o custo do passaporte para a globalização - inicio · altera o padrão rígido e padronizado...

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www.ts.ucr.ac.cr 1 O Custo do Passaporte para a Globalização Autoras: Elaine Rossetti Behring Ilma Doher Ivana Regina Gonçalves Bastos Esta comunicação busca aprofundar a compreensão das mudanças no mundo do trabalho que vêm se operando nas últimas décadas, tendo em vista compreender a condição da política social no capitalismo contemporâneo. Trata-se, na verdade, de um ponto de partida metodológico: a indissociabilidade entre o mundo da produção e reprodução sociais. Este ponto de partida é o que marca o conjunto de projetos do Programa de Estudos do Trabalho e da Reprodução Social (PETRES), da UERJ. Na linguagem da Escola da Regulação Francesa, trata-se de compreender as mudanças no regime de acumulação e seus impactos na esfera da regulação, neste caso, com um destaque especial para duas formas institucionais especialmente deslocadas e atingidas: a relação salarial e o Estado. Nesse sentido, vimos desenvolvendo uma pesquisa intitulada “A Reestruturação Produtiva, a Crise Fiscal e o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil”, cuja questão central é observar o impacto dessas transformações na perda de capacidade de regulação do Estado, especialmente com o aprofundamento da crise fiscal. Dentro disso, a hipótese é de que a política social é o setor mais dilacerado, mesmo, e talvez especialmente, no Brasil, onde nunca houve um padrão de proteção social de caráter universalista, pactuado com os trabalhadores - o Welfare State -, ainda que seu anúncio tenha sido feito na Constituição de 1988. 1 - Características do Capitalismo Contemporâneo Existem inúmeras diferenças teórico-metodológicas e políticas entre os analistas dos acontecimentos deste final de século. No entanto, é possível visualizar um consenso mínimo de que há um ambiente de profundas transformações, num trânsito para configurações originais no mundo da produção e da reprodução sociais. Porém, as interpretações são realmente diferenciadas. Alguns percebem esta abundância de sinais como “boas oportunidades”, como um natural processo de “modernização”. É desta forma que os fenômenos em curso aparecem nas revistas empresariais, na

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O Custo do Passaporte para a Globalização

Autoras: Elaine Rossetti Behring Ilma Doher

Ivana Regina Gonçalves Bastos

Esta comunicação busca aprofundar a compreensão das mudanças no mundo

do trabalho que vêm se operando nas últimas décadas, tendo em vista compreender a

condição da política social no capitalismo contemporâneo. Trata-se, na verdade, de um

ponto de partida metodológico: a indissociabilidade entre o mundo da produção e

reprodução sociais. Este ponto de partida é o que marca o conjunto de projetos do

Programa de Estudos do Trabalho e da Reprodução Social (PETRES), da UERJ. Na

linguagem da Escola da Regulação Francesa, trata-se de compreender as mudanças

no regime de acumulação e seus impactos na esfera da regulação, neste caso, com

um destaque especial para duas formas institucionais especialmente deslocadas e

atingidas: a relação salarial e o Estado.

Nesse sentido, vimos desenvolvendo uma pesquisa intitulada “A Reestruturação

Produtiva, a Crise Fiscal e o Financiamento das Políticas Sociais no Brasil”, cuja

questão central é observar o impacto dessas transformações na perda de capacidade

de regulação do Estado, especialmente com o aprofundamento da crise fiscal. Dentro

disso, a hipótese é de que a política social é o setor mais dilacerado, mesmo, e talvez

especialmente, no Brasil, onde nunca houve um padrão de proteção social de caráter

universalista, pactuado com os trabalhadores - o Welfare State -, ainda que seu

anúncio tenha sido feito na Constituição de 1988.

1 - Características do Capitalismo Contemporâneo

Existem inúmeras diferenças teórico-metodológicas e políticas entre os

analistas dos acontecimentos deste final de século. No entanto, é possível visualizar um

consenso mínimo de que há um ambiente de profundas transformações, num trânsito

para configurações originais no mundo da produção e da reprodução sociais. Porém,

as interpretações são realmente diferenciadas. Alguns percebem esta abundância de

sinais como “boas oportunidades”, como um natural processo de “modernização”. É

desta forma que os fenômenos em curso aparecem nas revistas empresariais, na

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mídia falada e escrita, e nas entrevistas de membros dos governos. O desemprego

estrutural é naturalizado e só resta a preparação dos indivíduos para a brutal

competição num mercado para poucos. Afinal, o mercado é sinônimo de equilíbrio, é

autoregulável e as disfunções são passageiras. O emprego perdido reaparecerá,

então, em outro setor.

Outros percebem processos de superação do trabalho como categoria

ontológica central e medida estruturante da história da sociedade, já que a tendência é

ao desemprego de muitos e ao tempo livre. Trata-se de um passo acelerado na

direção de uma sociedade pós-industrial, e o conceito de classe social se dilui. A

realidade é que existe neste raciocínio grande aposta numa hegemonia social-

democrata na condução desse processo de mudanças, rumo a um projeto social "para

além do socialismo" e do capitalismo. Entretanto, o fato é que a chamada

reestruturação produtiva vem descaracterizando e desorganizando a social-

democracia, e não o inverso (Antunes, 1995). Por outro lado, é um renovado

fetichismo considerar tais mudanças como sinais de uma nova ordem societária, ou de

uma superação do mundo das mercadorias.

Sem a pretensão de esgotar tais questões, procuraremos caracterizar estas

transformações, distanciando-nos das versões delineadas anteriormente. Trata-se de

uma reação burguesa à crise configurada pelas tendências sinalizadas por Mandel já

em fins da década de 60. Desde esse período, então, se afirmam algumas tendências

no contexto da crise global contemporânea (Netto, 1993). Tal crise expõe o fim dos

anos de crescimento do pós-guerra e a crise do welfare state, processos estes

amplificados pela crise no "socialismo real". Longe de serem conjunturais, são

tendências que promovem inflexões estruturais na produção/acumulação, com fortes

repercussões na esfera da regulação/reprodução.

Para Mandel(1990), a recessão de 1974/75 denota o esgotamento do boom do

pós-guerra e o início de uma onda longa recessiva. Para David Harvey(1993), assiste-

se à passagem de um padrão de acumulação e regulamentação fordista-keynesiano,

para um novo padrão - a acumulação flexível. Há grande consenso entre os

pesquisadores de que a crise de 74/75 demarca um momento de inflexão. Vale

observar os sinais que em grande abundância insistentemente perfilam um velho-novo

mundo do capital.

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Como resposta à queda das taxas de lucro na década de 70, os anos 80 são

marcados por uma ofensiva revolução tecnológica na produção, confirmando a

assertiva mandeliana da corrida tecnológica e do diferencial de produtividade do

trabalho como fonte dos superlucros, pela globalização da economia e pelo ajuste

neoliberal.

No mundo da produção e do trabalho generaliza-se o modelo japonês, o

ohnismo/toyotismo, fundado nas possibilidades abertas pela introdução de um novo

padrão tecnológico: a revolução microeletrônica. É a chamada produção flexível, que

altera o padrão rígido e padronizado fordista, da linha de montagem de base técnica

eletromecânica, com uma estrutura organizacional hierarquizada, da produção em

massa para um consumo de massa, este último viabilizado por meio dos acordos

coletivos de trabalho que definem certa distribuição dos ganhos de produtividade do

trabalho(Aglietta,1981). A nova base técnica é caracterizada hoje pela microeletrônica

digital, miniaturizada. A introdução dessa tecnologia na produção parte da intuição de

um engenheiro da Força Aérea dos EUA (1949), que vislumbra a possibilidade de

acoplar o computador à máquina ferramenta universal, introduzindo o controle

numérico, que é posteriormente computadorizado(anos 70). Dessa forma, cria-se a

possibilidade de automatizar a produção em pequena escala, quebrando ainda mais o

poder do trabalhador na operação das máquinas, ao lado de uma exigência de maior

qualificação - um trabalhador com maior capacidade de abstração.

Nessa "nova forma produtiva", forja-se uma articulação entre descentralização

produtiva e avanço tecnológico (a rede microeletrônica de informações). Há também

uma combinação entre trabalho extremamente qualificado e desqualificação.

Contrapondo-se à verticalização fordista, a produção flexível é

horizontalizada/descentralizada. Trata-se de terceirizar e subcontratar uma rede de

pequenas/médias empresas, muitas vezes com perfil semi-artesanal e familiar.

A produção é conduzida pela demanda e sustenta-se na existência do estoque

mínimo. O just in time e o kanban asseguram o controle de qualidade e o estoque.

Aqui um pequeno grupo de trabalhadores multifuncionais ou polivalentes opera uma

ilha de máquinas automatizadas, num processo de trabalho intensificado, que diminui

ainda mais a "porosidade" no trabalho e o desperdício. Diminui, também, a hierarquia

no chão de fábrica, já que o "grupo" assume o papel de controle e chefia. Acrescente-

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se a pressão patronal pelo sindicalismo por empresa - "sindicalismo de envolvimento"-

e a pressão do "desemprego para toda a vida ", e tem-se o caldo de cultura para a

adesão às novas regras (Coriat, 1994).

Como o toyotismo é baseado em tecnologias capital intensivas e poupadoras

de mão de obra, os efeitos sobre a força de trabalho têm sido devastadores,

caracterizando um processo de heterogeneização, fragmentação e

complexificação da classe trabalhadora ( Antunes, 1995; Mattoso, 1995).

Observa-se os fenômenos do aprofundamento do desemprego estrutural, da rápida

destruição e reconstrução de habilidades, da perda salarial e do retrocesso do poder

sindical.

Para Harvey, há uma radical reestruturação do mercado de trabalho, no sentido

de regimes e contratos de trabalho mais flexíveis e da redução do emprego regular em

favor do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado. Ele vê um grupo de

trabalhadores "centrais", que têm maior estabilidade, perspectivas de promoção e

reciclagem, bons salários diretos e indiretos, e se caracterizam por sua

adaptabilidade, flexibilidade e mobilidade. Na periferia, Harvey identifica outros dois

grandes grupos de trabalhadores. No primeiro, tem-se os empregados em tempo

integral com habilidades menos especializadas, que possuem alta taxa de rotatividade

e menos oportunidades que os trabalhadores centrais. No segundo, e este grupo é o

que mais tem crescido, tem-se os trabalhadores em tempo parcial, casuais, com

contrato por tempo determinado, e sem direitos assegurados: são os subcontratados.

Para Antunes, esta configuração do mercado de trabalho revela uma

processualidade contraditória que combina a desproletarização do trabalho industrial

fabril com uma subproletarização (com aumento do assalariamento). Daí advém a

idéia de uma sociedade dual. Impõe-se, então, simultaneamente, uma tendência à

qualificação e intelectualização dos trabalhadores centrais, de maneira paralela à

desespecialização e desqualificação do "subproletariado moderno".

Estes processos abalam fortemente as condições de vida e de trabalho da

classe-que-vive-para-o-trabalho, e vêm desencadeando mudanças nas formas de

sua organização política. Presencia-se a queda dos índices de sindicalização, bem

como a dificuldade de organizar o "subproletariado moderno". Há dificuldades em

tecer alianças entre os segmentos "centrais" e os precarizados e subcontratados (o

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que dizer dos definitivamente expulsos?), impondo-se tendências neocorporativas e

individualistas. Esses processos apontam para obstáculos na constituição de uma

consciência de classe para si, minando a solidariedade de classe, e enfraquecendo

a resistência à restruturação produtiva. Telles (1994) oferece elementos instigantes

para pensar a relação entre a reestruturação produtiva, a reprodução da pobreza e a

cidadania, chamando a atenção para a dificuldade de articulação dos sujeitos políticos

em função, também, da fratura de identidades promovida pela condição de

precariedade. A reestruturação produtiva, como sabemos, vem sendo conduzida em

combinação com o ajuste neoliberal, o qual implica na desregulamentação de direitos,

no corte dos gastos sociais, em deixar milhões de pessoas à sua própria sorte e

“mérito” individuais - elemento que também desconstrói as identidades, jogando os

indivíduos numa aleatória e violenta luta pela sobrevivência. Assinalamos, então, que o

caráter da organização do trabalho na revolução tecnológica em curso é desagregador

da solidariedade e regressivo.

No entanto, se há dificuldades e grandes desafios, a perplexidade que tomou

conta das direções políticas dos trabalhadores, sobretudo daquelas que tendem a

recusar soluções "neocorporativas" e de "envolvimento", começa lentamente a ceder

espaço à busca de alternativas. O movimento social começa a formular seus

kikenshiso - pensamentos perigosos, como caracteriza a burguesia japonesa (Joffily,

1993). Por exemplo, para Jane Slauter (1994), é um grande desafio para os sindicatos

aprender a funcionar na produção ajustada (lean production), ganhando poder coletivo

para restringir a flexibilidade arbitrária da direção, assegurando conquistas no acordo

coletivo ou alterando a cultura da fábrica, através da defesa de direitos no dia-a-dia.

Contudo, há experiências de resistência ao toyotismo, onde o movimento dos

trabalhadores procura transformar o grupo em terreno de luta, ao invés de gestor de

empresa. Esta foi, por exemplo, a direção assegurada no acordo coletivo da Mazda

americana em 1991. Lá os trabalhadores conquistaram a eleição dos coordenadores

dos grupos, o que se tornou reivindicação de todas as fábricas com just in time.

Conseguiram desafiar as normas de produção colocando representantes sindicais

para vigiar os padrões de produção, sendo que a empresa não pode intensificar o

ritmo da produção sem comunicá-los. A autora sugere outras frentes de resistência: o

combate aos empregos temporários a partir da constituição de grupos fixos; a

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definição clara nos acordos coletivos de direitos e procedimentos sem "flexibilidade";

e a independência sindical, não aceitando propostas de co-gestão.

Bernardo Joffily acrescenta a centralidade da luta pela redução da jornada de

trabalho e da perspectiva de conjunto a ser retomada pelo movimento sindical, para

sair da resistência e articular uma contra-ofensiva. Para ele, há que tornar transparente

o potencial libertário das novas tecnologias, mas, ao lado disso, denunciar seu

conteúdo regressivo como estratégia de reprodução ampliada do capital, cuja maior

expressão é o desemprego estrutural1.

Hoje, existem cerca de 36 milhões de desempregados apenas nos países de

capitalismo central, bem como a retomada da extração da mais-valia absoluta no setor

terceirizado, semi-artesanal e familiar. Aqui, Alain Lipietz (1988), numa análise da

introdução “capenga”do fordismo na periferia do mundo do capital, fala inclusive de

uma “taylorização sanguinária”, referindo-se à estratégia da acumulação dos

chamados “tigres asiáticos” com sua combinação perversa entre estagnação do poder

aquisitivo, extensão da jornada de trabalho e patriarcado, num contexto de reserva

inesgotável de força de trabalho, em sua maioria feminina e disponível para as

indústrias têxtil e eletrônica.

Jorge Mattoso realiza uma síntese importante, quando aponta que a

reestruturação produtiva em curso encerra uma antinomia entre seguridade e

insegurança, na passagem para esse novo regime de acumulação, que é

acompanhado por um novo modo de regulamentação. Dentro disso, a insegurança se

manifesta em algumas formas: insegurança no mercado de trabalho, com a não

priorização do pleno emprego como objetivo de governo, a destruição de empregos

em plena expansão econômica, sobretudo no setor industrial, a ampliação da

desigualdade entre os desempregados em função da redução dos benefícios sociais;

insegurança no emprego, que implica a redução da estabilidade e subcontratação

(formas atípicas ou contingenciais de emprego, diga-se, precárias); insegurança na

renda, através da flexibilização dos salários, da diluição da relação entre salário e

produtividade, da queda nos gastos sociais e fiscais das empresas, da deterioração

da distribuição de renda, e, por fim, do crescimento da pobreza; insegurança na

1Além da redução da jornada de trabalho várias propostas vêm sendo feitas, tendo em vista a construção de um novo pacto social. Para um contato com essas propostas, consultar Aznar,1994 e Rifkin, 1995.

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contratação do trabalho, pela expansão do dualismo no mercado de trabalho e pelo

risco da explosão jurídica do contrato coletivo de trabalho; insegurança na

representação do trabalho, com a redução dos níveis de sindicalização.

As metamorfoses do mundo do trabalho são acompanhadas pelo processo de

globalização da economia. Trata-se, conforme Husson (1994), da formação de um

mercado unificado com campanhas mundializadas, bem como da configuração de

uma base planetária de concepção, produção e distribuição de produtos e serviços,

inclusive com uma redefinição das especialidades no mercado mundial. A

globalização vem se revelando um processo contraditório, desigual e assimétrico. Tal

processo vem sendo intensificado pela revolução tecnológica, sobretudo com a

horizontalização das empresas e sua ligação pela rede de informática; e pelo

neoliberalismo, cuja essência é o afastamento dos obstáculos à circulação do fluxo de

mercadorias e dinheiro. No entanto, ela está longe de promover uma homogeneização

do espaço econômico, reafirmando a idéia de um desenvolvimento desigual e

combinado do capitalismo, cuja maior expressão é a recente crise do mercado

financeiro globalizado, que atinge diferenciadamente os países, segundo as

características de sua inserção no mercado mundial.

Para Husson, já existem fortes repercussões da globalização no papel do

Estado. Percebe-se a dissolução da unidade constitutiva do Estado e do capital

nacionais. Os Estados nacionais têm dificuldades em desenvolver políticas industriais,

restringindo-se a tornar mais atrativos às inversões estrangeiras os territórios

nacionais. Os Estados locais convertem-se em ponto de apoio das empresas. O

modelo de ajuste proposto pelo Banco Mundial e o FMI, sobretudo para o Terceiro

Mundo, reforça a perda de substância dos Estados nacionais, que, ao reorientarem a

parte mais competitiva da economia para a exportação(o que implica para alguns

países um largo processo de desindustrialização e a volta a certas “vocações

naturais”); conterem o mercado interno; e bloquearem o crescimento dos salários e

dos direitos sociais, encontram dificuldades de desempenhar suas funções de

regulação econômico-sociais internas.

Para este autor, há, com a globalização, uma tendência à diminuição do

controle democrático, com a configuração de um Estado forte e enxuto que despreza

o tipo de consenso social dos anos de crescimento, com claras tendências

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antidemocráticas. Na América Latina vimos assistindo a práticas políticas

extremamente nefastas do ponto de vista da democracia, que vão desde a

fujimorização até o autoritarismo de Fernando Henrique Cardoso no Brasil, através das

medidas provisórias e do clientelismo com o Congresso Nacional, governos estaduais

e municipais. A mesma prática tem realizado o governo Menen, na Argentina, gerando

uma reação exemplar dos trabalhadores, com o “apagón” e a greve geral (outubro de

1996).

Harvey relaciona a globalização a uma tendência geral do período da

acumulação flexível, que ele caracteriza como compressão do espaço-tempo. Se o

tempo de rotação do capital na produção e no consumo é decisivo para a

lucratividade, como salienta Mandel, a acumulação flexível é precisamente a criação de

condições para isso, o que gera uma aceleração de conjunto de todos os processos

de vida social - do cotidiano ao sistema bancário, com sua diluição do tempo nos

"mercados de futuros".

Chama atenção, ainda, um outro aspecto em todo esse processo. Para além da

perda de substância do Estado engendrada pela globalização, observa-se que àquela

perda soma-se um outro elemento: a crise fiscal do Estado. Da virada para a onda

longa com tonalidade depressiva a partir de 1973, decorre uma inflexão no gasto

público. É o fim dos anos de ouro do keynesianismo e da combinação entre

capitalismo e social-democracia. Segundo a OCDE, no período de 1960/82, a receita

média dos países membros sobre o PIB aumentou de 26% em 1960 para 42% em

1982. Enquanto isso, o gasto médio sobre o PIB aumentou de 20% em 1960 para 47%

em 1982. Assim, vai-se de um superávit em 60 a um déficit em 82. O momento da

inflexão é justamente o ano de 1973, quando reverte o ciclo econômico (OCDE, 1985).

Ocorre que, dentre os aspectos da intervenção estatal que fazem parte de seu

papel como capitalista total ideal (Mandel, 1982), foram ampliadas as fronteiras da

proteção social, seja por pressão dos excluídos do pacto welfareano pela

universalização dos gastos sem contrapartida, seja dos incluídos no mesmo pacto com

correções de benefícios maiores que a inflação. Ao lado disso, já havia resistência à

ampliação da carga tributária. No contexto da reversão do ciclo econômico, a renda

nacional cai ao mesmo tempo que a carga tributária efetiva (o que é diferente da carga

tributária potencial), enquanto aumenta o gasto em função das estratégias keynesianas

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de contenção do ciclo depressivo (déficit público). Outro aspecto aqui é a tendência de

crescimento da renúncia fiscal, que, para Dain (1996), consiste na explicação primeira

da crise fiscal. Se fosse computada a carga tributária potencial (que inclui a renúncia),

a questão do déficit, na opinião desta autora, estaria minimizada. Para David Heald

(1983), trata-se de uma redistribuição às avessas, que tende a se ampliar na crise,

constituindo um welfare state invisível, o qual beneficia o empresariado.

Contudo, para além do impacto da renúncia fiscal crescente no contexto da

crise, a reestruturação produtiva tem fortes implicações para a carga tributária.

A pulverização da grande indústria e o crescimento do mundo da informalidade

desencadeiam a perda do "power of enforcement" do Estado e a baixa na

arrecadação, já que o controle fiscal de pequenas empresas e do trabalho informal

encontram grandes dificuldades de operacionalização. Dain também chama a atenção

para o fato de que a regulação keynesiana se preparou para um contexto de

desemprego conjuntural, diante do qual é admissível o déficit público para estimular a

demanda efetiva. Entretanto, a revolução tecnológica infirma a hipótese keynesiana

como estratégia de largo prazo, haja vista o desemprego estrutural, a tendência à

horizontalização das empresas e a globalização.

Num contexto em que há pressão pelo o aumento do gasto vis-a-vis com a

pressão para uma queda da receita, a disputa pelos fundos públicos intensifica-se. É

nesse contexto que, sob o argumento da escassez de recursos, de conter o déficit

público, ou mesmo, como no caso do Brasil hoje, de evitar a volta da inflação,

preconiza-se o corte dos gastos estatais, para o "equilíbrio das contas públicas", como

indicador de saúde econômica. Então, a política social - elemento significativo do

pacto welfareano, mas "patinho feio" dessa estratégia - entra neste cenário como

paternalismo, como geradora de desequilíbrio, como algo que deve ser acessado via

mercado, e não como direito social. Daí as tendências de desresponsabilização e

desfinanciamento da proteção social pelo Estado, o que, aos poucos (já que há

resistências e sujeitos políticos nesse processo), vai configurando um Estado mínimo

para os trabalhadores e um Estado máximo para o capital (Netto,1993). Este último

não prescinde de seu pressuposto geral, que lhe assegura as condições de produção

e reprodução. Hoje, cumprir com esse papel é facilitar o fluxo global de mercadorias e

dinheiro, através da desregulamentação de direitos sociais, de garantias fiscais ao

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capital, da "vista grossa" para a fuga fiscal, da política de privatização

(supercapitalização), dentre inúmeras possibilidades que pragmaticamente viabilizem

a realização dos superlucros e da acumulação.

Este é o caráter do ajuste estrutural proposto pelos organismos

internacionais,como forma através da qual as economias nacionais devem adaptar-se

às novas condições da economia mundial. Como bem apontam Grassi, Hintze e

Neufeld (1994), estes mesmos organismos já admitem hoje o custo social e político

(governabilidade) do ajuste, tanto que passaram a ter preocupações em relação ao

flagrante crescimento da pobreza e decadência de indicadores sociais nos países que

vem aplicando o receituário econômico do Banco Mundial e do FMI. Este interessante

estudo das autoras argentinas mostra os discursos de consultores e dirigentes dessas

agências, desnudando o caráter meramente compensatório da intervenção social

presente em suas proposições. O estudo identifica ainda as divergências entre os

vários organismos das Nações Unidas quanto à questão das estratégias de

enfrentamento da pobreza. Porém, fundamentalmente, o ajuste tem passado pela

desregulamentação dos mercados, pela redução do déficit fiscal e/ou do gasto

público, por uma clara política de privatização, pela capitalização da dívida e um maior

espaço para o capital internacional, inclusive como condição para empréstimos. Para

a política social, a grande orientação é a focalização das ações, com estímulo a fundos

sociais de emergência.

2 -O Passaporte Brasileiro para o Admirável Mundo do Capital

Depois de dez ajustes fiscais e sete máxi ou mididesvalorizações da moeda;

uns de caráter mais ortodoxo, outros mais heterodoxos, mas todos sem resultados

duradouros (Tavares e Fiori, 1993), a partir de 1994, o país entrou no Plano Real.

Capitaneado pelo então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, evidente

candidato à Presidência da República, o Plano Real promoveu, poucos meses antes

da eleição, uma verdadeira chantagem eleitoral: ou votava-se no candidato do Plano,

ou estava em risco a estabilidade da moeda, promovendo-se a volta da inflação, a

ciranda financeira, e a escalada dos preços. Os brasileiros, traumatizados com uma

inflação de 50% ao mês (junho de 1994) e esgotados com a incapacidade de planejar

sua vida cotidiana, votaram na moeda e na promessa de que, com a estabilidade,

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viriam o crescimento e dias melhores. Trata-se de uma variável político-econômica

importante: a necessidade de esperança (Gonçalves,1996). O plano real, de fato,

colocou a inflação sob controle. A inflação brasileira tem ficado em menos de 1,0% ao

mês em 1997/98, com variações pouco relevantes. No entanto, a ênfase exclusiva na

moeda e a política de juros altos (previstos em 14,4% ao mês, em 1998) para

assegurar a presença do capital volátil - o que nos torna reféns deste - vem gerando

uma queda do investimento que, combinada à reestruturação produtiva, está levando a

um aumento assustador do desemprego. A política de altas taxas de juros, por

exemplo, favorece a queda do investimento produtivo, com grande deslocamento de

capitais para a especulação financeira. Além disso, favorece também o endividamento

de empresas, muitas das quais vêm fechando suas portas por não conseguirem pagar

os empréstimos assumidos, em especial as pequenas e médias empresas que hoje

se responsabilizam por cerca de 41% dos empregos (SEBRAE, 1997).

A política abrupta de abertura comercial acirra a competitividade e pressiona a

indústria nacional para a “modernização”, direcionando-a para o mercado externo,

numa economia com características de fechamento. Aqui assistimos à introdução de

tecnologias poupadoras de mão de obra e à precarização do trabalho. Por outro lado,

a Reforma do Estado em curso também é geradora de desemprego, através de

mecanismos como os Programas de Demissão Voluntária e a instituição das

Organizações Sociais.

As conseqüências do ajuste neoliberal para a política social são enormes, não

só porque o aumento do desemprego leva ao empobrecimento e ao aumento

generalizado da demanda por serviços sociais públicos. Mas porque corta-se gastos,

flexibiliza-se direitos e se propõe implícita ou explicitamente a privatização dos

serviços, promovendo uma verdadeira antinomia entre política econômica e política

social ou, como dizem Lessa, Salm, Tavares e Dain, transformando a política social

num “nicho incômodo”.

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Um dos discursos da equipe econômica de FHC é de que a Ordem Social

consagrada em 1988 é perdulária/paternalista e amplia o déficit público. Na verdade,

sabe-se que o crescimento do déficit está relacionado à dívida interna adquirida para

para cobrir déficits seguidos da balança comercial - fruto da abertura precipitada e

irresponsável da economia. A dívida cresce em ritmo acelerado em função das altas

taxas de juros mantidas para atrair o capital financeiro. Ou seja, é um círculo vicioso

gerado pela própria política econômica e não pela política social.

Na verdade, o ataque à seguridade social passa pela política de abertura

econômica, no que diz respeito a baixar o “custo Brasil”2 - diga-se, baixar o custo de

uma mão de obra que é das mais baratas do mundo - em termos de salários

indiretos/direitos sociais, para que unidades produtivas transnacionais se instalem no

país. Um outro aspecto é a maneira de compensar o setor exportador nacional dos

prejuízos da abertura comercial: dar isenção de ICMS e das contribuições sociais para

estes segmentos. Esta política tem feito baixar a receita da União, Estados e

Municípios, com ampla contaminação dos recursos da política social.

Se deixamos de lado os mecanismos de renúncia fiscal, ainda teremos o

contingenciamento de recursos da política social ou seu desvio explícito, como é o

caso da transferência de 20% do Orçamento da Seguridade Social para o antigo

Fundo Social de Emergência, que se tornou Fundo de Estabilização Fiscal. Na

verdade, hoje é difícil falar de um Orçamento da Seguridade, já que o que se pode

observar é uma forte especialização das fontes, em detrimento de um orçamento

global, segundo o conceito constitucional. A política, portanto, é cortar, de variadas

formas, recursos da área social, nestes tempos de crise fiscal e de intensa disputa

pelo fundo público. O governo brasileiro soma-se ao “pensamento único” difundido em

nível internacional.

Essa postura é confirmada pelos dados.Vejamos as recentes análises do

Tribunal de Contas da União, extraídos do Relatório sobre a Prestação de Contas do

Governo Federal de 1995 (DOU, 26 de junho de 1996). Estes dados mostram o

descaso para com o acirramento da questão social no Brasil, e corroboram a hipótese

2João Sabóia (1990) faz um estudo sobre o fordismo “capenga” introduzido no Brasil, em especial no período do chamado milagre brasileiro, demonstrando o quanto os ganhos de produtividade foram precariamente repartidos, ou seja, que à produção em massa não seguiu um amplo consumo de massa, e que a mão de obra no Brasil,

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de que há uma verdadeira sabotagem da Constituição através do corte de recursos.

No Brasil real, em 1995 o investimento no programa de alimentação caiu 6,0%; em

educação e apoio ao ensino fundamental, caiu 19,95%; em infra-estrutura e

saneamento básico, decresceu 21,86%; nos programas de geração de renda e

emprego, caiu em 40,95%; e, na assistência social e defesa dos direitos da criança e

do adolescente, os recursos reduziram-se em 82,93%. Nos programas de

desenvolvimento urbano, houve um decréscimo de recursos de cerca de 46,47%,

enquanto no desenvolvimento rural , a queda foi de 67,64%.

A situação não foi muito diferente em 1996. Houve redução de recursos da

ordem de 51,86% em saúde e saneamento, em relação à 1995; houve queda de

42,48% na assistência e previdência; caiu também o investimento em educação e

cultura, em 12,55%. O relator Paulo Affonso Martins de Oliveira aponta que o PROER -

um programa de apoio às instituições bancárias - recebeu mais recursos que a saúde,

e que o Banco Central se recusou a revelar o custo fiscal deste programa. Aponta

ainda que o governo federal não foi explícito quanto à destinação dos recursos

oriundos dos processos de privatização das estatais.

Para onde se destina o orçamento da união? Para Sulamis Dain, chamando

atenção para dados de 1995, “só os juros da dívida pública previstos no orçamento

de 1996 são superiores a todos os gastos do Ministério da Saúde” (1996: 51). Estes

números mostram o grau de desrespeito com que vem sendo tratada a área social no

Brasil, e sobretudo as necessidades mais elementares da maioria da população

brasileira, que não tem condições de acessar a satisfação de suas necessidades pela

via do mercado, tão desmonetarizada que está, com um salário mínimo que mal cobre

a cesta básica alimentar. O relator do TCU é claro na sua avaliação: “Todas essas

substanciais reduções na liberação de recursos para programas considerados

essenciais e eleitos pelo próprio Governo Federal para combater a fome e a pobreza

no País demonstram que, de fato, em 1995, a política social não foi prioridade”. É

bom que se diga, ainda, que a totalidade destas áreas prioritárias (sic!) executou uma

percentagem menor do que o que estava autorizado e previsto na Lei Orçamentária

Anual de 1995. É verdade, também, que no primeiro ano de governo, o Executivo está

portanto teve um baixo custo direto, e, acrescento, também indireto, já que temos um pobre padrão de proteção

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submetido à Lei Orçamentária aprovada no exercício anterior. Porém, além de o

governo FHC ser de continuidade, observa-se que o quadro não mudou nem 1996 nem

até os dias de hoje, confirmando, na verdade uma orientação político econômica.

A leitura dos relatórios de 1995 e de 1996 - análises cuidadosas das contas

públicas que foram aprovadas com ressalvas e várias recomendações - revela

também o quanto o Estado brasileiro é privatizado, clientelista e patrimonialista, ou

seja, mostra aspectos de nossa cultura política, bem como o quanto os preceitos

constitucionais de 1988 em matéria orçamentária vem sendo sistematicamente

desrespeitados. Nos Relatórios aparece um outro indicador interessante e revelador

do projeto político econômico em curso: a única área em que houve um bom

desempenho da relação entre o que foi planejado na revisão do Plano Plurianual pós

impeachment e o que realmente aconteceu foi a de modernização da produção, como

um efeito da redução de custos (renúncia fiscal? perda de direitos sociais? arrocho

salarial estimulado pelo e dentro do próprio setor público?) e melhoria dos

procedimentos operacionais das empresas, diga-se, reestruturação produtiva. Nos

demais setores estratégicos, o desempenho foi fraco, sobretudo naquele denominado

como Equalização de Oportunidades e Crescimento Econômico com Distribuição de

Renda. Essa análise leva à conclusão de que o governo brasileiro está

extremamente afinado com o coro do neoliberalismo, desencadeando um ajustamento

passivo e a qualquer custo, numa forte sintonia com as orientações das agências

supranacionais.

3 - O Cenário Regional: Alguns Exemplos

A entrada definitiva do Rio de Janeiro na guerra fiscal, elemento que faz

parte dessa versão contemporânea da “abertura dos portos para as nações amigas”

para atrair investimentos para o Estado, se deu tardiamente, pois só em junho de 94

este criou seu programa de incentivos, o que surtiu um efeito imediato: 17 empresas

instaladas, geração de 3.700 empregos, com um investimento de US$600 milhões em

sete meses. Esta tendência se repetiu durante todo o ano de 95, com um grande

número de empresas se instalando no Estado, atrás dos incentivos oferecidos. Aliás,

social.

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ao que parece, grande parte da política governamental no ano de 1995 esteve voltada

para este objetivo, atrair empresas e seus investimentos. E como, além dos incentivos

fiscais, o governo estadual também teria que oferecer infra-estrutura para competir

com os outros estados, ele também direcionou suas ações para isso.

Todo esse esforço parece ter surtido efeito, já que o Rio fechou o ano de 95 em

alta, com a indústria fluminense liderando o ranking nacional de produção e com o

Estado tendo uma participação de 12,56% do PIB brasileiro, resultados esses que se

dão devido ao fato de que no fim daquele ano, 70 empresas estavam injetando no

Estado um total de R$ 1,8 bilhão em investimentos. O que todo esse crescimento, todo

esse investimento trouxe de retorno à população do Rio (além, é claro, dos reduzidos

empregos que foram gerados, que não compensam os que foram extintos) em formas

de políticas públicas, não é possível precisar, mas alguns exemplos são visíveis: o não

investimento na despoluição da Baía de Guanabara, a situação dos hospitais

estaduais, a greve dos professores da rede estadual, dentre outros. Alguns exemplos

são significativos da antinomia entre política econômica e política social e explicam a

ausência de recursos para as prioridades que nunca são prioritárias.

2.1- Industrialização e Incentivos Fiscais em Queimados

Queimados é um município relativamente novo, que se emancipou de Nova

Iguaçú em 21 de dezembro de 1990. Localizado na Região Metropolitana do Rio de

Janeiro, possui uma área de aproximadamente 75KM, onde vivem cerca de 109 mil

pessoas (segundo dados do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro 95/96). Este

município chamou atenção quando, ao fazer um levantamento em jornais do ano de

1995, apareceu ocupando o 3 º lugar em crescimento econômico do Estado, no

ranking da Firjan (Federação de Industrias do Rio de Janeiro) daquele ano, apesar de

ser um município tão pequeno.

Vimos, então, que Queimados possui um Distrito Industrial que dispõe de uma

boa infra-estrutura - com grandes áreas para a instalação das empresas e que conta

com energia elétrica (luz e força com estação própria), gás natural (canalizado da

CEG) água, comunicação, etc.. Queimados tem ainda uma localização privilegiada,

pois está no centro de um triângulo formado pelas três capitais mais importantes do

país, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, o que facilita tanto o recebimento de

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insumos quanto o escoamento da produção para praticamente todo país. Tudo isso foi

exaustivamente oferecido ao público empresarial. Entretanto, seu maior trunfo e

atrativo está na Lei Municipal de Incentivos Fiscais n.º110/94, que concede a isenção

de todos os tributos municipais pelo prazo de 10 anos e redução da alíquota do ISS

para as empresas que lá se instalarem.

Com isso Queimados conseguiu atrair um número grande de empresas - 12 só

no Distrito Industrial -, das quais destaca-se a Pepsi. Em busca das vantagens

oferecidas pelo município, essas empresas levaram um total de R$ 95 milhões em

investimentos para Queimados, no ano de 1995. Ora, se o município oferece 10 anos

de isenção de todos os seus tributos para as empresas que nele se instalarem, ficam

nulos quaisquer retornos financeiros a curto ou médios prazos, já que a ida dessas

empresas para o município não altera em nada a sua arrecadação durante 10 anos.

Quanto a tão propalada geração de empregos, ficam dúvidas de sua

concretude, uma vez que as empresas de grande porte como as multinacionais (que

são as mais disputadas pelos estados e municípios) usam tecnologia

reconhecidamente poupadora de mão-de-obra e exigem um trabalhador mais

especializado, que muitas vezes não está disponível no município tendo que vir de

outras localidades. Com o que a Lei 110/94 vem ainda colaborar ao fazer como

exigência às empresas que se beneficiarão com ela, que seu quadro de funcionários

venha a contar com o mínimo de (apenas!) 30 funcionários.

Diante disto fica difícil compreender a razão por que o governo de um município

se esforça tanto para atrair investimentos de empresas que pouco irão beneficiar à

população, e direciona todas as suas ações neste sentido, dando-lhe prioridade total.

Talvez seja em função das obras que têm que ser feitas para poder oferecer infra-

estrutura às empresas e que acabam por beneficiar toda a população, ou talvez, quem

sabe, seja pelo status de estar entre os primeiros no ranking da Firjan. Porém,

provavelmente seja apenas um reflexo da atual condução das ações governamentais

do Estado brasileiro, onde o econômico é priorizado em detrimento do social,

obedecendo às exigências desta fase do capitalismo.

Tudo isso, só torna ainda mais questionáveis os argumentos usados, sobre a

geração de empregos, para justificar os incentivos, já que num mundo globalizado

temos que ser flexíveis para podermos acompanhar o movimento e nos mantermos no

mercado mundial. E este preconiza que seja feito um ajuste fiscal do Estado, que por

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sua vez, muitas vezes, toma como uma das medidas para a manutenção da

estabilidade econômica a aplicação de altos juros o que leva a uma tendência de

redução da produção, levando ao desemprego. Em Queimados , por exemplo, a Pepsi

e a Kaiser demitiram juntas 283 funcionários só no início deste ano.

2.2- Resende e o efeito Volkswagen

A notícia da implantação de uma fábrica da Volkswagen, com investimento

calculado em U$ 300 milhões, deixou os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo

em polvorosa. Ambos se interessaram na possibilidade de aumento do Produto Interno

Bruto (PIB) do estado e na geração de novos postos de emprego. Para tal, se

dispuseram a uma considerável disputa pela sua instalação nos respectivos municípios

de Resende e São Carlos. Como num leilão, ambos os estados ofereciam vantagens,

que aumentavam de acordo com as ofertas do estado concorrente. Quando São Paulo

ofereceu um porto privado, na Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) da Baixada

Santista, o Rio ofereceu dois portos exclusivos; sendo um no Rio e outro em Niterói. Na

mesma lógica o valor das isenções fiscais crescia,. até que o Município de Resende,

no Rio de Janeiro, foi escolhido pela empresa com uma proposta que previa a isenção

fiscal de 75% de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por

cinco anos, baixando gradativamente até 40% no último ano e ainda isenção total dos

impostos municipais por quinze anos. No entanto, o vice-presidente mundial da

empresa, declarou que a escolha ocorreu por questões técnicas; como a infra-

estrutura, localização e a disponibilidade de recursos, minimizando o peso dos

incentivos fiscais.

O município de Resende situa-se no Sul Fluminense do Estado do Rio de

Janeiro, às margens do rio Paraíba do Sul. São 170 Km que o separam da cidade do

Rio de Janeiro e 261 Km da cidade de São Paulo. Possui uma área de 1.155 km2,

com população estimada em 130 mil habitantes.

O anúncio da instalação da fábrica em Resende, causou grande expectativa na

cidade. A principal foi a mudança para lá, de milhares de pessoas que acreditaram na

anunciada possibilidade de empregos. No período anterior a inauguração da fábrica,

chegavam por dia uma base de duas famílias do interior paulista e do Nordeste.

Previa-se a geração de dois mil empregos diretos e vinte mil indiretos (!) .Uma média

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de 400 pequenas e microempresas abriram na ocasião. Foi neste clima de

expectativas que em novembro de 1996, a fábrica de caminhões e ônibus da

Volkswagen foi inaugurada. Mas já em 1997, nos deparamos com o número real e total

de empregos equivalente a 1.500 observando 8.000 desempregados no município,

além do fechamento de quase metade destas empresas abertas no período da

inauguração.

A fábrica de 70.000 metros quadrados, possui um sistema revolucionário na

indústria automobilística mundial. Já na década de 80, as montadoras vinham

modificando suas formas de produção, mas nenhuma ousou como a Volks, que

apostou radicalmente na montagem dos veículos pelos fornecedores. Neste sentido, a

empresa lida diretamente com oito grandes fornecedores terceirizados, que montam

integralmente os caminhões. Dos 1.500 funcionários apenas 12% são da Volks.

Dentro da própria fábrica, empregados da Iochpe – Maxion colocam os chassis,

enquanto os da Rock – Well, montam os eixos, freios e a suspensão. No final, atuam

os pintores da Eisenmann. Com isto, a Volkswagem prioriza as atividades de

Logística e de Garantia do Processo de Qualidade, se distanciando da montagem dos

veículos. Ao invés da Volks negociar com centenas de fornecedores, se restringe a

atuar com estes oito grandes fornecedores/montadores, o que possibilita maior

flexibilidade ao trabalho, que torna-se capaz de imprimir mudanças mais rapidamente,

sem interrupção na produção. Com esse sistema, o tempo de montagem dos

caminhões, fica decrescido em 10% e os custos se reduzem entre 15% e 20%, numa

capacidade que chega a produzir um veículo a cada 10 minutos, o que corresponde a

30 mil por ano. Desta forma, podemos dizer que a fábrica vem cumprindo à risca seus

objetivos. Conseguindo aumentar e flexibilizar a produção, reduzindo seu tempo e seus

custos. Para tal, contou com a contratação da mão-de-obra terceirizada, que em geral,

não tem sindicatos, não tem direitos e tem remuneração menor.

Já o Estado e o município não conseguiram (se é que pretenderam!) assegurar

a geração de empregos prevista. E o pior, com a grandeza dos valores da isenção

fiscal por um período tão longo, (a Secretaria de Planejamento estimou cerca de R$

372 milhões!!!) ficam impossibilitados de investimentos na área de políticas sociais

públicas, ou seja, na resposta às necessidades básicas da população; como

alimentação, saúde, educação e moradia. Esta situação é um exemplo concreto da

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direção política de nosso governo. Se pôr um lado, ele dá insumos para reprodução do

Capital, por outro, não garante as condições mínimas de sobrevivência da classe

trabalhadora.

2.3- CSN Privatizada e Competitiva: Volta Redonda em Pedaços A Companhia Siderúrgica Nacional foi fundada em abril de 1941 e iniciou suas

operações em outubro de 1946, configurando um marco da industrialização brasileira,

impulsionada pela intervenção do Estado, nos tempos de Getúlio Vargas. Ao seu redor

construiu-se a cidade de Volta Redonda, cujo destino vinculou-se sempre aos

acontecimentos ligados à empresa. Em 1993, sob o argumento de combater o déficit

público e de que o Estado deveria se retirar de alguns setores já que não tinha

condições de torná-los competitivos, a CSN foi privatizada. Nessa ocasião a CSN

gerava cerca de 24 mil empregos diretos e indiretos (nas empreiteiras).

Com a privatização, a empresa desencadeou um ofensivo programa de

diminuição de custos, através da modernização de seqüências inteiras do processo

produtivo, com a introdução de novas tecnologias e novas estratégias organizacionais.

Assim, a CSN chegou a 1997 com um salto na produção de aço líquido, com o

certificado de qualidade ISO 9001, dentro da filosofia administrativa do TQC - Total

Quality Control, com um aumento no volume de negócios e da rentabilidade do capital

(um aumento de 58,3% do lucro bruto entre jan/set de 1996 e jan/set/1997), e com os

tributos federais em dia - incluindo as Contribuições Sociais para a seguridade.

Em que pese seu vínculo com a fundação da cidade, a CSN, uma empresa de

grande rentabilidade, obteve isenção do pagamento do principal tributo municipal, o

IPTU, durante cinco anos. O processo de privatização e de preparação para a

competitividade no mundo globalizado reduziu o número de funcionários de 24 mil para

cerca de 10.800 mil (1998), ou seja, menos da metade. A cidade, constituída em torno

da usina, vem sofrendo um impacto para o qual não foi preparada, e para o qual a

empresa não ofereceu contrapartida: desemprego, aumento da violência, falta de

perspectivas para a juventude, aumento dos problemas de saúde. A CSN também

ganhou, em 1998, o diploma de uma das maiores poluidoras do Estado, gerando

problemas ambientais que prejudicam a qualidade de vida da população. A nova

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direção da CSN manifesta preocupações com isso, mas as iniciativas têm sido

insuficientes.

Breve Conclusão

A partir do exposto, procuramos demonstrar o caráter do ajuste brasileiro. Não

há escassez de recursos, mas falta de vontade política para realizar uma política fiscal

verdadeiramente redistributiva, rompendo pactos historicamente consolidados, e

contrapondo-se às tendências de barbárie engendradas pelas mudanças em curso

nos mundos do trabalho e da regulação. Assim, configura-se no Rio de Janeiro e no

Brasil um Estado máximo para o capital e um Estado mínimo para os trabalhadores.

Por outro lado, também quero demonstrar que os incentivos fiscais/renúncia - uma

marca central da política econômica em andamento - não são acompanhados de uma

política de empregos. Por outro lado, as privatizações não foram capazes de

assegurar/criar empregos e diminuir o déficit público, como fica exposto pelo índice

recente do déficit -cerca de 8% do PIB.

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