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1 A análise neoclássica do comércio internacional 1. Referências iniciais As principais alterações na teoria das trocas desde o tempo de Ricardo centraram-se no desenvolvimento do lado da procura e do lado da oferta, de uma forma que não se baseia na teoria do valor trabalho. Mais especificamente, a abordagem neoclássica surgiu como reacção às ideias de Ricardo e seguiu duas vias: 1. Procura (Stuart Mill e Alfred Marshall) – análise da especialização ao nível dos produtos; 2. Oferta (Heckscher, Ohlin e Samuelson) – análise da especialização ao nível dos factores. Trata-se de duas abordagens solidárias entre si pois, como veremos, seguem os mesmos pressupostos de base, embora tenham uma lógica de análise bastante distinta. Por um lado, sabemos que Ricardo observou o comércio internacional pelo lado da oferta, nunca tendo procurado determinar a exacta RTI, pois não dispunha dos instrumentos que lhe permitiam compreender o papel da procura nos mercados. É Stuart Mill quem introduz o lado da procura na abordagem ricardiana, ao pretender completar Ricardo. Por outro lado, a análise de Hechscher-Ohlin, feita, tal como a de Ricardo, pelo lado da oferta daria, aparentemente, uma melhor continuidade a esta última. Contudo, tal não é totalmente correcto. A análise de Heckscher e Ohlin processa-se com base em identidade de funções de produção, enquanto a análise de Ricardo se processa com base em desigualdade das mesmas. Para estes autores, será a distinta dotação factorial (e não a diferença de tecnologia) que explicará a existência da troca internacional no sentido em que ela se observa.

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Page 1: A análise neoclássica do comércio internacional neoclássicos.pdf · 1 A análise neoclássica do comércio internacional 1. Referências iniciais As principais alterações na

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A análise neoclássica do comércio internacional

1. Referências iniciais As principais alterações na teoria das trocas desde o tempo de Ricardo centraram-se

no desenvolvimento do lado da procura e do lado da oferta, de uma forma que não se

baseia na teoria do valor trabalho. Mais especificamente, a abordagem neoclássica surgiu

como reacção às ideias de Ricardo e seguiu duas vias:

1. Procura (Stuart Mill e Alfred Marshall) – análise da especialização ao nível dos

produtos;

2. Oferta (Heckscher, Ohlin e Samuelson) – análise da especialização ao nível dos

factores.

Trata-se de duas abordagens solidárias entre si pois, como veremos, seguem os

mesmos pressupostos de base, embora tenham uma lógica de análise bastante distinta.

Por um lado, sabemos que Ricardo observou o comércio internacional pelo lado da

oferta, nunca tendo procurado determinar a exacta RTI, pois não dispunha dos

instrumentos que lhe permitiam compreender o papel da procura nos mercados. É Stuart

Mill quem introduz o lado da procura na abordagem ricardiana, ao pretender completar

Ricardo.

Por outro lado, a análise de Hechscher-Ohlin, feita, tal como a de Ricardo, pelo

lado da oferta daria, aparentemente, uma melhor continuidade a esta última. Contudo, tal

não é totalmente correcto. A análise de Heckscher e Ohlin processa-se com base em

identidade de funções de produção, enquanto a análise de Ricardo se processa com base

em desigualdade das mesmas. Para estes autores, será a distinta dotação factorial (e não a

diferença de tecnologia) que explicará a existência da troca internacional no sentido em

que ela se observa.

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2. Os pressupostos neo-clássicos A abordagem neo-clássica desenvolve-se em torno da noção de equilíbrio geral,

apoiando-se num conjunto de hipóteses primordiais:

1) Quanto aos factores: (i) escassez; (ii) pleno-emprego; (iii) móveis no interior do

país mas imóveis à escala internacional; e (iv) rendimentos marginais decrescentes

(mantendo constante a quantidade utilizada de um factor, aumentos na quantidade

de outro resultam em aumentos de output menos que proporcionais e cada vez

menores);

2) Quanto aos mercados: (i) concorrência perfeita em todos os mercados; e (ii)

equilíbrio como regra;

3) Quanto aos espaços nacionais: (i) cada um é tido como totalmente homogéneo; (ii)

não há poderes públicos ou privados que nele exerçam influência dominante; (iii)

existe informação e conhecimento perfeitos sobre o que se passa nos mercados;

4) Quanto ao espaço internacional: não há obstáculos à livre circulação de bens à

escala internacional;

5) Quanto às condições de oferta: (i) cada bem é produzido sob rendimentos

constantes à escala1; (ii) os bens utilizam os factores produtivos em diferentes

proporções; e (iii) os custos de oportunidade são crescentes2.

Em particular, o pressuposto de custos de oportunidade constantes foi sempre uma

das grandes objecções levantadas aos clássicos, seja porque: (i) a evidência empírica a

contraria frequentemente, sobretudo na agricultura; e (ii) origina uma especialização total

(i.e., completa), o que contradiz ainda mais aquilo que é verificável na prática.

No quadro neoclássico, a conjugação de produtividades marginais dos factores

decrescentes com diferentes intensidades factoriais relativas ao nível das indústrias

resulta em custos de oportunidade crescentes. Como os factores são tidos como

homogéneos, este pressuposto é compatível com mobilidade total dos factores entre

indústrias dentro do espaço nacional. A existência de custos de oportunidade

1 Relembre-se que quando a função produção exibe rendimentos constantes à escala uma percentagem de aumento simultâneo na quantidade utilizada de todos os factores permite obter a mesma percentagem de aumento do output. 2 Relembre-se que o custo de oportunidade de um bem X é dado pela quantidade de outro qualquer bem Y que tem que ser sacrificada de modo a libertar recursos suficientes para produzir uma unidade adicional de X.

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decrescentes3 resulta numa alteração do formato da Fronteira das Possibilidades de

Produção (FPP), que deixou de ser rectilínea para passar a ser côncava, conforme figura 1

abaixo.

Figura 1 – Curva das possibilidades de produção

YU

0 2 3 4 5 V X

Na figura 1 estão claramente reflectidos os custos de oportunidade crescentes. Por

exemplo, começando em 2 e aumentando sucessivamente o output de X em uma unidade

verifica-se que a queda do output de Y ocorre por montantes crescentes, como mostram

os intervalos verticais. A fronteira de possibilidades de produção é cada vez mais

íngreme (mais inclinada), o que é traduzido por um declive cada vez maior da linha

tangente. O custo de oportunidade de X é conhecido também por Taxa Marginal de

Transformação de Y por 1X (TMTY/1X) e é igual, em equilíbrio, ao rácio pX/pY:

Y

X

X

Y

X

YX/Y

YYX

XXY

XXYY

pp

pproduçãoValorpproduçãoValor

QQ

TMT

pproduçãoValor

QQse

pproduçãoValor

QQse

pQpQproduçãoValor

===�

���

���

=�0=

=�0=

×+×=

3. A introdução da procura e a determinação dos ganhos da troca A análise desenvolvida por Stuart Mill e formalizada por Marshall utiliza como

instrumentos principais os seguintes elementos microeconómicos fundamentais:

3 Para produzir uma unidade adicional do bem X tem de se sacrificar cada vez maiores quantidades do

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1) Curvas de Indiferença (CI): i.e., lugar geométrico das diferentes combinações dos

bens X e Y que proporcionam aos consumidores o mesmo nível de satisfação;

2) isoquantas: i.e., combinações mínimas alternativas de dois factores de produção que

permitem obter um determinado nível de produto, dada a tecnologia mais eficiente

disponível;

3) curvas de possibilidades de produção, que resultam do formato das isoquantas e da

dotação factorial dos países.

Trata-se de uma análise positiva (e não normativa), isto é, que pretende observar e

explicar os problemas sem emitir juízos de valor. O objectivo de Stuart Mill e, depois,

Marshall, foi chamar a atenção para aquilo que consideravam ser uma lacuna no trabalho

de Ricardo: o não ter determinado a RTI exacta mas apenas um intervalo de

possibilidades – limitado pelas RTA de cada um dos países.

A representação da procura

Para evidenciar os efeitos da procura, necessitamos de uma forma de apresentar as

escolhas dos consumidores. O uso das curvas de indiferença serve tal propósito. Assim,

consideramos uma representação em termos de curvas de indiferença da comunidade, as

quais evidenciam as preferências agregadas de todos os indivíduos numa dada economia

e têm as mesmas propriedades das curvas de indiferença individuais. Saliente-se, entre

elas, as seguintes: (i) são negativamente inclinadas, (ii) nunca se intersectam, (iii) quanto

mais longe da origem maior o nível de utilidade ou satisfação que traduzem (a sociedade

comporta-se de forma a atingir a CI mais elevada possível), (iv) são convexas

relativamente à origem, isto é, a Taxa Marginal de Substituição de Y por X (TMSY/X) é

decrescente (o que significa utilidades marginais relativas decrescentes; i.e., a

substituição de um bem por outro torna-se progressivamente mais difícil). Estas

características resultam dos pressupostos neo-clássicos quanto à procura, dos quais se

destaca o pressuposto de utilidades marginais decrescentes, mas sempre positivas.

Ou seja, considera-se o mapa de indiferença social que representa o conjunto de

curvas sociais de indiferença que, por sua vez, sumariam os gostos da sociedade (i.e.,

correspondem à agregação de milhões de preferências individuais), e que possuem as

mesmas propriedades das curvas de indiferença para consumidor individual.

outro bem.

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Figura 2 – Mapa de indiferença social

Y

Mtg(a)=pX/pY

aN X

Graficamente a TMSY/1X é dada pelo declive absoluto da tangente da curva de

indiferença num ponto de consumo específico: TMSY/1X = declive da curva MN. Pode ser

entendida como o número de unidades de Y que o consumidor exige por cada unidade de

X que deixa de consumir, continuando com o mesmo nível de satisfação (ou quanto está

disposto a ceder de Y para consumir mais uma unidade de Xmantendo o seu nível de

satisfação). O consumidor maximiza a utilidade no ponto em que a sua restrição

orçamentalse torna tangente à curva de indiferença mais elevada possível, ou seja,

quando TMSY1/X = pX/pY.

Se, por exemplo, TMSY/1X > pX/pY, tal significa que o consumidor considera que

uma unidade adicional de X 'vale' mais unidades de Y do que o seu custo no mercado. Ou

seja, estará disposto a reduzir o consumo de Y aumentando o consumo de X, pois isso

permitir-lhe-á atingir um nível de utilidade superior (uma curva de indiferença mais à

direita). Contudo, à medida que ele consome mais de X, a sua utilidade marginal diminui,

enquanto o menor consumo de Y aumenta a utilidade marginal desse bem. Ambos os

efeitos se conjugam para uma diminuição da TMSY/1X , convergindo para pX/pY.

O equilíbrio em economia fechada

Em autarcia, o país só pode consumir os bens que produz . Como vimos antes, a

restrição da oferta do país é indicada pela curva de possibilidades de produção (CPP), a

qual representa a totalidade das combinações de bens que poderão ser produzidas

utilizando a tecnologia mais eficiente e a totalidade dos factores disponíveis. Em autarcia,

tal curva serve de restrição quer à oferta quer à procura.

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Assim, o equilíbrio ocorrerá na tangência entre a CPP e a curva de indiferença mais

elevada possível. Isto é, no ponto onde há igualdade entre a taxa marginal de

transformação de Y por X (ou custo de oportunidade de X- TMTY/X), dada pela

inclinação da tangente à CPP no ponto em causa, e a taxa marginal de substituição de Y

por X (TMSY/X) dada pela inclinação da tangente da curva de indiferença nesse ponto.

Sendo um equilíbrio simultâneo para consumidores e para produtores, esse declive traduz

também o rácio de preços autárcicos. Na figura 3, tal corresponde ao ponto P0.

Figura 3 – Equilíbrio em economia fechada

Y M

UP0

NV X

Em suma:

(i) A CPP traduz a ‘linha de orçamento’ dos consumidores do país: a CPP é também a

Curva de Possibilidades de Consumo (CPC).

(ii) Equilíbrio no ponto de tangência entre a CPP e a CI mais elevada:

Y/1XY

XY/1X TMS

pp

TMT ==

O valor absoluto do declive da tangente comum MN no ponto P0 dá o preço relativo

de X em termos de Y de equilíbrio, ou seja, traduz os termos de troca do país (a

RTAY/1X ). Note-se que os termos de troca (o declive da recta MN) vão variar ao longo

da curva UV, ao contrário do que se passava no modelo clássico (onde os termos de

troca eram constantes). Tal significa que o equilíbrio neoclássico depende tanto das

condições de oferta como de procura.

O equilíbrio em economia aberta (para o país A)

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Suponhamos que o país A tem uma vantagem relativa na produção de Y, ou seja,

RTAAY/1X > RTAB

Y/1X. Assim sendo, a RTIY/1X vai ser inferior a RTAY/1X, já que se vai

situar no intervalo das RTA. Ou seja, a abertura à troca levará a uma diminuição de

pX/pY, alterando os padrões de produção e de consumo.4

Suponha-se que a RTIY/1X (igual a pX/pY internacional) é dada pela inclinação da

linha ST (inferior à RTAY/1X, que era dada pela inclinação de MN). Para igualar a

TMTY/1X à nova razão de preços (condição de maximização dos lucros das empresas5), a

produção doméstica altera-se para P1 (sobre a CPP). Ou seja, a economia A aumenta a

produção de Y e reduz a de X, de acordo com as vantagens relativas.

Figura 4 – Equilíbrio de A em economia aberta

Y M

SP1

C1

TN

X

O menor preço relativo de X afecta também o consumo doméstico. A maximização

do bem estar dos consumidores implica que a TMSY/1X seja igual à nova razão dos

preços. Isso implica que se consuma no ponto C1,,a que corresponde um nível de

satisfação superior ao de autarcia. Pode-se dizer que a implicação mais importante da

livre troca é a independência entre as decisões de produção e de consumo, com esta

última a deixar de estar condicionado pelas restrições da produção.

Em suma:

(i) a abertura à troca altera a razão de preços: pX/pY em autarcia dá lugar a pX/pY

internacional;

(ii) equilíbrio na produção: nalInternacioY

XnalInternacioY/X p

pTMT = ; i.e., os produtores movem-se

para P1, porque o país revela vantagem comparativa em Y.

4 Por sua vez, B vai especializar-se em X, i.e., face à situação de autarcia, pX/pY aumentará em B.

5 Que, no entanto, continua a ser igual ao lucro supra-normal

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(iii) equilíbrio no consumo: nalInternacioY

XnalInternacioY/X p

pTMS = ; i.e., os consumidores

movem-se para C1. O aumento do bem estar traduzido no atingir de uma CI mais

elevada é consequência do alargamento da fronteira de possibilidades de consumo;6

(iv) No outro país acontece o inverso em termos de produção (i.e., o país revela vantagem

comparativa em X), mas o mesmo em termos de consumo (i.e., há um aumento do

bem estar traduzido no atingir de uma curva de indiferença mais elevada).

Note-se, ainda, que o ganho total da troca (i.e., o aumento da satisfação) pode ser

decomposto em ganho da troca (ou de consumo) e ganho de especialização (ou de

produção):

a) No lado do consumo, os ganhos ocorrem porquanto se pode consumir os bens com

uma razão de preços distinta e aquilo que pode ser consumido já não se restringe ao

que é internamente produzido. Como, no limite, os consumidores podem optar por

manter as escolhas autárcicas, nunca poderão estar pior em comércio internacional.

Mas uma eventual alteração dos preços relativos poderá colocá-los melhor.

b) No lado da produção, os ganhos ocorrem porque o valor real da mesma se eleva: os

produtores podem trocar o bem em que têm uma vantagem relativa por quantidades do

outro bem superiores ao seu custo de oportunidade autárcico. Ou seja, em face de

diferentes termos de troca relativamente à situação de autarcia, alterando o seu mix de

factores e de produção, as empresas podem aumentar o valor total da produção e

rendimento. Contudo, uma vez que os mercados são de concorrência perfeita, esses

ganhos são totalmente passados para os consumidores: os ganhos de especialização

traduzem-se num deslocamento adicional da curva de indiferença social da economia

relativamente aos ganhos da troca puros.

A determinação da Razão de Troca Internacional (RTI)

Dissemos que, com a abertura à troca internacional, a razão de preços se altera.

Falta, pois, definir qual será a RTI. Por agora pode dizer-se que se situará algures no

intervalo definido pelas RTA dos países em causa e, adicionalmente, que será única.

6 Apesar da produção se optimizar em P1, é possível importar e exportar bens por forma a optimizar o consumo.

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À questão de saber qual será a RTI responde a teoria da procura recíproca,

introduzida por Stuart Mill. Retomando as hipóteses clássicas, este autor estabeleceu uma

lei elementar segundo a qual a procura de um produto variará inversamente com o seu

preço (ou com a quantidade do outro produto). Nestas condições, o crescimento da

procura dar-se-á hiperbolicamente até um valor assimptótico de saturação.7 Coube a

Marshall a sistematização desta teoria, hoje encarada como o antepassado mais nobre da

concepção neoclássica do preço internacional de equilíbrio. Assim, os termos de troca

representarão os preços relativos dos bens para os quais a soma dos bens procurados em

ambos os países iguala a soma dos bens oferecidos.

Y País A Y País B

a b

X X

O preço relativo de X face a Y é superior em A (tga>tgb) pelo queA se deve especializar em Y e B em X.

A RTI será tal que: 1) Mercado do bem X: BX

AX

BX

AX ConsConsQuantQuant +=+ ⇔

BX

AX MX = ; 2) No mercado de Y acontece exactamente o mesmo pelo que: A

YBY MX = .

Sendo a RTI definida daquele modo, tendencialmente X = M para cada país, o que

significa que a balança comercial estará em equilíbrio.

Especificando, as curvas da procura recíproca são as curvas da oferta/procura

(oferta de A/procura de B para Y; oferta de B/procura de A para X), pelo que cada um

dos seus pontos corresponde à quantidade mínima do produto procurado que o país

considerado está disposto a receber em troca do produto que oferece. Considerando um

determinado país, teríamos que, deslocando o bloco de produção ao longo da curva de

indiferença e mantendo os eixos paralelos, as sucessivas posições que o bloco vai

assumindo mantêm o país no mesmo nível de satisfação. Assim, cada ponto obtido seria

7 A curva da procura recíproca tem subjacente a lei económica fundamental de que a procura varia em função inversa do preço. No entanto, existe um ponto de saturação em que a procura não varia em função de variações no preço.

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um ponto de indiferença de comércio relativamente ao ponto inicial (ao país é indiferente

comercializar ou manter-se em autarcia), podendo assim construir-se uma curva de

indiferença de comércio e, posteriormente, um mapa de indiferença de comércio. Por fim,

se arbitrássemos razões de troca, os pontos de tangência que elas determinam com as

curvas de indiferença colectiva revelam o que o país deseja produzir, consumir, importar

e exportar para cada razão de troca possível. O lugar geométrico de todos esses pontos de

tangência dar-nos-ia a curva da procura recíproca. Deste modo, a curva revela a oferta de

um país para razões de troca alternativas, podendo ser designada, indiferentemente, dos

seguintes modos:

(i) Curva de oferta de comércio externo: traduz as quantidades de mercadoria de

exportação que o país está disposto a oferecer para diversas razões de troca

alternativas;

(ii) Curva de despesa global: traduz o total de despesa que a comunidade está disposta a

realizar para efectuar um determinado montante de importação (em termos de

exportação do seu bem de exportação);

(iii) Curva da procura recíproca: traduz simultaneamente a procura de um bem e a oferta

de outro.

A intersecção das duas curvas da procura recíproca surge como o único ponto de

equilíbrio internacional, implicando uma única RTI. Utilizando as curvas da procura

recíproca de ambos os países, determinamos o equilíbrio (daí derivando a RTI) que é

único; qualquer outra situação acabaria por gerar forças que conduziriam de novo ao

equilíbrio.

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4. A Via da Oferta: Modelo de Heckscher-Ohlin e corolários Ricardo nunca se preocupou em explicar porque é que as produtividades diferiam

entre os países. No seu caso, o que explica as vantagens comparadas é o facto de os

países beneficiarem de diferentes tecnologias, logo de diferentes produtividades do factor

trabalho. Por sua vez, na abordagem neoclássica pela via da procura são as diferenças ao

nível da procura que determinam diferentes preços em autarcia e, portanto, que fornecem

os incentivos à troca internacional.

Eli Heckscher (1879-1952) e Bertil Ohlin (1899-1979) construíram uma explicação

alternativa baseada nas seguintes duas premissas: (i) a produção dos bens requer

diferentes quantidades de cada um dos factores (intensidade factorial dos bens); e (ii) os

países caracterizam-se por diferentes dotações factoriais (abundância factorial dos

países). Tendo em conta essas premissas, o modelo de Heckscher-Ohlin (HO) conclui

que cada país goza de vantagens comparativas nos bens que usam mais intensivamente o

seu factor mais abundante (relativamente mais barato).

Este modelo em que a explicação das trocas internacionais decorre dos diferentes

stocks de factores (diferentes dotações factoriais) dos vários países é muitas vezes

designado por modelo das dotações factoriais ou modelo das proporções factoriais.

Referências iniciais: algumas relações fundamentais e sua explicação económica

Antes de considerarmos a abertura ao exterior, analisemos algumas relações

fundamentais que, no quadro dos pressupostos neoclássicos, se estabelece entre: (i) a

intensidade factorial relativa ou proporções factoriais, K/L, e a remuneração relativa dos

factores, w/r; (ii) entre as variações de K/L e a variação da quantidade produzida relativa,

QX/QY; (iii) Relação entre w/r e o preços relativos dos bens pX/pY.

(i) Relação entre w/r e K/L

Se w/r aumenta – i.e., se o trabalho se tornar relativamente mais caro –, então K/L

também aumenta. Por outras palavras, se o custo relativo de determinado factor

aumentar, a indústria irá diminuir a quantidade relativa utilizada desse factor, ou seja,

aumentar a quantidade relativa utilizada do outro factor, por forma a manter a condição

de optimização TMSTK/L = w/r. Em suma, se w/r aumenta, a indústria irá utilizar

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relativamente mais capital e, portanto, relativamente menos trabalho, pelo que K/L

também aumenta.

(ii) Relação entre w/r e as quantidades produzidas em cada indústria QX e QY

Observemos o modo como os factores se repartem pelas duas indústrias. Em termos

algébricos, deve começar por notar-se que cada economia dispõe de uma quantidade

limitada de K e L. Em particular, o pleno emprego de K requer que KY + KX = K, pelo que

podemos escrever:

KLLK

LLK

XX

XY

Y

Y =+ ⇔LK

LL

LK

LL

LK X

X

XY

Y

Y =+ .

Vimos anteriormente que a resposta imediata a um aumento de w/r se traduz na elevação

de K/L em ambas as indústrias, Y e X.8 Considerando que o rácio agregado K/L é

constante e que a indústria Y é K-intensiva (X é L-intensiva) – i.e., (K/L)X < (K/L)Y – e

tendo em conta a expressão anterior, então os aumentos de KY/LY e KX/LX só serão

possíveis se LY/L se reduzir em favor de LX/L. Ou seja, dado que a indústria Y é K-

intensiva, a quantidade de K/L libertada por cada unidade que se deixa de produzir é

muito significativa (quando comparada com a que seria libertada por via da diminuição

da produção de X).

Dado o pressuposto de pleno emprego dos factores, essa quantidade vai ter que ser

empregue na produção de X. Ou seja, para aumentar a intensidade de capital em ambas as

8 Relembre-se que tal mudança ocorre porque com a subida relativa do preço de L, as indústrias tenderão a utilizar relativamente mais K. De facto, dada a existência de rendimentos decrescentes, só reduzindo o volume de L relativamente a K se poderá elevar a PmgL e, assim, contrariar o maior custo do factor.

K/L

w/r

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indústrias (em pleno emprego) é necessário reduzir a produção do bem que usa esse

factor mais intensivamente, de forma a distribuir os factores assim libertos pela produção

a realizar dos dois bens.

Assim, em termos relativos, ambas as indústrias estarão a poupar L relativamente a

K, enquanto em termos absolutos se verifica uma redistribuição dos factores afectos à

produção, a qual determina a quebra de QY e aumento de QX.

Em suma, quando variam os preços relativos dos factores, ambas as indústrias

utilizarão relativamente mais o factor cujo preço relativo diminui. Em termos absolutos

haverá uma reafectação dos factores à produção das duas indústrias, levando a uma

diminuição na sua utilização na indústria intensiva no factor cujo preço relativo diminui,

o que significa que em tal indústria se observa uma quebra na produção.

(iii) Relação entre w/r e o preços relativos dos bens pX/pY

Considerando a classificação anterior das indústrias em termos de intensidade

factorial, acabou de se verificar que, face a um aumento de w/r, os rácios K/L aumentam

em ambas as indústrias, que a produção da indústria K-intensiva diminui (i.e., QY↓) e que

a produção da indústria L-intensiva aumenta, (i.e., QX↑). Ora, a taxa marginal de

transformação (TMT) no novo ponto de produção sobre a CPP tem associado um preço

relativo de X superior (i.e., pX/pY↑).

Assim sendo, é possível afirmar que o aumento no preço relativo de um

determinado factor leva, ceteris paribus, ao aumento do preço relativo do bem que é

relativamente intensivo nesse factor.

Px/Py

w/r

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Descrição e implicações dos pressupostos do modelo de Heckscher-Ohlin

(i) Pressupostos de enquadramento

(i.1) Número de países, factores e bens (2x2x2): o modelo considera dois países, A e B,

dois bens homogéneos, X e Y, e dois factores produtivos também eles homogéneos,

L e K.

(i.2) Em ambos os países, há concorrência perfeita nos mercados de bens e de factores.

Implicações:

− Os preços são determinados pela oferta e procura

− Em equilíbrio de longo prazo, os preços dos bens igualam os seus custos (médios

e marginais) de produção

− Todos os compradores e vendedores são price-takers (cada um é muito pequeno,

não tendo qualquer influência no preço), estando perfeitamente informados dos

preços em vigor. Consequentemente este pressuposto assegura a identidade dos

preços quer dos factores quer dos produtos.

(i.3) Perfeita mobilidade interna e completa imobilidade internacional dos factores.

Implicações:

− Igualização das remunerações dos factores entre indústrias do mesmo país. A

mobilidade total de factores dentro do país assegura que w e r são idênticos em

todas as indústrias de um país. Se uma indústria beneficiar de ganhos supra-

normais ou se pagar salários superiores, os factores produtivos movem-se

imediatamente (porque são homogéneos e existem em quantidades fixas) no

sentido de igualar a remuneração dos factores entre indústrias.

− Remunerações relativas dos factores diferentes entre os países, em situação de

autarcia. A imobilidade entre países permite que as diferentes remunerações dos

factores resultantes da diferente abundância factorial entre países não sejam

eliminadas com migrações de factores de um país para outro. Assim, em autarcia,

w é relativamente mais baixo no país relativamente abundante em L, sem que isso

origine um êxodo de L.

(i.4) Inexistência de custos de transporte e de outros elementos susceptíveis de provocar

distorções nos preços (exemplo, tarifas, quotas ou outras barreiras), o que implica

que, com livre troca, o preço de cada bem será igual nos dois países.

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Nota: (i.2) e (i.4) asseguram a igualização dos preços dos produtos e dos factores

entre os países após comércio.

(ii) Pressupostos quanto à oferta

(ii.1) Os factores são homogéneos e existem em quantidades fixas; i.e., a dotação

factorial é constante.

(ii.2) A função de produção é caracterizada por rendimentos constantes à escala, para

ambos os bens, em ambos os países: significa que se, por exemplo, duplicarmos a

quantidade de cada um dos factores simultaneamente, obteremos o dobro do output.

(ii.3) Os factores de produção obedecem à lei dos rendimentos decrescentes; i.e., custos

de oportunidade de produção crescentes (implicando especialização incompleta).

Assim, mantendo constante a quantidade utilizada de um factor, aumentos na

quantidade de outro factor resultam em aumentos do output menos que proporcionais

e cada vez menores.

(ii.4) Irreversibilidade factorial; i.e., uma vez classificados os bens em termos de

intensidade factorial não há possibilidade de haver alterações. Assim, se X é L-

intensivo relativamente a Y, Y será K-intensivo relativamente a X qualquer que seja

o rácio entre os preços dos factores.

(ii.5) As funções de produção são idênticas nos dois países, ou seja, a tecnologia é

universal. Este pressuposto, juntamente com a neutralidade da procura, conduz a que

diferenças nos preços relativos dos bens resultem exclusivamente de distintas

dotações factoriais.

iii) Pressupostos quanto à procura

(iii.1) A procura é idêntica nos dois países, isto é, as preferências são similares nos dois

países. Isto resulta na neutralidade da procura, conduzindo a que diferenças nos

preços relativos dos bens apenas resultem de distintas condições da oferta.

(iii.2) As preferências dos dois países são dadas pelo mesmo mapa social de indiferença.

Determinante das trocas do modelo de Heckscher-Ohlin

A intensidade factorial: classificação das indústrias/bens

Para ser válido, o modelo requer que um bem seja L-intensivo relativamente ao

outro. Por exemplo, admitindo o seguinte exemplo para os bens Vestuário e Máquinas –

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onde por simplicidade se consideram coeficientes de produção fixos (uma única técnica

de produção):

Quantidade de factor por unidade de produto

Trabalho, L Capital, K

Vestuário 6 2

Máquinas 8 4

resulta que (K/L)Vestuário = 2/6 = 1/3 e (K/L)Máquinas = 4/8 = 1/2. Assim, podemos concluir

que a produção de máquinas é relativamente intensiva em K face à produção de

vestuário. Ou seja, por unidade de L, a produção de máquinas requer mais unidades de K

que a produção de vestuário. Consequentemente, o vestuário é L-intensivo relativamente

às máquinas.9

A abundância factorial e classificação dos países

Note-se que, conjugados os pressupostos (ii.5) tecnologia universal e (iii.1)

neutralidade da procura acima expostos, a única fonte de diferença entre os países reside

nas diferentes dotações factoriais dos países. Dados os pressupostos (ii.5) e (iii.1), os

conceitos de dotações factoriais físicas e dotações factoriais económicas conduzem à

mesma classificação dos países, embora não sejam idênticos.

O critério físico (lado da oferta) determina a abundância factorial dos países na base

das quantidades físicas de K e L existentes. Assim, por exemplo, se (K/L)A > (K/L)B diz-

se que, com base na abundância factorial em termos físicos, A é relativamente abundante

em K pois possui uma maior quantidade de K por unidade de L.

O critério económico atende à oferta e à procura, ao classificar os países com base

na comparação de w/r em autarcia. Assim, por exemplo, se (w/r)A > (w/r)B diz-se que,

com base na abundância factorial em termos económicos, A é relativamente abundante

em K porque este factor é relativamente mais barato do que em B.

Repare-se que a diferença pode ser significativa. Imagine-se que Portugal é L-

abundante quando comparado com Espanha em termos físicos e que ambos produzem

9 Se, contudo, existirem coeficientes de produção variáveis, é porque existem várias técnicas de produção para cada um dos bens. No entanto, mesmo existindo diferentes técnicas, o pressuposto de concorrência perfeita obriga a que todos os produtos de uma indústria escolham a mesma técnica, a mais eficiente. Será esta técnica que permite construir o quadro acima. A técnica óptima é aquela que permite igualar a taxa

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dois bens, vestuário (L-intensivo) e máquinas (K-intensivo). Neste caso seria normal que

o vestuário fosse relativamente mais barato em Portugal que em Espanha. Contudo, a

consideração das condicionantes da procura leva-nos necessariamente a assumir a

possibilidade dos consumidores portugueses terem uma preferência tão grande por

vestuário que os preços relativos dos bens nos dois países não são os atrás apontados. Ou

seja, a grande procura de vestuário em Portugal implica grande produção de vestuário e,

por isso, grande procura de L e aumento de w/r. Ou seja, em termos económicos Portugal

seria abundante em capital.

Intensidade e abundância factorial, formulação e explicação teórica da proposta do

modelo

Da consideração da abundância factorial resulta uma classificação dos países e da

consideração da intensidade factorial, resulta uma classificação das indústrias. Da

conjugação das duas informações, torna-se possível enunciar o postulado pelo modelo de

Heckscher-Ohlin: “Cada país tem vantagem comparativa no bem relativamente mais

intensivo no factor de produção em que o país é relativamente mais abundante.” Ou,

dito de outro modo, torna-se possível evidenciar a existência de incentivos e vantagens na

troca internacional se cada país se especializar na produção do bem em cuja função de

produção se incorpora relativamente mais o factor de produção em que o país é

relativamente mais abundante.

De facto, se determinado país é relativamente abundante em K, terá um preço

relativo mais baixo (em autarcia) para o seu produto K-intensivo. Se o outro país é

relativamente abundante em L, terá um preço relativamente mais baixo em autarcia para

o seu produto L-intensivo. Uma vez que os preços em autarcia são distintos, há ganhos

potenciais na troca. Quando esta se verifica, os preços equilibram-se entre os países. Em

cada país a produção altera-se: cada país especializa-se na produção e exportação do bem

que produz relativamente mais barato, o que significa que o país irá exportar o bem que

usa mais intensivamente o factor em que é relativamente abundante.

Note-se que o conceito de vantagem comparativa se mantém: simplesmente,

enquanto em Ricardo ela derivava da diferença de tecnologia, aqui deriva da diferença

marginal de substituição técnica ao rácio dos custos unitários dos factores: TMSTK/1L = w/r. O pressuposto da irreversibilidade factorial garante que a intensidade definida no quadro acima não se inverte.

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nas dotações factoriais em termos relativos10. Em termos gráficos (diagrama de Harrod-

Johnson):

w/r QX

QY

K/LpX/pY (pX/pY)A (pX/p Y)B

A parte direita do diagrama mostra a relação entre a remuneração relativa dos factores e a

proporção factorial (intensidade factorial de cada indústria). Se w/r aumenta, então K/L

aumenta, isto é, se o preço relativo de uma factor aumenta a indústria tenderá a recorrer

mais ao factor cujo preço não aumentou. A parte esquerda do diagrama ilustra a relação

entre a remuneração relativa dos factores e o preço dos bens. Assim, o gráfico relaciona

os preços relativos dos bens com as intensidades factoriais relativas, através das

remunerações relativas dos factores.

O país A é relativamente mais abundante em K uma vez que K/L é superior em

qualquer das indústrias relativamente ao país B (que é então relativamente abundante em

L). O bem Y é relativamente intensivo em K e o bem X é relativamente intensivo em L

(quer em A quer em B). Assim, tomando o resultado do teorema de de Heckscher-Ohlin,

A irá especializar-se em Y e B em X. A observação dos preços em autarcia torna evidente

este sentido de especialização: Y é relativamente mais barato em A, pelo que é nesse bem

que o país se deverá especializar. Existindo diferentes preços em autarcia, existe um claro

incentivo à troca.

O modelo de Heckscher-Ohlin, tal como o de Ricardo, apenas contempla o lado da oferta

na explicação das trocas. É, no entanto, distinto do modelo de Ricardo, ao procurar

explicar as trocas internacionais com base nas diferentes dotações factoriais dos países.

10 Há uma outra diferença a salientar: no modelo de Ricardo, consideravam-se apenas os custos em trabalho; aqui consideram-se também os custos em capital.

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Os três corolários do modelo: consequências/efeitos da abertura à troca

(1) A igualização internacional do preço dos factores e o teorema de Samuelson (1949)

Pretende este teorema demonstrar que se entre dois países, A e B, que produzem

dois bens, X e Y, para os quais apresentam funções de produção idênticas, não houver

restrições ao comércio nem custos de transporte, a remuneração dos factores, relativa e

absoluta, é a mesma nos dois países. Esta igualdade verifica-se mesmo que os factores

sejam imóveis internacionalmente e existam diferentes dotações factoriais entre os países,

bastando para tal que o número de bens comercializados seja pelo menos igual ao número

de factores de produção.

Ou seja, como consequência do comércio internacional produz-se uma tendência

para a igualização dos preços dos factores. Nesse sentido, o comércio internacional de

bens funciona como um substituto perfeito da mobilidade internacional de factores. Na

sua essência, o modelo de Heckscher-Ohlin estabelece uma troca indirecta de factores

entre os países. Exportando o bem L-intensivo em troca do bem K-intensivo, o país

relativamente abundante em L exporta indirectamente uma quantidade de L e importa

uma quantidade de K. Esta troca indirecta de factores aumenta a remuneração de L no

país L-abundante e baixa-a no país K-abundante, enquanto que a remuneração de K, r,

aumenta no país K-abundante e diminui no país L-abundante.

A demonstração poderia ser comprovada através do diagrama de Harrod-Johnson.

Em particular, com a abertura ao comércio internacional, a arbitragem assegura que o

preço relativo dos bens converge para um preço de equilíbrio. Então, considerando as

funções de produção idênticas, fica assegurado que w/r é igual nos dois países e que os

rácios K/L são idênticos nos dois países relativamente a cada indústria.

Em termos de remuneração absoluta, constatamos que em concorrência perfeita

estas correspondem às produtividades marginais dos factores, w e r. Estas dependem

apenas da proporção K/L usada na produção dos bens, a qual é igual nos dois países.

Assim, as produtividades marginais são iguais e consequentemente as remunerações.

Embora este teorema seja logicamente correcto, as suas conclusões podem

parecer contrariadas pelo que se observa no mundo real. Tal verifica-se porque o teorema

só é válido sob certos pressupostos, como o livre comércio, homogeneidade do produto e

dos factores e a identidade de tecnologia ao nível mundial, situações que hoje estão bem

longe de suceder, pelo que existirão então distintas remunerações relativas e absolutas

dos factores nos diferentes países. Entre outros factores, os custos de transporte, as

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tarifas, os subsídios e outras políticas económicas contribuem para diferentes preços dos

produtos entre os países. Ora, se os preços dos produtos não são os mesmos, então

também não é de esperar que as remunerações relativas dos factores sejam as mesmas. O

teorema é contudo um ponto de partida para a explicação das diferenças de salários reais

entre os países e a forma como a livre troca tende a reduzir tais disparidades.

(2) A repartição interna dos rendimentos e o teorema de Stolper-Samuelson (1941)11

Este teorema indica-nos a forma como as alterações dos preços relativos dos bens,

derivadas da abertura à troca, afectam os preços dos factores. Sabemos já que se os

termos de troca pX/pY se elevam, o output de Y diminui e o de X aumenta.

Atendendo à relação entre os preços relativos e as remunerações relativas dos

factores, observar-se-á que, considerando X L-intensivo, w/r aumenta; ou seja, o preço

relativo de L eleva-se, enquanto K se torna relativamente mais barato. Por outras

palavras, verificando-se um aumento no preço relativo de um bem, então o factor em que

ele é relativamente intensivo vê subir o seu preço relativo e o outro factor vê diminuir a

sua remuneração.

A lógica deste resultado revela-se claramente a partir do que anteriormente se disse

sobre o modo como o valor de um bem ou de um factor provém da sua escassez. Quando

o preço relativo de um bem sobe, tal reflecte um aumento na sua procura pelos

indivíduos, isto é, um aumento da escassez relativa desse bem. Este, por seu turno,

reflecte um aumento na escassez dos factores que entram na sua produção. De facto, para

produzir mais do bem, aproveitando a sua subida de preço, os produtores terão de utilizar

mais factores elevando a sua procura e dispondo-se a oferecer maior remuneração. Assim

sendo, quanto mais intensivamente for um factor utilizado na produção do bem em causa,

mais aumentará o seu preço (remuneração) relativamente ao outro factor.

E o que dizer quanto à remuneração absoluta? Sendo X L-intensivo e Y K-

intensivo, então pX/pY↑ � K/L ↑ � cada unidade de L tem mais K ao seu dispor �

PmgL ↑ e, portanto, w ↑.

Resumindo, a livre troca beneficia, em cada país apenas os detentores do factor de

produção em que o país é abundante. Assim, ao contrário do que a teoria clássica

implicitamente assumia, o comércio internacional pode não ser benéfico para toda a

11 Nota: este teorema não envolve uma comparação entre países.

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gente.12 Recorde-se que, em condições óptimas, isto é, segundo os pressupostos do

modelo, o comércio livre torna-se um substituto perfeito da livre circulação de factores.

Assim sendo, abrir ao comércio é equivalente a aumentar a oferta do factor escasso, que

necessariamente se traduz numa redução do seu preço.

Numa sociedade em que as classes detentoras dos factores estão claramente

definidas, o comércio livre, embora beneficie a economia como um todo, tem efeitos

distintos nas várias classes de cidadãos. Assim, este conflito de interesses resulta na forte

possibilidade do aparecimento de lobbies proteccionistas. Veja-se, por exemplo, o caso

dos EUA e a protecção dos têxteis. Os EUA são um país abundante em L especializado

mas onde o L não especializado é relativamente escasso. Como os têxteis requerem

essencialmente L não especializado, a abertura ao comércio destes produtos seria

fortemente prejudicial para os L sem qualificações específicas. É o lobby por eles

organizado que está na origem do relevante proteccionismo.

Por exemplo, considerando os bens tecido e trigo, a imposição duma tarifa sobre a

importação de tecido leva a um aumento do preço do tecido em relação ao trigo. Em

resposta a alterações dos preços relativos os produtores de tecido vão aumentar a sua

produção. Assim, vai haver lugar a uma alteração da distribuição de factores: a indústria

do trigo vai libertar factores que serão transferidos para o tecido. Contudo, o trigo liberta

mais K do que o tecido pode absorver, uma vez que supostamente o tecido é mais L-

intensivo que o trigo. Desta forma, verificar-se-á um excesso de oferta de K e excesso de

procura de L, pelo que w/r aumentará, beneficiando L e prejudicando K.

(3) A livre troca e o crescimento económico e o teorema de Rybczynski

Quando os coeficientes de produção são constantes, um aumento na dotação de um

factor aumenta o output do bem que usa esse factor intensivamente e reduz o output do

outro bem. Este postulado faz a ‘ponte’ entre o comércio internacional e o crescimento

económico, observando os efeitos da alteração das dotações factoriais (crescimento),

mantendo-se constantes os termos de troca.

Note-se que o facto de se manterem constantes os termos de troca implica que se

mantenham constantes os preços relativos dos factores, quaisquer que sejam as dotações

factoriais dos países (teorema da igualização dos preços dos factores). Assim sendo, a

12 Dizemos, pode não ser, porque os detentores de L também podem deter K. Por isso, a perda registada com um factor pode ser (mais do que) compensada com o ganho no outro.

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alteração da dotação factorial de um país não terá efeito sobre w/r desde que os termos de

troca se mantenham. Mantendo-se w/r também se manterá K/L em ambas as indústrias. O

que sucede então com o output total das duas indústrias quando aumenta a oferta de um

factor, considerando constante o rácio K/L?

O aumento da oferta de K, por exemplo, irá conduzir a um aumento da produção do

bem K-intensivo e à diminuição da produção do bem L-intensivo. Ou seja, o aumento da

oferta de um factor conduz ao aumento (mais que proporcional) da produção do bem que

o utiliza intensivamente, e à redução da produção do outro bem. A indústria mais K-

intensiva passará agora a empregar mais de ambos os factores de produção. Portanto, o

aumento da oferta de um factor leva à deslocação de ambos os factores para a indústria

que utiliza intensivamente o factor que aumentou.

Vejamos algebricamente. Sabe-se que: LK

LL

LK

LL

LK X

X

XY

Y

Y =+ , pelo que sendo

dados KY/LY e KX/LX, a única forma de manter verdadeira a expressão quando K se eleva

(determinando a subida de K/L) será dando um maior peso à indústria com maior K/L.

Em termos de efeitos no output, a produção potencial de ambos os bens aumenta,

beneficiando, contudo apenas as indústrias que utilizam intensivamente o factor cuja

dotação aumentou. Ou seja, o output óptimo inclui uma maior quantidade de Y, mas isso

não é possível sem reduzir X, já que o K (novo) tem que ser combinado com alguma

quantidade de trabalho que tem de ser libertada por X.

Em suma, o K suplementar será absorvido de maneira a que K/L se mantenha. Se K

se repartisse por ambas as indústrias, seria necessário, para que K/L se mantivesse, mais

L em cada um dos ramos. Isto é impossível dado que a dotação em L não aumenta, o que

implica que o K suplementar terá de ser empregue apenas na indústria que utiliza

relativamente mais K.

Relevância dos teoremas estudados

Os teoremas/corolários ao modelo de Heckscher-Ohlin fornecem importante

informação sobre o sentido da especialização, os efeitos da abertura do país à troca e a

forma como os padrões da troca variam ao longo do tempo. Por exemplo, o teorema de

Samuelson e de Stolper-Samuelson predizem o que irá acontecer às remunerações dos

factores após a abertura à troca.

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Por outro lado, à medida que a troca se desenvolve, estes teoremas auxiliam

também o entendimento do tipo de alterações que se espera ao longo do tempo. Por

exemplo, o teorema de Rybczynski descreve a forma como o padrão de troca pode variar

à medida que o país cresce. Consideremos um país em que se está a verificar um grande

aumento da força de trabalho e a ter relativamente pouco investimento. O rácio K/L

estará a decrescer sucessivamente e se este país continuar a enfrentar os termos de troca

constantes, este teorema prediz um aumento da produção de bens L-intensivos mais do

que proporcional ao de outros países, enquanto que a produção de bens K-intensivos

subirá proporcionalmente menos ou mesmo decrescerá. Suponhamos que o país já

exportava inicialmente o bem L-intensivo e importava o bem K-intensivo. Assim, à

medida que a força de trabalho do país aumenta, o país exportará mais e mais o bem L-

intensivo e importará mais o bem K-capital (isto supondo sempre que a composição da

procura interna não se altera).

Consequências da não verificação de alguns pressupostos13

Violação da hipótese da irreversibilidade factorial

Considerando que a intensidade factorial é alterada para remunerações relativas dos

factores acima de um determinado nível, então:

(i) o modelo de Heckscher-Ohlin deixa de poder ser aplicado dada a impossibilidade de

proceder a uma classificação definitiva dos bens em matéria de intensidade factorial.

O modelo de Heckscher-Ohlin não está preparado para, neste caso, prever o bem

exportado, baseado na relativa abundância factorial. Um país respeitará as previsões

do modelo mas o outro não.

(ii) o teorema de Samuelson deixa de ser válido: com a livre troca, os preços relativos dos

bens são iguais nos dois países, mas o mesmo não sucede com as remunerações

relativas dos factores.

Vamos então supor que existe reversibilidade das intensidades factoriais: Se

w/r<wn (ponto de reversibilidade), então o produto X é L-intensivo e Y é K-intensivo.

Para w/r>wn verifica-se o inverso. Portanto, pX/pY apenas é função crescente do rácio w/r

se X for L-intensivo, o que implica a quebra da correspondência unívoca (para a mesma

relação pX/pY existem duas relações w/r). Na medida em que pX/pY é menor em B do que

13 Mais à frente, no módulo consagrado ao comércio internacional sob concorrência imperfeita, veremos as consequências da violação da hipótese de rendimentos constantes à escala e concorrência perfeita.

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em A, neste país Y é L-intensivo, havendo tendência a aumentar a remuneração relativa

dos factores (w/r)A. Em B, X é L-intensivo, havendo tendência ao aumento de (w/r)B. Tal

situação conduz à possibilidade de haver igualização dos preços relativos dos bens, sem

que tal ocorra ao nível das remunerações relativas dos factores.

w/rY

X

pX/pY (pX/pY)A (K/L)YA K/L

Violação da hipótese da neutralidade da procura

Como implícito na análise efectuada, se a procura não for neutral então há a

possibilidade de inviabilização dos resultados previstos pelo modelo de Heckscher-Ohlin.

Com efeito, com a violação desta hipótese a dotação física dos países pode ser diferente

da dotação económica.

Vejamos o seguinte exemplo. Considere-se que A é K-abundante, que Y K-

intensivo e que a procura em A é fortemente orientada para Y. Neste caso, o preço

relativo deste bem poderá ser mais elevado do que em B (L-abundante). Com a abertura à

troca, A exporta X e importa Y, pois este é mais barato a preços internacionais. Em B

acontece exactamente o contrário. Ora este padrão de comércio é o oposto do previsto

pelo modelo de Heckscher-Ohlin. Ele levará a remuneração relativa de K a diminuir em

A e a de L a diminuir em B, contrariando igualmente o previsto.