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o COMPÊNDIO HISTÓRICO DO ESTADO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (HISTORICAL SUMMARY OF THE STATE OF COIMBRA UNIVERSITY) RESUMO Com este trabalho, pretendo analisar o Com- pêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, elaborado por uma Comissão, designada por D. José I e divulgado, em Lisboa, em 1771, como um primeiro texto a teoria Jusnaturalista (defendida por Samuel Puffendorf e Thamaseo), é oficializada com doutrina nacional. O "Compêndio" e os novos "Estatutos ", publicados no ano seguinte, serviram de base à reestruturação do ensino, conteúdos e méto- dos naquela Universidade setecentista. Palavras-chave: Duminismo,jusnaturalismo, regalismo, educação,cultura, história da educação, escola. ABSTRACT With this paper, I want to analyse the Compên- dio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra, written by a Especial Group, namedfor D. Joseph I, and publiced, in the city of Lisboa, at 1771, as a first text wrich the Jusnaturist theorian is introduced in Portugal as a national doctrine. The "Compêndio" and the "Estatutos", publiced at 1772, were basic instruments for the reestruturation of leamig, contents and methods in that University. Key- Words: Iluminis, Jusnaturism, regalismo, Educaation, Culture, History of Education, School. Para fazer uma análise mais precisa da situa- ção portuguesa, durante o reinado de D. José I (1750- 1777), necessitamos conhecer a problemática econômica e social deste período, tão conturbado pela crise do ouro do Brasil. A gravidade de tal crise veri- fica-se pela influência que ela teve em todo o proces- FRANCISCO ADEGILDO FÉRRER * so econômico de então por ter provocado baixa em vários produtos, com especial incidência no comér- cio do açúcar, nos anos de 1749 a 1776, e ter afetado a mineração, em Minas Gerais, o comércio de dia- mantes e o mercado de escravos nos anos de 1760 a 1780. A completar este processo de decadência eco- nômica, provocada pela crise do ouro. Há, ainda, a se considerar a diminuição das importações da Inglater- ra de 1 200000 libras, em média, no decênio de 1750 a 1760 para 600000, entre 1766 a 1775. A navegação no porto de Lisboa também caiu, partir de 1763; che- gando a estar em quinto lugar na ordem de número de navios entrados no porto. Todo esse processo, inserido na baixa das pro- duções brasileiras tradicionais, na diminuição dos lu- cros das grandes companhias d Grão Pará e Maranhão, que quase reduzidos a zero; e muitas outras circuns- tâncias agravantes, patentearam uma crise que se pro- jetou na diminuição dos rendimentos dos Estado com um agravamento conseqüente da situação deste, nos anos de 1768 a 1771. Os reflexos desta crise foram catastróficos na economia interna, tanto no plano econômico como social e fizeram-se sentir na administração e na pró- pria Corte, apesar dos esforços de Pombal, Ministro dos Negócios do Reino, para limitar a diminuição do rendimento dos impostos. A situação refletiu-se nos rendimentos do Estado, pois que a dificuldade nos pagamentos internacionais e a crise comercial e de produção dominaram a segunda e terceira fases da governação pombalina. O Marquês de Pombal, imbuído do espírito de renovação do século XVIII, enfrentou a situação com decisão e procurou limitar o alcance da crise, criando novos privilégios e protegendo os grupos sociais que considerava de importância capital para o país, que eram os grandes mercadores, o funcionalismo e a no- breza cortesã, ao mesmo tempo que criava responsã- z ProL do Departamento de História da Universidade Estadual do Ceará. E JE. FOR ALEZA • ANO 21 •V I NQ 39 p. 170-177 2000

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o COMPÊNDIO HISTÓRICO DO ESTADO DA UNIVERSIDADE DECOIMBRA(HISTORICAL SUMMARY OF THE STATE OF COIMBRA UNIVERSITY)

RESUMO

Com este trabalho, pretendo analisar o Com-pêndio Histórico do Estado da Universidade deCoimbra, elaborado por uma Comissão, designadapor D. José I e divulgado, em Lisboa, em 1771, comoum primeiro texto a teoria Jusnaturalista (defendidapor Samuel Puffendorf e Thamaseo), é oficializadacom doutrina nacional. O "Compêndio" e os novos"Estatutos ", publicados no ano seguinte, serviram debase à reestruturação do ensino, conteúdos e méto-dos naquela Universidade setecentista.

Palavras-chave: Duminismo,jusnaturalismo, regalismo,educação,cultura, história da educação, escola.

ABSTRACT

With this paper, I want to analyse the Compên-dio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra,written by a Especial Group, namedfor D. Joseph I,and publiced, in the city of Lisboa, at 1771, as a firsttext wrich the Jusnaturist theorian is introduced inPortugal as a national doctrine. The "Compêndio"and the "Estatutos", publiced at 1772, were basicinstruments for the reestruturation of leamig, contentsand methods in that University.

Key- Words: Iluminis, Jusnaturism, regalismo,Educaation, Culture, History of Education, School.

Para fazer uma análise mais precisa da situa-ção portuguesa, durante o reinado de D. José I (1750-1777), necessitamos conhecer a problemáticaeconômica e social deste período, tão conturbado pelacrise do ouro do Brasil. A gravidade de tal crise veri-fica-se pela influência que ela teve em todo o proces-

FRANCISCO ADEGILDO FÉRRER *

so econômico de então por ter provocado baixa emvários produtos, com especial incidência no comér-cio do açúcar, nos anos de 1749 a 1776, e ter afetadoa mineração, em Minas Gerais, o comércio de dia-mantes e o mercado de escravos nos anos de 1760 a1780. A completar este processo de decadência eco-nômica, provocada pela crise do ouro. Há, ainda, a seconsiderar a diminuição das importações da Inglater-ra de 1 200000 libras, em média, no decênio de 1750a 1760 para 600000, entre 1766 a 1775. A navegaçãono porto de Lisboa também caiu, partir de 1763; che-gando a estar em quinto lugar na ordem de número denavios entrados no porto.

Todo esse processo, inserido na baixa das pro-duções brasileiras tradicionais, na diminuição dos lu-cros das grandes companhias d Grão Pará e Maranhão,que quase reduzidos a zero; e muitas outras circuns-tâncias agravantes, patentearam uma crise que se pro-jetou na diminuição dos rendimentos dos Estado comum agravamento conseqüente da situação deste, nosanos de 1768 a 1771.

Os reflexos desta crise foram catastróficos naeconomia interna, tanto no plano econômico comosocial e fizeram-se sentir na administração e na pró-pria Corte, apesar dos esforços de Pombal, Ministrodos Negócios do Reino, para limitar a diminuição dorendimento dos impostos. A situação refletiu-se nosrendimentos do Estado, pois que a dificuldade nospagamentos internacionais e a crise comercial e deprodução dominaram a segunda e terceira fases dagovernação pombalina.

O Marquês de Pombal, imbuído do espírito derenovação do século XVIII, enfrentou a situação comdecisão e procurou limitar o alcance da crise, criandonovos privilégios e protegendo os grupos sociais queconsiderava de importância capital para o país, queeram os grandes mercadores, o funcionalismo e a no-breza cortesã, ao mesmo tempo que criava responsã-

z ProL do Departamento de História da Universidade Estadual do Ceará.

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veis, sobretudo de natureza política. No plano social,destacam-se as campanhas contra os Jesuítas, procu-rando tomá-Ios os grandes responsáveis pelos maleshavidos.

É, pois, neste contexto sócio-econômico quevamos assistir a uma reforma educativa que visa atin-gir objetivos previamente definidos.

Ao ler a obra de Luís Antônio Verney, perce-be-se a plena adesão aos princípios definidos porLocke, tendo em conta a valorização dos três únicossetores do conhecimento, por ele determinados - Fí-sica, Moral e Lógica - dentro dos âmbitos e orienta-ções pré-estabelecidos. Ressalta aos nossos olhos asistemática

exigência aos dirigentes de responsabilida-des culturais e éticas a norma essencial datolerância à atividade religiosa, a reformamédica e sobretudo jurídica num sentido mo-derno e prático, tudo isso se relaciona inti-mamente, num sistema filosófico - culturalorganizado, ao serviço de que se coloca opedagogist. I

Em Portugal, o absolutismo esclarecido varioudurante o chama período pombalino, nem sequernasceu feito. Foi fruto de lutas internas, serviu-se deidéias nascidas noutros pontos da Europa, criou a suaprópria identidade e evoluiu de acordo com o proces-so histórico, daquele momento.

O modelo de sociedade, que o pombalismo pre-tendia, vinha em processo, como a legislação e as ini-ciativas governamentais demonstram, desde o iníciodo reinado de DJosé I, atingindo o seu clímax pelosfins da década de 1760, com a emergência econômicade uma burguesia relativamente poderosa no litoralportuguês, com o colbertismo industrial e com as re-formas estruturais de conteúdo agrário? .

A sociedade eclesiástica dá lugar à civil e o di-reito natural se impõe, em detrimento do direito divi-no que até então imperava.

Numa primeira fase desta época, a doutrinaçãopolítica faz-se com base num discurso teológico ejuscanônico, histórico e juridicista, enquanto, numa se-gunda fase, já marcadamente absolutista, ganha visibili-dade o discurso jusnaturalista, indispensável ao processosocioeconômico vigente,de raiz mercantilista e fisiocrática

O jusnaturismo apareceu, em Portugal, em épo-ca, anterior a Pombal, mas até ao reinado de D. José I,

não teve representatividade. Com Antônio Ribeirodos Santos, a influência jusnaturalista torna-se maisnotória, mas, ainda, não domina o pensamento luso.Samuel Pudenfort é citado, sem exercer a influênciaque se possa considerar significativa.

O primeiro texto de forte influência dojusnaturalismo (puffendorfiano e thomaseniano), comcaracteres claros de doutrina oficial, é o CompêndioHistórico do Estado da Universidade de Coimbra,publicado em 1771. Os compendiaristas demonstramaceitar, pois, seguem princípios, enunciados porPudenfort, Barbevrac e Wolff, ao aceitarem a existên-cia de uma íntima ligação entre a moral e o direitoque devem a caminhar lado a lado, por considerar odireito natural como uma parte da Ética.

E, assim, repelem a filosofia moral aristotélicae procuram provar que os Jesuítas fizeram "estragos"na aprendizagem e na inteligência do direito. O direi-to natural é, para os autores do Compêndio Históri-co, a base sólida do Estado absolutista que defendem:

oprofessor terá, ainda, de mostrar o que in-dividualiza o direito natural, em face de ou-tras disciplinas afins. Distinguirá o direitonatural, em si mesmo, do direito público uni-versal, e do direito das gentes, expondo deseguida o conteúdo de cada um destes e, comespecial relevância, o direito natural políticoe a sua concordância com o absolutismo=

Tendo em vista a época que estamos a analisar,o ambiente histórico em que se vivia e agia, o Estadoe o País em que toda esta ação se desenvolvia, os gru-pos de interesses econômicos que se digladiavam eainda muitas outras condicionantes, verifica-se que oobjetivo principal da governação pombalina era, noplano político, empreender o esforço do aparelho doEstado absoluto, em sérias dificuldades. Desde o fi-nal do reinado de D. João V, por volta de 1750, a criseeconômica, em Portugal, não era nada boa e, se agra-vou entre os anos de 1768 a 1771. Assim, percebe-se que, com a publicação do Compêndio Histórico doEstado da Universidade de Coimbra, em 1771, se-guido da publicação dos novos "Estatutos", em 1772,o principal objetivo da reforma no campo ca instru-ção era formar servidores de um Estado absoluto quetinha necessidade de continuar forte e poderoso.

E, fica bem claro, o motivo pelo qual o Mar-quês de Pombal tomou, sob a sua responsabilidade a

I Idem, p. XLVII.2 J. S. da Silva Dias, Pombalismo e Teoria Política, Lisboa, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa, 1982, p. 45.3 Idem, p.91.

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referida reforma, em virtude da sua expenencia emoutros países da Europa. Somente um homem vividono estrangeiro, fã do iluminismo , com uma grandevontade de abrigar, na teoria regalista do Poder a re-volução mental, seria capaz de levar a peito tão im-portante tarefa. D. José I conhecia-o muito bem e sabiaque Pombal não se adaptaria a conformismos, porter sido um diplomata impregnado da boa noticia in-glesa, do direito público e da consciência austríaca dopatriarcado régio. De fato, Sebastião José de Carva-lho e Mello, o grande responsável pela implantaçãode novos métodos nas escolas de instrução pública euniversitária do reino, não se conformou, enfrentan-do os que resistiram às mudanças, não acidentais,mas estruturais, principalmente, por parte da Compa-nhia de Jesus que detinha o monopólio do ensino des-de o reinado de D. João IH. Contando com o apoiorégio, Pombal transformou-se no reformista de quePortugal necessitava.

A mudança de fundo dos estudos coimbrõesiniciou-se em 1772, data da publicação dos novos es-tatutos da Universidade. Os Colégios tradicionais fo-ram abolidos. Em contrapartida, a Universidadeencheu-se de júbilo pela vitória das idéias de Jacobde Castro Sarmento, defendidas desde 1737, de LuísAntônio Vemey, desde 1747, e de Antônio NunesRibeiro Sanches, expostas, nas sua obra Cartas paraa Educação da Mocidade, publicada ~m 1760.

A regeneração da cultura era ansiosamente es-perada e, com ela, a afirmação do experimentalismocientífico, assim como o abandono do direito romanoem favor das Ordenações do Reino e da lei da BoaRazão, que se firmou em 1768. Tratava-se, enfim, debanir a rotina, de importar o progresso, de arejar asescolas, de disciplinar o avanço universal do pensa-mento sob a égide do Estado interventor, planejador eresponsável da ação, para não dizer da nação futura.

Verney propôs a oficialização em oposição àprivatização do ensino, provocando, de imediato, umaconvulsão de idéias.

O "Compêndio", em preparação desde a épo-ca em que D. José assumiu o trono, somente é publi-cado em 1771. Este documento e os "Estatutos"serviram de base à reestruturação do ensino, modifi-caram conteúdos e métodos, deram uma nova con-formação à formação dos futuros cidadãos portuguesese brasileiros.

O Compêndio Histórico serviu de suporte aosEstatutos" e propiciaram a humanização da medici-

na. remodelaram a jurisprudência, valorizaram as pro-, nicas especialmente a engenharia e a

entaram o estudo dos astros ao ativar

o observatório astronômico, preocuparam-se com asplantas, obra prima da natureza, estudando-as no jar-dim botânico (criado para esse efeito), propuseram aseparação da Igreja do Estado, impuseram a históriado direito pátrio, mudando o esquema ideológico doscursos que perderam a linguagem anacrônica, até aíusada, abandonaram o latim eclesiástico e integraram-se nas correntes modernas defendidas nos outros paí-ses da Europa.

Numa carta, dirigida a todos os "fiéis vassalosdestes reinos e seus domínios", datada de 23 de De-zembro de 1770, D. José I oficializa e toma público otrabalho de reestruturação que um grupo de intelectu-ais vinha a realizar. Nela, o rei explica a necessidadede modernizar o ensino que os Jesuítas haviam con-duzido a um estado caótico, lançando o País no des-crédito e todos os que haviam completado os estudosna Universidade de Coimbra. Nela o monarca mani-festa o desejo de,

examinaras causasda suadecadênciaeopre-sente estado da sua ruína; reconstrui-Ia efa-zer com que nela as artes e ciências possamresplandecercomas luzesmais claras em co-mum beneficio.

Para alcançar tais propósitos, D. José nomeiaama junta, a da Providência Literária, constituídapelo Cardeal Cunha, do Conselho de Estado, peloMarquês de Pombal, seu ministro e conselheiro, parase encarregarem da inspeção do trabalho. Para conse-lheiros da Junta indica, dentre outros, o bispo da cida-de Beja, Frei Manuel do Cenáculo; José RicardoPereira de Castro e José Seabra da Silva.

Competia à referida Junta analisar o porquê doestado caótico do ensino; organizar o sistemaeducativo de modo o ensino se processasse dentro deparâmetros modernos, seguidos por outras universi-dades européias; definir os Cursos Científicos e osMétodos necessários à renovação, para a Fundaçãodos bons e depurados Estudos da Artes e Ciênciasque depois de mais de um século se acham infeliz-mente destruídas; consultar o rei sempre que surgissedúvidas ou problemas para que o processo fosse o maisrápido e eficaz possível.

A carta de D. José termina coma ordem de queseus desejos sejam cumpridos, tal como se estivessepassado pela chancelaria, e que o seu efeito seja porvários anos, Ordenações, ainda em vigor, afirmem ocontrário. Decorrido um ano, a Junta de ProvidênciaLiterária escreve ao rei uma carta, datada de 28 deAgosto de 1771, dia de Santo Agostinho, fato que re-

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ferem recordando que o consideram um grande dou-tor. Este documento fala sobre o Compêndio Histó-rico e Apêndice, quando afirmam estarem a dar

... uma clara e especifica idéia dos estragos,que os denominados jesuítas fizeram; primei-ro na Universidade de Coimbra e conseqüen-temente nas aulas de todos estes reinos, paraque, pelo conhecimento de tão grandes einveterados males se possam indicar mais sen-sivelmente os remédios, que hão de constituiros objetos das paternais providências de suamajestade pelo que pertence à Teologia, à Ju-risprudência Canônica e Civil e à Medicina.

Os compendiaristas, fiéis ao jusnaturalismo dePufendorf e Wolff, mantêm firme a defesa da íntimaligação entre a moral e o direito, inseparáveis e, comotal, demonstráveis.

Noutra carta. a Junta informa ao rei sobre o tra-balho realizado, os resultados da análise do estado deruína e suas causas, ponderação dos meios mais indica-dos para a restauração dos estudos públicos; definiçãodos Cursos e Métodos, pelo que volta a consultar o reipara que tal tarefa seja levada a bom termo. Assim, porcomum acordo, decidiram que era urgente levar ao co-nhecimento real O Compêndio Histórico e o Apêndiceem que mostram claramente a atuação dos Jesuítas nointerior da Universidade de Coimbra e, conseqüentemen-te, em todas as aulas do reino. Somente: conhecendo os"males", o rei poderia aconselhar os "remédios".

Na primeira parte os autores do documento ex-plicam o modo como os Jesuítas arrancaram das mãosdos reitores e diretores daquela infeliz Universidade,todo o governo dela, a má orientação que lhe impri-miram até à morte de D. Sebastião e durante o gover-no dos reis de Espanha. Descrevem ainda

a destruição de todas as Leis Regras e Méto-dos, que haviam regido as Universidades deLisboa e de Coimbra até introduzirem na se-gunda delas os dolosos e sinistros estatutospor eles fabricados com os quais, acabandode desterrar deste reino e seus domínios asArtes e as Ciências, sepultaram a MonarquiaPortuguesa nas trevas da ignorância" e en-fraqueceram o corpo docente da Universida-de a fim de evitar naturais resistências à suapolítica educativa.

Na segunda parte explicam os prejuízos causa-dos em cada uma das quatro ciências maiores condu-

zindo-as para a quase total destruição.No campo da Teologia, dizem os membros da

Junta que os jesuítas

retiraram ss estudos das Escrituras, datradição.dos concílios, dos Santos Padres, eda História Sagrada, que nos primeiros onzeséculos haviam feito triunfar de todos osHereziarcas a Igreja de Deus [. ..] E deixandoassim desde então até agora a mesma Uni-versidade na irreconciliável, e contínua guer-ra das argúcias, e das subtilezas, com quecada um daqueles cinco partidos forcejoupara prevalecer contra os quatro, que julga-va opostos. E isto em matérias conexas com aReligião, na qual a Unidade e a Uniformida-de constituem duas das três bases fundamen-tais da Igreja.

No âmbito da jurisprudência Canônica e Civil,eles dizem que os inacianos afastaram da Universida-de as pré-noções necessárias à formação sólida dosestudantes dos cânones ou das leis. Para tal retiraramo estudo da língua latina e grega, da arte da retórica eda "boa e verdadeira lógica"; publicitando umaMetafísica portadora de erros graves e estabelecendopor base da Moral Cristã a Ética de Aristóteles, filó-sofo que os compendiaristas consideravam ateu.

Consideraram, também, ter sido extremamenteprejudicial ao ensino, o fato de, terem sido retirados os

estudos das Histórias do Direito Civil Roma-no, e Pátrio; do Direito Canônico Universale Particular destes reinos; da História das res-pectivas nações, sociedades e povos, para osquais foram promulgadas as Leis que com-põem os referidos Direitos; da História Lite-rária Geral e Particular de um e outro Direito.

A crítica mais forte recai sobre o fato de, nasaulas, ter sido abandonado o método sintético ecompendiário e substituído pelo método analíticoque, segundo os missivistas, não conduz à aquisiçãodo saber. Denunciavam o relaxamento dos estudosentão existentes, pois que a concessão de férias pro-longadas, a utilização de Postillas já desatualizadase sem qualquer cabimento, as liberdades exageradase os privilégios prejudicavam o ensino e a formaçãodos alunos. Como grave é também apontada a faltade exercícios literários que tornavam os estudantesmais cultos e com maior facilidade de expressão eargumentação.

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Quanto à medicina, consideraram desatua-lizados os estudos recomendados pelo grande mestreda medicina, Hipócrates, substituídos pelos ensina-mentos da Física Escolástica, levando a uma enormeconfusão entre o prático e teórico, ao abandonarem oMétodo Experimental.

Além dos enormes problemas causados nos es-tudos destas três ciências, consideradas básicas, osmembros da Junta dizem ter ainda encontrado estra-gos noutras como a Matemática e as Artes mas, dadaa urgência de mudar o que consideram fundamental,pedem ao rei que conceda apoio para que seja possí-vel refazer rapidamente os Estatutos e iniciar os estu-dos de acordo com a reforma que estão a propor.

A carta termina com uma clara condenação dométodo analítico, usado pelos Jesuítas, por conside-rarem-no e como o principal culpado pela perversãodos costumes. Eles louvam o método sintético ecompendiário defendido nos primeiros Estatutos quepreviam o estudo dos feitos ilustres e os heróicos pro-gressos dos portugueses.

Os compendiaristas defendem, ainda, o ensinoda História Pátria, embora factual e apologética, as-sim como a História das diferentes ciências para queos alunos consigam um melhor conhecimento da evo-lução das matérias estudadas ao longo dos tempos.

O capítulo I do Compêndio Histórico trata dosestragos feitos no Estudo da Teologia e dos impedi-mentos para ela poder ressuscitar da ig!10rância emque foi sepultada. São sete os estragos e impedimentosda boa aprendizagem, apontados pelos compen-diaristas, causados pelo jesuítas durante a sua açãocomo supervisores do ensino em Portugal.

O primeiro estrago refere-se à introdução doestudo da filosofia Arábico - Aristotélica; o segundodeve-se ao abandono do estudo da sagrada Escritura,tão necessária ao entendimento dos preceitos religio-sos; o terceiro, o desprezo do estudo da Tradição; oquarto, o abandono do estudo dos Concílios; o quin-to, o silêncio sobre a vida dos Santos Padres; o sexto,o abandono do estudo da História e o sétimo condenaa demasiada atenção aos Doutores Antigos menospre-zando os Santos Padres.

N parte referente à História, os compendiaristasdefendem que o bom teólogo deve estudar toda a His-tória em geral, mas muito especialmente a HistóriaEclesiástica, pois, somente através dela, tomará co-nhecimento da vida dos cristãos ao longo dos anos,da evolução da Moral Evangélica, das causas e auto-res das alterações sofridas, da disciplina imposta aoscrentes, do trabalho desenvolvido pela instituição re-ligiosa, dos defeitos, vícios, virtudes e sabedorias dos

concílios havidos e dos Padres que contribuíram parao florescimento da religião, das heresias que a ataca-vam e como foram destruídas e ainda do método se-guido para o ensino de tão importante ciência como éa Teologia.

Sobre o método mais conveniente para o ensi-no das Ciências, lembram que,Luís Antônio Verneyna Carta Oitava, da sua obra O Verdadeiro Métodode Estudar, diz ser necessário julgar primeiro bem enão se enganar nas premissas pois que éfácil é errar.Para evitar os erros é necessário que se lhes conhe-çam as causas que são "as nossas mesmas idéias; asidéias que formamos e as palavras de que nos servi-mos; acrescentando mais, ainda, que Uma vez conhe-cidos os erros é necessário evitâ-los, procurando averdade. Para o fazer é preciso observar algum méto-do; sendo o "método aquela operação do entendimentotão necessária em todo o gênero de Ciências e sem aqual não se pode discorrer bem. O discurso é aqueleprogresso que o entendimento faz de um conhecimen-to para outro; o método é o que prepara a matéria aodiscurso ", uma vez que a mente, com o método, dis-põe as idéias em boa ordem; e com o discurso, reco-nhece a convivência delas. De duas sortes é ométodo". Para eles, o método "resolutivo ou analíti-co se emprega normalmente para reconhecer a verda-de de muitas questões e para descobrir e adquirirconhecimentos, o compositivo ou sintético é usadopara ensinar uma matéria que vise o conhecimentode todo o corpo da Ciência.

Explicam, ainda, aqueles reformistas, as leisdo método são, portanto entender os vocábulos; de-terminar as questões; separar as partes delas; fugirde todo gênero de equívocos; fugir das obscuridades;estabelecer termos comuns e claros; entender os tes-temunhos e autoridades em que se fundam [...]. Ométodo sintético ou método de mostrar a verdade temestas leis: Não admitir voz sem a explicação; nãomudar o significado das vozes; não concluir sem evi-dência; não inferir senão de princípios provados.Quem observa estas regras, pode ter a consolaçãoque tem boa lógica.

Dizem, ainda que, na vida pública o estudantedeve ser claro nas suas intervenções e disputas "semdeixar passar proposição obscura, que não se expli-que", mas tentando que o seu discurso seja curto eperceptível.

No Compêndio Histórico, coloca-se tambéma questão sobre o método que os Jesuítas utilizavamno ensino da Teologia, concluindo-se serem gravesas conseqüências que tal método teve no ensino e naprática de tão importante Ciência.

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Eles consideraram muito grave o abandono aque os adeptos da escolástica votaram as verdadeseternas da Escritura e da Tradição; as sentenças dosPadres e as decisões dos Concílios, para estabelece-rem como regras as opiniões, que enfermam de faltade suporte documental, acabando por deformar asverdades e a moral da religião cristã.

Os compendiaristas concluem que só nas Es-crituras e na Tradição se pode encontrar as fontes dosaber teológico e citam um trecho d e uma Encíclicado Papa Clemente XIV, para reforçar os seus argu-mentos. Segundo aquele pontífice:

Só destas duas fontes [Escritura e Tradição]da Sabedoria Divinal é que devemos tiraras regras da Fé e dos costumes. Nelas é queaprendemos a profundidade dos mistérios,os ofícios da piedade, da probidade, da jus-tiça e da humanidade e o que devemos aDeus, à Igreja, à Pátria, aos Cidadãos e aosmais Homens.

O questão do método também está presente nosegundo capítulo, quando eles tratam

dos estragos feitos na JurisprudênciaCanônica e Civil e impedimentos, com que lhecortaram os meios para poder restituir-se aoestado florente, em que se achava antes deser corrompida pelos Maquinadores dos no-vos Estatutos, e para poder aproveitar-se dosprogressos, que nos tempos subseqüentes fi-zeram estas necessárias Disciplinas+

A crítica ao método analítico parece justificar-se pelo fato, pois, as lições com base no referido mé-todo, não passavam de simples comentários a textos,gastando alguns professores grande parte do tempoem comentários estéreis de uma só lei ou capítulo,fugindo do cem e da questão, às vezes, por ignorânciaou até para escapar às dificuldades, tomando a "juris-prudência arbitrária e para controverter e fazerdisputável todo o Direito". No entanto, não conside-ram totalmente prejudicial o método que utiliza a aná-lise, antes pelo contrário, pois que

podiam ser de muito grandes vantagens paraa ilustração da jurisprudência, e de um apro-veitamento notável para os estudantes, se es-tes se chegassem para elas, ou depois da

sólida e competente instrução dos Princípiose de terem já formado Sistema de Direito pormeio do Estudo Sintético, ou se os professoresfizessem nelas o devido uso das línguas lati-na e grega, das disciplinas filosóficas, do Di-reito Natural, da História, da Hermenêutica,da Crítica e de todos os bons subsídios dainterpretação genuína das Leis, porque entãoaprenderiam por meio delas os mesmos estu-dantes a interpretar solidamente as Leis e osCãnones ", porque o estudo analítico para serproveitoso tem que ter por base conhecimen-tos sólidos e ser muito bem dirigido.

Aliados à incorreta condução dos estudos,mencionam muitos outros erros que provocaram odescalabro na jurisprudência. A Junta de providênciaLiterária aponta, entre outros, os seguintes: poucotempo letivo; grande parte deste tempo gasto a ditarPostillas já ultrapassadas; falta de residência dos es-tudantes na Universidade; excessiva liberdade; faltade autoridade do Reitor; demasiada indulgência nosatos e exames públicos; ausência de atos e examespúblicos nos primeiros quatro anos de curso jurídico;a total falta de exercícios literários nas aulas.

Para por fima tudo isso, recomendam que, deimediato, se reneguem e sejam totalmente abolidosos perniciosos estatutos providenciando-se a feiturade novos estatutos nos quais se desterre das aulasjurídicas a bárbara Escola de Bartholo, assim comoa sua jurisprudência se acha já desterrada do forodestes reinos. Em lugar dela se deve estabelecer emandar seguir a Escola de Cujacio. Propõem, ainda,uma formação básica em Letras Humanas e Discipli-nas Filosóficas e a introdução de cursos de liçõespúblicas das principais disciplinas subsidiárias dajurisprudência, reformando-se as da Instituta do Di-reito Romano; instituindo-se de novo as da Institutade Cânones; mandando-se que destas lições subsidi-árias e elementares se passe logo às sintéticas e de-pois às analíticas de uma outra jurisprudência eordenando-se também o ensino público do DireitoPátrio.

No que se refere à Medicina, os compendiaristasdizem que tal como foi dito com relação às duas ou-tras ciências (Teologia e Jurisprudência), a principalcausa da decadência da Medicina reside no afastamen-to do estudo das Línguas, das Humanidades e da Filo-sofia, assim como a decadência dos Estudos Menorescausada pelo magistério e ensino dos Jesuítas. Acon-

4 Título do Capítulo II do Compêndio Histórico do Estado da Universidade de Coimbra (1771),11 Centenário da Reforma Pombalina,por ordem da Universidade, Coimbra, 1972.

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selham o retomo aos bons ensinamentos de Hipócrates,pai da Medicina. No Apêndice, os compendiaristasacusam os Jesuítas de terem retirado a autoridade dosreitores e substituído os sábios mestres para arruinartodo o ensino em Portugal.

Para além deste grande "estrago", os jesuítashaviam implantado a Moral de Aristóteles, Carnal eAteista em utilidade sua e destruição do gênero hu-mano; cultivaram o Pecado Filosófico, a IgnorânciaInvencivel, e a Consciência Errônea ignorando o Di-reito Natural, tão importante à percepção da vida; fa-zendo grassar a simonia real e confidencial,introduziram a blasfêmia, o sacrifício, a magia, a

/.r/"é"#'t'/dc?, (?t'á&dzér,a; Oflâgilllismo, IItmpruaéncia, aobscuridade, a perversão da justiça, a prevaricaçãodos julgadores, a defesa do homicídio (numa claraatitude a condenação dos compendiaristas aos crimescometidos pela Inquisição), praticando o abuso do si-gilo sacramental.

Tudo isto levou, na opinião dos compendia-ristas, ao descalabro que se estava a se verificar noensino, culminando com a degradação das estruturassócio-políticas que poderiam conduzir o reino à ruína.

Pelo que se pode observar, há um embate en-tre a Escolástica e Reforma Pombalina, ou melhor,dois sistemas educativos em confronto.

Se nos debruçarmos, por exemplo, sobre a baseideológica da orientação de todo o ensino, sobre oscursos de Filosofia, verifica-se que a distribuição dasmatérias pelos quatro anos do curso era, quandoVerney iniciou o seu trabalho, idêntica à defendidanos Estatutos de 1591. A remodulação proposta, noentanto, faz uma deslocação de matérias do segundopara o terceiro ano e vice-versa. Desde 1591, haviauma recomendação a respeito da leitura dos textos deAristóteles, das famosas "grosas" ou comentários fei-tos pelos professores a esses textos. Tais textos eramapresentados por escrito ou ditados para que não fos-sem deturpados. Para poupar tempo, em 1528-1599,Pedro da Fonseca compilou e preparou a impressãodos referidos comentários, mas não conseguiu levar abom termo o seu trabalho, só conseguido pelos"Conimbricenses", pertencentes a uma nova geraçãode mestres. Os "manualistas", depois de 1640, conse-guiram apresentar um trabalho já simplificado que sóveio a completar-se com Antônio Cordeiro em 1714.Mas, estas publicações não resol veram o problema dotempo gasto a ditar apontamentos pois os mestres con-tinuaram a faze-lo em suas aulas por considerarem,sempre, faltar algo.

Vemey, na carta oitava, criticava muito antes.os textos que eram escritos através de ditados, aos aluonos da Universidade, desde 1640. Esses "estudos".baseados em leituras de textos de Aristóteles e nasfamosas "glosas", foram preparadas por "manua-listas" da Companhia de Jesus, desde 1640, quandcconta sua experiências com "os estudos filosófico!em Portugal"; acrescentando: "no primeiro ano, sepassa com dois Tratados, a que chamam Universais ~Sinais, cada um dos quals terá, quando pouco, ou seus20 cadernos de duas folhas; e já vi Mestre que ditou40 cadernos, somente de Universais". 5 Apesar de to-das as suas críticas, lamentava que os referidos "ma-

nuaÍs" continuavam a ser vendidos nas livrarias,manuscritos mas bem apresentados, e até mesmo ilus-trados, sob o nome de Postillas.

Ao mostrar a forte "resistência à FilosofiaModerna", Verney diz que tudo isso resulta apenasde cinco razões concretas, a saber: falta de um realconhecimento do que é e em que se baseia a FilosofiaModerna; preconceitos de uma inferioridade culturalem relação aos estrangeiros; má interpretação da obrade Aristóteles; convicção de que, entre a Igreja e opensamento Aristotélico, há uma aproximação que seconfunde com união; convicção de que a FilosofiaModerna enferma de ateísmo o que de modo algumcorresponde à verdade, segundo a opinião do autor.

Vemey defende o princípio de que para se dis-cutir a Filosofia Moderna é necessário conhecê-Ia bem,através dos textos consistentes, salientando como im-prescindíveis alguns autores ligados às doutrinsaCartesianas. Ele próprio se declara não cartesiano,embora afirme a alta consideração que Descartes lhemerece. Mais tarde, afirma-se como seguidor deNewton, mostrando assim a sua enorme admiração portodos aqueles que contribuíram, de qualquer forma,para a emancipação da tutela peripatética. Quandofala de Galileu, Bacon, Descartes e Newton, Vemeymostra a linha evolutiva da referida emancipação, pre-sente também nas obras de Femand Papillon, seu con-temporâneo, que arruma a filosofia, até a Leibniz, emtrês rubricas: "Escola da Experiência, Escola da Aná-lise e Escola da Intuição". Verney, ao fazer tais afir-mações mostra a sua admiração por Descartes, mascontinua discípulo fiel de Newton e de Locke. Em todoeste processo torna-se necessário que se veja, por de-trás das idéias em conflito, a identidade do métodoanalítico. Quando se estuda Verney, tem-se sempreem atenção a relação entre os princípios que defendee o desenvolvimento das Ciências Naturais. Ele de-

5 Luís Antônio Vemey, Verdadeiro Método de Estudar, edição organizada pelo Prof. Antônio Salgado Júnior, volume Ill, Lisboa,Estudos Filosóficos, coleção Clássicos Sá da Costa, Livraria Sá da Costa.

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fende, ainda, em todos os seus escritos, a necessida-de do ensino da História em geral e da História decada ciência, em especial, para que a aprendizagemseja perfeita. Os Jesuítas, ao retirarem estas matérias,fizeram-no, em seu entender, propositadamente paraesconder aos alunos as verdades históricas e científi-cas, assim como a sua evolução ao longo dos tempos.Segundo Verney e os compendiaritas tornava-se ur-gente repor urgentemente estas matérias para que serecuperassem os conteúdos de cada curso e com elesa dignidade da formação a que os estudantes estavamsujeitos.

Numa época em que Galileu, Copérnico e ou-tros desencadeavam um processo de renovação, todae qualquer tentativa de fazer renascer o Aristotelismoestavaa fadada ao fracasso.

A Universidade dos jesuítas formava teólo-gos, jurisconsultos e médicos, segundo os programase métodos tradicionais, sem considerar o progressoque, rapidamente, todas as ciências vinham experi-mentando, fundamentalmente, através da aceleradaatividade dos laboratórios e das relações científicasdo século XVII. Esta reação à inovação fatal paraquem, a todo custo, pretendia manter o status tradicio-nal. Daí, a decadência do ensino que os Jesuítas insis-tiam em manter nas Universidades portuguesas. Paramudar tal quadro, foi necessário contratar técnicosestrangeiros, pois os formados em Portugal mostra-vam-se incapazes de responder às necessidades doPaís, face às novas exigências do mundo mcderno.

Verney denunciou tudo issoque vinha ocorren-do nas nossas escolas superiores lusas, mas somenteem 1772, com a publicação de seus novos Estatutos,a Universidade de Coimbra foi reformulada para seevitar que se continuasse a ensinar Anatomia Huma-na, por exemplo, através da dissecação de carneiros,quando os próprios Estatutos de 1559, já previam oensino desta matéria com base nos estudos de cadáve-res humanos fornecidos por Hospital. Foi Pombal que,com os seus colaboradores, prepararam a reforma, queconseguiu modificar todo o sistema educativo, espe-cialmente, o sistema de ensino da Universidade deCoimbra, onde os novos estatutos propiciaram a inau-guração de uma nova época.

Assim, toda a estrutura da Universidade revis-ta, criando-se um elenco de seis Faculdades - Teolo-gia, Direito Canônico, Direito Civil, Medicina,Matemática e Filosofia, com novas cadeiras e progra-mas atualizados, orientadas por professores, nacionais

e estrangeiros, imbuídos de "novas idéias" para levara bom termo a reforma pretendida. Esta reforma, ins-pirada no Iluminismo, cedo começa a dar frutos: OLaboratório Químico (posteriormente transformadonuma fábrica de munições pelos franceses quando dasinvasões), o Jardim Botânico, o Gabinete de Física,cujos aparelhos munidos constituem hoje uma dasmelhores coleções de instrumentos de física do sécu-lo XVII, o Observatório Astronômico, cujos trabalhosnele iniciados mostram a intenção de acompanhar aciência da época, e são a expressão clara de mudança.Para apoio aos estudantes, eram fornecidos compên-dios para uma formação de base acerca das novasmatérias.

Desta forma, a ensino superior, em Portugal,começa a acompanhar a evolução sentida em outrasuniversidades da Europa. Mas, as invasões napoleô-nicas vieram como que "por água na fervura ", fazen-do com que o processo estiolasse. Por seu turno, aslutas liberais agravaram a situação e quando em 1834se estabeleceu finalmente a paz já era praticamenteimpossível retomar o desenvolvimento experimenta-do com a introdução da reforma do ensino até aosprimeiros anos do século XIX. A Universidade conti-nuava a reger-se pelos estatutos pombalinos, embora,por vezes, os atraiçoasse para salvaguardar os privilé-gios que mantinha há séculos, considerados indispen-sáveis à sua sobrevivência.

Outros estabelecimentos do ensino superiorforam criados pelo liberalismo (Escolas Politécnicas,Escolas Médico-Cirúrgicas, Curso Superior de Letras,entre outros) . Por ocasião da transferência da Direto-ria Geral dos Estudos para Lisboa, a Universidade deCoimbra tenta reagir, procurando barrar tal transfe-rência, fechando-se sobre a si mesma, tentando en-saiar um retorno ao ensino clássico, acerbamentecriticado pelos compendiaristas responsáveis pelaproposta de reforma, em 1772.

Há muitos protestos. Deputados, políticos ejornalistas se insurgem contra tal situação e reclamam,em nome do povo, um ensino atualizado tendo emconta a necessidade de se incentivar também o ensinotécnico.

Concordando com ALBUQUERQUE ( 1971),pode-se concluir dizendo que "em todo o período fi-nal da Monarquia ... se assistiu a um ataque cerradoàs tendências conservadoras da Universidade, situa-ção a que, em certa medida, só a reforma de 1911poria termo. 6

6 Luís de Albuquerque, "Universidade", Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, volume IV, Iniciativas Edito-riais, 1971, Lisboa

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