o caso ibsen pinheiro - monografia

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CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA, DO IPA CURSO DE JORNALISMO Arthur Machado O CASO IBSEN PINHEIRO: Um exemplo de mau jornalismo PORTO ALEGRE 2011

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Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título em bacharel em Comunicação Social, com habilitação em jornalismo e ênfase em Gestão da Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do IPA.

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Page 1: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA, DO IPA

CURSO DE JORNALISMO

Arthur Machado

O CASO IBSEN PINHEIRO:

Um exemplo de mau jornalismo

PORTO ALEGRE

2011

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ARTHUR MACHADO

O CASO IBSEN PINHEIRO:

Um exemplo de mau jornalismo

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo e ênfase em Gestão da Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do IPA.

Orientadora: Profª. Ms.Luciana Kraemer

PORTO ALEGRE

2011

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ARTHUR MACHADO

O CASO IBSEN PINHEIRO

Um exemplo de mau jornalismo

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo e ênfase em Gestão da Comunicação, do Centro Universitário Metodista, do IPA.

Porto Alegre, ___ de ________ de 2011.

BANCA EXAMINADORA:

Orientadora: Profª. Ms. Luciana Kraemer

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Dedico este trabalho à minha mãe, por ter me aguardado com comida

quentinha durante todos os dias de minha luta por esta graduação.

Aos meus amigos, pelo companheirismo e incentivo. E em especial à

minha irmã e madrinha Adriana Machado, dona de uma fonte

inesgotável de amor e dedicação, a quem atribuo todo o mérito por eu

ter chegado até aqui.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, por não ter imputado a mim nenhuma limitação de

ordem física ou emocional, facilitando assim a busca de meus objetivos ao me

abençoar com uma saúde perfeita e uma família que sempre me proporcionou a

estrutura necessária para encarar todo e qualquer desafio.

À minha irmã Adriana Machado, a quem atribuo todo o mérito por eu ter

chegado até aqui. Lembro como se fosse ontem da mão dela segurando a minha

nas consultas ao dentista, como a dizer: “Não tenha medo, mano. Estou aqui”. Ou

então das inspeções surpresas que ela fazia em meus cadernos, transformando

repentinamente meu estilo de vida irresponsável e despreocupado, a lá Zeca

Pagodinho (Deixa a Vida me Levar) e Martinho da Vila (Devagar, devagarinho), em

uma desgastante – mas sempre bem-aventurada – corrida contra o tempo para

obter a aprovação. Em suma, mais que uma irmã, mais que uma melhor amiga, mais

que um modelo de conduta, força, coragem e determinação que escolhi para me

espelhar, eu vejo nela uma mãe. Porque só mesmo o amor incondicional de uma

mãe para explicar toda a atenção, cuidado e afeto que ela sempre dispensou a mim.

Isso sem falar nos cinco longos anos de sacrifício financeiro, em que investiu boa

parte de seu salário de funcionária pública em minha formação.

Agradeço também aos meus pais, Luiz Carlos Machado e Jurema Terezinha

Aguiar do Nascimento. O primeiro pelo legado de luta e honradez, que me orgulha e

encoraja a nunca baixar a guarda diante das intempéries da vida. E à minha mãe por

ter me proporcionado casa, comida, roupa lavada e um computador com internet,

estrutura indispensável para qualquer estudante.

À Luciana Kraemer, professora que ganhou minha simpatia e admiração

desde seu ingresso no IPA, há três anos. Foi por enxergar nela uma amiga e uma

profissional de primeiro nível do jornalismo que a escolhi, já naquela época, para me

orientar nesta pesquisa. E se for verdade que o futuro reflete as escolhas que

fazemos, tenho certeza que uma caminhada de vôos ainda maiores me aguarda.

Por fim, aos meus amigos, que são a família que Deus me confiou escolher.

E dentre eles, um agradecimento especial a Marluci Stein, colega das mais

competentes e amiga mais certa das horas incertas.

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Às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data.

(Luis Fernando Veríssimo)

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo principal analisar os procedimentos éticos adotados pelos personagens envolvidos na redação e publicação da reportagem ‘Até tu, Ibsen?’, capa da edição n° 1314 da revista Veja, de 18 novembro de 1993. E a partir de entrevistas e de uma coleta documental, a pesquisa busca também desvendar as causas deste erro que ficou marcado, na visão de muitos pesquisadores, como um dos maiores exemplos nacionais de irresponsabilidade da imprensa. O modo como o Observatório da Imprensa tratou o assunto e se, de fato, se enquadra como um veículo de regulação da mídia também são objetos analisados no trabalho.

Palavras-chave: Ibsen Pinheiro – Veja – Istoé – Luis Costa Pinto – Observatório da

Imprensa – Sistemas de regulação da mídia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................9

1 REFERENCIAL TEÓRICO .....................................................................................13

1.1 O caso IBSEN .....................................................................................................13

1.2 O conceito de ética ..............................................................................................17

1.3 Sistemas de responsabilização da mídia ............................................................21

1.4 O Observatório da Imprensa ...............................................................................26

2 METODOLOGIA ....................................................................................................32

2.1 Erro do profissional .............................................................................................34

2.2 Responsabilidade da revista ...............................................................................37

2.3 Erro das fontes ....................................................................................................39

2.4 Erro da imprensa .................................................................................................39

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................42

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................45

ANEXOS ...................................................................................................................46

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INTRODUÇÃO

A imagem de um grupo de moleques revoltados, batendo com as mãos nas

janelas e chutando a porta da casa de meu pai é parte de um episódio doloroso e

constrangedor de minha infância, que até hoje recordo com tristeza. Eu deveria ter

uns 10, 12 anos no máximo. Jogava futebol com um amigo na cancha do

condomínio em que meu pai morava quando fui surpreendido pela chegada

gradativa destes garotos, todos eles moradores do condomínio. Garotos e garotas

que poderiam muito bem ser meus amigos, não fosse minha timidez e personalidade

introvertida. Eles iam chegando e repercutindo entre si sobre uma matéria publicada

pelo jornal Zero Hora - cujo conteúdo eu não lembro com clareza - mas que

denunciava o envolvimento do ex-vereador Luiz Machado com algum esquema de

desvio de dinheiro público.

Mesmo eu alegando que aquilo não era verdade, que foi um erro (a foto da

matéria era de outro Luiz Machado, que não era nem nunca havia sido vereador),

acabei percebendo pela ira deles que não havia espaço para reparação: o estrago já

estava feito e só o que me restava era assistir a incineração em praça pública de

meu próprio pai. Corridos pelas britas que arremessavam contra nós, meu amigo e

eu buscamos refúgio na casa de meu pai, que não estava em casa. O que não foi

suficiente para abrandar o ataque, já que nossos algozes para lá se dirigiram aos

gritos de “ladrão” e “corrupto”. Após ganhar um processo que moveu contra o jornal,

meu pai foi indenizado e recebeu um box de cinco linhas onde Zero Hora reconhecia

o erro e se desculpava pela injustiça cometida.

Foi fundamentalmente por causa desse episódio, que tão negativamente

marcou a minha infância, que optei por estudar um caso parecido: o do ex-deputado

Ibsen Pinheiro. Pertencer à categoria responsável pelo erro que um dia vitimou meu

pai e que talvez tenha sido a principal responsável pela formação de uma opinião

pública contrária a Ibsen também foi um elemento decisivo para escolha. Por

comungar da tese de que sábio é aquele que aprende com os erros alheios,

pretendo retirar deste estudo expertise suficiente para jamais arranhar a honra ou

levar sofrimento à família de uma pessoa inocente com o meu trabalho. Pois, como

bem alerta a sabedoria popular, a palavra pronunciada é uma das três únicas coisas

na vida para as quais não existe volta ou reparação.

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Em matéria de capa da edição 1.314, de 17 de novembro de 1993, Veja

acusa o então deputado e ex-presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de

envolvimento com a Máfia dos Anões do Orçamento. Dizia o texto da reportagem

que a CPI do Orçamento teria descoberto que, entre 1989 e 1993, o político recebeu

depósitos bancários superiores a um milhão de dólares. A soma, considerada

incompatível com os vencimentos de um deputado, resultou na associação de Ibsen

a um esquema mafioso, bem como em seu indiciamento. Seis meses depois, em

maio de 1994, Ibsen Pinheiro teve o mandato cassado e os direitos políticos

suspensos por oito anos.

No entanto, os valores divulgados pela matéria de Veja não correspondiam à

verdade. A própria revista tratou de reparar o erro na edição seguinte, informando

que a CPI havia se enganado nos cálculos. De acordo com a matéria intitulada “Um

milhão de dificuldades”, a subcomissão bancária da CPI “confundiu depósitos novos

com transferências de uma conta para outra, ou aplicações financeiras” (Veja, 1993).

Em síntese, o um milhão de dólares inexplicado, informado com grande destaque na

edição anterior, tendo inclusive ganho a capa da revista, em uma semana se

transformou em 230 mil dólares. Só que a admissão do erro rendeu uma página,

enquanto a denúncia foi repercutida em seis.

A responsabilidade pelo desfecho do caso Ibsen, um dos episódios

jornalísticos mais irresponsáveis do país, na visão de inúmeros pesquisadores, veio

à tona em agosto de 2004. Foi quando a concorrente, Istoé, teve acesso e tornou

público o conteúdo de um depoimento redigido pelo próprio autor da reportagem de

Veja para um livro que Ibsen Pinheiro, o alvo das acusações, estava escrevendo. No

documento, Luis Costa Pinto revela os bastidores da reportagem e conta que o erro

nos cálculos foi identificado com antecedência pela revista. Só que em vez de

corrigir o texto ou suspender a edição, a chefia de Veja teria, de acordo com Costa

Pinto, o induzido a encontrar uma fonte que sustentasse o um milhão. “Não pensei

em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar curso com aquela

reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu emprego, em

como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia”, (Istoé, 2004).

Para Martins (2005), no exercício da profissão, o jornalista deve responder a

uma série de lealdades, sendo a lealdade à sociedade a mais importante delas. Ou

seja, o compromisso com o direito da sociedade de ser bem informada é soberano e

inviolável, mesmo que venha a conflitar com a lealdade ao chefe, à empresa, aos

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colegas e até mesmo contra o próprio interesse do profissional de ascender na

carreira. De modo que se um jornalista for orientado pelo superior a omitir ou

adulterar alguma informação, como alega Costa Pinto em seu depoimento, a

lealdade a chefia deve ser desconsiderada de imediato em nome de seu

compromisso absoluto. Isso porque o jornalismo, conforme destaca Martins (2005),

só se justifica como missão, que é a de informar a sociedade para que a mesma,

bem informada, tenha condições de decidir da melhor maneira possível.

E no caso de protagonizar a divulgação de alguma notícia equivocada, que

não condiga com a verdade, o jornalista deve assumir o erro publicamente, o mais

rápido possível. O que foi feito parcial e veladamente pela revista Veja, que na

edição posterior à da denúncia publicou matéria onde comunicava o erro, mas o

atribuía única e tão somente à CPI, eximindo-se de qualquer culpa por um deslize

que pautou os principais jornais do país por quase uma semana.

E é com base nestas colocações e aspectos que esta pesquisa surge, quase

20 anos depois do episódio, com o objetivo geral de entender os procedimentos

éticos envolvidos neste caso, tendo em vista que a Veja é a revista de maior

circulação nacional e a quarta com maior tiragem no mundo. Para atingir o objetivo

descrito, optou-se por analisar o fato a partir do site Observatório da Imprensa. O

veículo foi escolhido devido a sua proposta democrática de funcionar como fórum

permanente de debate e análise crítica acerca do desempenho da mídia, onde é

assegurado a todos, jornalistas ou não, o direito de manifestação e participação

ativa sobre o produto jornalístico. E foi por ter esta característica que se optou por

fazer dele o principal campo de coleta da pesquisa.

Então, a partir da coleta de documentos e textos publicados no

Observatório da Imprensa, temos como objetivos específicos identificar os erros

jornalísticos apontados pelos artigos, bem como a identidade dos jornalistas que os

escreveram. Também se analisa como o próprio Observatório da Imprensa se

posicionou sobre o tema.

Sendo assim, a pesquisa tem a intenção de responder a seguinte questão:

de que forma o erro ganhou visibilidade e como o mesmo foi analisado no âmbito

dos jornalistas? Partiu-se da hipótese que o erro está mais relacionado à imperícia

do profissional do que a questões associadas a pressões do veículo ou do mercado.

A pesquisa foi feita em duas etapas, sendo a primeira delas dividida em três

momentos. No capítulo 1.1 é apresentado um resumo da matéria “Até tu, Ibsen?”,

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referente à edição n° 1.314 da revista Veja, de 17 de novembro de 1993. Também é

abordado o depoimento de Luis Costa Pinto, no qual a revista Istoé se apoiou para

denunciar o erro da concorrente por meio da reportagem “Massacrado”, capa da

edição n° 1.819, de 18 de agosto de 2004. Os autores que orientam esse primeiro

momento são Pena (2005) e Dines (2004).

No capítulo 1.2 é apresentado o conceito de ética e os compromissos,

deveres e responsabilidades que um jornalista deve atender no exercício da

profissão. Os autores consultados foram Bucci (2000), Abramo (1997), Martins

(2005), Argolo (2002), Sodré (2002) e Vásquez (2003).

Já no capítulo 1.3 o assunto versa sobre sistemas de regulação da mídia. Os

diversos tipos de meios possíveis de análise crítica sobre os serviços prestados

pelos veículos de comunicação de massa e a importância dos mesmos para a

sociedade são abordados em contraposição com os entraves que impedem o

público consumidor de informação de exercer influência sobre os mesmos. Os

autores que orientam esse capítulo são Christofoletti (2003) e Bertrand (2002).

A primeira etapa da pesquisa é encerrada com o capítulo 1.4, onde o site do

Observatório da Imprensa é apresentado como um exemplo de sistema regulador

de mídia. O modo de atuação do veículo também é apresentado, com base em

estudos feitos por Albuquerque (2001) e Braga (2006).

A segunda etapa consiste na análise do objeto de pesquisa, que são os

artigos publicados pelo Observatório da Imprensa que repercutem o tema.

Primeiramente, apresenta-se a metodologia empregada para a análise e o modo

como foram coletados os materiais. Em seguida busca-se relacionar a

fundamentação teórica e os dados coletados. Por fim, são apresentadas as

considerações finais e a resposta do problema de pesquisa.

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1 REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 O CASO IBSEN

Passados quase 20 anos, a edição da revista Veja de 17 de novembro de

1993 continua sendo peça de análise para estudantes e teóricos em comunicação. A

reportagem de capa representa, para muitos pesquisadores, um dos principais

exemplos nacionais de prejuízos irreversíveis que o mau jornalismo pode acarretar à

reputação dos envolvidos e à imagem do próprio ofício jornalístico, que tem na

credibilidade sua principal matéria prima. Por meio da manchete “Até tu, Ibsen?”

estampada na capa acima do ombro esquerdo do ex-deputado federal Ibsen

Pinheiro, a revista levanta suspeita de corrupção sobre o político que presidiu a

Câmara Federal no biênio 91/92 em meio ao processo de impeachment do ex-

presidente Fernando Collor. E debaixo da imagem de um Ibsen denotando aparente

tensão, como se estivesse acuado, a revista complementa a chamada com o

subtítulo “Um baluarte do Congresso naufraga em dólares suspeitos” em grifo.

Produzida pelo então repórter Luís Costa Pinto, a reportagem acusa Ibsen

de enriquecimento ilícito por meio da “Máfia dos Anões do Orçamento”, nome dado a

um grupo de deputados federais – que tinha a baixa estatura como ponto em comum

– que desviava verbas do orçamento da União entre o final dos anos 1980 e o

começo dos anos 1990. O esquema foi descoberto em outubro de 1993 e era

supostamente liderado pelo então deputado baiano João Alves de Almeida, falecido

em 2004.

Principal reportagem da edição 1.314 de Veja, o caso começa a ser relatado

na página 30, sob o título “Uma estrela na lama”, seguido de três linhas de apoio que

anunciavam: “A CPI descobre que o deputado Ibsen Pinheiro movimentou 1 milhão

de dólares em suas contas e derruba um símbolo do Legislativo”. Sentenças que

parecem ter sido escolhidas a dedo, tamanha a precisão dos significados que

refletiam. O que de acordo com Pena (2005, p.4), não deixava espaço para dúvidas:

Ibsen era realmente culpado. “Não é preciso uma análise semântica mais profunda

para verificar o tom condenatório da reportagem. As palavras escolhidas são

suficientemente conclusivas”.

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Só que segundo uma entrevista de Luis Costa Pinto, publicada pela revista

ISTOÉ em 18 de agosto de 2004, a edição 1.314 de Veja não previa a denúncia.

Costa Pinto conta que o que estava originalmente previsto era a repercussão de dois

documentos surgidos durante os trabalhos da CPI dos Anões do Orçamento e que

associavam Ibsen Pinheiro com alguns dos integrantes do esquema. A matéria

naturalmente seria mais branda do que a que acabou chegando às bancas, já que o

material reunido não mostraria nada além de uma boa relação de Ibsen com alguns

dos deputados investigados na CPI. Falamos aqui de um cheque depositado pelo

deputado Genebaldo Correia na conta de Ibsen (cuja assessoria parlamentar

comprovou ser referente à venda de uma caminhonete) e de uma foto tirada durante

um jantar em uma ilha grega, na qual Ibsen aparece acompanhado da esposa e de

cinco dos sete acusados, que também aparecem acompanhados de suas

respectivas cônjuges. Algo complicado de se entender sob a ótica da ética, mas

natural num meio repleto de interesses como é a política.

Só que um telefonema de Waldomiro Diniz ao repórter Luis Costa Pinto

acabou provocando uma reviravolta no assunto. Funcionário da Subcomissão de

Investigação Bancária da CPI do Orçamento, Diniz teria dito ao repórter que detinha

informações bombásticas e que estava a caminho da sucursal brasiliense de Veja

para encontrá-lo. Na entrevista, Luis Costa Pinto revelou ainda que “os trabalhos de

encerramento da edição estavam avançados” e que se encontrava dedicado à

construção de “um texto de capa sem maiores novidades ou revelações sobre os

trabalhos da CPI”. “Dali a duas horas, no máximo três horas, a edição de Veja teria

de baixar para a gráfica da Editora Abril, em São Paulo”, complementa. O que

significa dizer que o texto da reportagem que acabou chegando às bancas, o qual

segundo Pena (2005) exprimia um tom condenatório e conclusivo, foi elaborado em

poucas horas.

Braço direito dos então deputados petistas José Dirceu e Aloizio Mercadante

naquelas investigações, Diniz chegou ao escritório de Veja em Brasília munido de

sete boletos bancários e, conforme o relato de Costa Pinto, com um sorriso triunfal

assegurava que os mesmos representavam a prova cabal do envolvimento de Ibsen

com a Máfia dos Anões do Orçamento. “Maravilhado com a possibilidade de cravar

um furo na edição de Veja do fim de semana seguinte”, o repórter se deixou levar

pela versão que lhe foi apresentada e, sem nem mesmo apurar a veracidade do que

acabara de receber, comunicou os editores da matriz de Veja, em São Paulo, de

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que estaria mudando o tom da reportagem, passando “a ser mais afirmativo contra

Ibsen”.

E o primeiro movimento após avisar a revista com relação à reversão da

pauta foi ligar para o ex-presidente da Câmara, que desmentiu toda a história. A

negativa, entretanto, não foi suficiente para demovê-lo da intenção de divulgar as

supostas provas já naquela edição. De modo que optou por acreditar no material

que tinha em mãos e escrever a matéria, enviando-a algumas horas depois para

São Paulo juntamente com os documentos bancários que havia recebido das mãos

de Waldomiro Diniz.

Costa Pinto conta que depois disso foi para casa, onde chegou próximo às

duas horas da manhã de sábado, e que fora acordado pouco antes das 8h por

Silvânia Dal Bosco, sua colega de redação. Ela trazia um recado do então editor-

executivo da revista, Paulo Moreira Leite, de que havia ocorrido um grave problema.

Nesse momento Costa Pinto teria ligado para o editor-executivo e sido informado por

ele de que Adam Sun, então chefe da equipe de checagem da revista, havia

descoberto que a dolarização (o valor dos boletos apresentados por Diniz já veio

dolarizado) não batia: “Lula (apelido de Costa Pinto), essa soma não dá US$ 1

milhão. Dá US$ 1 mil”, teria dito Adam Sun.

Foi então que, orientado pelo editor-executivo, que já havia mandado

imprimir 1,2 milhão de capas da revista, correu atrás de alguém que sustentasse a

falsa dolarização de um milhão. De posse de apenas 10 minutos para resolver o

problema, Costa Pinto confessa que só pensava em salvar a própria pele.

Não pensei em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar curso com aquela reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu emprego, em como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia. Telefonei para o presidente da CPI do PC, o então deputado Benito Gama, e consegui pegá-lo acordado àquela hora. Narrei-lhe o ocorrido. Ele tinha conhecimento da versão acerca dos tais depósitos de US$ 1 milhão. “Não há chance de isso estar errado. É US$ 1 milhão e Ibsen terá de responder por isso”, asseverou Benito. “Deputado, isso é on (ou seja, no jargão jornalístico, eu perguntava se a informação podia ser publicada assinalando-se a sua origem)? Olhe que a reportagem de Veja, que está errada, vai se escudar nesse on seu”, perguntei mais uma vez. “É on. Agora, deixe-me fazer o meu cooper”, tranquilizou-me Benito. Passei a frase por telefone a Paulo Moreira, que mexeu na edição da revista, e a Veja circulou com o libelo acusatório contra Ibsen. (ISTOÉ, 2004)

De acordo com a versão de Costa Pinto, foi dessa maneira que a revista foi

parar nas bancas de todo o país, transmitindo ao público certezas das quais nem o

próprio autor da reportagem as possuía. Não obstante, o assunto pautou os jornais

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de todo o país por dois dias, arrastando o alvo das acusações definitivamente para o

fundo de um buraco do qual não conseguiu mais sair.

Segundo Costa Pinto, uma empresa de auditoria teria sido contratada por

Ibsen Pinheiro para esquadrinhar todos os registros de entradas e saídas de suas

contas bancárias nos últimos cinco anos. Nenhuma movimentação anormal foi

encontrada, mas a CPI se negou a levar em conta os resultados, alegando que não

havia fiscalizado o processo. E foi assim que, seis meses depois da divulgação da

matéria, Ibsen Pinheiro teve seu mandato cassado pelo voto de 296 deputados,

durante sessão plenária ocorrida no dia 18 de maio de 1994. Na ocasião, 139

parlamentares votaram contra a cassação do mandato.

Os onze anos que Costa Pinto levou para se retratar, a existência de

diversas versões sobre o caso e o fato do mesmo ter abandonado a reportagem,

passando a dedicar-se a atividades ligadas à política, são elementos que intrigam

Pena (2005). Porém, para o autor do artigo “No jornalismo não há fibrose: a ruína

das fontes, o denuncismo e a opinião pública”, não restam dúvidas de que, nessa

bagunça toda, o maior prejudicado foi o ex-presidente da Câmara Federal.

Tudo é, no mínimo, muito estranho, mas o fato concreto é que o deputado Ibsen Pinheiro foi o verdadeiro prejudicado. [...] ele jamais irá recuperar o momento político que vivia na época, quando era um dos mais fortes candidatos à presidência da república. Sua carreira foi interrompida por erros da imprensa, e não há como retomá-la. [...] Para muitos dos que tomaram conhecimento da retratação, ainda há dúvidas sobre sua inocência. Como disse, em jornalismo não há fibrose, pois as feridas abertas pela difamação jamais cicatrizam. (PENA, 2005, p.4)

Quem também se manifestou sobre a revelação do repórter Luis Costa Pinto

foi Alberto Dines (2004). Por meio do artigo “Por que o remorso demorou tanto”,

divulgado pelo site Observatório da Imprensa, o autor classifica o ocorrido como

“um dos maiores libelos contra os procedimentos irresponsáveis da nossa imprensa

nos idos de 1992/93” e avalia que a colocação de três zeros a mais nas contas de

Ibsen representou um dos maiores vexames da história do jornalismo: “O ridículo

erro de aritmética produziu um vergonhoso linchamento midiático que um Legislativo

irresponsável e suas espertas raposas converteram em clamorosa injustiça”.

Em seu artigo, Dines (2004) também condena a demora de Costa Pinto em

reparar o erro e lembra que, quatro anos antes, dedicou um programa televisivo do

Observatório da Imprensa ao desvendamento de todas “as maquinações e

mutretas” de que Ibsen Pinheiro pudesse ter sido vítima.

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Onde estava o repórter Luís Costa Pinto, que naquele momento deixou escapar a magnífica oportunidade para uma reabilitação do acusado e manteve-se em silêncio nos dias seguintes? Onde estavam as grandes estrelas do jornalismo investigativo que não se sensibilizaram com a tocante manifestação de inocência num programa de uma hora, ao vivo, em rede nacional? E onde estava Fenaj há tantos anos preocupada – como afirma – com a ética profissional e o combate aos abusos? (DINES, 2004, OI)

A incapacidade da imprensa de resgatar o caso e avançar nos

desdobramentos, de modo a restabelecer toda a verdade também foi atacada por

Dines (2004).

Em fevereiro deste ano, quando apareceu no noticiário o nome de Waldomiro Diniz falou-se muito no seu papel como abastecedor dos então deputados Aloízio Mercadante e José Dirceu nas investigações da CPI do Orçamento – a mesma que levou à cassação do ex-presidente da Câmara dos Deputados. Ninguém se lembrou do seu papel como veiculador da calúnia contra Ibsen Pinheiro relativa à transferência de 1 milhão de dólares de uma conta para outra. Amnésia. (DINES, 2004, OI)

1.2 O CONCEITO DE ÉTICA

De acordo com Vásquez (2003), a ética é um campo específico da ciência

cujo objetivo é o estudo da moral dos homens em sociedade. Em outras palavras,

sua função é investigar uma determinada experiência humana referente à moral, a

fim de compreendê-la e explicá-la: “estuda uma forma de comportamento humano

que os homens julgam valioso e [...] deve fornecer a compreensão de um aspecto

real, efetivo, do comportamento dos homens”. (VÁSQUEZ, 2003, p.3)

À ética não devem ser atribuídas às normas, regras e princípios que regem o

comportamento humano em sociedade, já que as mesmas, conforme o autor, foram

constituídas ao longo do tempo de acordo com os valores morais de cada povo. Ou

seja, sua pretensão não é estabelecer, confrontar, corrigir ou agregar novas normas

ou valores, mas sim proporcionar, por meio do resultado de seus estudos,

“conhecimentos sistemáticos, metódicos e, no limite do possível, comprováveis”

sobre um determinado problema moral. (Vásquez, 2003, p.3) Sendo assim, não se

pode confundir a ética com seu objeto de estudo: a moral.

No entanto, na medida em que exprime conhecimento científico sobre os

efeitos que determinados atos provocam sobre outros indivíduos, determinados

grupos sociais ou até mesmo à sociedade como um todo, o resultado dos estudos

éticos podem acarretar em transformações, fazendo com que os indivíduos

modifiquem sua maneira de ser e/ou agir.

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E partindo do pressuposto de que a ética não define o comportamento

adequado para cada situação, pode-se aferir que a cartilha de regras, normas e

princípios que guiam as atividades profissionais das mais diversas categorias foram

constituídas ao longo do tempo, a fim de auxiliar seus filiados sobre como agir de

modo moralmente satisfatório à luz das mais diversas situações. Os jornalistas, por

exemplo, possuem um código que os alertam com relação a direitos, deveres e

responsabilidades de sua função.

Todavia, há quem julgue desnecessário a definição de uma conduta

específica para cada profissão. É o caso de Abramo (1997), que acredita não ser

possível separar a conduta profissional da cidadã.

Onde entra a ética. O que o jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deva fazer? O cidadão não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista. (ABRAMO, 1997, p.109)

Bucci (2000, p.206), entretanto, pensa diferente. Para o autor, os códigos

“anunciam para a sociedade que seus signatários firmam o propósito de observar,

para benefício dessa mesma sociedade, aquele conjunto de princípios, valores e

padrões de conduta”. Porém, observa que a simples exposição desses códigos ou a

ausência dos mesmos é insuficiente para assegurar a lisura ou a desonra do fazer

jornalístico numa empresa.

[...] Há ambientes profissionais onde nada está escrito e, não obstante, os melhores valores do jornalismo são vivamente cultivados, cimentando a cultura dos que ali trabalham. Códigos não fabricam bom jornalismo. Ao contrário, com incômoda freqüência, são brandidos para encobrir mau jornalismo. O ponto é outro: os que comandam [...] devem incluir no seu rol de afazeres a formação ética permanente dos jornalistas, dando-lhes retorno transparente sobre cada decisão ética e promovendo debates periódicos sobre o tema, o que inclui a recomendação de leituras e o apoio a cursos de aperfeiçoamento aos que têm interesse em se aprofundar. (BUCCI, 2000, P.207)

É que para Bucci (2000), mais importante que um código na parede é o

exemplo que os mandarins das redações deixam para os mais novos. Ou seja, se a

conduta dos superiores for exemplar, a tendência é que os subordinados valorizem o

código e procurem seguir o mesmo caminho dos chefes. Além disso, o autor diz que

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é preciso estimular o cumprimento das normas com discussões sadias, tornando o

tema uma cultura do local:

Isso pode ser estimulado pelos chefes, na prática, com base nos casos que se apresentam no dia-a-dia em cada editoria ou em cada revista da empresa. Além do quê, é preciso explicá-las com calma aos recém contratados, e, de tempos em tempos, vale a pena revisá-las e atualizá-las com a participação do maior número possível de jornalistas. Só assim elas se tornam letras vivas do fazer jornalístico. (BUCCI, 2000, p.205)

Com uma posição semelhante a de Abramo (1997) sobre a ética, Martins

(2005) também afirma não acreditar em tipos diferentes de ética. Em outras

palavras, o autor acredita que o indivíduo tende a reproduzir o mesmo padrão de

conduta ética, seja este bom ou ruim, nas diferentes áreas da vida. “Será possível

que um sujeito seja modelo de comportamento na redação e, em casa, espanque a

mulher e deixe os filhos largados ou, por onde passe, dê trambiques?” (2005, p.30),

questiona ele.

O que muda, segundo o Martins (2005), é o contexto de situações de risco e

tentações comuns a esta ou aquela categoria e que podem, se não advertidas, ir

corrompendo gradativamente a índole do profissional. “Ninguém se torna venal da

noite para o dia”, afirma Martins (2005, p.31). Neste sentido os códigos são

essenciais para o autor, uma vez que atuam como uma espécie de bússola,

orientando o profissional sobre o caminho correto a seguir.

O jornalista não chega à redação uma tarde disposto a tornar-se uma pena de aluguel, e então se vende. Geralmente, vai baixando a guarda aos poucos. Um dia, faz uma pequena concessão; dias depois, cede um pouco mais; semanas mais tarde, enfia o pé na lama; anos depois, está metido até o pescoço no que não devia. Cada passo em falso vai minando as defesas do organismo aos ataques da pilantragem até que um dia as resistências simplesmente desapareceram – e o sujeito, então, atravessa o Rubicão. (MARTINS, 2005, p.31/32)

Se agir com ética é agir de acordo com as normas e princípios morais de

determinada sociedade, pode-se deduzir que a ética só pode ser alcançada com

lealdade nas relações. E no jornalismo, de acordo com Martins (2005), há uma série

de lealdades que o jornalista deve levar em conta, sendo a lealdade à sociedade a

mais importante delas. No caso de situações de conflito, o autor recomenda que o

repórter reflita atentamente sobre sua primeira lealdade, além de recorrer a um

código de ética não-escrito sempre que necessário.

Jornalistas seguem códigos de ética escritos, o da Federação Nacional dos Jornalistas e o das empresas onde trabalham, e um código de ética não-escrito, o da Rádio Corredor. Todos são bons: os primeiros [...] porque dão parâmetros e, às vezes, desculpas para driblar situações ambíguas; o

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último, porque dá conselhos. Assim, quando estiver em dúvida, converse com pessoas cujo julgamento você respeite. Geralmente, essa troca é muito rica. Não sendo formal, ela tende a descer mais fundo no problema do que os códigos e a enfrentá-lo com uma ferramenta talhada para nuances: o bom senso coletivo da nossa categoria. (MARTINS, 2005, p. 35)

De acordo com o artigo segundo do Código de Ética dos Jornalistas,

publicado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a divulgação de

informações precisas é dever dos meios de comunicação pública,

independentemente da natureza de sua propriedade. Porém, notícias equivocadas

são divulgadas ao público com desalentadora freqüência, falhas que segundo

Martins (2005) derivam do pouco tempo de que dispõe os jornalistas para apurar as

informações. Mas quando elas ocorrerem, devem ser imediatamente reconhecidas

pelo repórter junto ao público leitor. “Lembre-se de sua primeira lealdade” (2005,

p.43), adverte o autor.

Reconhecer um erro não diminui ninguém. Ao contrário, dentro de determinados limites, reforça a credibilidade do profissional. O público sabe que os jornais erram e confia mais no jornal que admite sem subterfúgios suas falhas do que naquele que tenta varrê-las para debaixo do tapete. É claro que se os erros virarem notícia, não há credibilidade que resista. (MARTINS, 2005, p. 43)

Em entrevista concedida a Argolo (2002), Alberto Dines, um dos mais

conceituados jornalistas do país, refere que o problema envolvendo os equívocos

cometidos pela imprensa na divulgação das informações vai além do tempo. De

acordo com ele, o problema deve ser creditado principalmente à latente insegurança

de editores e diretores.

À primeira acusação publicada por um veículo – qualquer veículo, responsável ou não – correm todos na sua esteira, sem investigar ou sequer contraditar. Há um medo de levar bronca do departamento de circulação porque o concorrente está explorando determinada questão e ganhando muita exposição. (ARGOLO, 2002, p. 14)

Sobre o conjunto de regras que visa à padronização da conduta profissional

de membros de uma determinada categoria Dines é favorável, sugerindo inclusive a

criação de disciplinas que familiarizem os profissionais com estas normas ainda

durante a formação. Porém, por ser a ética uma porção da Filosofia e da Moral, o

autor julga como indevido o emprego da palavra para nominá-los. “Ética situa-se

numa esfera superior e íntima, obviamente mais abrangente e muito mais

complexa”. (ARGOLO, 2002, p. 15)

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Questionado por Argolo (2002) sobre o que pensa a respeito da presença

cada vez maior de advogados dentro das redações, Dines condenou a política

adotada pelos grandes veículos de atribuir a estes a decisão sobre o que pode ou

não ser publicado. Mesmo que a idéia por trás da mudança seja a redução de ações

indenizatórias, o autor entende que os advogados não podem exercer um poder que

historicamente sempre coube aos jornalistas. A natureza antagônica do

compromisso de cada profissional é usada para justificar o ponto de vista.

Advogado não é jornalista, advogado advoga a causa dos clientes, [...] mesmo que confronte aspectos morais ou éticos. Já o cliente do jornalista é [...] o cidadão que precisa ser informado com isenção. O jornalista advoga o interesse público. Se transferimos para os advogados o poder de decidir o que é certo publicar, tiramos do jornalista o livre arbítrio e, com isso, esvaziamos completamente o seu senso de responsabilidade, seus dilemas éticos e morais, sua atenção ao código deontológico. É óbvio que se pode pedir aconselhamento a bacharéis ou juristas sobre determinada publicação. Mas quem deve dar a palavra final é o jornalista. (ARGOLO, 2002, p. 21)

A restrição da alçada de atuação dos jornalistas dentro das redações, que

gradativamente vem perdendo para advogados o poder de decidir sobre o que pode

ou não pode ser publicado, pode ser atribuída a mercantilização da mídia

contemporânea. A hipótese surge na esteira da opinião de Sodré (2002), que

classifica a moral da mídia como “utilitarista” e “mercadológica”. O autor entende que

o interesse público foi contaminado pelo capital financeiro e que está desaparecendo

do horizonte ético das redações. E que diante desta realidade, os códigos

deontológicos “viram letra morta”.

É que, na prática midiática corrente, seja no Primeiro ou no Terceiro mundos, o jornalismo e a esfera político-econômica vivem cada vez mais em simbiose, sem o distanciamento necessário à formação de uma ativa cultura crítica, indispensável ao funcionamento de uma verdadeira democracia. Isto significa que frações ponderáveis dos formadores de opinião no interior das redações são tão politicamente empresariais quanto os políticos e empresários profissionais. Servem frequentemente como agentes de informação e contra-informação na guerra surda da “inteligência” empresarial. (SODRÉ, 2002, p. 196)

1.3 SISTEMAS DE RESPONSABILIZAÇÃO DA MÍDIA

Por ter seu produto encarado como um serviço público fundamental e de

inestimável importância à sociedade, a mídia e os profissionais que dela fazem parte

gozam de prerrogativas previstas em vários artigos da Constituição Federal. Direitos

estes concedidos com o intuito de assegurar o direito à liberdade de expressão e

informação. Um deles é o que concede ao jornalista o direito de manter a

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confidencialidade sobre suas fontes, mesmo que informações referentes às mesmas

sejam do interesse da justiça, conforme o disposto no artigo 5º, inciso XIV, da

Constituição Federal: "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o

sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". E o artigo 71

complementa que "Nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas

referidas no art. 25 [o correto é 28], poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o

nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo seu silêncio,

a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de

penalidade." E é por saberem que nenhum jornalista pode ser coagido a dar

informações sobre seu paradeiro, por exemplo, que muitos criminosos acabam

aceitando conceder entrevistas, ampliando o conhecimento do público sobre um

determinado assunto, como por exemplo, a estrutura de funcionamento do tráfico de

drogas e o envolvimento de policiais corruptos no esquema.

Mas embora a mídia ocupe um papel de destaque, atuando muitas vezes

como uma espécie de sentinela da sociedade em constante vigília pelo cumprimento

das leis e da moral, não podemos esquecer que os meios de comunicação de

massa também são empresas. E como tais, deveriam estar subordinadas a algum

tipo de organização reguladora que se ocupe da fiscalização de seus conteúdos e

que tenha autoridade para apontar ou coibir deslizes éticos, de modo que as

constrangessem a cumprir com sua função social. Só que para Christofoletti (2003),

que se dedicou à análise e identificação de fatores que pudessem neutralizar toda e

qualquer iniciativa de intervenção no modo de produção da mídia, essa não é uma

tarefa simples. A começar pela concentração integral ou parcial de parte

considerável das empresas de comunicação do país nas mãos da classe política,

por ele definido na pesquisa “Dez Impasses para Uma Efetiva Crítica da Mídia” como

“Coronelismo Eletrônico”. Conforme a pesquisa do autor, um levantamento de 2001

da Folha de São Paulo apontou que os políticos aparecem como proprietários de

24% das empresas de radiodifusão do país, fora os jornais impressos e a

participação em portais de informação. O que, de acordo com Christofoletti (2003),

“significa dizer que a cada quatro emissoras, uma está sob as asas de algum

detentor de mandato”. O autor então conclui ser quase impossível a conquista de

algum progresso num cenário repleto de interesses velados pela manipulação do

cidadão.

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Num terreno minado como este, o espaço para a crítica é ínfimo, quase inexistente. A política coronelística, que impunha o chamado “voto de cabresto” nas primeiras décadas do século 20, agora se reedita apoiada em mais tecnologia: via satélite, pela internet ou em publicações de qualidade gráfica e técnica. Através do simbolismo ou do imaginário, as consciências são conquistadas e a autonomia de pensamento – e por conseguinte a crítica – é anulada. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.6)

O oligopólio do setor comunicacional do país é outro entrave apontado por

Christofoletti para reformar a indústria da mídia. Para o autor, o fato de apenas “sete

grupos controlarem 80% de tudo o que é visto, ouvido e lido nos media brasileiros”

acarretou uma padronização do noticiário e uma estandardização do entretenimento,

dificultando a entrada de novas empresas, estilos e conteúdos no mercado.

Poderosos, os controladores são avessos à crítica e à contestação de seus procedimentos. No caso das emissoras de rádio e TV, que dependem de concessões públicas para operar, o caso é pior, já que a condição pública, os compromissos decorrentes da permissão de exploração e as contrapartidas sociais são simplesmente esquecidos. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.4)

A inoperância do Conselho de Comunicação Social, órgão criado em 2002

para auxiliar o Congresso Nacional em assuntos relacionados à mídia também é

apontado por Christofoletti (2003) como indicativo da pequena disposição pública em

fiscalizar o setor. Para o autor, essa natureza meramente consultiva do Conselho o

impede de deliberar e definir políticas para os veículos de comunicação, contribuindo

“para a manutenção de uma camada impermeável a críticas na estrutura

comunicacional brasileira” (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.8)

Para Christofoletti (2003), a reestruturação do setor também se torna inviável

devido à consciência arcaica do empresariado, que ainda hoje se comporta como

alguém que “não deve satisfações públicas do seu negócio”. Ou seja, como

empresários sem nenhuma cultura de responsabilidade social.

Dessa forma, no ramo da radiodifusão, o permissionário simplesmente ignora a natureza pública da concessão que detém e os compromissos sociais decorrentes desta situação. No ramo impresso e na internet, mesmo que independentemente da legislação exigir tais preocupações, o entendimento geral é de que os assuntos são sempre corporativos, desinteressantes a outras camadas da sociedade, e desnecessários de um debate público. Uma preocupação com a crítica dos media e práticas semelhantes são impensáveis num ambiente tão refratário. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.9)

Quando o assunto é a discussão do papel dos meios de comunicação de

massa e a qualidade dos conteúdos veiculados, Christofoletti (2003) observa que a

resistência dos profissionais da área é tão grande quanto à dos empresários. Mas

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mesmo que tal fato por si só se configure num impasse, o autor vai além ao explicar

que, mesmo que quisesse, a categoria encontraria muita dificuldade para regular “o

próprio mercado de trabalho”. Falamos aqui da ausência de um órgão representativo

legítimo da categoria, que se ocupe da punição de profissionais faltosos. Como

explica Christofoletti:

Diferente dos médicos, engenheiros e advogados, os jornalistas não podem cassar os registros dos maus profissionais, zelando assim pela qualidade mínima dos que estão atuando no mercado. Quem fornece os registros é o Ministério do Trabalho, instância que pode também suspendê-los, fato raro. Com flancos por onde bons e maus profissionais podem penetrar indistintamente, o mercado de trabalho jornalístico segue quase sem regras. Sem regulação, essa terra-deninguém não tem estabilidade para permitir o desenvolvimento de qualquer crítica ou avaliação mais consistente. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p. 9/10)

Outros fatores complicadores apontados por Christofoletti (2003) para a

criação e disseminação de uma cultura preocupada com a crítica dos meios de

comunicação são o descaso do poder público para com o conteúdo exibido pela

mídia e a inércia da sociedade, que somados acabam por assegurar às emissoras

intermináveis renovações do direito de exploração das concessões públicas de rádio

e TV. O autor, no entanto, observa a ocorrência de tímidos movimentos lançados

com o intuito de induzir a mídia a produzir conteúdos de qualidade, como a

campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, da Comissão de Direitos

Humanos da Câmara dos Deputados. Lançada em 2002 em parceria com entidades

da sociedade civil, a campanha se dedica ao acompanhamento de programas da TV

aberta. O que segundo Christofoletti (2003), “pode se converter num eficiente

indicador para uma reavaliação das concessões na TV brasileira”.

Até 13 de abril de 2003, mais de 800 manifestações haviam chegado à Comissão de Direitos Humanos, queixando-se de abuso na exibição de cenas consideradas impróprias para o horário, de sensacionalismo, apelo sexual e incitação à violência. Apoiado no trabalho da campanha, o Ministério Público de São Paulo entrou com representação no Ministério da Justiça contra o Programa do João Kleber (Rede TV) pedindo a mudança do seu horário de exibição. A campanha faz o levantamento dos piores programas televisivos para depois desestimular os anunciantes a patrocinarem tais iniciativas. A idéia é secar as fontes de financiamento de certos conteúdos, impondo novos padrões de qualidade para a programação. (CHRISTOFOLETTI, 2003, p.7)

E para o francês Jean-Claude Bertrand (2002), o antídoto para todos esses

impasses depende justamente do envolvimento da sociedade civil. Defensor de uma

liberdade de imprensa a serviço dos cidadãos e não das empresas, Bertrand (2002)

propõe a criação de sistemas de responsabilização da mídia, por ele definidos como

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“quaisquer meios de melhorar o serviço de mídia ao público, totalmente

independentes do governo”. E de todos os grupos envolvidos na Comunicação

Social somente dois, na opinião do autor, estariam habilitados a integrar estes

sistemas de controle da qualidade do jornalismo: os jornalistas e o público

consumidor. Uma parceria que renderia inúmeros benefícios, segundo Bertrand

(2002).

Espera-se que atinjam seu objetivo aumentando a competência dos jornalistas e descobrindo (por meio de observação e análise) o que a mídia faz e não faz, em comparação com o que deveria fazer. E, sobretudo, os MAS (Media Accountability Systems, Sistemas de Responsabilização da Mídia) capacitam os veículos de comunicação a ouvir as opiniões dos consumidores, a saber do que gostam, não gostam ou podem vir a gostar. Graças a eles, a mídia consegue descobrir, corrigir, explicar seus erros e equívocos, desculpando-se por eles. Esses sistemas são um misto de controle de qualidade, serviços ao consumidor, educação contínua e muito mais – não apenas, decerto, auto-regulamentação. Aos cidadãos, os MAS devolvem os direitos humanos que a casta dos profissionais de mídia costuma confiscar. (BERTRAND, 2002, p.35)

Para Bertrand (2002), a fiscalização da mídia por entidades não-

governamentais compostas por quem produz e consome os produtos da mesma é a

maneira mais segura de obter uma efetiva melhora do serviço, já que a intervenção

do Estado poderia acarretar “conseqüências desastrosas, como o estabelecimento

de um regime autoritário”. E quanto ao mercado, a ressalva que Bertrand (2002) faz

é decorrente da natureza gananciosa da classe empresarial e de sua ainda

incipiente consciência de responsabilidade social.

Apelar para a lei ou ceder ao mercado? A legislação cerceia o abuso dos mercadores. A livre-empresa cerceia o abuso do Estado. Mas muitas falhas dos jornalistas (como incompetência, arrogância, parcialidade, covardia, mendacidade) ou da mídia (bairrismo, infoentretenimento, autocensura, publicidade disfarçada) não podem ser sanadas por códigos e tribunais. Quanto ao mercado, é responsável por várias dessas falhas e incapaz de curar outras. Uma terceira força é necessária. (BERTRAND, 2002, p. 31/32)

De acordo com as palavras de Bertrand (2002), anteriormente referidas

neste capítulo, os sistemas de responsabilização da mídia são um misto de controle

de qualidade, serviço ao consumidor, educação contínua e muitos outros meios

além de auto-regulamentação. De acordo com o autor, o conceito reúne perto de

sessenta desses meios e todos já foram utilizados, “do espaço de correção à crítica

interna, da associação de espectadores à comunidade universitária”. E por tamanha

ser a abundância de meios disponíveis para perseguir um único objetivo, Bertrand

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(2002) as dividiu em três grupos: documentos impressos ou difundidos por

radioteledifusão; pessoas, indivíduos ou grupos; e processos, longos ou curtos.

1.4 O OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

O Observatório da Imprensa é entendido como um meio de regulação da

mídia por ser um veículo jornalístico totalmente independente de governos, cuja

proposta é cobrar da mídia o cumprimento de seus deveres e responsabilidades por

meio da crítica. Também colaboram para esse entendimento o fato do site ser

comandado por um jornalista experiente e ser aberto à participação do cidadão

consumidor de informação.

Fruto de uma iniciativa do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo

(Projor) e de um projeto original do Laboratório de Estudos Avançados em

Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas, o Observatório da

Imprensa (2011) “é um veículo jornalístico” que tem como proposta a análise crítica

do desempenho da mídia brasileira. Lançado como site da web em abril de 1996, o

veículo tem como editor o jornalista Alberto Dines. Com o passar do tempo o

Observatório da Imprensa foi expandindo suas atrações para outras mídias,

contando hoje com programas televisivos (desde 1998) e radiofônicos (desde 2005).

O veículo também se apresenta, no site, como uma “entidade civil, não-

governamental, não-corporativa e não-partidária”, cuja proposta é funcionar como

um palco de discussão permanente, onde os usuários das mais diversas mídias

tenham a possibilidade de participar ativamente de um processo do qual, segundo o

veículo, “até há pouco desempenhavam o papel de agentes passivos”.

No entanto, para Albuquerque (2001), mais que oferecer um espaço de

debate e confronto de opiniões a agentes sociais diversos, o Observatório da

Imprensa atua como agente provocador deste processo. O autor chegou a essa

conclusão depois de analisar 24 das primeiras 96 edições do site.

Ele se apresenta também como um agente que toma parte ativamente no debate, defendendo posições, buscando influenciar os outros agentes, etc. Obviamente, ele não o faz de uma perspectiva “neutra”, desprovida de qualidades, regras e vícios. Alberto Dines e seus principais colaboradores não são, obviamente, jornalistas “universais” e não têm procuração para falar em nome da classe como um todo. Os seus discursos são permeados por conceitos e preconceitos que refletem as suas trajetórias particulares dentro do jornalismo (ou em referência a ele). (ALBUQUERQUE, 2001, p.1)

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De acordo com os objetivos relatados no site do Observatório da

Imprensa, o que o veículo avalia é o produto jornalístico e não os grupos de

comunicação de massa ou os profissionais que executam suas diretrizes. O

Observatório da Imprensa ainda esclarece que “não pretende competir, substituir

ou alinhar-se” a qualquer entidade representativa da categoria ou de mídias, “como

a ABI, a FENAJ, a ABERT, a ANJ e a ANER” (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA,

2011). Embora o pioneirismo de suas atividades seja destacado no site, consta na

apresentação do mesmo que o veículo não pretende ser o único do gênero crítica da

mídia e convoca outros grupos a fazerem o mesmo.

Ainda que não especifique quando, é informado no site do Observatório da

Imprensa que a crítica da mídia surgiu nos Estados Unidos “como forma de

sensibilizar a comunidade e os profissionais da mídia para a complexidade da

função jornalística na sociedade moderna” (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA,

2011), somando-se às experiências anteriores do ombudsman e do media-criticism.

É dito ainda que o país conta com pelo menos duas organizações semelhantes,

cada qual com sua perspectiva política própria: a FAIR (Fairness & Accuracy in

Reporting), cujo enfoque é a análise da intromissão do poder econômico e político

na imprensa, e a Accuracy in Media, mais inclinada a indicar as infiltrações e

distorções liberais na grande imprensa americana. Embora concorrentes, as duas

organizações – segundo o texto de apresentação do Observatório da Imprensa –

se completam, “constituindo um sólido aparelho crítico, pluralista e democrático”.

(OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2011)

O Observatório da Imprensa é formado por uma equipe composta por

editor responsável, redator chefe, editores assistentes, redatores, produtores,

colaboradores, administrador, consultor e membros do Projor, num total de 25

pessoas. Apresenta um conjunto de 14 seções, sendo cada uma delas dedicada ao

tratamento de um assunto específico. O site do Observatório da Imprensa é

patrocinado pela Petrobrás, Embraer e bancos do Brasil e Bradesco. O portal ainda

conta com atrativos como o OI na TV, Vídeos OI, OI no Rádio e Blogs OI, que

oferecem ao internauta a possibilidade de acompanhar os últimos programas de

rádio e TV do veículo, além do acesso a blogs.

O site é formado por diversas seções, que de acordo com Albuquerque

(2001, p.2) são “presididas por suas próprias regras de ocupação, as quais

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determinam os tipos de temas a serem tratados e de agentes a serem aceitos em

cada uma delas”. Conclui-se, então, por inferência, que as seções são as editorias

do Observatório da Imprensa. E ainda segundo o autor, a montagem da página de

abertura do site sinaliza a existência de uma escala de valor relativa, que varia de

edição para edição. O destaque que determinada seção recebe, maior ou menor, é

atribuído por Alberto Dines e sua equipe de colaboradores.

O status dessas seções é variável: o índice publicado na página de abertura do Observatório da Imprensa fornece um referencial bastante eficiente acerca do status relativo de cada uma das suas seções (quanto mais acima e à esquerda estiver situada uma seção, maior deverá ser a sua importância); a existência de chamadas ou ilustrações referentes a uma seção também constituem critérios de distinção de uma seção. Do mesmo modo, o status dos agentes que participam do Observatório da Imprensa também varia, em função dos espaços que habitualmente eles ocupam e da frequência com que o fazem. (ALBUQUERQUE, 2001, p.2/3)

A seção Circo da Notícia, de acordo com Albuquerque (2001), pode ser

apontada como o espaço editorial do Observatório da Imprensa, já que é ocupada

quase que exclusivamente por artigos de seu editor-chefe, Alberto Dines. A seção é

ocupada por artigos que refletem às “concepções particulares do Observatório

sobre questões relacionadas à ética e à responsabilidade social da imprensa”,

(ALBUQUERQUE, 2001, p.5).

Na seção Imprensa em Questão, a temática discutida, segundo Albuquerque

(2001, p.10), “é bastante semelhante à do Circo da Notícia: questões relativas à

ética e à responsabilidade social do jornalismo”. O que distingue uma da outra,

conforme o autor, é o ponto de vista plural da Imprensa em Questão, ou seja, a

opinião é exercida por agentes sociais diversos, além da do editor-chefe do

Observatório e sua equipe. Essa participação, entretanto, é induzida pela equipe do

Observatório da Imprensa. É que de acordo com Albuquerque (2001, p.10), textos

são coletados “para pautar ou servir [...] de apoio para os artigos publicados”. O

autor cita como exemplo a publicação do artigo “Coisas do Passado”, escrito por

Alberto Dines à época de seu vínculo com o jornal Folha de São Paulo, mas que

não foi divulgado por estar em desacordo com a linha apartidária do veículo. “Tal

fato gerou, na edição de no 56, um ‘Dossiê Censura’, aberto justamente pelo texto

não publicado”, (ALBUQUERQUE, 2001, p.10).

“Dossiê Censura” foi o nome dado à cartola do conjunto de textos originados

pela publicação do artigo “Coisas do Passado”, de Dines. Agrupados pelo trabalho

de edição, os artigos foram publicados sob o título “Crise nos Jornais”. De acordo

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29

com Albuquerque (2001), o título e a cartola são recursos de edição utilizados no

Observatório da Imprensa para atribuir um sentido geral a um determinado

conjunto de textos fundamentalmente distintos. No caso já referido, a intervenção

resultou, nos dizeres de Albuquerque (2001, p.11), num “amplo arco de apoio em

torno de Dines”. Mas o que realmente chamou a atenção do autor foi o tratamento

dispensado pelo veículo a única opinião dissonante do conjunto.

[...] o texto é curto demais, o que conspira contra a coerência do argumento; seu conteúdo é relativizado pelo uso de aspas; mesmo a identidade do autor da frase é apagada, em contraste com a “Manifestação dos leitores da Folha”. Os próprios títulos dos dois textos contrastam: no caso do telespectador da versão televisiva do Observatório, o título destaca o fato de se tratar de uma manifestação singular; no caso da Folha, porém, o título se refere à manifestação de leitores, embora a introdução do texto afirme que a carta foi a “única manifestação na seção Painel do Leitor da Folha de S. Paulo”. O efeito é evidente: enquanto a carta do leitor da Folha é tratada como representativa do pensamento do conjunto dos leitores do jornal, a tomada de posição favorável à Folha é caracterizada como puro nonsense. (ALBUQUERQUE, 2001, p.11)

Na percepção de Braga (2006), que analisou o Observatório da Imprensa de

2001 a 2003, não foi por acaso que Albuquerque (2001) identificou a existência de

um “amplo arco de apoio em torno de Dines” na seção Imprensa em Questão. É

que Braga (2006, p.112) entende ser “evidente que os artigos selecionados para

essa seção o são em função de se caracterizarem como bons exemplares da

démarche crítica preferencial” do veículo. (BRAGA, 2006, p.112) O que caracteriza a

seção, conforme Braga (2006, p.113), como “o campo de um jogo ‘regulamentado’

pelos critérios definidores da ‘posição OI’. Já Albuquerque (2001, p.10) insinua

quase a mesma coisa, ao observar que “a Imprensa em Questão é um espaço

plural, mas [...] isso não significa necessariamente que se trata de um espaço

aberto”.

Essas veladas intervenções promovidas pela equipe do site são decorrentes,

de acordo com Braga (2006), da natureza militante da crítica do Observatório, que

busca, por meio desse recurso, conquistar a adesão do leitor ao conjunto de valores

e critérios defendidos pelo veículo como sinônimos de bom jornalismo. “[...] o esforço

da crítica é vergastar pontos de vista diferenciais e buscar o aliciamento dos leitores

para o ponto de vista assumido”. (BRAGA, 2006, p.129)

De acordo com os valores e critérios apontados por Braga (2006) como

norteadores da linha de ação crítica do Observatório da Imprensa, o que o veículo

cobra é um jornalismo crítico, com profissionais dotados de um poder de análise e

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30

interpretação capaz de proporcionar ao leitor uma perspectiva mais aguda e refletida

acerca dos fatos que apura. A responsabilidade política da imprensa também é

bastante enfatizada, já que segundo Braga (2006) a imprensa é tida pelo

Observatório como base principal da esfera pública, o meio pelo qual a política se

realiza: “no sentido forte, de planejamento das ações da sociedade, que não se

reduz às estratégias político-partidárias”, (BRAGA, 2006, p.114). De modo que tudo

o que for produzido pela mídia que conflitar com estes valores será expressamente

criticado no Observatório da Imprensa. Como explica o autor:

[...] apresenta matérias que fazem a crítica de ações, na sociedade (ações de jornais, mas também de setores econômicos e políticos) que possam ter alguma incidência restritiva sobre a imprensa e particularmente sobre uma imprensa crítica. Igualmente, considerações sobre a legislação e a jurisprudência que possam ter incidência sobre o jornalismo pretendido. [...] Parece-me que essa “linha de ação” crítica determina os demais ângulos e componentes do jornal.

O Observatório da Imprensa também reproduz, na seção A Voz dos

Ouvidores, críticas feitas por ombudsmans ou colunas de ouvidores de jornais. O

conteúdo, porém, só é publicado se apresentar similaridade com a implícita cartilha

de valores do veículo. E por ter essa característica, de reprodução de publicações

externas que reforçam sua posição, a seção se constitui, na visão de Braga (2006),

como uma das principais seções do Observatório da Imprensa.

Para Albuquerque (2001, p.14), o poder de cacifar os próprios discursos e de

enfraquecer as opiniões dissonantes torna o Observatório da Imprensa “um espaço

muito menos plural do que nos parecia ser a princípio”.

A Entre Aspas, de acordo com Braga (2006), é a única seção do site em que

as mais antagônicas interpretações coexistem harmonicamente, sem intervenções

ou manobras editoriais. A seção é ocupada por matérias e/ou artigos assinados, que

foram publicados em algum veículo de imprensa no país. “Com a característica de

um clipping organizado tematicamente (‘imprensa’), aparece toda uma diversidade

de notícias e interpretações, [...] em que o que importa efetivamente é o ‘falar sobre

imprensa’”, (BRAGA, 2006, p.119)

Na seqüência, ao traçar um paralelo comparativo entre a crítica do

Observatório da Imprensa com a feita pelo ombudsman (jornalista existente em

alguns veículos cuja função é a crítica dos pares em cima de erros por eles

cometidos) o autor identifica que o fato em comum é a de que em ambos os casos

críticos e criticados fazem parte da mesma profissão. Observa, no entanto, que a

Page 31: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

31

crítica do ombudsman é feita internamente (o crítico trabalha no mesmo ambiente do

alvo de sua crítica) e embasada nos padrões profissionais vigentes. Trocando em

miúdos, o ombudsman critica o jornalista que, com ou sem intenção comete deslizes

na produção das matérias, afastando-se do modelo comum da produção jornalística.

Enfoque este inversamente proporcional ao do Observatório da Imprensa, que

desenvolve a crítica em cima de alguns dos padrões vigentes e suas realizações

práticas. Prosseguindo o relato da crítica feita no Observatório da Imprensa, o

autor diz que:

Os processos jornalísticos são cotejados com uma posição política mais ampla, que cobra sua revisão. Paralelamente, não há propriamente negociação de interpretações – a crítica se coloca como interpretadora/definidora baseada na experiência profissional e analítica do Observatório. Como essa posição é constituída sobretudo por um dever ser (mais do que por uma cobrança de ajustes ou de correção pontual de desvios), demarca-se como um ponto de vista militante. [...] o esforço da crítica é vergastar pontos de vista diferenciais e buscar o aliciamento dos leitores para o ponto de vista assumido. (BRAGA, 2006, p.129)

A idéia central do Observatório, de acordo com Braga, seria então o

combate aos padrões usuais do fazer jornalismo, criticando-os e argumentando em

defesa da troca por outro modelo, menos neutro e mais opinativo. Diferente do

ombudsman, a crítica do Observatório não se preocupa em ensinar o leitor, em

esclarecê-lo acerca dos métodos e técnicas corretos do fazer jornalismo. Muito antes

pelo contrário, o esforço da crítica é dirigido à conquista da adesão do leitor à visão

do Observatório, numa ação que o autor configura como militante.

Isso não significa que não se aprenda através da leitura sistemática do site. Pelo contrário, aprendemos muito sobre a imprensa e seus processos. O que assinalo apenas é que o discurso do jornal não se organiza de modo didático – a interlocução não é assim expressamente construída – como diálogo entre conhecedor e aprendiz, e sim, antes, como apelo de adesão aos bons valores. A interlocução não é voltada para o desenvolvimento de conhecimentos e competências, mas para o embate de valores. (BRAGA, 2006, p.130)

O autor também contesta o mote escolhido pelo Observatório, representado

pela frase “Você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito”, que acompanha o nome

do site a cada número. No entendimento dele, a frase insinua equivocadamente que

o leitor comum de jornais é o público-alvo do OI, a quem o veículo dirige suas

atenções e concentra seus esforços para ensinar, desenvolver e/ou ampliar a

capacidade de leitura crítico-interpretativa das notícias. Para Braga (2006), ensinar

está longe de ser a preocupação dominante do Observatório. A idéia, segundo o

autor dá a entender no trecho abaixo, é persuadir o leitor e captá-lo para o “time”, de

Page 32: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

32

modo que ao longo do tempo este também se torne um defensor/difusor das idéias

do Observatório.

O aprofundamento da interpretação faz rever essa hipótese. A discussão não se faz entre profissionais e críticos, de um lado, e leitores, de outro. Parece antes se fazer entre iniciados (críticos, militantes – jornalistas ou não), dando acesso a esse debate, para que o leitor possa se tornar, ele também, um “iniciado”. E é só pela passagem a esse outro patamar que o dístico se realiza. Não é, portanto, uma promessa pedagógica, mas um desafio. (BRAGA, 2006, p.131)

Após discorrer sobre o tom militante da crítica do Observatório da

Imprensa, Braga direciona sua análise para os interlocutores do portal. Ao identificar

a existência de três distintas categorias de público, o autor explica a função de cada

uma dentro da estrutura do site, e fala sobre a postura de ação que o veículo adota

com cada público.

Um nós fortemente sintonizado com os valores e com os processos críticos de defesa desses valores; os “adversários”, que são vergastados [...] por se contraporem ou [...] por nem sequer perceberem a validade dos critérios que deveriam estruturar a boa imprensa; e um leitorado disperso, que pode ser composto por jornalistas, estudantes e usuários interessados, leitores habituais da imprensa de interesse político (que deve ser convencido através do vigor crítico do OI). Em suma: trata-se da estrutura básica da boa militância político-social (e, no caso, também profissional). Essa seria a estrutura da polêmica do Observatório. (BRAGA, 2006, p.131)

2. METODOLOGIA

Para que se possa cumprir o papel exigido neste trabalho de iniciação

científica, que é de cotejar a teoria com a prática, se optou pela metodologia

qualitativa, na modalidade de estudo de caso, que segundo Yin (2001) é uma

pesquisa fundamentada na observação e exploração dos fatos que envolvem um

determinado fenômeno contemporâneo dentro de um contexto de vida real, onde

diferentes fontes de evidência são utilizadas. O Estudo de Caso, conforme Yin

(2001), é a estratégia mais adequada para responder a questões do tipo “como” e

“por que”, em situações em que o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos.

Assim sendo, as técnicas de pesquisa empregadas foram a coleta de entrevistas e

documentos, que servirão de base para responder as perguntas já referidas.

Conforme posteriormente veremos na análise do caso propriamente dito,

diversos personagens emitiram suas opiniões à luz daquilo que representou o cerne

do linchamento moral ou desgaste atribuído a Ibsen. Aliás, faz-se importante dizer

que o termo “linchamento de Ibsen” serviu de cartola para dois desses artigos, um

Page 33: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

33

deles de autoria do próprio editor-chefe do site, Alberto Dines. E todas essas

opiniões vieram à tona a partir da matéria publicada pela revista Istoé em agosto de

2004 que, na verdade, foi a sentença de absolvição pública da imprensa, embora

por outro veículo que não o prolator da “sentença condenatória”, no caso a revista

Veja, em novembro de 1993.

E a fim de responder de que forma o erro ganhou visibilidade e como o

mesmo foi analisado no âmbito dos jornalistas, dividiu-se os artigos em grupos e a

partir do meio em que foram originalmente publicados, sendo que todos foram

reproduzidos pelo Observatório da Imprensa.

Erro do repórter Responsabilidade

da revista

Erro das fontes Erro da Imprensa

5 - 12 4 - 5 2 - 3 9 - 11

Paulo Moreira

Leite (5), Benito

Gama (1), Luis

Costa Pinto (4),

Reinaldo

Azevedo (1),

Dora Kramer (1)

Florência Costa

(1), Eduardo

Ribeiro (1),

Tereza Cruvinel

(1), Alberto Dines

(2)

Adam Sun (2)

Eliane Cantanhêde

(1), Guilherme

Fiuza (1), Mauro

Malin (2), Carlos

Brickmann (1),

José Paulo Lanyi

(1), Marcelo

Beraba (1), Luiz

Egypto (1), Alberto

Dines (2), Deonísio

da Silva (1)

Page 34: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

34

Entre Aspas. Imprensa em

Questão (5),

Entre Aspas (10),

Circo da Notícia

(1), Voz dos

Ouvidores (1).

Entre Aspas (6) e

Imprensa em

Questão (4).

Imprensa em

Questão (1) Entre

Aspas (6) e Voz

dos Ouvidores (1).

No grupo “Erro do Profissional”, quatro autores apontam o então repórter

Luis Costa Pinto como o responsável por levar adiante uma história que sabia não

ser condizente com a verdade. No grupo “Responsabilidade da Revista”, quatro

autores atribuem a Veja a culpa pelos danos que sua matéria provocou ao então

deputado Ibsen Pinheiro, em novembro de 1993. Já na opinião de outros dois

autores, a responsabilidade pelos erros nos números divulgados por Veja deve ser

imputada às fontes. E para 11 articulistas, a responsabilidade pelo erro recai sobre

toda a imprensa, já que nenhum veículo se empenhou em recuperar o episódio e

restabelecer a verdade dos fatos.

2.1 ERRO DO PROFISSIONAL

Dos 28 artigos coletados, o grupo “Erro do Profissional” responde por 42%

do total, com 12 colaborações. As opiniões dos autores Paulo Moreira Leite, Luis

Costa Pinto, Benito Gama, Reinaldo Azevedo e Dora Kramer foram exibidas na

seção “Entre Aspas” do Observatório da Imprensa.

Editor executivo de Veja à época da publicação da reportagem “Até tu,

Ibsen?”, de 17 de novembro de 1993, Paulo Moreira Leite classifica a versão de Luis

Costa Pinto como “fantasiosa”. Ele admite ter telefonado para Lula (apelido de Costa

Pinto) informando que Adan Sun havia detectado erro nos números referentes aos

depósitos nas contas de Ibsen, mas nega que tenha orientado o repórter a procurar

alguém que sustentasse o valor. No artigo “Radiografia de uma mentira”, exibido

pelo jornal O Globo em 18 de agosto de 2004 e reproduzido pelo Observatório da

Imprensa seis dias depois, Moreira Leite argumenta que telefonou para cobrar

transparência: “Se havia deputados acusando Ibsen, eles deveriam assumir sua

Page 35: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

35

responsabilidade e não usar a imprensa como bucha de canhão”. Já em outro artigo,

divulgado pela Istoé em 17 de agosto de 2004, o atual colunista da revista Época

afirma que o erro encontrado por Adam Sun não o havia surpreendido, já que a

condução do impeachment de Fernando Collor havia rendido a Ibsen diversos

desafetos. E que diante dessa descoberta ligou para Costa Pinto a fim de ouvir o

que o repórter tinha dizer. A decisão de divulgar números contestados pela própria

equipe de checagem, segundo Moreira Leite, teria sido tomada por causa dessa

conversa, em que Costa Pinto categoricamente descartava qualquer hipótese de ser

vítima de uma armadilha: “Ninguém nos proibia, naquele momento, de publicar duas

versões, o que teria ao menos amenizado o erro.” (artigo 8)

Embora o esforço percebido nos artigos de Paulo Moreira Leite para se

isentar de culpa sobre a matéria que exibiu depósitos inexistentes nas contas de

Ibsen Pinheiro, para Bucci (2000) o ex-editor executivo de Veja tem sim grande

responsabilidade no episódio. Não que o autor tenha feito referência a este caso

específico ou tecido algum juízo de valor sobre o mesmo. Mas sim porque afirma

que “os que comandam [...] devem incluir no seu rol de afazeres a formação ética

permanente dos jornalistas, dando-lhes retorno transparente sobre cada decisão”.

(BUCCI, 2000, p.207) O autor acrescenta que o mais importante dentro das

redações é o exemplo que os chefes dão para os mais os novos. É que para Bucci

(2000), a tendência é que os subordinados se espelhem nos mesmos, ou seja,

reproduzam suas ações.

Por trazer informações incondizentes com a versão de outros autores, optou-

se por ultrapassar excepcionalmente os limites da pesquisa com o adendo de um

parlamentar citado tanto no relato de Costa Pinto, publicado pela Istoé, quanto na

reportagem de Veja que originou este estudo. Trata-se de Benito Gama, ex-

deputado que exerceu o comando da CPI do Orçamento e da subcomissão bancária

da mesma em 1993. Em artigo publicado na versão online de Veja, de 17 de agosto

de 2004, ele nega que tenha recebido pedido de Costa Pinto para confirmar

qualquer informação falsa sobre Ibsen. E insinua, inclusive, que sequer serviu de

fonte para a matéria: “A fonte do jornalista [...] era oculta na época. Preferiu mentir

[...] informando a seu editor [...] que tinha obtido as informações através de mim, o

que não era verdade”. (artigo 28) Por fim, Benito Gama disse repudiar a tentativa de

Luis Costa Pinto de imputar a terceiros a responsabilidade pelas falsas acusações

Page 36: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

36

que perpetrou contra a honra de Ibsen e que ingressaria na justiça contra o jornalista

por crime de calúnia e difamação.

Atual colunista da revista Veja, Reinaldo Azevedo, um jornalista

assumidamente avesso ao Partido dos Trabalhadores, acredita que o erro que

vitimou Ibsen pode ser debitado em boa parte a incapacidade do então repórter Luis

Costa Pinto de ler ou de ao menos questionar as reais intenções da ida de

Waldomiro Diniz à sucursal brasiliense de Veja. Para Azevedo (artigo 20), o repórter

encarou o aliado dos então deputados petistas Aloizio Mercadante e José Dirceu

como “um troço guerreiro, a agir sozinho, movido pelo desejo de justiça”, quando na

verdade simplesmente representava a peça de uma engrenagem, a obedecer a

estratégia de inserção de um partido na vida pública. Na visão do autor, isso

acontece porque a imprensa está contaminada pelo espírito de esquerda, de fazer

justiça com as próprias mãos, de punir os poderosos, os ricos, as elites, e que isso,

aliado à determinação de fazer da opinião pública a caixa de ressonância de seus

valores e teses têm contribuído para fazer o mau jornalismo.

Para a jornalista Dora Kramer, as falsas informações propagadas contra

Ibsen Pinheiro nasceram de uma arriscada combinação de elementos (ambição,

ignorância, má-fé, açodamento e leviandade). Sem citar nomes, a autora julga que a

associação desses elementos levou a um conluio contra Ibsen que culminou com a

publicação da matéria. Mas se aqui a impressão que fica é a da divisão equânime de

responsabilidades, mais adiante a autora deixa transparecer sua opinião sobre o

principal responsável pelo erro. Ao condenar o jornalismo de delegacia de polícia,

onde segundo ela o jornalista “abre mão do dever de distinguir dados falsos de

informações verdadeiras”, deixando-se levar “pelo primeiro construtor de dossiês

que lhe aparece à frente”, fica fácil deduzir que a crítica sugere falta de imperícia por

parte do repórter na condução do caso.

Embora advirta que obedeceu à instrução de seu chefe à época para levar a

cabo uma matéria calçada em uma falsa prova, Luis Costa Pinto não se furta de

assumir a responsabilidade pelo texto. No próprio depoimento, publicado pela Istoé,

Costa Pinto já admite sua culpa. Diz que se deixou fascinar pela possibilidade de

emplacar um furo de reportagem e que isso, somado ao pouco tempo que dispunha

para fechar a edição, o levou a ignorar a checagem das informações. E com relação

a sua anuência ao plano de dar curso às falsas acusações por meio de uma fonte

oficial, Costa Pinto lançou mão da juventude para justificar sua omissão. Disse que

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37

por ter só 24 anos de idade na época não tinha acumulado maturidade suficiente

para se insurgir contra o comando e que não teme ser condenado por revelar as

falhas que teve e estar do lado da verdade. Em outro momento, o repórter admite

que o medo de perder o emprego falou mais alto, levando-o a seguir a orientação.

Os interesses profissionais alegados por Costa Pinto para justificar sua

anuência á orientação de seu ex-chefe revelam que em nenhum momento o repórter

levou em consideração as normas, princípios e valores do Código de Ética do

Jornalismo. Mais do que isso, mostram a falta ou a fragilidade de seu caráter como

cidadão à época, que como ele mesmo insinua estava ainda em formação. A

dedução advém das teses de Martins e Abramo (1997), que afirmam ser impossível

separar a conduta profissional da cidadã. Em outras palavras, os autores acreditam

na reprodução, por parte do indivíduo, do mesmo padrão de comportamento nas

mais diversas áreas da vida. “Ninguém se torna venal da noite para o dia”, afirma

Martins (2005, p.31). Contextualizando a sentença de Martins (2005, p.31), a atitude

conivente de Costa Pinto não pode ser entendida como um fato isolado. “O jornalista

[...] geralmente vai baixando a guarda aos poucos. Um dia, faz uma pequena

concessão; dias depois, cede um pouco mais; semanas mais tarde, enfia o pé na

lama.” O que pode ser comprovado pelo próprio relato de Costa Pinto, ao afirmar

que por diversas vezes silenciou ao testemunhar a chefia constrangendo colegas a

encontrar frases de fontes que confirmassem o que já havia sido redigido.

2.2 RESPONSABILIDADE DA REVISTA

A opinião de que o erro deve ser creditado à revista foi compartilhada por

quatro autores, num total de cinco colaborações. Os artigos dos jornalistas Florência

Costa, Eduardo Ribeiro, Tereza Cruvinel e Alberto Dines correspondem a 17% do

total coletado.

A jornalista Florência Costa, atualmente vinculada à Istoé, diz em seu artigo

que é longa a história dos erros da mídia e seus efeitos arrasadores para acusados

e acusadores. A autora diz ainda que a mídia americana protagonizou uma

avalanche de erros e retratações nos últimos anos e que a imprensa brasileira,

embora mais jovem, não fica muito atrás. Costa não faz nenhuma referência a Veja

ou ao episódio de erro jornalístico envolvendo o ex-deputado Ibsen, mas sugere a

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38

responsabilidade da revista em dois momentos. Primeiro, ao destacar que mais

importante que dar um furo de reportagem é antes se certificar de que o mesmo está

correto. E depois ao recomendar, para casos de erros, postura semelhante à

adotada pelo Correio Braziliense, que no ano 2000 ganhou o Prêmio Esso de

jornalismo por destacar, na própria capa, a admissão de um vacilo por meio da

manchete: “O Correio Errou”. “Se errou, é melhor consertar”, completa.

Outro que atribui à revista Veja a responsabilidade pelo erro é Eduardo

Ribeiro. Em seu artigo, comemorou o momento que o país atravessava, de

discussão aberta de questões importantes relacionadas à imprensa, e disse esperar

que o debate acarretasse o aprimoramento da atividade. Em outras palavras, o que

Ribeiro defende é o fim da tolerância para com os erros de imprensa: “Se [...] errou,

que repare o erro e que seja punido se for o caso, como acontece em qualquer outra

atividade. Não somos diferentes nem devemos ter foro privilegiado. Delito de opinião

é crime e ponto.” (artigo 26) E ao sustentar que os veículos de mídia devem ser

responsabilizados por tudo o que veiculam, principalmente em casos de ataque a

honra alheia, o autor condena Veja por ter dado mais destaque ao seu revide à

Istoé do que a correção do erro que cometeu na matéria sobre Ibsen. “Os veículos

olham os erros dos outros, e dependendo do caso carregam nas tintas, para

desmoralizar um eventual concorrente, mas na hora de olhar seus próprios erros são

míopes e econômicos”. (artigo 26)

Presidente da TV Brasil até 1° de novembro do corrente ano, quando então

transferiu o cargo ao colega Nelson Breve, a jornalista Tereza Cruvinel escreveu

artigo sobre o caso contendo uma entrevista com o alvo das acusações de Veja em

1993, Ibsen Pinheiro. Ela entende que a matéria de Istoé e a respectiva confissão

de Costa Pinto representam “o reconhecimento tardio de houve erro numa das

reportagens que fundamentaram o processo de cassação” (art. 27) do mandato do

político. Porém, traz trechos de conversas que teve com Ibsen que colidem com seu

próprio julgamento do episódio: “Ninguém teria tal força, isoladamente. Nem o que

Veja fez foi discrepante do clima generalizado de então. Não fui cassado por uma

revista, mas pela Câmara dos Deputados [...] Era cassar ou cassar”.

Editor-chefe do Observatório da Imprensa, Alberto Dines é o único dos

autores estudados a fazer parte de dois dos quatro grupos em que a análise foi

dividida. É que ao tecer duras críticas a contenda pública travada pelas rivais Veja e

Istoé, Dines afirmou, no artigo que titulou como “A guerra dos ventiladores”, que “foi

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39

na redação de Veja que se inventou a técnica de induzir os entrevistados a dizer

aquilo que o redator já colocara na matéria”. E embora o autor faça referência a

outro episódio de erro protagonizado por Veja, pode-se deduzir que ele não descarta

a versão de Costa Pinto, que alega ter sido orientado pela chefia a procurar por

alguém disposto a sustentar as falsas informações que dispunha. “O erro só foi

assumido semanas depois, porque a infalibilidade olímpica dos chefes de redação

não permitia o reconhecimento do deslize.” (artigo 3)

2.3 ERRO DAS FONTES

Ocupado exclusivamente pelo jornalista Adam Sun, então chefe da equipe

de checagem de Veja à época da publicação da reportagem “Até tu, Ibsen?”, de 17

de novembro de 1993, o grupo “Erro das Fontes” representa 7% do total de artigos

levantados, com duas colaborações.

Em artigos publicados pela versão online da Veja e pela revista Istoé,

reproduzidos no site do Observatório da Imprensa, Sun admite que dois cheques

enviados por Costa Pinto à matriz de Veja realmente estavam supervalorizados em

1000%, mas nega que os mesmos tenham sido considerados na soma que apontou

o montante de um milhão em depósitos nas contas do ex-deputado: “A checagem

somou 182.000 dólares com 881.000, valores dados por ‘um auditor do Banco

Central, a pedido da CPI’, e o resultado conferia: um pouco mais de um milhão”. Sun

complementa afirmando que a checagem só autorizou a publicação do número

depois de reconfirmar os dados com o autor da apuração, sugerindo, assim, que se

alguém errou nas contas de Ibsen esse alguém com certeza era a fonte.

2.4 ERRO DA IMPRENSA

Abrindo o grupo dos articulistas que comungam da hipótese de “Erro da

Imprensa”, representando 39% do total de artigos levantados está o mais incisivo

deles: o editor-chefe do Observatório da Imprensa, Alberto Dines. Para o autor, a

reportagem de capa da edição 1.819 de Istoé revela “um dos maiores libelos contra

os procedimentos irresponsáveis da nossa imprensa nos idos de 1992-93”. Ele

compara Ibsen a Alfred Dreyfus, um oficial de artilharia do exército francês que

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40

estava sendo condenado por traição com base em documentos falsos. Na ocasião,

os oficiais do alto escalão francês se deram conta disso, mas tentaram ocultar o erro

judicial. “Veja errou em 1993, mas na ocasião ninguém esperneou em defesa do

deputado Ibsen Pinheiro. Nem a agora generosa Istoé”, conclui. E ao classificar o

erro de Veja como uma "formidável barriga", Dines insinua que o episódio alterou o

curso da história e da conjuntura política do país no momento, já que acarretou o

abandono da disputa presidencial de um quase candidato. Por fim, recorda que o

nome de Waldomiro Diniz, o mesmo que foi até a sucursal brasiliense de Veja com

boletos bancários adulterados de Ibsen nas mãos, foi apontado no noticiário de

fevereiro de 2004 como abastecedor dos então deputados Aloizio Mercadante e

José Dirceu nas investigações da CPI do Orçamento. E critica a imprensa por ter se

omitido de associar o mesmo como artífice da calúnia contra Ibsen e de restabelecer

a verdade sobre o caso: “Se [...] no delírio das denúncias não aparece nas redações

um jornalista capaz de [...] buscar a verdade onde ninguém a procura, então

estamos completa e definitivamente ferrados”.

Ao destacar que o direito individual de não ter a honra violada é tão

importante quanto o direito público da sociedade à informação, Mauro Malin cobra a

criação de um órgão representativo dos jornalistas que se ocupe de intervir a favor

das vítimas de abusos praticados pela imprensa. E condena o movimento

empreendido por Veja e pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo no sentido de

minimizar os efeitos das falhas cometidas para a cassação do ex-deputado Ibsen

Pinheiro. “Para atenuar o alcance dos desatinos que comete, a mídia não hesita em

reduzir sua própria importância no processo político. [...] Em lugar nenhum do

mundo a mídia gosta de reconhecer seus erros ou dar satisfações a quem quer que

seja”. (art.22)

Essa dificuldade dos veículos de comunicação em lidar com a crítica foi

apontada por Christofoletti (2003) como um dos dez entraves por ele identificados

para uma reforma dos procedimentos adotados pela mídia. Segundo o autor, os

poucos empresários do ramo da comunicação agem assim porque são muito

poderosos, dominando 80% de tudo o que é visto, lido ou ouvido pelos brasileiros. E

somando-se ao oligopólio do setor comunicacional o descaso do poder público em

fiscalizar os compromissos decorrentes das concessões de rádio e TV, o resultado,

segundo Christofoletti (2003, p.4), é desolador: “as contrapartidas sociais são

simplesmente esquecidas”.

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41

Proprietário de uma empresa especializada na prestação de serviços

comunicacionais, Carlos Brickmann classificou os supostos deslizes éticos

cometidos por Veja, no caso envolvendo o ex-deputado Ibsen Pinheiro, como “um

dos maiores escândalos da história da imprensa brasileira”. Mas apesar de reprovar

o ato da revista, que segundo ele resultou na “destruição deliberada de um homem

honrado”, o que o autor condena mesmo é a imprensa como todo, já que nenhum

órgão mobilizou esforços para averiguar se as acusações eram de fato verdadeiras:

“Como manada, a imprensa segui o líder: um gritou ‘mata!’, os outros gritaram

‘esfola!’, e dez anos da vida de uma família foram destroçados”. Brickmann ainda

acrescenta que esse tipo de postura da imprensa é mais comum do que se possa

imaginar: “acontece todos os dias [...] e os alvos são tratados apenas como alvos [...]

não como cidadãos cuja inocência é presumível até prova em contrário.” (artigo 24)

Para Guilherme Fiuza, atual colunista da revista Época, os dez anos que a

imprensa levou para desvendar o “grosseiro” erro que Veja cometeu ao publicar

matéria denunciando depósitos milionários nas contas do ex-deputado Ibsen

Pinheiro são “uma gota no oceano da perdição”. É que para o autor, “num ambiente

de instituições minimamente operantes” a farsa viria à tona e a revista cairia no

ridículo. Com isso, o autor sustenta que o Ministério Público, o Judiciário, a classe

política e a própria opinião pública tem uma parcela de culpa nos casos de conduta

leviana da imprensa: “um instante de atenção e responsabilidade [...] de pelo menos

uma destas instituições é o suficiente para cortar o mal pela raiz”. (artigo 19)

De todas as críticas coletadas sobre o episódio, a do jornalista José Paulo

Lanyi é certamente a mais mordaz e contundente contra os procedimentos da

imprensa. O autor não aliviou nenhum veículo, afirmando que todos “fizeram um

jornalismo porco, um misto de oficialismo, imprudência e ganância, mas também de

mentira, negligência e desprezo pela equidade”. (artigo 25) E classificou como

covarde a errata publicada por Veja na edição seguinte à da acusação,

argumentando que “não adianta corrigir números e dizer que quem acusa é a CPI”.

Por fim, volta a criticar a imprensa por não ter dado destaque algum às absolvições

unânimes que Ibsen acumulou nas mais diversas instâncias judiciais.

Na contramão da maioria dos articulistas, o colunista do jornal Folha de São

Paulo, Marcelo Beraba, adotou uma postura menos afirmativa e mais analítica do

caso. Além de não considerar a matéria de Veja determinante para a cassação de

Ibsen, o autor sugere que a “há algo de errado nessa revisão da história”,

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42

recomendando posteriormente que o episódio seja “mais bem estudado e analisado”

antes de ser definido como um “novo caso emblemático da irresponsabilidade da

imprensa”. Por fim, afirma não ter dúvidas de que “a imprensa e não só a Veja errou

na época”, atribuindo o fato à corrida voraz pela informação exclusiva e ao que,

segundo o ele, “se convencionou chamar [...] de fúria denuncista”. (artigo 1)

Também colunista da Folha, Eliane Cantanhêde adotou um discurso mais

afirmativo. Considerou o depoimento de Costa Pinto avassalador, sobretudo no

trecho em que o ex-repórter de Veja atesta “que o erro foi descoberto a tempo, antes

de chegar às bancas”. E assim como o colega Beraba, atribui a reprodução dos

equívocos de Veja pelos demais veículos de comunicação à fúria denuncista que

vigorava à época, o que segundo a autora impediu a imprensa de ouvir “os

argumentos do réu (ou vítima), lessem a auditoria da consultoria Trevisan, tivessem

clemência”. (artigo 18)

O artigo do jornalista Luiz Egypto é uma mescla de resgate dos fatos que

ocasionaram a associação de Ibsen ao esquema de desvio de verbas do orçamento

da União com perguntas que fez ao político. E a dedução de que atribui o erro à

imprensa, como todo, foi subtraída de duas das nove perguntas. Na primeira,

questiona “como se comporta e como vive uma pessoa atacada com virulência pela

mídia?” E na segunda, o autor pergunta como era o relacionamento de Ibsen com a

imprensa, o que levou a conclusão de que o jornalista não trabalhava com outra

hipótese senão a de erro da imprensa.

Para Deonísio da Silva, Ibsen Pinheiro foi vítima de uma mentira muito bem

embalada, que levada a cabo por pessoas irresponsáveis se transformou num tacão

para obter sua condenação. E acusa toda a imprensa de ser cúmplice do episódio:

“se não por malícia, por descuido, despreparo, incompetência”, afirma. (artigo 10)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se pode concluir a partir da análise de todas as opiniões que vieram à

tona a partir da matéria de Istoé é que os prejuízos causados as vidas pública e

pessoal de Ibsen foram amplamente reconhecidos, muito embora exista a guerra de

versões e o juízo do agir certo ou errado pelos jornalistas que se ocuparam de

articular sobre o episódio. Além disso, ficou evidente, pelos documentos levantados,

Page 43: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

43

que o erro jornalístico envolvendo o ex-deputado Ibsen Pinheiro não é um caso

isolado. Inúmeros outros personagens acusados injustamente pela imprensa foram

abordados para justificar a necessidade de um órgão que se ocupe de conter os

deslizes éticos cometidos pela mídia, o que de acordo com os documentos

levantados ocorrem com desalentadora frequência. A idéia de um Conselho Federal

dos Jornalistas vinculado ao governo, que tramitava no Congresso Nacional à época

da matéria de Istoé (2004) foi amplamente rejeitada, visto que todos comungam da

opinião de Bertrand (2002) sobre o assunto. Todavia, todos se manifestaram

favoráveis a criação de um órgão superior, formado por profissionais da área, ao

qual todos os veículos de imprensa devessem prestar contas. Acredita-se que

assim, submetendo o trabalho da mídia a um olhar crítico e severo acerca de sua

atuação, os profissionais e os próprios veículos teriam mais cuidado e zelo na

apuração dos fatos, já que seriam constrangidos por este órgão a reconhecer e

corrigir devida e adequadamente os erros que cometerem.

No jornalismo, como bem destaca Pena (2005), não há fibrose. Ou seja, por

maior que seja o empenho de um veículo em destacar à correção de um equívoco, é

impossível reverter ou reparar o prejuízo sofrido pelo alvo da acusação de outrora. E

é fundamentalmente por isso que a criação de um órgão com autoridade para se

posicionar, prestar contas à sociedade e punir, se for o caso, se faz tão importante.

Porque os procedimentos éticos em vigor atualmente na mídia, de denunciar

primeiro para só depois averiguar se a mesma é condizente com a verdade

precisam ser reformados. E com base nos documentos coletados, só há um modo

disso de fato acontecer: se todos os veículos de comunicação do país forem

submetidos a um controle superior, exercido por profissionais da área cujo único

compromisso seja com a sociedade, que precisa e deve ser tratada com respeito.

Respeito e consideração que nenhum veículo demonstrou ter para com a

mesma no episódio envolvendo o erro jornalístico perpetrado pela matéria de Veja

(1993), já que ainda hoje, 18 anos depois, não há uma versão oficial acerca do

ocorrido. O que tem de verdade e de mentira nas versões de Costa Pinto, Paulo

Moreira Leite e Adam Sun até agora ninguém sabe. O que é mais um indicativo da

importância de um controle externo da mídia, que por não ser obrigada a responder

pelos seus atos age como bem quer e entende ser o correto.

Com relação ao Observatório da Imprensa, entende-se que o veículo

realmente se enquadra como um dos tantos meios existentes de regulação da mídia.

Page 44: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

44

Embora não tenha autoridade para punir e exigir iniciativas, é inegável o empenho

demonstrado pelo site, na figura de seu editor-chefe, Alberto Dines, na luta por uma

reforma das práticas de imprensa. Sobre o erro jornalístico envolvendo o ex-

deputado Ibsen Pinheiro, sobraram críticas ao repórter e a revista Veja, mas

principalmente à imprensa como todo, inclusive à própria Istoé, por ter se

preocupado mais em atingir a credibilidade da concorrente do que propriamente com

a sociedade, que merecia saber a verdade.

E tendo como base a culpa que o próprio repórter se imputou, confirma-se a

hipótese inicial de que a responsabilidade pelo erro é sim de Luis Costa Pinto.

Primeiro, por não ter checado as informações que recebeu de uma fonte ligada a

políticos de um partido rival ao de Ibsen e que tinham interesses em arranhar sua

imagem e reputação. E depois por ter concordado com a publicação de uma matéria

que, segundo Pena (2005), não deixava espaço para dúvidas com relação às

acusações: Ibsen era realmente culpado. Ter concordado com isso em nome do

emprego, mais do que uma grave infração ao Código de Ética dos Jornalistas, é um

indicativo do modo leviano com que encarou a situação.

O que está sendo proposto aqui é a adoção de um posicionamento

cauteloso, por parte dos jornalistas, ante toda e qualquer denúncia que chegue ao

seu conhecimento, principalmente se os mesmos forem oriundos de ambientes

marcados pela rivalidade político-partidária e repletos de interesses em jogo, como

são as Casas de Poder (Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Câmaras

Municipais e outros).

Tem-se, portanto, a intenção de contribuir para a conscientização dos

veículos de imprensa e seus profissionais sobre a importância da apuração

minuciosa dos fatos. Sugere-se, também, que esta monografia sirva como

referencial teórico a todo o estudante e profissional de comunicação, em especial

aqueles que cobrem ou pretendem cobrir essa editoria onde aquilo que se apresenta

como verdade muitas vezes não passa de uma mentira muito bem embalada.

Page 45: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo. 4ed. São Paulo: Cia das Letras, 1997

- ALBUQUERQUE, Afonso de. Media criticism à brasileira: o Observatório da

Imprensa. GT “Estudos do Jornalismo” - X Encontro Anual da Compós, Brasília.

2001

- ARGOLO, José Amaral: in Paiva, Raquel. Ética, Cidadania e Imprensa. Rio de

Janeiro: Mauad, 2002

- BRAGA, José Luiz. A Sociedade Enfrenta Sua Mídia. São Paulo: Paulus, 2006

- BERTRAND, Jean-Claude. O Arsenal da Democracia. Bauru: Edusc, 2002

- BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Cia das Letras, 2000

- CHRISTOFOLETTI, Rogério. Dez impasses para uma efetiva crítica de mídia no

Brasil. Belo Horizonte: 2003

- ISTOÉ. Disponível em:

<http://www.istoe.com.br/revista/indice-de-materias/207_MASSACRADO> Acesso em

15.04.2011

- MARTINS, Franklin. Jornalismo político. São Paulo: Contexto, 2005

- OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Disponível em:

<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/> Acesso em 22.05.2011

- PENA, Felipe. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. No

jornalismo não há fibrose: a ruína das fontes, o denuncismo e a opinião

pública. 2005. (Participações em eventos/Congresso)

- SODRÉ, Muniz apud Paiva, Raquel. Ética, Cidadania e Imprensa. Rio de Janeiro:

Mauad, 2002

VÁSQUEZ SANCHES, Adolfo. Ética. 24ª edição. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira. 2003.

- VEJA. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx> Acesso em: 15.04.2011

- Yin, Robert K apud DUARTE MATSUUCHI YUKIKO, Marcia. Métodos e técnicas

de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2005.

Page 46: O CASO IBSEN PINHEIRO - MONOGRAFIA

46

ANEXOS

TIPOS DE SISTEMAS DE REGULAÇÃO DA MÍDIA:

UM PROGRAMA IMPRESSO OU DIFUNDIDO

- Um código de ética escrito, um conjunto de regras discutido e consensualmente

aprovado pelos profissionais de mídia – de preferência, com subsídios fornecidos

pelo público e levado ao conhecimento deste.

- Um memorando interno que recorde à equipe os princípios éticos (talvez a

“tradição” do órgão) e lhe proporcione orientação para agir em determinadas

circunstâncias.

- Um espaço de correção bem visível, nos impressos; no ar, um horário reservado ao

saneamento dos erros.

- Uma coluna ou programa regular de “Cartas ao Editor”, incluindo mensagens

críticas ao jornal/revista/emissora.

- Outros meios de acesso público, como mensagens on-line ou um fórum para

feedbacks imediatos.

-Um questionário detalhado e escrupuloso, enviado a pessoas citadas nas notícias

ou publicado para qualquer leitor preencher.

- Uma declaração pública sobre mídia feita por um executivo responsável,

abundantemente citada no veículo.

- Um espaço ou horário adquirido por pessoa, grupo ou companhia a fim de publicar

uma “carta aberta” sobre algum problema de mídia.

- Ocasionalmente, uma “Carta do Editor” ou nota explicando uma decisão editorial.

- Um comunicado aos leitores, anexado ou postado, para que saibam o que

acontece no jornal ou emissora.

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- Uma coluna, página ou seção regular de mídia no veículo (jornal, revista, programa

de rádio ou televisão etc.) que faça algo mais que mencionar novas contratações ou

mudanças de proprietário.

- Um website que divulgue sistematicamente correções de notícias ou queixas de

jornalistas.

- Um periódico ou emissora alternativa que publique fatos e pontos de vista

ignorados pela mídia regular, inclusive a crítica desta.

- Uma página de “Farpas e Louros”, contendo historietas que critiquem ou elogiem

ações de mídia, como ocorre na maioria dos periódicos sobre jornalismo.

- Uma “revista jornalística” em jornais, no ar ou na web, voltada principalmente para

a crítica de mídia, que exponha as distorções ou omissões dos veículos, bem como

quaisquer outros pecados cometidos por repórteres ou empresas de comunicação.

- Artigos, reportagens, livros, filmes ou séries televisivas sobre mídia, informativos e,

até certo ponto, críticos.

- Um abaixo-assinado assinado por centenas ou milhares, para pressionar a mídia

diretamente, via anunciantes ou alguma agência regulamentadora.

INDIVÍDUOS OU GRUPOS

- Uma crítica interna ou “comissão de avaliação de conteúdos” (como os shinsa-

shitsu adotados pelos diários japoneses nos anos 20) para inspecionar o jornal ou

monitorar a emissora, com vistas a descobrir brechas no código – sem divulgar seus

achados.

- Um comitê de ética ou “equipe de revisão” (grupo rotativo de jornalistas) montado

para discutir ou decidir questões éticas, de preferência antes que ocorram.

- Um orientador de ética que atue na redação, ocasionalmente, para despertar a

consciência moral dos repórteres, encorajar o debate e dar aconselhamento frente a

problemas específicos.

- Um repórter de mídia contratado para observar a indústria da mídia e passar ao

público notícias completas e imparciais.

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- Um informante disposto a denunciar abusos dentro da empresa de comunicação.

- Um repórter do consumidor que advirta os leitores/espectadores contra a

propaganda enganosa – e que intervenha a seu favor (como as equipes de “Fiscais”

comuns nos anos 70)

- Um ombudsman, pago pelo veículo, pronto a ouvir as queixas dos consumidores,

investigá-las, atender a elas, se for o caso, e relatar suas atividades.

- Uma Central de Queixas ou Serviço ao Consumidor, como existe na BBC (Grã-

Bretanha).

- Um comitê disciplinar montado por sindicato ou outra associação profissional, a fim

de fazer com que seu código seja respeitado – sob pena de expulsão.

- Um comitê de ligação montado conjuntamente pela mídia e o grupo social com que

ocasionalmente ela entra em conflito (por exemplo, a polícia ou uma minoria étnica).

- Um cidadão indicado para o conselho editorial ou vários deles, convidados para

participar das reuniões diárias de trabalho.

- Um quadro de leitores/ouvintes/espectadores consultados regularmente.

- Um clube em que o veículo (o mais das vezes uma revista) reúna

leitores/ouvintes/espectadores com talentos variados, induzindo-os ao diálogo sobre

seus serviços.

- Um conselho local de imprensa, ou seja, encontros regulares de profissionais da

mídia local e representantes da comunidade.

- Um conselho nacional (ou regional) de imprensa montado por associações

profissionais de proprietários de veículos de comunicação e jornalistas, que

normalmente inclua representantes do público, dispostos a defender a liberdade de

imprensa e registrar as queixas dos usuários.

- Uma agência de vigilância montada por indústria relacionada à mídia (como a

publicidade), que filtre os conteúdos e exija que alguns fatos não sejam dados ao

público, por razões éticas.

- Uma associação militante dedicada a reformar a mídia (como a FAIR nos Estados

Unidos) ou ajudar as pessoas que tenham queixas contra os veículos de

comunicação (como a Press-Wise na Grã–Bretanha).

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- Uma instituição ligada aos veículos, nacional (como a AEJMC) ou internacional,

que tenha interesse direto ou indireto na promoção da qualidade de mídia (como o

International Press Institute ou a World Association of Newspapers) e atue por

intermédio de conferências, seminários, publicações etc.

- Uma ONG que adestre pessoal e ofereça serviços gratuitos à mídia, em

democracias emergentes (Europa oriental) e países subdesenvolvidos.

- Um grupo de cidadãos (sindicados, associação de pais) que, por interesse próprio

e/ou público (por exemplo, o bem-estar dos filhos), monitore a mídia.

- Uma associação de consumidores, sobretudo de usuários de mídia, que recorra a

sessões de conscientização, monitoramento, pesquisas de opinião, avaliações,

pressões, campanhas e mesmo boicotes para obter melhores serviços.

- Um grupo representativo de jornalistas presente na redação e dotado de certos

direitos, como os permitidos por lei na Alemanha ou exigidos em Portugal.

- Uma “société de rédacteurs”, associação de todo o pessoal de redação que pleiteie

participação na política editorial – e, de preferência, seja acionista da companhia,

para melhor se fazer ouvir. O primeiro a fazer isso foi o diário francês Le Monde

(1951).

- Uma “société de lecteurs”, associação de leitores que adquirem ou recebem quotas

de capital numa empresa de comunicação e desejam ali ter voz ativa – como é o

caso do Le Monde (onde essas quotas chegam a cerca de 11%).

Embora observe que o faz “com certa relutância”, BERTRAND (2002) também

relaciona três tipos de instituições como exemplos de meios disponíveis nesta

categoria para se perseguir melhores serviços da mídia. A inclusão das mesmas,

segundo a justificativa do autor, se dá “na medida em que não recebem ordens do

governo e seu objetivo é aprimorar os serviços de mídia ao público”.

- A agência regulamentadora, estabelecida por lei, desde que independente

(sobretudo quando recebe queixas dos usuários de mídia). Estão nesse caso a

italiana Ordine dei Giornalisti (Ordem dos Jornalistas) e a francesa Conseil Supérieur

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de l’Audio-visuel (equivalente da FCC nos Estados Unidos). São dois tipos bem

diferentes de instituição.

- A empresa internacional de difusão, pública ou privada, que usa ondas curtas de

rádio ou satélite e torna difícil, para a mídia nacional, ocultar ou distorcer as notícias

(como a BBC World Service ou a CNN).

- A empresa de difusão não-comercial (como a NSK no Japão ou a ARD na

Alemanha), cujo único propósito é servir ao público e que, por sua mera existência,

representa uma crítica implícita à mídia nacional.

PROCESSOS

- A educação superior, que é um MAS crucial. A mídia de qualidade deveria

contratar apenas pessoas com diploma universitário, de preferência (embora isso

seja controvertido) em comunicações.

- Um curso separado de ética da mídia, exigido de todos os estudantes de

jornalismo.

- Cursos de extensão para jornalistas: palestras de um dia, seminários de uma

semana, estágios de seis meses ou um ano em universidades. Tais programas,

muito comuns nos Estados Unidos (como o Knight Fellowships em Stanford), são

raros no Exterior.

- Um programa de “mídia na escola” para treinar as crianças, desde tenra idade, na

compreensão e uso adequado da mídia.

- Uma campanha de “alfabetização em mídia” para educar e mobilizar o público.

- Um programa interno de conscientização para que o pessoal de mídia dê mais

atenção às necessidades dos cidadãos, especialmente mulheres e minorias

culturais, sexuais, étnicas etc.

- Encontros regulares do pessoal de mídia com os cidadãos comuns, em clubes de

imprensa, câmaras municipais ou até em cruzeiros.

- Uma sessão de atendimento telefônico: uma vez por semana, ou em intervalos

regulares, os editores promovem esse atendimento ao público, como sucede em

alguns jornais brasileiros.

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- Um estudo interno de alguma questão que envolva o público (como a relação do

jornal com seus leitores).

- Uma auditoria ética: especialistas de fora vêm avaliar a consciência ética, a

orientação e a conduta interna do jornal ou emissora.

- Uma pesquisa regular de opinião, comissionada pelos veículos, para auscultar o

homem da rua; e também um questionário em jornal ou website de emissora.

- Uma pesquisa de âmbito nacional sobre as atitudes do público frente a alguns

veículos (ou todos): por exemplo, a radioteledifusão pública.

- Pesquisas não-comerciais, feitas sobretudo por estudantes nas universidades, mas

também em institutos e centros científicos; e ainda estudos de conteúdos de mídia

(ou ausência deles), de percepção de mensagens por parte do público ou de

impacto dessas mensagens.

- Uma conferência anual que reúna executivos responsáveis por tomadas de

decisões, líderes políticos e representantes de grupos de cidadãos de todos os tipos.

- Cooperação internacional para promover a qualidade e a responsabilidade da

mídia, como a aliança européia de conselhos de imprensa ou a Federação Ibero-

americana de Ombudsmen.

- Um prêmio ou qualquer outra recompensa concedida à qualidade de mídia e aos

bons jornalistas – ou um antiprêmio.

ARTIGOS

1) “O caso Ibsen Pinheiro”, Marcelo Beraba (OI 24/08 – Folha 22/08)

2) “Por que o remorso de demorou tanto?”, Alberto Dines, OI, 17/08

3) “A guerra dos ventiladores”, Alberto Dines, OI, 24/08

4) “Mau jornalismo se combate com bom jornalismo”, Luiz Egypto, OI, 17/08

5) “Radiografia de uma mentira”, Paulo M. Leite (O Globo 18/08 – OI 24/08)

6) “Pobre Blair Costa Pinto”, Paulo M. Leite (Comunique-se 23/08 – OI 24/08)

7) “Ibsen Pinheiro”, Paulo M. Leite (Istoé 24/08 – OI 24/08)

8) “Versão dos envolvidos no caso”, Paulo M. Leite (Istoé 17/08 – OI 17/08)

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9) “Estelionatários de factóides”, Paulo M. Leite (Veja 24/08 – OI 24/08)

10) “Desculpas agora?”, Deonísio da Silva, OI, 17/08

11) “Os métodos de um covarde”, Luis C. Pinto (Comunique-se 23/08 – OI 24/08)

12) “Luis Costa Pinto”, Luis C. Pinto, OI, 24/08

13) “Ibsen Pinheiro, Luis C. Pinto (Istoé 24/08 – OI 24/08)

14) “Durmo em paz”, Luis C. Pinto (Correio Braziliense, Estado de Minas e Zero

Hora em 14/08 – OI em 17/08)

15) “A checagem evitou a publicação de tamanha besteira...” Adam Sun (Veja Online

17/08 – OI 17/08)

16) “Ibsen Pinheiro”, Adam Sun (Istoé 24/08 – OI 24/08)

17) “Florência Costa”, Florência Costa, OI, 17/08

18) “De ‘denuncista’ a denunciado”, Eliane Cantanhêde (Folha 15/08 – OI 17/08)

19) “Uma babá para a opinião pública”, Guilherme Fiuza (No Mínimo 18/08 – OI

24/08)

20) “Reinaldo Azevedo”, Reinaldo Azevedo, OI, 17/08

21) “Cadáveres insepultos”, Dora Kramer (O Estado de SP 14/08 – OI 17/08)

22) “Mídia reivindica desimportância”, Mauro Malin, OI, 24/08

23) “Irresponsabilidades da Imprensa”, Mauro Malin, OI, 17/08

24) “Mentira tem pernas longas”, Carlos Brickmann, OI, 17/08

25) “O baile funk de máscaras”, José P. Lanyi (Comunique-se 20/08 – OI 24/08)

26) “Eduardo Ribeiro”, Eduardo Ribeiro, OI, 24/08

27) “Ibsen agradece”, Tereza Cruvinel (O Globo 18/08 – OI 24/08)

28) “O jornalista Luis Costa Pinto mentiu antes e mente agora”, Benito Gama (Veja

Online 17/08 – OI 17/08)

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Matéria Istoé

A verdade aparece

Onze anos depois de ser cassado, Ibsen Pinheiro descobre que mau jornalismo

provocou seu martírio

Weiller Diniz

Sentindo-se vítima de denúncias contra os presidentes do Banco Central,

Henrique Meirelles, e do Banco do Brasil, Cassio Casseb, além do tesoureiro do PT,

Delúbio Soares, o governo resolveu atacar a liberdade de imprensa: propôs ao

Congresso a criação de um Conselho Nacional de Jornalismo para fiscalizar e punir

jornais e jornalistas. Mas uma revelação de um repórter em artigo enviado para o

livro a ser lançado pelo ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) mostra

que a descoberta da verdade independe de mecanismos repressivos. Em 1992,

Fernando Collor teve seu impeachment aprovado pelo Congresso. Um ano depois

foram cassados parlamentares por corrupção na célebre CPI do Orçamento. No

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centro dos dois casos estava Ibsen. Político em franca ascensão, ele comandou a

sessão que abriu o caminho para o impeachment. Um ano depois, enfrentou um

calvário que culminaria em sua cassação, escudada em uma acusação de

envolvimento com a Máfia do Orçamento.

Passada uma década surge uma revelação que obriga a revisão da história.

O jornalista Luís Costa Pinto (Lula), à época editor da revista Veja em Brasília,

decidiu contar os bastidores da reportagem de capa de sua autoria, em novembro de

1993, onde afirmava que a CPI descobrira que Ibsen movimentou US$ 1 milhão em

suas contas. O relato acusa Waldomiro Diniz, então assessor do atual ministro José

Dirceu (PT-SP), de ter vazado uma “falsa prova”. Além de confessar um erro, Costa

Pinto revela detalhes da história que foi decisiva para incinerar Ibsen. Junto com o

mandato, o ex-presidente da Câmara perdeu dez quilos e tempo indagando os

motivos de sua ruína política. ISTOÉ o procurou para falar de seu livro e teve acesso

ao artigo de Costa Pinto.

Em novembro de 2000, Ibsen almoçou com o jornalista na Churrascaria OK,

em Curitiba, quando soube dos bastidores. “A CPI do Orçamento caminhava para

um desfecho melancólico, pois só ia cassar deputados do chamado ‘baixo-clero’ (...).

Foi nesse ambiente que se perpetrou um dos grandes erros jornalísticos

contemporâneos”, contou Costa Pinto, no artigo que depois enviou a Ibsen. “Este

depoimento é seu e pode ser usado da maneira que você quiser”, escreveu no e-

mail. Trata-se de um raro mea-culpa em 2.804 palavras que dá pormenores e

nomes. Costa Pinto conta que em novembro de 1993 foi procurado por uma figura

que ficaria famosa dez anos depois: Waldomiro Diniz, assessor da CPI e já então

braço direito dos parlamentares petistas José Dirceu e Aloizio Mercadante.

“Pegamos o Ibsen”, disse Waldomiro. O depoimento de Costa Pinto, hoje consultor

do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), revela uma coragem

incomum em desnudar um fato já sepultado na memória. Mostra também como

Waldomiro vazava sigilos para incriminar investigados. A morte política de Ibsen

tirou do caminho um forte candidato à Presidência. O PMDB se dividiu, mas na

eleição de 1994 Lula acabou superado por Fernando Henrique Cardoso, após a

edição do Plano Real.

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Versão mantida – O jornalista conta que a revista identificou o erro nas

contas de Waldomiro: não seria US$ 1 milhão, mas apenas US$ 1 mil. Como a

edição estava praticamente fechada – relembra Costa Pinto –, o editor-executivo,

Paulo Moreira Leite mandou encontrar alguém que sustentasse a versão de US$ 1

milhão. Acharam o deputado Benito Gama (PFL-BA), membro da CPI e ex-

presidente da CPI/Collor. Costa Pinto diz que contou a Benito sobre o erro. A

reportagem manteve o valor de US$ 1 milhão com a frase de Benito: “É fundamental

não errarmos nas contas de Ibsen. E não erramos.” Erraram sim, de propósito.

A seguir, o artigo escrito pelo jornalista Luís Costa Pinto, que foi editor e

chefe da sucursal de Veja no Recife e em Brasília, repórter dos jornais O Globo e da

Folha de S.Paulo, editor da revista Época e editor-executivo do Correio Braziliense.

Hoje, é consultor de comunicação e de marketing político:

(...) Em 1992, quando o governo Collor perdeu as condições de sustentação

política no Congresso e definhava à mercê da Comissão Parlamentar de Inquérito

que lhe expunham as entranhas, o deputado Ibsen Pinheiro tornou-se um aliado

seguro e secreto da corrente suprapartidária que pediria a cassação do presidente

da República. “O que o povo quer, esta Casa termina querendo”, vaticinou o ex-

presidente da Câmara dos Deputados ao receber, na primeira semana de setembro

daquele ano, a formalização do pedido de impeachment presidencial no Salão Verde

do Congresso.

A retórica começava a aprontar uma cilada para ele: o povo, representado

em protestos nas ruas pela sociedade civil organizada, de fato queria o

impeachment. O Parlamento, em sua maioria, ainda não. Existia certa margem de

negociação capaz de evitar a perda de mandato de Collor, mas Ibsen foi peça-chave

na articulação que estreitou o raio de ação dos estrategistas palacianos. Escreviam-

se, naquela ação surda do presidente da Câmara, as primeiras linhas do epílogo de

sua vida parlamentar em Brasília – a cassação, em 18 de maio de 1994, por alegada

colaboração com a “Máfia dos Anões do Orçamento”.

Numa sexta-feira do mês de setembro de 1993, o repórter Policarpo Jr., meu

colega na redação brasiliense de Veja, obteve o furo de reportagem que mais tarde

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deu origem à CPI do Orçamento. Depois de insistir por uma semana, ele conseguiu

uma entrevista exclusiva com José Carlos Alves dos Santos, ex-assessor da

Comissão Parlamentar Mista de Orçamento do Congresso Nacional. José Carlos

estava preso em uma delegacia de Brasília por suspeita de assassinato de sua

mulher, Maria Elizabeth Lofrano. Na entrevista original, José Carlos mencionou o

envolvimento de sete deputados e de um senador em um esquema de fraudes ao

Orçamento Geral da União. Não falou no nome de Ibsen Pinheiro, que acabara de

deixar a presidência da Câmara e, semanas antes, fora lançado pré-candidato a

presidente da República numa festa do PMDB no Recife. Àquela altura, mais de um

ano antes do pleito, a candidatura presidencial de Ibsen era uma miragem no

cenário político – mas do centro à direita do espectro partidário não havia nenhum

nome viável para disputar o pleito presidencial de 1994 com Luiz Inácio Lula da

Silva, o favoritíssimo pré-candidato do PT. “Tenho certeza que o calvário de Ibsen

começou ali, no momento em que ele deixou de ser uma aventura para começar a

aglutinar apoios em torno de si”, disse-me certa vez Nelson Jobim.

Cerca de dois meses depois de iniciadas as investigações parlamentares

acerca dos desmandos e da cobrança de propinas na Comissão de Orçamento do

Congresso Nacional, o nome de Ibsen Pinheiro emergiu associado à Máfia de Anões

que corrompia o erário. O primeiro documento revelado para incriminá-lo era um

cheque do ex-deputado Genebaldo Correia (que renunciou ao mandato na esteira

das investigações) depositado em sua conta bancária. Horas depois de divulgada a

informação dando conta da existência desse cheque, a assessoria de Ibsen Pinheiro

passou a afirmar que o cheque era referente a uma transação financeira com uma

camionete. O valor do documento bancário era compatível com essa transação e o

carro, de fato, fora transferido de um para outro – mas a obviedade do álibi não

aplacou a ânsia de apuração jornalística sobre o fato. O segundo documento

divulgado para estabelecer um elo entre o ex-presidente da Câmara e a Máfia dos

Anões do Orçamento era uma fotografia tirada durante um jantar em uma ilha grega

– mostrava Ibsen cercado por cinco dos sete anões do Orçamento. (...)

O cheque de Genebaldo Correia e a foto da Grécia sustentaram uma

semana de acusações nos jornais contra o ex-presidente da Câmara dos

Deputados. Mesmo desarticulados, mas fiando-se na ausência de outras provas que

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maculassem ainda mais a biografia de alguém que fora interlocutor privilegiado da

República por dois anos, os amigos de Ibsen conquistavam terreno na árdua tarefa

de desmentir as acusações. No intestino da CPI do Orçamento, que caminhava para

um desfecho melancólico, pois só ia cassar deputados do chamado “baixo clero”

parlamentar, buscava-se uma revelação de impacto. Foi nesse ambiente que se

perpetrou um dos grandes erros jornalísticos contemporâneos.

Às 20h de uma sexta-feira de novembro de 1993 telefonou-me o assessor

parlamentar Waldomiro Diniz. Lotado na Subcomissão de Investigação Bancária da

CPI do Orçamento, Waldomiro era o braço direito dos deputados José Dirceu e

Aloizio Mercadante naquelas investigações. Hábil, esperto e articulado, forjara-se

desde a CPI do Caso PC como uma das boas fontes do submundo político

brasiliense. “Tenho uma bomba para você”, disse-me Waldomiro. “Estou indo para a

sua redação.” Minutos depois, Waldomiro Diniz entrou na sucursal brasiliense de

Veja, onde os trabalhos de encerramento da edição estavam avançados e

trabalhávamos em um texto de capa sem maiores novidades ou revelações sobre os

trabalhos da CPI. Dali a duas horas, no máximo três horas, a edição de Veja teria de

baixar para a gráfica da Editora Abril, em São Paulo.

Waldomiro exibia um sorriso triunfal. “Pegamos Ibsen”, disse-me. Em

seguida, exibiu sete boletos de depósitos bancários, já dolarizados por ele, e que,

segundo me dizia, provavam a transferência de US$ 1 milhão de uma conta

bancária de Ibsen Pinheiro de uma agência da Caixa Econômica para uma agência

do Banrisul. “Ele não tem salário para ter tanto dinheiro. Isso é a prova da

corrupção”, asseverou Waldomiro. Irresponsável, mas maravilhado com a

possibilidade de cravar um furo na edição de Veja do fim de semana seguinte,

embarquei na versão e na dolarização. Não chequei as informações. Comuniquei

aos editores em São Paulo que estava mudando o tom da reportagem que concluía

e passava a ser mais afirmativo contra Ibsen. Liguei para o ex-presidente da Câmara

– afinal, ouvir o outro lado é praxe muitas vezes cumprida com burocracia. Ele me

negou a história, negou-me os depósitos e os valores, mas eu preferi acreditar nos

documentos que tinha em mãos – afinal, registrar o outro lado burocraticamente

também é praxe no jornalismo. A nova informação autorizou uma chamada de capa

mais enfática contra o ex-deputado – “Até tu, Ibsen?”. A principal revista semanal de

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informação do País, que ia ficar exposta nas bancas por uma semana, era um libelo

acusatório contra o presidente da Câmara dos Deputados que liderara a votação do

impeachment ao ex-presidente Fernando Collor de Mello um ano antes.

Escrevi o texto e enviei os documentos bancários por fax para São Paulo.

Com a reportagem lida, modificada e aprovada pelos diversos escalões editoriais de

Veja, cheguei à minha casa por volta das 2h da madrugada do sábado. Pouco antes

das 8h fui acordado por toques insistentes da campainha do apartamento onde

morava. Era Silvânia Dal Bosco, colega na redação de Veja. “O Paulo Moreira quer

falar com você. Deu um problema grave lá em São Paulo... na edição da matéria do

Ibsen”, disse-me Silvânia. “Ele está tentando ligar para cá, para a sua casa, mas só

dá ocupado.” O meu filho tinha deixado o telefone fora do gancho. Liguei para Paulo

Moreira, então editor-executivo de Veja. Tenso, Paulo disse-me que Adam Sun,

chinês implacável que por muitos anos zelou pela qualidade das informações

publicadas em Veja na condição de chefe da equipe de checagem da revista,

descobrira que a dolarização estava errada. “Lula, essa soma não dá US$ 1 milhão.

Dá US$ 1 mil”, gritou-me Adam do outro lado da linha. Eu gelei. “Paulo, tem jeito?”,

perguntei. “Não”, cravou-me ele, friamente. “Já rodamos 1 milhão e 200 mil capas. E

jogar fora 1 milhão e 200 mil capas é um prejuízo impagável (hoje cerca de R$ 100

mil). Podemos, ainda, mexer no texto dentro da revista – mas isso vai atrasar a

remessa para o Rio de Janeiro e para o interior de São Paulo”, advertiu-me ele. “Vê

se consegue, em dez minutos, alguém para sustentar em on essa dolarização de

US$ 1 milhão”, sugeriu.

Não pensei em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar

curso com aquela reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu

emprego, em como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia.

Telefonei para o presidente da CPI do PC, o então deputado Benito Gama, e

consegui pegá-lo acordado àquela hora. Narrei-lhe o ocorrido. Ele tinha

conhecimento da versão acerca dos tais depósitos de US$ 1 milhão. “Não há chance

de isso estar errado. É US$ 1 milhão e Ibsen terá de responder por isso”, asseverou

Benito. “Deputado, isso é on (ou seja, no jargão jornalístico, eu perguntava se a

informação podia ser publicada assinalando-se a sua origem)? Olhe que a

reportagem de Veja, que está errada, vai se escudar nesse on seu”, perguntei mais

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uma vez. “É on. Agora, deixe-me fazer o meu cooper”, tranquilizou-me Benito.

Passei a frase por telefone a Paulo Moreira, que mexeu na edição da revista, e a

Veja circulou com o libelo acusatório contra Ibsen.

Foi uma tragédia pessoal para Ibsen Pinheiro. Ele não me procurou nos dez

dias seguintes. “Não tinha coragem de querer saber o por quê de terem dado curso

àquela mentira. E logo um repórter com o qual eu tinha excelente relação”, disse-me

anos depois. Eu sabia que a reportagem estava errada, a CPI também. Por ter

detectado o erro e por ter trabalhado para corrigi-lo no texto interno da revista, a

despeito de não ter salvado a capa, já impressa, o checador Adam Sun ganhou

um prêmio de US$ 1 mil conferido pelo diretor de redação de Veja, Mario

Sérgio Conti. Prêmios como aquele, obtidos mesmo sem concursos ou disputas, só

eram dados depois que conseguíamos bons furos de reportagem. Fora a primeira

vez

que um prêmio como aquele acabara nas mãos de um checador. O texto de

Veja repercutiu nos jornais por dois dias, a dolarização incorreta foi protocolarmente

corrigida pela CPI na semana seguinte, mas Ibsen fora arrastado definitivamente

para o centro das investigações. Seus advogados de defesa contrataram uma

auditoria da Trevisan & Associados para esquadrinhar todos os ingressos e todas as

saídas de suas contas bancárias no período de cinco anos. Nenhuma movimentação

financeira anormal foi detectada, mas a CPI desconheceu tal auditoria

argumentando que não a pedira nem a fiscalizara.

– Houve um momento, no meio de todo aquele furacão, em que eu tomei

uma decisão: convenci-me que a melhor coisa que podia fazer por mim seria não

morrer. Eu não poderia simplesmente ter um enfarte e morrer; dar um tiro na cabeça

ou sucumbir a um câncer, se ele fosse diagnosticado em meu corpo. Tomei a

decisão política de não morrer para ver até onde iria tudo aquilo, até onde eu

resistiria e como seria o meu restabelecimento pessoal e público.

(...) A confissão desse processo de regresso a um estado de paz interior

consigo mesmo foi feita por Ibsen em uma conversa que tivemos, na sala de seu

apartamento em Porto Alegre, no ano de 2000. Estávamos ali eu, ele e sua mulher,

Laila, companheira dos melhores dias e dos mais torturantes momentos. Olhei em

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volta, mirei alguns pratos de louça dourada sobre uma cômoda, uma almofada de

crochê sobre uma cadeira de balanço, três ou quatro bibelôs dentro de uma

cristaleira espartanamente arrumada. “Meu Deus”, pensei em silêncio. “Este

apartamento está decorado à semelhança da casa de meus avós, de meus pais. Um

dia eu fui capaz de escrever que esse homem, que essa mulher tinham se tornado

milionários – e olha aqui: são plácidos avós, marcados pela vida, mas ainda sólidos.”

Não revelei, na hora, aquela sensação que me provocava desconforto, mas passei a

me perguntar como poderia fazer um gesto que tentasse reparar as injustiças que,

involuntariamente, mas cúmplice, ajudei a perpetrar. Meu maior patrimônio é a

credibilidade de que gozo como jornalista profissional e, de alguns anos para cá,

como consultor de comunicação. Escrever este relato, absolutamente fiel a tudo o

que vivi, foi a melhor maneira que encontrei de repor a verdade – a verdade que

testemunhei.

"Decidi não morrer"

Ibsen Pinheiro faz um desabafo emocionado sobre o processo de que foi

vítima e garante: "Eu não guardo ódio"

Weiller Diniz

Aos 69 anos, o ex-presidente da Câmara dos Deputados conserva hábitos

simples, como caminhar nas ruas de Porto Alegre. Mora no mesmo apartamento de

um bairro de classe média, na capital gaúcha. Mas abandonou o gel para assentar

os cabelos. O homem que “não quis ser cúmplice da própria destruição” concedeu

esta entrevista a ISTOÉ na quarta-feira 11.

ISTOÉ – A notícia sobre a movimentação de US$ 1 milhão foi decisiva para a

sua cassação?

Ibsen Pinheiro – Antes de tudo, foi uma surpresa como esta suposta informação

alcançou tal repercussão em veículos de grande circulação. Sempre soube que não

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havia esses recursos – nem em dólares, nem em cruzados, nem em cruzeiros.

Naquele momento, não havia o necessário e indispensável espaço para a prudência,

para a avaliação criteriosa, e, consequentemente, a irresponsabilidade tinha espaço

para crescer. É só o que pode explicar como prosperou algo sem o menor apoio na

verdade. Nenhuma acusação formal me foi feita, eu não tinha uma emenda fraudada

no Orçamento, qualquer conduta desabonadora. A única coisa que me foi atribuída

era ter uma movimentação bancária superior às minhas posses.

ISTOÉ – E os US$ 881 mil, de onde surgiram?

Ibsen – Na ocasião, não soube a que atribuir. Só quando o jornalista

Luís Costa Pinto me deu o seu depoimento, antes de um almoço em

Curitiba, é que eu tive a causa concreta. Antes, eu não podia atinar como

surgira esse tipo de suposta informação.

ISTOÉ – E as demais acusações da época (US$ 35 mil recebidos de Genebaldo

Correia e fotos com anões em uma ilha grega) ajudaram?

Ibsen – Voltaire tem uma definição muito interessante. Diz que a primeira infâmia

contra alguém é rejeitada. A segunda arranha e a terceira destrói. No quadro que se

criou, as imputações sem provas, sem nenhum conteúdo, produziam este efeito.

Mas aquele quadro se criou. Uma foto junto com uma acusação de movimentação

financeira desproporcional passava para o imaginário das pessoas que o ex-

presidente da Câmara devia ser responsável por tudo de errado que acontecesse.

Isso no imaginário das pessoas dispensava a necessidade de provas. Bastava a

afirmação. Chegou a um ponto que não precisava nem afirmação, bastava a

insinuação. Eu disse naquela ocasião algo que eu posso repetir hoje: nunca tive a

graça de uma acusação. O próprio relatório da CPI dizia: “A denúncia inicial não

restou provada.” Nos processos políticos, o ônus da prova se inverte. É o acusado

que precisa provar uma, duas, três, quatro vezes. Passei por processo marcado pela

ligeireza, característico dos processos políticos.

ISTOÉ – O sr. levou à CPI documentação de uma auditoria referente ao erro

do tal US$ 1 milhão?

Ibsen – Levei e me foi informado que ela seria desconsiderada, porque não tinha

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tido o acompanhamento da CPI. Uma auditoria de uma qualidade inquestionável,

feita pela empresa Trevisan, uma das mais acreditadas do País. Me perguntaram

depois: “Por que você não deu esclarecimentos?” Eu dei, o que não havia era

espaço para sua repercussão.

ISTOÉ – Quem desconsiderou a auditoria?

Ibsen – Não sei especificamente e não acho que isso tenha importância. Não tenho

o espírito de cobrar contas. Passados dez anos, lanço para trás um olhar que não

disfarça a amargura que senti, mas é um olhar também de quem soube vencer

aquele quadro e atravessá-lo sem ódio. Aprendi que o ódio faz mal ao hospedeiro,

nunca ao seu alvo. O ódio é um veneno que faz mal a quem o agasalha. Depois

destes dez anos eu tive, primeiro, de me impor silêncio; segundo, retomar minha

vida. Naquela manhã dramática do dia seguinte à cassação, quando me dava

conta de que quem sente vergonha não é quem faz coisas vergonhosas. Sente

vergonha quem tem vergonha. Aprendi também que a consciência que dói é a limpa.

Consciência suja seguramente não dói. A limpa dói. Se você atravessa um episódio

desse e consegue proteger-se da amargura, do ressentimento e do ódio, tem

chance de sair dele melhor do que entrou.

ISTOÉ – O sr. conversou com o relator (Roberto Magalhães) sobre o erro?

Ibsen – Não, salvo para exibir a ele e ao presidente da CPI (Jarbas Passarinho) o

passaporte que me foi exigido. Eu tomei duas decisões que alguns até hoje me

dizem que foram fatais. Primeiro, não pedi o voto de nenhum deputado a meu

favor. Não há um parlamentar que possa dizer que eu fui ao seu gabinete fazer um

apelo pessoal. Eu tinha a seguinte convicção: eu posso ser cassado, posso ser

destruído, mas não serei cúmplice da minha destruição. Então, não vou cometer a

humilhação de pedir que violem suas convicções para votar por coleguismo ou por

companheirismo. A segunda decisão que tomei: eu não vou renunciar. Eu achava

que poderia ser destruído de fora para dentro, como fui destruído politicamente, mas

eu não seria cúmplice da minha própria destruição. Não fui a nenhum gabinete pedir

‘me tirem dessa’. O que eu pedi foi da tribuna. Expus a verdade, mas os juízes eram

meus pares e eu deveria acatar o resultado, guardar a amargura comigo e confiar

que o tempo e os fatos subsequentes me reparariam.

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ISTOÉ – Como foi sua volta ao Rio Grande do Sul. O sr. chorou, dormiu,

pensava em quê?

Ibsen – Eu tenho uma dificuldade, da qual não me orgulho, que é não chorar de

tristeza. A alegria me faz chorar. Uma vitória do meu time, da seleção, um gesto de

humanidade que surge de uma fonte inesperada – às vezes, as lágrimas me cortam

a voz. De tristeza não sei chorar, sei ficar triste. Viajei com minha mulher, Laila, a

Porto Alegre para retomar a minha vida e me apresentar ao Ministério Público. No

dia seguinte, pela manhã, me levantei quase sem ter dormido e, depois de tomar

banho, fiz a barba, escolhi um terno e a gravata. Peguei minha pasta, caminhei pela

rua da Praia, no centro da cidade, para me apresentar ao trabalho. Eu via no olho

das pessoas alguns sentimentos. Majoritariamente curiosidade, depois comiseração

e, em menor grau, solidariedade. Mas uma coisa, no primeiro momento, significou

muito. Não vi deboche, não sofri nenhuma agressão. Tive a intuição de que as

pessoas não compreendiam. Tomei uma atitude. Decidi não morrer. Porque a

tristeza e a amargura matam. ‘Eu não vou morrer’, dizia.

ISTOÉ – O sr. conhecia Waldomiro Diniz na ocasião?

Ibsen – Nem de nome. Em torno da mesa do restaurante em Curitiba, enquanto

esperávamos o ex-deputado Alceni Guerra para o almoço, soube o nome dele na

conversa com Luís Costa Pinto. Ali o jornalista me relatou o episódio e, naquele ano,

pedi que me desse esse depoimento para o meu livro. Ele o fez com grande

integridade, com correção pessoal, por isso lhe sou reconhecido. Sobre Waldomiro,

apenas ouvia referências que a CPI tinha um auxiliar ligado às lideranças do PT e

que esse auxiliar, por ser bancário, tinha grande trânsito nas documentações

bancárias e acesso às lideranças da CPI, mas não sabia nem o nome dele.

ISTOÉ – O sr. acha que houve má-fé de Waldomiro Diniz, que era o braço

direito do então deputado José Dirceu. Qual seria o interesse do Dirceu?

Ibsen – Eu não sei se houve má-fé. Não sei se o pior é a má-fé ou a

irresponsabilidade, a ligeireza. Às vezes, a má-fé, por ter compromissos com a

realidade, tem limites que a irresponsabilidade não tem. Não acho que essas coisas

se façam por uma conspiração. Elas se regulam por regras macro. Eu era a vítima

ideal. Atingir um ex-presidente da Câmara, um ícone da Casa, significava dar uma

dimensão ao episódio que de outra forma não seria alcançada, uma forma de dizer

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que toda a instituição se comprometeu sem que se precisasse fazer essa afirmação.

Sendo eu um deputado de expressão pessoal, mas então sem força política, era a

vitima perfeita. Tinha apenas um cargo honorífico, que era a presidência da

Comissão de Relações Exteriores. Muito charme, nenhum poder. Pode ter havido

algum ódio político. Eu tinha participado meses antes de um processo de grande

conflito na Casa, o do impeachment do presidente da República. E também de um

processo de cassação de deputado (Jabes Rebelo, cassado por denúncias de

envolvimento com o tráfico). Conduzir processos dessa natureza não é exatamente

o caminho para ser a miss simpatia de um concurso. Podem ter sido conjugados

todos esses fatores. É mais compreensível que imaginar uma conspiração: ‘Vamos

atingir esse cara, tirá-lo da carreira política.’ Não se faz vida política com esse

maquiavelismo, a despeito de Maquiavel.

ISTOÉ – Mas o sr. sempre disse que tinha expectativa de poder sem tê-lo de

fato, tinha sido lançado pré-candidato à Presidência da República.

Ibsen – Pode ter havido um viés político, sim. Sem que signifique que todos agiram

imaginando que estavam diante de uma falsidade. Não vou a esse ponto. Até

pessoas de boa-fé me atingiram e, eventualmente, votaram pela cassação. Nestes

anos recebi muita solidariedade, como recebi quando vivi a própria crise. Muitas

vezes fiquei reconhecido até aos que silenciaram. Não é fácil enfrentar uma

barragem publicitária e correr o risco de ficar na frente para também ser atropelado.

Aqueles que se aproveitaram para pequenas vinganças, eu nem sequer lhes corto o

cumprimento. De certa forma é um prazer perceber a aflição que sentem quando

lhes dirijo a palavra com serenidade.

ISTOÉ – Como o sr. recebeu o texto do jornalista Luís Costa Pinto?

Ibsen – Este documento me foi passado numa troca de e-mails, onde eu ponderava

uma ou outra incorreção de fato ou de data, sem interferir no texto. Trocamos e-

mails e este é o texto final dele depois de três ou quatro rodadas. Este texto tem

como causa o livro que estou escrevendo sobre o processo todo. O jornalista Luís

Costa Pinto, a meu pedido, depôs sobre o fato que ele me relatou em Curitiba. Com

grande integridade, ele relata um fato e não poupa nem a si próprio. Ao final,

acrescentou que depunha para o livro e autorizava a fazer o uso que me parecesse

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devido. Não é apenas um fato para a memória, é um fato jornalístico atual, até

porque muitos dos atores, ou quase todos, estão vivos e atuantes.

ISTOÉ – Segundo o relato, o então deputado Benito Gama sustentou o erro de

forma consciente.

Ibsen – Como parte atingida não sou o julgador mais sereno dessa conduta. Deixo o

julgamento à própria consciência dele.

ISTOÉ – Quando sai o livro e quais outras revelações?

Ibsen – O editor está me cobrando. Gostaria de tê-lo terminado em tempo da Feira

do Livro de Porto Alegre, em novembro, mas não será possível. Ficará para 2005.

Eu gostei do titulo que o Luís Costa Pinto deu ao seu depoimento: ‘O homem que se

recusou a morrer.’ Mas não pensei no título ainda, primeiro o conteúdo.

ISTOÉ – O sr. foi vítima de erro jornalístico. O trabalho da imprensa deve ser

limitado?

Ibsen – O que mais me impressionou foi ter havido, antes da publicação, a

percepção do erro e ter havido a persistência na informação inverídica. Mas fui

jornalista quase toda a minha vida e acredito na liberdade de imprensa. Se a

imprensa comete desvios de conduta, só a liberdade de imprensa é capaz de corrigi-

los. Pior que o denuncismo é a censura. O denuncismo tem cura, a verdade

aparece. Na imprensa censurada, o denuncismo é eterno. Os vícios que a imprensa

pratica podem decorrer da liberdade de imprensa, mas não tenho dúvida que os

vícios mais graves decorrem da censura. Vivi momentos da censura, como todos, no

regime militar, e vimos do que a censura é capaz. Nas ditaduras, os efeitos desses

vícios de conduta são eternos, são imutáveis. No regime da liberdade, sempre se

tem, no mínimo, a esperança e, no máximo, a convicção de que a liberdade vai

oxigenar os fatos e aqueles que não são verdadeiros não sobreviverão. Vejo com

preocupação quando se pretende criar um Conselho Federal de Jornalistas, com a

função de supostamente orientar e fiscalizar, mas, sem dúvida, ainda que a proposta

seja de boa-fé, o conteúdo será do patrulhamento.

ISTOÉ – Gostaria de acrescentar algo?

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Ibsen – Nenhum desses episódios que sofri tem o condão de me tornar amargo ou

vingativo. Eu os atribuo à natureza do processo político: primeiro, destruir a imagem

de seu alvo; segundo, emudecer-lhe a voz. Não que ele não fale, ele fala, mas

ninguém o escuta. Dez anos depois, pode ser.