimar as organizações locais, como o Clube de

Mães, autorizando - as a receber fundos e administrar projetos locais em favor

das mulheres e de suas famílias.

ONGs nacionais e internacionais começaram, a partir de então, a

assumir um papel mais pró- ativo no planejamento do desenvolvimento

sustentável regional. Uma Verificação de Saúde Básica no início do projeto

focalizou a atenção nas deficiências existentes nos serviços sociais e de saúde

locais, estimulando a discussão sobre oportunidades adicionais para

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intervenção. A colaboração iniciada com o governo regional levou à

preparação de um diagnóstico sócio- econômico regional e um plano de

desenvolvimento sustentável do vale do Urubamba, assegurando um adicional

compromisso público e de ONGs nesta direção.

Finalmente, o Conservation Biology Institute do Smithsonian Institute,

há muito em atividade na vizinha Reserva de Manú, dedicou - se à avaliação da

biodiversidade e monitoramento, criando uma base de conhecimento

excepcional, que veio a somar um valor adicional e visibilidade aos esforços

do projeto. Este programa de biodiversidade não só alimentou um processo de

Avaliação de Impacto Ambiental Adaptável, mas também teve a virtude de

prover um campo de treinamento prático para jovens cientistas nacionais.

Também motivou os nativos que foram contratados como guias a recuperar e

valorizar seu conhecimento indígena, ameaçado pelo ataque da civilização

moderna.

Com relação ao uso da metodologia de diálogo com stakeholders , o

programa de consulta do Projeto Camisea, que começou em 1994, propunha -

se a ser ininterrupto, e foi um componente chave no planejamento (incluindo

a Avaliação de Impacto Ambiental) na construção do gasoduto e nas

operações em campo. O valor total das atividades, incluindo pagamento de

salários, girou em tornou de 1 milhão de dólares, mas calcula- se que estes

reverteriam em benefícios da ordem de 50 milhões de dólares.

Para a equipe de relações comunitárias da SPDP, a consulta era

entendida como um contínuo fluxo de informação entre os grupos de

interesse e a empresa. As metas a serem alcançadas no Projeto Camisea foram

assim definidas: fornecer informação detalhada sobre o empreendimento;

identificar expectativas; comunicar o compromisso da empresa em gerar

benefícios sociais; demons trar a sensibilidade da empresa para temas sócio-

ambientais; apoiar a participação dos stakeholders no desenho do projeto e no

processo de tomada de decisões; orientar acordos de compensação e apontar

ações para a geração de Capital Social; contribuir para a capacitação da

liderança local e assegurar que a empresa mantivesse sua "licença social para

operar".

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Após o desastroso episódio do Brent Spar, a Shell tomou consciência de

que o sucesso de empreendimentos desta magnitude dependia do

envolvimento, consentimento e colaboração de grupos e indivíduos direta e

indiretamente afetados. Neste sentido, a estratégia adotada pela SPDP

(“everyone as a stakeholder ”) consistia em manter indivíduos e grupos

permanentemente informados em todas as fases do projeto, e em incorporá -

los no processo de tomada de decisões de modo a beneficiar - se do expertise

individual e coletivo.

Ao adotar esta estratégia, a empresa tinha consciência da sua

inexperiência em técnicas de stakeholder approach. Com o objetivo de iniciar

um processo de desenvolvimento local sustentável, a Shell, assumia o risco de

abrir suas operações ao monitoramento da sociedade. Entretanto, este risco

pareceu insignificante diante do temido cenário de amargar um desastre

financeiro no caso de suas operações sofrerem atraso ou cancelamento em

virtude do clamor popular.

Os passos do processo de consulta do projeto Camisea foram: 1)

Identificação e contato com todos os stakeholders ; 2) Disseminação e

intercâmbio de informação em material de fácil assimilação, publicados em

inglês e espanhol e no website do projeto; 3) Promoção e facilitação do diálogo

através de workshops participativos organizados em diferentes níveis (local,

nacional e internacional) e envolvendo todos os segmentos; 4) Incorporação

das demandas e sugestões dos stakeholders no processo de tomada de

decisões.

Consecutivos workshops foram organizados em Lima, Londres e

Washington no período e Novembro de 1997 a Março de 1998, com o objetivo

de identificar potenciais críticas ao projeto, coletar sugestões e angariar apoio

dos formadores de opinião. Todas as recomendações daí originadas foram

incorporadas ao programa de consulta.

A colaboração com as ONGs peruanas foi considerada crucial para o

sucesso do processo de consulta, por agregar expertise e informações sobre a

biodiversidade, a cultura e a dinâmica das comunidades locais. A Rede

Ambiental Peruana (RAP), formada por 39 ONGs, foi contratada pela SPDP

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para conduzir uma avaliação e monitoramento independentes sobre os

procedimentos da empresa e os impactos sócio- ambientais do projeto. Foi a

primeira experiência da entidade de parceria com uma empresa, nos seus 10

anos de existência. Os benefícios desta rica experiência foram inúmeros. Além

do aprendizado e aperfeiçoamento profissional, a RAP teve a oportunidade de

aproximar - se mais do seu público alvo, as comunidades nativas, e do

conhecimento aportado pelas instituições de pesquisa e universidades

nacionais e internacionais, como o renomado Smithsonian Institute, através

de atividades desenvolvidas conjuntamente.

Em 1998, a Shell decidiu suspender seu investimento no campo de gás

da Camisea, porém, tanto os grupos indígenas quanto os grupos ambientais

envolvidos reconheceram a qualidade do projeto e manifestaram sua

preocupação com outros que venham a assumir o desenvolvimento da

Camisea, temendo que estes não façam um trabalho tão bom. Além disso, a

empresa concluiu que a despesa incremental marginal incorrida neste esforço,

mais do que se pagou como seguro contra atraso na conclusão do projeto,

descontentamento local e sabotagem potencial.

III.2.5 - Shell Brasil

Acompanhando a decisão do Grupo Shell, a subsidiária brasileira vem

se adaptando a esses novos princípios. Um dos resultados foi uma mudança

substancial na sua política de investimentos sociais, com o objetivo de

reforçar o comprometimento do grupo Shell com o desenvolvimento

sustentável. Em meados da década de 90, a Shell Brasil substituiu o apoio

maciço ao marketing cultural pela estratégia de engajamento social, ou seja,

aumentou sua participação em projetos à comunidade e ao meio ambiente.

A iniciativa de contemplar um maior número de setores sociais com

uma distribuição mais abrangente de investimentos já vem sendo adotada

pela empresa em vários lugares do mundo. A Shell está dando maior ênfase ao

meio ambiente, educação e programas comunitários através de projetos de

capacitação para o trabalho e geração de renda de forma sustentada.

Desde então, a empresa lançou uma série de projetos sociais; tais como

o "Saber Dividir", que apóia o trabalho voluntário de seus funcionários,

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permitindo que estes dediquem 8 (oito) horas por mês em ações comunitárias.

A primeira ação é contribuir para as campanhas de doação trimestrais, cujos

temas são escolhidos pelos próprios funcionários, outra forma de

participação é a de transmissão de experiência e conhecimento trabalhando

como consultores junto a colégios e organizações não- governamentais com as

quais a empresa já tem parceria.

O projeto "Ostras de Mandira" - pelo qual recebeu o Prêmio Eco na

categoria Educação/ Preservação Ambiental de 1999- visa explorar, de forma

sustentável os recursos naturais de uma área de manguezal no município

paulista de Cananéia, que gera renda para a comunidade local. A parceria com

o Centro de Integração Social através do Trabalho, no qual a Shell investe R$

20.000 por ano, pretende propor cursos de corte e costura, cabeleireiro,

manicure, etc.

Em 1999, decidiu inserir nos contratos com as usinas uma cláusula

condicionando a compra do produto à não utilização de mão- de- obra infantil

por parte do fornecedor, atitude pioneira no setor de distribuição de

combustíveis.

Na área ambiental, a preocupação com o impacto de suas atividades

levou a empresa a patrocinar a recuperação do manguezal do Jequiá, e o Plano

de Auxílio Mútuo da Baía de Guanabara.

Segundo os representantes da empresa, um dos principais obstáculos

enfrentados ao longo deste processo de transformação tem sido a resistência

cultural dos funcionários, expressa pela dificuldade em internalizar novos

princípios e práticas. Muitos deles se engajam no programa de voluntariado

mais preocupados com a avaliação do chefe do que com os benefícios

associados. Por outro lado, considerando que o processo está apenas no

início, a empresa ainda não recebeu o retorno das comunidades beneficiadas,

ignorando os resultados e o grau de satisfação desses grupos com os

investimentos realizados.

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Com a incorporação de preocupações sociais e ambientais, a Shell Brasil

investe cerca de US$ 800 mil dólares por ano. 10 Apesar do grande esforço para

que o sistema HSE- MS (Health, Safety and Environment) fosse implantado em

todo mercado, quase 30% do total investido pela Shell Brasil no setor destina -

se à adequação da resolução n. 273 do Conselho Nacional de Meio Ambiente

(CONAMA), que visa estabelecer os padrões mínimos de proteção ambiental

para o funcionamento dos postos e que é utilizado como base para as

legislações ambientais estaduais.

Apesar de todo o esforço da Shell Brasil e do Grupo no sentido de

envolver seus stakeholders para permitir que o cuidado com as questões

sociais e ambientais seja realizado de forma preventiva, ainda ocorrem muitos

acidentes. Um bom exemplo é o caso ocorrido em Paulínia, São Paulo,

amplamente divulgado pela mídia. A contaminação das chácaras do bairro

Recanto dos Pássaros, vizinho à antiga fábrica de agroquímicos da Shell, foi

detectada em 1993 através da avaliação ambiental que a Shell mandou

realizar. A empresa comunicou as autoridades ambientais e ao Ministério

Público de São Paulo a contaminação do lençol freático, e a partir de então a

empresa passou a fornecer água para todos os moradores do bairro e

começou a comprar sua produção de hortifrutigranjeiros.

É claro que estas ações não foram satisfatórias para a comunidade local,

e devido à impossibilidade de se chegar a uma posição de consenso com as

autoridades municipais, que contemplasse bases técnicas minimamente

aceitáveis e às conseqüentes ações judiciais em andamento, a Shell decidiu

comprar as propriedades dos moradores que desejassem sair do local antes

do término das ações judiciais.

Este acidente grave mostra que os resultados da prática de diálogo com

os grupos de interesse não acontecem de forma imediata à sua implantação, e

de que é necessário consolidar uma cultura de diálogo e participação

previamente ao início do empreendimento, que no caso de Paulínia não foi

feito, uma vez que a comunidade só foi chamada a participar do processo no

momento em que o acidente já tinha ocorrido.

10 Informação fornecida pela Gerente de Desenvolvimento Sustentável da Shell- Brasil, SimoneGuimarães, durante palestra realizada em novembro de 2001.

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Desta forma, a comunidade não se sente segura com relação à conduta

da empresa, e a empresa, por sua vez, não conhece a comunidade em questão,

assim, o diálogo é prejudicado ou até impossibilitado, e a solução só é

possível através do recurso judicial, aumentando os gastos e atrasando os

resultados.

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CONCLUSÕES

No primeiro capítulo, a discussão teórica entre Adam Smith e Karl

Polanyi é fundamental para definirmos nosso objeto de estudo. Ao

discutirmos o uso de um instrumento de diálogo na relação entre as empresas

do setor de petróleo e gás e os seus stakeholders estamos considerando que a

atividade econômica em questão está mergulhada em relações sociais que

exigem cuidado e atenção e que tratam de interesses, muitas vezes,

divergentes. Portanto, a escolha teórica da corrente da Nova Sociologia

Econômica se justifica pela abordagem social e não estritamente econômica

que o diálogo com stakeholders pretende fornecer.

Polanyi repudia a sociedade moderna capitalista que tem no mercado

sua principal e absoluta instituição. Ele se vale de uma grande pesquisa

histórica para afirmar que o homem possui motivações não econômicas e,

desta forma, mesmo para a esfera econômica de sua vida, o homem utiliza

interesses que não são financeiros e sim relacionados com suas relações de

parentesco e entre o homem e a sua comunidade. São estas relações que, em

última instância, garantiriam a produção e a distribuição dos bens sociais

antes do advento do mercado, através dos princípios de reciprocidade e

redistribuição.

Na sociedade atual, no entanto, os interesses pessoais e a motivação

econômica orientam a grande parte dos estudos da área econômica, dominada

pelos princípios da escola neoclássica e, em certa medida, a vida do homem

também é dirigida de acordo com estes interesses, pelo fato de estarmos

inseridos numa sociedade onde o padrão institucional “mercado” predomina,

tornando todas as relações entre o homem e o meio ambiente

comercializáveis. Vivemos, assim, no “Império” da barganha, onde predomina

o auto- interesse.

Retomando os princípios introduzidos por Polanyi, tentando aplicá- los

no dias atuais e na sociedade capitalista, a Nova Sociologia Econômica tenta

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conferir uma abordagem social a uma esfera que anteriormente era

considerada como de interesses estritamente econômicos, que são as relações

entre a empresa e o meio ambiente que incluí, além da preocupação ecológica,

o cuidado com as comunidades que serão diretamente afetadas pela atividade

da empresa.

O diálogo com stakeholders é um instrumento que fornece subsídio para

esta abordagem mais global e não somente econômica. O diálogo com os

chamados grupos de interesse consiste na abertura de um canal de

comunicação entre a empresa e os demais grupos que de alguma forma serão

afetados com a atividade da empresa, que detecta as expectativas e interesses

de cada parte, além de fornecer informações preciosas para a atividade da

empresa.

Se considerarmos a indústria de petróleo e gás, intensiva em recursos

naturais não renováveis, e extremamente poluidora do meio ambiente, e se

ainda fizermos uma retrospectiva histórica pelo número de acidentes

ambientais e pelo não cumprimento dos direitos humanos que ela já

ocasionou, verificamos a pertinência do uso de uma ferramenta de diálogo

que ofereça a sociedade uma segurança maior com respeito à atividade em

questão.

É clara a importância para a sociedade moderna da indústria de P&G,

combustível indispensável para o nosso atual padrão de desenvolvimento. Por

muitas vezes, a importância primordial do combustível fóssil para a

sociedade, justificou os problemas ambientais gerados pela atividade, porém

com a convenção do desenvolvimento sustentável surge um novo marco, onde

a demanda mundial começa a ser mais exigente e menos “compreensiva” com

a forma que estavam sendo tratados o meio ambiente e a sociedade em geral,

a chamada responsabilidade social e a preocupação ecológica trouxeram uma

nova realidade, e as empresas do setor começaram a ter que lidar com isso.

A partir de então, foram procuradas muitas alternativas para a

indústria de P&G se adequar a este novo cenário competitivo, e uma das

ferramentas mais utilizadas foi o diálogo com stakeholders .

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Nosso estudo de caso mostra a experiência da Companhia Shell, desde o

momento de crise ocasionada por dois grandes acidentes, o afundamento da

base de Brent Spar no Mar do Norte e a morte de Ken Saro Wiwa e oito aliados

pelo governo da Nigéria, quando lutavam por alguma participação nas

atividades da Shell na região, até a sua transformação e o início do diálogo

com os diferentes grupos da sociedade.

A partir da transformação da Shell inserindo - se nos princípios do

desenvolvimento sustentável, a maior preocupação é entender como está se

processando a internalização dos princípios do Diálogo com os Stakeholders

no interior da empresa, e verificar qual seu peso e importância na constituição

das vantagens comparativas entre as indústrias do setor.

Ao servir para identificar e antecipar potenciais crises antes de

eclodirem, mapeando os temas polêmicos e aplicando técnicas de resolução

de conflito, esta modalidade de comunicação contribui, decisivamente, para o

encaminhamento de soluções negociadas entre as partes. Esta é uma das

razões pelas quais quanto mais cedo tem início o processo de consulta, mais

útil ele será para detectar "sinais de perigo" ou algum fator - surpresa capaz de

comprometer o empreendimento.

Ainda é muito cedo para verificarmos de forma definitiva como está se

dando dentro da empresa esta mudança e, também, se realmente a utilização

deste instrumento de diálogo com Stakeholders gera benefícios econômicos à

empresa. Porém, o projeto de exploração de gás na Camisea no Peru, nos

permite tirar algumas conclusões.

A experiência de Camisea, na Amazônia Peruana é o caso emblemático

da Shell depois de sua transformação no sentido de ouvir a resposta dos

diferentes grupos sociais sobre o seu trabalho. As comunidades indígenas

eram protegidas por poderosas ONGs e pelo governo local, desta forma só um

trabalho muito cuidadoso com as comunidades indígenas poderia viabilizar a

atividade econômica na região. Apesar de ter sido considerado um sucesso

este foi apenas um passo do longo caminho a ser percorrido.

Devido ao caráter pioneiro da experiência e ao complexo meio cultural e

ambiental, no início do empreendimento não havia "respostas certas”, as

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lições foram aprendidas ao longo do caminho. Estas lições são de ampla

reprodução e permitem a todos os participantes desenvolver sua capacidade

de identificar e combater conflitos sócio- ambientais, não apenas durante o

planejamento mas, também, ao longo do processo de implementação dos

principais projetos de desenvolvimento de recursos naturais. Acima de tudo, a

conclusão que pode ser tirada da experiência de Camisea, mostra que o mais

importante é criar uma situação de aprendizagem colaborativa entre a

sociedade civil, o governo e a empresa privada.

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