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O CONCEITO DE ENTRE-LUGARES E SUAS RESSONÂNCIAS PARA PENSAR O
CURRÍCULO NA PERSPECTIVA DA DIFERENÇA.
Camila Claíde Oliveira de Souza – UFPA/PPGED1
Orientadora: Gilcilene Dias da Costa
FIANDO O TECIDO INVESTIGATIVO DA PESQUISA
O propósito inicial do texto consiste em analisar o conceito de entre-lugares no campo
dos Estudos Culturais em Educação em articulação com a Teorização Pós-Crítica de
Currículo, de modo a pensar o currículo na perspectiva da diferença. A escolha do tema tem
em vista perceber a trajetória que o assunto diferença vem traçando nos estudos de pós-
críticos de currículo com suas múltiplas possibilidades de criar, recriar, imaginar ou até
mesmo explorar o currículo na perspectiva da diferença.
Os caminhos desta investigação serão construídos no campo teórico dos Estudos
Culturais com autores como Stuart Hall (1999), Homi Bhabha (2013); Teorização Pós-crítica
do currículo, com Tomaz Tadeu da Silva (1995; 1996; 2006; 2007); Veiga Neto(2003),
Gilcilene Costa (2000, 2003, 2013), Backes e Pavan (2011), Marlucy Paraiso (2005), que
tecem discussões relevantes sobre a diferença.
A pesquisa se caracteriza com um estudo bibliográfico de caráter descritivo,
interpretativo, a partir de estudos filosóficos da diferença no campo curricular para a
educação, percorrendo seus caminhos e rastros por meio de leituras e compreensões, a fim de
que haja uma apropriação das discussões de alguns autores sobre conceitos relevantes para o
tema proposto para este estudo, favorecendo o entendimento do “entre-lugares” da diferença
na teorização do campo curricular em educação, contribuindo para um maior aprofundamento
do tema.
1 Mestranda 2014 da UFPA, bolsista CAPES; integrantee do grupo de pesquisa PHILIA. Orientanda da Profª.
Drª. Gilcilene Dias da Costa -UFPA
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A preocupação central nesta pesquisa é com os entre-lugares da diferença no campo
curricular, na perspectiva de valorizar aspectos qualitativos do objeto de investigação. A
pesquisa será realizada por meio de um estudo bibliográfico com um conjunto de autores que
perpassam pelo campo das teorizações curriculares e os estudos culturais na perspectiva pós-
crítica. Com análise interpretativa das obras e dos conceitos que acercam o objeto da
pesquisa. E consistirá em uma abordagem de pesquisa do tipo qualitativa2, por compreender-
se que o tema a ser estudado relaciona-se com fenômenos altamente complexos, em especial
em programas de pós-graduação.
Sabendo da importância da pesquisa qualitativa optou-se por utilizar orientações
metodológicas de Ludke e André (1998), que buscam mostrar como a pesquisa qualitativa
pode ser um instrumento de contato direto com o objeto de estudo e seus sujeitos, o que
garante uma maior precisão quanto à fidelidade aos dados diretamente vivenciados.
Para Costa (2013, p. 1-2), “o procedimento da pesquisa consistirá em seguir as pistas
deixadas por autores que bebem nas teorizações pós-crítica, numa tentativa de ensaiar a
construção de tópicos de formulação de pesquisa por meio dos quais seja possível avistar as
próprias concepções da diferença, a elaboração de um problema de pesquisa, com o diálogo
com intercessores, a construção do método, as perspectivas de análise e estilos de escrita
inspiradores de um modo singular de pesquisar mediante a criação de problema”.
Perscrutar os entre-lugares da diferença nas trilhas dos Estudos Culturais nos levará a
descobrir um pouco mais sobre os processos de (in)visibilização da diferença no campo
curricular, considerando a importância do conceito de entre-lugares para pensar o currículo na
perspectiva do “descentramento, desconstrução, agressão do pensamento metafísico ocidental,
efetivados pelos Estudos Culturais” (SOUZA, 2007, p.2). Levando em consideração a
expressão utilizada por autores que bebem em fontes no campo cultural, ressalta-se que o
conceito de entre-lugares constitui um importante operador de “leitura, que se costumou
chamar de Estudos Culturais, dialogando com noções e conceitos pertinentes à sua formação
discursiva” (SOUZA, 2007, p.1).
2 A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu
principal instrumento. [...] supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que
está sendo investigada, via de regras através do trabalho intensivo de campo. (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.11).
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Sobre o termo, e dialogando com Souza (2007, p.2), pensamos com base em uma
visão teórica e historiográfica dos Estudos Culturais, não como área de conhecimento
fechada, hierarquizada e com princípios fixos, mas como um campo aberto às continuidades,
às descontinuidades, à concentração e à dispersão. Esse grande jogo interpretativo instiga a
mergulhar nesse campo de estudo vislumbrando uma melhor compreensão e ampliação
temática.
Foucault (2005, p. 42-43) propõe que:
Tal análise não tentaria isolar, para descrever sua estrutura interna, pequenas ilhas de
coerência; não se disporia a suspeitar e trazer à luz os conflitos latentes; mas
estudaria formas de repartição. Ou ainda, em lugar de reconstituir cadeias de
inferência, em lugar de estabelecer quadros de diferenças [...], descreveria sistemas
de dispersão.
Conforme Souza (2007, p.2), a dispersão ajuda a compreender a ideia de entre-lugares
não como fixidez, mas como possibilidade estratégica que permite a ativação de temas
incompatíveis, ou ainda a introdução de um mesmo tema em conjuntos, situações diferentes.
Souza (2007, p.5) sugere o que vem a ser esse termo entre-lugares tão americanizado, mas
que dá pistas para pensá-lo na contemporaneidade como:
Deslocar, descentrar, desconstruir poderia sugerir, respectivamente: tirar ou mudar
um lugar (ou de lugar), ser contrário a um determinado centro e a uma determinada
construção. O pensamento, entretanto, é mais sutil: dar visibilidade, reforçar as
idéias de lugar, centro e construção, para Foucault e Derrida é mais interessante do
que simplesmente negá-las, mesmo porque algo só pode ser contrariado ou atacado
se visto, e bem visto.
BREVE INCURSÃO NOS ENTRE-LUGARES DOS ESTUDOS CULTURAIS
Corroborando tal perspectiva, faz-se imprescindível o estudo do conceito de “entre-
lugares” uma vez que se mostra “teoricamente inovador e politicamente crucial e a
necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de
focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças
culturais” (BHABHA, 2013, p.20).
As diferenças culturais estão presentes remotamente nas sociedades humanas como
um componente constitutivo, mas como campo de discussão fecundo elas se estabelecem na
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contemporaneidade, de forma talvez mais acentuada nos Estudos Culturais que ao
interfacerem o tema da diferença aos saberes culturais, impulsionam a problematização do
conceito de entre-lugares, incidindo nos modos de problematizar/pensar o currículo na
perspectiva da diferença. O que leva a pensar, a partir de Bhabha (2013, p. 20), os entre-
lugares como um, “[...] terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular ou
coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e
contestação, no ato de definir a própria ideia de sociedade”.
Apoiado na perspectiva Pós-crítica do currículo, o texto enfatiza a reinvenção de um
currículo como uma das possibilidades de respostas à multiplicidade de quereres e questões
que fazem dos “entre-lugares” da diferença no currículo um campo de investigação. É preciso
pensar a noção de entre-lugares da diferença no texto curricular como um processo de
significação e ressignificação do próprio currículo, como ou abertura ao novo, ao
desconhecido.
Sobre essa (re)significação pós-moderna, Bhabha (2013) diz que a
[...] ampla condição pós-moderna reside na consciência de que os "limites"
epistemológicos daquelas ideias etnocêntricas são também as fronteiras
enunciativas de uma gama de outras vozes e histórias dissonantes, até dissidentes -
mulheres, colonizados, grupos minoritários, as portadores de sexualidades
policiadas.
Os estudos referentes a esta pesquisa estão situados em uma perspectiva “pós” (pós-
estruturalista, pós-crítica), em que se pretende criá-los, recriá-los no campo da educação, em
articulação com o campo de investigação sobre pesquisa pós-críticas de currículo no Brasil e
fortalecimento dos estudos na região Norte.
Uma das formas de incursionar os entre-lugares da diferença no campo curricular
consiste em considerar que o estudo da diferença tem uma importância valiosa para a
educação e para a sociedade, sobretudo para a produção do conhecimento em uma abordagem
investigativa pós-crítica, relativamente recente na Pós-Graduação em Educação na região
Norte. Aprofundar essa temática instiga a ousar nesta abordagem em educação, como uma
“borboleta batendo asas” e voando pelo universo gigantesco do campo curricular.
Preocupada com os “entre-lugares” da diferença e suas ressonâncias no campo
curricular, essa escolha investigativa tem uma aproximação com a linha de pesquisa
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Educação: Currículo, Epistemologia e História. Mas inquietações que contribuíram para a
decisão desse tema e problema foram adquiridas por uma curiosidade científica que tomou
corpo no Trabalho de Conclusão de Curso, na disciplina de Teorias do Currículo, e pela
escassez da discussão da Diferença na graduação em Pedagogia na Universidade do Estado do
Pará- UEPA3.
Do encontro com a da Diferença na graduação, foi surgindo um envolvimento maior
com o estudo da perspectiva pós-crítica, que contribuiu consideravelmente com o perfil que
vem sendo criado em torno da formação acadêmica na pós-graduação, crescendo um desejo
de investigação dos entre-lugares da diferença no campo curricular permeado pelos Estudos
Culturais e Teorização Pós-Crítica em educação, temática construída em parceria com a
professora-orientadora do estudo. Em função desses desejos, e pela pouca discussão sentida
na academia a respeito do estudo “pós” (pós-moderno, pós-estruturalista, pós-crítica), o
presente texto visa um aprofundamento do conceito de entre-lugares da diferença no campo
curricular, e ultrapassa os interesses individuais dessa questão, uma vez que se soma aos
esforços de pesquisas pós-críticas em educação enquanto busca por outros olhares da
Diferença e o tensionamento dos saberes historicamente instituídos no campo curricular.
No processo de definição desse tema, fizemos um breve levantamento das
Dissertações de Mestrado defendidos no PPGED/ICED/UFPA no período de 2003 a 2013. A
escolha desse período levou em consideração a recomendação do Programa de Pós-graduação
do ICED/UFPA pela CAPES, que segundo Corrêa (2009), foi no ano de 2003. Neste interim,
foram encontrados 04 (quatro) dissertações defendidas no PPGED, que até a conclusão dessa
pesquisa pode aumentar com o número de dissertações defendidas.
A escolha dessas leituras se deu pela temática metodológica das dissertações que
indicam como título o estudo da diferença, provocando inquietações e questionamentos nesta
pesquisa. Com a leitura das introduções das dissertações, foi possível notar que a temática da
diferença, mesmo estando explícita no título, não adentra nos estudos dos entre-lugares da
diferença no currículo.
Nesse sentido, é indicada uma sensibilidade indispensável ao pesquisador para
conhecer novas interlocuções e caminhar com uma nova força, formular outras perguntas,
3 No TCC defendido em 2009 nessa Universidade descreve uma pesquisa que aanalisou a discussão dos
conceitos de Identidade e Diferença no Curso de Pedagogia da UEPA.
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novas respostas, aventurar-se a novas relações para perceber que perspectivas estão sendo
perpetuadas de forma heterogênea sobre esse novo pensar, enfim que os argumentos tecidos
no texto não sejam propriamente para definir conceitos da diferença. Ou seja, o objetivo é
analisar o conceito de entre-lugares, desenvolvido por autores dos chamados Estudos
Culturais em articulação às Teorizações Pós-críticas de currículo, e suas ressonâncias para
problematizar/pensar o currículo na perspectiva da diferença.
Segundo Costa (2013, p.8), no campo da pesquisa em educação, “o pensamento da
diferença nos chega pelas vias dos estudos do currículo e nos interpõem difíceis desafios:
imprimir um duplo exercício ao pensar da crítica mediante as ‘imagens dogmáticas do
pensamento’ que imobilizam o acontecimento e a singularidade dos fenômenos”.
As questões que ora nos instigam são: O que se entende por entre-lugares da diferença
no campo curricular? Que entre-lugares a diferença ocupa nos jogos de poder-saber que
configuram seu processo de (in)visibilização no campo curricular? Por meio de quais
desdobramentos ou ressonâncias é possível pensar um currículo na perspectiva da diferença?
A possibilidade de descortinar a temática da Diferença na forma como nos propomos
nesse estudo, constitui uma oportunidade de ressignificar conceitos e saberes, chamando a
atenção para um assunto que se interpõe a nós no cotidiano social e escolar com a maior
relevância, mas devido a diversos fatores históricos e discursivos restou selado com o lacre da
invisibilidade e da insignificância face ao predomínio do conceito de Identidade.
Tatear as trilhas dos entre-lugares da diferença no currículo no campo dos Estudos
Culturais, de forma ampla é importante para a pesquisa visto que proporciona um momento de
problematização no contexto da pós-modernidade, possibilitando novas compreensões,
pautadas na perspectiva pós-crítica. Segundo Silva (2005), “as teorizações pós-críticas se
caracterizam como um conjunto das perspectivas teóricas, que mantêm o impulso teórico das
teorias críticas, no entanto, realizam uma releitura e questionam alguns de seus pressupostos,
tais como: ideologia, poder, emancipação e libertação, destacando-se a aversão à noção
realista e essencialista de verdade, baseada nas ideias de Foucault (2000), quando afirma que
não existe uma verdade única, mas sim, regimes de verdade”.
Na contramão dos pressupostos críticos, Silva (1996) ressalta que não obstante as
críticas e as tensões que perpassam as diversas abordagens, estas conduzem facilmente a
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propostas educacionais alternativas que postulam um currículo centrado nas variadas
tradições culturais dos estudantes ou uma pedagogia que leve a sério a cultura cotidiana.
(SILVA, 1996, p.140).
Levando isso em consideração, essa pesquisa pretende analisar o conceito de entre-
lugares no campo dos Estudos Culturais, estabelecendo conexões com a perspectiva de um
currículo pós-crítico; e discutir possíveis desdobramentos ou ressonâncias do conceito de
entre-lugares para pensar/problematizar o currículo na perspectiva da diferença.
O conceito de entre-lugares (e não propriamente “lugares”) configura aqui um
elemento intersticial onde se movimentam as diferenças (de raça, etnia, sexualidade. Gênero,
para exemplificar algumas) no campo curricular, em meio aos jogos de poder-saber e seus
movimentos de negação e afirmação, (in)visibilidade e silenciamentos.
Nesse sentido, é indicado como indispensável que se tenha uma sensibilidade e
consciência que o estudo da diferença tem no currículo pós-crítico, sobretudo as bases
metodológicas pós-críticas como o traçado investigativo desenhado nessa pesquisa. Para
Dagmar Meyer e Marlucy Paraíso (2014), nas pesquisas pós-críticas o termo metodologia é
tomado de modo bem mais livre que do que o sentido pós-moderno atribuído ao “método”.
A metodologia é entendida como um certo modo de perguntar, de interrogar, de
formular questões e de construir problemas de pesquisa que são articulados a um conjunto de
procedimentos de coleta de informações que, em congruência com a própria teorização,
preferencialmente se chama de ‘produção’ de informações e de estratégias de descrição e
análise. [...] Compreende-se o método como uma certa forma de interrogação e um conjunto
de estratégias analíticas de descrição. No dizer de Veiga Neto (2003, p. 20), em “Foucault e a
Educação”, o método nas pesquisas pós-críticas está bem mais próximo ao sentido que lhe
dava a escolástica medieval: algo como um conjunto de procedimentos de investigação e
análise quase prazerosas, sem maior preocupação com regras”. (MEYER e PARAÍSO, 2014,
p.16).
O estudo da diferença, por se tratar de um campo de estudo bastante diversificado em
seus matizes teóricos-metodológicos, toma por base alguns exemplos ao estilo dessas
teorizações curriculares, na discussão da diferença, reiterando a ideia de que “o texto não visa
apontar soluções ou caminhos teórico-metodológicos que orientam as práticas de pesquisa em
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educação, e sim realçar a ideia de que a forma de expressão desse estilo arrasta o seu
conteúdo, criando condições de possibilidades do novo campo da pesquisa”. (COSTA, 2013,
p. 1-2).
Com lentes emprestadas de Silva (1996), os argumentos favoráveis à diferença no
campo crítico esclarecem que o conceito de diferença visto por outro ângulo, implica a
rejeição de categorizações, de oposições binárias, como libertação/repressão, que supõe a
auto-identidade do sujeito, implica a recusa de um processo educacional voltado a deixar
florescer essa essência (da “mesmidade”) ou desenvolvê-la.
Os argumentos aqui situados na perspectiva da diferença destacam que, “no
pensamento da diferença, a identidade é retomada pelo viés crítico do tratamento da
diferença” (COSTA, 2002). A autora ressalta que em diversos estudos críticos a diferença
existe em relação ao conceito de identidade como “falta”, “carência”, no entanto, na
perspectiva pós-crítica a diferença não é vista nem como “falta” ou “carência”, nem como
“totalidade” que serve para nomear pessoas, grupos, culturas de forma homogênea e unitária.
Para os novos olhares do pensamento da diferença no campo das teorizações curriculares pós-
críticas, a diferença tem relações com a identidade porque,
embora tendamos sempre a classificar como “diferente” aquilo que é exterior a nós,
nossa própria constituição também é composta pelo outro que, ao mesmo tempo, é
interno e externo a nós. No entanto, esse [nosso] outro muitas vezes nos causa
estranheza e perplexidade diante da ‘norma’, e, então fazemos questão de ocultá-lo,
reprimi-lo sob o risco de vivermos “marcados” pela sombra da “diferença”.
(COSTA, 2002, p. 42).
O estudo da Diferença para Costa (2002, p. 44) demonstra que “atualmente as
discussões e polêmicas em torno da diferença estão muito mais evidenciadas em diversos
campos de estudo e acredita-se que uma das coisas a fazer é ousar esbarrar nos limites e
fronteiras desse terreno, movidos pelo sonho de inventar e produzir outras escritas” abertas à
perspectiva de pensar “uma política e uma poética da diferença” que ultrapasse os cânones do
conhecimento e as fronteiras da benevolência social por meio da “subversão de certas práticas
historicamente naturalizadas no cotidiano de nossas atividades sociais, educativas, culturais,
profissionais”.
Diante disto, consideramos que o currículo é marcado pelas diversidades e diferenças,
pois a diferença está presente em todos os aspectos da vida acima relacionados, uma vez que é
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parte constitutiva da cultura. Para aprofundar essa discussão, adentraremos na abordagem da
Diferença no campo de investigação dos Estudos Culturais em articulação com a Teorização
Pós-crítica de currículo.
A NOÇÃO DE DIFERENÇA NOS ESTUDOS “PÓS” EM EDUCAÇÃO
Os debates tecidos sobre a problemática da Diferença de forma autônoma vêm
ganhando uma maior proporção em fóruns, seminários, grupos de pesquisa e apontam que não
se trata de uma questão simples. Em verdade, a perspectiva pós-crítica em educação, recebe
influências da chamada “virada linguística, e ou ontológica”, da “filosofia da diferença” que
desde algum período obteve espaço em debates e pesquisas, em especial na pós-graduação
stricto sensu, com a influência do pós-modernismo, do pós-estruturalismo, da teoria Queer,
em especial nesta pesquisa, dos Estudos Culturais.
O estudo da diferença fortalece um limiar na pesquisa através do conhecimento e da
linguagem que são vistos como representações e reflexos da realidade e se fundamentam num
modelo racionalista e humanista do sujeito e da consciência. Silva (1996) chama de
movimento pós-modernista a denominada “virada linguística”, a qual coloca em xeque essa
concepção que constitui o núcleo mesmo de nossas noções de educação e currículo. Por outro
lado, a “virada linguística” descentra o sujeito soberano, autônomo, racional, unitário, sobre
o qual se baseia nossa compreensão convencional do conhecimento e da linguagem, e
naturalmente da educação e do currículo.
Com isso, os caminhos dessa pesquisa são construídos primeiro com relação ao
campo curricular, pois essa relação que aproxima poder e significação é bastante estreita. Para
Silva (2006, p.24), o poder é interno às práticas de significação constitutivas do currículo. Sua
presença é tão forte que dela não podemos nos livrar, não é possível separar as relações de
poder das práticas de significação.
O currículo é território. […] é uma relação de poder. […] é trajetória, percurso. O
currículo é autobiográfico, a nossa vida, o currículo vitae: no currículo forja-se a
nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. […] é documento de
identidade. (SILVA, 1999, p.155).
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Dessa maneira, as relações de poder estão diretamente ligadas às questões culturais. Para
Foucault (apud SILVA, 2000, p. 91), “o poder é concebido como descentralizado, horizontal e
difuso”, no qual o ser humano tem poder de escolher e de firmar sua identidade. A cultura tem
poder de penetrar, ou seja, a “centralidade cultural” indica a forma como a cultura penetra em cada
recanto da vida social contemporânea nos ambientes escolares.
A cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos
sociais, situados em posição diferenciada de poder, lutam pela imposição de seus
significados à sociedade, mais ampla. A cultura é, nessa concepção, um campo
contestado de significação. O que está centralmente envolvido nesse jogo é a
definição da identidade cultural e social dos diferentes grupos. (SILVA, 1999,
p.134).
Constituído culturalmente o tempo e envolve contradições que abrangem os
elementos culturais, dos quais o sujeito se aproxima e que contribuirão para a construção da
sua própria identidade, incluem as formas pelas quais cada indivíduo é representado por
outros indivíduos, apagando fronteiras, transgredido proibições e tabus identitários. Isso
implica em uma visão do próprio sujeito e dos outros sujeitos sobre ele, visões essas que têm
consequência sobre a constituição da identidade desse sujeito. De outro modo, isso implica
levar em consideração os fatores de como o “eu” se vê e como os outros4 o veem na
constituição da identidade e que de alguma forma interfere no processo de aprendizagem e
vida sociocultural.
Para Hall (2000), todo o mundo é identificado culturalmente, portanto as identidades
sociais devem ser pensadas como algo construído no interior de representações, através da
cultura, não fora delas. O autor comenta as dificuldades em manter a tradicional distinção
entre (interior / exterior), entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém. Se a cultura
está em todas as partes, onde começa e termina? Certamente não seria onde ela começa e
termina, mas sua presença estaria na construção do currículo, sobretudo no que diz respeito ao
estudo e análise dos elementos culturais problemáticos que adentram o campo curricular.
Num mundo social e cultural cada vez mais complexo, no qual a característica mais
saliente é a incerteza e a instabilidade; num mundo atravessado pelo conflito e pelo
confronto; num mundo em que as questões da diferença e da identidade se tornam tão
centrais, é de se esperar que a ideia central dos estudos culturais possa encontrar um
espaço importante no campo das perspectivas sobre currículo. (SILVA, 1999, p.137).
4 O outro não é alguém ser julgado, mas alguém que deve ser confrontado no mesmo nível de ‘validade’.
(SILVA, 2000, p. 150).
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Nas interpretações de Moreira e Silva (1995), o currículo não é puro, implica
intencionalidades e abarca relações de poder que se efetivam no âmbito educacional. Esse
caráter intencional faz do currículo uma ação que não se limita apenas à organização do
conhecimento escolar, mas a imprimir no conhecimento a função de produtor de identidades
individuais e sociais no interior das instituições educacionais. Assim, o currículo está
relacionado tanto ao conhecimento, como também constitui uma forma institucionalizada de
transmissão cultural.
O campo curricular possui uma multiplicidade de aspectos o que implica uma
diversidade de diferentes questões. Tratar desse olhar da diferença é fundamental para uma
compreensão profunda no campo educacional e proporciona um grande avanço quando se
trata da diferença no campo das teorizações curriculares.
A diferença não tinha um aspecto central nas teorias tradicionais e nas teorias
críticas no campo do currículo, então, esta pesquisa almeja analisar o conceito de entre-
lugares no campo dos Estudos Culturais a partir de suas ressonâncias para pensar o
currículo na perspectiva da diferença.
De início, a pesquisa aborda pelo menos duas formas de pensar essa questão na pós-
modernidade. A que entende que a discussão sobre a diferença não pode ser apartada da
discussão sobre a identidade, pois há uma espécie de interdependência entre os conceitos de
diferença e de identidade; e a que compreende que a diferença independe da identidade para
afirmar seus modos de ser.
Dada a existência de concepções divergentes que percorrem os matizes teóricos da
diferença, o texto recorre a Backes e Pavan (2011), posto que existe o que eles chamam de
“epistemologia da DIFERENÇA/identidade” e “epistemologia da diferença pura”. Essas
epistemologias consistem em duas formas diversas de conceber a diferença e suas relações
com o currículo.
A primeira versão compreende que as identidades e as diferenças são
interdependentes, mas não no sentido da verticalidade, e sim de maneira “híbrida,
contingencial”, afinal, Backes e Pavan (2011, p.468) afirmam a diferença propositalmente,
como “um recurso utilizado para enfatizarmos que o que está em jogo é a diferença, e não
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mais a identidade, mas que, assim como um conjunto de autores [...] não conseguimos
compreender a diferença sem remetê-la à identidade”.
A segunda refere-se à forma de pensar a diferença, a qual parece compreender ser
desnecessário ligar a discussão da diferença a da identidade. Com base em Backes e Pavan
(2011) é possível observar que “a diferença pura-deleuzianamente” não se fundamenta em
processos de comparação. Então, pensar o currículo nesses termos implica deixar de lado uma
preocupação com a questão da identidade, e pensar apenas no “devir e na pluralidade”.
PARA CONTINUAR FIANDO O PESQUISAR...
Esta pesquisa busca esboçar os estudos em construção no trabalho dissertativo do
Curso de Mestrado em Educação (PPGED/ICED/UFPA), visando descortinar os entre-
lugares e suas ressonâncias para pensar o currículo na perspectiva da diferença, aproximando
dos Estudos Culturais e das Teorizações Pós-críticas de currículo em educação, apresentando
uma análise preliminar da diferença nesse campo intersticial de construção e reconstrução de
saberes.
Se as discussões propostas nesse texto se firmarem relevantes ou importantes na sua
proposta de construção, talvez de alguma forma seja possível contribuir para um novo olhar
sobre a diferença no currículo, de forma a renascer sua prática, desafiando as teorizações
curriculares historicamente hegemônicas. Por ora, cabe então, tecer algumas pistas sobre essa
pesquisa em torno da qual circulam temas como entre-lugares, identidade, diferença e suas
ressonâncias no campo curricular.
O estudo da diferença e suas ressonâncias no currículo ganham destaque neste trabalho
por despertar um desejo em descobrir e redescobrir o mundo, conhecendo esse campo de
estudo de forma prazerosa e dinâmica por meio da criação, do uso do discurso, linguagens
impulsionadoras, uma forma de aprendizagem que respeita as diferenças dos sujeitos e que
perpassa pelo campo das teorizações pós-críticas em educação.
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