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O DESAFIO DO CONSELHO DE ESCOLA NO ENFRENTAMENTO AOS
CASAMENTOS PREMATUROS EM MOÇAMBIQUE.
Victor Bassiano1
[email protected] Araújo de Lima2
RESUMO
O principal objetivo do Estado Moçambicano, no setor da Educação, é garantir que todas ascrianças, especialmente as raparigas (meninas) tenham acesso à escolaridade primáriagratuita, obrigatória e de boa qualidade, entrando em consonância com a legislaçãointernacional e nacional que protege os direitos da criança. O estado moçambicano, SociedadeCivil para os Direitos da Criança moçambicana, media vêm intensificando políticas decombate aos casamentos prematuros. No entanto, os estudos e avaliações recentes indicamque Moçambique é o 10º país do mundo com prevalência de casamentos prematuros, uma emcada duas raparigas casa-se antes dos 15 anos de idade e abandonam a escola antes do fim doano ou nível primário. Os casamentos prematuros violam os direitos das raparigas e trazemmuitas implicações a curto, médio e longo prazo em suas vidas, tais como, evasão escolar,diminuição do potencial criativo, problemas de saúde, perpetuando a pobreza na família,comunidade e no país. Esta pesquisa documental com embasamento bibliográfico pretendiaanalisar o papel do Conselho de Escola na erradicação dos casamentos prematuros. Osresultados mostraram que, em Moçambique, o Conselho de Escola é um ator importante epossui determinação legal no âmbito da educação, da saúde e das demais políticas sociais deinclusão e proteção à criança, sendo fundamental a capacitação de seus membros em matériade mobilização e sensibilização das raparigas vulneráveis, pais ou responsáveis, líderescomunitários locais, religiosos e tradicionais, acreditando que na escola é um local ideal einigualável para erradicar casamentos prematuros.
Palavras-chaves: Conselho de Escola, Casamentos prematuros, Educação do Campo,
Educação em Moçambique.
1 Pedagogo. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação – Educação Social da UniversidadeFederal de Mato Grosso do Sul/Campus do Pantanal. Pesquisador do Núcleo de Estudos e PesquisasInterdisciplinares em Políticas Públicas, Direitos Humanos, Gênero, Vulnerabilidades e Violências –NEPI/PANTANAL – UFMS/CPAN.2 Pedagoga. Mestre e Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação emEducação – Educação Social, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal.Coordenadora e Pesquisadora Interdisciplinares em Políticas Públicas, Direitos Humanos, Gênero,Vulnerabilidades e Violências – NEPI/PANTANAL – UFMS/CPAN.
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1. INTRODUÇÃO
A população moçambicana é constituída maioritariamente por crianças, ou seja,
indivíduos que não têm ainda 18 anos de idade. UNICEF (2014, p.3), assinala que “as mais de
12 milhões de crianças moçambicanas constituem 52% da população do país [...] metade das
crianças que iniciam o ensino primário não o termina, e há crescente preocupação com o
nível de aprendizagem”.
O estado, o Fórum da sociedade civil para os Direitos da criança moçambicana
(ROSC), e os media têm intensificado as ações contra os casamentos prematuros. No entanto,
os recentes estudos apontam que milhares de raparigas moçambicanas são forçadas a
abandonar a escolaridade primária obrigatória e gratuita, não apenas para se casar, mas
também para se sujeitarem às atividades agrícolas e domésticas. Este fenômeno tem muitas
implicações a curto, médio e longo prazo no histórico das raparigas envolvidas, podendo se
destacar a separação do convívio com a família e amigos, impedir o desenvolvimento
harmonioso na criança. (UNICEF, 2014; ROSC, 2016; PAPADAKIS, 2014; VICENTE,
2014; OIT, 2007).
O Artigo 121 da Constituição da República de Moçambique de 2004 prevê que todas
as crianças têm direito à proteção da família, da sociedade e do Estado para o seu
desenvolvimento integral. Enquanto a UNICEF (2015) destaca que, a prevenção do
casamento prematuro está em assegurar que todas as crianças estejam na escola e que a sua
educação seja de qualidade, e que esta ação requer envolvimento de três instituições: família,
sociedade e o estado.
É neste contexto que a presente pesquisa documental, intitulada “ o desafio do
Conselho de Escola no enfrentamento aos Casamentos Prematuros em Moçambique”, analisa
o papel do Conselho de Escola na erradicação dos casamentos prematuros, com base na
legislação, estratégias e demais políticas que visam à promoção e proteção dos direitos das
crianças, especialmente da rapariga, dentro do meio escolar, acreditando que a escola é o local
ideal, para eliminação dos casamentos prematuros e, qualquer mobilização realizada noutro
local poderia atingir um número mais significativo do que a escola.
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2. PRINCIPAIS CONCEITOS DA PESQUISA
2.1. Conceito de Criança
A Lei nº 7/2008, de 9 de Julho, que aprova a Promoção e Proteção dos Direitos da
Criança, estabelece que crianças são todos os indivíduos com menos de dezoito anos de
idade. De igual modo, o Artigo 2º da Convenção da OIT ( 2007, p.8) sobre as piores formas
do trabalho infantil de 1999 ( c182) define a “criança como toda pessoa abaixo de 18 anos”.
Paralelamente, em Julho de 1979, em Monróvia, Libéria, foi assinada a Carta
Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança com objetivo primordial de proteger todas as
crianças africanas mantidas em situações críticas motivadas a fatores socioeconômicos,
culturais, tradicionais, fome, desastres naturais, conflitos armados e, considerando a sua
imaturidade física mental, ela precisava, necessariamente, de todos os cuidados especiais.
(ASSEMBLEIA DOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DA ORGANIZAÇÃO DA
UNIDADE AFRICANO, 1979).
2.2. O conceito de casamento
A Lei nº 10/2004 de 10 de Agosto, que aprova a Lei da Família em Moçambique,
estabelece que “casamento é união voluntária e singular entre um homem e uma mulher,
com o propósito de constituir família, mediante comunhão plena da vida”. E de acordo com
o nº1, a) do Artigo 30, admite-se união apenas com pessoas que têm a idade superior a dezoito
anos.
2.3. Conceito de Casamento prematuro
Considera-se casamento prematuro quando se envolve um, ou ambos indivíduos, menores
de 18 anos de idade. De acordo com a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança,
1979; A Lei nº 7/2008, de 9 de Julho; 2008 e o Protocolo à Carta Africana dos
Direitos do Homem e dos Povos Relativo aos Direitos da Mulher em África.
A solução 28/2005, de 13 de Dezembro, no seu Artigo 6, permite o casamento com a idade
mínima de 18 anos.
A Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança foi adoptada em Adis Abeba,
Etiópia, no mês Julho de 1990, e Moçambique ratificou no ano de 1998 através da Resolução nº
20/1998, de 26 de Maio. O nº 2 do Artigo 21 estabelecem que:
2. Casamento prematuro e as promessas de casamentos a menores, meninas oumeninos, devem ser proibidos e acções concretas, incluindo a legislação, deverãoespecificar a idade mínima de casamento como sendo a de dezoito anos e tornarcompulsivo o registo oficial de todos os casamentos.
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Assim exposto, se pode dizer que a Carta Africana evidencia que o continente
africano e o mundo em geral está interessado e preocupado em proteger os direitos das
crianças e, sobretudo das raparigas que em Moçambique são forçadas a abandonarem a escola
só para se casarem.
3. O CONCELHO DE ESCOLA COMO ATOR IMPORTANTE PARA A
PREVENÇÃO E COMBATE AOS CASAMENTOS PREMATUROS
O Conselho de Escola foi oficialmente criado em Moçambique através do Diploma
Ministerial 54/2003, de 28 de Maio que aprova o Regulamento Geral do Ensino Básico o qual
foi reajustado através do Diploma Ministerial Nº 46/2008 de 14 de Maio.
O conselho de escola é um órgão máximo do estabelecimento do ensino básico [...]dirigido por um presidente democraticamente eleito, de entre os seus membros [...]orienta-se pelos seguintes objetivos (sic): a) ajustar as diretrizes e metasestabelecidas, a nível central e local, a realidade da escola. [...] b) garantir a gestãodemocrática, solidária e co-responsavel.(MEC, 2012, p.78).
Neste contexto, o Conselho de Escola como órgão máximo de uma escola primária
em Moçambique, pode permitir a comunicação entre a escola e a comunidade circunvizinha
garantindo a participação efetiva de todos os intervenientes do processo educativo.
De acordo com o Manual de Apoio ao conselho de Escola Primária, concebido pelo
Ministério de Educação e Desenvolvimento Humano de Moçambique, o Conselho de Escola
é:
Órgão máximo de consulta, monitoria e de fiscalização do estabelecimento deensino, ele funciona na escola em coordenação com os respetivos órgão. [...] éconstituído por todos os seguimentos da comunidade escolar [...] sendo presididopor um membro de/ou pais encarregados de educação ou um membro do grupo dacomunidade. (DNEP/MEDH, 2015, p.9).
Assim, por norma, cada colegiado do Conselho de escola deve se reunir
regularmente para resolver os problemas, de cada escola, que contrariam todas as orientações
que partem em nível do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, as quais
chegam a cada instituição do ensino por meio das respectivas Direções Provinciais, Distritais
de Educação e posteriormente, na escola na qual, de forma responsável, essas orientações são
reajustadas à sua realidade por ator respeitável, credenciado no âmbito da educação e das
demais políticas e estratégias que visam à promoção e proteção dos direitos da criança,
sobretudo para garantir a retenção da rapariga na escola até ao fim de cada ano letivo ou
determinado nível.
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As tarefas e objetivos que norteiam o Conselho de Escola evidenciam que este órgão
máximo da escolaridade gratuita e obrigatória em Moçambique, foi concebido para debater e
tomar decisões coletivas sobre os problemas que atentam a qualidade de ensino, como é o
caso dos casamentos prematuros que constituem como grande obstáculo para a retenção das
raparigas nas escolas do país, especificamente nas regiões rurais onde ocorre com mais
frequência este fenómeno (OSÓRIO, 2016; APADAKIS, 2014). Igualmente, os princípios
básicos e principais tarefas do Conselho Escolar, levam-nos a acentuar que o Conselho de
Escola, não apenas promove a participação da Comunidade escolar nos processos de gestão
da escola, como também visa principalmente garantir a qualidade do trabalho escolar em
termos pedagógicos, o que pressupõe a resolução de todos os problemas que constrangem o
processo de ensino e aprendizagem.
O Diploma Ministerial Nº 46/2008 de 14 de Maio, o qual aprova o Regulamento
Geral do Ensino Básico e as Orientações e Tarefas Escolares Obrigatórias (OTEOs) no
período de 2010 a 2014 reafirmam a importância capital do Conselho de Escola e a
necessidade de envolver a comunidade escolar na resolução de qualquer problema que
atrapalha o funcionamento pleno de uma escola primária. Porque o Diploma Ministerial, em
destaque, estabelece que o Conselho de Escola deve ajustar as diretrizes e metas
estabelecidas, a nível central e local, à realidade da escola e OTEOs, assim como o Manual de
Apoio ao Conselho de Escola Primária e Agenda do Professor-2012, por seu turno,
incentivam para que o Conselho de Escola seja um importante ator que garante as boas
relações entre escola e comunidade e vice-versa. O que pode facilitar o envolvimento do
Conselho Escolar na prevenção e combate de casamentos prematuros, os quais ocorrem
geralmente no seio da família (INDE/MINED, 2008; MINED, 2010; DNEP/MEDH, 2015;
MEC, 2012).
O Regulamento Geral do Ensino Básico reitera igualmente que a aprovação de
qualquer plano de atividade da escola, tanto do Plano Semestral, quanto anual e de
Desenvolvimento de uma Escola Primária moçambicana é da competência do Conselho de
Escola. Sendo assim, nenhuma atividade deve ser realizada na escola antes da discussão e
aprovação do coletivo constituído por conselho de escola. (INDE/MINED, 2008).
A representatividade dos membros do Conselho de Escola Primária, em
Moçambique, constitui-se de representante de pais ou encarregados de educação,
representante de alunos, representante da comunidade, representantes do pessoal
administrativo, representantes dos professores, para além do Diretor e o Presidente
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democraticamente eleito por seus membros, facilitando a identificação das meninas
vulneráveis e em risco aos casamentos prematuros e à procura de estratégias eficientes para a
resolução de cada caso.
Portanto, da análise dos documentos normativos que guiam o Conselho de Escola do
ensino básico, pode se perceber que ele foi concebido especialmente para garantir a retenção
de todas as crianças matriculadas especialmente as raparigas até ao fim de cada ano letivo e
conclusão do respectivo nível, o que necessita a capacitação deste órgão nas ações de
mobilização e sensibilização das raparigas em risco, da família ou pais/encarregados de
educação, responsáveis ou madrinhas dos casamentos prematuros que forçam um quarto de
meninas a deixar de estudar (UNICEF, 2015; OSÓRIO, 2016).
4. A LEGISLAÇÃO RELACIONADA COM OS CASAMENTOS PREMATUROS
Este título faz a analisa da legislação internacional, e legislação moçambicana
incluindo, políticas e estratégia moçambicanas que protege os direitos da criança
especialmente da menina contra os casamentos prematuros.
4.1. A legislação internacional
A Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança e Convenção sobre os Direitos
da Criança, foram legislações internacionais destacadas neste estudo apesar de muitos
documentos elaborados em eventos internacionais a favor de proteção dos direitos da criança
e especialmente da rapariga.
4.1.1. Convenção sobre os Direitos da Criança
A Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, no número 1 do artigo 32,
ressalta que os Estados-Partes reconhecem à criança o direito de ser protegida contra
casamentos prematuros, pois são capazes de comprometer a sua educação, prejudicar a sua
saúde ou o seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. (UNICEF, 2004).
Os Estados-Partes tomam medidas legislativas, administrativas, sociais e educativas
para assegurar a aplicação deste artigo. Para esse efeito, e tendo em conta as disposições
relevantes de outros instrumentos jurídicos internacionais, os Estados-Partes devem
nomeadamente, especialmente prever penas ou outras sanções adequadas para assegurar uma
efetiva aplicação deste artigo. (UNICEF, idem).
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4.1.2. Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança
Por se reconhecer a importância de eliminar todas as práticas que atentam a
promoção e proteção de direitos e o bem-estar de toda a criança africana, a Carta Africana no
seu artigo 2, sobre a definição do conceito de criança para os propósitos achados importantes
estabelece que criança é todo o ser humano com uma idade inferior a 18 anos de idade. E o
Artigo 3 prevê que toda a criança deve ter o direito de gozar plenamente todos os direitos à
liberdade reconhecidos e garantidos nesta Carta, sem qualquer diferença em relação a raça,
grupo étnico, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra opinião, origem nacional à
social, riqueza, nascimento ou outros estatutos de seu país ou de seus legítimos guardiães.
O Artigo 7 da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança prevê a liberdade
de expressão da criança, ressaltando que toda a criança que seja capaz de expressar os seus
pontos de vista, a esta, se devem assegurar o direito de expressar suas opiniões livremente em
todos os assuntos e de disseminar suas opiniões sujeitas a restrições tal como prescrito pelas
leis.
O nº 1 do artigo 15 orienta para a proteção da criança contra todas as formas que
possam pôr em perigo a vida da criança ou que possam ser nocivas para sua saúde ou para o
seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral ou social. Paralelamente a isso o nº 2
deste mesmo artigo recomenda aos governos adotarem medidas administrativas que
assegurem a implementação e efetivação do previsto no artigo.
4.2. Legislação, políticas, e estratégias moçambicanas para a erradicação dos casamentos
prematuros.
Moçambique é um dos países que tem vindo a envidar esforços em defesa da
igualdade de direitos entre mulheres e homens, sobretudo entre rapazes e raparigas como se
podem testemunhar a seguir algumas políticas nacionais, planos, estratégias e leis que visam
eliminar todo o tipo de prática que propicia a descriminação baseada no sexo e idade para
permitir a promoção da igualdade de género:
1. Constituição da República de Moçambique. 2. Política de Género e Estratégia dasua Implementação. 3. Plano Nacional para o Avanço da Mulher 2010 – 2014. 5. Lei12/2004, Lei da Família. 9. Lei nº 35/2014, Código Penal. 13. Estratégia dePrevenção e Eliminação dos Casamentos Prematuros. 14. Estratégia de SegurançaAlimentar e Nutricional 15. Estratégia de Género do Sector da Saúde; Energia eMinas; Educação; Agricultura. (MGCAS, 2016, p.60).
Deve-se destacar igualmente que a Convenção sobre os Direitos da Criança,
em Moçambique, foi ratificada no ano de 1994 e, dez anos depois se verificam muitos
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documentos produzidos no país que integram ou reforçam assuntos relacionados com a
Convenção sobre os Direitos das Crianças: Constituição da República de Moçambique de
2004; Lei nº 12/2004, de 8 de Dezembro – que aprova o Código do registo Civil; Lei nº
10/2004, de 25 de Agosto que aprova a lei da família entre outros. Esta legislação tem artigos
que, especificamente, estão preocupados com a mudança de atitudes, comportamentos e
práticas nocivas que violam os direitos da criança incluindo para os casamentos prematuros.
4.2.1. Constituição da República de Moçambique de 2004
A Constituição da República de Moçambique de 2004 prevê no seu artigo 47 nos
nº 1, 2, 3 respetivamente com vista à proteção e o bem estar de toda a criança
moçambicana estabelecendo os seguintes direitos: à proteção; aos cuidados necessários
ao seu bem-estar; exprimir livremente a sua opinião nos assuntos que lhes dizem respeito em
função da sua idade e maturidade; todos os atos relativos às crianças, quer praticados por
entidades públicas, quer por instituições privadas, têm principalmente em conta o interesse
superior da criança.
4.2.2. A Lei 7/2008
A Lei 7/2008, sobre a Promoção e Proteção dos Direitos da Criança, no seu artigo
1, esclarece que a mesma tem por objeto reforçar, estender, promover e proteger os direitos da
criança de acordo com a Constituição da República, Conversão sobre os Direitos da Criança,
Carta Africana sobre os direitos e bem estar da criança e demais legislação de proteção à
criança.
Paralelamente, o governo moçambicano, recentemente aprovou a Estratégia
Nacional de Prevenção e Combate aos Casamentos Prematuros p a r a o p e r í o d o d e 2016
a 2019. Esta estratégia pode ajudar, sobremaneira, as crianças; sobretudo as raparigas do
país a terem um futuro melhor, visto que entre vários assuntos, abordados na estratégia, são
incluídas questões prioritárias para o combate às varias práticas nocivas dos pais ou
familiares da criança, as quais propiciam a violação de direitos e, em casos de violação,
devem ser punidos severamente, como recomendam nº 2 do artigo 64 sobre direito à
proteção contra abuso, maus tratos e tratamentos negligentes pelos pais, tutores, família de
acolhimento, representante legal ou terceira pessoa e o 65 que define o direito à proteção
contra todas as formas de exploração económica ambos da Lei nº 7/2008 respetivamente.
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4.2.3. A Lei nº 12/2004, de 8 de Dezembro.
Esta lei aprova o Código do registo Civil, em seu nº 1, do artigo 1, estabelecendo
que o registro civil é obrigatório e um dos fatos do seu objeto é o casamento previsto na d).
O nº 2, do artigo 3, prevê que o casamento tradicional ou religioso não polígamo, realizado
na República de Moçambique, pode ser transcrito na conservatória do registo civil com base
em documento emitido pelos dignitários religiosos ou autoridades comunitárias.
Desde a década de 1990 o governo moçambicano tem ambicionado o alcance da
qualidade de ensino, como se pode ver através de um dos trechos do programa quinquenal
para o período 1995 a 1999:
[...] assegurar o acesso à educação a um número cada vez maior de utentes e demelhorar a qualidade dos serviços prestados em todos os níveis e tipos de ensino.[...] fornecer uma educação com uma qualidade aceitável, isto é, uma educação comum conteúdo apropriado e um processo de ensino-aprendizagem que promova aevolução contínua dos conhecimentos, habilidades, atitudes e valores, de modo asatisfazer os anseios da sociedade. (REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE, 1995, p.15).
No entanto, volvidos duas décadas, vários estudos (UNICEF, 2014; DNEP/MEDH,
2015, entre outros) mostram claramente que a ambição do governo no ano de 1995 ainda não
foi atingida, principalmente no ensino primário, porque atualmente muitas raparigas são
forçadas pelos seus próprios pais ou familiares a deixarem de frequentar a escola e se casarem
prematuramente. (PAPADAKIS, 2014; VICENTE, 2014; ROSC, 2016).
5. A SITUAÇÃO ATUAL DOS CASAMENTOS PREMATUROS EM MOÇAMBIQUE
Em Moçambique, milhões de crianças estão envolvidas em situações de casamento
prematuro tanto nas regiões urbanas como nas regiões rurais. (UNIFCEF, 2014). De acordo
com IDS 2003 e 2011 e MICS 2008 apud UNICEF (2014, p.13), em Moçambique, “1 de cada
2 raparigas está casada antes dos 18, perpetuando o ciclo intergeneracional de pobreza e
limitando o desenvolvimento do país”. No período de 2003 a 2011, notou-se uma ligeira
diminuição percentual da situação, de acordo com o Relatório da UNICEF (idem) intitulado
“Situação de Crianças em Moçambique 2014”. Este relatório apenas mostra a percentagem,
sem os números absoltos do que significa a tal percentagem dos anos de 2003, 2008 e 2011,
como a seguir se transcrevem: no ano de 2003, foram casadas 14% de raparigas com idade
inferior de 15 anos e 59,9% de raparigas menores de 18 anos; em 2008 a percentagem de
raparigas que se casaram antes de completarem 15 anos foi de 11,4% e no mesmo ano 51,8%
casam raparigas menores de 18 anos e, no ano de 2011 se casaram 10,3% raparigas menores
de 15 anos enquanto que a taxa das raparigas que se casaram antes de completarem 18 anos
foi de 48,2%. Ainda a mesma fonte destaca que:
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A elevada incidência do casamento de raparigas é um dos problemassocioculturais mais sérios, [...] Isto contribui, por sua vez, para o inícioprecoce da atividade sexual e para altos níveis de gravidez na adolescência.[...]O IDS de 2011 apontou que 40% das mulheres dos 20 aos 24 anos de idadedão à luz pela primeira vez antes dos 18 anos[...] os filhos destas mães têmuma probabilidade 70% mais elevada de morrer antes de completar 5 anos,relativamente às crianças nascidas de mães entre os 30 e 39 anos de idade.(UNICEF, 2014, p.13).
Neste contexto, Francisco (2014) sublinha que, durante os ritos de iniciação, as
raparigas são ensinadas que não devem ter medo de qualquer homem e devem ter grande
alegria e orgulho, pelo fato de possuírem o sexo feminino que proporciona riqueza para ela
própria e para a família, daí que não devem reagir quando lhes são entregues um homem.
Muitos pais ou encarregados de educação das raparigas falam às raparigas, depois dos ritos de
iniciação feminina, que elas têm de comprar a roupa delas, comprar cadernos, o material
escolar e trazer comida para casa. É nos ritos de iniciação, que são inculcadas a elas o
respeito, obediência e nunca rejeitar quando o parceiro lhes pedir sexo e que o mais
importante na vida é ter um marido e filhos.
Em Moçambique, existem vários modelos de casamentos prematuros depois dos ritos
de iniciação, entre eles se destacam a troca de uma quantia ou bens materiais, adivinhar o
sexo do futuro bebê em gestação e negociação entre o pretendente e os pais ou família da
rapariga. A este respeito, ROSC, (2016, p. 47) ressaltam que “[...] a diferença nas taxas de
gravidez precoce entre o meio urbano e o meio rural é mínima”.
A seguir se transcreve cada um dos modelos baseados nos parâmetros da UNICEF,
FNUAP & CECAP, 2015; APADAKIS, 2014; OSÓRIO, 2008.
Em troca de uma quantia ou bens materiais: após a realização dos ritos de iniciação
feminina, o interessado ou mesmo a família do interessado vai à procura dos pais ou
responsáveis da rapariga e aí em consenso decide-se qual a quantia, e a forma de entrega;
Adivinhar o sexo do futuro bebé em gestação: neste modelo, é quando uma mulher gestante e
seu esposo são prometidos a outro homem interessado, oferecendo o bebê do sexo feminino
como sua futura esposa e, caso coincida com o prometido, o homem começa, depois do
nascimento, a cobrir com algumas despesas da criança e depois da menina passar nos ritos de
iniciação, é entregue a seu esposo. Finalmente, a negociação entre o nubente (pretendente) e
os pais ou família da rapariga: quando um homem adulto, geralmente economicamente mais
estável em relação aos pais da rapariga que pretende, combina o casamento com os parentes
dela, e daí dá cobertura todas às despesas dos ritos de iniciação para garantir que a rapariga
lhe será entregue.
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6. DETERMINANTES DOS CASAMENTOS PREMATUROS EM MOÇAMBIQUE
Em Moçambique há muitos fatores que determinam os casamentos prematuros entre
eles se destacam, fatores culturais, a pobreza, vulnerabilidade infantil motivada pelo divórcio
ou perca dos pais biológicos, o nível de escolarização dos pais ou responsáveis da menina,
lacunas na legislação, políticas e estratégias nacionais relacionadas aos casamentos
prematuros como a seguir se transcreve cada um desses determinantes.
6.1. Fatores Socioculturais (ritos de iniciação).
Os ritos de iniciação constituem um dos motivos que levam aos casamentos
prematuros conforme estudos feitos como a Sociedade Civil para os Direitos da Criança em
Moçambique – Rosc ( 2016); Osório (2008), entre outros. Os ritos são práticas tradicionais
enraizadas nas culturas locais da sociedade moçambicana, especialmente na região norte do
país. Esta prática deve ser monitorada pelos líderes comunitários para sistematicamente
revisitar os seus conteúdos, que são explícitos, sobre sexo, pelos ensinamentos que preveem a
submissão das mulheres aos homens, pela influência que exercem no início precoce da
atividade sexual e subsequente ao casamento precoce. Os lideres comunitários devem
trabalhar com os responsáveis com vistas a ajustar as suas modalidades, o período da sua
realização entre outros aspetos que futuramente possam influenciar na saúde da criança,
rendimento escolar motivado pelas ausências das crianças às aulas para participar dos ritos.
Algumas publicações de académicos tais como: Osório e Macuácua (2013),
Francisco (2014), UNICEF (2015) e da Sociedade Civil para os Direitos das Crianças Rosc
(2015), concluíram que existe uma relação entre os casamentos prematuros, abandono escolar
e os aspectos socioculturais, especialmente os ritos de iniciação feminina, pois, durante esta
prática cultural, se transmite às raparigas envolvidas, os conhecimentos relacionados com as
práticas sexuais e como elas devem se comportar para agradar a um homem.
Na província de Cabo Delgado, pelo contrário, particularmente entre os grupos etno-linguísticos makwa e mwani, [...] depois dos ritos de iniciação muitas raparigas nãoregressam à escola [...] Considera-se que as raparigas, estimuladas pela curiosidadede colocar em prática os ensinamentos recebidos sobre a sexualidade feminina,procuram um casamento ou em outros casos simplesmente um parceiro.Consequentemente, algumas engravidam antes de casar e, nestes casos, muitas ficamsós e responsáveis pela educação e manutenção da criança, (OSÓRIO e SILVA,2008, p.160).
Os casamentos prematuros constituem violação dos direitos de raparigas e mulheres.
As meninas casadas antes da idade legal são mais propensas a abandonar a escola, a infetar o
HIV/SIDA, sofrer violência doméstica e perder a vida por complicações perante a gravidez e
especialmente no dia de parto.
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6.2. Pobreza
A pobreza é fator chave nas privações de menores de 18 anos e, sobretudo de
raparigas (UNICEF, 2010). Em Moçambique nota-se grande disparidade entre os
agregados familiares em níveis de pobreza, riqueza e, consequentemente o bem
estar infantil. A par disso, UNICEF (2014, p.10) ressalta que:
Apesar da expansão progressiva dos programas do Instituto Nacionalde Ação Social (INAS), a cobertura da proteção social básica, que visadar resposta à vulnerabilidade dos mais pobres, é ainda limitada. [...]programas ainda cobrem apenas 15% dos agregados pobres.
Assim exposto, pode-se afirmar que a pobreza é uma realidade, o que
subentende-se que as raparigas podem ser forçadas a deixarem de ir a escola não
só para se casar, mas também para serem sujeitas às atividades agrícolas com
vistas a se sustentarem e a ajudar as respectivas famílias.
6.3. Vulnerabilidade infantil motivada pelo divórcio ou perca dos pais biológicos
UNICEF (2014) reitera que a vulnerabilidade infantil resulta de fatores
desfavoráveis, tais como a disfuncionalidade do ambiente familiar por causa da
separação ou perda dos pais, o que provoca a presença de deficiências. Em Moçambique,
estima-se que uma de cada cinco crianças, não mora com os pais biológicos por
várias razões, especialmente por serem órfãos, divórcio dos pais, migração e
algumas crianças são acolhidas em famílias alternativas.
De acordo com o IDS de 2011 apud UNICEF (2014), 18% das crianças
moçambicanas não vivem com nenhum dos pais, embora, na maior parte dos casos, pelo
menos um deles esteja vivo. A percentagem de orfandade de crianças no ano de 2003
era de 10%, mas até no ano de 2011 registrou-se um aumento em 3% passando de 10% (2003)
para 13% (2011), devido ao impacto do H I V / SIDA.
A par disso, o IDS de 2011 apud UNICEF (2014, p. 10), destaca que “os órfãos
são especialmente vulneráveis a privações de educação (sobretudo no caso dos ‘duplos
órfãos’ de mãe e de pai) e manifestam níveis mais altos de desnutrição crônica”.
Compartilhando com UNICEF, pode-se afirmar que a vulnerabilidade infantil em
Moçambique não apenas incentiva os pais ou as famílias alternativas a deixarem as
crianças para se casarem prematuramente, mas também a vulnerabilidade traz
consequências mais agravantes na vida e na saúde das mesmas.
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6.4. O nível de escolarização dos pais ou responsáveis
Rosc, (2016, p. 47) realça que “as mulheres com ensino secundário (17,5 anos) [...]
tendem a ficar grávidas ou se casarem mais tarde em relação àquelas com ensino primário
(16,1 anos) ou nenhuma escolarização (16,5 anos).” O que nos leva a acreditar que em
Moçambique, um dos fatores do casamento prematuro tem a ver com o nível de escolaridade
tanto das próprias meninas envolvidas quanto dos pais ou responsáveis das mesmas, como
testemunha o relatório da IDS de 2011 apud UNICEF (2014) que destaca que mais da
metade dos agregados familiares que moram nas regiões rurais não sabem ler nem escrever.
6.5. Lacunas na legislação, políticas e estratégias nacionais relacionadas aos casamentos
prematuros.
O Moçambique é um dos estados que ao ratificar uma lei internacional contraria a
legislação originada dos eventos internacionais e, por vezes, da sua Constituição. A título de
exemplo, o número 2, do Artigo 30 da Lei 12/2004, que aprova a Lei da Família
moçambicana, admite contrair casamento antes de atingir a idade legal internacional,
portanto, apenas 16 anos. Outrossim, um indivíduo com 16 anos de idade é considerado
criança segundo a Constituição da República de Moçambique de 2004 , ainda em vigor. E nas
demais legislações internacionais: Convenção sobre os Direitos das Crianças (1989), a qual
em Moçambique foi ratificada no ano de 1994, Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da
Criança, entre outras legislações mundiais que prevê apenas o casamento entre indivíduos
maiores de 18 anos.
As politicas e estratégias relacionadas com os casamentos prematuros, não
apresentam uma meta ou compromisso político que o país pretende alcançar no fim de cada
instrumento. A par disso, o Plano Nacional de Ação para a Criança (PNAC II), Estratégia
nacional de prevenção e combate dos casamentos prematuros em Moçambique (2016-2019)
não mostram claramente a incidência de casamentos prematuros e a meta pretendida a
alcançar até no ano de 2019, o último ano da sua implementação. (REPÚBLICA DE
MOÇAMBIQUE, 2015).
7. CONSEQUÊNCIAS DOS CASAMENTOS PREMATUROS
Em Moçambique, os casamentos prematuros constituem um das piores formas
de violação de direitos da criança conforme recentes os estudos levados em cabo
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nesta temática no país (PAPADAKIS, 2014; UNICEF, 2014; VICENTE, 2014; ROSC,
2016).
Neste contexto, a UNICEF (2014, p.13) destaca que “Casamentos
prematuros geram riscos de maus tratos; causam desistências escolares;
resultam em gravidez na adolescência e alto risco de morte para mãe e bebé”.
Os casamentos prematuros têm, entre outras, implicações a curto, médio e
longo prazo na saúde física e psicológica, no desenvolvimento moral, profissional e
econômico da criança envolvida. Em muitos casos, retira a criança da escola, remetendo
à uma vida sexual antes da idade recomentada, expõe a criança a várias doenças como o HIV,
à gravidez precoce, e criança fica privada do seu convívio tanto familiar quanto dos amigos da
sua idade, limita a liberdade de expressão, remete a criança ao trabalho forçado em suas casas,
abuso sexual entre outras violências. Os estudos ainda ressaltam que em Moçambique
eleva-se o número de crianças em situação de vulnerabilidade o que pode influenciar o seu
comportamento na infância e durante a vida adulta. (UNICEF, (idem); OSÒRIO, 2008;
PAPADAKIS, 2014; VICENTE, 2014; ROSC, 2016).
A UNICEF, uma Organização Internacional que apoia as crianças vulneráveis no seu
relatório de 2016, demonstra os dados que relatam os progressos impressionantes no que diz
respeito ao ingresso de crianças à escola no ensino primário de Moçambique, desde a abolição
das propinas escolares em 2003/2004. (UNICEF, 2016).
No entanto, o relatório aponta que apesar de aumento de ingressos no ensino
primário em Moçambique, ainda há muitos desafios neste nível de ensino porque as taxas de
conclusão têm registrado uma estagnação em 47% nos últimos anos, verificam-se elevadas
taxas de persistência do abandono escolar, reprovações e metade dos alunos que ingressam
o ensino primário não o terminam e há crescente preocupação com o nível de
aprendizagem, especialmente as raparigas. (grifo nosso).
O mesmo documento destaca a avaliação feita a nível nacional referente ao
aproveitamento escolar na qual se provou que, as crianças que terminam o ensino primário,
não atingem as competências básicas desejadas de leitura.
Os resultados da pesquisa realizada pela UNESCO no ano de 2012 indicam que cerca
de 1,2 milhões, isto é, 23% de crianças deveriam estar no ensino primário, contudo, estão fora
da escola. Destas, 775.000 são crianças em idade do ensino primário e 55% são raparigas
devido às normas socioculturais tais como casamento prematuro, gravidez precoce, longas
distâncias entre escolas e poucos professores de qualidade. (UNICEF, 2015).
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Nesse contexto, tomando-se apenas alguns trechos da UNESCO será suficientemente
claro que o casamento prematuro influencia no baixo nível de aprendizagem e em piores
casos pode obrigar a criança a abandono precocemente a escola.
8. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA
A Lei nº 10/2004 de 10 de Agosto, que aprova a Lei da Família em Moçambique,
contraria a idade legal para se casar prevista no padrão internacional, visto que o nº 2 do
Artigo 30, prevê que “a mulher ou homem com mais de dezesseis anos, a título excepcional,
pode contrair casamento, quando ocorram circunstâncias de reconhecimento público e
familiares e houver consentimento dos pais ou dos legais representantes”.
Neste contexto, o nº 2 do Artigo 30 da Lei da Família em Moçambique remete
muitas inquietações pelo fato de admitir união envolvendo menores de 18 anos. O que deixa
claro ser errado considerar o casamento prematuro como união marital, que envolve menores
de 18 anos. Entretanto, item nº 2 do Artigo 30 admite o casamento com apenas 16 anos de
idade contrariando a Lei nº 7/2008, de 9 de Julho, Sobre a Promoção e Proteção dos Direitos
da Criança a qual considera criança todos os indivíduos com menos de 18 anos de idade.
O Conselho de Ministros de Moçambique aprovou a Estratégia Nacional de Combate
aos Casamentos Prematuros, em 1º de Dezembro de 2015, a qual a proposta foi discutida pela
Coligação para a Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), que junta organizações
da sociedade civil que trabalham nesta área. No entanto, não estabelece as metas a alcançar
anualmente e nem clarificar como as ações devem ser desenvolvidas para cada setor
envolvido para o combate desta prática nociva às crianças especialmente as raparigas.
A legislação e literatura moçambicana mostram claramente que a prevenção e
combate dos casamentos precoces em Moçambique, nunca foi a prioridade por longo tempo.
O assunto é marginalizado na agenda de desenvolvimento do país e consequentemente
marginalizado também pela sociedade moçambicana. Daí a necessidade de desenhar um
projeto de intervenção, o qual pode despertar as decisões políticos, a darem maior atenção
nesta prática nociva que viola os direitos de meninas com vistas a evitar que raparigas se
casem muito jovens e as menores já casadas, sejam incentivadas a voltarem à escola para
concluírem a escolaridade primária que é gratuita e obrigatória no país.
Existe a legislação internacional padrão para todos os Estados-Partes que promove e
protege os direitos da criança, especialmente da rapariga. No entanto, o estado moçambicano ao
ratificar, não cumpre plenamente com as recomendações dos eventos internacionais. A título de
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exemplo, o número 2, do Artigo 30 da Lei 12/2004, que aprova a Lei da Família moçambicana,
permite o casamento de indivíduos apenas com 16 anos e não 18 anos como está previsto nas
diversas leis internacionais como é o caso da Convenção sobre os Direitos das Crianças
(1989), a qual em Moçambique foi ratificada no ano de 1994, Carta Africana dos Direitos e
Bem-Estar da Criança, entre outras legislações mundiais.
A Constituição da República de Moçambique de 2004, prevê no nº 3 do Artigo 18,
proteger os direitos da criança e mulheres tendo em conta com o que está previsto nas
declarações internacionais. O artigo 3 do nº 1 da Lei nº7/2008, de 9 de Julho que aprova a lei
da Promoção e Proteção dos Direitos da Criança, igualmente proíbe claramente o casamento
de indivíduos menores de 18 anos de idade.
No entanto, a maneira como é concebida a legislação moçambicana pode motivar a
prática de casamentos prematuros com menores de 18 anos e violar vários documentos tanto
nacionais quanto internacionais, influenciando na prevalência do fenômeno e o alcance dos
objetivos traçados há duas décadas como mostram os resultados da pesquisa realizada pelo
Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC), no seu relatório de 2016
intitulado “Implementação da Convenção dos Direitos da Criança em Moçambique: uma
Análise dos Progressos e Desafios 2010-2016” o qual destaca que “uma em cada duas
mulheres de 20 a 24 anos de idade casou antes dos 18 anos” (ROSC, 2016, p.49).
9. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A legislação e as consultas bibliográficas permitiram concluir que, a erradicação aos
casamentos prematuros em Moçambique através do setor de educação, especialmente pelo
Conselho de Escola, não tem sido a prioridade ou objetivo principal do estado moçambicano
na área de educação, visto que a legislação , política, a atual estratégia de combate aos
casamentos prematuros, não abordam, de forma específica e concreta, o envolvimento deste
setor, muito menos do Conselho de Escola no combate a tais casamentos.
O estado moçambicano promulgou e ratificou a legislação importante e, igualmente
aprovou políticas, programas, estratégias governamentais interessantes para proteger os
direitos da criança, especialmente para combater os casamentos prematuros. No entanto, a atual
Estratégia Nacional não estabelece as metas a alcançar anualmente e nem clarifica como os
setores envolvidos especialmente o setor de educação deve combater este mal. Igualmente, a
difusão e implementação dos instrumentos de combate é fragilizada, em virtude de ser
focalizada especialmente nos dias festivos ou nas datas comemorativas e geralmente pela
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iniciativa do Fórum da Sociedade Civil moçambicana para os direitos da criança, o fórum pelo
qual, a sua ação é notória, principalmente nas regiões urbanas do país em detrimento às zonas
rurais, onde o fenômeno ocorre com mais frequência. Daí que é importante a implementação de
legislação, políticas e demais programas relacionados à erradicação dos casamentos prematuros
em Moçambique, que se envolvam os conselhos de escola, se dê maior atenção às regiões rurais
em virtude de serem as mais populosas no país e os estudos recentes registrarem maiores casos
de abandonos escolar motivados pelos casamentos prematuros.
O estado moçambicano não especifica as ações do Conselho de escola, nas ações de
difusão da legislação, políticas, programas e estratégias governamentais relacionadas com o
combate aos casamentos prematuros. Contudo, os documentos que norteiam o Conselho de
Escola, enfatizam que este, é um órgão máximo de estabelecimento do ensino primário, o qual
deve garantir a retenção da criança, em particular da rapariga na escola até concluir os sete
anos da escolaridade obrigatória e gratuita em Moçambique.
Uma das vias para combater os casamentos prematuros no país é integrar os conteúdos
sobre as causas e consequências a curto, médio e longo prazo, dos casamentos prematuros, no
Manual de Apoio ao Conselho de Escola Primária e capacitar todos os membros do Conselho
de Escola em matéria de ações específicas de mobilização e sensibilização das raparigas em
risco desta prática nociva e seus respectivos pais ou responsáveis, lideres comunitários locais,
líderes de diversas igrejas, mesquitas e madrinhas dos ritos de iniciação. Para permitir que o
Conselho de Escola trabalhe sistematicamente e fortaleça o estado moçambicano e o Fórum
da Sociedade Civil para os direitos das crianças que têm vindo a envidar esforço nesta temática.
Os poucos estudos realizados por académicos, sociedade civil, inclusive os relatórios
da maior Organização Internacional que apoia as crianças vulneráveis, apresentam apenas as
percentagens, não deixando claro quantas crianças estão envolvidas nos casamentos
prematuros. Daí que é fundamental e urgente, o estado incentivar acadêmicos a desenvolver
mais pesquisas nesta temática com vistas a aprofundar as reais causas desta prática, apresentar
tais percentagens em número bruto com intuito de obter o número absoluto de crianças
casadas, descriminando em sexo e idade. Igualmente, esses estudos devem fazer análise das
políticas implementadas para identificar os possíveis fracassos e a reais causas que motivam o
seu fracasso.
Para o maior controle, todo o tipo de casamentos em Moçambique deveria,
primeiramente, ser realizado no notariado, na presença de autoridades locais e a família de
ambos nubentes devidamente credenciada pelas autoridades locais (secretários dos bairros), os
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quais deveriam exigir, para além da certidão narrativa completa de nascimento dos
contraentes, comprovantes da conclusão da escolaridade obrigatória e gratuita em
Moçambique (no mínimo o Certificado de Habilitações Literárias 7ª classe). Os infratores
envolvidos desta prática nociva, especialmente, à rapariga deviam merecer uma pena grave
como forma de desencorajar a outros a praticarem a mesma ação.
10. REFERÊNCIAS
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