ibsen no brasil - usp · antonio de alcântara machado, otto maria carpeaux e anatol rosenfeld, que...

112
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURA COMPARADA JANE PESSOA DA SILVA Ibsen no Brasil Historiografia, Seleção de textos críticos e Catálogo bibliográfico 3 volumes I. Historiografia São Paulo 2007

Upload: others

Post on 26-Oct-2020

4 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERAacuteRIA E LITERATURA COMPARADA

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

3 volumes

I Historiografia

Satildeo Paulo 2007

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras

Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Orientadora Profa Dra Inaacute Camargo Costa

3 volumes

I Historiografia

Satildeo Paulo 2007

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Jane Pessoa da Silva

Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras

Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

4

NOTA

Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo

sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e

sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no

Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de

campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo

incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes

dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros

ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem

esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico

No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil

procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo

profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios

mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as

nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro

volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de

consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos

produzidos sobre seu teatro

Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a

ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo

auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a

Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos

professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees

preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com

informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento

dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de

Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado

5

RESUMO

SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007

Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III

Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no

Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando

pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves

tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o

entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o

terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor

sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e

textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se

compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em

consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-

se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de

Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova

orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen

Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 2: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras

Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Orientadora Profa Dra Inaacute Camargo Costa

3 volumes

I Historiografia

Satildeo Paulo 2007

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Jane Pessoa da Silva

Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras

Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

4

NOTA

Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo

sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e

sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no

Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de

campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo

incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes

dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros

ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem

esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico

No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil

procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo

profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios

mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as

nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro

volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de

consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos

produzidos sobre seu teatro

Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a

ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo

auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a

Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos

professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees

preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com

informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento

dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de

Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado

5

RESUMO

SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007

Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III

Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no

Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando

pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves

tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o

entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o

terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor

sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e

textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se

compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em

consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-

se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de

Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova

orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen

Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 3: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

FOLHA DE APROVACcedilAtildeO

Jane Pessoa da Silva

Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

Dissertaccedilatildeo apresentada agrave Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para obtenccedilatildeo do tiacutetulo de mestre em Letras

Aacuterea Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada

Aprovado em

Banca Examinadora

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

Prof Dr ______________________________________________________________________

Instituiccedilatildeo _____________________________ Assinatura _____________________________

4

NOTA

Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo

sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e

sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no

Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de

campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo

incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes

dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros

ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem

esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico

No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil

procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo

profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios

mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as

nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro

volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de

consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos

produzidos sobre seu teatro

Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a

ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo

auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a

Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos

professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees

preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com

informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento

dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de

Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado

5

RESUMO

SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007

Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III

Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no

Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando

pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves

tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o

entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o

terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor

sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e

textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se

compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em

consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-

se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de

Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova

orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen

Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 4: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

4

NOTA

Esta dissertaccedilatildeo eacute resultado de uma pesquisa iniciada em 2000 durante a graduaccedilatildeo

sob a forma de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Nesse periacuteodo reuni uma boa parte da bibliografia de e

sobre Henrik Ibsen o que resultou em um quadro breve da recepccedilatildeo criacutetica do dramaturgo no

Brasil focalizando basicamente os anos de 1950 a 1990 No mestrado essa pesquisa de

campo foi ampliada na tentativa de apresentar ao leitor um panorama mais completo

incluindo as primeiras encenaccedilotildees feitas ainda no final do seacuteculo XIX ateacute as mais recentes

dos anos 2000 Da organizaccedilatildeo desse material bibliograacutefico mdash traduccedilotildees de sua obra livros

ensaios artigos registros dos espetaacuteculos etc mdash originaram os trecircs volumes que compotildeem

esta dissertaccedilatildeo I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III Cataacutelogo bibliograacutefico

No primeiro volume pretendi traccedilar em linhas gerais o percurso de Ibsen no Brasil

procurando mostrar as contradiccedilotildees e os impasses de nossa criacutetica ao tratar de mateacuteria tatildeo

profunda e significativa para a dramaturgia mundial No segundo reuni os artigos e ensaios

mais relevantes para a compreensatildeo de sua trajetoacuteria em nosso paiacutes buscando apreender as

nuanccedilas e tendecircncias mais revolucionaacuterias e heterodoxas sobre sua obra Por fim no terceiro

volume registrei os dados do material pesquisado a fim de oferecer ao leitor um cataacutelogo de

consulta e de registro das peccedilas montadas em palcos brasileiros bem como dos textos

produzidos sobre seu teatro

Este trabalho por sua proacutepria natureza soacute pocircde ser realizado porque contei com a

ajuda de pessoas generosas Agradeccedilo a Denise Radanovic Maria Siacutelvia Betti e a Miley pelo

auxiacutelio com algumas traduccedilotildees ao prof Ariovaldo Joseacute Vidal pelos livros fornecidos a

Huendel Viana pela leitura do presente texto e pelo tratamento das imagens do cataacutelogo aos

professores Inaacute Camargo Costa Maria Siacutelvia Betti e Jorge de Almeida pelas sugestotildees

preciosas durante o exame de qualificaccedilatildeo e ao Prof Joatildeo Roberto Faria pelo socorro com

informaccedilotildees bibliograacuteficas e pelo empreacutestimo de materiais valiosos para o desenvolvimento

dessa dissertaccedilatildeo Registro ainda o meu agradecimento ao CNPq pela concessatildeo da bolsa de

Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica e de Mestrado

5

RESUMO

SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007

Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III

Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no

Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando

pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves

tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o

entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o

terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor

sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e

textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se

compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em

consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-

se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de

Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova

orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen

Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 5: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

5

RESUMO

SILVA J P Ibsen no Brasil historiografia seleccedilatildeo de textos criacuteticos e cataacutelogo bibliograacutefico

2007 3 v f Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2007

Este trabalho composto de trecircs volumes (I Historiografia II Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e III

Cataacutelogo bibliograacutefico) tem como objetivo apresentar um panorama da recepccedilatildeo de Ibsen no

Brasil O primeiro volume traz uma avaliaccedilatildeo da fortuna criacutetica de Ibsen no Brasil passando

pelas ideacuteias teatrais do seacuteculo XIX pela modernizaccedilatildeo do teatro nos anos 1940 ateacute chegar agraves

tendecircncias criacuteticas contemporacircneas O segundo traz os textos mais relevantes para o

entendimento da obra do dramaturgo publicados no Brasil entre 1895 e 2002 Por fim o

terceiro apresenta os dados bibliograacuteficos sobre as traduccedilotildees brasileiras das peccedilas do autor

sobre as montagens realizadas no teatro e na tv sobre os livros capiacutetulos de livros prefaacutecios e

textos publicados em perioacutedicos sobre o dramaturgo Com esse percurso buscou-se

compreender o modo de assimilaccedilatildeo do teatro ibseniano pela criacutetica brasileira levando em

consideraccedilatildeo as influecircncias estrangeiras especialmente a francesa Ao mesmo tempo procurou-

se ressaltar os momentos de ruptura com essa tradiccedilatildeo sobretudo a partir das reflexotildees de

Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld que deram uma nova

orientaccedilatildeo para a leitura das peccedilas de Ibsen

Palavras-chave Henrik Ibsen Dramaturgia moderna Teatro brasileiro Histoacuteria do teatro

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 6: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

6

ABSTRACT

Silva JP Ibsen in Brazil historiography selection of critical texts and bibliographical

catalogue 2007 3 v f Dissertation (Masterrsquos degree) ndash Faculdade de Filosofia Letras e

Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo 2007

This work composed of three volumes (I Historiography II Selection of critical texts and

III Bibliographical catalogue) presents an overview of the reception of Ibsen in Brazil The

first volume is an assessment of the rich and varied criticism Ibsen received in Brazil within

the context of the theatrical ideas of the nineteenth century the modernization of the theatre in

the 1940s until the contemporary level of critical trends The second selects the most relevant

texts in order to understand the works of the playwright which were published in Brazil from

1985 and 2002 Finally the third presents bibliographical information on Brazilian

translations of his plays on adaptations carried through in theatre and on TV in books book

chapters prefaces and texts published in periodicals about the playwright Through this route

an attempt was made to understand the way Ibsenian theatre was assimilated by Brazilian

critics taking into account foreign influences especially of French origin At the same time

we attempt to highlight examples of breaking from such tradition especially considering the

thoughts of Antonio de Alcacircntara Machado Otto Maria Carpeaux and Anatol Rosenfeld who

gave us another approach to the studies of Ibsenrsquos plays

Keywords Henrik Ibsen Modern drama Brazilian theatre History of the theatre

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 7: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:

7

SUMAacuteRIO

VOLUME I HISTORIOGRAFIA

Nota 4

Resumo 5

Abstract 6

Iacutendice 13

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 101

VOLUME II SELECcedilAtildeO DE TEXTOS CRIacuteTICOS

Iacutendice 120

Nota preacutevia 125

1 Os espectros de Henrik Ibsen (C Parlagreco) 127

2 Novelli ndash Ibsen (Sem assinatura) 131

3 Novelli ndash ldquoHenrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo (A) 136

4 Novelli ndash Os espectros (Sem assinatura) 139

5 Os espectros (Sem assinatura) 141

6 Ermete Novelli (Sem assinatura) 143

8

7 O Teatro ndash ldquoA grande figura de Francisque Sarcey []rdquo (Artur Azevedo) 145

8 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro colega e amigo []rdquo

(Luiacutes de Castro) 147

9 A casa de boneca (Luiacutes Guimaratildees Filho) 150

10 Teatro contemporacircneo Henrik Ibsen (Luiacutes de Castro) 154

11 SantrsquoAnna ndash Casa de boneca (Oscar Guanabarino) 158

12 Luciacutelia Simotildees (Paulo Barreto ndash Joatildeo do Rio) 166

13 O Teatro ndash ldquoEu estava no sul de Minas []rdquo (Artur Azevedo) 169

14 De Viseira Erguida ndash ldquoA Artur Azevedo Meu caro Artur []rdquo (Luiacutes de Castro)

174

15 O Teatro ndash ldquoLuiacutes de Castro voltou []rdquo (Artur Azevedo) 178

16 Ibsen e o seu teatro (Leopoldo de Freitas) 179

17 Politheama ndash ldquoPoucos homens neste seacuteculo []rdquo (Sem assinatura) 183

18 Teatro Lucinda ( PB ndash Joatildeo do Rio) 188

19 SantrsquoAnna ndash ldquoA primeira vez []rdquo (Sem assinatura) 190

20 Antoine ndash ldquoA companhia Antoine []rdquo (Sem assinatura) 192

21 O Teatro ndash ldquoTerminei o meu uacuteltimo folhetim []rdquo (Artur Azevedo) 193

22 SantrsquoAnna ndash ldquoA representaccedilatildeo da Casa de boneca de Ibsen []rdquo (Sem assinatura)

195

23 O Teatro ndash ldquoPassando por alto uma representaccedilatildeo da Fernanda []rdquo (Artur Azevedo)

197

24 Crocircnica ndash ldquoA nota artiacutestica foi a representaccedilatildeo de Hedda Gabler []rdquo (OB ndash Olavo Bilac) Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 7 jul 1907

199

25 Revistinha ndash Tourneacutee Eleonora Duse Teatro SantrsquoAnna Hedda Gabler drama de H Ibsen (Joatildeo Crespo)

201

26 SantrsquoAnna ndash ldquoEleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo (Sem assinatura)

207

27 Hedda Gabler ndash ldquoDissemos que Ibsen ainda natildeo eacute []rdquo (Sem assinatura) 208

28 Revistinha ndash ldquoUm criacutetico teatral de uma folha []rdquo (Joatildeo Crespo) 211

9

29 Ainda Hedda Gabler (Sem assinatura) 213

30 Revistinha ndash ldquoVaacute de resposta ao criacutetico teatral []rdquo (Joatildeo Crespo) 215

31 Os meus domingos (Alfredo Pujol) 217

32 A esteacutetica de uma trageacutedia (Graccedila Aranha) 221

33 Teatro Municipal ndash ldquoDois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo (Sem assinatura) 223

34 Ibsen o teatro de pensamento comemora o 1ordm centenaacuterio do nascimento do grande criador dinamarquecircs [norueguecircs] (Sem assinatura)

226

35 No centenaacuterio de Ibsen (Fleacutexa Ribeiro) 229

36 O primeiro centenaacuterio de Ibsen a obra e a vida do genial escandinavo A influecircncia de suas ideacuteias no teatro contemporacircneo (Sem assinatura)

232

37 Agrave memoacuteria de Ibsen (Camille Mauclair) 237

38 H Ibsen (Nestor Viacutetor) 241

39 Ibsen e o subconsciente (Fleacutexa Ribeiro) 243

40 Henrik Ibsen ndash ldquoEsse norueguecircs de Skien []rdquo (JJ de Saacute ndash Antonio de Alcacircntara Machado)

247

41 Teatro Municipal ndash ldquoEscrita haacute um pouco mais de meio seacuteculo []rdquo (Sem assinatura)

260

42 Defesa de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 262

43 O ibsenismo no Brasil (Alceste ndash Brito Broca) 270

44 Ibseniana ndash ldquoEstatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo (Otto Maria Carpeaux)

272

45 Aos atores brasileiros (Otto Maria Carpeaux) 276

46 Ibsen 50 anos depois (OMC ndash Otto Maria Carpeaux) 279

47 Presenccedila de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 282

48 Introduccedilatildeo a Ibsen (Ruggero Jacobbi) 287

49 Ibsen e a sua obra (Edmundo Moniz) 297

50 Ibsen atual (Ruggero Jacobbi) 307

51 Ibseniana ndash ldquoAcontece embora raramente []rdquo (Otto Maria Carpeaux) 312

52 Ibsen e o tempo passado (Anatol Rosenfeld) 316

10

53 Ibsen na sua correspondecircncia (Livio Xavier) 320

54 Modernidade de Ibsen (Otto Maria Carpeaux) 323

55 Ibsen e o Dr Stockmann (Luiz Israel Febrot) 327

56 Hedda Gabler ndash ldquoSegundo a crocircnica o maior sucesso de Ibsen []rdquo (Luiz Israel Febrot)

334

57 Os espectros satildeo as velhas ideacuteias (Luiz Israel Febrot) 341

58 De Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) (Joseacute Carlos Garbuglio)

346

59 Natildeo perca esta aventura (Saacutebato Magaldi) 363

60 A casa de bonecas (Luiacuteza Barreto Leite) 368

61 Nossa Casa de bonecas (Otto Maria Carpeaux) 370

62 Ibsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeo (Mariacircngela Alves de Lima) 372

63 A velha Casa de bonecas renovada por Tocircnia (Saacutebato Magaldi) 374

64 O gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humano (Deacutecio Drummond)

376

65 Encenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsen (Mariacircngela Alves de Lima)

379

66 Ibsen o pai do teatro de hoje faz 150 anos (Adones de Oliveira) 384

67 150 anos de Ibsen uma anaacutelise da obra do primeiro dramaturgo moderno (John Mortimer)

388

68 Casa de bonecas 100 anos depois (Sem assinatura) 392

69 Quem eacute Hedda Gabler (Deacutecio de Almeida Prado) 394

70 A densidade dramaacutetica de Ibsen (Fernando Peixoto) 399

71 As obsessotildees de Ibsen (Samuel Titan Jr) 403

72 Penuacuteltima peccedila de Ibsen estreou haacute cem anos (Seacutergio de Carvalho) 406

73 O inimigo do povo privilegia defesa de tese (MAL ndash Mariacircngela Alves de Lima)

413

74 Peccedila de Ibsen mobiliza atrizes desde o seacuteculo 19 (Mariacircngela Alves de Lima)

415

11

VOLUME III CATAacuteLOGO BIBLIOGRAacuteFICO

Iacutendice 425

Cronologia da vida e obra de Ibsen 429

Nota explicativa 434

Abreviaturas 436

1 Obra traduzida do autor 438

2 Obra sobre o autor 447

3 Montagem Teatro 523

4 Montagem TV 612

JANE PESSOA DA SILVA

Ibsen no Brasil

Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico

Volume I

Satildeo Paulo 2007

13

IacuteNDICE

INTRODUCcedilAtildeO

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna 15

IBSEN NO BRASIL

As primeiras encenaccedilotildees 40

Um claacutessico imperfeito 53

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen 58

Entre o teatro amador e o profissional 63

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos 87

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Traduccedilotildees da obra do autor teatro completo poesia correspondecircncia 101

Biografias 102

Livros e teses sobre o autor 102

Capiacutetulos de livro sobre o autor 105

Perioacutedicos sobre o autor 106

Geral 107

I N T R O D U Ccedil Atilde O

15

Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna

Henrik Ibsen (1828-1906) eacute uma figura central na histoacuteria do teatro moderno Suas vinte e

seis peccedilas escritas ao longo de quase 50 anos inauguraram uma nova era de experimentaccedilatildeo

teatral sobretudo no que diz respeito agrave dramaturgia abandonando as velhas formas do teatro

claacutessico e incorporando em sua fatura os problemas de seu tempo A nova forma de suas peccedilas

que se diferenciava bastante do drama burguecircs mdash comeacutedias realistas que apresentavam no palco

os costumes e os valores morais da burguesia mdash obrigou os artistas a repensar a concepccedilatildeo do

fazer teatral modificando a estrutura do palco o trabalho do ator e a relaccedilatildeo entre texto autor e

plateacuteia Aleacutem disso sua luta constante contra as convenccedilotildees tacanhas e obsoletas da sociedade

burguesa tatildeo evidentes nos chamados ldquodramas sociaisrdquo como Os pilares da sociedade (1877)

Casa de boneca (1879) Os espectros (1881) e Um inimigo do povo (1884) fizeram de Ibsen um

dos autores mais discutidos da segunda metade do seacuteculo XIX Suas ideacuteias aleacutem de influenciarem

muitos dramaturgos como Bernard Shaw Oscar Wilde Arthur Miller entre outros foram

apropriadas no acircmbito literaacuterio pelos movimentos de vanguarda da Europa como o naturalismo

e o simbolismo e na esfera poliacutetica pelos socialistas e anarquistas A partir de Ibsen o teatro

deixa de ser visto apenas como um entretenimento passando a ser encarado tambeacutem como um

instrumento de experiecircncia social que abriu o caminho para as novas formas teatrais do seacuteculo

XX

Ibsen iniciou sua carreira como homem de teatro em 1850 ano da consolidaccedilatildeo do

capitalismo europeu e do desmedido avanccedilo econocircmico que desencadearam uma seacuterie de

transformaccedilotildees na sociedade Nessa eacutepoca de especulaccedilatildeo financeira de imperialismo e de

ascensatildeo do proletariado o dinheiro passa a dominar toda a vida puacuteblica e privada tudo se curva

diante dele tudo o serve As novas relaccedilotildees sociais os direitos e o poder expressam-se em termos

de capital e as pessoas vecircem-se cada vez mais como rivais e inimigas sendo necessaacuterio conquistar

e legitimar permanentemente posiccedilotildees e influecircncias O matrimocircnio e a famiacutelia constituem o esteio

desse mundo burguecircs mormente porque tambeacutem estatildeo ligados ao sistema de propriedade e de

empreendimentos rentaacuteveis Os casamentos em regra estabelecem-se entre famiacutelias do mesmo

status social ou da mesma linha de negoacutecios e a estrutura patriarcal baseada na subordinaccedilatildeo da

mulher e dos filhos eacute mantida O enfraquecimento da unidade familiar eacute inaceitaacutevel seja atraveacutes

da paixatildeo descontrolada por indiviacuteduos ldquoimproacutepriosrdquo (isto eacute economicamente indesejaacuteveis) seja

atraveacutes de escacircndalos morais

16

Na vida artiacutestica prevalecem as tendecircncias que estatildeo de acordo com o gosto burguecircs a

obra faacutecil e agradaacutevel destinada apenas ao entretenimento A arte reduzida agrave diversatildeo e ao

apraziacutevel domina todas as formas de produccedilatildeo mas principalmente aquela ligada agrave esfera puacuteblica

o teatro Este apresenta-se como um instrumento de propaganda da ideologia burguesa de seus

princiacutepios econocircmicos sociais e morais Assim a importacircncia da famiacutelia como alicerce da

sociedade torna-se o principal assunto do teatro burguecircs Os ideais os deveres e sobretudo o amor

eterno capaz de resistir agrave prova cotidiana da vida conjugal satildeo valores constantemente

propugnados pelos dramaturgos desse periacuteodo Em La dame aux cameacutelias de Dumas Filho por

exemplo o amor do heroacutei pela cortesatilde eacute incompatiacutevel com a respeitabilidade da famiacutelia burguesa

em Le mariage drsquoOlympe de Eacutemile Augier a mulher de moral duvidosa natildeo tem como se

regenerar e deve ser banida do corpo social Em suma a discussatildeo de temas como a usura a

agiotagem a prostituiccedilatildeo e o casamento de conveniecircncia servem apenas como contrapontos agraves

ldquovirtudes burguesasrdquo

Aleacutem da temaacutetica moralizante as peccedilas tecircm de ser simples e ligeiras obedecendo aos

estratagemas e agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita Desse modo a accedilatildeo deve ser unificada a trama

deve desenrolar-se em um soacute lugar e sua duraccedilatildeo natildeo deve exceder vinte quatro horas o assunto

por mais indecoroso que seja nunca deve ser problemaacutetico nem tampouco obscuro a distribuiccedilatildeo

da mateacuteria dramaacutetica deve ser feita segundo um esquema de exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e

desenlace buscando sempre o mais alto grau de identificaccedilatildeo e verossimilhanccedila Em tal peccedila tudo

deve parecer inesperado embora tudo seja previsiacutevel As discussotildees os conflitos e ateacute mesmo o

desfecho da obra devem estar de acordo com o desejo e com a expectativa do puacuteblico Assim o

enredo torna-se o ingrediente mais artificial do drama e o que realmente importa eacute a arte de

produzir complicaccedilotildees e tensatildeo de atar e desatar noacutes de preparar as reviravoltas da intriga e

sobretudo de manter continuamente o suspense atraveacutes de uma sequumlecircncia de quumliproquoacutes efeitos e

golpes de teatro

Durante algum tempo Ibsen tentaraacute escrever segundo os artifiacutecios da peccedila bem-feita Os

seus primeiros dramas no entanto estatildeo mais proacuteximos do nacionalismo romacircntico e de modo

geral tratam de temas da histoacuteria e da mitologia norueguesa Eacute a partir de A comeacutedia do amor

(1862) que o autor passa a demonstrar interesse pelos assuntos de seu tempo A comeacutedia escrita

em versos tem o rigor da construccedilatildeo e da coerecircncia loacutegica exigidas pela convenccedilatildeo e ademais

apresenta o tema dileto da burguesia o amor Svanhild ama o poeta Falk mas entre o verdadeiro

amor e a solidez de uma vida confortavelmente burguesa a personagem escolhe a segunda opccedilatildeo

casando-se por conveniecircncia com o rico comerciante Gustald Essa peccedila escandalizou de tal modo

seus contemporacircneos que teve sua representaccedilatildeo vetada Com exceccedilatildeo do artigo do jornalista

17

norueguecircs Ditmar Mejdell que a considerou um deploraacutevel contra-senso literaacuterio quase nada se

publicou sobre a peccedila Apenas em conversas privadas falava-se dela qualificando-a como

vergonhosa e imoral

As obras seguintes jaacute satildeo de natureza diversa e apontam pouco a pouco o rumo da nova

dramaturgia proposta por Ibsen Na peccedila histoacuterica Os pretendentes agrave coroa (1863) e nos poemas

dramaacuteticos Brand (1866) e Peer Gynt (1867) a regra da unidade de tempo e espaccedilo eacute rompida As

aventuras de Peer por exemplo comeccedilam no iniacutecio do seacuteculo XIX e terminam em 1860

desenrolando-se na Noruega no Marrocos no deserto do Saara etc A personagem-tiacutetulo natildeo tem

vontade proacutepria eacute um homem elusivo cujas atitudes natildeo se prestam agrave criaccedilatildeo de conflitos entre

protagonistas e antagonistas e portanto estaacute longe de ser heroacutei de um drama rigoroso Sua vida eacute

ilustrada atraveacutes de uma sequumlecircncia de episoacutedios que nada tem do caraacuteter dramaacutetico exigido pela

convenccedilatildeo teatral Por esses motivos o criacutetico dinamarquecircs Clemens Petersen declarou que o

drama pecava contra as regras essenciais da poesia Em A liga da juventude (1869) Ibsen

abandona de vez os versos e satiriza a poliacutetica norueguesa A accedilatildeo se passa num ambiente rural e

as personagens satildeo pequenos burgueses agraves voltas com preocupaccedilotildees corriqueiras casamentos

vantajosos mesquinharias e ambiccedilotildees de arrivistas O protagonista eacute o advogado Stensgaard que

em busca de poder poliacutetico usa de todos os expedientes para conquistar um lugar no parlamento

Ele defende os princiacutepios de abnegaccedilatildeo e altruiacutesmo enfrenta Brattsberg o maior industrial da

cidade mas natildeo pensa duas vezes em se unir a ele para desfrutar as regalias de uma vida

burguesa O drama apresenta as caracteriacutesticas baacutesicas da peccedila bem-feita como a accedilatildeo variada e

complicada e o rigoroso encadeamento causal dos acontecimentos mas as reviravoltas da intriga

natildeo servem apenas para surpreender o espectador e sim para mostrar paulatinamente o quatildeo

inescrupuloso e demagogo eacute o protagonista Ateacute entatildeo na Noruega com exceccedilatildeo de A comeacutedia

do amor nenhum outro drama tinha abordado tatildeo escancaradamente os assuntos contemporacircneos

tornando-se assim a primeira representaccedilatildeo de A liga da juventude um verdadeiro alvoroccedilo Os

poliacuteticos do partido liberal norueguecircs sentiram-se caluniados sobretudo Bjoslashrnson poeta e

dramaturgo que se viu retratado na figura de Stensgaard Durante a encenaccedilatildeo houve

manifestaccedilotildees protestos e vaias obrigando o diretor da peccedila a subir ao palco e pedir silecircncio para

que a representaccedilatildeo pudesse continuar

Em 1873 aparece Imperador e Galileu drama histoacuterico que aborda o conflito entre

cristianismo e paganismo Contudo eacute com Os pilares da sociedade escrita quatro anos mais

tarde que Ibsen torna-se conhecido no restante da Europa Nessa peccedila as personagens

abandonam a linguagem empolada e numa prosa coloquial discorrem sobre temas como a

corrupccedilatildeo e a hipocrisia social A histoacuteria do cocircnsul Bernick homem rico e conceituado que

18

arruinou os membros da proacutepria famiacutelia e praticou crimes contra os cidadatildeos ao construir navios

defeituosos para receber o seguro mariacutetimo obteve grande ecircxito fora da Noruega Na Alemanha

a peccedila mereceu cinco montagens em 1878 sendo recebida como a expressatildeo do espiacuterito da eacutepoca

A partir dessa obra Ibsen abdica das figuras e das situaccedilotildees histoacutericas abrindo-se a uma nova

temaacutetica que forccedilosamente tende a dissolver a estrutura rigorosa do drama O desmascaramento

da sociedade passa a ser foco principal do autor e sua criacutetica primeira eacute dirigida agrave quintessecircncia

do mundo burguecircs o lar A sala de visitas da famiacutelia pequeno-burguesa ateacute entatildeo lugar onde os

indiviacuteduos conservavam a aparecircncia de uma vida harmoniosa onde problemas e contradiccedilotildees

podiam ser esquecidos ou suprimidos artificialmente passa a ser o ambiente onde transcorreraacute a

maior parte das accedilotildees de suas peccedilas Esse recinto iacutentimo e privado torna-se o cenaacuterio perfeito para

a caricatura da vida de cidadatildeos comuns e para o debate de temas como a poliacutetica do matrimocircnio

o relacionamento entre pais e filhos a liberdade a igualdade entre os sexos a mentira e a

hipocrisia Tal mudanccedila altera consequumlentemente a estrutura por vezes um tanto mecacircnica de seus

dramas e progressivamente seu teatro vai abrindo brechas na peccedila bem-feita

O primeiro abalo significativo na forma do drama foi produzido por Casa de boneca

(1879) Nessa peccedila Ibsen assinala a contradiccedilatildeo entre a estrutura da famiacutelia patriarcal e a

sociedade burguesa Por um lado ele questiona como um mundo baseado numa economia de

obtenccedilatildeo de lucro na livre iniciativa na igualdade de direitos oportunidades e liberdade pode

apoiar-se na instituiccedilatildeo do matrimocircnio que nega todos esses ideais e por outro denuncia o

cerceamento da liberdade e dos direitos das mulheres Aleacutem disso ele critica o sistema capitalista

ao fazer do dinheiro a mola propulsora de todos os acontecimentos de sua peccedila Ao abrir do pano

Nora define sua felicidade como resultado de uma situaccedilatildeo financeira vantajosa com a recente

nomeaccedilatildeo de Torvald Helmer seu marido para o cargo de diretor de um Banco Logo em

seguida ela censura a amiga Cristina Linde por ter feito um casamento de conveniecircncia para

assegurar uma vida economicamente estaacutevel Por fim cercada de roupas cortinas almofadas e

papeacuteis de parede eacute posta no palco a famiacutelia burguesa Helmer eacute o pai o marido o senhor honesto

e respeitado cuja funccedilatildeo eacute manter a paz o conforto e a harmonia do lar Nora eacute o ldquoanjo da casardquo

a matildee a esposa ignorante e tola cuja uacutenica tarefa cuidar dos filhos e dirigir os criados natildeo exige

qualquer inteligecircncia nem conhecimento Um casal aparentemente perfeito e feliz ateacute Nora

falsificar a assinatura de seu pai e contrair diacutevidas para custear o tratamento de sauacutede do marido

Helmer como muitos moralistas natildeo fica exasperado com o delito da esposa mas sim com a

ameaccedila de perder sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na sociedade No desfecho Nora frustra-se com a

atitude do marido repensa sua situaccedilatildeo de inferioridade e decide abandonar o lar e os filhos para

buscar sua liberdade pessoal

19

A primeira representaccedilatildeo de Casa de boneca ocorreu no Teatro Real em Copenhague

em dezembro de 1879 e no decurso de dois meses foi encenada em todos os principais

teatros da Escandinaacutevia A peccedila despertou tantas polecircmicas e comentaacuterios que logo Ibsen

passou a ser conhecido em todo o mundo Elogiado e aceito como gecircnio por uns e atacado por

outros o dramaturgo passou agrave ordem do dia O abandono do marido e dos filhos por Nora foi

o ponto que mais desconcerto produziu entre artistas criacuteticos e espectadores Na Alemanha a

atriz Hedwig Neimann-Raabe recusou-se a representar o desenlace da peccedila sendo necessaacuterio

o acreacutescimo de mais um ato agrave montagem onde a esposa arrependida volta ao lar com um filho

nos braccedilos Em Viena a inteacuterprete de Nora natildeo conseguiu deixar o palco na uacuteltima cena

Como se lhe faltasse o valor moral para tomar aquela decisatildeo apoiou-se agrave porta ficando ali

estaacutetica hesitante ateacute que o pano descesse lentamente Na Itaacutelia a Nora de Eleonora Duse

perdeu o mais corajoso gesto ao natildeo ir embora por livre iniciativa mas forccedilada pelo marido

No Japatildeo Matsui Sumako foi a primeira mulher a interpretar uma protagonista Sua Nora ao

mesmo tempo que emancipou as mulheres no palco japonecircs foi criticada pelo movimento

feminista Seistosha que considerou egoiacutesta a atitude da personagem alegando que ela natildeo

havia sido agredida fisicamente pelo marido

Aleacutem de Casa de boneca outra importante contribuiccedilatildeo para o renome de Ibsen foram

os trabalhos do criacutetico dinamarquecircs Georg Brandes Nos anos 1870 ele era uma das figuras

mais proeminentes da Escandinaacutevia e o principal filtro das ideacuteias entre os paiacuteses escandinavos

e o resto da Europa Brandes conseguiu popularidade sobretudo em 1871 quando fez uma

seacuterie de conferecircncias puacuteblicas em Copenhague incitando os escritores agrave reflexatildeo sobre os

desafios da literatura europeacuteia no final do seacuteculo XIX Para ele a proacutepria modernidade era o

tema que a ficccedilatildeo tinha de assumir e cabia aos escritores tomar a dianteira nessa empreitada

Nesse periacuteodo Ibsen passa a se corresponder com ele revelando atraveacutes de suas cartas um

profundo engajamento com as ideacuteias do criacutetico dinamarquecircs Pode-se dizer que o contato

entre os dois foi uma das razotildees que fez com que o autor abandonasse o nacionalismo

romacircntico de suas primeiras peccedilas movendo-se em direccedilatildeo aos problemas sociais de seu

tempo Brandes influenciou consideravelmente a recepccedilatildeo do dramaturgo na Inglaterra e na

Franccedila Ele manteve um contato estreito com Edmund Gosse e William Archer tradutores

ingleses do teatro ibseniano e frequumlentemente era evocado nos prefaacutecios das traduccedilotildees

francesas de Moritz Prozor Criacuteticos e escritores em toda a Europa reconheciam Brandes

como a autoridade maacutexima acerca da obra ibseniana Esse status internacional teve um papel

importante quando em 1897 o criacutetico defendeu Ibsen na revista Cosmopolis respondendo

(em francecircs) agraves acusaccedilotildees de que as ideacuteias do dramaturgo eram plagiadas dos autores

20

franceses No ano seguinte Brandes publicou Henrik Ibsen livro composto de trecircs ensaios

escritos em diferentes periacuteodos tornando-se o primeiro a tratar das questotildees cruciais que a

obra de Ibsen impunha agrave sociedade da eacutepoca O ensaio de 1867 traz uma visatildeo conjunta da

personalidade intelectual do dramaturgo na Europa o de 1882 discute a evoluccedilatildeo marcante de

sua carreira com a produccedilatildeo de obras que lhe garantiram uma posiccedilatildeo de destaque dentro e

fora da Escandinaacutevia e o de 1898 escrito em comemoraccedilatildeo ao 70ordm aniversaacuterio do

dramaturgo atualiza a sua obra poeacutetica1

Enquanto Brandes ganhava notoriedade com suas leituras puacuteblicas na deacutecada de 1870

tentativas iniciais de divulgar as ideacuteias ibsenianas na Franccedila e na Inglaterra comeccedilavam a ser

feitas A essa altura o dramaturgo jaacute tinha conseguido alguma reputaccedilatildeo fora da Escandinaacutevia

por causa dos rumores provocados por peccedilas como A comeacutedia do amor e Os pilares da

sociedade Sua obra que assumia cada vez mais o cunho de criacutetica social transformou-se em

siacutembolo das ideacuteias socialistas da luta dos trabalhadores e do movimento feminista O proacuteprio

Ibsen reconhecia que a igualdade de direitos soacute poderia ser conquistada atraveacutes de mudanccedilas

profundas na estrutura da sociedade e o primeiro passo para tal transformaccedilatildeo era segundo

ele a uniatildeo de ldquotodos os desprivilegiadosrdquo em defesa da causa dos trabalhadores e das

mulheres2 Por isso natildeo eacute agrave toa que o pontapeacute inicial para estimular o interesse dos leitores

franceses e ingleses pelo teatro ibseniano tenha sido dado pelas mulheres Na Inglaterra

Catherine Ray foi a responsaacutevel pela traduccedilatildeo integral de Imperador e Galileu em 1876 Ateacute

entatildeo somente parte de A comeacutedia do amor traduzida por Edmund Gosse tinha sido

publicada na Forthightly Review em 1873 Henriette Frances Lord editou Nora em 1882 e

Eleanor Marx-Aveling filha de Karl Marx traduziu Um inimigo do povo que juntamente

com as traduccedilotildees de Os pilares da sociedade e Os espectros de William Archer

compuseram em 1888 a primeira coletacircnea das peccedilas do autor em liacutengua inglesa Na Franccedila

a escritora Leacuteo Quesnel escreveu um dos primeiros artigos sobre Ibsen3 Mme Arvegravede

Barine colaboradora regular da Revue Bleue escreveu entre outras coisas um ensaio sobre

Brand Pauline Ahlberg analisando Os pilares da sociedade na Nouvelle Revue em 1882 foi

1 Cf Georg Brandes ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897 e Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies revision e introduction de William Archer New York Macmillan 1899 2 Cf os discursos do autor reunidos em Henrik Ibsen Ibsen letters and speeches edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964 e The Oxford Ibsen translated and edited by James Walter McFarlane v 6 London Oxford University 1960 p 445-447 ldquoThe transformation of social conditions which is now being undertaken in the rest of Europe is very largely concerned with the future status of the workers and of women That is what I am hoping and waiting for that is what I shall work for all I canrdquo 3 Leacuteo Quesnel publicou dois artigos na Revue Bleue em 31 de maio de 1873 e 25 de julho de 1874 referindo-se a Ibsen como ldquolrsquohomme modernerdquo e Bjoslashrnson como ldquolrsquohomme du Nordrdquo

21

uma das primeiras escritoras a vincular o nome do dramaturgo ao feminismo chegando a

chamaacute-lo de Victor Hugo do Norte1 Em ambos os paiacuteses as correspondecircncias de Ibsen

tambeacutem foram traduzidas primeiro por mulheres em inglecircs por Mary Morison e em francecircs

por Martine Reacutemusat2

Apesar de todas essas iniciativas Ibsen encontrou muita resistecircncia na Europa Na

Inglaterra o grande obstaacuteculo era a censura dramaacutetica que regulamentava e controlava o

conteuacutedo das peccedilas Lord Chamberlain o responsaacutevel pela manutenccedilatildeo do decoro das obras

alterava e eliminava as impropriedades de um drama livrando-o sobretudo de insinuaccedilotildees

sexuais Aleacutem disso as peccedilas de Scribe Sardou Augier e Dumas Filho estavam solidamente

estabelecidas no palco inglecircs proporcionando entretenimento seguro e lucrativo Por isso

atores diretores e dramaturgos relutavam em experimentar novos rumos o que poderia ser

financeiramente arriscado persistindo nas peccedilas bem-feitas Tais fatores talvez ajudem a

explicar a adaptaccedilatildeo de Casa de boneca feita por Henry Arthur Jones e Henry Herman em

1884 A peccedila passou a ser chamada Breaking a butterfly Nora foi substituiacuteda por Flora (ou

lsquoFlossiersquo) uma mulher agitada infantil e histeacuterica casada com Humphrey Goddard (ou

lsquoHumpyrsquo) diretor de um Banco Dr Rank virou Dan Birdseye homem apaixonado por

Agnes irmatilde de Humpy Krogstad o vilatildeo da trama ganhou o nome de Philip Dunkley

Cristina Linde foi excluiacuteda do enredo e duas novas personagens matildee e irmatilde de Flossie foram

inseridas na histoacuteria Em linhas gerais a intriga era a mesma do original no entanto os

autores optaram pelo tradicional happy end No ato final Humpy assume a culpa no lugar de

Flora mas quando ele estaacute prestes a se entregar agrave poliacutecia eacute salvo por Grittle um funcionaacuterio

do Banco que apoacutes ter sido enganado por Dunkley decide se vingar Esta cena a mais fraca e

inconvincente da peccedila termina com Humpy emergindo como heroacutei e Flora agradecida pela

dececircncia do marido permanece no lar para cumprir seu papel de matildee e esposa dedicada

William Archer Edward Aveling Edmund Gosse e Bernard Shaw criacuteticos afinados com as

ideacuteias ibsenianas ficaram indignados com a adaptaccedilatildeo Archer chegou a declarar que era

impossiacutevel a representaccedilatildeo de Ibsen na Inglaterra e Edward Aveling ao comparar Breaking a

butterfly com Casa de boneca acentuou a forccedila do original apontando algumas razotildees para a

1 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 14 2 Henrik Ibsen Letters of Henrik Ibsen translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905 e Lettres de Henrik Ibsen a ses amis traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

22

distorccedilatildeo feita no texto do dramaturgo como por exemplo o medo da rejeiccedilatildeo do puacuteblico e o

receio de se revelar a verdadeira funccedilatildeo do matrimocircnio dentro da sociedade burguesa1

Depois da encenaccedilatildeo de Breaking a butterfly Ibsen soacute voltou a ser discutido

novamente em janeiro de 1886 atraveacutes da leitura dramaacutetica de Casa de boneca feita por um

grupo de jovens comprometidos com o movimento socialista Eleanor Marx-Aveling (Nora)

Edward Aveling (Helmer) Bernard Shaw (Krogstad) entre outros A leitura da peccedila na

traduccedilatildeo de Henriette Frances Lord aconteceu na casa de Eleanor e Edward Aveling uma vez

que a obra de Ibsen estava categoricamente proibida de ser representada nos teatros

convencionais Ainda assim as questotildees levantadas naquela pequena reuniatildeo como a

desigualdade social a hipocrisia da famiacutelia burguesa e o feminismo obtiveram uma grande

repercussatildeo No mesmo mecircs o casal Aveling publicou um artigo na The Westminster Review

discutindo a partir das peccedilas de Ibsen a emancipaccedilatildeo da mulher e da classe operaacuteria sob a

perspectiva do socialismo2 Iniciava-se desse modo a revoluccedilatildeo ibsenista na Inglaterra

William Archer comeccedilou a traduzir as peccedilas do autor colaborando em 1889 com a

montagem profissional de Casa de boneca que teve Janet Achurch no papel principal

Bernard Shaw publicou em 1891 The quintessence of ibsenism aprofundando o debate em

torno da desmistificaccedilatildeo do heroacutei romacircntico e do gesto teatral grandioso que mascaravam a

realidade transformando a arte em objeto meramente decorativo Nesse livro Shaw celebrou

o teatro de Ibsen como ldquonovo e subversivordquo sobretudo por levar para a cena a discussatildeo dos

problemas morais de seu tempo contrapondo-se assim ao conservadorismo vitoriano em suas

expressotildees sociais poliacuteticas e culturais Ainda em 1891 entre fevereiro e maio outras peccedilas

do dramaturgo estrearam no palco inglecircs mdash Os espectros (1881) Rosmersholm (1886) A

dama do mar (1888) e Hedda Gabler (1890) mdash instigando uma onda de protesto e

indignaccedilatildeo O autor foi considerado por muitos um pervertido sexual um advogado do amor

livre e do sufraacutegio feminino o principal responsaacutevel pela desestruturaccedilatildeo da famiacutelia e do

matrimocircnio e pior ainda um socialista Clement Scott o mais impetuoso dos ldquoIbsen-

phobiacsrdquo publicou vaacuterios artigos em que acusava natildeo somente Ibsen de obsceno e

1 Cf William Archer ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 214 1 abr 1884 e Edward Aveling ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-474 maio 1884 ldquoThe adapters were afraid either of the greatness of the play they had to take in hand or of the English public or of themselves or of all of these They have feared to face the tragic question [of marriage] and to deal with it in Ibsenrsquos tragic way They have shirked the difficulty The authors of this conventional little play have succeeded in the Herculean labour of making Ibsen appear common-place And a feeling of sorrow that is positive pain comes with the reflection that a magnificent dramatic opportunity a chance of teaching our bourgeois audiences something of what life is and therefore what a play should be have (sic) been thoughtlessly rechlessly thrown awayrdquo 2 Eleanor Marx-Aveling Edwald Aveling ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

23

corruptiacutevel mas tambeacutem seus tradutores e apologistas que ofereciam ao puacuteblico uma arte

degenerada1 Os ataques ao dramaturgo foram tatildeo violentos que Archer resolveu publicar

uma espeacutecie de dicionaacuterio de abusos elencando os termos usados pelos criacuteticos

principalmente na recepccedilatildeo de Os espectros encenada pelo Independent Theatre em 13 de

marccedilo de 18912

De fato Os espectros foi uma das obras de Ibsen que mais controveacutersia suscitou nos

teatros europeus natildeo apenas por sua temaacutetica cientificista mas sobretudo por causa das

mudanccedilas realizadas na estrutura do drama A accedilatildeo essencial da peccedila eacute a reconstituiccedilatildeo do

passado de Helena Alving o matrimocircnio com o licencioso Capitatildeo Alving o amor ao pastor

Manders que a repeliu convencendo-a a permanecer ao lado do marido e a idealizaccedilatildeo

falaciosa da imagem do Capitatildeo frente ao filho e agrave sociedade O resultado desses eventos eacute a

heranccedila bioloacutegica que se manifesta na loucura de Osvaldo viacutetima do passado de libertinagem

do pai Outros acontecimentos da peccedila como o interesse de Osvaldo por Regina sua irmatilde

ilegiacutetima e a tentativa de eutanaacutesia praticada por Helena para interromper o sofrimento do

filho chocaram a plateacuteia burguesa Aleacutem disso para os criacuteticos habituados com o

desenvolvimento crescente da accedilatildeo mdash o esboccedilo da intriga no primeiro ato o alcance de um

ponto mais impetuoso no segundo e a resoluccedilatildeo dos conflitos no terceiro mdash Os espectros era

um despropoacutesito A peccedila natildeo apresentava accedilotildees melodramaacuteticas ao contraacuterio o que se via em

cena era somente a anaacutelise das personagens e de sua situaccedilatildeo Embora observando a unidade

completa de accedilatildeo tempo e lugar Ibsen passou a fazer uso do flashback deslocando as accedilotildees

decisivas de seus dramas para o passado Desse modo as recordaccedilotildees evocadas atraveacutes de um

diaacutelogo dramaacutetico conciso serviam apenas para dar sentido agraves condiccedilotildees das personagens no

tempo presente facultando aos espectadores a visatildeo da totalidade do processo Suas peccedilas na

medida em que apresentavam no palco os problemas da sociedade burguesa natildeo se ajustavam

mais agraves regras da dramaturgia de rigor aristoteacutelico e assim Ibsen se viu forccedilado a

1 Cf Clement Scott [sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891 ldquoAn obscure Scandinavian dramatist and poet a crazy fanatic and determined socialist is to be trumpeted into fame for the sake of the estimable gentlemen who can translate his works and the enterprising tradesmen who publish them The whole thing is most amusing to those who are behind the scenes and the artful aid of the reacuteclame is exercised with an ingenuity worthy of the Gallic race Meetings are held under the open pretence of advocating the study of Ibsen but in reality for the propagation of the gospel of Socialismrdquo 2 Cf William Archer ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891 ldquoIbsenrsquos positively abominable play entitled Ghostshellip This disgusting representationhellip Reprobation due to such as aim at infecting the modern theatre with poison after desperately inoculating themselves and othershellip An open drain lsquoa loathsome sore unbandaged a dirty act done publicly a lazar-house with all its doors and windows openhellip Candid foulnesshellip Kotzebue turned bestial and cynical hellipOffensive cynicismhellip Ibsenrsquos melancholy and malodorous worldhellip Absolutely loathsome and fetidhellip Gross almost putrid indecorumhellip Literary carrionhellip Crapulous stuffhellip Novel and perilous nuisancersquo mdash Daily Telegraph (leading article) lsquoThis mess of vulgarity egotism coarseness and absurdityrsquomdash Daily Telegraph (criticism) []rdquo

24

ldquodesdramatizaacute-lasrdquo para tornar visiacutevel o fluir da realidade cotidiana Eacute assim que ao

transformar o tempo passado em assunto fundamental de sua obra Ibsen deu iniacutecio agrave crise do

drama demonstrando cada vez mais seu interesse pelo gecircnero eacutepico

A repulsa que a publicaccedilatildeo de Os espectros provocou no puacuteblico em 1881 natildeo teve

precedentes na histoacuteria da literatura norueguesa Ibsen foi acusado de niilista lascivo

defensor do amor livre e anticristatildeo Os livreiros recusaram-se em vender o drama sendo

muitos exemplares devolvidos ao editor Para os criacuteticos apenas um ldquoinsanordquo poderia

escrever uma peccedila com tantos disparates o realismo da obra havia se convertido num

naturalismo completamente pagatildeo a psicologia das personagens era pouco clara discutiacutevel e

enervante e portanto somente os historiadores da literatura poderiam quiccedilaacute um dia

interessar-se por ela como um caso singular de desequiliacutebrio mental Os maiores protestos no

entanto foram feitos em nome da igreja nunca um livro que pregava o incesto o amor

extraconjugal e a devassidatildeo sexual poderia adentrar uma casa cristatilde A peccedila foi enviada para

vaacuterios teatros da Escandinaacutevia mas todos rejeitaram-na Assim a primeira representaccedilatildeo de

Os espectros soacute aconteceria um ano mais tarde no Aurora Turner Hall em Chicago em maio

de 1882 para uma plateacuteia de imigrantes escandinavos Aliaacutes foram os Norwegian-Americans

que introduziram Ibsen nos Estados Unidos atraveacutes da divulgaccedilatildeo dos trabalhos do autor no

jornal Skandinaven O perioacutedico que circulou entre 1866 e 1941 era escrito em norueguecircs

mas com a popularidade do dramaturgo na Europa os editores passaram a reproduzir as

criacuteticas inglesas em sua liacutengua original Aleacutem disso foram eles tambeacutem os responsaacuteveis pela

primeira encenaccedilatildeo de Casa de boneca em territoacuterio americano A peccedila na adaptaccedilatildeo inglesa

de William Lawrence foi intitulada The Child Wife sendo representada no Grand Opera

House em Milwaukee Wisconsin em 2 de junho de 1882 Essa montagem diferente de Os

espectros ocorrida um mecircs antes foi recebida com grande entusiasmo pela imprensa que a

anunciou como ldquoAn Emocional Domestic Dramardquo A exemplo do que acontecera na

Inglaterra com Breaking a butterfly a versatildeo americana tambeacutem distorceu o texto original

Helmer marido de Nora compreendeu a falsificaccedilatildeo feita pela esposa agradecendo-a por ter

salvo sua vida reconciliados Nora desistiu de abandonar o lar

Entre 1894 e 1907 as companhias teatrais estrangeiras fizeram vaacuterias excursotildees nos

Estados Unidos trazendo em seus repertoacuterios peccedilas como Os espectros Um inimigo do povo

John Gabriel Borkman Hedda Gabler Solness o construtor e Peer Gynt Assim como

ocorrera na Europa as polecircmicas suscitadas pelas encenaccedilotildees foram inevitaacuteveis e natildeo

demorou muito para que Ibsen aparecesse nos principais perioacutedicos do paiacutes Hjalmar Hjorth

Boyesen um dos admiradores do dramaturgo aleacutem de escrever muitas mateacuterias em jornais e

25

revistas publicou Commentary on the works of Henrik Ibsen em 18941 No entanto Rasmus

Bjoslashrn Anderson foi o primeiro a escrever um artigo em inglecircs sobre a revoluccedilatildeo que o autor

vinha operando no palco europeu2 Curiosamente Anderson passou a adotar outro ponto de

vista no final da deacutecada de 1890 passando de defensor a opositor feroz do teatro de Ibsen Eacute

provaacutevel que o contato entre ele e William Winter o criacutetico teatral mais puritano do Greeleyrsquos

Tribune tenha provocado essa transformaccedilatildeo O fato eacute que Winter e Anderson foram para

Boston Wisconsin e Nova York o que Clement Scott foi para Manchester e Londres

adversaacuterios da ldquoimoralidaderdquo do teatro moderno3 Aleacutem disso a preocupaccedilatildeo maior dos

conservadores era a empatia entre as ideacuteias ibsenianas e os movimentos operaacuterio e anarquista

Para Emma Goldman feminista anarquista e liacuteder da causa dos trabalhadores o drama

moderno era uma espeacutecie de disseminador do pensamento radical sobretudo na Ameacuterica

onde o teatro meramente comercial servia apenas para provocar francas gargalhadas no

puacuteblico eliminando da cena qualquer alusatildeo aos temas sociais4 Durante o periacuteodo em que

viveu nos Estados Unidos de 1886 ateacute 1919 quando entatildeo foi expulsa do paiacutes em razatildeo de

sua intensa atividade poliacutetica Goldman escreveu panfletos publicou livros e fundou a revista

Mother Earth (1906-1917) que teve entre seus colaboradores Georg Brandes Maxim Gorki

Alexander Berkman e Eugene OrsquoNeill O perioacutedico trazia assuntos diversos desde temas

urgentes da eacutepoca como as prisotildees arbitraacuterias dos trabalhadores e o direito das mulheres ao

controle de natalidade ateacute poesia ficccedilatildeo e criacutetica teatral Em relaccedilatildeo a Ibsen a autora

distinguia Os pilares da sociedade Casa de boneca Os espectros e Um inimigo do povo

como verdadeiras obras libertaacuterias uma vez que expunham no palco a opressatildeo social a

hipocrisia dos puritanos e a exclusatildeo das mulheres na sociedade Desse modo Goldman

tornou-se a primeira a alertar que embora o autor de Hedda Gabler reivindicasse em suas

peccedilas o fim da sociedade patriarcal burguesa o ponto de discussatildeo central de sua dramaturgia

1 Cf Hjalmar Hjorth Boyesen Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894 2 Rasmus Bjoslashrn Anderson ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American 15 abr 1882 3 O tom da mudanccedila de atitude de Anderson em relaccedilatildeo a Ibsen pode ser avaliado no seguinte trecho de sua autobiografia Life story Madison Wisconsin 1915 p 487 ldquoI have no sympathy with [Ibsenrsquos] so-called social dramas beginning with A Dollrsquos House and [ending with] When We Dead Awaken Aside from the improprieties and offense against good morals that are found in them they seem to me mere twaddle and all the symbolism which they are said to contain I regard as a mere opinion of his readers and admiring criticsrdquo 4 Emma Goldman The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914 ldquoPerhaps those who learn the great truths of the social travail in the school of life do not need the message of the drama But there is another class whose number is legion for whom that message is indispensable In countries where political oppression affects all classes the best intellectual element have made common cause with the people have become their teachers comrades and spokesmen But in America political pressure has so far affected only the ldquocommonrdquo people It is they who are thrown into prison they who are persecuted and mobbed tarred and deported Therefore another medium is needed to arouse the intellectuals of this country to make them realize their relation to the people to the social unrest permeating the atmosphererdquo

26

era a luta de classes natildeo de gecircnero1 Apesar das circunstacircncias desfavoraacuteveis as obras de

Ibsen foram assimiladas por alguns autores que desejavam criar um novo teatro No final do

seacuteculo XIX Bronson Howard abordou o embate entre capital e trabalho com Baron Rudolph

de 1881 no iniacutecio do XX Edward Sheldon foi o primeiro a tratar da questatildeo racial em 1910 com The

Nigger OrsquoNeill escreveu em 1939 The iceman cometh peccedila cujo enredo eacute semelhante ao de O pato

selvagem e Arthur Miller aleacutem de compor All my sons em 1947 transpondo a teacutecnica analiacutetica de

Ibsen para a atualidade americana produziu a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo na deacutecada de 19502

Na Franccedila berccedilo da forma hegemocircnica do drama a resistecircncia agraves peccedilas ibsenianas foi

muito mais severa do que em qualquer outro paiacutes europeu Desde o final dos anos 1840 o

palco francecircs era totalmente dominado pelas comeacutedias realistas de Augier Dumas Filho e

Sardou que aliavam as descriccedilotildees dos costumes burgueses agrave exaltaccedilatildeo moralizante de seus

valores eacuteticos como o trabalho o matrimocircnio e a famiacutelia Somente a partir de 1887 com a

fundaccedilatildeo do Theacuteacirctre Libre por Andreacute Antoine comeccedilaram as campanhas para a revitalizaccedilatildeo

da cena francesa Antoine inspirado nas ideacuteias naturalistas de Zola preconizava um teatro

baseado na verdade na observaccedilatildeo e no estudo da natureza Suas produccedilotildees aleacutem do caraacuteter

popular e social destacavam-se pelos cenaacuterios realistas e pela interpretaccedilatildeo mais natural dos

atores sem os tradicionais gestos exagerados e as elocuccedilotildees empoladas Com isso o Theacuteacirctre

Libre logo tornou-se o refuacutegio de autores como Ibsen Hauptmann e Strindberg rejeitados

pelos teatros convencionais Os espectros e O pato selvagem foram as primeiras peccedilas do

dramaturgo a serem apresentadas agrave plateacuteia parisiense respectivamente em 1890 e 1891

provocando a fuacuteria de criacuteticos conservadores como Francisque Sarcey Com receio de que o

teatro ibseniano destruiacutesse a tradiccedilatildeo dramaacutetica da Franccedila Sarcey levantou-se sem demora

contra a ldquoinvasatildeo do baacuterbaro do Norterdquo A pedra de toque de sua criacutetica era o gosto do

puacuteblico por conseguinte uma peccedila era considerada boa ou ruim conforme o grau de

receptividade dos espectadores Os autores deviam necessariamente escrever dramas que

pudessem ser entendidos pela plateacuteia por isso os recursos da peccedila bem-feita eram

indispensaacuteveis A clareza a estrutura loacutegica e o propoacutesito moral do drama eram as qualidades

que Sarcey reivindicava como o cerne da experiecircncia teatral Nesse sentido aleacutem da

incompreensatildeo e da inconsistecircncia dos temas a principal queixa de Sarcey contra as peccedilas

ibsenianas era relacionada agrave estrutura dramaacutetica que apresentava cenas incoerentes e

1 Cf Emma Goldman ldquoThe drama a powerful dissemination of radical thoughtrdquo Anarchism and others essays New York Dover 1969 p 241-271 2 Cf sobre Ibsen e OrsquoNeill Sverre Arestad ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948 e Rolf Fjelde ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

27

desarticuladas Para o criacutetico Ibsen feria a regra mais importante do drama ao deixar o

puacuteblico sem o conhecimento baacutesico dos fatos e das histoacuterias de cada personagem O arranjo

cuidadoso da antecipaccedilatildeo de um evento e a efetivaccedilatildeo da scegravene agrave faire (cena obrigatoacuteria) era o

que Sarcey e a plateacuteia que ele representava esperavam de um espetaacuteculo teatral1

Ibsen configurava-se tatildeo obscuro aos olhos do puacuteblico francecircs que se tornou comum a

realizaccedilatildeo de uma conferecircncia preacutevia sobre o enredo e o contexto de qualquer uma de suas

obras que por laacute fosse encenada Assim minutos antes da estreacuteia de Hedda Gabler no

Theacuteacirctre du Vaudeville em 1891 Jules Lemacircitre tentou explicar o caraacuteter ldquonebulosordquo da

personagem-tiacutetulo atraveacutes de uma comparaccedilatildeo entre as mulheres escandinavas e as francesas

Para ele o desprezo que Hedda nutria por Tesman seu marido as suas ambiccedilotildees

desmesuradas que levaram agrave ruiacutena seu ex-amante Loevborg e a sua morte na uacuteltima cena da

peccedila mdash quando ela daacute fim agrave proacutepria vida e agrave do filho que estava esperando mdash provinham de

sua origem luterana Hedda sendo protestante estava fadada a se dedicar inteiramente a uma

vida de pureza espiritual ldquotoute acircmerdquo eximindo-se de qualquer prazer material e da ldquojoie de

vivrerdquo alardeada pelo catolicismo Segundo Lemaicirctre isso explicava o fastio da personagem

pela vida sua natildeo vocaccedilatildeo para a maternidade e sua falta de solidariedade com o proacuteximo

Nessa esteira ele argumentava ainda que a premissa baacutesica do luteranismo a reivindicaccedilatildeo da

autonomia moral tatildeo bem incorporada nos caracteres de Nora e Helena Alving havia sido

grotescamente distorcida resultando daiacute a figura neuroacutetica de Hedda Depois de todo esse

disparate o criacutetico concluiu sua exposiccedilatildeo aproximando Hedda Gabler de Emma Bovary

ambas monstruosamente orgulhosas esnobes ciacutenicas e crueacuteis2 Se por um lado alguns

criacuteticos indignaram-se com essa leitura como Camille Mauclair e Henri Becque que

acusaram Lemaicirctre de julgar a obra de Ibsen sob um ponto de vista hostil e malevolente

dificultando ainda mais a compreensatildeo do puacuteblico por outro houve quem concordasse com

ele como Camille Bellaigue criacutetico da Revue des Deux Monde que viu Hedda como ldquoune

toqueacutee une deacutepraveacuteerdquo uma criatura bizarra e uma meretriz da pior espeacutecie3

1 Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 371 ldquoIbsen jette sur la scegravene des personnages qui parlent de leurs affaires comme si nous eacutetions au courant Ce nest que peu agrave peu au cours de leurs conversations que nous finissons par reconstituer le point initial dougrave toute laction est partie Ce systegraveme mest insupportable Je suis Latin en cela ou plutocirct je suis Franccedilais Jai besoin quon me dise Voilagrave ce qui sest passeacute voici ougrave nous en sommes eacutecoutez ce qui va suivrerdquo 2 Cf Jules Lemaicirctre Impressions de theacuteacirctre v 6 Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897 p 50-62 Sobre a analogia entre Hedda Gabler e Emma Bovary cf Elsie M Wiedner ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989 p 32-33 3 A Dikka Reque Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoumlrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930 p 128

28

Em 1892 o Cercle des Escholiers dirigido por Georges Bourdon representou A dama

do mar Entretanto foi no ano seguinte que Ibsen tornou-se definitivamente o adversaacuterio

nuacutemero um dos criacuteticos conservadores franceses com a encenaccedilatildeo de Um inimigo do povo

dirigida por Lugneacute-Poe e Camille Mauclair no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Esta montagem foi

polecircmica natildeo somente pelas inovaccedilotildees que os simbolistas trouxeram para a cena mdash como o

uso da iluminaccedilatildeo das cores do movimento e do arranjo cecircnico servindo antes agrave evocaccedilatildeo

do que agrave verossimilhanccedila mdash mas sobretudo porque a peccedila foi apresentada em termos

explicitamente anarquistas Como de praxe a estreacuteia do espetaacuteculo foi precedida de uma

conferecircncia dessa vez a cargo de Laurent Tailhade poeta libertaacuterio que enfatizou o aspecto

de criacutetica social do drama insistindo na importacircncia da ldquorevoltardquo contra ldquole pegravere le patron et

la patrierdquo Desse modo as desventuras do Dr Stockmann mdash protagonista da peccedila que acaba

sendo abandonado por todos e considerado um inimigo do povo ao entrar em choque com os

interesses dos poderosos de sua cidade mdash foram vistas como uma alegoria da luta do

indiviacuteduo contra as autoridades corruptas e contra a ilegitimidade do estado de poder Mas

natildeo foi apenas a leitura de Taillade que politizou o evento alguns simpatizantes do

movimento anarquista participaram da montagem como figurantes da cena em que uma

multidatildeo se reuacutene para discutir a contaminaccedilatildeo da estacircncia balneaacuteria da cidade pelos esgotos

das induacutestrias da regiatildeo Na sala do espetaacuteculo vaias e aplausos se misturaram possibilitando

desse modo que o puacuteblico participasse ativamente da encenaccedilatildeo O tumulto iniciado no

teatro ganhou as ruas resultando em alguns casos em prisatildeo perseguiccedilatildeo e ateacute mesmo

deportaccedilatildeo Por ordem da justiccedila a proacutexima peccedila do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre Les acircmes solitaires

de Hauptmann foi cancelada e durante algum tempo o teatro permaneceu sob vigilacircncia

policial Por sua vez Um inimigo do povo foi execrada pela criacutetica e Ibsen passou cada vez

mais a ser visto como ldquoum anarquista da arterdquo que exercia um verdadeiro terror no puacuteblico1

Poucos meses depois do impacto causado por Um inimigo do povo o Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre apresentou ao puacuteblico Rosmersholm peccedila que conta a histoacuteria de Rosmer e Rebecca

West Ele um homem de caraacuteter refinado e distinto mdash viuacutevo da melancoacutelica Beata que

acabou por se suicidar atirando-se na correnteza de um rio mdash foi abandonado por todos os

amigos quando decidiu renunciar a seu cargo de pastor da comunidade assumindo ideacuteias

liberais Rebecca uma mulher livre de quaisquer autoritarismos e ortodoxias amiga e

1 Cf ldquoLes auteurs nordiques et les anarchistes un malentendu feacutecondrdquo In Caroline Granier Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes-Saint-Denis Paris e Erin Williams Hyman ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

29

confidente de Rosmer influenciou consideravelmente nas suas decisotildees No decorrer da peccedila

Rebecca confessa que manipulou Beata induzindo-a ao suiciacutedio Apesar disso Rosmer a

perdoa pedindo-a em casamento Mas ela natildeo aceita argumentando que natildeo pode se libertar

dos erros cometidos no passado No fim da peccedila sem perspectivas negando-se a ter uma vida

de estagnaccedilatildeo e modorra ambos se matam jogando-se na mesma correnteza em que Beata

morrera Com essa montagem mais do que com Um inimigo do povo que ainda apresentava

evidentes conotaccedilotildees poliacuteticas Ibsen foi definitivamente incorporado ao movimento

simbolista do teatro francecircs No programa do espetaacuteculo talvez para estimular a criacutetica e o

puacuteblico a assistir a encenaccedilatildeo Victor Charbonnel declarou que Rosmersholm era ldquoune piegravece

moins embarrasseacutee et confuserdquo do que outras de Ibsen sendo quase uma ldquopiegravece bien faiterdquo

Ao mesmo tempo ele realccedilou a psicologia o idealismo a poesia e a paixatildeo das personagens

como os elementos relevantes da peccedila deixando claro que natildeo se veria no palco qualquer

mensagem poliacutetica ou ideoloacutegica mas tatildeo somente um drama evocativo propiacutecio mais agrave

meditaccedilatildeo do que agrave predicaccedilatildeo1

A despeito dessas consideraccedilotildees a peccedila foi tatildeo incompreendida quanto Os espectros

Hedda Gabler e A dama do mar Primeiro porque Rosmersholm fornecia o mais

impressionante exemplo da teacutecnica analiacutetica de Ibsen mdash a accedilatildeo principal da peccedila natildeo era

senatildeo a anaacutelise das razotildees que levaram agrave morte Beata Rosmer e Rebecca mdash gerando por

esse motivo a acusaccedilatildeo de criacuteticos favoraacuteveis agrave formula da peccedila bem-feita de que o drama era

artificial inconsistente ininteligiacutevel e absurdo Segundo porque a montagem enfatizando o

estado de espiacuterito sombrio o tom sepulcral e sobretudo a preocupaccedilatildeo com a morte assunto

tatildeo caro aos simbolistas levou a criacutetica a julgar a obra como estaacutetica e monoacutetona desprovida

de qualquer cunho dramaacutetico seja a tensatildeo o suspense a crise ou o conflito E terceiro

porque Rebecca vista pela oacutetica da imagem do eacuteternel feacuteminin mdash um tipo de mulher eteacuterea

altamente idealizada miacutestica quase um ente sobrenatural e diaboacutelico mdash levou alguns criacuteticos

a considerar natildeo soacute ela mas todas as personagens femininas de Ibsen como criaturas

maleacutevolas imorais e delinquumlentes capazes de desestruturar lares destruir os outros e a si

proacuteprias Para os adeptos do simbolismo como Henry James Edmund Gosse Paul Bourget

entre outros as personagens ibsenianas nada mais representavam que um eacutetat drsquoacircme ou souls-

crisis constituindo a obra de Ibsen desse modo de uma verdadeira ldquoSoulrsquos tragedyrdquo Seja

como for natildeo demorou muito para que as personagens femininas de Ibsen fossem tomadas

1 Cf ldquoRosmersholm toward new realms of artrdquo In Kirsten Shepherd-Barr Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

30

pelos psiquiatras meacutedicos e criminalistas da eacutepoca como verdadeiros casos patoloacutegicos de

desequiliacutebrio mental sendo tratadas como histeacutericas neuroacuteticas e degeneradas1

Em 1894 o Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre levou agrave cena Solness o construtor (1892) A peccedila

escrita de acordo com a teacutecnica analiacutetica inicia-se quando Halvard Solness estaacute no fim da

vida A essa altura ele jaacute eacute o ceacutelebre construtor que se fez explorando muita gente sobretudo

dois de seus empregados Knut e Ragnar Brovik pai e filho Quando Solness descobre que

Ragnar quer montar o seu proacuteprio negoacutecio natildeo economiza meios para o impedir chegando a

incentivar Kaia Fosli noiva de Ragnar mas apaixonada por Solness a se casar com o rapaz

para manter ambos em seu escritoacuterio Em meio a esses eventos o construtor recebe a visita

inesperada de Hilda Wangel uma jovem que conhecera dez anos antes quando esteve em sua

cidade natal para construir a torre da igreja No decorrer da accedilatildeo atraveacutes do diaacutelogo entre

Solness e Hilda ficamos sabendo que a fortuna do construtor proveio de um incecircndio que

destruiu a casa herdada dos pais de sua mulher Aline que ele sabia da existecircncia de uma

fenda na chamineacute mas natildeo providenciou o conserto que em consequumlecircncia do ldquoincidenterdquo

Aline teve uma febre de leite que levou agrave morte o seu casal de gecircmeos e finalmente que ele

arruinou Knut Brovik o homem que lhe ensinara o ofiacutecio No final da peccedila Solness que

acabara de construir uma casa nova para sua famiacutelia eacute instigado por Hilda a subir ateacute o topo

da torre para depositar uma coroa de flores mdash costume norueguecircs para se comemorar a

inauguraccedilatildeo de uma obra O construtor malgrado a vertigem das alturas aceita o desafio e

acaba morrendo ao se desequilibrar e cair do alto da torre

A partir dessa peccedila alguns simbolistas como por exemplo Maeterlinck passaram a

associar a teacutecnica dramatuacutergica de Ibsen ao hipnotismo sugerindo que seus dramas

transportavam os espectadores para um mundo de sonho e alucinaccedilatildeo Tal qual um devaneio

Solness era composta de um conjunto de imagens de pensamentos ou de fantasias de ldquovaacuterias

camadas de siacutembolos superpostasrdquo que poderiam desdobrar-se e aparecer aos olhos do

puacuteblico sob muacuteltiplas formas Assim Ibsen foi saudado como autor de um novo tipo de drama

mdash um drama de reflexatildeo interna que expressava no palco apenas a vida interior das

personagens mdash transformando o teatro desse modo em um templo de compleiccedilatildeo miacutestica2

Nessa esteira Prozor no prefaacutecio de sua traduccedilatildeo de Solness forneceu uma explicaccedilatildeo

detalhada dos siacutembolos contidos na peccedila que segundo ele era completamente alegoacuterica

facilmente compreensiacutevel e ldquoassez transparentsrdquo as personagens natildeo eram senatildeo

1 Cf sobre essa questatildeo as anaacutelises equivocadas feitas pelo criminalista italiano Cesare Lombroso LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 e pelo meacutedico Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf Maurice Maeterlinck ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

31

dramatizaccedilotildees do proacuteprio Ibsen Solness era o dramaturgo Hilda era a juventude e a

imaginaccedilatildeo Aline o passado Knut Brovik a rotina Ragnar o utilitarismo moderno as

igrejas que Solness construiacutera eram os dramas filosoacuteficos de Ibsen como Brand e as casas

eram peccedilas modernas como Os espectros1 Essa leitura influenciou muitos criacuteticos sendo

reproduzida em vaacuterios outros artigos e livros como por exemplo Acircmes modernes de Henry

Bordeaux e Les reacutevolteacutes scandinaves de Maurice Bigeon2 Henry James tambeacutem partilhou

das mesmas ideacuteias de Prozor chamando Solness de um ldquoIbsen within an Ibsenrdquo3 A criacutetica

contraacuteria a Ibsen recebeu a peccedila sem nenhum entusiasmo vendo-a como obra de um

desequilibrado Clement Scott chegou a comparaacute-la a um manicocircmio ldquoa play written

rehearsed and acted by lunaticsrdquo4 E Sarcey contestou-a pela falta de clareza acusando o

dramaturgo de ter um discurso verborraacutegico e esquisito que transformou Solness em pura e

simples banalidade ldquoil est tout agrave la fois obscur et pueacuterilrdquo ldquocrsquoest du pur galimatiasrdquo ldquocrsquoest le

plus simple et le plus naiumlf des truismesrdquo5

Enquanto Ibsen escrevia suas uacuteltimas peccedilas mdash O pequeno Eyolf (1894) John Gabriel

Borkman (1896) e Quando noacutes os mortos despertarmos (1899) mdash e o movimento simbolista

propagava suas ideacuteias sobre a soul-crisis Sigmund Freud avanccedilava do estudo da histeria para

o do inconsciente utilizando-se muitas vezes de obras-de-arte para ilustrar suas teorias No

acircmbito do teatro satildeo famosas suas investigaccedilotildees sobre o chiste que se referem indiretamente

agrave comeacutedia bem como seu exame de cenas e personagens dramaacuteticas para elucidar certas

condiccedilotildees psiconeuroacuteticas Aleacutem da ceacutelebre anaacutelise de Eacutedipo Freud fez um estudo de

Rebecca West personagem de Rosmersholm no artigo ldquoArruinados pelo ecircxitordquo publicado em

1916 Partindo da teoria do complexo de Eacutedipo Freud identifica no comportamento e

sobretudo nas palavras de Rebecca motivos ldquosubterracircneosrdquo e mecanismos inconscientes que

revelam um sentimento de culpa em relaccedilatildeo ao seu passado incestuoso ter sido amante do

proacuteprio pai sem o saber Essa situaccedilatildeo natildeo estaacute claramente explicitada no texto de Ibsen mas

segundo Freud haacute ldquoindiacutecios e fragmentosrdquo inseridos com tal arte nas entrelinhas da trama que

validam essa interpretaccedilatildeo e ao mesmo tempo ajudam a compreender o obstaacuteculo agrave uniatildeo de

1 Cf prefaacutecio de Solness le constructeur de Moritz Prozor em Henrik Ibsen Solness le constructeur Paris Savine 1893 Esse mesmo texto foi publicado na ediccedilatildeo brasileira de seis peccedilas de Ibsen Conde Prozor ldquoComentaacuterios sobre Solness o construtorrdquo Seis dramas Porto Alegre Globo 1944 p 479-488 2 Cf Henry Bordeaux La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894 e Maurice Bigeon Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894 3 Cf Henry James ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893 4 Cf Clement Scott [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893 5 Cf Francisque Sarcey Quarante ans de theacuteacirctre v 8 Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1902 p 356

32

Rebecca e Rosmer1 Esse tipo de anaacutelise que na maioria das vezes diz muito mais sobre a

psicanaacutelise do que sobre o trabalho eou os propoacutesitos do autor tornou-se a partir daiacute uma das

estrateacutegicas criacuteticas cada vez mais usadas para se analisar as obras ficcionais No caso da

criacutetica das peccedilas de Ibsen sobretudo depois de Solness agrave abordagem autobiograacutefica que jaacute

vinha sendo feita desde o final do seacuteculo XIX acrescentou-se a psicanaliacutetica a ponto de alguns

considerarem o dramaturgo como um ldquoFreud do teatrordquo Desse modo ora a obra de Ibsen

serve de material para diagnosticar seu psiquismo como por exemplo identificaacute-lo com o

escultor Rubek personagem de sua uacuteltima peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos

concluindo que ambos estatildeo presos agrave culpa de renunciar a proacutepria vida por um ideal de arte

ora suas personagens satildeo reduzidas sempre ao mesmo complexo de Eacutedipo deixando de lado

os problemas gerais mdash social moral e metafiacutesico mdash a favor de casos particulares e

patoloacutegicos negando assim a universalidade da obra ibseniana2

No iniacutecio do seacuteculo XX as peccedilas de Ibsen malgrado os escacircndalos as polecircmicas e a

oposiccedilatildeo cerrada de criacuteticos conservadores acabaram sendo incorporadas ao teatro claacutessico

Embora nem sempre gozando da popularidade que tivera no final do seacuteculo XIX Ibsen

continuou a ser discutido pelos teoacutericos de vanguarda sobretudo pelos simpatizantes da

esteacutetica simbolista que tentavam achar uma saiacuteda para a conflito entre a visatildeo abstrata do

drama e sua representaccedilatildeo fiacutesica Em 1906 ano da morte do dramaturgo Max Reinhardt

juntamente com Edvard Munch responsaacutevel pelo design da produccedilatildeo encenou Os espectros

no Kammerspiele Theatre em Berlim Vsevolod Meyerhold trabalhando entatildeo na companhia

da atriz Vera Komissarzhevskaya dirigiu Hedda Gabler em Satildeo Petersburgo e Edward

Gordon Craig criou o cenaacuterio para a representaccedilatildeo de Rosmersholm de Eleonora Duse no

Teatro della Pergola em Florenccedila Essas trecircs montagens embora muito distintas entre si

compartilharam da ruptura com os padrotildees realistas de encenaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo levando

para o palco a teatralidade a estilizaccedilatildeo e a sugestatildeo Craig no desenho das cenas de

Rosmersholm abusou das variaccedilotildees de luz e cor buscando estabelecer uma relaccedilatildeo

inequiacutevoca entre as personagens e os objetos que a cercavam Segundo registros de Guido

Noccioli um dos atores que participou dessa montagem o cenaacuterio e a mobiacutelia eram verdes

contrastando apenas com uma porta azul que vez ou outra atingia um tom celeste por causa

1 Cf ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In Sigmund Freud Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356 2 Cf por exemplo Derek Russell Davis ldquoA reappraisal of Ibsenrsquos Ghostsrdquo In James Walter Mcfarlane Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970 p 369-383 e Anne Hage ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

33

dos dez refletores utilizados em cena1 A nova arquitetura do espaccedilo cecircnico foi o que mais

chamou a atenccedilatildeo de alguns criacuteticos italianos como Enrico Corradini que em um de seus

muitos artigos publicados na imprensa considerou-a perfeita para acolher a psicologia

profunda de Rosmer e Rebecca West2

Meyerhold antes da encenaccedilatildeo de Hedda Gabler escreveu o ensaio ldquoO teatro

naturalista e o teatro de humorrdquo onde desaprovava a esteacutetica naturalista pelo cuidado

excessivo da reproduccedilatildeo exata da natureza negando ao espectador a capacidade de sonhar e

imaginar No caso das peccedilas de Ibsen o diretor russo acusava os encenadores naturalistas de

transformaacute-las em tediosas monoacutetonas e doutrinaacuterias uma vez que se preocupavam apenas

com o desenho preciso de ldquotiposrdquo do universo norueguecircs e com a anaacutelise minuciosa dos

diaacutelogos das personagens Na acircnsia de tornar a dramaturgia ibseniana suficientemente

compreensiacutevel ao puacuteblico os naturalistas buscavam tornar vivos os diaacutelogos ldquoenfadonhosrdquo e

complicados do autor atraveacutes do trabalho analiacutetico das cenas de transiccedilatildeo ldquoas personagens

comem limpam a sala fazem as malas embrulham sanduiacuteches etcrdquo3 Com isso eles

colocavam em primeiro plano muitas cenas secundaacuterias sufocando o misteacuterio e as meias-

palavras que segundo Meyerhold eram as essecircncias da obra de Ibsen Em sua produccedilatildeo de

Hedda Gabler o diretor russo procurou efetivar no palco as ideacuteias contidas em seu ensaio de

modo a forccedilar o puacuteblico a ter uma visatildeo mais profunda da realidade e tentar decifrar o enigma

por traacutes dos discursos das personagens Para tanto qualquer alusatildeo a tempo ou espaccedilo foi

suprimida um esquema simboacutelico de valores e formas cromaacuteticas foi utilizado para

caracterizar a imagem e os traccedilos psicoloacutegicos de cada personagem Tesman vestia-se de

cinza Loevborg de marrom Brack de cinza escuro Thea de rosa e Hedda de verde o

cenaacuterio de Nicolai Sapunov tinha uma espeacutecie de trono coberto com um pano branco

contrapondo-se a um fundo azul onde Hedda se sentava e em torno do qual se desenvolveram

a maioria das cenas aleacutem disso o palco era em ldquobaixo relevordquo cujo efeito bi-dimensional

opunha-se agrave ldquocaixa asfixianterdquo e agrave profundidade do palco naturalista deixando o ator perto do

espectador4 Poucos meses depois dessa produccedilatildeo Meyerhold encenou Casa de boneca e agrave

medida que Nora aproximava-se da decisatildeo de deixar os filhos e o marido o diretor russo foi

1 Cf Guido Noccioli Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Traduccedilatildeo de Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982 2 Edward Gordon Craig Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971 ldquoil palcoscenico appariva trasformato veramente trasfigurato altissimo con una architettura nuova senza piugrave quinte di un solo colore fra il verde e il cilestrino semplice misterioso e affascinante degno insomma di accogliere la vita profonda di Rosmer e di Rebecca West La scena egrave la rappresentazione di uno stato danimordquo 3 Cf Vsevolod Meyerhold ldquoThe naturalistic theatre and the theatre of moodrdquo Meyerhold on theatre translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969 p 23-34 4 Vsevolod Meyerhold Meyerhold on theatre p 65-66

34

derrubando os cenaacuterios que compunham a casa da personagem evidenciando cenicamente a

queda dos valores da sociedade liberal burguesa

As vanguardas do novo seacuteculo salvo ralas manifestaccedilotildees oriundas de tendecircncias

marxista e socialista natildeo eram atraiacutedas pela poliacutetica A preocupaccedilatildeo dos simbolistas com um

teatro de encantamento e ecircxtase a exaltaccedilatildeo do estado de espiacuterito e do vitalismo dos

expressionistas o fasciacutenio dos futuristas pela maquinaria moderna a atenccedilatildeo dos surrealistas

para com os misteacuterios da vida interior levou muitas vezes a um puro subjetivismo beirando o

solipsismo Somente depois da Primeira Guerra e da Revoluccedilatildeo de Outubro teoacutericos criacuteticos

e dramaturgos voltariam a se interessar pelo desenvolvimento de um drama que respondesse

agraves inquietaccedilotildees do homem comum e aos problemas da sociedade moderna Em 1908 no

ensaio ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo o criacutetico russo Georgy Plekhanov jaacute reclamava

de autores que adotando pontos de vista burgueses produziam obras refrataacuterias agraves questotildees

sociais e poliacuteticas de seu tempo Em contrapartida o criacutetico cita o exemplo de Ibsen que

embora natildeo fosse capaz de dar nenhuma soluccedilatildeo poliacutetica aos problemas sociais de sua eacutepoca

foi como nenhum outro escritor moderno um liacuteder na luta contra os desmandos e as

hipocrisias da pequena burguesia oitocentista Sua revoluccedilatildeo apesar de puramente negativa

voltada para a libertaccedilatildeo individual levou-o muitas vezes ao simbolismo mas ainda assim

ofereceu agraves classes desprivilegiadas o entusiasmo pelo desejo de mudanccedila social seja

criticando a sociedade capitalista a instituiccedilatildeo do casamento ou a desigualdade de direitos

entre homens e mulheres Nessa esteira Plekhanov criticava os artistas que presos apenas aos

aspectos puramente simboacutelicos dos dramas ibsenianos priorizavam somente a visatildeo abstrata

do aperfeiccediloamento humano preterindo desse modo as ameaccedilas da revoluccedilatildeo social1

O huacutengaro Georg Lukaacutecs tambeacutem foi um criacutetico severo do idealismo abstrato na arte

Seu interesse pelo drama teve iniacutecio em 1904 quando ajudou a fundar o grupo Thalia de

teatro Concebido nos moldes do Freie Buumlhne de Berlim e do Theacuteacirctre Libre de Paris o Thalia

deu renovado alento agrave vida cultural de Budapeste encenando para a classe operaacuteria peccedilas de

Hebbel Strindberg Wedekind e Ibsen de quem aliaacutes Lukaacutecs traduziu O pato selvagem Sob o

influxo dessa organizaccedilatildeo teatral o jovem criacutetico escreveu em 1906 o seu primeiro livro

Histoacuteria do desenvolvimento do drama moderno publicado somente em 1911 Neste livro

que tem um capiacutetulo dedicado a Ibsen jaacute se encontra o fundamento da teoria do drama de

Lukaacutecs para quem as obras teatrais deveriam descrever acurada e abrangentemente a situaccedilatildeo

1 Georgy Plekhanov ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In Angel Flores Henrik Ibsen New York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

35

soacutecio-histoacuterica de uma dada eacutepoca Por conseguinte as personagens deveriam apresentar-se

como ldquotiposrdquo emblemaacuteticos da sociedade a fim de apreenderem a totalidade do processo

social manifestando assim as tensotildees da cultura burguesa Esse sistema onde acreditava-se

que a arte podia harmonizar contradiccedilotildees para exprimir os traccedilos essenciais de natureza

moral psicoloacutegica e social da sociedade capitalista natildeo implicava nenhuma modificaccedilatildeo

profunda nos conceitos acerca da proacutepria estrutura dramaacutetica Desse modo qualquer mudanccedila

na forma convencional do drama era vista por Lukaacutecs como um trampolim para o

esvaziamento do conteuacutedo literaacuterio transformando a arte em um campo de experiecircncias

meramente formais Preso agrave concepccedilatildeo de drama como sinocircnimo de conflito Lukaacutecs vecirc as

personagens ibsenianas a partir de O pato selvagem como ldquodesagradaacuteveis figuras cocircmicasrdquo

Isso porque o ponto de vista dos heroacuteis de Ibsen segundo o criacutetico estaacute muito acima dos

outros personagens que lhes fazem frente impedindo desse modo que se produza a verdadeira

ldquoluta traacutegica e dramaacuteticardquo entre eles Assim o conflito desenrola-se no vazio e o antagonismo

entre as personagens torna-se grotesco atingindo o cocircmico e por vezes o ridiacuteculo A

ldquosublimidade traacutegicardquo dos heroacuteis ibsenianos torna-se artificial podendo ser mantida apenas

atraveacutes da criaccedilatildeo de uma atmosfera simbolista Mas para Lukaacutecs essa mudanccedila de Ibsen mdash

de um realismo ainda que impregnado de elementos naturalistas para a vacuidade dos

siacutembolos mdash de modo algum representa a superaccedilatildeo das contradiccedilotildees do realismo do fim do

seacuteculo XIX Antes aponta a continuidade das incoerecircncias mas num niacutevel artiacutestico inferior

afastado da compreensatildeo da realidade No entanto em Ibsen essa crise ideoloacutegica ainda

apresenta uma rigorosa e profunda criacutetica que mostra a dissoluccedilatildeo dos ideais burgueses e o

mecanismo da hipocrisia e da auto-ilusatildeo na sociedade capitalista em decliacutenio Essa visatildeo de

Lukaacutecs que insiste na inutilidade da experimentaccedilatildeo literaacuteria natildeo realista desencadearia mais

tarde os ataques ao teatro eacutepico de Brecht provocando um debate teoacuterico no seio da criacutetica

marxista que se arrastaria pelos anos 1930 e repercutiria nas deacutecadas seguintes1

Por volta de 1920 Ibsen jaacute estava completamente absorvido pelo mercado teatral As

dimensotildees sociais e poliacuteticas de suas peccedilas mdash que haviam revolucionado o teatro no seacuteculo

passado denunciando no palco os ideais capciosos da burguesia mdash foram rejeitadas a favor

exclusivamente da exploraccedilatildeo da vida interior e da intemporalidade da psicanaacutelise

Personagens como Nora de Casa de boneca e Helena Alving de Os espectros que outrora

haviam sido ldquoporta-vozesrdquo da emancipaccedilatildeo feminina criticando as convenccedilotildees da sociedade

burguesa afiguravam-se no novo seacuteculo como mulheres problemaacuteticas e mal resolvidas

1 Cf sobre Lukaacutecs e o drama moderno Georg Lukaacutecs Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968 e Il drama moderno Milano SugarCo 1976

36

viacutetimas de traumas ocorridos na infacircncia As variaccedilotildees do complexo edipiano explicavam no

caso de Nora a libertaccedilatildeo do passado e das amarras que a mantinham presa ao marido e no

caso de Helena a renuacutencia da felicidade transformando-a assim em matildee e esposa abnegada

Nesse periacuteodo Brecht elaborava seus primeiros escritos teoacutericos em sua maior parte criacuteticas

teatrais veiculadas no jornal Der Augsburger Volkswille entre 1919 e 1921 Alguns desses

textos em sua proacutepria fatura jaacute mostram o efeito de estranhamento mdash que seria amplamente

desenvolvido na teatro de Brecht nas deacutecadas seguintes mdash como forma de sacudir o leitor em

seu torpor abalando a velha imagem da cultura integrada e digerida sem perigo Eacute nesse

sentido que a propoacutesito da encenaccedilatildeo de Os espectros na Alemanha em 1919 Brecht

denuncia a pasteurizaccedilatildeo da obra de Ibsen por artistas e criacuteticos teatrais interessados tatildeo

somente na empatia do puacuteblico e no aspecto puramente lucrativo do espetaacuteculo teatral Num

texto curto de poucas linhas Brecht ressalta a importacircncia de se ir aleacutem da percepccedilatildeo

ideoloacutegica da esfera da vida privada examinando-a criticamente sobretudo nos seus

interesses mesquinhos e materiais Sob essa perspectiva em Os espectros importava verificar

que Helena Alving natildeo era a pobre viacutetima de um matrimocircnio infeliz mas uma mulher

oportunista que se casou por dinheiro mantendo a todo custo um casamento de aparecircncias a

fim de preservar a tradiccedilatildeo e o prestiacutegio social1

Apoacutes a Segunda Guerra a induacutestria de entretenimento cujas bases jaacute estavam dadas

no iniacutecio do seacuteculo fortaleceu-se de tal modo com a ascensatildeo do capitalismo tardio que as

produccedilotildees teatrais comprometidas com o engajamento poliacutetico foram expropriadas pelo

capital A essa altura as chamadas peccedilas sociais de Ibsen soacute interessavam quando tratadas

dentro dos limites do realismo psicoloacutegico jaacute que assuntos como moral dinheiro casamento

e feminismo eram tachados de obsoletos e ultrapassados Nessa nova fase do capitalismo

obras como Os pretendentes agrave coroa e Brand foram celebradas pela teacutecnica e pela poesia

magistral Imperador e Galileu pela filosofia profunda e Peer Gynt ateacute entatildeo conhecida

quase que exclusivamente pela muacutesica de Edvard Grieg foi encenada em muitos paiacuteses

obtendo grande ecircxito A ldquodomesticaccedilatildeo das artesrdquo pela induacutestria cultural foi examinada por

Max Horkheimer e Theodor Adorno na Dialeacutetica do esclarecimento livro dos anos 1940

Contudo eacute em Minima moralia obra composta de aforismos escritos entre 1944 e 1947 que

Adorno faz referecircncia direta a Ibsen analisando uma das questotildees caras ao dramaturgo a

condiccedilatildeo feminina na sociedade de consumo No fragmento intitulado ldquoExumaccedilatildeordquo o criacutetico

contraria o senso comum que apontando o afrouxamento dos tabus sexuais e a participaccedilatildeo

1 Bertold Brecht ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

37

da mulher no mercado de trabalho daacute por superada a questatildeo do feminismo No entanto as

novas formas de exploraccedilatildeo econocircmica distorceram a independecircncia da mulher tornando-a a

um soacute tempo vulneraacutevel agrave dominaccedilatildeo e incapaz de refletir sobre essa conjuntura Assim sob a

falsa aparecircncia de autonomia e liberdade promovida sobretudo pela induacutestria de consumo mdash

cadeias de loja e magazines que lhes fazem deferecircncia e bajulaccedilatildeo mdash as mulheres se

esquecem de sua sujeiccedilatildeo a ordem social e econocircmica tanto no que diz respeito agrave sua

ldquomiseraacutevel jornada de trabalho profissionalrdquo quanto agrave sua vida no lar Na sequumlecircncia desses

argumentos Adorno compara as personagens ldquohisteacutericasrdquo de Ibsen e ldquosuas tentativas

desesperadas de evadir-se da prisatildeo da sociedaderdquo mdash referecircncia clara a Nora de Casa de

boneca mdash com as mulheres atuais ldquosuas netasrdquo que sem se sentirem atingidas pela mesma

desumanizaccedilatildeo enviariam-nas ldquoaos bons cuidados da assistecircncia socialrdquo Em chave irocircnica

Adorno aponta o retrocesso dos ideais do movimento feminista em relaccedilatildeo aos prodiacutegios

desejados pelas antiquadas personagens ibsenianas ldquoNatildeo eacute sem razatildeo que as mulheres de

Ibsen satildeo chamadas lsquomodernasrsquo O oacutedio agrave modernidade e o oacutedio ao antiquado satildeo

imediatamente a mesma coisardquo1

Em 1956 Peter Szondi em Teoria do drama moderno elabora a mais seacuteria reflexatildeo

sobre a crise do drama enfatizando o modo pelo qual o teatro eacute condicionado por processos

econocircmicos sociais e histoacutericos A partir da ideacuteia de que forma e conteuacutedo estatildeo

definitivamente associados numa relaccedilatildeo dialeacutetica Szondi explora as antinomias internas de

peccedilas de Ibsen Tcheacutekhov Strindberg Maeterlinck e Hauptmann apontando para a

contradiccedilatildeo crescente entre a forma dramaacutetica e os novos conteuacutedos advindos da ordem

social que o drama de rigor aristoteacutelico natildeo consegue assimilar Desse modo o criacutetico mostra

que o teatro de Ibsen entre outras coisas empreendeu uma total inversatildeo no conceito

convencional do drama sobretudo pela emersatildeo do elemento eacutepico em suas peccedilas Em Os

espectros Rosmersholm John Gabriel Borkman e Solness o construtor somente para citar

algumas as accedilotildees do presente servem apenas para revelar o passado iacutentimo das personagens

tornando-se a proacutepria lembranccedila o tema central de suas peccedilas Apesar do uso da construccedilatildeo

rigorosa e causaliacutestica do domiacutenio pleno das peripeacutecias e reconhecimento da exposiccedilatildeo

dissolvida com economia por toda a peccedila Ibsen percebeu que a dramaacutetica pura com seu

pressuposto de mostrar ldquosujeitos autoconscientesrdquo caducava num mundo cada vez mais

marcado pela alienaccedilatildeo Assim em seus dramas rigorosos mas de conteuacutedo eacutepico o proacuteprio

1 Theodor W Adorno ldquoExumaccedilatildeordquo Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificadaTraduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 81 Cf tambeacutem no mesmo livro ldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo p 81-82

38

diaacutelogo entre as personagens estabeleceu a cisatildeo entre sujeito e objeto apresentando no palco

ldquovidas danificadasrdquo pelo mundo da mercadoria do trabalho alienado das relaccedilotildees falsificadas

e do isolamento do indiviacuteduo1

A partir dos anos 1960 Ibsen entatildeo considerado um autor canocircnico repontava em

trabalhos no acircmbito da histoacuteria do teatro da biografia da filosofia e da psicanaacutelise Sua obra

celebrada mais pelos escacircndalos que causaram no final do seacuteculo XIX do que por seu valor

artiacutestico continuou a ser analisada por meio de diferentes teorias criacuteticas e em contextos

especiacuteficos Criacuteticos como Halvdan Koht John Northam e Eric Bentley interessaram-se pelo

aspecto ontoloacutegico das peccedilas ibsenianas examinando os elementos constitutivos dos textos

como a ironia o paradoxo a ambiguumlidade e o simbolismo Natildeo raro essas anaacutelises

consideravam a ldquopoesia dramaacuteticardquo do dramaturgo como a expressatildeo maacutexima de sua obra

estabelecendo Ibsen como um theatre-poet2 Outros estudiosos como H L Mencken e Brian

Johnston restituiacuteram Ibsen ao contexto do pensamento europeu aproximando-o de Nietzsche

Kierkegaard e Hegel3 Uma vasta produccedilatildeo de trabalhos sobre o dramaturgo incluindo

perioacutedicos especializados como Ibsen Studies e The contemporany approaches to Ibsen

foram produzidos desde entatildeo No entanto a maioria dos estudos mdash salvo algumas exceccedilotildees

a exemplo das anaacutelises da recepccedilatildeo de Ibsen em muitos paiacuteses mdash concentram-se

particularmente nos aspectos psicanaliacuteticos e ateacute mesmo autobiograacuteficos de sua obra

deixando de lado o elemento social que desempenhou um papel importante na constituiccedilatildeo de

seu teatro tanto pela exposiccedilatildeo dos problemas da sociedade liberal burguesa quanto pela

ruptura com os padrotildees hegemocircnicos do drama Uma boa demonstraccedilatildeo de que o dramaturgo

foi unanimemente considerado universal sem ser de todo compreendido seja por limitaccedilotildees

da criacutetica seja por posicionamentos ideoloacutegicos de seus leitores

1 Cf Peter Szondi Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 2 Cf Halvdan Koht Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971 John Northam Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953 e Eric Bentley The life of the drama New York Atheneum 1964 3 Cf Henrik Ibsen Eleven plays of Henrik Ibsen Introduction by H L Mencken New York B A Cerf D S Klopfer The Modern Library 1935 e Brian Johnston Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

I B S E N N O B R A S I L

40

As primeiras encenaccedilotildees

As peccedilas de Ibsen chegaram aos palcos brasileiros no fim do seacuteculo XIX filtradas pelo

olhar de companhias estrangeiras sobretudo as italianas de Ermete Novelli Clara Della

Guardia Eleonora Duse Gustavo Salvini e Ermete Zacconi Vale lembrar que a obra

ibseniana somente passou a ter interesse na Itaacutelia depois das encenaccedilotildees do Theacuteacirctre Libre de

Antoine em 1890 Como autor da moda discutido por toda a Europa Ibsen foi rapidamente

assimilado pelo mercado teatral sendo suas peccedilas devidamente moldadas ao gosto do puacuteblico

acostumado com as comeacutedias realistas francesas Assim no uacuteltimo dececircnio do seacuteculo XIX

Enrico Polese diretor da revista LrsquoArte Drammatica juntamente com empresaacuterios criacuteticos e

atores criou ldquoil prodotto Ibsenrdquo impondo aos espectadores um outro autor diferente daquele

que estava revolucionando o teatro europeu O controle da recepccedilatildeo de Ibsen comeccedilava pela

traduccedilatildeo de Polese que suprimia do texto qualquer alusatildeo ou criacutetica agrave sociedade nivelava os

argumentos considerados inconsistentes redesenhava as personagens visando agrave compaixatildeo do

puacuteblico e modificava as cenas que poderiam escandalizar a plateacuteia A encenaccedilatildeo era apoiada

exclusivamente na figura do grande ator e interessava colocar no palco um texto ligeiro

ausente de cenas monoacutetonas A influecircncia de Polese sobre o gosto ibseniano era transmitida

natildeo soacute pela traduccedilatildeo como pela paacutegina de sua revista que minimizava ainda mais as ideacuteias

ldquoaacutesperasrdquo do autor Aleacutem disso como profissional da dramaturgia conhecedor do puacuteblico

dos atores e empresaacuterios Polese fornecia agraves companhias indicaccedilotildees precisas sobre cenografia

indumentaacuteria e formas de composiccedilatildeo das personagens tudo isso visando a mais completa

empatia entre atores e espectadores

A companhia de Ermete Novelli foi a primeira a apresentar Ibsen agrave plateacuteia brasileira

encenando Os espectros no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em junho de 1895 Algumas das

indicaccedilotildees de Polese parecem ter sido seguidas de perto por Novelli o grande ator da

companhia que fez toda a encenaccedilatildeo girar em torno da personagem que ele representava

Osvaldo Alving Sua interpretaccedilatildeo carregada de um realismo tendencioso acentuava a

enfermidade de Osvaldo a ponto de muitos criacuteticos da eacutepoca identificarem a originalidade e a

essecircncia do drama de Ibsen como de ordem cientiacutefica A doenccedila hereditaacuteria de Osvaldo foi

considerada pela criacutetica o tema central da peccedila sendo deixados de lado outros assuntos como

por exemplo o casamento de conveniecircncia de Helena com o Capitatildeo Alving Da mesma

forma pouco se falou das outras personagens mdash Regina Engstrand e Pastor Manders mdash

vistas como secundaacuterias servindo apenas para dar ensejo agraves concepccedilotildees do dramaturgo acerca

41

da sociedade da moral e da famiacutelia Moral essa que para muitos criacuteticos era ldquoestranha e

inadmissiacutevelrdquo pois ao fazer perpassar na mente de Helena a felicidade do filho ao lado de sua

meia-irmatilde Regina Ibsen celebrava o incesto e a devassidatildeo sexual Sob essa perspectiva um

criacutetico do Jornal do Brasil chegou a fazer uma comparaccedilatildeo entre as ideacuteias socialistas e as

ibsenianas concluindo que ambas tinham como fundamentos a praacutetica do amor livre e a

desestruturaccedilatildeo familiar ldquoPois eacute preciso que o nosso leitor fique sabendo que o Dr Rossi um

meacutedico italiano fez para imprensa a propaganda do socialismo tendo por base o amor livre

tal qual existia na colocircnia Santa Luzia no Estado do Paranaacute [] Se Ibsen tivesse notiacutecia de

tal adiantamento social em terras do Brasil com certeza elevava-nos ao seacutetimo ceacuteu da

imortalidaderdquo1 Nessa conjuntura o dramaturgo era tido ora como reformador ora como

pensador nunca como artista jaacute que lhe faltavam segundo os criacuteticos as preocupaccedilotildees e as

qualidades de um autor dramaacutetico Os espectros desse modo foi considerado um drama ldquomal

apresentado e mal conduzidordquo repleto de cenas pesadas e monoacutetonas que soacute conseguiam

aborrecer a plateacuteia ldquoAssistindo agrave representaccedilatildeo drsquoOs espectros pareceu-nos estar diante de

um livro de medicina escrito sobre um caso especial de atavismo e cujo texto fosse de vez em

quando ilustrado pelas fotografias do doente representando-o nas diversas fases da moleacutestia

herdadardquo2 Os pontos positivos apontados pela criacutetica foram o desempenho de Novelli muito

elogiado pela destreza com que apresentou no palco todos os sintomas da enfermidade de seu

personagem e a forma como o drama apesar das impropriedades conseguiu comover e

fornecer uma significaccedilatildeo moral para os espectadores ldquoOsvaldo e Regina as duas viacutetimas

inocentes dos viacutecios de seus pais perseguidos pelo atavismo representam uma liccedilatildeo de moral

deduzida com todo o rigor de uma lei naturalrdquo3

Depois de Os espectros de Novelli Ibsen soacute voltaria agrave cena nacional em 1899 dessa vez

com duas montagens de Casa de boneca a primeira pela Companhia Portuguesa de Lucinda

Simotildees e Cristiano de Souza no Teatro SantrsquoAnna do Rio de Janeiro no mecircs de maio e a

segunda pela Companhia Italiana de Clara Della Guardia no Teatro Liacuterico do Rio no mecircs de

agosto4 A exemplo do que acontecera em muitos paiacuteses quando apresentada pela primeira vez

a peccedila suscitou um caloroso debate no nosso meio teatral A cena final em que Nora abandona

marido e filhos provocou muitas controveacutersias entre os criacuteticos ocupando as paacuteginas dos

principais perioacutedicos do paiacutes Carlo Parlagreco escritor italiano que lecionava Histoacuteria da Arte

1 ldquoOs espectrosrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 17 jun 1895 Palcos e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 A ldquoNovelli ndash Henrik Ibsen tem hoje 66 anos []rdquo O Paiacutes Rio de Janeiro 17 jun 1895 Artes e Artistas p 2 3 ldquoNovelli ndash Ibsenrdquo Jornal do Comeacutercio Rio de Janeiro 17 jun 1895 Teatros e Muacutesicas p 1 (Sem assinatura) 4 Casa de boneca tambeacutem foi encenada em Satildeo Paulo A companhia de Clara Della Guardia apresentou-se no Teatro Politheama em setembro de 1899 e a de Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza em outubro no mesmo teatro

42

na Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro foi categoacuterico em seu artigo publicado

na Cidade do Rio ao afirmar que Ibsen era ldquoum socioacutelogo minuacutesculordquo e ldquoum filoacutesofo

incompletordquo que soacute conseguira popularidade por causa dos assuntos escabrosos de suas peccedilas

Por isso o criacutetico italiano censurava aqueles que em reaccedilatildeo ao teatro francecircs consideravam o

dramaturgo ldquocom um fetichismo indigno da razatildeo humanardquo como um dos maiores intelectuais

de sua eacutepoca Para ele Ibsen natildeo fazia mais que repetir as ldquoteorias e os achados alheiosrdquo de

Zola sendo que as ideacuteias do autor escandinavo eram muito mais monstruosas do que os

preconceitos da sociedade Parlagreco criticava a maneira como Ibsen conduzia as suas peccedilas

encorajando as mulheres a abandonar seus lares e estimulando a desagregaccedilatildeo familiar ldquoA

mulher fora do seu domiacutenio natural prepara os degenerados do futuro Subtrair as sociedades agraves

formas mais conhecidas da administraccedilatildeo e de convivecircncia eacute o ideal que Ibsen partilha com

Tolstoacutei mas seria a mesma coisa que suprimir ou inverter no organismo humano as funccedilotildees de

alimentaccedilatildeo de reproduccedilatildeo e de percepccedilatildeordquo1

Natildeo era somente o tema de Casa de boneca que desagradava a parte conservadora de

nossa criacutetica teatral A forma de composiccedilatildeo de Ibsen que se distanciava cada vez mais dos

padrotildees hegemocircnicos do drama burguecircs tambeacutem foi alvo constante de ataques Artur Azevedo

o grande criacutetico da eacutepoca era o defensor contumaz da tradiccedilatildeo dramaacutetica sobretudo da

francesa representada por escritores como Augier Dumas Filho Meilhac e Haleacutevy Assim

como o criacutetico francecircs Francisque Sarcey mdash que para ele era o ldquomais profundo o mais sensato

o mais sincero dos criacuteticos teatrais de todos os temposrdquo mdash Artur Azevedo tinha preferecircncia

pelas peccedilas bem-feitas valorizando mais a construccedilatildeo dramatuacutergica do que o gecircnero teatral

Portanto seus criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila aproximavam-se em tudo aos de Sarcey

importando tatildeo somente averiguar o uso das convenccedilotildees como a verossimilhanccedila a

identificaccedilatildeo o encadeamento linear e progressivo das accedilotildees o enredo com comeccedilo meio e fim

etc Desse modo uma das criacuteticas mais severas de Artur Azevedo agrave Casa de boneca dizia

respeito ao desenlace que para ele era inconcebiacutevel pois a mudanccedila da atitude de Nora natildeo

havia sido preparada nos atos anteriores Se ela tinha sido tatildeo friacutevola e tola nos dois primeiros

atos natildeo era coerente que se transformasse no uacuteltimo ato numa mulher consciente de sua

situaccedilatildeo na sociedade burguesa Faltava a Ibsen o domiacutenio da arte e da convenccedilatildeo dramaacutetica

por isso Artur Azevedo negava ao dramaturgo o tiacutetulo de ldquorevolucionaacuterio do teatrordquo O que

havia em suas peccedilas de verdadeiramente teatral ainda segundo o criacutetico era bebido em Augier

e Dumas Filho com quem Ibsen tinha aprendido a construccedilatildeo haacutebil e calculada para produzir

1 C Parlagrego ldquoOs espectros de Henrik Ibsenrdquo Cidade do Rio Rio de Janeiro p 1 15 jun 1895

43

efeitos bombaacutesticos Contra esses posicionamentos de Artur Azevedo levantou-se Luiacutes de

Castro jornalista da Gazeta de Notiacutecias que sensiacutevel aos rumos do teatro moderno refutou

veementemente o ponto de contato entre os dramas franceses e ibsenianos bem como o

prestiacutegio de Sarcey como criacutetico teatral provocando uma polecircmica com Artur Azevedo que se

estenderia durante algum tempo nas paacuteginas dos jornais1 Apesar das censuras aos dramas

ibsenianos Artur Azevedo escreveu em 1906 um necroloacutegio a Ibsen reconhecendo-o como

ldquouma das gloacuterias literaacuterias mais puras do seacuteculo XIXrdquo No entanto o seu ponto de vista pouco

mudou em relaccedilatildeo agraves convenccedilotildees teatrais Nesse texto ao fazer um balanccedilo da influecircncia do

norueguecircs no teatro mundial Artur Azevedo afirmou que o teatro de Ibsen ainda era

incompreensiacutevel interessando apenas a um pequeno puacuteblico o das ldquocamadas superioresrdquo As

peccedilas de Ibsen para ele serviam apenas para serem lidas natildeo representadas fato que de modo

algum reduzia suas qualidades de ldquoobras-primas de uma grande elevaccedilatildeo moral dignas da

admiraccedilatildeo universal que as celebrourdquo2

Como Artur Azevedo Oscar Guanabarino criacutetico de O Paiacutes tambeacutem reclamava das

cenas desconexas dos diaacutelogos interminaacuteveis e do desfecho de Casa de boneca pontos que

dificultavam o entendimento do puacuteblico ldquoDesde entatildeo surgem os disparates e entre eles o

maior eacute que o espectador depois de concluiacuteda a representaccedilatildeo deve ir para casa refletir sobre

o caso concluir como puder a peccedila que natildeo teve fim []rdquo3 Ibsen para Guanabarino era

produto do exagero de criacuteticos desorientados que cingiam seu nome com uma aureacuteola de

gecircnio mdash como se ele fosse ldquoo salvador da arte dramaacuteticardquo mdash sem perceber que os processos

de escrita de sua obra eram iguais ao do teatro da eacutepoca tinham os mesmos defeitos da ficelle

e o prejuiacutezo do desconhecimento de certas regras impostas pela experiecircncia e exigidas pelo

bom senso Igualmente exageradas segundo o criacutetico eram as ideacuteias do dramaturgo que sob

o pretexto de lutar contra as convenccedilotildees sociais levava para o palco personagens sempre

doentias Apoiado nos estudos de Cesare Lombroso psiquiatra e criminalista italiano famoso

na eacutepoca pelas suas teorias sobre o criminoso nato e o homem de gecircnio Guanabarino

afirmava ser Ibsen um ldquoalienistardquo e suas personagens figuras desequilibradas e anormais A

partir da anaacutelise de obras de ficccedilatildeo e de estudos de caso Lombroso chegara agrave conclusatildeo

absurda de que anomalias hereditaacuterias neuroloacutegicas e psiacutequicas desempenhavam papel

1 Cf sobre a polecircmica entre Artur Azevedo e Luiacutes de Castro Joatildeo Roberto Faria ldquoEntre Sarcey e Ibsenrdquo Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 240-245 647-651 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Terminei meu uacuteltimo folhetim []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 31 maio 1906 O Teatro Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 586-588 3 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2

44

preponderante na formaccedilatildeo da personalidade de um delinquumlente bastando portanto relacionar

as caracteriacutesticas fiacutesicas dos indiviacuteduos mdash tamanho da mandiacutebula formato do cracircnio etc mdash

para descobrir sua disposiccedilatildeo ao crime Da mesma maneira ele acreditava que escritores

considerados geniais como Shakespeare Zola Tolstoacutei Dostoieacutevski e Ibsen apresentavam

aleacutem de uma visatildeo especial formas mais ou menos atenuadas de loucura e perversatildeo o que

lhes permitiam vislumbrar um criminoso muito antes que a ciecircncia o fizesse Nessa esteira

Lombroso alertava que as mulheres sendo ldquocriaturas moralmente inferiores e infantisrdquo

tinham mais propensatildeo agrave delinquumlecircncia ldquoMulheres satildeo crianccedilas grandes Suas tendecircncias maacutes

satildeo mais numerosas e mais variadas que as dos homens mas geralmente permanecem

latentes Entretanto quando satildeo despertas e excitadas produzem resultados proporcionalmente

maioresrdquo1 Desse modo para Guanabarino Nora apresentava todos os sintomas da patologia

mental e moral examinados por Lombroso era infantil histeacuterica e mentirosa E somente

assim por meio de um tipo exagerado e complexo inferido com todo rigor de um estudo

cientiacutefico Nora poderia ser compreendida e aceita como verdadeira No entanto isso natildeo

reduzia ainda segundo Guanabarino sua iacutendole maacute seja ao abandonar os filhos seja ao

contrair um empreacutestimo sob o pretexto de salvar a vida do marido para saciar seus caprichos

ldquoo desejo de viajar como faziam as outras as ricas acendeu-lhe o desejo de salvar o marido

e ei-la contraindo um empreacutestimo com um indiviacuteduo de moral duvidosardquo2

Os criacuteticos favoraacuteveis a Ibsen geralmente analisavam a sua obra pelo vieacutes naturalista

evitando entrar nas discussotildees acerca de sua forma dramaacutetica Luiacutes de Castro aleacutem de

polemizar com Artur Azevedo sobre o teatro ibseniano talvez tenha sido o uacutenico a abordar

essa questatildeo Em seu artigo ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo o criacutetico da Gazeta de

Notiacutecias apontava a influecircncia das peccedilas de Ibsen na evoluccedilatildeo do teatro moderno Para ele a

teacutecnica dramatuacutergica ibseniana era totalmente diversa natildeo podendo ser comparada a nenhuma

outra existente principalmente agraves dos dramaturgos franceses de quem o norueguecircs natildeo havia

lido sequer uma linha Enquanto autores como Scribe Augier e Dumas Filho estavam

interessados na accedilatildeo e no enredo concluiacutea Luiacutes de Castro Ibsen preocupava-se com ldquoo

sentido profundo da obra a crise psicoloacutegica e moral em que os acontecimentos atiram os

personagensrdquo3 Por isso argumentava ele suas peccedilas foram combatidas em muitos paiacuteses

sobretudo na Franccedila onde o autor encontrou um nuacutemero maior de detratores Joatildeo do Rio por

1 Cesare Lombroso e William Ferrero The female offender New York Philosophical Library 1958 p 151 Cf tambeacutem Cesare Lombroso Lrsquouomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894 2 Oscar Guanabarino ldquoSantrsquoAnna ndash Casa de bonecardquo O Paiacutes Rio de Janeiro 30 maio 1899 Artes e Artistas p 2 3 Luiacutes de Castro ldquoTeatro contemporacircneo Henrik Ibsenrdquo Gazeta de Notiacutecias Rio de Janeiro 28 maio 1899 Teatro e p 2

45

sua vez exaltava no dramaturgo o tom cientiacutefico da composiccedilatildeo das personagens que levava

em conta a influecircncia do meio e da hereditariedade em suas iacutendoles Em ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo

artigo publicado em A Tribuna o criacutetico procurou mostrar ao leitor por meio da descriccedilatildeo

minuciosa do desempenho da atriz portuguesa no papel de Nora os matizes da construccedilatildeo da

personagem ibseniana ldquoEacute admiraacutevel de anaacutelise humana e Luciacutelia eacute a encarnaccedilatildeo perfeita

deste tipo complexo de histeacuterica com o desequiliacutebrio nervoso da mulher do Norterdquo1 Joatildeo do

Rio tambeacutem enxergava Ibsen como um mentalista de Lombroso e Nora como um tipo de

deacutetraqueacute Mas diferentemente de Guanabarino essas caracteriacutesticas natildeo foram vistas atraveacutes

de uma oacutetica conservadora antes foram tratadas como o reflexo do estado patoloacutegico da

sociedade Para Joatildeo do Rio Ibsen era um reformador que viera fazer do teatro uma verdade

levando agrave cena a vida de todos os dias Outro criacutetico que apreciou as novidades do teatro de

Ibsen foi Luiz Guimaratildees Filho jornalista de A Notiacutecia responsaacutevel pela publicaccedilatildeo de um

dos artigos mais incisivos a favor dos direitos da mulher Para ele Casa de boneca era a

criaccedilatildeo suprema de Ibsen sobretudo porque questionava a exclusatildeo das mulheres na

sociedade ldquoA Casa de boneca demonstra cruelmente a falsidade da educaccedilatildeo feminina na

sociedade moderna mdash que a reduz a viacutetimas risonhas a escravas enfeitadas com sedas a

autocircmatos inconscientes e fracosrdquo2 Utilizando-se dos mesmos conceitos da teoria de

Lombroso comum na literatura da eacutepoca Guimaratildees Filho tambeacutem via Nora como uma

ldquodoida singularrdquo No entanto ainda segundo o criacutetico colocar no palco uma histeacuterica foi a

forma que Ibsen encontrou para marcar a diferenccedila de privileacutegios entre os sexos e mostrar o

erro da educaccedilatildeo da mulher

No iniacutecio do seacuteculo XX as companhias estrangeiras continuaram a ser presenccedila

marcante no Brasil trazendo em seus repertoacuterios peccedilas de Strindberg Maeterlinck

DrsquoAnnunzio Hauptmann Sundermann e Ibsen autores ateacute entatildeo desconhecidos da maior

parte do puacuteblico Entre os meses de maiojunho e agostooutubro periacuteodo da temporada

dessas companhias no Rio e em Satildeo Paulo os espectadores tinham a chance de conhecer os

grandes artistas estrangeiros bem como o que de melhor se produzira nos palcos europeus

Nessas ocasiotildees o teatro seacuterio de qualidade literaacuteria ganhava destaque na imprensa

possibilitando a discussatildeo dos novos rumos da literatura dramaacutetica No entanto a maioria de

nossos criacuteticos e homens de teatro presos agrave foacutermula da peccedila bem-feita ao gosto do puacuteblico e

principalmente aos interesses econocircmicos e lucrativos dos espetaacuteculos teatrais pouca

1 Paulo Barreto [Joatildeo do Rio] ldquoLuciacutelia Simotildeesrdquo A Tribuna Rio de Janeiro p 3 1 jul 1899 Reunido em Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 640 2 Luiz Guimaratildees Filho ldquoA Casa de bonecardquo A Notiacutecia Rio de Janeiro p 2 27-28 maio 1899

46

importacircncia davam aos movimentos de vanguarda Comumente o arranjo cecircnico e os

assuntos controversos de algumas peccedilas suscitavam polecircmicas na imprensa acabando quase

sempre com a rejeiccedilatildeo das novas formas do teatro moderno Bastava as companhias

estrangeiras irem embora os gecircneros mais apreciados do puacuteblico mdash operetas melodramas

feacuteeries e revistas de ano mdash voltavam agrave cena nacional Portanto os pilares baacutesicos do teatro

brasileiro continuavam sendo os mesmos a oacutepera reduzida a um nuacutemero de composiccedilotildees do

realejo italiano como Rigoletto Mme Butterfly e Manon e a dramaturgia francesa que haacute

muito jaacute havia se tornado o esteio de nossos palcos Aleacutem das convenccedilotildees da peccedila bem-feita

serem usadas como criteacuterios para a anaacutelise das obras teatrais nossa criacutetica literaacuteria tambeacutem

orientava-se pelas noccedilotildees de raccedila e natureza reduzindo as obras-de-arte agrave accedilatildeo de fatores

como clima meio e mesticcedilagem Foi assim que a partir do sincretismo de teorias e conceitos

europeus deslocados de suas funccedilotildees de origem formou-se no Brasil o padratildeo de leitura da

virada do seacuteculo XIX para o XX

Em 1900 Lucinda Simotildees e Cristiano de Souza voltaram a apresentar Casa de boneca

no Teatro Lucinda do Rio de Janeiro e no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo A montagem

segundo artigo de Joatildeo do Rio teve poucas alteraccedilotildees ldquoA companhia vem a mesma na

distribuiccedilatildeo dos personagens [] Os cenaacuterios satildeo diferentes o material todo novo a ceacutelebre

cadeirinha de palhinha que fez tanto palerma gargalhar foi substituiacuteda por outra de veludo e

tudo eacute bom tudo eacute melhorrdquo1 A recepccedilatildeo tambeacutem foi a mesma elogios aos atores e criacuteticas agrave

peccedila que se ressentia da linearidade da accedilatildeo dramaacutetica apresentando aleacutem disso ficelles

velhas e usadas cenas monoacutetonas personagens excecircntricas e desequilibradas No ano

seguinte apareceu o primeiro ensaio sobre Ibsen reunido em A hora do escritor e criacutetico

literaacuterio Nestor Viacutetor2 Nesse livro Nestor Viacutetor ocupou-se da literatura estrangeira Os

Desplantados de Maurice Barregraves Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand e Pretendentes agrave

coroa A comeacutedia do amor Imperador e Galileu Pilares da sociedade Os espectros entre

outras peccedilas de Ibsen A parte dedicada ao dramaturgo norueguecircs vinha dividida em quatorze

capiacutetulos onde o criacutetico traccedilava o perfil biograacutefico de Ibsen detendo-se no entanto na

anaacutelise de sua obra De Catilina primeira peccedila do autor ateacute John Gabriel Borkman Nestor

Viacutetor buscou examinar os elementos simboacutelicos dos dramas informando vez ou outra a

maneira como o teatro de Ibsen tinha sido recebido na Europa provocando polecircmicas e

discussotildees Nessa trajetoacuteria ele procurou apresentar ao leitor um resumo minucioso de todas

as peccedilas mdash traduzindo inclusive trechos inteiros de algumas delas mdash demonstrando assim

1 P B [Joatildeo do Rio] ldquoTeatro Lucindardquo Cidade do Rio Rio de Janeiro 5 mar 1900 Gambiarras p 2 2 Nestor Viacutetor A hora Rio de Janeiro Paris Garnier 1901

47

preocupaccedilatildeo com as condiccedilotildees de produccedilatildeo e recepccedilatildeo da arte em um paiacutes como o Brasil

Num seacuteculo cientificista Nestor Viacutetor foi o criacutetico que tomou os padrotildees esteacuteticos como

norma de julgamento da produccedilatildeo literaacuteria buscando analisar atraveacutes de um veio

impressionista os elementos intriacutensecos da obra-de-arte Sob essa perspectiva o criacutetico

apontou em Casa de boneca a siacutentese a economia de adornos e o desprezo de Ibsen pelas

ficelles como elementos essenciais de inauguraccedilatildeo de uma nova fase da dramaturgia mundial

Os espectros voltou aos palcos brasileiros na encenaccedilatildeo da companhia de Andreacute

Antoine no Teatro Liacuterico do Rio de Janeiro em 14 de julho de 1903 A peccedila jaacute natildeo era

novidade entre noacutes e assim como na primeira representaccedilatildeo de Novelli em 1895 os criacuteticos

limitaram-se a aproximar o drama das teorias cientiacuteficas do atavismo e a reclamar das cenas

deprimentes e cansativas A atuaccedilatildeo de Antoine no papel de Osvaldo mdash diferente do que

ocorrera com Novelli elogiadiacutessimo pela nossa criacutetica mdash sofreu restriccedilotildees por parte de alguns

que a consideraram ldquosobremodo fatiganterdquo fria e modesta dissolvendo a personagem numa

atmosfera nebulosa e incompreensiacutevel Acostumados agraves interpretaccedilotildees melodramaacuteticas ao

exagero na expressatildeo dos sentimentos e aos apelos faacuteceis dos atores agrave plateacuteia muitos criacuteticos

estranharam o modo de representar do ator e encenador francecircs principalmente o tom baixo de

sua voz e os momentos em que ele virava as costas para o puacuteblico Artur Azevedo contraacuterio agraves

experiecircncias naturalistas no teatro foi o grande desafeto de Antoine protagonizando uma

querela com o ator francecircs que se estenderia ateacute o mecircs de outubro daquele ano1

Trecircs anos mais tarde Suzanne Despregraves que fizera parte da troupe de Antoine no Rio

voltou ao Brasil para encenar Casa de boneca no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em agosto de

1906 Eacute importante lembrar que a atriz francesa aleacutem de ter participado de algumas montagens

do Theacuteacirctre Libre tambeacutem fez parte do elenco da primeira representaccedilatildeo simbolista de Solness

o construtor sob a direccedilatildeo de Lugneacute-Poe no Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre em 1894 Portanto sua

interpretaccedilatildeo de Nora diferenciava-se das que ateacute aquele momento tinham sido apresentadas ao

puacuteblico brasileiro deixando de lado as teorias de emancipaccedilotildees as teses do atavismo para

enfatizar o eacutetat drsquoacircme que existia por traacutes das accedilotildees da personagem Assim Casa de boneca

passou a ser lida como a expressatildeo da realidade atraveacutes da sugestatildeo simboacutelica e a cena da

tarantela mdash assim como acontecera com a construccedilatildeo do orfanato em Os espectros e a pistola

em Hedda Gabler nas encenaccedilotildees simbolistas mdash passou a ser encarada como a parte

substancial do drama concentrando todo o significado da peccedila em uma uacutenica imagem da accedilatildeo

A Nora de Suzanne Despregraves nessa perspectiva deixava de ser uma figura incomum para se

1 Cf sobre a temporada de Antoine no Rio de Janeiro Joatildeo Roberto Faria Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva Fapesp 2001 p 245-261

48

transformar no siacutembolo de uma mulher atormentada por sua condiccedilatildeo de boneca destituiacuteda do

livre-arbiacutetrio Um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo ao comparar a atuaccedilatildeo de Suzanne Despregraves

com as de Luciacutelia Simotildees e Clara Della Guardia elogiou a naturalidade com que a atriz

francesa compusera a personagem tornando um tipo tatildeo complexo como Nora compreensiacutevel

ao puacuteblico ldquoTanto Luciacutelia Simotildees como Clara Della Guardia as duas Noras que nos foi dado a

ver e ouvir diferentes em detalhes assemelham-se contudo nas suas linhas gerais [] ambas

nos deram uma Nora ridiculamente infantil no primeiro ato e no final do segundo na cena da

tarantela ambas se desconjuntavam numa horripilante danccedila de S Guido [] A Nora que

ontem nos deu Suzanne Despregraves afasta-se por completo desses moldesrdquo1 O desempenho da

atriz francesa foi muito elogiado pelos criacuteticos mas a peccedila continuou a ser censurada sobretudo

pelas cenas desarticuladas e incoerentes

Em 1907 esteve por aqui a Companhia Dramaacutetica Italiana de Gustavo Salvini

encenando Os espectros no Rio e em Satildeo Paulo no mecircs de julho A recepccedilatildeo foi comedida e

no geral os criacuteticos restringiram-se a apresentar o resumo da peccedila e a elogiar Salvini pela

interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving Entretanto o grande acontecimento teatral do ano foi a

temporada de Eleonora Duse nos palcos cariocas e paulistas Empresariada por Lugneacute-Poe e

V Consiglio a atriz veio ao Brasil com um repertoacuterio variado Magda de Sundermann La

Gioconda de DrsquoAnnunzio La signora dalle Camelie e La moglie di Claudio de Dumas

Filho Monna Vanna de Maeterlinck Rosmersholm e Hedda Gabler de Ibsen Fedora de

Sardou e Adriana Lecouvreur de Scribe e Legouveacute Apoacutes a encenaccedilatildeo de Casa de boneca

no Teatro Filodramaacutetico de Milatildeo em 1891 Duse natildeo tinha representado mais nenhum drama

de Ibsen preferindo antes o repertoacuterio italiano de Goldoni e Giacosa e o francecircs de Dumas

Filho e Sardou Somente a partir de 1904 seguindo a tendecircncia do teatro simbolista ela

voltou a Ibsen encenando Hedda Gabler e depois em 1905 Rosmersholm com cenaacuterio de

Gordon Craig Assim a anaacutelise cientiacutefica das personagens cedeu lugar para a do heroacutei

individualista e seus problemas de consciecircncia importando agora explorar no palco a poesia

a paixatildeo e vida interior das figuras ibsenianas

Hedda Gabler e Rosmersholm representadas no Teatro Liacuterico do Rio respectivamente

nos dias 2 e 16 de julho de 1907 eram pela primeira vez levadas agrave cena brasileira2

Rosmersholm segundo o jornalista Briacutecio de Abreu foi a uacuteltima peccedila que a companhia

1 ldquoSantrsquoAnna ndash A representaccedilatildeo de Casa de boneca de Ibsen []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 5 ago 1906 Palcos e Circos p 3 (Sem assinatura) 2 Hedda Gabler tambeacutem foi encenada no Teatro SantrsquoAnna de Satildeo Paulo em 20 de julho de 1907 Rosmersholm soacute foi representada no Rio

49

apresentou no Rio seguindo posteriormente para Satildeo Paulo1 Embora a encenaccedilatildeo de

Rosmersholm apareccedila no livro do jornalista carioca e na lista do repertoacuterio da companhia

publicada nos jornais da eacutepoca poucas referecircncias encontramos na imprensa sobre essa peccedila

limitando-se os criacuteticos a traccedilar o resumo da obra e a destacar o desempenho dos atores O

mesmo natildeo aconteceu com Hedda Gabler que tanto no Rio como em Satildeo Paulo provocou

uma efervescecircncia no meio teatral sendo discutida intensamente pelos nossos criacuteticos No Rio

de Janeiro Artur Azevedo declarou a peccedila nebulosa e absurda sobretudo porque apesar de

traacutegica natildeo apresentava ldquouma cena violenta um grito de paixatildeo ou de desesperordquo uma

situaccedilatildeo que pudesse produzir ldquocalafrios e arrepiar os cabelosrdquo dos espectadores Para

Azevedo as maiores estranhezas ficaram por conta dos diaacutelogos travados agrave meia-voz em

cenas consideradas extravagantes como aquela em que Theacutea sabendo do suiciacutedio de

Loevborg em vez de lhe socorrer potildee-se a trabalhar na reconstruccedilatildeo de seu manuscrito2 Em

Satildeo Paulo formou-se uma querela sobre a questatildeo da inacessibilidade de Ibsen agrave plateacuteia

paulistana Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo havia sido um erro a escolha de Hedda

Gabler para estreacuteia da companhia em Satildeo Paulo pois Ibsen ainda era incompreensiacutevel ao

puacuteblico e a empresa teria andado com mais acerto se representasse um drama jaacute conhecido

Para ele era importante que antes da encenaccedilatildeo os espectadores tivessem ouvido uma

conferecircncia explicativa da peccedila como fez Jules Lemaicirctre na representaccedilatildeo de Hedda Gabler

no Theacuteacirctre du Vaudeville em Paris em 1891 Somente assim a companhia teria evitado o

modo frio com que os espectadores receberam o espetaacuteculo aplaudindo-o apenas por mera

cortesia3 Joatildeo Crespo jornalista do Comeacutercio de Satildeo Paulo rebateu esses argumentos

alegando que ldquoas peccedilas de Ibsen obrigam a pensar e natildeo tecircm esses lances de paixatildeo que

levantam uma plateacuteiardquo4 Esse debate entre os criacuteticos drsquoO Estado e do Comeacutercio de Satildeo Paulo

se prolongou por cinco dias consecutivos na imprensa no entanto as questotildees esteacuteticas foram

deixadas de lado prevalecendo apenas os ataques pessoais

A maior parte de nossos criacuteticos teatrais declarava Ibsen ininteligiacutevel e mistificador

acusando aqueles que nutriam qualquer simpatia pelo escritor norueguecircs de snobs que

fingiam gostar de sua obra devido ao seu relativo sucesso em Paris Os criacuteticos mais avessos a

1 Briacutecio de Abreu Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958 p 15 2 Artur Azevedo ldquoO Teatro ndash Passando por alto uma representaccedilatildeo de Fernanda []rdquo A Notiacutecia Rio de Janeiro 4 jul 1907 Reunido em Larissa de Oliveira Neves O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas v 2 p 626-628 3 ldquoSantrsquoAnna ndash Eleonora Duse ndash Foi um erro a escolha de Hedda Gabler []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 21 jul 1907 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 4 Joatildeo Crespo ldquoUm criacutetico teatral de uma folha matutina mostrou-se escandalizado []rdquo Comeacutercio de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 23 jul 1907 Revistinha p 1

50

Ibsen recorriam quase sempre agraves teses do meacutedico huacutengaro Max Nordau para desqualificar

sua obra considerando-a o arqueacutetipo da degeneraccedilatildeo da sociedade Ao publicar

Deacutegeacuteneacuterescence em 1893 Nordau retomou e radicalizou as grandes linhas das teorias de

Cesare Lombroso mdash sobretudo aquela em que o psiquiatra italiano aproximava a genialidade

da loucura mdash para declarar a arte moderna degenerada Frutos de autores semi-loucos essas

obras doentias poderiam segundo Nordau corromper os espiacuteritos dos leitores levando-os agrave

degradaccedilatildeo1 Nietzsche Tolstoacutei Zola e Ibsen entre outros foram considerados autores

ldquodegenerescentesrdquo que por traacutes da maacutescara enganadora de revolucionaacuterios da arte conduziam

pouco a pouco a sociedade agrave deterioraccedilatildeo moral Nessa esteira Alfredo Pujol em sua coluna

ldquoOs meus domingosrdquo drsquoO Estado de S Paulo aleacutem de censurar Ibsen por levar para o palco

ldquoas verdades crueacuteis da vidardquo e ldquoas tristes enfermidades da alma contemporacircneardquo fez questatildeo

de lembrar o diagnoacutestico ldquodos enfermos do hospital de Ibsenrdquo feito por R Geyer disciacutepulo de

Nordau degenerescecircncia mental histeria demecircncia senil deliacuterio crocircnico alcoolismo

melancolia etc2 Para Pujol esse teatro sombrio e doloroso natildeo podia durar muito caso

contraacuterio veriacuteamos ldquoenquanto no palco se representa Ibsen despencarem suicidas das

torrinhas e trocarem-se tiros de revoacutelver nos camarotesrdquo3 Ibsen portanto natildeo devia ser

representado mas somente lido como um escritor de gabinete natildeo de plateacuteia

Por esse tempo Moritz Prozor o ceacutelebre tradutor da obra de Ibsen para o francecircs

vivia em Petroacutepolis (RJ) a cargo de suas funccedilotildees de Ministro da Ruacutessia Durante sua

permanecircncia no Brasil Conde Prozor como passou a ser conhecido entre noacutes foi um

importante divulgador do teatro ibseniano e da esteacutetica simbolista de Lugneacute-Poe e Camille

Mauclair de quem foi profundo admirador Era comum como nos lembra Afonso Celso ver

Prozor nos salotildees brasileiros ldquoreferir-se agrave vida e agrave obra do seu poeta e escritor teatral

preferido a explicar-lhes as intenccedilotildees a filosofia o engenho inovador a salutar accedilatildeo

revolucionaacuteriardquo4 Por certo a amizade que Prozor teve por Nestor Viacutetor e sobretudo por Graccedila

Aranha mdash de quem prefaciou a ediccedilatildeo francesa de Canaatilde mdash influenciou de alguma maneira o

rumo da produccedilatildeo criacutetica e literaacuteria desses dois escritores que se deixaram atrair pelo

simbolismo Aliaacutes foi por intermeacutedio de Prozor que Graccedila Aranha conheceu a obra de Ibsen

a quem viria a dedicar um artigo em A esteacutetica da vida de 1921 Nesse artigo intitulado ldquoA

esteacutetica de uma trageacutediardquo Graccedila Aranha declarava que a forccedila dos dramas ibsenianos natildeo

estava na censura do autor agraves hipocrisias sociais mdash ldquotoda arte inspirada nos problemas sociais

1 Cf Max Nordau Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94 2 Cf R Geyer Eacutetude meacutedico-psychologique sur le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris [sn] 1902 3 Alfredo Pujol ldquoOs meus domingosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo p1 28 jul 1907 4 Afonso Celso ldquoIbsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 28 abr 1928

51

eacute precaacuteriardquo afirmava ele mdash mas no mundo de sonho imagens e poesia que uma vez posto

em accedilatildeo fazia ldquonascer o prodiacutegio de uma misteriosa comunhatildeo esteacuteticardquo Nesse sentido a

beleza em Hedda Gabler ainda segundo Graccedila Aranha encontrava-se no caraacuteter estranho e

fascinante da personagem-tiacutetulo que sendo irremediavelmente incompatiacutevel com a

sociedade a colocara numa situaccedilatildeo insoluacutevel podendo Hedda apenas ser salva pela morte

Para ele a ldquovisatildeo espetacular do mundordquo era o que assegurava agraves peccedilas de Ibsen valor e

universalidade1 Antes desse artigo Graccedila Aranha publicou em 1911 Malasarte peccedila que

tem semelhanccedilas e afinidades com Peer Gynt de Ibsen Ambas apresentam como

protagonista um heroacutei do folclore nacional tanto Peer Gynt como Malasarte vivem numa

esfera de amoralidade destituiacuteda dos conceitos de bem e mal e a mentira eacute o recurso que as

personagens utilizam para ldquoencantarrdquo os outros safando-se assim das encrencas que se metem

ao longo de suas vidas2 Malasarte aleacutem de ser publicada em portuguecircs ganhou uma versatildeo

em francecircs com prefaacutecio de Camille Mauclair A peccedila tambeacutem foi encenada no Theacuteacirctre de

lrsquoOeuvre em fevereiro de 1911 tendo em seu elenco Greta Prozor filha do Conde Prozor

uma das grandes inteacuterpretes de Ibsen na Franccedila

Ainda em 1911 Araripe Jr reuniu em livro nove artigos seus todos publicados no

Jornal do Comeacutercio do Rio entre 1895 e 1909 compondo assim uma monografia dedicada agrave

obra de Ibsen3 No prefaacutecio desse volume intitulado Ibsen Araripe Jr discute seus criteacuterios

literaacuterios reforccedilando sua adesatildeo agraves teorias de Taine ao evolucionismo de Spencer e ao

cientificismo de Eacutemile Hennequin As obras literaacuterias desse modo eram tratadas como

documentos que ao representar a sociedade e a natureza que as produziram podiam revelar a

psicologia de um seacuteculo ou povo Assim em Ibsen Araripe Jr procurou mostrar como o

sentimento da trageacutedia apesar das condiccedilotildees mesoloacutegicas eacutetnicas e momentacircneas

desenvolveu-se em Eacutesquilo e Shakespeare e que caminhos seguiu ateacute chegar ao seacuteculo XIX

quando aparece a dramaturgia de Ibsen Nesse percurso o criacutetico concluiu que a essecircncia da

trageacutedia moderna repousava no ldquocontraste feroz entre a vida subjetiva e a maacutequina do poderrdquo

ressalvando o caraacuteter psicossocial (e jaacute natildeo mais puramente miacutetico) do teatro moderno

Embora para Araripe Jr a obra de Ibsen natildeo fosse ldquooutra coisa senatildeo um magniacutefico capiacutetulo

de criacutetica socialrdquo ela apresentava tatildeo somente o lado ldquosaturninordquo da vida projetando-se numa

esfera espectral Por essa razatildeo suas personagens sobretudo as femininas adquiriram um

1 Graccedila Aranha ldquoA esteacutetica de uma trageacutediardquo A esteacutetica da vida Rio de Janeiro Garnier 1921 p 210-213 2 Cf sobre as semelhanccedilas entre Peer Gynt e Malasarte Joseacute Carlos Garbuglio ldquoDe Ibsen a Graccedila Aranha (influecircncia ou mera coincidecircncia) Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Satildeo Paulo USP n 4 p 81-96 1968 3 Tristatildeo de Alencar Araripe Jr Ibsen Porto Lello amp Irmatildeo 1911

52

aspecto ldquomisteriosamente maleacuteficordquo como de ldquoum ente que natildeo parece desse mundordquo De

qualquer modo ainda segundo Araripe Jr a genialidade do dramaturgo estava na capacidade

que ele tinha de ldquoenxergar na vida o que nem todos podem verrdquo encerrando em sua obra ldquoo

comeccedilo da construccedilatildeo ideal da sociedaderdquo marca do sinal dos tempos que despertou o

interesse de alguns franceses como Antoine e Lugneacute-Poe

Nesse periacuteodo de 1895 a 1911 pode-se perceber a formaccedilatildeo cultural de nossos

criacuteticos que com graus diferentes de influecircncia nutriram-se de obras tributaacuterias ora do

evolucionismo e do materialismo corriqueiro de Max Nordau Spencer Haeckel e Comte ora

do idealismo e esteticismo de Eacutedouard Schureacute e Camille Mauclair ora da tendecircncia analiacutetica

de Eacutedouard Rod escritor suiacuteccedilo que como Moritz Prozor foi um dos famosos prefaciadores

das traduccedilotildees francesas das peccedilas de Ibsen No que diz respeito especificamente agrave criacutetica

teatral continuariacuteamos durante algum tempo a utilizar os criteacuterios analiacuteticos de Francisque

Sarcey

53

Um claacutessico imperfeito

Durante a Primeira Guerra as companhias estrangeiras que faziam as vezes de

atualizar nossa cena apresentando-nos os principais autores da vanguarda europeacuteia deixaram

de vir com frequumlecircncia ao Brasil Essa situaccedilatildeo contribuiu ao menos em parte para que os

nossos homens de teatro ficassem totalmente agrave margem da revoluccedilatildeo cecircnica operada por

Stanislavski Gordon Craig e Meyerhold restando-nos apenas ldquoa praacutetica do estrelismordquo

Assim a dramaturgia brasileira voltou-se para os temas nacionais retomando o fio iniciado

por Martins Pena e Franccedila Juacutenior a saacutetira aos costumes de nossa organizaccedilatildeo social e poliacutetica

a exaltaccedilatildeo da terra e da vida no campo em oposiccedilatildeo agrave degeneraccedilatildeo dos haacutebitos citadinos e o

contraste entre a figura do estrangeiro tolo e o brasileiro haacutebil e esperto Nesse gecircnero de

teatro o texto servia apenas como apoio agraves improvisaccedilotildees dos atores assinalando a tendecircncia

aos efeitos faacuteceis que se prolongaria durante as deacutecadas de 1920 e 1930 As peccedilas desse

modo eram escritas sob medida para os atores preferidos pelo puacuteblico que tinham a

possibilidade de projetar suas personalidades no palco A ausecircncia do diretor encarregado de

coordenar o espetaacuteculo numa visatildeo unitaacuteria facilitava ainda mais o improviso dos efeitos

cocircmicos o gosto dos ldquocacosrdquo e o desequiliacutebrio do conjunto contribuindo para colocar sempre

em primeiro plano o ator principal da companhia Muitos desses ldquoastrosrdquo aliaacutes tornaram-se

empresaacuterios teatrais emprestando aos grupos que dirigiam seus nomes de iacutedolos populares

caso das companhias de Leopoldo Froacutees e de Procoacutepio Ferreira Essas comeacutedias de costumes

previam por ordem expressa dos empresaacuterios um cenaacuterio fixo geralmente a sala de visitas de

uma famiacutelia de classe meacutedia por onde desfilavam os tipos habituais o galatilde o pai libertino e

conservador a matildee ingecircnua e dedicada a avoacute resmungona o empregado impertinente etc

Nessas circunstacircncias Ibsen voltaria aos palcos brasileiros somente em setembro de

1915 com a encenaccedilatildeo de Os espectros pela companhia de Gustavo Salvini no Teatro

Cassino Antaacutertica em Satildeo Paulo O ator italiano que jaacute havia apresentado essa peccedila no Rio e

em Satildeo Paulo em 1907 recebeu a mesma ldquoruidosa ovaccedilatildeordquo do puacuteblico e principalmente da

criacutetica que alardeava a perfeita atuaccedilatildeo de Salvini como resultado do longo tempo que ele

passara nos hospitais observando os casos de ataxia locomotora Ibsen embora acolhido com

um pouco mais de simpatia continuava a ser considerado um autor de ideacuteias tristes e

sombrias que fizera do teatro no dizer de um criacutetico do Correio Paulistano ldquoum museu de

54

anatomiardquo1 Aleacutem de Novelli e Salvini Ermete Zacconi foi outro ator italiano que se tornou

ceacutelebre na interpretaccedilatildeo de Osvaldo Alving de Os espectros apresentando-se no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo em janeiro de 1924 Desde 1892 quando entatildeo estreara no Teatro

Manzoni de Milatildeo sob as orientaccedilotildees de Enrico Polese Zacconi vinha interpretando essa

personagem Apesar das renovaccedilotildees levadas agraves cenas europeacuteias por Stanislavski Craig

Meyerhold Appia Max Reinhardt e Copeau as representaccedilotildees de Zacconi seguiam ainda a

foacutermula de Polese O texto ibseniano ajustado ao gosto do puacuteblico tornava-se mero apoio

para que a figura de Zacconi sobressaiacutesse ao restante do elenco da companhia que aliaacutes era

formada por membros de sua famiacutelia A uacuteltima cena da peccedila em que Osvaldo Alving tem um

acesso de loucura exclamando ldquoIl sole Il solerdquo foi considerada pela imprensa o ponto alto

do drama Em cenas como essa Zacconi tinha a chance de mostrar ao puacuteblico as suas

qualidades de ator dramaacutetico exibindo no palco as nuanccedilas da enfermidade de Osvaldo Os

criacuteticos acostumados ao individualismo artiacutestico de nossos atores que muitas vezes

colocavam seus exibicionismos acima da ficccedilatildeo elogiaram muito o desempenho de Zacconi

ldquoComo se estiveacutessemos diante de um doente autecircntico faz mal agrave gente ver em cena o pobre

Osvaldo com as matildeos trecircmulas o andar trocircpego a liacutengua jaacute baralhada a cada instante

trocando siacutelabas e esquecendo dos nomes mais familiares Zacconi eacute tatildeo magistral nessa

personagem e impressiona tanto que a sala inteira parecia dominada como hipnotizada pela

sua arterdquo2 O sucesso da temporada de Zacconi foi um dos maiores jaacute vistos em Satildeo Paulo

com o proacuteprio Leopoldo Froacutees saudando-o de modo pomposo em cena aberta ldquoEacutes o sol eu

sou o vaga-lumerdquo

Em 1928 comemorou-se no mundo inteiro o centenaacuterio de Ibsen Nessa ocasiatildeo os

principais jornais brasileiros trouxeram mateacuterias que tentavam explicar a trajetoacuteria e as ideacuteias

do autor A essa altura o dramaturgo norueguecircs jaacute era considerado um claacutessico da literatura

dramaacutetica moderna sendo comumente comparado a Soacutefocles e a Shakespeare No Brasil com

alcance e graus de refinamento diversos Ibsen tambeacutem passou a ser reconhecido como um

ldquoespiacuterito originalrdquo responsaacutevel por introduzir novas situaccedilotildees no palco animando o teatro

com suas extraordinaacuterias personagens Natildeo se pode dizer no entanto que o dramaturgo

tornara-se um autor estimado de nossos criacuteticos muito menos popular jaacute que havia uma

concordacircncia generalizada de que sua obra de temas obscuros e de teatralidade inconsistente

podia alcanccedilar apenas uma parte do puacuteblico o de rigorosa formaccedilatildeo literaacuteria Supeacuterflua entatildeo

1 ldquoCassino Antaacutertica ndash A companhia dramaacutetica italiana []rdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 4 set 1915 Teatros e Salotildees p 2 (Sem assinatura) 2 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura)

55

tornava-se a anaacutelise de suas peccedilas que apesar de continuarem a ser representadas nas cenas

mais autorizadas do mundo com enorme sucesso natildeo provocavam mais controveacutersias Para a

maioria de nossos criacuteticos o ecircxito de Ibsen como um artista de gecircnio era inquestionaacutevel no

entanto seu estilo insoacutelito era deacutemodeacute Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo passada a

curiosidade ningueacutem mais interessava-se pelas excentricidades de suas personagens pois elas

eram ldquode fato de outro meio de uma sociedade bem diversa provavelmente da nossa com

ideacuteias e costumes feitos segundo outra tradiccedilatildeordquo1 O mesmo acontecia com sua teacutecnica

dramatuacutergica que embora tivesse produzido uma consideraacutevel renovaccedilatildeo no gecircnero literaacuterio

natildeo apresentava segundo o jornalista Fleacutexa Ribeiro a ldquodramaticidade cecircnica necessaacuteria para

impressionar os auditoacuterios mais ou menos distraiacutedos e que vivem ainda soacute pelo sentimentordquo2

As figuras ibsenianas outrora tatildeo polecircmicas a ponto de muitos terem considerado

Ibsen um criador de monstros passaram a ser vistas com menos antipatia Para Fleacutexa Ribeiro

o aspecto mais marcante da obra de Ibsen era a ldquofecundidade da vida interiorrdquo de suas

personagens e o conceito de obscuridade habitualmente atribuiacutedo ao seu teatro era causado

sobretudo pela dupla personalidade de suas figuras dramaacuteticas Ibsen sendo um gecircnio

analiacutetico criara ldquouma seacuterie maravilhosa de realidades interioresrdquo onde atuavam ainda

segundo Fleacutexa Ribeiro ldquopersonagens invisiacuteveisrdquo que soacute poderiam ser explicadas pelo estudo

da psicologia Ribeiro talvez tenha sido um dos primeiros criacuteticos a aventar a possibilidade de

se analisar um obra de ficccedilatildeo pelo vieacutes psicanaliacutetico ldquoQuando um dia se conhecer melhor a

psicologia todo esse vasto domiacutenio do inconsciente e se tiver fixado as leis gerais que regem

os estranhos fenocircmenos do subconsciente (pois que ambos se aproximam mas satildeo bem

diferenciados) verificaremos o quanto a atuaccedilatildeo do invisiacutevel do desapercebido eacute profunda

duradoura e inquietanterdquo3 Outro criacutetico que admirava o eacutetat drsquoacircme das personagens

ibsenianas era Camille Mauclair um dos precursores do teatro simbolista francecircs que teve

uma conferecircncia sua traduzida e publicada nrsquoO Paiacutes em 25 de marccedilo de 1928 Em ldquoAgrave

memoacuteria de Ibsenrdquo Mauclair falou num primeiro momento de sua trajetoacuteria artiacutestica e de

como Ibsen entrara nas cogitaccedilotildees do Theacuteacirctre de lrsquoOeuvre apresentando um balanccedilo das

montagens realizadas pela sua companhia Num segundo momento o criacutetico francecircs tratou de

avaliar a obra do norueguecircs na eacutepoca presente Todas as ideacuteias sociais a que Ibsen dava

especial apreccedilo como a liberdade por exemplo pareciam-lhe ldquoavelhentadasrdquo e indiferentes

restando apenas ldquoos elementos da consciecircncia e da vida interiorrdquo para ele traccedilos originais do

1 ldquoTeatro Municipal ndash Dois magniacuteficos espetaacuteculos []rdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 jan 1924 Palcos e Circos p 2 (Sem assinatura) 2 Fleacutexa Ribeiro ldquoNo centenaacuterio de Ibsenrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo p 3 18 mar 1928 3 Id ldquoIbsen e o subconscienterdquo O Paiacutes Rio de Janeiro p 3 2 abr 1928

56

autor Eacute nesse sentido que segundo Mauclair Casa de boneca ldquomalgrado o seu desfecho

alegoacuterico e mal explicadordquo continuava a despertar o interesse de artistas de prestiacutegio

sobretudo de atrizes que se sentiam atraiacutedas pela personalidade de Nora A mesma coisa

acontecia com Os espectros uma das peccedilas segundo ele mais perfeitas de Ibsen que podia

ldquosuportar o confronto com as grandes criaccedilotildees gregasrdquo

Se por um lado o teatro de Ibsen ainda sofria censura por ser considerado pouco

dramaacutetico parecendo mais um ldquoromance dialogadordquo por outro havia quem enxergasse

justamente nessa reserva o desenvolvimento do teatro moderno Era o caso de Antonio de

Alcacircntara Machado que no ensaio ldquoHenrik Ibsenrdquo publicado no Diaacuterio Nacional de Satildeo

Paulo em 2 de abril de 1928 procurou explicar a teacutecnica dramatuacutergica do autor Com esse

texto escrito sob o pseudocircnimo de J J de Saacute Alcacircntara Machado deu novo alento agrave criacutetica

teatral brasileira Primeiro porque sua reflexatildeo voltava-se para o estudo da forma dramaacutetica de

Ibsen assunto nunca antes tratado na imprensa segundo porque a maneira de escrita de seu

ensaio subvertia a rigidez da estrutura dos artigos que normalmente obedeciam a um mesmo

molde resumo da obra (interesse mais pelo enredo do que pela teacutecnica) e comentaacuterios sobre o

desempenho dos atores e sobre o comportamento da plateacuteia Seus escritos passaram a

incorporar em sua fatura os elementos proacuteximos ao historicismo das formas teatrais e os

criteacuterios de anaacutelise de uma peccedila comeccedilaram a ser vistos sob a perspectiva da crise do drama

do repuacutedio agrave carpintaria teatral de efeito e da insuficiecircncia da forma dramaacutetica brasileira

Assim Alcacircntara Machado antecipa alguns dos pressupostos que soacute em 1956 seriam

formulados por Peter Szondi na Teoria do drama moderno a contradiccedilatildeo entre a velha forma

do drama burguecircs e os novos conteuacutedos que ela natildeo tem como assimilar1 De maneira ainda

sutil sem entrar na interpretaccedilatildeo social da forma Alcacircntara Machado discute a crise do

gecircnero dramaacutetico em Ibsen e a impossibilidade moderna do drama dando um primeiro passo

para romper o ciclo de atraso de nossa criacutetica teatral que continuava trabalhando com os

mesmos meacutetodos de anaacutelise do final do seacuteculo XIX O ensaio encerra um caraacuteter pedagoacutegico

pelo modo como o criacutetico esclarece a nova realidade da accedilatildeo e das personagens em Ibsen

trazendo uma importante contribuiccedilatildeo pela maneira como aponta os caminhos que deviam

trilhar o teatro brasileiro a busca por formas dramaacuteticas anti-burguesas

O que salta aos olhos na primeira leitura do texto de Alcacircntara Machado eacute o abandono

da velha discussatildeo em torno das peccedilas da primeira fase de Ibsen interessando-se apenas pelos

dramas que apontam para a desestruturaccedilatildeo do ato teatral NrsquoA comeacutedia do amor o criacutetico

1 Cf Peter Szondi ldquoA crise do drama Ibsenrdquo Teoria do Drama Moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001 p 37-46

57

assinala o desembaraccedilo da accedilatildeo e o interesse do dramaturgo pelas questotildees de seu tempo A

partir de Os pilares da sociedade ele assinala a influecircncia decisiva de Ibsen no

desenvolvimento de uma nova realidade da accedilatildeo dramaacutetica o interesse do autor norueguecircs

pelo passado das personagens como forma de ampliar o mundo aleacutem do diaacutelogo

interindividual agrave semelhanccedila do que ocorria no romance Nada daquela ldquohistoacuteria arranjadinha

que tem que comeccedilar no primeiro ato atingir o seu maior grau de intensidade no segundo e

acabar de qualquer maneira no terceirordquo A obra ibseniana abandonava de vez os cacoetes

romacircnticos os versos e as situaccedilotildees apoteoacuteticas subvertendo tudo e alcanccedilando a dramaturgia

de outros paiacuteses Nessa esteira Alcacircntara Machado descreve um panorama da recepccedilatildeo de

Ibsen na Europa sem deixar de inferir uma criacutetica cortante agraves teorias francesas responsaacuteveis

pela resistecircncia de intelectuais artistas e plateacuteia ao teatro do dramaturgo norueguecircs ldquoo mau

teatro francecircs portanto assimilava e igualava o teatro europeu entatildeo sinocircnimo de universalrdquo

Em Catilina o criacutetico identifica o cerne da constituiccedilatildeo de todas as personagens

ibsenianas o que ele denomina de figura do heroacutei falhado1 tipos ambiacuteguos de moral

duvidosa que se vecircem em contradiccedilatildeo entre a vontade e o ato Essas figuras para Alcacircntara

Machado movem-se de acordo com os interesses da burguesia e num dado momento satildeo

coagidas a enfrentar seu passado de devassidatildeo e baixeza Portanto elas nada tecircm de

anormais degeneradas e incoerentes estando suas accedilotildees condicionadas agrave realidade social a

que estatildeo inseridas Os espectadores nunca as conheceratildeo em sua integridade natildeo sendo

possiacutevel portanto tomar partido contra ou a favor de nenhuma delas Ainda segundo criacutetico a

tentativa de conhececirc-las na maioria das vezes leva a uma ldquoseacuterie de indagaccedilotildees freudianasrdquo

que privilegiam mais o estudo do gesto do mecanismo interior que prepara essa ou aquela

atitude da personagem em detrimento da reflexatildeo sobre as relaccedilotildees sociais que se

estabelecem entre elas As anaacutelises de Alcacircntara Machado atentas aos modelos de renovaccedilatildeo

estrangeira incorporavam uma dimensatildeo criacutetica avanccedilada indicando uma clareza cada vez

maior sobre o processo de superaccedilatildeo histoacuterica da forma dramaacutetica O criacutetico haacute muito jaacute havia

compreendido que a forma teatral para representar o mundo da crise da ordem burguesa

precisava lanccedilar matildeo de temporalidades muacuteltiplas diferente daquele tipo de organizaccedilatildeo em

que tudo tem que acabar no terceiro ato Ele percebeu que era necessaacuterio expandir o espaccedilo-

tempo das personagens para aleacutem do presente da accedilatildeo introduzindo os elementos eacutepicos nas

representaccedilotildees

1 Cf sobre este e outros aspectos da criacutetica de Alcacircntara Machado Seacutergio de Carvalho O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

58

Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen

Na deacutecada de 1930 pouco haacute para assinalar de novo nos campos da dramaturgia e da

atualizaccedilatildeo cecircnica apenas algumas tentativas de renovaccedilatildeo iniciadas ainda nos anos 1920

pela Companhia Brasileira de Comeacutedia de Oduvaldo Viana pelo teatro social de Jaime Costa

e pelo Teatro de Brinquedo de Aacutelvaro e Eugecircnia Moreira Estes a propoacutesito foram os

responsaacuteveis pela primeira produccedilatildeo brasileira de uma peccedila de Ibsen Hedda Gabler

encenada no Teatro Regina do Rio de Janeiro em 1937 Infelizmente quase nenhuma

informaccedilatildeo temos sobre esse espetaacuteculo salvo o registro de Gustavo Doacuteria em seu Moderno

teatro brasileiro ldquoAproveitando um grupo de atores afastados do palco Eugecircnia organizou

sob os auspiacutecios da Casa dos Artistas um conjunto que percorreu os subuacuterbios apresentando-

se em circos pavilhotildees cine-teatros e clubes com um repertoacuterio que abrangia Matildee de Joseacute

Alencar O noviccedilo de Martins Pena Hedda Gabler de Ibsen []rdquo1

Em setembro de 1938 Ermete Zacconi voltou a apresentar Os espectros no Teatro

Municipal de Satildeo Paulo A montagem centralizada no fatalismo da doenccedila de Osvaldo

Alving mesmo depois de ultrapassadas as teorias da hereditariedade pareceu aos nossos

criacuteticos inconsistente e fantasmagoacuterica Para um criacutetico drsquoO Estado de S Paulo pouco

impressionava ldquoa parte mais esclarecida do puacuteblicordquo o caso do artista condenado agrave loucura

parecendo-lhe mais loacutegica e natural a figura de Helena ldquoa matildee sofredora cheio de recalcados

temoresrdquo2 Assim o sucesso do espetaacuteculo ficou por conta de Zacconi que salvo ligeiras

modificaccedilotildees apresentou a mesma imagem os mesmos gestos e inflexotildees que o puacuteblico tinha

aprendido a admirar desde a primeira interpretaccedilatildeo que o ator fizera dessa personagem em

Satildeo Paulo quatorze anos atraacutes Tanto era assim que para os espectadores dessa encenaccedilatildeo de

1938 foi natural ver o ator aos 81 anos subir ao palco para interpretar o jovem pintor viacutetima

da tara paterna

Em 1939 ano em que Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil a obra de Ibsen era

considerada anecircmica feita de uma teacutecnica artificial e antiquada de intrigas elementarmente

mecacircnicas e assuntos superados textos mortos enfim que visavam mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Nesse ambiente contraacuterio a qualquer experiecircncia que natildeo fosse selecionada e

filtrada pela influecircncia e visatildeo francesas Carpeaux tornou-se um espiacuterito renovador

mostrando pontos de vista diferentes dos que reinavam aqui seja ao revelar escritores pouco

1 Gustavo A Doacuteria ldquoDez anos de permeiordquo Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975 p 39 2 O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 2 set 1938 Palcos e Circos p 4 (Sem assinatura)

59

conhecidos como Kafka Vico Croce Dilthey Max Weber seja ao reconsiderar outros caso

de Ibsen que natildeo tiveram suas obras devidamente analisadas Dessa maneira em 1942

Carpeaux publicou ldquoDefesa de Ibsenrdquo o primeiro de uma seacuterie de artigos em que procurou

resgatar os aspectos de atualidade do teatro ibseniano Nesse texto jaacute encontramos as ideacuteias

que dois anos mais tarde seriam desenvolvidas minuciosamente no ldquoEnsaio sobre Henrik

Ibsenrdquo o estudo mais conhecido de Carpeaux sobre o dramaturgo escrito a propoacutesito da

traduccedilatildeo para o portuguecircs de seis de suas peccedilas1 Entre os anos de 1940 e 1970 Carpeaux fez

conferecircncias escreveu artigos ensaios tornando-se a criacutetica mais avanccedilada e a autoridade

maacutexima dos estudos ibsenianos no Brasil a ponto de quase todas as montagens realizadas

nesse periacuteodo trazer em seus programas textos comentaacuterios ou qualquer citaccedilatildeo do criacutetico

O primeiro problema que Carpeaux identificou na resistecircncia da criacutetica brasileira agrave

obra de Ibsen era a forma de ver seus dramas sempre encerrados na estreiteza do teatro

realista e nas preocupaccedilotildees da burguesia do fim do seacuteculo XIX Para Carpeaux os assuntos de

Ibsen natildeo podiam ter envelhecidos como diziam os nossos criacuteticos porque simplesmente

nunca existiram em suas peccedilas Ler Os espectros como uma trageacutedia da hereditariedade e

tomar a cataacutestrofe de Osvaldo como a mateacuteria essencial do drama era segundo Carpeaux um

erro ldquoo heroacutei da peccedila natildeo eacute Osvaldo eacute sua devota matildee Helena que arruinou o filho natildeo

querendo abandonar o marido corrompidordquo2 A mesma coisa acontecia com Os pilares da

sociedade cujo assunto natildeo era a podridatildeo moral de um burguecircs respeitado e sim o medo que

cada indiviacuteduo tem do seu passado Em Um inimigo do povo a forccedila natildeo estava na derrota e

sim na vitoacuteria da democracia E em Casa de boneca a mateacuteria natildeo era a emancipaccedilatildeo

feminina pois para o criacutetico as mulheres jaacute haviam conquistado todos os direitos civis

poliacuteticos e sociais A tese essencial era a dificuldade e a necessidade de cada um assumir a

responsabilidade pelos seus atos De fato as reflexotildees de Carpeaux deram novo acircnimo para as

discussotildees de Ibsen no Brasil No entanto suas anaacutelises desenvolvidas a partir de

consideraccedilotildees de ordem moral e religiosa oriundas de uma visatildeo catoacutelica do mundo

minimizaram as reivindicaccedilotildees sociais das peccedilas valorizando apenas ldquoo destino do homem

individual e humanordquo Por isso para ele a condiccedilatildeo feminina em Casa de boneca era um

assunto obsoleto servindo apenas para expor a personagem agrave prova natildeo tendo Nora portanto

ldquoo direito de reivindicar no palco os direitos da mulher porque a mulher do nosso tempo jaacute

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 31-65 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 149-161 p 158

60

tem todos os direitosrdquo1 Eacute assim que sob essa vertente religiosa Carpeaux ldquoesquecia-serdquo

entre outras coisas de que apesar da constituiccedilatildeo de 1934 ter regularizado a entrada das

mulheres no mercado de trabalho elas continuavam a receber menos que os homens que o

direito de abrir contas fazer cesarianas e viajar sem a permissatildeo do marido soacute estabelecido

em 1962 ainda estava longe de ser conquistado assim como o divoacutercio que soacute viria a ser

reconhecido no Brasil em 1977

A atualidade de Ibsen para Carpeaux estava no fato do dramaturgo ter descoberto o

modo de reintroduzir a proacutepria noccedilatildeo de destino e de fatalidade mdash conceito essencial da

trageacutedia mdash no teatro moderno Assim para a compreensatildeo dos problemas de Ibsen natildeo

importava tanto considerar a escolha de seus assuntos mas sim a maneira como ele os tratava

Apenas por esse caminho chegava-se ao fundamento do teatro do autor norueguecircs e agrave unidade

interior de toda a sua obra ldquoo combate agrave mentira e a preocupaccedilatildeo da salvaccedilatildeo da alma

humanardquo2 A partir de um vieacutes ldquotraacutegico cristatildeordquo3 em que o conceito de trageacutedia transformava-

se em criteacuterio de valor Carpeaux colocou no centro de discussatildeo dos dramas ibsenianos o

dogma do pecado original Por essa razatildeo os heroacuteis de Ibsen estavam condenados a responder

pelos erros cometidos no passado ldquoO destino das suas personagens eacute determinado

inexoravelmente pelas forccedilas do seu passado pela lembranccedila inextinguiacutevel e vingadora de

crimes perpetrados ou tencionados em eacutepocas anteriores da sua vida Ibsen escreveu

propriamente trageacutedias lsquohistoacutericasrsquo embora representadas em roupagens modernas Natildeo

acredita na possibilidade de fugir por meio de conversotildees morais ao determinismo da

histoacuteriardquo4

Assim como na trageacutedia grega as personagens ibsenianas estavam fadadas a se opor agrave

ordem moral do mundo A natureza exata das forccedilas em confronto era a necessidade do

homem agir contra as leis do Estado e suportar a responsabilidade dos seus atos com todas as

suas consequumlecircncias Dessa forma em Ibsen o traacutegico apresentava-se como uma fatalidade

livremente aceita pelo heroacutei que mesmo sabendo que poderia selar a sua proacutepria perda ao dar

iniacutecio ao combate manifestava o desejo de lutar pela sua liberdade Por isso Nora tinha de

abandonar seu lar Helena Alving tinha que largar o marido e Dr Stockmann tinha que

1 Otto Maria Carpeaux ldquoAos atores brasileirosrdquo Correio Paulistano Satildeo Paulo 1 abr 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoDefesa de Ibsenrdquo Correio da manhatilde Rio de Janeiro [1942] Reunido em Origens e fins Rio de Janeiro CEB 1943 p 154 (Grifo meu) 3 Cf sobre esse aspecto e outros do meacutetodo criacutetico de Carpeaux Mauro de Souza Ventura Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 4 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 63

61

denunciar a presenccedila de microacutebios nas aacuteguas minerais A contradiccedilatildeo entre as leis do

indiviacuteduo e da sociedade constituiacuteam segundo Carpeaux o conflito traacutegico que conferia agraves

peccedilas de Ibsen ldquoo assunto do gecircnero da Trageacutediardquo1 Do mesmo modo a necessidade inelutaacutevel

de assumir a falta cometida levava o heroacutei ibseniano assim como na trageacutedia a expiar os seus

pecados ateacute o fim Caso por exemplo de Helena Alving que escrava das convenccedilotildees sociais

natildeo abandonou o marido levando o filho agrave loucura Portanto a esse sentimento do traacutegico se

associava em Carpeaux a visatildeo pessimista da natureza humana segundo a qual somente por

meio da aceitaccedilatildeo do castigo pelo erro cometido no passado o homem poderia alcanccedilar a

remissatildeo e recobrar a sua liberdade ldquoNo foacuterum iacutentimo da alma descobre Ibsen a possibilidade

de salvaccedilatildeo aquela ldquomudanccedila de vidardquo que no Evangelho se chama lsquometanoeitersquo Eis o

sentido iacutentimo da fase ldquoneo-romacircnticardquo Lille Eyolf eacute a peccedila ldquoTolstoacuteianardquo da conversatildeo John

Gabriel Borkman eacute a trageacutedia da purificaccedilatildeo Naar vi Doede Vaagner [Quando noacutes os mortos

despertarmos] eacute a trageacutedia da ldquoressurreiccedilatildeordquo na morte do indiviacuteduordquo2

A partir da deacutecada de 1960 periacuteodo de instauraccedilatildeo do regime militar e da censura das

produccedilotildees artiacutesticas Carpeaux deixou um pouco de lado a visatildeo conservadora do catolicismo

passando a assumir pontos de vista poliacuteticos na apreciaccedilatildeo da literatura Assim o interesse

pela ldquosalvaccedilatildeo da almardquo em Ibsen foi substituiacutedo pelos problemas sociais Atesta-o um artigo

de 1962 onde o criacutetico apontou o disparate de se pensar resolvidos os problemas ibsenianos

ldquoEacute preciso ter muito boa consciecircncia e muita audaacutecia para achar lsquoantiquadosrsquo os negocistas

em As colunas da sociedade e a corrupccedilatildeo administrativa e o jornal venal em Um inimigo do

povordquo3 Nesse mesmo artigo Carpeaux tomou como o aspecto mais marcante da modernidade

de Ibsen a sua teacutecnica dramatuacutergica que assim como a de Brecht refutava o teatro

ilusioniacutestico levando o puacuteblico a participar dos acontecimentos no palco Em outro texto

publicado no programa do espetaacuteculo Casa de boneca da Companhia Tocircnia-Celi-Autran em

1973 o criacutetico denunciou o cerceamento da liberdade e a necessidade dos indiviacuteduos terem

consciecircncia dessa situaccedilatildeo Em chave irocircnica Carpeaux criticou o arbiacutetrio e o autoritarismo

que tomavam conta do paiacutes ldquoPois em nosso tempo atual e atualiacutessimo natildeo acontece mdash como

todo mundo sabe mdash que um empresaacuterio rico e respeitoso como lsquocoluna de sociedadersquo eacute na

realidade um escroque tampouco acontece em nosso tempo de plenitude da democracia que

um homem eacute perseguido como lsquoinimigo do povorsquo porque denuncia uma corrupccedilatildeo

1 Otto Maria Carpeaux ldquoPresenccedila de Ibsenrdquo Teatro brasileiro Satildeo Paulo Jaraguaacute n 7 p 2-3 maio-jun 1956 2 Otto Maria Carpeaux ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo In Henrik Ibsen Seis dramas Traduccedilatildeo de Vidal de Oliveira Porto Alegre Globo 1944 p 64 3 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Acontece embora raramente []rdquoO Estado de S Paulo Satildeo Paulo 28 abr 1962 Suplemento Literaacuterio n 278 p 1

62

aproveitada pelos bem-pensantesrdquo1 Casa de boneca desse modo foi vista por Carpeaux

como a alegoria da luta dos homens pela liberdade e o gesto corajoso de Nora na uacuteltima cena

da peccedila como o expediente necessaacuterio para a transformaccedilatildeo da sociedade moderna que

tratava a todos homens e mulheres como bonecas

Sem duacutevida Carpeaux teve um papel importante como animador da volta de Ibsen aos

palcos brasileiros e como divulgador de sua obra entre noacutes No entanto sua concepccedilatildeo traacutegica

das peccedilas ibsenianas filtrada pela oacutetica do catolicismo progressista deu ensejo a uma seacuterie de

conjecturas que pouco ou quase nada de novo acrescentaram agrave anaacutelise do teatro de Ibsen Ao

contraacuterio ao aproximar a obra do norueguecircs da trageacutedia grega concentrando-se sobretudo na

figura do heroacutei ibseniano concebido como um indiviacuteduo isolado que sofre seu destino mdash seja

resignando-se agrave morte seja submetendo-se a um incessante exame de consciecircncia para expiar

seus pecados mdash Carpeaux perdeu de vista a dimensatildeo social das peccedilas transformando a obra

do autor em uma trageacutedia de moral cristatilde cujo uacutenico interesse estava na redenccedilatildeo da alma

humana Eacute assim que o criacutetico declarando obsoletos temas como o feminismo em Casa de

boneca a cobiccedila de Helena pelo dinheiro do Capitatildeo Alving em Os espectros a corrupccedilatildeo em

Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em John Gabriel Borkman etc acabou por

minimizar a criacutetica do dramaturgo agraves instituiccedilotildees e agraves convenccedilotildees limitadoras da sociedade

moderna Por conseguinte a maioria dos criacuteticos e artistas seguiram-lhe o caminho

preocupando-se quase que exclusivamente em estabelecer o que era novo na obra de Ibsen

Nesses casos normalmente o novo incidia no dilaceramento interior das personagens

substituindo-se a fatalidade religiosa de outrora pelo determinismo psicoloacutegico que

condenava os heroacuteis ibsenianos a viver com seus ldquodemocircnios interioresrdquo

1 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoNossa Casa de bonecasrdquo Programa de Casa de bonecas direccedilatildeo de Cecil Thireacute Satildeo Paulo 1973

63

Entre o teatro amador e o profissional

A partir da deacutecada de 1940 sobretudo por causa das dificuldades de transporte

mariacutetimo durante a Segunda Guerra nossas editoras comeccedilaram a publicar obras estrangeiras

que em condiccedilotildees normais seriam importadas na liacutengua de origem ou em versotildees francesas

e inglesas no caso de autores como Ibsen Nietzsche Dostoieacutevski Tolstoacutei Puacutechkin entre

outros Mesmo num tempo de grande importaccedilatildeo de livros entre 1880 e 1910 era

praticamente impossiacutevel de se obter aqui um exemplar portuguecircs das peccedilas de Ibsen pois a

ediccedilatildeo e a representaccedilatildeo da obra do norueguecircs em Portugal era tatildeo diminuta quanto

episoacutedica1 Soacute em 1942 apareceram Casa de boneca e Os espectros traduzidos e prefaciados

por Joseacute Peacuterez para a Ediccedilotildees Cultura de Satildeo Paulo E dois anos mais tarde graccedilas agrave

influecircncia de Eacuterico Veriacutessimo entatildeo consultor editorial da Livraria Globo veio a puacuteblico a

ediccedilatildeo de Seis dramas coletacircnea traduzida por Vidal de Oliveira Esse livro composto de

peccedilas desconhecidas da maioria dos leitores brasileiros mdash Um inimigo do povo O pato

selvagem Rosmersholm A dama do mar Solness o construtor e Quando noacutes os mortos

despertarmos mdash trazia ainda um ldquoEnsaio sobre Henrik Ibsenrdquo de Otto Maria Carpeaux e um

prefaacutecio de Moritz Prozor para cada uma das peccedilas Nos anos 1950 tambeacutem apareceram

novas ediccedilotildees de Casa de boneca e Os espectros traduzidos por Alfredo Ferreira e A dama

do mar traduzida por Dea Caminha ambas pela Editora Vecchi do Rio de Janeiro Apesar

dessas iniciativas o niacutevel das traduccedilotildees brasileiras era muito baixo No caso de Ibsen os

tradutores partiam sempre do francecircs e deliberadamente evitavam a linguagem indelicada

amenizavam as ambiguumlidades das frases e utilizavam uma escrita excessivamente literaacuteria

nada coloquial

Ainda assim as traduccedilotildees serviram para os grupos de teatro amador trazerem Ibsen

novamente aos palcos brasileiros Para figuras como Aacutelvaro Moreira Renato Viana e

Paschoal Carlos Magno havia uma necessidade premente de colocar nosso teatro em peacute de

igualdade com o que se fazia nas grandes capitais da Europa Para isso natildeo bastava romper

com o passado e negar as tradiccedilotildees artiacutesticas da cena nacional muito menos encontrar o autor

brasileiro que refletisse os anseios da meacutedia sociedade burguesa Antes de mais nada era

imprescindiacutevel apresentar textos de melhor qualidade e espetaacuteculos mais bem cuidados

1 Consta desta pesquisa que circularam no Brasil as seguintes traduccedilotildees portuguesas Hedda Gabler Traduccedilatildeo de Freire Andrade [19--] Pilares da comunidade Traduccedilatildeo de Mario Delgado 1964 ambas da Editora Presenccedila de Lisboa Uma casa de bonecas dramas em trecircs atos Traduccedilatildeo de Emiacutelia de Arauacutejo Lisboa Guimaratildees 1916 e Os espectros Traduccedilatildeo de Joaquim Leone Soutello Lisboa Livraria Popular de Francisco Franco [19--]

64

seguindo principalmente os passos do modelo estrangeiro Assim para a modernizaccedilatildeo do

teatro brasileiro nossos artistas apoiaram-se quase que exclusivamente nas teorias de Jacques

Copeau embora conhecessem e acompanhassem com graus diversos de atenccedilatildeo as revoluccedilotildees

operadas por Antoine Stanislavski e Meyerhold Para as diferentes tendecircncias de renovaccedilatildeo

como a de Renato Viana e Alfredo Mesquita ou a de Aacutelvaro Moreira e Paschoal Carlos

Magno o mestre francecircs era o exemplo da nova arte e da nova eacutetica Nessa esteira os

espetaacuteculos deviam primar pela teatralidade Ao contraacuterio do significado original entre noacutes

isso queria dizer que no plano da interpretaccedilatildeo era imperativo a identificaccedilatildeo entre ator e

personagem e na relaccedilatildeo palco e plateacuteia era necessaacuterio provocar a empatia e a ilusatildeo da

realidade Isso soacute era possiacutevel atraveacutes do respeito ao texto isto eacute da busca do enriquecimento

da linguagem teatral da inspiraccedilatildeo poeacutetica e sobretudo da elevaccedilatildeo dos direitos espirituais

sobre os materiais Em outras palavras era inaceitaacutevel e de peacutessimo mau gosto a abordagem

naturalista do teatro e seus assuntos comezinhos problemas familiares adulteacuterio corrupccedilatildeo

hipocrisia reivindicaccedilotildees poliacuteticas etc Justamente dentro dessa perspectiva Ibsen foi

restituiacutedo ao contexto do teatro brasileiro Seguindo a mesma loacutegica de Carpeaux os dramas

ibsenianos deviam ser representados porque se igualavam em intensidade em profundeza e

em perfeiccedilatildeo cecircnica agraves grandes criaccedilotildees gregas A sua obra com as devidas exceccedilotildees natildeo

seria mais encenada pela oacutetica do cientificismo tampouco pelo vieacutes social mas pela

dramatizaccedilatildeo do destino do indiviacuteduo fadado a pagar pelos erros cometidos no passado

Assim o dramaturgo passou a ser visto pelo avesso ao tornar-se responsaacutevel pelo resgate da

accedilatildeo dramaacutetica mdash aquela motivada exclusivamente pelo psicoloacutegico mdash que expotildee no palco

somente a realidade interior das personagens

De qualquer forma os grupos do teatro amador colocaram o dramaturgo novamente na

ordem do dia Aleacutem das encenaccedilotildees jaacute conhecidas de Casa de boneca e Os espectros eles

trouxeram para o palco peccedilas nunca antes representadas na cena nacional como Um inimigo

do povo Quando noacutes os mortos despertarmos e John Gabriel Borkman Graccedilas agraves campanhas

artiacutesticas de Renato Viana que percorriam os estados do Norte e Nordeste do paiacutes e aos

festivais estudantis promovidos por Paschoal Carlos Magno as encenaccedilotildees da obra de Ibsen

natildeo ficaram mais restritas somente ao eixo Rio-Satildeo Paulo Aleacutem disso os espetaacuteculos

ganharam em qualidade o sotaque lusitano foi substituiacutedo pela prosoacutedia brasileira o ponto

que encerrado na caixinha do proscecircnio soprava o texto para os atores foi eliminado a

cenografia e a iluminaccedilatildeo ganharam importacircncia como linguagem cecircnica a figura do diretor

teatral indispensaacutevel para dar unidade de pensamento ao espetaacuteculo foi estabelecida Para

essas mudanccedilas contribuiacuteram os estrangeiros exilados de guerra que para caacute vieram trazendo

65

em suas bagagens experiecircncias teatrais de seus paiacuteses de origem Entre eles os poloneses

Ziembinski e Jorge Kossowsky o alematildeo Hoffmann Harnish o russo Zigmunt Turkov o

italiano Ruggero Jacobbi e o ator francecircs Louis Jouvet A atriz francesa Henriette Morineau

embora natildeo tenha participado diretamente da renovaccedilatildeo teatral influiu consideravelmente na

formaccedilatildeo dos novos atores ensinando-lhes a partir de seu proacuteprio exemplo o procedimento

declamatoacuterio dos textos a impostaccedilatildeo de voz o domiacutenio dos gestos e das expressotildees faciais

De Ibsen Morineau encenou Casa de boneca pela Companhia Dramaacutetica Francesa de Rachel

Beacuterendt no Teatro Municipal de Satildeo Paulo em julho de 1944 Dois anos depois ela fundaria

a sua proacutepria companhia Artistas Unidos cujo repertoacuterio abrangeria peccedilas do teatro de

boulevard de autores brasileiros e estrangeiros como Nelson Rodrigues Jean Anouilh Jean

Cocteau e Tennessee Williams

Entre dezembro de 1945 e janeiro de 1946 Renato Viana agrave frente do Teatro Anchieta

da Escola Dramaacutetica do Rio Grande do Sul apresentou-se no Rio de Janeiro com repertoacuterio

que incluiacutea obras de Dostoieacutevski Florecircncio Saacutenchez e Ibsen Desde a deacutecada de 1920 Renato

Viana empenhava-se em aparelhar o nosso incipiente teatro com novas praacuteticas de

interpretaccedilatildeo mormente inspiradas no meacutetodo de Stanislavski Envolvido pela atmosfera preacute-

modernista e munido de informaccedilotildees sobre a revoluccedilatildeo cecircnica na Ruacutessia (Stanislavski

Komissarzhevskaya e Meyerhold) e na Franccedila (Antoine Lugneacute-Poe e Copeau) ele propunha

a renovaccedilatildeo dos velhos coacutedigos teatrais e o estabelecimento de novos conceitos cecircnicos como

meios para se chegar a uma ldquoexpressatildeo brasileira em cenardquo Desse modo ele tornou-se o

nosso primeiro diretor de teatro instaurando um rigoroso sistema disciplinar que natildeo admitia

conversas paralelas durante os ensaios nem atrasos de atores e teacutecnicos coisas inteiramente

estranhas no nosso teatro onde a indisciplina era a regra1 Enquanto no Teatro do Estudante

de Paschoal Carlos Magno existia uma margem de improvisaccedilatildeo inerente agrave atividade

amadora nas campanhas artiacutesticas empreendidas por Renato Viana mdash Batalha da Quimera

Colmeacuteia Caverna Maacutegica Teatro de Arte Teatro-Escola e Teatro Anchieta mdash havia sempre

a preocupaccedilatildeo de um rigor profissional que exigia de seus alunos cada vez mais disciplina e

preparo especializado Foi assim que em dezembro de 1945 ele apresentou no Teatro

Ginaacutestico do Rio a primeira encenaccedilatildeo brasileira de Casa de boneca A imprensa saudou com

entusiasmo sua iniciativa sobretudo a de trazer para a cena nacional novos atores que

impressionavam pela maneira diferente de se comportarem no palco Entre os ldquonovos valoresrdquo

estava Maria Caetana filha de Renato Viana incumbidas do papel de Nora que embora jaacute

1 Cf sobre a obra e as campanhas artiacutesticas de Renato Viana Sebastiatildeo Milareacute ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrgt

66

conhecida da plateacuteia carioca pelo desempenho como protagonista nas peccedilas de seu pai

Monalisa e Margarida Gauthier recebeu muitos elogios sobretudo pela sua atuaccedilatildeo na cena

em que danccedilava a tarantela Depois dessa temporada no Rio Renato Viana como era de

praxe fez uma longa excursatildeo pelo paiacutes apresentando seus espetaacuteculos gratuitamente para

operaacuterios e estudantes

Nos anos subsequumlentes agrave montagem de Renato Viana seguiram-se as encenaccedilotildees de

Os espectros pelo Teatro do Estudante de Minas Gerais em 1947 pelo Teatro dos Estudantes

da Bahia e pelo Teatro Universitaacuterio do Centro Acadecircmico Horaacutecio Berlinck de Satildeo Paulo

ambos em 1948 Nesse mesmo ano paralelamente agraves accedilotildees do teatro amador o empresaacuterio

Franco Zampari fundou em Satildeo Paulo o Teatro Brasileiro de Comeacutedia (TBC) inaugurando

uma nova fase na cena nacional As atividades teatrais entraram nos paracircmetros da moderna

administraccedilatildeo mercadoloacutegica da cultura com patrociacutenio do Estado ou de grandes monopoacutelios

O programa esteacutetico ficou por conta dos encenadores estrangeiros que assumiram a tarefa de

dotar o paiacutes de uma dramaturgia compatiacutevel com o padratildeo internacional Desse modo para

equilibrar a receita e agradar a burguesia paulistana alternavam-se textos consagrados com

peccedilas de grande apelo popular principalmente as comeacutedias francesas e norte-americanas

Embora apoiado nos claacutessicos universais o TBC durante toda a sua existecircncia nunca incluiu

Ibsen em seu repertoacuterio Em entrevista ao Jornal do Brasil a propoacutesito da divulgaccedilatildeo do

espetaacuteculo Casa de boneca de 1971 Tocircnia Carrero nos daacute uma indicaccedilatildeo da resistecircncia do

TBC agraves peccedilas ibsenianas ldquoIbsen foi um autor de tal maneira importante que Shaw sentindo-se

ameaccedilado por sua qualidade dizia dele que era um dramaturgo ultrapassado Eu mesma por

influecircncia do TBC concordava com esta opiniatildeo Os diretores do TBC consideravam Ibsen um

autor de qualidade discutiacutevelrdquo1 Aleacutem do TBC considerar a obra do dramaturgo antiquada

portanto pouco apropriada para atualizaccedilatildeo do teatro brasileiro eacute possiacutevel que seguindo a

corrente esteacutetica francesa de Copeau e Jouvet julgasse de mau gosto os assuntos ibsenianos

voltados para o desmascaramento da sociedade burguesa Seja como for Ibsen ficaria ainda

algum tempo agrave margem das cogitaccedilotildees das companhias profissionais cabendo agrave accedilatildeo

renovadora do amadorismo estabelecer na imprensa um debate profiacutecuo sobre o seu teatro

Um dos conjuntos amadores que via em Ibsen o caminho para a transformaccedilatildeo da

praacutetica teatral vigente sobretudo pelo questionamento social de sua obra era o Teatro do

Estudante de Pernambuco Liderado por Hermilo Borba Filho o grupo desde 1945 procurava

redemocratizar a arte cecircnica brasileira atraveacutes da teatralidade e das teacutecnicas das festas

1 ldquoTocircnia feminista pela matildeo de Cecilrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 6 out 1971 (Sem assinatura)

67

populares nordestinas visando a um teatro poliacutetico feito para o povo Numa barraca

improvisada no Parque 13 de maio em Recife eles encenavam para uma plateacuteia que

desconhecia inteiramente o teatro peccedilas do repertoacuterio claacutessico e moderno como Soacutefocles

Shakespeare e Ibsen Foi com esse espiacuterito que em 1949 o grupo pernambucano montou a

peccedila Quando noacutes os mortos despertarmos apresentando-a em praccedilas paacutetios ao ar livre

hospitais faacutebricas e presiacutedios Nesse mesmo ano o Teatro do Estudante do Paranaacute que tinha

sido fundado no ano anterior por Armando Maranhatildeo Ary Fontoura entre outros artistas

levou agrave cena Os espectros no Teatro Renascenccedila de Ponta-Grossa (PR)

Durante os anos 1950 os amadores continuaram a encenar as peccedilas de Ibsen caso de

Casa de boneca representada pelo Teatro 5 de setembro do Departamento Dramaacutetico do

Orfeatildeo Riograndense em 1952 e pelo Teatro Paulista em 1956 Rosmersholm encenado

pelos alunos da Faculdade de Direito da USP em 1955 Os espectros apresentado pelo Grupo

57 no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 e John Gabriel

Borkman montado pelo Teatro do Estudante da Paraiacuteba no II Festival Nacional de Teatros de

Estudantes em Santos (SP) em 1959 Nesse periacuteodo as diretrizes de encenaccedilatildeo das peccedilas

ibsenianas estavam mais niacutetidas diferenciando-se basicamente pela oposiccedilatildeo entre o social

que privilegiava neste caso o aspecto de criacutetica agrave sociedade e o individual voltado para os

problemas de consciecircncia das personagens As montagens de Renato Viana e Paschoal Carlos

Magno ambas de 1952 satildeo bons exemplos da contradiccedilatildeo que a partir de entatildeo se

estabeleceria entre artistas e criacuteticos a respeito da atualidade de Ibsen Para alguns caso de

Renato Viana e Hermilo Borba Filho o novo estava no esmaecimento do cunho dramaacutetico de

suas peccedilas o que possibilitava a criacutetica agrave realidade social para outros caso de Paschoal

Carlos Magno e Otto Maria Carpeaux o novo estava nos conflitos interiores das personagens

na condiccedilatildeo traacutegica do destino do indiviacuteduo e na teatralidade que visava aos sentidos e agrave

beleza esteacutetica

Por esse tempo Renato Viana estava na direccedilatildeo da Escola Dramaacutetica Martins Pena do

Rio de Janeiro que aleacutem ter um quadro docente de primeira linha composto por Joseacute

Oiticica Tomaacutes Santa Rosa Luiacutesa Barreto Leite entre outros mantinha uma companhia fixa

de teatro formada por alguns de seus alunos como Tereza Raquel e Roland Henze Dessa

experiecircncia resultaram as montagens Eacutedipo Rei de Andreacute Gide e Um inimigo do povo de

Ibsen que estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em julho de 1952 A encenaccedilatildeo foi

durante dois meses precedida de conferecircncias sobre a vida e a obra do autor norueguecircs caso

de ldquoAnaacutelise dos dramas ibsenianos sob o ponto de vista da representaccedilatildeordquo por Renato Viana

ldquoRetrato literaacuterio de Ibsenrdquo por Celso Kelly e ldquoIbsen e a questatildeo socialrdquo por Joseacute Oiticica A

68

linha da encenaccedilatildeo privilegiou o aspecto de censura agrave corrupccedilatildeo dos indiviacuteduos ao abuso de

poder e agrave opressatildeo social Carpeaux o criacutetico mais autorizado da eacutepoca sobre Ibsen elogiou a

iniciativa de Renato Viana de levar agrave cena um teatro de tatildeo grande valor literaacuterio No entanto

os temas sociais enfatizados na montagem pareceram-lhe revestidos de trajes histoacutericos ldquode

fantasias de casaca e cartolardquo Para ele a ideacuteia da responsabilidade moral das personagens era

a uacutenica coisa que natildeo envelhecera no teatro de Ibsen continuando a ser a condiccedilatildeo essencial

para a trageacutedia ldquona eacutepoca dos determinismos dialeacuteticos psicanaliacuteticos racistas e outros de

hoje a ideacuteia da responsabilidade continua a condiccedilatildeo sem qual natildeo haacute trageacutediardquo1

Dois meses depois da montagem de Um inimigo do povo o Teatro do Estudante do

Brasil apresentou Os espectros no Teatro Duse em setembro de 1952 Um texto de Carpeaux

impresso na primeira paacutegina do programa definia a linha do espetaacuteculo ldquono palco acenderatildeo a

luz da poesia traacutegicardquo2 Em outras palavras o que se veria em cena era a fatalidade da

condiccedilatildeo humana agindo sobre as personagens A doenccedila de Osvaldo jaacute natildeo era mais o tema

principal da peccedila mas sim o destino de Helena Alving condenada a expiar pelos pecados e

pela mentira A contemplaccedilatildeo esteacutetica e a catarse como na trageacutedia grega seriam

conquistadas pela grandeza e dignidade da protagonista ao aceitar e resignar-se agrave sua sorte A

encenaccedilatildeo pareceu seguir de perto as liccedilotildees de Copeau quanto ao primado do texto ao

despojamento do palco e agrave veneraccedilatildeo dos claacutessicos Em um manuscrito de Carpeaux reunido

por Orlanda Carlos Magno em seu livro sobre o Teatro Duse o criacutetico destacou a

simplicidade do cenaacuterio e a atmosfera de solidatildeo e anguacutestia criada pelo diretor Jorge

Kossowsky no momento da revelaccedilatildeo do segredo traacutegico ldquoo tema edipiano sofoclianordquo

Aleacutem disso elogiou a atuaccedilatildeo de Eugecircnio Carlos que sem se colocar no centro da accedilatildeo

ofereceu excelente estudo da decadecircncia fiacutesica de Osvaldo e de Miriam Carmem que no

papel de Helena reuniu a dignidade de uma ldquorainha shakespearianardquo e a expressatildeo de

amargura de uma vida desgraccedilada3 Passados dez anos de seu primeiro texto sobre Ibsen

Carpeaux ainda apontava como valores permanentes da obra ibseniana o conflito individual

das personagens O tempo para ele encarregara-se de eliminar os traccedilos histoacutericos e sociais

das peccedilas podendo apenas o esteacutetico comover e impressionar os espectadores

1 Otto Maria Carpeaux ldquoIbseniana ndash Estatildeo preparando na Escola da Prefeitura []rdquo O Jornal Rio de Janeiro 29 jun 1952 2 Otto Maria Carpeaux ldquoAmigo espectador []rdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Jorge Kossowsky Rio de Janeiro 1952 3 Cf Otto Maria Carpeaux ldquoEspectros (Teatro Duse)rdquo In Orlanda Carlos Magno Pequena histoacuteria do Teatro Duse Rio de Janeiro SNT 1973 p 97-98

69

Ao abrir-se a deacutecada de 1960 o teatro brasileiro encontrava-se em pleno processo de

redemocratizaccedilatildeo apresentando uma dramaturgia de cunho criacutetico voltada para as

contradiccedilotildees baacutesicas da nossa realidade social Apreendidas as novas maneiras de conceber o

espetaacuteculo a valorizaccedilatildeo do diretor o aprimoramento dos atores o cuidado com cenaacuterios

figurinos e iluminaccedilatildeo comeccedilavam a despontar na cena nacional novos artistas que

reclamavam um espaccedilo para o teatro popular Tudo isso fruto dos esforccedilos realizados em

anos anteriores por Aacutelvaro Moreira Renato Viana Paschoal Carlos Magno Hermilo Borba

Filho entre outros artistas que se opuseram ao teatro comercial em voga Surgiram assim

figuras como Millocircr Fernandes Antonio Callado Oduvaldo Viana Filho e Gianfrancesco

Guarnieri autores preocupados com as questotildees sociais grupos como o Teatro de Arena

criado em 1953 por Joseacute Renato o Teatro Popular do Nordeste fundado em 1958 por

Hermilo Borba Filho e o Centro Popular de Cultura da UNE liderado por Vianinha e

inspirado no Movimento Popular de Cultura de Pernambuco de Miguel Arraes todos

compartilhando do mesmo desejo de transformar o paiacutes a partir da accedilatildeo cultural Aleacutem disso

novos conceitos oriundos dos recursos do teatro eacutepico de Brecht e do teatro poliacutetico de

Piscator ganhavam cada vez mais espaccedilo em detrimento das velhas teorias francesas de

Copeau e Jouvet Todo esse surto renovador sofreu enorme abalo com o golpe militar de 1964

e com a censura tatildeo logo instaurada que interditava as peccedilas que abordavam temas poliacuteticos e

sociais alterava os textos dramaacuteticos considerados improacuteprios e perseguia os artistas

engajados politicamente como eacute sabido

Nessas circunstacircncias Ibsen passou a interessar mais do que nunca os conjuntos

profissionais de teatro A essa altura jaacute estava mais do que consolidada a ideacuteia de que sua

obra era datada portanto nenhum problema nossos artistas teriam com a censura ao levar

para o palco um autor ldquoultrapassado das preacutedicas libertaacuteriasrdquo Se por um lado houve quem o

colocasse em cena exatamente dentro dessa linha de pensamento valorizando apenas a

grandeza de suas personagens que comparadas agrave estirpe das figuras da trageacutedia grega

poderiam oferecer aos atores a consagraccedilatildeo profissional por outro houve quem se utilizasse

dessa opiniatildeo generalizada como frente de resistecircncia agrave ditadura colocando em foco o

passado para melhor falar do presente por meio de alusotildees e metaacuteforas Curiosamente o

autor norueguecircs que fora excluiacutedo do repertoacuterio do TBC passou a ser encenado por atores e

diretores dissidentes do mesmo Teatro Brasileiro de Comeacutedia que mais tarde acabaram

formando suas proacuteprias companhias Ziembinski agrave frente do Teatro do Rio companhia

fundada por Rubens Correcirca e Ivan Albuquerque foi o responsaacutevel pela primeira realizaccedilatildeo

profissional de uma peccedila de Ibsen no Brasil dirigindo Os espectros no Teatro Satildeo Jorge do

70

Rio de Janeiro em marccedilo de 1961 No programa do espetaacuteculo o diretor aleacutem de afirmar a

modernidade do dramaturgo definia o fio condutor de sua montagem ldquoo horror do jogo das

conveniecircncias e pontos de vista hipoacutecritas que matam a espontacircnea liberdade do homem essa

uacutenica liberdade frutiacutefera criadora e causadora da nossa sobrevivecircncia espiritualrdquo1 Para ele o

drama tendo como assunto principal o ldquoconflito passional e ideoloacutegicordquo de Helena deveria

ser encenado numa linguagem atenuada sem o exagero de situaccedilotildees violentas e pateacuteticas Por

isso a orientaccedilatildeo dada aos atores era para fugir dos malabarismos psicoloacutegicos o que

transformaria o texto de um alcance filosoacutefico e social em aventuras que cheiravam a

melodrama O espetaacuteculo ficou pouco mais de um mecircs em cartaz A maior parte dos criacuteticos

apontou como fragilidade da encenaccedilatildeo o fato do diretor diminuir o aspecto melodramaacutetico da

peccedila deixando de colocar no palco o ldquomundo rico de sugestotildees teatraisrdquo de Ibsen Em outras

palavras puacuteblico e criacutetica lamentaram na montagem a ausecircncia do entusiasmo da vivacidade

e do substrato psicoloacutegico das personagens Para Paulo Francis o diretor apenas havia

ensaiado os atores sem se preocupar em chegar a qualquer conclusatildeo aparente da peccedila A

proacutepria atuaccedilatildeo de Ziembinski no papel do pastor Manders foi censurada ldquoZiembinski

limitou-se a procurar atenuar o melodrama da peccedila dando ao papel que interpreta do pastor

Manders graccedilas a certos gestos e inflexotildees uma comicidade para aleacutem do que nos parece

sugerir o personagem e constituindo hiatos cocircmicos que se chocam com o tom geral da

peccedilardquo2

Em outubro de 1965 duas peccedilas de Ibsen foram encenadas em Satildeo Paulo Hedda

Gabler pela Companhia Nydia Liacutecia e Seacutergio Cardoso representada no Teatro Bela Vista e

Os espectros primeira peccedila da companhia Teatro da Cidade de Satildeo Paulo de Alberto

DrsquoAversa montada no TBC Os dois espetaacuteculos na ordem da expectativa dramaacutetica tanto do

puacuteblico quanto da criacutetica parecem ter cumpridos seus papeacuteis Para Oliveira Ribeiro Neto

criacutetico drsquoA Gazeta mais importante que a exterioridade de Hedda Gabler mdash ldquomuito mais que

a sua beleza a sua juventude a sua classerdquo mdash era o ldquoseu aspecto interior de mulher

nevropata cansada da mediocridade da existecircnciardquo Por ser essa segundo ele a caracteriacutestica

essencial da peccedila pareceu-lhe ldquoexcessivamente desanuviadardquo a direccedilatildeo de Walmor Chagas

que suprimiu de sua montagem o ambiente opressivo em que se deveria desenvolver o drama

No entanto ainda segundo Ribeiro Neto esse detalhe natildeo desabonava em nada as qualidades

dramaacuteticas do espetaacuteculo sustentadas por Nydia Liacutecia no papel-tiacutetulo que emprestara agrave

1 Z Ziembinski ldquoSobre a atualidade de Ibsenrdquo Programa de Espectros direccedilatildeo de Ziembinski Rio de Janeiro 1961 2 Henrique Oscar ldquoEspectros de Ibsen pelo Teatro do Riordquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 14 abr 1961 Cf tambeacutem Paulo Francis ldquoO espetaacuteculo do Teatro do Riordquo Diaacuterio Carioca Rio de Janeiro 19 abr 1961

71

personagem ldquomuito do seu encanto aparecendo bela e sedutora com certos tiques nervosos

de quem sente profunda preocupaccedilatildeo sempre expressiva no seu nervosismo de mulher que

comeccedila a esperar um filhordquo1 indesejado Paulo Mendonccedila jornalista da Folha de S Paulo

compartilhava de certo modo das ideacuteias de Oliveira Ribeiro Neto Para ele a accedilatildeo dramaacutetica

de Hedda Gabler construiacuteda sem nenhum rigor teacutecnico dificultava a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico natildeo sendo raras as situaccedilotildees em que os espectadores sentiam-se perdidos por natildeo

entender as questotildees que Ibsen levantava e deixava sem respostas a ponto de ao cair o pano

todos indagarem ldquoe daiacuterdquo Considerando a intriga gratuita e pouco convincente Paulo

Mendonccedila atribuiacutea exclusivamente agrave atriz incumbida do papel-tiacutetulo a responsabilidade do

ecircxito da montagem Somente atraveacutes dos recursos da forccedila e do magnetismo da atriz

principal a peccedila poderia adquirir uma dimensatildeo cecircnica acessiacutevel agrave plateacuteia Portanto Hedda

Gabler segundo ele era ldquomenos uma peccedila do que um papelrdquo fruto da intransigecircncia do

dramaturgo que preferia ldquoser absurdo a deixar de ser implacavelmente autecircnticordquo2

Os espectros de Alberto DrsquoAversa embora em curta temporada na capital paulista por

causa do compromisso dos teatros com outros espetaacuteculos logrou enorme sucesso de criacutetica e

puacuteblico A montagem enfatizava com uma certa dose de afetaccedilatildeo o desespero e o sofrimento

de Helena Alving mdash exatamente os aspectos que quatro anos antes os criacuteticos sentiram falta

na mesma peccedila montada por Ziembinski no Rio de Janeiro Ao que parece o diretor italiano

aprendera com o ldquoerrordquo de seu colega e ao contraacuterio dele apresentou um drama sentimental

buscando uma empatia cada vez maior com a plateacuteia Em entrevista ao Diaacuterio da Noite

DrsquoAversa explicou o porquecirc da escolha de Os espectros para a estreacuteia de sua companhia em

Satildeo Paulo ldquoOs motivos satildeo claros e alguns de suma importacircncia Ibsen eacute um dos cinco

autores mais famosos do mundo Aleacutem disso apesar de natildeo ser inteiramente comercial eacute uma

peccedila que possui todas as qualidades para agradar o puacuteblicordquo3 Por certo as qualidades a que o

diretor se referia eram aquelas que a criacutetica reclamara como ausentes na encenaccedilatildeo de

Ziembinski conflito profundidade psicoloacutegica e tensatildeo dramaacutetica

Em maio de 1966 o Grupo 57 voltou a apresentar Os espectros dessa vez no Teatro

de Arena da Guanabara no Rio de Janeiro O grupo havia sido premiado pela encenaccedilatildeo

dessa mesma peccedila no I Festival Nacional de Teatros de Estudantes em Recife em 1958 No

entanto natildeo alcanccedilou o mesmo ecircxito com a montagem profissional As marcaccedilotildees do diretor

1 Oliveira Ribeiro Neto ldquoHedda Gabler ndash Muito mais importante que o aspecto externo da personagem Hedda Gabler []rdquo A Gazeta Satildeo Paulo 25 out 1965 2 Paulo Mendonccedila ldquoHedda Gabler ndash Irdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 12 out 1965 e ldquoHedda Gabler ndash IIrdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 14 out 1965 3 ldquoEspectros de Ibsen cinco dias no TBCrdquo Diaacuterio da noite Satildeo Paulo 14 out 1965 (Sem assinatura)

72

Garcia Xavier apoiada quase que exclusivamente no infortuacutenio de Helena e Osvaldo Alving

soaram artificiais e exageradas Henrique Oscar criacutetico do Diaacuterio de Notiacutecias apontou a

insuficiecircncia da maioria dos inteacuterpretes como a parte mais problemaacutetica do espetaacuteculo Agnes

Fontoura no papel de Helena foi a mais criticada pois atuara agrave maneira da velha escola com

gestos expressotildees fisionocircmicas e ldquoolhares digno de museurdquo A traduccedilatildeo de Alfredo Ferreira

utilizada no espetaacuteculo natildeo escapou agrave exprobraccedilatildeo ldquoAleacutem de empregar expressotildees

impraticaacuteveis no palco como lsquoazaacutefamarsquo e outras eacute de uma impropriedade clamorosa cheia de

lsquosim simrsquo lsquobem bemrsquordquo1 Para Fausto Wolff da Tribuna da Imprensa o diretor tinha

conseguido aproximar a peccedila de Ibsen da telenovela brasileira limitando-se os atores com

exceccedilatildeo de Edson Guimaratildees inteacuterprete de Engstrand a apresentar um tom monocoacuterdio e

melodramaacutetico onde entravam ldquosusto choro grito histeria e suspense amadorrdquo2

Se Os espectros do Grupo 57 foi duramente criticado pela falta de aperfeiccediloamento

dos atores e pela negligecircncia em cenaacuterio e figurino a primeira e uacutenica montagem de As

colunas da sociedade encenada no Teatro Guaiacutera de Curitiba pelo Teatro de Comeacutedia do

Paranaacute (TCP) em novembro do mesmo ano foi recebida entusiasticamente pela nossa criacutetica

teatral O TCP organizado e dirigido por Claacuteudio Correa e Castro vinha conquistando cada

vez mais espaccedilo no cenaacuterio cultural brasileiro atraveacutes de produccedilotildees de claacutessicos mundiais e de

textos nacionais como Um elefante no caos de Millocircr Fernandes montada em 1963 A

megera domada de Shakespeare encenada em 1964 Escola de mulheres de Moliegravere e O

santo milagroso de Lauro Cesar Muniz ambas representadas em 1965 O texto de Ibsen

segundo Claacuteudio Correa e Castro havia sido incluiacutedo no repertoacuterio do grupo porque aleacutem de

desmascarar a hipocrisia da sociedade mdash ldquoo que todo mundo gostaria que se fizesse com

algumas de nossas lsquocolunasrsquordquo3 mdash seus atores precisavam enfrentar um texto realista o que

natildeo acontecia havia cerca de trecircs anos desde A vida impressa em doacutelar de Clifford Odets

representada em 1963 Os pontos fortes da montagem ficaram por conta dos figurinos de

Kalma Murtinho e do cenaacuterio de Claacuteudio Correa e Castro ldquoimpecaacutevel no seu bom gosto e nos

menores detalhes do seu acabamentordquo4 Todos os moacuteveis haviam sido feitos especialmente

para a encenaccedilatildeo e ateacute se pocircs em cena uma maacutequina de costura da eacutepoca reproduzindo

fielmente o interior de uma residecircncia burguesa de 1870

1 Henrique Oscar ldquoEspectros no Arena da Guanabarardquo Diaacuterio de Notiacutecias Rio de Janeiro 26 maio 1966 2 Fausto Wolff ldquoOs espectros espectrais no Arena IIrdquo Tribuna da Imprensa Rio de Janeiro 1 jun 1966 3 Entrevista de Clauacutedio Correa e Castro concedida a Martim Gonccedilalves ldquoIbsen em Curitibardquo O Globo Rio de Janeiro 1 nov 1966 4 Yan Michalski ldquoIbsen em Curitibardquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 2 nov 1966

73

Entre as deacutecadas de 1960 e 1970 sobretudo apoacutes o recrudescimento da censura com o

AI-5 Ibsen ganharia encenaccedilotildees cada vez mais luxuosas impressionantes pela beleza plaacutestica

dos cenaacuterios e figurinos envolvendo os espectadores num mundo irreal dinacircmico cheio de

som cores e efeitos espetaculares Com raras exceccedilotildees caso das montagens de Hermilo

Borba Filho Fernando Torres e Antunes Filho buscava-se driblar a censura atraveacutes dos

recursos da estilizaccedilatildeo e da metaacutefora a fim de mostrar o significado real dos textos ibsenianos

e construir da melhor maneira possiacutevel uma frente de resistecircncia agrave ditadura Assim foi a

montagem de Um inimigo do povo encenada pelo Teatro Popular do Nordeste em 1967 A

companhia liderada por Hermilo Borba Filho dava continuidade ao trabalho artiacutestico e

cultural do Teatro do Estudante de Pernambuco (fundado em 1945) levando para o povo

espetaacuteculos natildeo soacute de qualidade literaacuteria como tambeacutem de questionamento social o que

permitia ao puacuteblico uma compreensatildeo maior de sua proacutepria histoacuteria Por meio de expedientes

como o canto a danccedila a maacutescara o boneco Hermilo procurou apresentar em sua casa de

espetaacuteculos na Avenida Conde da Boa Vista em Recife uma peccedila criacutetica viva denunciando

na figura do Dr Stockmann o cerceamento da liberdade e a perdiccedilatildeo do indiviacuteduo diante da

arbitrariedade do Estado

Dois anos mais tarde em agosto de 1969 Fernando Torres encenaria a mesma peccedila

no Teatro Satildeo Pedro em Satildeo Paulo procurando assim como Hermilo questionar o

autoritarismo a falta de liberdade de expressatildeo e a desigualdade de direitos Depois de

encerradas as atividades do Teatro de Arena e do Oficina o Teatro Satildeo Pedro arrendado por

Beatriz e Mauriacutecio Segall em 1968 no auge da repressatildeo apresentava-se como um dos

uacuteltimos grupos da cena paulistana comprometido com uma produccedilatildeo artiacutestica voltada para a

anaacutelise social Buscando uma nova maneira de expressatildeo teatral que pudesse burlar a censura

e ao mesmo tempo oferecer ao puacuteblico espetaacuteculos que vislumbrassem a transformaccedilatildeo das

praacuteticas poliacuteticas e culturais vigentes o Teatro Satildeo Pedro acolheu muitos artistas

rearticulando antigos laccedilos profissionais e poliacuteticos Dessa feita o grupo encenou entre outras

coisas Os fuzis da sra Carrar de Brecht com direccedilatildeo de Flaacutevio Impeacuterio em 1968 Marta

Sareacute de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo dirigido por Fernando Torres em 1969 e

Tambores na noite de Brecht dirigido por Fernando Peixoto em 1972 Para Beatriz e

Mauriacutecio Segall ldquoIbsen era o tom mais apropriado para o Brasil poacutes-AI-5 A questatildeo eacutetica

colocada em Um Inimigo do Povo de um homem que natildeo abandona as suas convicccedilotildees

74

mesmo quando todas as situaccedilotildees se voltam contra ele era uma profissatildeo de feacute que a

companhia estava disposta a carregar consigordquo1

Ainda na esteira da resistecircncia democraacutetica Antunes Filho encenou Peer Gynt no

Teatro Itaacutelia de Satildeo Paulo em abril de 1971 No panorama das produccedilotildees teatrais da eacutepoca

limitadas a um teatro comercial e digestivo a montagem de Antunes mereceu muitos elogios

dos nossos criacuteticos Depois dos absurdos dos empresaacuterios teatrais de apostar exclusivamente

no aspecto lucrativo dos espetaacuteculos sem se preocupar com a qualidade das peccedilas Saacutebato

Magaldi apontou a encenaccedilatildeo de Antunes como ldquouma resposta luacutecida e brilhante a todos os

erros que [ameaccedilavam] a nossa atividade cecircnicardquo2 Com Peer Gynt Antunes instituiacutea na cena

brasileira uma nova maneira de conceber o espetaacuteculo propondo a retomada da palavra e a

colocaccedilatildeo do homem no centro dos acontecimentos O proacuteprio Antunes em entrevista agrave Folha

de S Paulo registrou essa mudanccedila ldquonosso espetaacuteculo eacute um marco do novo teatro a

liberdade do autor e do ator Acabaram a ditadura e o accediloite do diretor do nosso teatro

formalista e abstrato da forma pela forma Agora eacute o homem recolocado novamente dentro de

sua histoacuteriardquo3 Nessa perspectiva Peer Gynt funcionava como um libelo contra a alienaccedilatildeo e o

escapismo apresentando a histoacuteria de um homem que vive apenas o momento sem lanccedilar

amarras e sem se engajar Desse modo a cada episoacutedio da vida de Peer Antunes buscou

criticar o oportunismo a filosofia do ldquojeitinho brasileirordquo e a indiferenccedila aos problemas

poliacuteticos e sociais A forccedila da montagem desse modo patenteava-se justamente na forma

como Antunes a partir da anaacutelise individual da personagem-tiacutetulo conseguira passar pelo

social e ascender ao poliacutetico

Poucos meses depois de Peer Gynt em outubro de 1971 estreava no Teatro Glaacuteucio

Gil do Rio de Janeiro Casa de boneca dirigida por Cecil Thireacute e estrelada por Tocircnia Carrero

A comeccedilar pelos textos apresentados no programa mdash ldquoNossa Casa de bonecasrdquo de Otto

Maria Carpeaux ldquoIbsen jaacute erardquo de Cecil Thireacute e ldquoCasa de bonecas ou sociedade de

bonecosrdquo de Fernando Peixoto mdash que discutiam a atualidade da peccedila agrave luz dos problemas

da realidade brasileira a montagem parecia sugerir uma criacutetica agrave opressatildeo e aos valores

retroacutegrados da sociedade encarnados na figura de Torvald Helmer No entanto a perspectiva

de criacutetica social parece ter ficado somente na intenccedilatildeo A linha adotada pelo diretor oscilou

1 ldquoTeatro Satildeo Pedrordquo Disponiacutevel lthttpwwwitauculturalorgbraplicexternasenciclopedia_teatrogt Cf tambeacutem Marco Antocircnio Guerra Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo 2 Saacutebato Magaldi ldquoNatildeo perca esta aventurardquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 29 abr 1971 3 Depoimento de Antunes Filho a Jorge Saacute de Miranda ldquoPeer Gynt celebra 100ordf apresentaccedilatildeordquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 29 abr 1971

75

entre uma montagem convencionalmente realista e uma vaga tentativa de modernizaccedilatildeo

cecircnica com o uso de intervenccedilotildees musicais e certos efeitos de luz que aproximaram o

espetaacuteculo segundo alguns criacuteticos ldquodas atuais telenovelas e dos dramalhotildees emboloradosrdquo1

Segundo Fernando Peixoto sentia-se claramente o intento do diretor Cecil Thireacute de apresentar

a tirania de Helmer como o microcosmo de uma realidade maior mais ampla e mais terriacutevel

No entanto a tiacutemida encenaccedilatildeo natildeo conseguira romper a estrutura soacutelida da intriga nem ldquoa

teia de conflitos do textordquo2 Desse modo a soluccedilatildeo eacutepica usada no final da peccedila o

desmoronamento do cenaacuterio como fizera Meyerhold na sua versatildeo de Casa de boneca de

1906 apresentou-se como uma ingecircnua metaacutefora da desestruturaccedilatildeo familiar e da queda dos

valores burgueses

Na deacutecada de 1980 a dramaturgia de natureza poliacutetica desaparece do palco brasileiro

voltando-se a maioria de nossos artistas para o ldquobesteirolrdquo um teatro de puro entretenimento

de grande aceitaccedilatildeo popular mas de completa despreocupaccedilatildeo literaacuteria e de indisfarccedilaacutevel

gratuidade Por outro lado no campo dos experimentalismos poacutes-modernos as encenaccedilotildees de

Gerald Thomas mdash Carmen com filtro e Electra com creta ambas de 1986 e Trilogia Kafka

de 1988 por exemplo mdash datildeo a tocircnica de um novo tipo de criaccedilatildeo cecircnica com a valorizaccedilatildeo

cada vez maior das linguagens visuais coreograacuteficas e sonoras em detrimento da palavra No

caso de Ibsen o vieacutes individualista de sua obra em oposiccedilatildeo ao aspecto social que desde os

anos 1940 vinha despertando o interesse de nossos artistas consolida-se a partir de entatildeo

como o grande fator de atualidade de seu teatro Os traccedilos morais e psicoloacutegicos de suas

personagens tidos como os uacutenicos elementos de modernidade e vigor de suas peccedilas ganham

relevo nas montagens desse periacuteodo Apoiados nos estudos do criacutetico norte-americano Robert

Brustein e do meacutedico vienense Wilhelm Reich nossos artistas passam a analisar a obra do

autor norueguecircs atraveacutes do recorte biograacutefico e de meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura Robert

Brustein exerceu grande influecircncia no Brasil sobretudo depois da publicaccedilatildeo de seu livro O

teatro de protesto pela editora Zahar do Rio de Janeiro em 1967 Retomando as ideacuteias de

Prozor acerca do caraacuteter autobiograacutefico do teatro de Ibsen Brustein procura identificar os

elementos da experiecircncia emocional do dramaturgo em suas peccedilas chegando agrave conclusatildeo de

que muitos dos heroacuteis ibsenianos satildeo auto-retratos do proacuteprio autor Nesse sentido ao analisar

O pato selvagem mdash para ele uma ldquopeccedila semi-autobiograacuteficardquo mdash o criacutetico afirma ter Ibsen

criado Gregers Werle agrave sua imagem e semelhanccedila conferindo agrave personagem as caracteriacutesticas

1 ldquoUm Ibsen bem comportadordquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 12 p 14-15 jan 1972 (Sem assinatura) 2 Fernando Peixoto e Alberto Guzik ldquoTeatro no Rio e em Satildeo Paulo a temporada de 71rdquo Palco + Plateacuteia revista mensal de teatro Satildeo Paulo n 13 p 7-13 fev 1972

76

de um tiacutepico ibsenista com o propoacutesito de satirizar a si proacuteprio e impedir que ele viesse a ldquoser

institucionalizado por adeptos servisrdquo Da mesma maneira como havia feito Prozor no seu

prefaacutecio da traduccedilatildeo de Solness o construtor em 1894 Brustein compara o desenvolvimento

da personagem-tiacutetulo com a evoluccedilatildeo do trabalho de Ibsen Para o criacutetico Solness eacute ldquopura

autobiografiardquo sendo o construtor um dos mais elaborados auto-retratos do autor ldquoO

sentimento alimentado por Solness de que sua inquebrantaacutevel dedicaccedilatildeo agrave sua vocaccedilatildeo

destruiacutera nele a felicidade eacute um reflexo das duacutevidas e dos pesares de Ibsen depois expressos

em John Gabriel Borkmanrdquo1

Por sua vez o polecircmico meacutedico Wilhelm Reich conhecido mundialmente pelo seu

livro Psicologia de massas do fascismo (1934) onde analisa a repressatildeo sexual como uma

espeacutecie de matriz que prepara o indiviacuteduo para a aceitaccedilatildeo das demais coerccedilotildees mdash caso

segundo ele da adesatildeo da populaccedilatildeo alematilde ao discurso fascista mdash teve no Brasil uma

recepccedilatildeo limitada ao campo da terapia corporal Simplificando bastante interessava aos

admiradores brasileiros de Reich apenas o exame do corpo como invoacutelucro da histoacuteria de cada

sujeito sendo possiacutevel por meio de sua anaacutelise resgatar as emoccedilotildees mais profundas dos

indiviacuteduos Nessa esteira A funccedilatildeo do orgasmo (1927) livro dedicado ao estudo da

sexualidade humana teve enorme repercussatildeo no Brasil dos anos de 1970 Essa obra alcanccedilou

tamanho sucesso entre noacutes que desde a primeira publicaccedilatildeo feita pela Brasiliense em 1975

passou a ser editada constantemente chegando a deacutecima nona ediccedilatildeo em 1995 Por certo o

ensaio sobre ldquoPeer Gyntrdquo contido nesse volume exerceu uma influecircncia significativa na nova

abordagem da peccedila que passaria a considerar a figura de Peer como o siacutembolo do homem

perdido no fluxo de suas experiecircncias tentando descobrir qual eacute o seu verdadeiro Eu

autecircntico Essa caracteriacutestica atribuiacuteda agrave personagem estendia-se a Ibsen mdash ldquoAssim era Ibsen

e assim era Peer Gyntrdquo2 mdash que tambeacutem procurava atraveacutes de suas peccedilas uma sondagem do

eu profundo expondo seu proacuteprio caraacuteter ao exame e criacutetica implacaacuteveis Tornou-se comum

a partir de entatildeo associar a mateacuteria das peccedilas agrave vida do autor caindo-se facilmente na

armadilha da projeccedilatildeo Desse modo o subjetivismo das imagens e das personagens elucidava

a psicologia de Ibsen e os fatos e experiecircncias de sua vida pessoal serviam para estabelecer o

conteuacutedo da obra A implicaccedilatildeo de tudo isso foi o depauperamento do texto ibseniano pois o

que nele se ambicionara passou a ser visto como atributo do autor ser vivo e inesgotaacutevel no

papel impresso Ao valorizar apenas a vida interior das personagens os padrotildees arquetiacutepicos

1 Robert Brustein ldquoHenrik Ibsenrdquo O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 93 2 Wilhelm Reich ldquoPeer Gyntrdquo A funccedilatildeo do orgasmo problemas enconocircmico-sexuais da energia bioloacutegica 4 ed Satildeo Paulo Brasiliense 1978 p 48

77

as raiacutezes miacuteticas e o significado simboacutelico e sexual do teatro de Ibsen nossos criacuteticos e

artistas deixaram de lado uma das dimensotildees mais modernas da obra do dramaturgo a perda

de consistecircncia da solidez de seus dramas que para expressar a desordem social poliacutetica e

econocircmica foram contaminando-se progressivamente de elementos eacutepicos chegando por

vezes a romper com os cacircnones tradicionais

Na esteira das orientaccedilotildees de Brustein e Reich inclusive reproduzindo quase na

iacutentegra os textos desses dois autores no programa do espetaacuteculo Marcos Fayad agrave frente do

grupo Engenho de Teatro dirigiu Peer Gynt no Teatro Ginaacutestico do Rio em junho de 1982 A

encenaccedilatildeo baseada na exploraccedilatildeo do inconsciente e dos recalques da personalidade de Peer

procurava mostrar a viagem empreendida por um homem em busca de sua proacutepria identidade

e do verdadeiro papel que lhe cabia na vida Desse modo a personagem-tiacutetulo veio ao palco

mergulhada num denso universo de misticismo metafiacutesica e duacutevidas existenciais Chegou-se

mesmo ao disparate de comparar Peer e Ibsen mdash ldquoPeer Gynt eacute o lado de Ibsen que foi em

busca de prazer sob o sol da Itaacuteliardquo1 mdash e a evocar em termos biograacuteficos os processos

psiacutequicos do autor quando estava escrevendo a peccedila Assim Peer Gynt tinha um discurso

tortuoso porque o dramaturgo no momento da escrita da obra oscilava entre influecircncias

esteacuteticas e filosoacuteficas muito diversificadas como a obsessatildeo miacutestica do romantismo e a

anguacutestia existencial kierkegaardiana Para Yan Michalski criacutetico do Jornal do Brasil em

nenhuma peccedila de Ibsen ldquoo debate existencial era colocado em termos tatildeo teoacutericos de tanta

abrangecircncia filosoacuteficardquo como em Peer Gynt Por essa razatildeo o desafio de qualquer montagem

dessa peccedila era tornar teatral ldquoo discurso aacuterido e metafiacutesicordquo da obra tarefa que ainda segundo

Michalski o Engenho de Teatro natildeo conseguira cumprir por dois motivos primeiro porque

ldquoo sentido mais profundo desse discurso natildeo foi assimilado pelos atoresrdquo e segundo porque

faltava-lhes o instrumental teacutecnico para tornar o conteuacutedo da peccedila claro aos espectadores

Essa falta de habilidade para o criacutetico tornava-se especialmente patente ldquonas cenas em que as

duacutevidas existenciais [estavam] contidas em seu estado puro como nos encontros de Peer com

o diretor do manicocircmio com o democircnio ou com o fundidorrdquo2

Um mecircs depois da encenaccedilatildeo de Peer Gynt Dina Sfat estreou Hedda Gabler no

Teatro Guaiacutera de Curitiba em agosto de 1982 O diretor do espetaacuteculo o francecircs Gilles

Gwizdeck em entrevista ao jornal O Globo indicou a linha da encenaccedilatildeo ldquoEu tentei traduzir

cenicamente o texto como um dramalhatildeo contando uma historinha com princiacutepio meio e fim

Mas com todo o subtexto presente todas as pressotildees familiares em cena atraveacutes de muitos

1 ldquoRobert Brustein fala de Ibsenrdquo Programa de Peer Gynt direccedilatildeo de Marcos Fayad Rio de Janeiro 1982 2 Yan Michalski ldquoPeer Gynt ou a dificuldade de filosofarrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro p 2 23 mar 1982

78

recursos como o cenaacuterio do Ratto que eacute bem pesado e abafado com muito veludordquo1 Sendo

assim num tom soturno e sombrio Hedda apresentou-se no palco como uma neuroacutetica

viacutetima das pressotildees de uma sociedade castradora A educaccedilatildeo riacutegida que a personagem

recebera de seu pai baseada em valores aristocraacuteticos e conservadores foi abordada como

uma das origens dos conflitos dolorosos de sua vida adulta A complexidade os conflitos

interiores e o gesto final de autodestruiccedilatildeo da personagem tratados no mais estreito realismo

psicoloacutegico fez com que a peccedila ganhasse ares folhetinescos O desempenho de Dina Sfat no

papel-tiacutetulo foi bastante elogiado sobretudo por criar a partir da entrada em cena o clima de

inevitabilidade da trageacutedia Para a maioria de nossos criacuteticos somente a psicanaacutelise poderia

explicar a trajetoacuteria da heroiacutena e desvendar seus mecanismos interiores Por um lado Ibsen

foi considerado o ldquopai do teatro psicoacutetico modernordquo2 o responsaacutevel no dizer de Tereza

Menezes de colocar em cena ldquoo novo sujeito da modernidaderdquo3 aquele indiviacuteduo que possui

dimensatildeo interior e capacidade de perceber a si mesmo Por outro mais uma vez a arquitetura

dramaacutetica de sua obra foi valorizada por aproximar-se da carpintaria do teatro claacutessico

carregada de pressaacutegios e costurada de intrigas paralelas que davam maior relevo ao conflito

central da peccedila

Em agosto de 1985 Fernando de Almeida levou agrave cena do Teatro Domus em Satildeo

Paulo a peccedila Os espectros resultado de uma motivaccedilatildeo pessoal sua que haacute muito

interessava-se pelo papel de Osvald Alving Como estava na idade limite para interpretar a

personagem reuniu um grupo de atores convidou Emiacutelio Di Biasi para dirigir a peccedila e arcou

com a maior parte das despesas da produccedilatildeo do espetaacuteculo Aleacutem disso ele mesmo

encarregou-se de traduzir e revitalizar o texto de Ibsen a fim de tornaacute-lo ldquomenos antiquadordquo

visando uma relaccedilatildeo mais direta com o espectador Assim a accedilatildeo foi transportada para algum

lugar indeterminado do seacuteculo XX o aviatildeo tomou o lugar do trem Nova York o de Paris os

nomes das personagens foram abrasileirados e a doenccedila de Osvaldo a siacutefilis foi substituiacuteda

pela Aids Entretanto justamente a adaptaccedilatildeo foi o que a criacutetica unanimemente julgou de

mais controverso nessa montagem Para Alberto Guzik aleacutem da encenaccedilatildeo levar agraves uacuteltimas

consequumlecircncias os sentimentos de Helena e Osvaldo Alving transformando a peccedila num

melodrama quase insuportaacutevel ldquoFernando de Almeida parece natildeo ter se dado conta de que os

termos a estrutura a proacutepria organizaccedilatildeo do debate travado pelas personagens de Ibsen

seriam necessariamente outros se a moralidade que serve de pano de fundo agrave obra fosse a da

1 Entrevista de Gilles Gwizdeck concedida a Flaacutevio Marinho ldquoA histoacuteria de uma mulher destruidora e autodestrutivardquo O Globo Rio de Janeiro 11 ago 1982 2 Jefferson Del Rios ldquoHedda emoccedilotildees no palco e na plateacuteiardquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 1 abr 1983 3 Cf Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006

79

era do aviatildeo e natildeo a do tremrdquo1 Ao que parece do original restou apenas uma paroacutedia um

apego aos lances melodramaacuteticos do enredo que transformaram a realizaccedilatildeo num kitsch natildeo

intencional A peccedila ficou pouco tempo em cartaz e os elogios foram apenas para Leacutelia

Abramo que voltava aos palcos apoacutes seis anos de uma ausecircncia forccedilada A atriz no papel de

Helena Alving parecia ser a uacutenica a ter consciecircncia da importacircncia da peccedila como criacutetica agrave

hipocrisia e agraves convenccedilotildees sociais ldquoA encenaccedilatildeo de Ibsen hoje eacute importante por se

preocupar com as indagaccedilotildees do espiacuterito humano aleacutem de seu valor literaacuterio Esta a

verdadeira riqueza dos autores claacutessicos e hoje com o homem sendo aniquilado pelo

progresso pela massificaccedilatildeo eacute importante qualquer coisa que o faccedila refletirrdquo2

Peer Gynt foi levado agrave cena do Teatro Renascenccedila de Porto Alegre pelo grupo Teatro

Vivo em marccedilo de 1987 dessa vez numa versatildeo mais formalista O palco despojado de

qualquer artefato realista mdash apenas duas escadas um andor de procissatildeo e algumas malas mdash

manteve-se livre para o desenvolvimento dos atores que caminhavam em ciacuterculos

aproximando seus movimentos de uma danccedila coreografada Fora isso elementos como

fumaccedila aacutegua e farinha aleacutem de uma iluminaccedilatildeo requintada preenchiam os espaccedilos vazios da

cena Dos cinco atos do texto original restaram apenas dois apresentados em pouco mais de

uma hora e meia privilegiando-se temas como a vida a morte e as viagens da personagem-

tiacutetulo Para Irene Brietzke diretora do espetaacuteculo o estudo mais interessante a respeito de

Peer Gynt era o de Wilhelm Reich jaacute que mostrava Peer como uma personagem-siacutembolo que

representava o desejo mais secreto de todo o ser humano ldquoo sonho a paixatildeo o prazer e a

aventurardquo3 Por isso a exemplo do que fizera Marcos Fayad em sua montagem de 1982 ela

tambeacutem procurou contar a histoacuteria de um homem em busca de si mesmo resolvendo viajar

pelo mundo para achar seu caminho Paralela a essa accedilatildeo principal da peccedila Brietzke

acrescentou uma personagem que entre uma cena e outra da peccedila fazia reflexotildees sobre a

funccedilatildeo do artista a necessidade de buscar novos horizontes a morte etc citando passagens

de cineastas como Fellini e Buntildeuel e autores como Borges Apesar das inovaccedilotildees que

deram uma visualidade fascinante ao espetaacuteculo chegando por vezes a prejudicar a

mensagem do texto a direccedilatildeo do espetaacuteculo natildeo fugira a regra sendo Ibsen novamente

encerrado num universo miacutestico e existencialista

1 Alberto Guzik ldquoUma adaptaccedilatildeo de Ibsen Com bons propoacutesitos e equiacutevocos demaisrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 6 set de 1985 2 Depoimento de Leacutelia Abramo para O Estado de S Paulo ldquoIbsen a defesa feminina na peccedila Os Espectrosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 27 ago 1985 3 ldquoPeer Gynt a maioridade de Irenerdquo Correio do Povo Porto Alegre 6 mar 1987

80

Em maio de 1988 o Grupo Tapa encenou Solness o construtor no Teatro Alianccedila

Francesa em Satildeo Paulo A direccedilatildeo de Eduardo Tolentino privilegiou o conflito entre o velho

e o novo mostrando no palco a histoacuteria de Solness um construtor de meia-idade que se sente

ameaccedilado pela juventude expressa na figura de seu empregado Ragnar Brovik Durante a

encenaccedilatildeo o espectador pocircde acompanhar o tormento da personagem-tiacutetulo com o medo da

morte a ascensatildeo profissional de Ragnar e a fascinaccedilatildeo pela jovem Hilda Wangel A ecircnfase

dada aos opostos emblemaacuteticos mdash velhonovo sauacutededoenccedila luztrevas construccedilotildees de

alvenariacastelos no ar paixatildeo adolescentecasamento falido mdash reduziu de certo modo um

dos aspectos mais contundentes da peccedila os interesses materiais da mesquinha realidade

burguesa que envolve o conflito de geraccedilotildees as vidas entediadas e a submissatildeo domeacutestica

Aleacutem disso o fato do grupo ver Solness como um alter ego de Ibsen colaborou para o

empobrecimento do texto minando a forccedila da montagem No programa do espetaacuteculo o

jornalista Carlos Hee preso agrave ideacuteia do todo contiacutenuo formado entre autor e obra apontou

relaccedilotildees entre a trajetoacuteria da personagem e a vida do dramaturgo utilizando exatamente das

mesmas ideacuteias de Moritz Prozor e Robert Brustein A primeira fase do construtor dedicada agrave

edificaccedilatildeo de igrejas seria relativa aos temas dos dramas filosoacutefico-religiosos impregnados

de personagens miacutesticas A mudanccedila de postura de Solness apoacutes o incecircndio quando passa a

construir habitaccedilotildees teria o valor similar ao rompimento do escritor com a sociedade

norueguesa e agrave sua preocupaccedilatildeo em escrever peccedilas sobre a vida cotidiana O encontro de

Solness com Hilda simbolizaria a fase dos dramas simboacutelico-metafiacutesicos e a correspondecircncia

que o autor passou a trocar com Emilie Bardach uma jovem vienense de 18 anos Por fim

como sua personagem Ibsen temia a concorrecircncia da juventude sobretudo a ascensatildeo do

dramaturgo August Strindberg Aleacutem do biografismo que encobriu a estrutura e o valor da

peccedila o espetaacuteculo ganhou uma conotaccedilatildeo sexual ora pelas suas marcaccedilotildees ora pela

interpretaccedilatildeo das torres como siacutembolos faacutelicos Descontados esses problemas Eduardo

Tolentino alcanccedilou seu propoacutesito inicial de fazer uma montagem sem arroubos cecircnicos ldquosem

deixar nenhum exibicionismo esteticista se sobrepor ao textordquo1 De fato ele soube dar agrave sua

montagem o equiliacutebrio entre o sentido do texto e a traduccedilatildeo visual mdash a accedilatildeo se passava em

um cenaacuterio realista recheado de referecircncias simboacutelicas e num clima oniacuterico desenrolavam-se

flashes do passado e do presente Aleacutem disso toda a encenaccedilatildeo foi baseada no texto e nos

atores livre da intervenccedilatildeo musical e das soluccedilotildees espetaculosas exigindo dos espectadores

uma concentraccedilatildeo maior para acompanhar as ideacuteias da peccedila

1 Depoimento de Eduardo Tolentino a Ana Francisca Ponzio ldquoPaulo Autran o primeiro Ibsenrdquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 14 set 1988

81

A partir dos anos 1990 Ibsen passa a ser encenado por produtores independentes em

sua maioria artistas de grande popularidade e de incontestaacutevel prestiacutegio nacional Favorecidos

pelo patrociacutenio de empresas privadas mdash sobretudo depois da criaccedilatildeo em 1991 da chamada

lei de incentivo a Lei Rouanet que oferece isenccedilatildeo de impostos agraves empresas que invistam em

projetos artiacutesticos e culturais mdash esses artistas deram ensejo a produccedilotildees cada vez mais

imponentes com temas que agradam puacuteblico e empresaacuterios com programas de excelente

acabamento graacutefico mas que pouco ajudam a entender a diretriz do espetaacuteculo haja vista que

raramente trazem qualquer reflexatildeo sobre a peccedila encenada Do mesmo modo as encenaccedilotildees

ganharam beleza plaacutestica cenaacuterios luxuosos e iluminaccedilatildeo requintada privilegiando-se a

percepccedilatildeo visual em detrimento do conteuacutedo da peccedila No acircmbito desse teatro puramente

comercial Ibsen parece voltar aos palcos muito mais por oferecer aos atores bons papeacuteis

permitindo-lhes desenvolver suas virtudes interpretativas do que pela forccedila de seus textos

Evidentemente temas que contrariem a ideologia dominante mdash como a hipocrisia social em

Os espectros a exploraccedilatildeo capitalista em Um inimigo do povo a especulaccedilatildeo financeira em

John Gabriel Borkman os interesses materialistas em Casa de boneca e Solness o construtor

por exemplo mdash satildeo ignorados nesse tipo de produccedilatildeo Por isso privilegiam-se em grande

parte apenas a subjetividade das personagens ibsenianas destituiacuteda de qualquer realidade

concreta maior social ou poliacutetica A justificativa para essa reduccedilatildeo encontra respaldo na velha

ideacuteia de que as preocupaccedilotildees sociais do dramaturgo satildeo obsoletas e ultrapassadas

constituindo apenas a psicologia e os conflitos existenciais das personagens os reais e efetivos

elementos de atualidade de sua obra Estaacute claro que essas produccedilotildees destinam-se mdash

sobretudo por causa dos preccedilos inacessiacuteveis dos ingressos mdash a uma plateacuteia financeiramente

distinta que busca no teatro a digestatildeo apraziacutevel do jantar

Nessas condiccedilotildees a Fundaccedilatildeo Bienal de Satildeo Paulo juntamente com empresaacuterios

patrocinou a vinda do American Repertory Theatre agrave cidade com o espetaacuteculo Quando noacutes os

mortos despertarmos encenado no Teatro Municipal em outubro de 1991 A peccedila adaptada e

dirigida por Robert Wilson o grande representante do ldquoteatro de imagensrdquo apresentou como

natildeo poderia deixar de ser as caracteriacutesticas fundamentais do encenador poesia visual

intimismo abstraccedilatildeo formalismo e distorccedilatildeo temporal A imprensa ocupou-se tanto dos

ldquoefeitismosrdquo de Robert Wilson que acabou ignorando a montagem brasileira desse mesmo

texto pelo Teatro do Pequeno Gesto em cartaz desde o mecircs de agosto no Espaccedilo Cultural

Seacutergio Porto no Rio de Janeiro Esse foi o espetaacuteculo de estreacuteia do grupo carioca que a partir

de entatildeo se dedicaria as montagens de grandes claacutessicos da literatura dramaacutetica preocupando-

se com estudos literaacuterios e teoacutericos das peccedilas a fim de conceber uma encenaccedilatildeo voltada para o

82

texto e a fala dos atores Antocircnio Guedes diretor da companhia apresentou uma versatildeo

totalmente diferente de Robert Wilson a comeccedilar pela diretriz do espetaacuteculo simplificaccedilatildeo

extrema do palco para colocar em relevo o texto em contraste com a fragmentaccedilatildeo dos

sentidos e o desenho formalizado da cena do diretor norte-americano Enquanto a montagem

de Wilson centrou-se na conotaccedilatildeo metafiacutesica do acerto de contas de Rubek com o seu

passado a do Pequeno Gesto privilegiou a discussatildeo de temas como o amor a morte o artista

e sua obra Aleacutem disso o puacuteblico do Teatro do Pequeno Gesto natildeo via passivamente uma

sucessatildeo de imagens deslumbrantes como na encenaccedilatildeo norte-americana uma vez que ele

proacuteprio era convidado a integrar o espetaacuteculo como elemento constitutivo do espaccedilo cecircnico

Em abril de 1994 Moacyr Goacutees e um conjunto de artistas conhecidos por seus

trabalhos na televisatildeo levaram agrave cena Peer Gynt no Teatro Gloacuteria do Rio de Janeiro A

abordagem da peccedila traduzida e adaptada pela psicanalista Clara Goacutees em nada diferenciou-

se do que desde a deacutecada de 1980 era considerado ldquocomumrdquo ao se estudar essa obra de

Ibsen a histoacuteria de um homem em busca de sua proacutepria identidade e do verdadeiro sentido da

vida Dois anos depois em outubro de 1996 Ulysses Cruz dirigia pela primeira vez no Brasil

A dama do mar representaccedilatildeo marcada por forte tendecircncia visual A peccedila aleacutem de encenada

no piacuteer da praccedila Mauaacute com vistas para a Baiacutea de Guanabara ganhou um cenaacuterio suntuoso

com 30 toneladas de areia fina entremeadas de conchas e de estrelas-do-mar e um barco de

verdade cedido pela Marinha que em certo momento do espetaacuteculo entrava em cena

trazendo uma das personagens o Estrangeiro Na imprensa pouco se falou sobre a obra de

Ibsen importando mesmo destacar a ousadia de Ulysses Cruz o responsaacutevel pela concepccedilatildeo

da maior parte dos elementos cecircnicos da montagem Para Cruz Ibsen era ldquofreudiano antes de

Freudrdquo e a qualidade de seu teatro estava na prospecccedilatildeo emocional de suas personagens No

caso de A dama do mar ainda segundo o diretor a protagonista da peccedila Ellida tinha uma

ldquoligaccedilatildeo forte com a natureza Daiacute surgiu a ideacuteia de usar na cenografia a areia o vento e o

marrdquo1 Uma produccedilatildeo com tamanho aparato de imagens luzes cores e som ofuscou

evidentemente o trabalho dos atores e sobretudo a histoacuteria de Ibsen O puacuteblico por sua vez

extasiado com a visualidade e a espetacularizaccedilatildeo teve poucas chances de compreender o teor

e a mensagem da peccedila

Em 1997 a propoacutesito da comemoraccedilatildeo dos cinco anos da Casa da Gaacutevea do Rio de

Janeiro Domingos de Oliveira foi convidado a dirigir Um inimigo do povo peccedila que ele jaacute

havia encenado catorze anos antes no teatro Cacircndido Mendes tambeacutem no Rio Na linha de

1 Depoimento de Ulysses Cruz a Anabela Paiva ldquoA nova aventura de Ulyssesrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 5 out 1996

83

um teatro didaacutetico Domingos de Oliveira levou agrave cena a histoacuteria de um homem

impossibilitado de se expressar num sistema dito democraacutetico Ao colocar em xeque toda a

estrutura de poder da cidade do Dr Stockmann dos pontos de vista moral e eacutetico o diretor

procurou mostrar como a representaccedilatildeo democraacutetica pode ser falha e como a maioria pode ser

facilmente manipulada Ampliando essa discussatildeo central da peccedila Oliveira procurou enfatizar

ainda questotildees como a preservaccedilatildeo do meio ambiente o poder da imprensa na manipulaccedilatildeo

da opiniatildeo das massas e a eacutetica na administraccedilatildeo puacuteblica Essa linha de encenaccedilatildeo foi bastante

criticada principalmente pelo fato de que para muitos de nossos criacuteticos caso de Nelson de

Saacute da Folha de S Paulo natildeo era a poliacutetica nem o conflito com a maioria que caracterizavam

a atualidade e o vigor de Um inimigo do povo mas ldquoa seduccedilatildeo do homem soacute natildeo mais refeacutens

de ideacuteias verdades amigos ou gruposrdquo Para Nelson de Saacute a direccedilatildeo de Domingos de

Oliveira tinha sido maniqueiacutesta sobretudo por omitir ldquoa proclamaccedilatildeo da individualidaderdquo

aspecto que segundo o criacutetico era o cerne da peccedila de Ibsen1 Nesse sentido a interpretaccedilatildeo

dos atores principalmente a de Paulo Betti no papel do Dr Stockmann tambeacutem foi criticada

por natildeo apresentar nuances psicoloacutegicas mas apenas perfis funccedilotildees a serviccedilos do texto

apresentando clareza em vez de profundidade Da mesma maneira o cenaacuterio e figurinos que

nada tinham de espetaculares sofreu as mesmas restriccedilotildees Para Alberto Guzik ldquoos tons que

[oscilavam] do ocre ao bege e bordocircrdquo diluiacuteram a tensatildeo dramaacutetica da cena contribuindo para

a sensaccedilatildeo ldquode monotonia e achatamento do palcordquo A criacutetica foi estendida agrave iluminaccedilatildeo que

sendo convencional pouco fez para dar contornos ao ldquoproblema visual do espetaacuteculordquo2

No comeccedilo deste seacuteculo com a vida teatral cada vez mais subordinada ao arbiacutetrio dos

dirigentes de empresas privadas as encenaccedilotildees de Ibsen com rariacutessimas exceccedilotildees natildeo

sofreram mudanccedilas significativas O ponto a se destacar eacute a melhor qualidade literaacuteria de

alguns espetaacuteculos alcanccedilada graccedilas agraves traduccedilotildees feitas diretamente do original norueguecircs

por Karl Erik Schoslashllhammer3 Seguindo a loacutegica do governo brasileiro que confunde poliacutetica

cultural com poliacutetica de mercado vieram a puacuteblico mais uma vez produccedilotildees dispendiosas mdash a

grosso modo com artistas que se consagraram na televisatildeo mdash visando mais do qualquer outra

coisa o retorno de bilheteria Nessa esteira Casa de boneca produzida por Ana Paula Aroacutesio

foi encenada no Teatro Leblon do Rio em outubro de 2001 A direccedilatildeo de Aderbal Freire-

1 Nelson de Saacute ldquoIbsen proclama o poder do homem soacuterdquo Folha de S Paulo Satildeo Paulo 20 mar 1998 Folha Ilustrada p 3 2 Alberto Guzik ldquoUm inimigo monoacutetonordquo Jornal da Tarde Satildeo Paulo 2 abr 1998 3 Karl Erik Schoslashllhammer traduziu Quando noacutes os mortos despertarmos para o espetaacuteculo do Teatro do Pequeno Gesto em 1991 e Casa de boneca dirigida por Aderbal Freire-Filho em 2001 Traduziu ainda em parceria com Faacutetima Saadi O pequeno Eyolf em 1993 e John Gabriel Borkman em 1996 ambas publicadas na Coleccedilatildeo Teatro da Editora 34 de Satildeo Paulo

84

Filho que teve o meacuterito de escolher uma traduccedilatildeo de qualidade natildeo escapou aos

esquematismos do teatro de entretenimento Sem abandonar de todo o realismo da obra

Freire-Filho procurou enfatizar os conflitos existenciais de Nora em sua busca por liberdade

focalizando o desejo da personagem de fazer a sua proacutepria histoacuteria A marcaccedilatildeo e os

elementos cecircnicos mdash uma miniatura de casa de boneca uma mesa e algumas cadeiras em

torno das quais giraram os atores mdash pretenderam dar uma significacircncia simboacutelica agraves atitudes

interiores das personagens O cenaacuterio do portuguecircs Joseacute Manuel Castanheira mdash uma janela

que abria todo o fundo do teatro para um jardim coberto de neve em contraste com o interior

aconchegante de uma casa burguesa mdash e a iluminaccedilatildeo refinada de Manuel Quindereacute

conferiram intensa plasticidade ao desenho cecircnico No ano seguinte em maio de 2002 a

mesma peccedila estreou no Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil do Rio dessa vez numa

versatildeo multimiacutedia de Bia Lessa O espetaacuteculo foi chamado pela proacutepria diretora de ldquopeccedila-

filmerdquo porque quase toda a accedilatildeo da peccedila era apresentada num viacutedeo e somente na cena final

Nora interpretada por Betty Gofman aparecia no palco para cumprir seu gesto de abandono

do lar O uso do cinema foi justificado como uma forma de dimensionar uma quebra realista

subvertendo-se assim os limites do espetaacuteculo teatral No entanto a falta de contraponto

dramaacutetico das duas linguagens aproximou a encenaccedilatildeo segundo Macksen Luiz da

dramaturgia televisiva sobretudo por causa do uso da cacircmera em primeiro plano1

Em agosto de 2004 o Festival Porto Alegre em Cena em parceria com o governo da

Noruega trouxeram ao Brasil duas jovens diretoras Catherine Kahn e Anne Klovholt para

ministrar um laboratoacuterio intitulado ldquoO ator compositor e a poesia do movimentordquo No final do

curso cinco atores brasileiros foram selecionados para participar da encenaccedilatildeo de A dama do

mar representada no Armazeacutem A5 do Cais do Porto em Porto Alegre no mecircs de setembro

Nesse mesmo ano em outubro Paulo de Moraes encenou O pequeno Eyolf no Centro

Cultural da Justiccedila Federal no Rio de Janeiro primeira montagem brasileira desse texto O

espetaacuteculo centrado nos conflitos familiares de Alfred e Rita Allmers trouxe agrave cena a

discussatildeo de sentimentos como ciuacutemes inveja desprezo e amargura As personagens

enredadas em si mesmas incapazes de fugir de seus remorsos foram o foco principal dessa

montagem que procurou abordar a possibilidade de transformaccedilatildeo do homem deixando de

lado a passividade e a auto-compaixatildeo No entanto em cena essas questotildees trabalhadas em

forma de diaacutelogos solenes e de discursos quase filosoacuteficos acabaram por tornar a encenaccedilatildeo

de oitenta minutos um peso para os ombros dos espectadores O trunfo da montagem ficou

1 Macksen Luiz ldquoA armadilha de Ibsenrdquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 4 maio 2002

85

por conta da moldura visual que ambientou a cena em um espelho drsquoaacutegua conferindo

densidade e imagem vigorosa ao quadro Criacuteticas mais duras receberam o elenco Viviane

Coutinho inteacuterprete de Eyolf apesar de deficiente apresentou-se um tanto saltitante no palco

e Joatildeo Vitti no papel da Mulher dos Ratos ficou reduzido a uma ldquocaricatura em travestirdquo1

Diante desse estado de coisas no final de 1998 surgiu o Movimento Arte Contra a

Barbaacuterie que reuacutene intelectuais artistas e grupos do teatro paulista cuja atuaccedilatildeo resultou na

lei municipal de fomento ao teatro Subvencionadas pelo Estado as companhias paulistas

tiveram a chance de desenvolver projetos comprometidos com a pesquisa da linguagem

teatral apresentando ao puacuteblico espetaacuteculos ligados agrave experiecircncia social brasileira Aleacutem

disso a ocupaccedilatildeo de teatros de vaacuterias regiotildees de Satildeo Paulo por esses grupos mdash fora do

circuito onde domina o teatro comercial mdash e a venda a baixo custo dos ingressos

possibilitaram ao menos em parte o acesso de um puacuteblico mais amplo agraves peccedilas Desse modo

em outubro de 2005 o grupo Teatro de Narradores beneficiado pela lei de fomento levou agrave

cena do Teatro Faacutebrica de Satildeo Paulo sua versatildeo de Casa de boneca que de imediato se

contrapocircs agraves montagens desse texto realizadas no paiacutes

Preocupado em oferecer uma encenaccedilatildeo que unisse o prazer esteacutetico agrave reflexatildeo o

Teatro de Narradores explorou uma das dimensotildees mais agudas e atuais do texto ibseniano o

dinheiro como base de um sistema soacutecio-econocircmico em que se resume Casa de boneca Eacute por

causa dos interesses materiais e atraveacutes dele que se originam e se alimentam todos os

acontecimentos da peccedila desde a prepotecircncia de Torvald sobre Nora o casamento de

conveniecircncia de Cristina Linde para assegurar uma situaccedilatildeo financeira ameaccedilada ateacute o falso

coacutedigo de honra de Torvald que acaba se desfazendo depois que sua posiccedilatildeo de prestiacutegio na

sociedade se manteacutem assegurada Desse modo o conflito de Nora que em algumas

montagens beirou o existencial foi reduzido em proveito da anaacutelise das relaccedilotildees que

envolviam todos os demais personagens A adaptaccedilatildeo mdash viagem dos Helmer aos Estados

Unidos e Nora fantasiada de Marilyn Monroe por exemplo mdash procurou tornar patente a

superficialidade dos valores da classe meacutedia que se constituiacuteam nas relaccedilotildees fetichistas no

mito da auto-realizaccedilatildeo e na ideacuteia do sucesso como configuraccedilatildeo do sujeito O espaccedilo cecircnico

vazio e branco com apenas um telatildeo no fundo bem como a trilha sonora e a iluminaccedilatildeo

serviu para comentar epicamente a accedilatildeo e esboccedilar o pano de fundo social Nessa perspectiva

o grupo aleacutem de romper com as tradicionais realizaccedilotildees dessa peccedila mdash que entre noacutes

privilegiavam exclusivamente os conflitos individuais das personagens mdash vai na contramatildeo

1 Cf Macksen Luiz ldquoTexto prejudicado pelo elencordquo Jornal do Brasil Rio de Janeiro 25 out 2004 Caderno B p 4

86

do pensamento de que o cunho social de Casa de boneca eacute antiquado e obsoleto refazendo

desse modo o percurso ou pelo menos uma das trilhas principais do teatro brasileiro da

deacutecada de 60

Acompanhando a trajetoacuteria das encenaccedilotildees de Ibsen no Brasil fica claro que elas se

identificaram em sua maior parte com a mentalidade burguesa dominante quer pela mera

representaccedilatildeo pela representaccedilatildeo que natildeo leva em conta nada aleacutem dos aspectos lucrativos

do espetaacuteculo quer pelo investimento maciccedilo no capricho das produccedilotildees que fascinam pela

beleza mas satildeo vazias de conteuacutedo quer pela falta de estudos teoacutericos a respeito do texto a

ser encenado dos quais se encontra muito distante a maioria dos nossos artistas preocupados

tatildeo somente em exibir seus ldquodotesrdquo interpretativos Por essas razotildees o teatro ldquoformalista e

abstrato da forma pela formardquo tatildeo criticado por Antunes Filho na deacutecada de 1970 continua

de algum modo a imperar na cena brasileira com exceccedilotildees claro de alguns artistas seja da

nova ou da velha geraccedilatildeo que se comprometem com a cultura e natildeo com o mercado

87

A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos

Apesar das constantes encenaccedilotildees mdash quase sempre as mesmas Casa de boneca Os

espectros e Hedda Gabler mdash natildeo se pode dizer que Ibsen tenha alcanccedilado popularidade

tampouco despertado grande interesse no Brasil No fim do seacuteculo XIX e comeccedilo do XX

momento de grande efervescecircncia e de muitas polecircmicas acerca de sua obra Artur Azevedo

Oscar Guanabarino Alfredo Pujol entre outros constituiacuteram a primeira frente de resistecircncia

ao teatro do norueguecircs Afeitos agraves convenccedilotildees da peccedila bem-feita esses criacuteticos consideraram

as peccedilas de Ibsen enfadonhas desprovidas de quaisquer qualidades dramaacuteticas obscenas e

degeneradas encorajando o incesto a desestruturaccedilatildeo familiar e o amor livre Por volta dos

anos 1920 Ibsen jaacute considerado um claacutessico da literatura dramaacutetica mundial passou a ser

visto no Brasil como autor de um teatro puramente literaacuterio que visava mais agrave leitura que agrave

representaccedilatildeo Sua obra considerada entatildeo de total ausecircncia de dramaticidade cecircnica e de

temas sombrios e obsoletos merecia figurar nas principais bibliotecas do paiacutes apenas como

um complemento necessaacuterio agrave formaccedilatildeo literaacuteria de nossos artistas Somente a partir de 1940

sob a forte influecircncia da criacutetica de Carpeaux mdash que deslocou o foco dos pressupostos sociais

do dramaturgo dito ultrapassados para a subjetividade das personagens mdash as peccedilas

ibsenianas voltariam a ser discutidas mesmo assim de uma maneira muito tiacutemida Desse

modo num primeiro momento entre 1940 e 1970 ainda sob o influxo das concepccedilotildees de

Carpeaux a obra de Ibsen seria vista como uma versatildeo moderna da trageacutedia grega abordando

o destino individual do heroacutei ibseniano que conhece o infortuacutenio em consequumlecircncia de algum

erro cometido no passado Num segundo momento com a valorizaccedilatildeo cada vez maior do

cunho individual e psicoloacutegico de seu teatro principalmente a partir de 1980 a realidade

interior das personagens seus conflitos e suas anguacutestias viriam a ser os principais aspectos de

interesse tornando-se a psicologia uma das estrateacutegias criacuteticas mais viaacuteveis para se analisar as

peccedilas do autor Enquanto muitos de nossos criacuteticos presos ao simples conteudismo das peccedilas

preocupavam-se em estabelecer o que era velho ou novo no teatro de Ibsen Ruggero Jacobbi

Oduvaldo Viana Filho Anatol Rosenfeld e Luiz Israel Febrot entre outros seguiram caminho

inverso Retomando uma a uma as principais ideacuteias correntes acerca de Ibsen esses

intelectuais procuraram reformulaacute-las com maior amplitude e equiliacutebrio levando em

consideraccedilatildeo a complexidade interna dos textos a natureza social e o papel decisivo da forma

dramaacutetica do autor

88

Ruggero Jacobbi mdash talvez um dos poucos diretores estrangeiros a aderir ao programa

internacional do realismo criacutetico dirigindo peccedilas como Estrada do tabaco em 1947 e A ronda

dos malandros em 1950 ambas no TBC mdash sobressaiu como teoacuterico historiador e criacutetico de

teatro trazendo novas luzes ao pensamento das artes cecircnicas brasileiras Em 1956 Jacobbi

publica seu primeiro livro no Brasil A expressatildeo dramaacutetica onde apresenta as linhas evolutivas

da dramaturgia partindo da Greacutecia passando por Goldoni Schiller e Ibsen ateacute chegar aos

perfis de personalidades teatrais como Moacutelnar Verneuil Renato Simoni Baty e Claudel O

escritor procede por siacutentese raramente demora-se na anaacutelise minuciosa da composiccedilatildeo de uma

peccedila Antes distingue em traccedilos breves e incisivos a fisionomia de um autor e seu momento

histoacuterico Em ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo Jacobbi enfatizou a importacircncia do dramaturgo na histoacuteria

do teatro mundial apresentando as questotildees esteacuteticas pontuais de sua obra que definiriam

novos rumos para a configuraccedilatildeo da dramaturgia moderna Nesse percurso sem perder de vista

os principais conceitos brasileiros sobre a obra de Ibsen o criacutetico procurou mostrar que o

dramaturgo embora introduzisse em suas peccedilas elementos liacutericos e simboacutelicos para ressaltar as

contradiccedilotildees internas das personagens fez tudo como ningueacutem antes dele para alargar os

limites do individualismo Em Casa de boneca por exemplo a libertaccedilatildeo individual e

psicoloacutegica de Nora natildeo constituiacutea o cerne da peccedila pois ainda segundo Jacobbi Ibsen tinha

exigecircncias maiores como ldquoinvestigar agressivamente a substacircncia praacutetica de certas situaccedilotildees da

sociedaderdquo1 Os conflitos das personagens ibsenianas portanto extrapolavam a esfera

individualista uma vez que estavam carregados de uma historicidade que natildeo se desfizera com

o tempo Para Jacobbi nenhum dos problemas que o autor colocara diante e dentro dos homens

perdera a atualidade Os malogros dos indiviacuteduos e os fracassos das ideologias continuavam a

caracterizar o nosso mundo em cujo limiar esteve e estaacute Ibsen Por isso natildeo lhe interessou

dissecar o trabalho do autor com o uacutenico fim de instituir agrave moda de Croce na Itaacutelia e Carpeaux

no Brasil o que era vivo ou morto em sua obra Preferiu ater-se agrave forma das peccedilas que ele

denominou de dramas de problemas por apresentar uma estrutura dialeacutetica que abria dentro de

cada assunto uma problemaacutetica infinita Aleacutem disso ele apontou a imprecisatildeo de nossa criacutetica

em aproximar a obra de Ibsen da trageacutedia grega sobretudo no que dizia respeito a noccedilatildeo de

destino e fatalidade ldquoA estrutura dialeacutetica estaacute sempre presente e potildee em evidecircncia todos os

lados do problema Em Ibsen como em Shakespeare todos tecircm razatildeo cada um eacute

infalivelmente o que eacute em toda a sua complexidade tanto que agraves vezes temos uma suspeita de

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 49

89

determinismo a qual teria fundamento se Ibsen natildeo tivesse uma confianccedila imensa nas

possibilidades do indiviacuteduo e natildeo exigisse dele muito ateacute demaisrdquo1

Agrave trageacutedia estaacute inerente um pano de fundo miacutetico bem como uma visatildeo que projeta os

conflitos humanos para uma dimensatildeo metafiacutesica Seus temas satildeo os conflitos inexoraacuteveis

eternos sem saiacuteda A isso se associa indissoluvelmente a sua organizaccedilatildeo o gesto grandioso

o tom solene a tendecircncia ao verso etc As peccedilas de Ibsen com seu realismo domeacutestico abalam

profundamente tal estrutura na medida em que ele trabalha com a prosa coloquial as

concepccedilotildees socioloacutegicas as relaccedilotildees financeiras que de maneira nenhuma se ajustam aos

alexandrinos e aos cinco atos da trageacutedia claacutessica Aleacutem disso as personagens ibsenianas

estatildeo condicionadas ao peso da histoacuteria seus conflitos satildeo ldquoresultados da pressatildeo do mundo

exterior ou mais exatamente do subsolo da realidade que se determina como existente isto

eacute da Histoacuteriardquo2 Um mundo absolutamente mediado a responsabilidade sendo de todos e de

ningueacutem jaacute natildeo comporta a grandeza do heroacutei traacutegico que sozinho define o destino de um

povo e assume toda a culpa integralmente Em Ibsen os protagonistas quase sempre natildeo

encontram a saiacuteda do dilema em que se debatem mas o dramaturgo sugere que a soluccedilatildeo

existe mormente no combate agrave hipocrisia da sociedade E eacute essa confianccedila na superaccedilatildeo da

crise que marca a impossibilidade da trageacutedia Descartada portanto a aproximaccedilatildeo das peccedilas

de Ibsen da trageacutedia Jacobbi conclui que a grande renovaccedilatildeo do teatro ibseniano aconteceu

no acircmbito da teacutecnica dramatuacutergica ldquoIbsen natildeo teve medo de escrever trecircs ou quatro atos de

tamanho normal ou de pocircr em cena dois criados conversando Sabia muito bem que o

problema era eacute outro que o que se havia perdido era o sentido concreto da personagem

dramaacuteticardquo3

Na deacutecada de 1960 assistiremos ao debate da intelectualidade de esquerda e do setor

teatral reclamando um espaccedilo para as encenaccedilotildees empenhadas na discussatildeo da realidade

brasileira Nessas circunstacircncias as peccedilas de Ibsen consideradas obsoletas e ultrapassadas

passam por uma importante reavaliaccedilatildeo criacutetica Vianinha uma das figuras mais expressivas

do teatro de agitaccedilatildeo e propaganda criacutetico ferrenho do ldquoesteticismordquo do TBC e de seu

descomprometimento com a dramaturgia nacional foi possivelmente o primeiro intelectual

brasileiro a questionar o modo como Ibsen vinha sendo encenado no Brasil Procurando

acompanhar as grandes mudanccedilas histoacuterico-sociais que repercutiam diretamente na esteacutetica

1 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica Satildeo Paulo MEC Instituto Nacional do Livro 1956 p 52 2 Ruggero Jacobbi ldquoIbsen atualrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 31 jan 1959 Suplemento literaacuterio n 118 p 5 3 Ruggero Jacobbi ldquoIntroduccedilatildeo a Ibsenrdquo A expressatildeo dramaacutetica p 58

90

teatral Vianinha apontava na obra de Ibsen a gecircnese de uma dramaturgia voltada para a

participaccedilatildeo do indiviacuteduo como agente diante das adversidades poliacutetica e social As

personagens ibsenianas desse modo longe de resignar-se aos desiacutegnios de justiccedila e verdade

que jaacute natildeo eram estaacuteveis e absolutos como na trageacutedia claacutessica debatiam-se entre seus anseios

e a sua consciecircncia eacutetica em meio aos valores estabelecidos pela sociedade Determinada a

viga mestra do teatro de Ibsen Vianinha criticava as montagens brasileiras de suas peccedilas cuja

preocupaccedilatildeo era apenas com o destino individual das personagens natildeo ultrapassando a

aparecircncia esteticista de um teatro que se desfazia em luzes cenaacuterio gestos e inflexotildees

Vianinha apontava ainda o disparate da burguesia nacional que era ldquoincapazrdquo de distinguir

nos produtos culturais que importava ldquooposiccedilatildeo e lutardquo Para Vianinha Ibsen e Pirandello

por exemplo pouco diziam pouco contribuiacuteam para a organizaccedilatildeo cultural da classe

dirigente que assistia aos dois autores sem notar diferenccedila alguma entre eles diferenccedilas que

modificariam ainda segundo ele os criteacuterios de comportamento do puacuteblico Nessa mesma

perspectiva Vianinha criticava a encenaccedilatildeo de Ibsen por Ziembinski ldquoNatildeo interessa mais o

que diz Ibsen nem transmitir Ibsen com toda a sua eficaacutecia Natildeo O puacuteblico natildeo precisa

modificaccedilatildeo Ziembinski volta para traacutes Quando chegou aqui tratava-se de dizer Ibsen

Agora trata-se de montar um belo espetaacuteculo Natildeo haacute mais ressonacircncia humana no

espetaacuteculo O teatro natildeo tem mais funccedilatildeo culturalrdquo1

Ainda na esteira das mudanccedilas essenciais da dramaturgia de Ibsen Anatol Rosenfeld

publica em 1965 O teatro eacutepico livro de valor inestimaacutevel para o ensaiacutesmo teatral brasileiro

sobretudo pela importacircncia de se esclarecer os conceitos e as teorias de Brecht num momento

em que se radicalizavam as propostas dos diversos movimentos de cultura popular do paiacutes Ao

relatar o processo histoacuterico desencadeado pela crise da forma dramaacutetica que culminaria anos

mais tarde com o aparecimento do teatro eacutepico de Brecht Rosenfeld apontou a dimensatildeo

eacutepica da obra de Ibsen que escapava agraves leituras entatildeo em voga Desse modo ele contribuiu

enormemente para se desfazer os impasses de nossa criacutetica que ora via Ibsen como um

grande ldquotraacutegico modernordquo ora como autor de ldquoromances dialogadosrdquo Primeiramente

Rosenfeld tratou de explicar que a obra ibseniana embora restringida agrave dramaturgia

tradicional jaacute anunciava pela temaacutetica o advento do teatro eacutepico Em linhas gerais o criacutetico

destacou a estrutura rigorosa das peccedilas mdash exposiccedilatildeo peripeacutecia cliacutemax e desenlace mdash sem

deixar de apontar para o elemento que subvertia a dramaacutetica pura o tempo passado Ele

alertou que a accedilatildeo decisiva em Ibsen natildeo se desenrolava na atualidade mas no passado Nesse

1 Oduvaldo Viana Filho ldquoQuatro instantes do teatro no Brasilrdquo In Fernando Peixoto (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983 p 48

91

ponto o teatro do escritor norueguecircs divergia da forma ldquoorgacircnicardquo do teatro aristoteacutelico uma

vez que o enredo deixava de narrar uma accedilatildeo conclusa As peccedilas definiam muito mais uma

conjuntura do que um desenvolvimento destinado a desenredar a trama Portanto as

recordaccedilotildees do passado mdash tema essencialmente eacutepico mdash dispersas no desenho das peccedilas

ibsenianas eacute que colaboraram para a dissoluccedilatildeo do drama E nisso estava a maestria da arte

de Ibsen que conseguia ldquoencobrir o tema eacutepico pela estrutura dramaacutetica atraveacutes de uma accedilatildeo

acessoacuteria que se desenvolve na breve atualidade de um ou dois diasrdquo1 Em seguida Rosenfeld

explicou as diferenccedilas entre Eacutedipo Rei de Soacutefocles e Os espectros de Ibsen tentando acabar

com o equiacutevoco da criacutetica sobretudo a de Carpeaux que costumava associar a obra ibseniana

agrave trageacutedia claacutessica Rosenfeld mostrou que as duas peccedilas foram construiacutedas rigorosamente

dentro do padratildeo da teacutecnica analiacutetica Em ambas a exposiccedilatildeo (a revelaccedilatildeo do passado)

constituiacutea quase toda a accedilatildeo da trama No entanto em Soacutefocles as revelaccedilotildees eram objetivas

ou seja o mito era conhecido do puacuteblico e o passado de Eacutedipo era revelado somente a ele

proacuteprio que desconhecia os seus crimes A personagem entatildeo era surpreendida pela

revelaccedilatildeo da verdade que natildeo ficava confinada no passado mas era atualizada Portanto o

tema de Eacutedipo natildeo era o tempo passado mas o destino terriacutevel do heroacutei que era o assassino do

pai o marido da matildee e o irmatildeo dos seus filhos Em Ibsen acontecia exatamente o contraacuterio A

accedilatildeo atual de Os espectros nada mais era que a ocasiatildeo de desvendar aos espectadores o

passado de Helena Alving o matrimocircnio infeliz mantido agrave custa das convenccedilotildees sociais As

revelaccedilotildees de Helena eram subjetivas na medida que suas confidecircncias eram feitas apenas ao

Pastor Manders E era por meio dele que o puacuteblico ficava sabendo os segredos da

protagonista Helena natildeo sofria o choque da descoberta da verdade uma vez que ela mesma

forjara o seu destino Assim o passado natildeo chegava a ser atualizado ele mesmo tornava-se o

assunto da peccedila por meio da exposiccedilatildeo de vidas malogradas Enquanto a mateacuteria de Soacutefocles

era dramaacutetica e traacutegica porque seu heroacutei resignava-se agraves deliberaccedilotildees dos deuses e oferecia ao

puacuteblico em seu sacrifiacutecio o efeito cataacutertico a de Ibsen era eacutepica porque estava delimitada ao

passado e agrave memoacuteria das personagens (esfera subjetiva)

Depois de estabelecido o problema formal da dramaturgia de Ibsen por Rosenfeld e

sob o impulso das primeiras montagens profissionais de suas peccedilas mdash que absurdamente soacute

ocorreram nos anos de 1960 mdash a obra ibseniana deixaria as prateleiras poeirentas das

bibliotecas para ser discutida nos principais perioacutedicos de cultura do paiacutes como o Suplemento

Literaacuterio drsquoO Estado de S Paulo o Caderno B do Jornal do Brasil a Revista de Teatro da

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 85

92

SBAT etc Seguindo de perto as indicaccedilotildees de Rosenfeld Luiz Israel Febrot criacutetico de teatro e

cinema publica entre 1966 e 1968 quatro ensaios no Suplemento Literaacuterio drsquoO Estado de S

Paulo mdash ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo ldquoHedda Gablerrdquo ldquoIbsen Atual - Irdquo e ldquoOs espectros satildeo

as velhas ideacuteiasrdquo mdash procurando analisar o tema baacutesico do teatro de Ibsen ou seja o passado

evocado atraveacutes do diaacutelogo das personagens Deixava-se de lado a preocupaccedilatildeo de ver em

Ibsen o modelo da carpintaria de efeito do teatro claacutessico passando-se agrave tentativa de

compreender os valores do passado que as peccedilas reconstituiacuteam e criticavam Para Febrot a

declaraccedilatildeo de que os temas do dramaturgo eram ultrapassados servia apenas como um

pretexto para se evitar a discussatildeo de problemas que desagradavam as ldquoplateacuteias bem

pensantesrdquo como a opressatildeo social a luta de classes a corrupccedilatildeo o preconceito as relaccedilotildees

espuacuterias mantidas por interesse etc Assim em seu ensaio sobre Um inimigo do povo ele

apontou a base sobre a qual se assentava a trama da peccedila a especulaccedilatildeo mercantil situaccedilatildeo

tiacutepica da sociedade de livre concorrecircncia A contaminaccedilatildeo das aacuteguas do balneaacuterio da cidade

do Dr Stockmann foi causada pela cobiccedila dos proprietaacuterios que exigiram que os

encanamentos passassem sob seus terrenos para assim receberem indenizaccedilotildees Os industriais

por sua vez natildeo desejavam gastar dinheiro tratando das aacuteguas que saiacuteam de suas faacutebricas

preferindo jogaacute-las diretamente no rio Portanto o maior inimigo da liberdade e da verdade

era segundo o criacutetico o dinheiro e os interesses por ele criados1

No ensaio sobre ldquoHedda Gablerrdquo Febrot discutiu o lugar-comum da criacutetica em ver na

personagem-tiacutetulo uma neurastecircnica dama do fim do seacuteculo XIX uma enfastiada da vida Ele

assinalou que para essa concepccedilatildeo muito contribuiacuteram a performance cheia de pompa de

atrizes mdash como Eleonora Duse mdash que se preocupavam com a interiorizaccedilatildeo da personagem

ressaltando-lhe as crises de histeria ofuscando assim a mensagem da peccedila Para furtar-se agrave

leitura psicoloacutegica de Hedda Gabler o criacutetico recorreu agrave coerecircncia de temas e propoacutesitos do

teatro do norueguecircs Ibsen compreendera que os princiacutepios de igualdade fraternidade e

liberdade propagados pela Revoluccedilatildeo Francesa beneficiavam apenas uma pequena parcela

da sociedade Em toda a sua obra o dramaturgo procurou mostrar a contradiccedilatildeo que existia

entre os ideais que a sociedade burguesa proclamava e o que realmente acontecia com os

homens Nesse sentido ver Hedda apenas como uma histeacuterica era diminuir o alcance da peccedila

era dizer apenas a metade e precisamente a mais visiacutevel e portanto a menos importante A

outra metade que se devia levar em consideraccedilatildeo ainda segundo Febrot era que a

personagem encarnava as caracteriacutesticas e os preconceitos burgueses Hedda era

1 Cf Luiz Israel Febrot ldquoIbsen e o Dr Stockmannrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 10 set 1966 Suplemento Literaacuterio n 494 p 5

93

convencional casou-se com Tesman para manter seu conforto material e sua posiccedilatildeo na

sociedade relacionava-se apenas com as pessoas de seu niacutevel social rejeitava a ligaccedilatildeo

amorosa com o juiz Brack natildeo por pudor ou princiacutepio mas por medo do escacircndalo E foi

justamente o pavor do escacircndalo que a levou ao suiciacutedio Para Febrot Hedda como

individualidade psicoloacutegica com determinados conceitos e preconceitos simbolizava uma

categoria social Desse modo as accedilotildees da personagem interessavam menos ldquoagraves revistas

meacutedicas do que aos estudos de sociologia poliacutetica e histoacuteriardquo1

Apesar dessas contribuiccedilotildees a maior parte de nossa criacutetica teatral mais do que nunca

submetida agrave mercantilizaccedilatildeo da cultura continuou a reproduzir as velhas concepccedilotildees sobre o

dramaturgo Detendo-se apenas na superficialidade dos textos sem interesse algum de se

analisar as relaccedilotildees histoacutericas e sociais das peccedilas geralmente relegadas ao campo dos

conteuacutedos nossos criacuteticos continuaram a ver Ibsen como um autor ultrapassado Mariacircngela

Alves de Lima por exemplo a propoacutesito da montagem de Casa de boneca pela companhia

de Tocircnia Carrero na deacutecada de 1970 declarava que o texto de Ibsen servia muito mais como

um documento da histoacuteria do teatro do que como uma forccedila atuante no presente ldquoSem

duacutevida o direito de se afirmar aleacutem dos limites de um papel social eacute uma aspiraccedilatildeo humana

permanente Entretanto a situaccedilatildeo especiacutefica que o texto de Ibsen coloca tem no seacuteculo XX

um reduzido poder de contestaccedilatildeordquo2 Aqueles que procuravam afirmar a atualidade do

dramaturgo enfatizavam os conflitos individuais das personagens sem levar em conta os

mecanismos de opressatildeo da sociedade burguesa que efetivamente era o que Ibsen pretendia

criticar Para Deacutecio Drummond a liberdade individual de Nora que estava ldquoacima e aleacutem de

qualquer circunstacircncia socialrdquo era o fator maior da perene atualidade de Ibsen3 Seguindo

essa mesma loacutegica Mariacircngela Alves de Lima depois de negar a modernidade do dramaturgo

em 1973 voltou atraacutes afirmando ser a cena final de Casa de boneca um ldquosiacutembolo de todos os

sonhos de liberdade individual aleacutem das malhas restritivas dos papeacuteis sociais determinadosrdquo4

A partir do final da deacutecada de 1970 a leitura de orientaccedilatildeo biograacutefica tornou-se uma

constante sendo apropriada tanto pelos nossos criacuteticos como pelos nossos artistas que

reproduziam fielmente nos comentaacuterios e nos programas de espetaacuteculo os estudos de Robert

Brustein mestre dessa vertente Adones de Oliveira jornalista drsquoO Estado de S Paulo por

1 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5 2 Mariacircngela Alves de Lima ldquoIbsen e seu reduzido poder de contestaccedilatildeordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 9 set 1973 3 Cf Deacutecio Drummond ldquoO gesto grandioso de Nora abandonando o lar para se cumprir como ser humanordquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 7 out 1973 Suplemento Literaacuterio n 845 p 5 4 Mariacircngela Alves de Lima ldquoEncenaccedilotildees constantes reafirmam atualidade de Ibsenrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 23 maio 1976

94

exemplo seguindo agrave risca as indicaccedilotildees de Brustein declarava ser o teatro de Ibsen resultado

de sua ldquovida interior e de seu ideal revolucionaacuteriordquo1 Como o criacutetico norte-americano ele

tambeacutem considerava as personagens ibsenianas como auto-retratos do dramaturgo Desse

modo o biografismo aleacutem de empobrecer o texto de Ibsen e de neutralizar o fluxo de

significados de suas peccedilas encobria as experiecircncias formais e os aspectos sociais presentes

em seu teatro Ao mesmo tempo o questionamento da histoacuteria dos valores burgueses da

hipocrisia social tatildeo buscados pelo dramaturgo passavam a ser vistos noutro plano como

relaccedilatildeo psicoloacutegica de Ibsen com sua obra ressaltando-se mais uma vez o cunho meramente

individualista de seu teatro Aliaacutes os meacutetodos psicanaliacuteticos de leitura sobretudo dos anos

1980 em diante comeccedilaram a ser cada vez mais aplicados agrave criacutetica das peccedilas ibsenianas

Utilizados sem muita cautela esses criteacuterios reduziram muitas vezes a riqueza do enredo das

personagens das situaccedilotildees dos planos externo e interno da obra por tomaacute-la apenas como

material para se diagnosticar as neuroses do autor e de suas personagens

Deacutecio de Almeida Prado ao analisar Hedda Gabler procurou explicar como Ibsen

deixando de lado a loacutegica da peccedila bem-feita que admitia o pressuposto do homem

inteiramente explicaacutevel criou personagens que natildeo podiam mais ser enquadradas dentro de

uma soacute perspectiva caso de Hedda Assim em ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo o criacutetico comeccedilou a

mostrar como a partir de Casa de boneca o autor abrira brechas na dramaturgia rigorosa ao

tratar de temas como o feminismo e a liberdade da mulher No caso de Hedda Gabler o

criacutetico alertou que a soluccedilatildeo dramaacutetica era mais avanccedilada Ibsen conservara intacto o rigor do

teatro aristoteacutelico a condensaccedilatildeo no tempo e no espaccedilo a subordinaccedilatildeo das partes ao todo o

enredo girando em torno de um uacutenico eixo etc mas retirara da peccedila a comunicaccedilatildeo com o

puacuteblico a anaacutelise dos fatos e das personagens seja atraveacutes do confronto entre os indiviacuteduos

seja por meio de um comentador arguto Desse modo ainda segundo o criacutetico Ibsen passava

do que se sabia sobre o indiviacuteduo ldquopara o que natildeo se consegue senatildeo conjeturar abrindo

caminho para a exploraccedilatildeo do irracional do inconsciente ou seja das camadas mais

profundas da personalidaderdquo2 Por isso a resposta agrave pergunta ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo soacute

poderia ser dada pelo acircngulo psicoloacutegico que apresentava segundo Deacutecio de Almeida Prado

um fato incontestaacutevel ldquoa personagem era destrutiva e autodestrutivardquo Somente a partir daiacute

outras hipoacuteteses poderiam ser levantadas desde que se conciliassem as diversas facetas de seu

temperamento De fato as peccedilas de Ibsen tratam de vidas malogradas Os indiviacuteduos por meio

1 Adones de Oliveira ldquoIbsen o pai do teatro de hoje faz 150 anosrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 19 mar 1978 2 Deacutecio de Almeida Prado ldquoQuem eacute Hedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 1 maio 1983 Caderno Cultura p 5

95

das recordaccedilotildees do passado encerram-se nas suas proacuteprias subjetividades isolam-se e

interrompem a situaccedilatildeo dialoacutegica Rosenfeld arriscou dizer que no dramaturgo jaacute ldquose

encontram os germes de um processo que iria pocircr em questatildeo a possibilidade do diaacutelogo inter-

humanordquo1 Natildeo haacute como negar que as personagens ibsenianas satildeo complexas natildeo

apresentando portanto contornos firmes e niacutetidos como na dramaturgia convencional No

entanto para natildeo se correr o risco de empobrecer a visatildeo da singularidade do teatro de Ibsen

haacute que se levar em consideraccedilatildeo a estrutura esteacutetica das peccedilas e tentar enxergar aleacutem do

conflito individual das personagens procurando analisar o contexto exterior e os impasses que

as oprimem Nesse sentido vale lembrar a primorosa anaacutelise de Febrot dessa mesma Hedda

Gabler Sem desconsiderar a realidade interior da personagem-tiacutetulo ele indicou um

importante aspecto da peccedila que talvez passasse desapercebido aos adeptos da psicanaacutelise

Hedda encarna os preconceitos e as ideacuteias do individualismo burguecircs eacute o ldquocaacutelculo que leva ao

carreirismo eacute o desejo de conforto antes e acima de tudo eacute a ambiccedilatildeo vatilde de prestiacutegio social eacute

o egoiacutesmo frio que esquece os demais inclusive famiacutelia e amigos Eacute a proacutepria inutilidade

socialrdquo2

As indicaccedilotildees de Deacutecio de Almeida Prado sobre o caraacuteter psicoloacutegico do teatro de

Ibsen tomadas sem as devidas precauccedilotildees mdash sugeridas aliaacutes pelo proacuteprio criacutetico mdash e os

estudos do psicanalista Wilhelm Reich entatildeo em voga contribuiriam para que se afigurasse

no centro das discussotildees de Ibsen apenas os conflitos existenciais de suas personagens

destituiacutedos de qualquer conjuntura maior seja esteacutetica ou social Essa situaccedilatildeo que de algum

modo perdura ateacute hoje corrobora equivocadamente o individualismo como o elemento

predominante da atualidade do dramaturgo deixando de lado as implicaccedilotildees materialistas e

desabusadas de sua obra que diga-se de passagem nunca perderam seu vigor Como

considerar ultrapassada a criacutetica do dramaturgo a um mundo comandado por lucro trabalho e

competiccedilatildeo Certamente os valores burgueses associados ao seu teatro e consolidados desde

a deacutecada de 1940 mdash prestiacutegio do vieacutes psicoloacutegico e refutaccedilatildeo da praacutetica poliacutetica e social de

suas peccedilas mdash ratificam esse estado de coisas Tanto eacute assim que ao se falar de Ibsen nossos

criacuteticos continuam reproduzindo os velhos chavotildees ora polemizam sobre a modernidade de

seus temas ora comparam a estrutura de suas peccedilas ao rigor do teatro claacutessico e ora

reafirmam a densidade psicoloacutegica de suas personagens Nessa perspectiva a recente

publicaccedilatildeo do livro de Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade fora o meacuterito

1 Anatol Rosenfeld ldquoIbsen e o tempo passadordquo O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000 p 88 2 Luiz Israel Febrot ldquoHedda Gablerrdquo O Estado de S Paulo Satildeo Paulo 22 out 1966 Suplemento Literaacuterio n 500 p 5

96

de se tratar do primeiro trabalho de focirclego sobre o dramaturgo no Brasil pouco trouxe de

novo para a reavaliaccedilatildeo de sua obra Haja vista que a autora procura mostrar ao longo de todo

o volume como as peccedilas de Ibsen foram contaminando-se de elementos abstratos e

subjetivos a ponto de abarcar ainda segundo Menezes ldquoo descontiacutenuo e contingente o

ambiacuteguo e o escorregadiordquo1 Depois de evidenciar nessa trajetoacuteria a ruptura do teatro de

Ibsen com os padrotildees dramaturgia convencional a autora passa a analisar o que ela denomina

de ldquoo novo sujeito da obra de Ibsenrdquo Apoiada nas teorias de Freud Tereza Menezes procura

trabalhar as principais caracteriacutesticas das personagens ibsenianas que seriam segundo ela os

limites da consciecircncia as irrupccedilotildees da irracionalidade a questatildeo da identidade as

possibilidades de elaboraccedilatildeo interior e os sujeitos precaacuterios Evidentemente que por ser o

recorte psicoloacutegico o enfoque de seu trabalho Menezes absteacutem-se de tratar do fator social da

obra ibseniana Entretanto a forma social do mundo se antepotildee aos propoacutesitos subjetivos das

personagens Justamente a configuraccedilatildeo social mdash engrenagem objetiva do teatro de Ibsen mdash

funcionando atraacutes das costas das personagens que definem suas intenccedilotildees e seus desejos mais

iacutentimos Portanto a tendecircncia de se interpretar e valorizar a obra ibseniana sem os devidos

cuidados em termos biograacuteficos e psicanaliacuteticos produz muitas vezes resultados

problemaacuteticos por ressaltar de maneira unilateral ou mesmo exclusiva aspectos pouco

relevantes para a compreensatildeo da validade esteacutetica de Ibsen

Por sua vez a criacutetica teatral de jornal limitada nos dias de hoje ao papel de

publicitaacuteria da cultura restringe sua tarefa mais agrave instacircncia de divulgaccedilatildeo dos espetaacuteculos do

que agrave funccedilatildeo analiacutetica No caso de Ibsen uma parte por causa do desinteresse de sua obra e

outra por causa da falta de bibliografia de apoio no nosso paiacutes os criacuteticos acabam

reproduzindo as ideacuteias mais do que conhecidas de autores como Carpeaux Brustein etc Mas

eacute claro que esses argumentos natildeo satildeo suficientemente vaacutelidos para se entender porque

privilegiam tais autores e descartam outros como Rosenfeld Vianinha e Febrot que tatildeo

lucidamente analisaram as peccedilas de Ibsen Essa questatildeo pode ser melhor compreendida se

levadas em conta as exigecircncias do mercado cultural que natildeo se interessa como dizia

Vianinha em ldquotransmitir Ibsen com toda a sua eficaacuteciardquo Os cadernos culturais dessa forma

ficam praticamente a reboque da conveniecircncia dos empresaacuterios de show business e dos

grandes patrocinadores dos espetaacuteculos tornando-se irrelevante discutir a peccedila que seraacute

encenada mas tatildeo somente informar o dia de estreacuteia o custo da montagem os aparatos

cecircnicos etc Assim a nossa criacutetica submetida agrave loacutegica do mercado acaba retornando agrave velha

1 Tereza Menezes Ibsen e o novo sujeito da modernidade Satildeo Paulo Perspectiva 2006 p 134

97

estruturaccedilatildeo dos artigos do final do seacuteculo XIX uma biografia breve do dramaturgo o resumo

da peccedila a descriccedilatildeo dos cenaacuterios e figurinos e a anaacutelise do desempenho dos atores

Nessas condiccedilotildees natildeo eacute de se admirar que a obra de Ibsen tenha sido ateacute hoje

traduzida apenas parcialmente para nossa liacutengua As primeiras traduccedilotildees de suas peccedilas soacute

apareceram na deacutecada de 1940 restringindo-se ao leque dos textos mais conhecidos o que

resultou no famigerado livro Seis dramas Apesar dos problemas gerados pela traduccedilatildeo

intermediaacuteria do francecircs esse volume continua sendo a principal fonte de consulta sobre o

dramaturgo Versotildees diretas do original norueguecircs apareceram somente nos anos 1990 com

as publicaccedilotildees ineacuteditas de O pequeno Eyolf e John Gabriel Borkman feitas por Karl Erik

Schoslashllhammer Entretanto essas peccedilas jaacute natildeo satildeo mais reeditadas o que ratifica de certo

modo a falta de interesse por Ibsen em nosso paiacutes Essa situaccedilatildeo estende-se como natildeo

poderia deixar de ser agrave sua fortuna criacutetica Estamos literalmente agrave margem das mais

interessantes contribuiccedilotildees estrangeiras sobre o autor Basta dizer que no exterior seu teatro

continua vivo e atuante seja pela encenaccedilatildeo contiacutenua de suas peccedilas pela fundaccedilatildeo de

institutos como Centre for Ibsen Studies na Noruega e The Ibsen Society of America nos

Estados Unidos que promovem conferecircncias seminaacuterios e cursos sobre o autor ou ainda pela

ediccedilatildeo de perioacutedicos especializados como os noruegueses Ibsen Studies e The Contemporany

Approaches to Ibsen e o norte-americano Ibsen News and Comment que jaacute reuniram uma

boa coletacircnea de pesquisas atuais sobre sua obra No Brasil no entanto Ibsen continua

beirando o esquecimento Mesmo na academia seu teatro parece natildeo ser digno de atenccedilatildeo

haja vista que soacute recentemente em 2000 sua obra foi tema de uma dissertaccedilatildeo a de Tereza

Menezes que resultou no livro mencionado anteriormente Ibsen e o novo sujeito da

modernidade

Nessa conjuntura cabe destacar a traduccedilatildeo em 2002 de duas obras que trazem

importantes reflexotildees sobre o dramaturgo Trageacutedia moderna de Raymond Williams

publicado pela editora Cosac amp Naify de Satildeo Paulo e Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e

Chekhov de Stella Adler editado pela Bertrand Brasil do Rio de Janeiro Em linhas gerais o

professor e criacutetico inglecircs Raymond Williams atraveacutes do retrospecto da histoacuteria das ideacuteias e

das representaccedilotildees acerca da proacutepria noccedilatildeo de trageacutedia procura avaliar como se constitui a

experiecircncia traacutegica em autores modernos como Ibsen Arthur Miller Strindberg OrsquoNeill

Tcheacutekhov Beckett e outros No caso do dramaturgo norueguecircs ele aponta uma nova

definiccedilatildeo de trageacutedia a ldquotrageacutedia liberalrdquo que surge a partir da consolidaccedilatildeo do capitalismo

transformando posiccedilatildeo social em distinccedilatildeo de classe ldquoposiccedilatildeo implicava ordem e conexatildeo

98

classe era apenas uma separaccedilatildeo no acircmbito de uma sociedade informe e indeterminadardquo1 Sob

essa perspectiva Williams aponta como numa forma e contexto novos Ibsen criou suas

peccedilas introduzindo a preocupaccedilatildeo burguesa com o dinheiro a intensidade romacircntica de

alienaccedilatildeo o desejo pervertido o reconhecimento social de instituiccedilotildees inertes e de crenccedilas

limitadoras Mergulhadas nesse ambiente as personagens de Ibsen ganharam a feiccedilatildeo de um

novo tipo de heroacutei Diferentemente do heroacutei da trageacutedia claacutessica para quem bastava a nobreza

de sofrimento as personagens ibsenianas requeriam a auto-realizaccedilatildeo e a liberdade num

mundo falso e hipoacutecrita este o verdadeiro inimigo do homem Portanto segundo Raymond

Williams a essecircncia da obra de Ibsen natildeo estaacute na ldquolibertaccedilatildeo individualistardquo de suas

personagens mas na exploraccedilatildeo dos modos pelos quais a sociedade burguesa apresenta os

obstaacuteculos para se realizar essa aspiraccedilatildeo Por sua vez o livro Stella Adler sobre Ibsen

Strindberg e Chekhov traz as transcriccedilotildees de aulas e palestras de uma das mais eminentes

atrizes do Group Theatre sobre esses trecircs dramaturgos modernos Stella Adler procura

apresentar Ibsen como o precursor do realismo no teatro que se posicionara contra as

hipocrisias da classe meacutedia Eacute assim que ela aponta os temas mais frequumlentemente trabalhados

pelo dramaturgo moral dinheiro casamento verdades e mentiras Nesse percurso Adler

procura definir o objetivo de Ibsen que segundo ela natildeo era lidar com os problemas pessoais

e privados de suas personagens mas ldquoretratar os estados de espiacuterito e os destinos de um ser

humano condicionados por situaccedilotildees sociais importantesrdquo2

Ibsen cria de maneira recorrente e com uma extraordinaacuteria riqueza de detalhes

situaccedilotildees que possibilitam uma relaccedilatildeo analiacutetica com a realidade ora pela compreensatildeo que a

personagem tem de ldquosi mesmardquo e do seu mundo ora pela criacutetica e ataque agrave sociedade Eacute desse

confronto de caracteriacutesticas muitas vezes tidas como excludentes entre si que parece nascer a

praacutetica comum de nossa criacutetica de tentar reduzir sua obra ora ao elemento social ora ao

aspecto romacircntico ou existencialista O ponto paciacutefico eacute que a mateacuteria do teatro de Ibsen eacute

constituiacuteda de lembranccedilas de um passado irremediavelmente perdido Difiacutecil eacute perceber quais

satildeo os instrumentos adequados para lidar com ela eacute entender por que as personagens do

dramaturgo natildeo satildeo heroacuteis nem vilotildees eacute compreender por que os valores do passado satildeo

examinados criticamente Algumas respostas jaacute foram dadas por criacuteticos como Alcacircntara

Machado Rosenfeld Vianinha e Febrot Em Ibsen os conflitos o teacutedio profundo e a crise das

personagens natildeo satildeo puras abstraccedilotildees e sim o resultado da opressatildeo de classe das relaccedilotildees de

1 Raymond Williams ldquoDe heroacutei a viacutetima a feitura da trageacutedia liberal para Ibsen e Millerrdquo Traduccedilatildeo de Betina Bischof Trageacutedia moderna Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002 p 127 2 Stella Adler ldquoHenrik Ibsenrdquo Stella Adler sobre Ibsen Strindberg e Chekhov Traduccedilatildeo de Socircnia Coutinho Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2002 p 76

99

conveniecircncia dos interesses gerados pelo dinheiro etc Portanto uma montagem ou uma

criacutetica que natildeo levem em conta esses aspectos privilegiando-se apenas o tratamento do

indiviacuteduo em seu psicologismo puro ou a defesa de uma tese torna-se problemaacutetica e

insatisfatoacuteria Haacute que se analisar o vazio e o fastio das personagens mas eacute preciso reconhecer

que esses fatores satildeo frutos da engrenagem anocircnima dos poderes sociais A questatildeo social em

Ibsen como bem jaacute demonstraram Rosenfeld Vianinha Raymond Williams e alguns outros

natildeo fornece apenas a mateacuteria que serve de veiacuteculo para conduzir sua corrente criadora ela

proacutepria eacute o elemento que atua na constituiccedilatildeo do que haacute de essencial em seu teatro

R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S

101

TRADUCcedilOtildeES DA OBRA DO AUTOR

TEATRO COMPLETO

IBSEN Henrik Drammi Presentazione di Arturo Farinelli Versione a cura di C Giannini e N Zoja 2 v Cernusco sul Naviglio Milano Garzanti 1946 (Il Milione Grandi Scrittori Stranieri)

______ Henrik Ibsen Saumlmtliche Werke Herausgegeben von Julius Elias und Paul Schlenther 5 v Berlin S Ficher Verlag [19--]

______ Teatro completo Tradution y notas de Else Wasteson Revision y proacutelogo de M Winaerts e Germaacuten Goacutemez de la Mata Madrid Aguilar 1959

______ The collected works of Henrik Ibsen Translated by William Archer 13 v New York Scribnerrsquos sons 1911-1914

______ The Oxford Ibsen Translated and edited by James Walter McFarlane 8 v London Oxford University 1960-1977

POESIA

IBSEN Henrik Ibsenrsquos poems Translated by John Northam Oslo Norwegian University Press 1986

______ Poems by Henrik Ibsen Translated by Brian Sourbut [New York] York Settlement Trust 1993

______ The collected poems of Henrik Ibsen Translated by John Northam Disponiacutevel em lthttpwwwibsennetid=26645gt Acesso em 20 jan 2007

CORRESPONDEcircNCIA

IBSEN Henrik Ibsen letters and speeches Edited by Evert Sprinchorn New York Hill and Wang 1964

______ Letters of Henrik Ibsen Translated by Mary Morison and John Nilsen Laurvik London New York Duffield 1905

______ Lettres de Henrik Ibsen a ses amis Traduit par Mme Martine Reacutemusat Paris Perrin 1906

102

BIOGRAFIAS

BALZEL Oscar Henrik Ibsen Leipizig Infel Bucherei sd

FERGUSON Robert Henrik Ibsen a new biography London Cohen 1996

KOHT Halvdan Life of Ibsen New York Benjamin Blom 1971

JAEligGER Henrik Henrik Ibsen a critical biography Chicago AC McClurg 1901

LOTHAR Rudolph Henrik Ibsen Leipzig E A Seemann 1902 (Dichter und Darsteller 8)

MEYER Hans-Georg Henrik Ibsen New York Frederick Ungar 1972 (World dramatists series)

MEYER Michael Ibsen a biography by Michael Meyer London Peguin Books 1971

LIVROS E TESES SOBRE O AUTOR

APOLLONIO Mario Ibsen Brescia Morcelliana 1944

BERTEVAL W Le theacuteacirctre drsquoIbsen Preacuteface du Comte Prozor Paris Perrin 1912

BLOOM Harold Modern critical views Philadelphia Chelsea 1999

BOETTCHER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1912

BONET Ofelia Machado Ibsen Montevideo sn 1966

BOYESEN Hjalmar Hjorth Commentary on the works of Henrik Ibsen New York Macmillan 1894

BRADBOOK Muriel Clara Ibsen the Norwegian a revaluation London Chatto amp Windus 1946

BRANDES Georg Henrik Ibsen Bjoslashrnstjerne Bjoslashrnson critical studies Revision e Introduction de William Archer New York Macmillan 1899

DEPPERMAN Maria et al (Orgs) Ibsen im europaumlischen Spannungsfeld zwischen Naturlismus um Symbolismus Frankfurt Peter Lang 1998

DOUMIC Reneacute De Scribe a Ibsen causeries sur le theacuteacirctre Paris Perrin 1896

DOWNS Brian W Ibsen the intellectual background New York Cambridge 1948

______ Modern Norwegian literature 1860-1918 Cambridge Cambridge University 1966

103

EGAN Michael Henrik Ibsen the critical heritage London Routledge 1997

EHRHARD Auguste Henrik Ibsen et le theacuteacirctre contemporain Paris Lecegravene Odin 1892 (Nouvelle Bibliothegraveque litteacuteraire)

FARINELLI Arturo Byron e Ibsen Milano Fratelli Booca 1944

FIRKINS Ina Ten Eyck Henrik Ibsena bibliography of criticism and biography with na index to characters New York London H W Wilson Company Grafton amp Company 1921 (Practical Bibliographies)

GRAVIER Maurice Ibsen Paris Seghers 1973

GRAY Ronald Ibsen a dissenting view a study of the last twelve plays London Cambridge 1977

HEIBERG Hans Ibsen a portrait of the artist London George Allen Unwin 1969

HOslashST Sigurd Henrik Ibsen Paris Stock 1924

JACOBBI Ruggero Ibsen la vita il pensiero i testi exemplari Milano Edizione Accademia 1972 (Il memorabili)

JACOBS M Ibsens Buumlhnentechnik Dresden Sibyllen-Verlag 1920

JANSEN ANNIE Ibsen el creador del teatro social Buenos Aires Claridad 1966

JOHNSTON Brian Text and supertext in Ibsenrsquos drama University Park Pennsylvania State University Press 1989

JORGENSONTHEODORE Henrik Ibsen a study in art and personality Northfield Minnesota St Olaf College 1948

KNIGHT WILSON G Ibsen Edinburgh Oliver and Boyd 1962

LA CHESNAIS Pierre Georget Brand drsquoIbsen eacutetude et analyse Paris Melloteacutee [19--] (Les Cheufs-drsquooeuvre de la Litteacuterature Expliqueacutes)

LAVRIN Janko Ibsen an approach London Methuen [1950]

LINGE Tore La conception de lrsquoamour dans le drama de Dumas fils et drsquoIbsen Paris H Champion 1935 (Bibliothegraveque de la Revue de Litteacuterature Compareacutee tome 110)

LOGEMAN H A commentary critical and explanatory on the Norwegian text of Henrik Ibsenrsquos Peer Gynt Its languageliterary associations and folklore The Hague Nijhoff 1917

LORIEacute OSSIP La philosophie sociale dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris Alcan 1900

104

LUGNEacute-POE Aureacutelien Ibsen par Lugneacute-Poe Paris Rieder 1936 (Maicirctres des Litteacuteratures 21)

MARKER Frederick J e Lise-Lone Ibsenrsquos lively art a performance study of the mayor plays New York Cambridge University 1989

MCFARLANE James Walter (Org) The Cambridge Companion to Ibsen New York Cambridge University 1994

______ Discussions of Henrik Ibsen Boston Heath 1962

______ Henrik Ibsen a critical anthology London Penguin 1970

______ Ibsen and the temper of Norwegian literature London Oxford 1960

NORTHAM John Ibsenrsquos dramatic method a study of the prose drama London Faber and Faber 1953

REINEDKER Friederike La femme dans le theacuteacirctre drsquoIbsen Paris F Alcan 1912

REQUE Dikka A Trois auteurs dramatiques scandinaves Ibsen Bjoslashrnson Strindberg devant la critique franccedilaise 1889-1901 Paris H Champion 1930

SAROLET Charles Henrik Ibsen eacutetude sur sa vie amp son oeuvre Paris Nilsson 1891

SHAPIRO Bruce G Divine madness and the absurd paradox Ibsenrsquos Peer Gynt an the philosophy of Kierkegaard New York Greenwood 1990 (Contributions in Drama and Theatre Studies 29)

SHAW George Bernard The quintessence of Ibsenism London Walter Scott 1891

SHEPHERD-BARR Kirsten Ibsen and early modernist theatre ndash 1890-1900 London Greenwood 1997

SLATAPER Scipio Ibsen Con un cenno su Scipio Slataper di Arturo Farinelli Torino Fratelli Bocca 1916 (Letterature Moderene Studi diretti da A Farinelli v 5)

TAM Kwok-kan Ibsen in China 1908-1997 a critical-annotated bibliography of criticism translation and performance Hong Kong Chinese University Press 2001

TEMPLETON Joan Ibsenrsquos women New York Cambridge University 1997

TENNANT P F D Ibsenrsquos dramatic technique Cambridge Bowes 1948

TISSOT Ernest Le drame norveacutegien Paris Perrin 1893

TORNQVIST Egil Ibsen A dollrsquos house Cambridge Cambridge University 1995

105

WEIGAND Hermann J The Modern Ibsen a reconsideration New York Henry Holt and Company 1925

ZAPPA Gabriella La fortuna di Ibsen in Italia (1891-1969) 1968 Tese (Doutorado em Letras) - Faculdade de Letras e Filosofia Universidade de Milatildeo Milatildeo

CAPIacuteTULO DE LIVROS SOBRE O AUTOR

ADORNO Theodor W ldquoExumaccedilatildeordquoldquoA verdade sobre Hedda Gablerrdquo In ______ Minima moralia reflexotildees a partir da vida danificada Traduccedilatildeo de Luiz Eduardo Bicca Satildeo Paulo Aacutetica 1993 p 79-82

ARCHER William ldquoIbsen and the English Theatrerdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 60-67

BENTLEY Eric ldquoTalking Ibsen personallyrdquo In ______ The theatre of commitment and others essays on drama in our society New York Atheneum 1967 p 98-118

BRECHT Bertold ldquoLes Revenants drsquoIbsenrdquo In ______ Eacutecrits sur le theacuteacirctre v 1 Paris LrsquoArche 1972 p 10-12

BREED Paul Francis SNIDERMAN Florence M ldquoIbsenrdquo In ______ Dramatic criticism index a bibliography of commentaries on playwrights from Ibsen to the avant-garde Detroit Gale Research 1972 p 314-334

BRUSTEIN Robert ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ O teatro de protesto Rio de Janeiro Zahar 1967 p 51-102

CASANOVA Ch de Bigault ldquoIbsen poetardquo In BRANDES Jorge Henrik IbsenTraduccedilatildeo e proacutelogo de Jose Liebermann Buenos Aires Tor 1965 p 157-188

FARIAS Javier ldquoEnrique Ibsenrdquo In ______ Historia del teatro Buenos Aires Atlandida 1944 (Coleccion Oro de Cultura General) p 210-211

FERGUSSON Francis ldquoGli Spettri e Il Giardino dei ciliegi il teatro del realismo modernordquo 1962 In ______ Idea di un teatro Milano Feltrinelli 1962 (Universale Economica) p 183-221

FREUD Sigmund ldquoArruinados pelo ecircxitordquo In ______ Ediccedilatildeo Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud v XIV Rio de Janeiro Imago 1974 p 351-356

GILMAN Richard ldquoIbsenrdquo In ______ Making of modern drama a study of Buchner Ibsen Strindberg Chekhov Pirandello Brecht Beckett Handke New York Farrar Straus Giraux 1975 p 45-82

106

GOLDMAN Emma ldquoThe scandinavian drama Henrik Ibsenrdquo In ______ The social significance of the modern drama Boston Richard G Badger The Gorham 1914

GUARDIA Alfredo de la ldquoCriacioacuten espiritual de Ibsenrdquo In ______ El teatro contemporaacuteneo Buenos Aires Editorial Schapire [1947] p 115-156

LUKAacuteCS Georg ldquoHenrik Ibsen tentativo di creare una tragedia borgheserdquo In ______ La genesi della tragedia borghese de Lessing a Ibsenv 2 Milano SugarCo 1977 p 115-156

LUMLEY Frederick ldquoThe drama since Ibsen and Shawrdquo In ______ New trends in 20th century drama a survey since Ibsen and Shaw New York Oxford University 1972 p 9-16

PITOEumlFF Georges ldquoIbsenrdquo In ______ Notre theacuteacirctre Paris Messages 1949

PLEKHANOV Georgy ldquoIbsen petty bourgeois revolutionistrdquo Traduccedilatildeo de Emily Kent Lola Sachs e Pearl Waskow In FLORES Angel Henrik IbsenNew York Critics Group 1937 Disponiacutevel em ltwww2cddcvtedumarxistscdcd1Libraryarchiveplekhanov1908xxibsenhtmgt Acesso em 05 maio 2007

SHAW George Bernard ldquoBefore and after Ibsen (1891)rdquo In HINCHLIFFE Arnald P (Org) Drama criticism developments since Ibsen London Macmillan 1979 (Casebook Series) p 68-71

TOUCHARD Pierre-Aime ldquoIbsen ou le theacuteacirctre reacutevolutionnairerdquo In ______ Dionysos apologie pour le theacuteacirctre Nouvelle eacutedition revue et augmenteacute Paris Seuil 1949 p 153-157

WILLIAMS Raymond ldquoHenrik Ibsenrdquo In ______ Drama from Ibsen to Brecht 2 ed London Hogarth 1971 p 33-74

PERIOacuteDICOS SOBRE O AUTOR

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn ldquoIbsenrsquos geniusrdquo American [Wiscosin]15 abr 1882

ARCHER William ldquoBreaking a butterflyrdquo Theatre London p 209-214 1 abr 1884

______ ldquoGhosts and Gibberingsrdquo Pall Mall Gazette London 8 abr 1891

ARESTAD Sverre ldquoThe iceman cometh and The wild duckrdquo Scandinavian Studies Society for the Advancement of Scandinavian Study n 20 p 1-11 1948

AVELING Edward ldquoNora and Breaking a butterflyrdquo To-day London p 473-480 maio 1884

AVELING Edward MARX-AVELING Eleanor ldquoThe woman question from a socialist point of viewrdquo The Westminster Review London jan 1886

107

BOYESEN Hjalmar Hjorth ldquoHenrik Ibsenrdquo The Century a popular quarterly New York v 9 p 794-796 mar 1890

BRANDES Georg ldquoIbsen en Francerdquo Cosmopolis revue internationale London Paris v 5 p 112-124 1897

FJELDE Rolf ldquoEugene OrsquoNeill and Henrik Ibsen struggle fate freedomrdquo Theater Three New York n 5 p 67-64 1988

HAGE Anne ldquoLuto e identificaccedilatildeo a propoacutesito de A casa de boneca de Henrik Ibsenrdquo Psicologia em Estudo Maringaacute v 10 n 2 p 283-287 maio-ago 2005

JAMES Henry ldquoIbsenrsquos new playrdquo Pall Mall Gazette London p 1-2 17 fev 1893

MAETERLINCK Maurice ldquoA propos de Solness le constructeurrdquo Figaro Paris 2 abr 1894

SCOTT Clement [sobreThe Master Builder] Daily Telegraph London p 3 21 fev 1893

______[sobre Rosmersholm] Truth London p 488-489 5 mar 1891

URSO Simona ldquoIbsen in Italiardquo Societagrave Italiana per lo studio della Storia Contemporanea Scene di fine Ottocento lrsquoItalia fin de siegravecle a teatro Seccedilatildeo Cantieri di Storia II Disponiacutevel em lthttpwwwsisscoitattivitasem-set-2003relazioniursortfgt Acesso em 20 jan 2007

WIEDNER Elsie M ldquoEmma Bovary and Hedda Gabler a comparative studyrdquo Modern Language Studies Susquehanna University v 8 n 3 p 56-64 1978

GERAL

ABREU Briacutecio de Eleonora Duse no Rio de Janeiro 1885-1907 Rio de Janeiro SNT MEC 1958

ALMEIDA PRADO Deacutecio de Teatro brasileiro moderno Satildeo Paulo Perspectiva 1988

ANDERSON Rasmus Bjoslashrn Life story Madison Wisconsin ediccedilatildeo do autor 1915

ANTOINE Andreacute Mes souvenirs sur le Theacuteacirctre Libre Paris Arthegraveme Fayard 1921

BIGEON Maurice Les reacutevolteacutes scandinaves Paris Grasilier 1894

BETTI Maria Siacutelvia Oduvaldo Vianna Filho Satildeo Paulo EDUSP 1997

BORDEAUX Henry La vie et lrsquoart ndash Acircmes modernes Paris Plon 1894

BOSI Alfredo ldquoPor um historicismo renovado reflexo e reflexatildeo na histoacuteria literaacuteriardquo In ______ Teresa revista de literatura brasileira n 1 Satildeo Paulo Ed34 2000

108

BOYESEN Hjalmar Hjorth Essays on Scandinavian literature London David Nutt 1895

BRANDAtildeO Cristina O Grande Teatro Tupi do Rio de Janeiroo teleteatro e suas muacuteltiplas faces Juiz de Fora UFJF OP COM 2005

BROCA Brito A vida literaacuteria no Brasil ndash 1900 Rio de Janeiro Joseacute Olympio 1960

CACCIAGLIA Mario Pequena histoacuteria do teatro no Brasil (quatro seacuteculos de teatro no Brasil) Traduccedilatildeo de Carla de Queiroz Satildeo Paulo EDUSP 1986

CAFEZEIRO Edwaldo GADELHA Carmem Histoacuteria do teatro brasileiro um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues Rio de Janeiro UFRJ 1996

CAIRO Luiz Roberto Velloso Introduccedilatildeo agrave teoria literaacuteria de Araripe Juacutenior um criacutetico

brasileiro precursor da vanguarda atual 1978 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguumliacutestica e

Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

______ O salto por cima da proacutepria sombra o discurso criacutetico de Araripe Juacutenior uma

leitura 1986 Tese (Doutorado em Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais) ndash Departamento de

Linguumliacutestica e Liacutenguas Orientais Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CANDIDO Antonio et al A personagem de ficccedilatildeo Satildeo Paulo Perspectiva 1968

CANDIDO Antonio Literatura e sociedade estudos de teoria e histoacuteria literaacuteria Satildeo Paulo Nacional 1965

CARLSON Marvin Teorias do teatro estudo histoacuterico-criacutetico dos gregos agrave atualidade Traduccedilatildeo de Gilson Ceacutesar Cardoso de Souza Satildeo Paulo UNESP 1997

CARPEAUX Otto Maria La litteacuterature breacutesilienne du bovarysme agrave lrsquoengagement In ______ Les Temps Modernes Le Breacutesil n 257 Paris octobre 1967

CARVALHO Seacutergio de O drama impossiacutevel teatro modernista de Antonio de Alcacircntara Machado Oswald de Andrade e Maacuterio de Andrade 2002 233 p Tese (Doutorado em Literatura Brasileira) ndash Departamento de Letras Claacutessicas e Vernaacuteculas Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

COSTA Inaacute Camargo A hora do teatro eacutepico no Brasil Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ Sinta o drama Rio de Janeiro Vozes 1998

CRAIG Edward Gordon Il mio teatro Introduzione e cura di Ferruccio Marotti Milano Feltrinelli 1971

109

DOacuteRIA Gustavo A Moderno teatro brasileiro Crocircnica de suas raiacutezes Rio de Janeiro SNT 1975

FARIA Joatildeo Roberto Ideacuteias teatrais o seacuteculo XIX no Brasil Satildeo Paulo Perspectiva FAPESP 2001

______ O teatro na estante estudos sobre dramaturgia brasileira e estrangeira Satildeo Paulo Ateliecirc Editorial 1998

______ O teatro realista no Brasil 1855-1865 Satildeo Paulo EDUSP Perspectiva 1993

FERRATON Hubert Syndicalisme ouvrier et social-deacutemocratie en Norvegravege Paris Armand Colin 1960

GOLDMAN Emma Anarchism and other essays New York Dover 1969

GOULD Jean Dentro e fora da Broadway o teatro moderno norte-americano Traduccedilatildeo Ana Maria M Machado Rio de Janeiro Bloch 1968

GRANIER Caroline Nous sommes des briseurs des formules Les eacutecrivains anarchistes en France agrave la fin du dix-neuviegraveme siegravecle 2003 Tese (Doutorado em Letras Modernas) ndash Universiteacute de Paris VIII ndash Vincennes ndash Saint-Denis Paris

GUERRA Marco Antocircnio Histoacuteria e dramaturgia em cena Carlos Queiroz Telles (deacutecada de 70) 1984 2 v Tese (Doutorado em Comunicaccedilatildeo) ndash Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

GUINSBURG J FARIA Joatildeo Roberto LIMA Mariacircngela Alves de (Orgs) Dicionaacuterio do teatro brasileiro temas formas e conceitos Satildeo Paulo Perspectiva SESC Satildeo Paulo 2006

GUZIK Alberto TBC crocircnica de um sonho Satildeo Paulo Perspectiva 1986

HALLEWELL Laurence O livro no Brasil sua histoacuteria Traduccedilatildeo de Maria da Penha Villalobos Loacutelio Lourenccedilo de Oliveira e Geraldo Gerson de Souza Satildeo Paulo EDUSP 2005

HAUGSTOL H VERGEL J This is Norway Oslo Arne Gimmes Forlag 1949

HOBSBAWN Eric J A Era do Capital 1848-1875 Rio de Janeiro Paz e Terra 1996

______ A Era dos Impeacuterios 1875-1914 Rio de Janeiro Paz e Terra 2002

HYMAN Erin Williams ldquoTheatrical terror attentats and symbolist spectaclerdquo The comparatist The University of North Carolina Press v 29 p 101-122 maio 2005

LEITE Pedro Sisnando Escandinaacutevia modelo de desenvolvimento democracia e bem-estar Satildeo Paulo HUCITEC 1982

LEMAIcircTRE Jules Impressions de theacuteacirctre 10 v Paris Socieacuteteacute Franccedilaise 1891-1897

110

LOMBROSO Cesare LrsquoUomo di genioTorino Fratelli Bocca 1894

LOMBROSO Cesare FERRERO William The female offender New York Philosophical Library 1958

LUKAacuteCS Georg Il drama moderno Milano SugarCo 1976

______ Marxismo e teoria da literatura Traduccedilatildeo de Carlos Nelson Coutinho Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 1968

______ Teoria do romance uma ensaio histoacuterico-filosoacutefico sobre as formas da grande eacutepica Satildeo Paulo Duas Cidades Ed 34 2000

MAGALDI Saacutebato VARGAS Maria Thereza Cem anos de teatro em Satildeo Paulo (1875-1974) Satildeo Paulo SENAC 2000

MAGALDI Saacutebato Panorama do teatro brasileiro Satildeo Paulo Difel 1962

MARTINS Maria Helena (Org) Rumos da criacutetica Satildeo Paulo SENAC Itauacute Cultural 2000

MARTINS Wilson A criacutetica literaacuteria no Brasil 2 v Rio de Janeiro Francisco Alves 1983

MEYERHOLD Vsevolod Meyerhold on theatre Translated by Edward Braun New York Hill and Wang 1969

MILAREacute Sebastiatildeo ldquoDossiecirc Renato Vianardquo Revista Eletrocircnica Teatral Antaprofana Seccedilatildeo AntaBauacute Disponiacutevel em lthttpwwwantaprofanacombrmateria_atualaspmat=176gt Acesso em 20 jan 2007

MORAES Alexandre Lara de Indiviacuteduo e resistecircncia sobre a anulaccedilatildeo da individualidade e a possibilidade de resistecircncia do indiviacuteduo em Adorno e Horkheimer Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Filosofia) Instituto de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Estadual de Campinas Campinas

NAESS Harald S A history of Norwegian literature London University of Nebraska 1993

NEVES Larissa de Oliveira O teatro Artur Azevedo e as crocircnicas da Capital Federal (1894-1908) 2002 2 v Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Teoria Literaacuteria) ndash Instituto de Estudos da Linguagem Universidade Estadual de Campinas Campinas

NOCCIOLI Guido Duse on Tour Guido Nocciolirsquos Diaries 1906-1907 Translated by Giovanni Pontiero Manchester Manchester University Press 1982

NORDAU Max Deacutegeacuteneacuterescence 2 v Paris Alcan 1893-94

PAVIS Patrice Dicionaacuterio de teatro Traduccedilatildeo de J Guinsburg e Maria Luacutecia Pereira Satildeo Paulo Perspectiva 1999

111

PEREIRA Sidecircnia Freire O teleteatro da TV TUPI em Satildeo Paulo origens e contribuiccedilotildees na

teledramaturgia nacional 2004 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Comunicaccedilatildeo e Arte) ndash

Departamento de Comunicaccedilatildeo e Arte Escola de Comunicaccedilatildeo e Arte Universidade de Satildeo

Paulo Satildeo Paulo Satildeo Paulo

PEIXOTO Fernando (Org) Vianinha teatro televisatildeo poliacutetica Satildeo Paulo Brasiliense 1983

PIVOT Sylvain Norvegravege Paris Seuil 1960 (Collection Petite Planegravete)

RAULINO Berenice Ruggero Jacobbi presenccedila italiana no teatro brasileiro Satildeo Paulo Perspectiva 2002

ROSENFELD Anatol O teatro eacutepico Satildeo Paulo Perspectiva 2000

______ Prismas do Teatro Satildeo Paulo Perspectiva EDUSP UNICAMP 1993

SARCEY Francisque Quarante ans de theacuteacirctre 8 v Paris Bibliothegraveque des Annales Politiques et Litteacuteraires 1900-1902

SILVA Flaacutevio Luiz Porto e (Org) O teleteatro paulista nas deacutecadas de 50 e 60 Satildeo Paulo Secretaria Municipal de Cultura Departamento de informaccedilatildeo e documentaccedilatildeo artiacutesticas Centro de documentaccedilatildeo e informaccedilatildeo sobre arte brasileira contemporacircnea 1981 (Cadernos 4)

STOVERUD T Milestones of Norwegian Literature Oslo Johan Grundt Tanum Forlag 1967

SZONDI Peter Teoria do drama moderno (1880-1950) Traduccedilatildeo de Luiz Seacutergio Repas Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2001

VENTURA Mauro de Souza Mentalidade barroca e interpretaccedilatildeo a criacutetica literaacuteria de Otto Maria Carpeaux 2000 215 p Tese (Doutorado em Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada) ndash Departamento de Teoria Literaacuteria e Literatura Comparada Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

VENTURA Roberto Estilo tropical histoacuteria cultural e polecircmicas literaacuterias no Brasil 1870-1914 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1991

WAIZBORT Maria do Carmo Malheiros Um diaacutelogo criacutetico Otto Maria Carpeaux e as ldquociecircncias do espiacuteritordquo 1992 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Literatura Brasileira) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

This document was created with Win2PDF available at httpwwwwin2pdfcomThe unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use onlyThis page will not be added after purchasing Win2PDF

  • Ibsen no Brasil Historiografia Seleccedilatildeo de textos criacuteticos e Cataacutelogo bibliograacutefico
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • IacuteNDICE
  • I N T R O D U Ccedil Atilde O
  • Ibsen e a construccedilatildeo da dramaturgia moderna
  • As primeiras encenaccedilotildees
  • Um claacutessico imperfeito
  • Otto Maria Carpeaux e a modernidade de Ibsen
  • Entre o teatro amador e o profissional
  • A moderna criacutetica brasileira avanccedilos e retrocessos
  • R E F E R Ecirc N C I A S B I B L I O G R Aacute F I C A S
Page 8: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 9: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 10: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 11: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 12: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 13: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 14: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 15: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 16: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 17: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 18: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 19: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 20: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 21: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 22: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 23: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 24: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 25: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 26: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 27: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 28: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 29: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 30: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 31: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 32: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 33: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 34: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 35: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 36: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 37: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 38: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 39: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 40: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 41: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 42: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 43: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 44: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 45: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 46: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 47: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 48: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 49: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 50: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 51: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 52: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 53: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 54: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 55: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 56: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 57: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 58: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 59: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 60: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 61: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 62: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 63: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 64: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 65: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 66: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 67: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 68: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 69: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 70: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 71: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 72: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 73: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 74: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 75: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 76: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 77: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 78: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 79: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 80: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 81: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 82: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 83: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 84: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 85: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 86: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 87: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 88: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 89: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 90: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 91: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 92: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 93: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 94: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 95: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 96: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 97: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 98: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 99: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 100: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 101: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 102: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 103: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 104: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 105: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 106: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 107: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 108: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 109: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 110: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 111: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave:
Page 112: Ibsen no Brasil - USP · Antonio de Alcântara Machado, Otto Maria Carpeaux e Anatol Rosenfeld, que deram uma nova orientação para a leitura das peças de Ibsen. Palavras-chave: