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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ JULIANA PINHEIRO DA SILVA O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS NORMATIVOS DE EFEITOS CONCRETOS SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL São José 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

JULIANA PINHEIRO DA SILVA O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS

NORMATIVOS DE EFEITOS CONCRETOS SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

São José

2009

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JULIANA PINHEIRO DA SILVA O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS

NORMATIVOS DE EFEITOS CONCRETOS SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior

São José 2009

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JULIANA PINHEIRO DA SILVA

O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DOS ATOS NORMATIVOS DE EFEITOS CONCRETOS SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Constitucional

São José, 16 de junho de 2009.

Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior UNIVALI – Campus de

Orientador

Bel. Daniel Lena Marchiori Neto Universidade Federal de Santa Catarina

Membro

Prof. MSc. Rodrigo Mioto dos Santos UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Aos meus avós, à minha mãe e àqueles

que me apoiaram nesta caminhada.

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe e toda minha família que, com muito carinho e sensibilidade,

me ajudaram e não mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de

minha vida.

Ao meu namorado, Livanos, pelo apoio, compreensão e incentivo nas horas

em que eu achava não ser possível chegar à conclusão desta monografia.

Ao professor e orientador Luiz Magno por sua paciência em todo o curso do

desenvolvimento deste trabalho.

Aos amigos e colegas que compreenderam os momentos em que estive

ausente, e ainda assim me incentivaram e apoiaram constantemente.

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“A Constituição emerge do constitucionalismo. Mas que coisa é

o constitucionalismo? Neste lugar, devemos contentarmo-nos

com afirmar que é um produto perfeito do racionalismo jurídico,

social e político.”

Jorge Miranda

“Não há proposição mais evidente verdadeira do que esta –

todo ato de uma autoridade delegada, contrário aos termos da

delegação em virtude da qual concedeu essa autoridade, é

nulo. Conseqüentemente, nenhum ato legislativo, infringente da

Constituição, pode ser válido. Nega-lo importaria em afirmar

que o delegado é superior ao comitente; que o servo pode mais

que o senhor; que os representantes do povo têm mais

faculdades que o próprio povo; que homens que obram em

virtude de poderes conferidos, podem fazer não só o que os

poderes outorgados não autorizam como o que proíbem.”

Pedro Lessa

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 16 de junho de 2009.

Juliana Pinheiro da Silva

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RESUMO

O objetivo do presente trabalho é analisar a evolução jurisprudencial do Supremo

Tribunal Federal no tocante à admissibilidade de exame das chamadas “leis de

efeitos concretos” ou “leis meramente formais” em sede de fiscalização abstrata de

constitucionalidade. Conquanto tais atos normativos não preencheriam os atributos

inerentes à idéia de lei (quais sejam: a generalidade, abstração, permanência e

inovação), há inúmeros instrumentos normativos de inegável relevância que se

encontram desprovidos de um ou mais destes atributos. Esta discussão teórica

ganha mais proeminência com a constatação de que o STF vinha excluindo, da sua

apreciação em sede de controle abstrato, a discussão sobre a sua

(in)constitucionalidade, posicionamento este que, até recentemente, era pacificado

por parte daquela Corte. Esta pesquisa pretende trazer à tona as objeções

doutrinárias sofridas por esta interpretação jurisprudencial e identificar as bases que

sedimentaram o caminho para a transformação jurisprudencial do enfrentamento

desta questão pelo STF. Ao final, chega-se ao ponto principal do presente estudo,

que é examinar a recente decisão em medida cautelar do Supremo Tribunal Federal,

na ADI-MC nº 4.048/DF, a qual aponta para uma mudança significativa de

posicionamento sobre a matéria. Destarte, o impacto decorrente desta decisão no

controle abstrato de constitucionalidade encontra-se do fato de que várias leis

primárias poderão ser objetos do referido controle, de acordo com o que profere o

relator em seu voto.

Palavra-chave : controle abstrato de constitucionalidade; ato normativo de efeitos

concretos; generalidade e abstração.

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ABSTRACT

This monograph purpose is analyze the evolution of the Supremo Tribunal Federal

case-law regarding the admissibility to appreciate, through its abstract norm control

instruments, the validity of the statues known as “concrete effects rules” or “merely

formal statutes”. These statutes do not fulfill the requirements classically identified to

the idea of law, such as: generality, abstraction, permanency and innovation.

Although, so many statutes do not have at least one of these requirements. This

situation makes so hard to define which statute is provided of “concrete efects”. This

theoretical discussion gains more salience with the finding that the STF was

excluding, in the abstract norm control, the analysis about eventual

unconstitutionality of that kind of enactment. This position was peacefully recognized

until 2008. This research is supposed to demonstrate doctrinal objections affected by

this interpretation and indentify the bases contributed for the transformation that

occurred in STF. At the end, this study reaches the main point, which is examine the

recent decision, given as precaution measure, in the ADI-MC n. 4.084/DF, by the

STF. This precedent indicates a relevant changing in the position that has being

adopted. So, this decision impact, in the abstract norm control, is in the fact that

many primary statutes would be object of this kind of norm control.

Key-words: abstract norm control; concrete effects statutes; generality and

abstraction.

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ROL DE ABREVIATURAS

art. – artigo

ADC – Ação declaratória de constitucionalidade

ADC-MC – Ação declaratória de constitucionalidade com pedido de medida cautelar

ADECON – Ação declaratória de constitucionalidade

ADI – Ação direta de inconstitucionalidade

ADI-MC – Ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar

ADPF – Ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental

AgR. – Agravo regimental

AL - Alagoas

CF – Constituição Federal

CTN – Código Tributário Nacional

DF – Distrito Federal

EC – Emenda Constitucional

ed. – edição

MC – Medida cautelar

Min. – Ministro

MT – Mato Grosso

p. – página

PA – Pará

PE – Pernambuco

PI – Piauí

QO – Questão de ordem

SP – São Paulo

STF – Supremo Tribunal Federal

Rcl. – Reclamação

RE – Recurso Extraordinário

RJ – Rio de Janeiro

RS – Rio Grande do Sul

SE – Sergipe

TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13

1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTROLE ABSTRATO DE

CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO ..................... ...........................................15

1.1 FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ....................15

1.2 MODELOS DE CONTROLE JUDICIAL DAS LEIS..............................................18

1.2.1 O modelo americano de fiscalização........... .................................................18

1.2.2 O modelo austríaco de fiscalização........... ...................................................20

1.3 EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO .....22

1.3.1 Controle difuso.............................. .................................................................22

1.3.2 Representação interventiva................... ........................................................24

1.3.3 Implantação do controle abstrato............. ....................................................25

1.3.3.1 Representação de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da República.

..................................................................................................................................25

1.3.3.2 A ampliação e o fortalecimento do controle abstrato.....................................26

1.4 MODALIDADES DE AÇÕES DE CONTROLE ABSTRATO NO BRASIL............28

1.4.1 Ação direta de inconstitucionalidade - ADI... ...............................................28

1.4.1.1 Por ação ........................................................................................................28

1.4.1.2 Por omissão ..................................................................................................30

1.4.2 Ação declaratória de constitucionalidade – AD C ou ADECON ..................31

1.4.3 Ação por descumprimento de preceito fundament al - ADPF.....................34

1.5 CARACTERÍSTICAS DO CONTROLE ABSTRATO BRASILEIRO.....................37

1.5.1 Natureza objetiva do controle ................ .......................................................37

1.5.2 Legitimação ativa ............................ ...............................................................38

1.5.3 Objeto das ações............................. ...............................................................41

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1.5.4 Efeitos da decisão: erga omnes e vinculante .. ............................................43

2 DEMARCAÇÃO DO CONTEÚDO E DO ALCANCE DAS CHAMADAS LEIS

MERAMENTE FORMAIS OU LEIS DE “EFEITOS CONCRETOS”... ......................47

2.1 “IDÉIA DE LEI” E FUNÇÃO LEGISLATIVA ..........................................................47

2.2 ELEMENTOS DA NORMATIVIDADE DO ATO LEGISLATIVO: GENERALIDADE,

ABSTRAÇÃO E INOVAÇÃO/PERMANÊNCIA ..........................................................51

2.3 ATO NORMATIVO PARA FINS DE CONTROLE JUDICIAL ................................54

2.3.1 Lei em sentido formal e em sentido material.. .............................................56

2.3.2 Ato normativo primário e ato normativo secund ário ..................................57

2.4 ATOS NORMATIVOS SUJEITOS À FISCALIZAÇÃO ABSTRATA PELA

JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ...........59

2.4.1 Atos legislativos primários dotados de normat ividade ..............................60

2.4.2 Atos normativos secundários “autônomos” ...... .........................................69

3 MUDANÇA JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDER AL ...........72

3.1 ATOS LEGISLATIVOS PRIMÁRIOS DESPOJADOS DE NORMATIVIDADE: LEIS

MERAMENTE FORMAIS OU DE EFEITOS CONCRETOS.......................................72

3.2 CRÍTICA DOUTRINÁRIA.....................................................................................76

3.2.1 Controle das leis de efeito concreto e das no rmas de estrutura ...............77

3.2.2 “Abstrato é o controle e não o objeto”....... ..................................................78

3.2.3 Argumento pragmático ......................... .........................................................79

3.3 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AMPLIAÇÃO DO CONTROLE DE LEIS DE EFEITOS CONCRETOS.......................80

3.3.1 O controle de leis com destinatários determin áveis...................................81

3.3.2 O controle de leis de efeitos concretos com “ contornos abstratos e

autônomos” – ADI nº 2.925/DF....................... ........................................................84

3.4 ANÁLISE DA ADI-MC Nº 4.048/DF DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..........89

CONCLUSÃO .......................................... .................................................................94

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INTRODUÇÃO

A questão principal do presente estudo gira em torno da admissibilidade,

pelo Supremo Tribunal Federal, de apreciação de “leis de efeitos concretos” ou “leis

meramente formais” via controle abstrato de constitucionalidade. Tal assunto

apresenta relevância, pois existe grande quantidade de leis primárias que ficam fora

do âmbito de atuação da fiscalização abstrata de constitucionalidade, uma vez que o

STF vinha entendendo que essas normas não eram dotadas dos elementos de

generalidade, abstração, inovação e permanência, que caracterizavam um ato

normativo. Desta maneira, a partir de uma mudança jurisprudencial, está-se diante

da possibilidade de ampliar o número de leis de “efeitos concretos” que podem ser

expurgadas do ordenamento jurídico através de ação direta de inconstitucionalidade.

Importante destacar que nesta pesquisa será utilizado, preponderantemente,

o método indutivo. Sua finalidade precípua consiste em fazer generalizações sobre a

delimitação jurisprudencial conferida à expressão “lei de efeitos concretos”, como

fator impeditivo de apreciação das normas no controle abstrato de

constitucionalidade. A ênfase, portanto, será na identificação de diretrizes

jurisprudenciais definidas pela Corte e uma análise sobre o grau de coerência das

decisões ulteriores ao aplicarem os critérios anteriormente definidos na identificação

das leis de efeitos concretos.

Assim, o objetivo deste estudo é analisar a evolução jurisprudencial do

Supremo Tribunal Federal no tocante à admissibilidade de exame das chamadas

“leis de efeitos concretos” ou “leis meramente formais” em sede de fiscalização

abstrata de constitucionalidade.

O primeiro capítulo dedica-se exclusivamente a tratar de questões que de

modo geral deram origem ao controle abstrato. Para isto, foram expostos os

fundamentos e características do modelo americano de constitucionalidade, bem

como do modelo austríaco e, foram tratados, também, o princípio da supremacia e a

rigidez constitucional, os quais justificam a existência do controle de

constitucionalidade como instrumento de salvaguarda da constituição.

A transformação da fiscalização de constitucionalidade no Brasil fez parte

deste capítulo, desde a Constituição de 1891 até as recentes alterações

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constitucionais decorrentes da EC n. 45/04, bem como cada uma das ações que

compõem o processo objetivo constitucional.

Já o segundo capítulo teve o intuito de analisar os elementos formadores de

um ato normativo, quais sejam: a generalidade, abstração, inovação e permanência.

A fim de cumprir com o objetivo proposto, este tópico apresentou como surgiu a idéia

de lei e de Estado, destacando o primado da função legislativa, pois é a partir dela

que nascem as leis em sua acepção moderna.

Por fim, o terceiro capítulo cuida de expor os termos e condições que

fizeram com que o Supremo Tribunal Federal mudasse seu entendimento a respeito

da possibilidade de submeter as chamadas leis primárias de “efeitos concretos” ao

controle abstrato de constitucionalidade por via de ação direta.

A fim de cumprir tal objetivo serão abordadas as duas críticas doutrinárias

mais fortes sobre a não admissibilidade do STF em relação às lei mencionadas. Em

seguida, a evolução jurisprudencial da Suprema Corte será apresentada em três

fases, sendo a última a análise da ADI-MC n. 4.048/DF do STF, objeto principal de

pesquisa do presente trabalho, através da qual o STF mudou significativamente seu

posicionamento, passando a admitir o controle de “leis de efeitos concretos” através

de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

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1 NOÇÕES GERAIS SOBRE O CONTROLE ABSTRATO DE

CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

Este primeiro capítulo visa proporcionar ao leitor um panorama geral sobre a

sistemática do controle de constitucionalidade brasileiro.

Aqui serão expostos os fundamentos e a origem da fiscalização de

constitucionalidade. Como fundamentos, a supremacia e a rigidez constitucional

farão parte do presente estudo, bem como, no que diz respeito à origem, serão

demonstradas suas particularidades, características gerais e o modo de formação

dos dois principais modelos de fiscalização que fizeram o controle de

constitucionalidade brasileiro ser chamado de híbrido: o modelo americano e

austríaco.

Feito isto, caberá demonstrar a evolução brasileira no que diz respeito ao

controle de constitucionalidade, sendo apresentados, em tópicos, os marcos desde a

Constituição de 1891 até a atual sistemática constitucional.

Serão pontualmente abordadas as principais características das ações que

compõem o processo objetivo de controle de constitucionalidade, quais sejam:

hipóteses de cabimento, aspectos procedimentais, legitimação ativa e os efeitos das

decisões.

Ao final, as características inerentes ao controle abstrato/concentrado de

constitucionalidade brasileiro a fim de evidenciar os traços inerentes ao conceito de

processo objetivo.

1.1 FUNDAMENTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

Antes de adentrar especificamente na origem do controle de

constitucionalidade, torna-se relevante destacar a existência de dois de seus

fundamentos: a supremacia e a rigidez constitucional.

Luís Roberto Barroso ensina que a supremacia diz respeito à posição

hierárquica mais elevada da Constituição, uma vez que é ela quem fundamenta a

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validade de todas outras normas. Dessa forma, nenhuma lei ou ato normativo

poderá permanecer no ordenamento jurídico se estiver em confronto com a

Constituição. 1

Extrai-se de sua doutrina a seguinte lição:

O princípio da supremacia da Constituição é fundamento da própria existência do controle de constitucionalidade, uma de suas premissas lógicas. Não pode, portanto, ser afastado ou ponderado sem comprometer a ordem e unidade do sistema. 2

José Afonso da Silva, sobre a supremacia da Constituição, leciona:

Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. 3

Já a rigidez constitucional exige que a norma constitucional, para que seja

um parâmetro de validade de outros atos normativos, tenha um método de

preparação distinto e mais complexo do que aquele capaz de gerar normas

infraconstitucionais. 4

Sobre rigidez constitucional, Luís Roberto Barroso instrui que “se as leis

infraconstitucionais fossem criadas da mesma maneira que as normas

constitucionais, em caso de contrariedade ocorreria a revogação do ato anterior e

não a inconstitucionalidade”5.

Assim, os dois fundamentos citados, a rigidez e a supremacia constitucional,

estão entrelaçados, pois a superioridade da Constituição (supremacia) é garantida

frente às outras normas do ordenamento jurídico por ser o processo legislativo para

resguardar a Lei Maior mais custoso e complexo (rigidez).

1 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1. 2 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 187. 3 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 45. 4 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 2. 5 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 2.

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17

Igualmente importantes são os conceitos correlatos da jurisdição

constitucional e tribunal constitucional, que representam instituições com as quais se

preserva a rigidez constitucional.

Sobre jurisdição constitucional, Luís Roberto Barroso assevera:

Jurisdição Constitucional designa a aplicação da Constituição por juízes e tribunais. Essa aplicação poderá ser direta, quando a norma constitucional discipline, ela própria, determinada situação da vida. Ou indireta, quando a Constituição sirva de referência para atribuição de sentido a uma norma infraconstitucional ou de parâmetro para sua validade. Neste último caso estar-se-á diante do controle de constitucionalidade, que é, portanto, uma das formas de exercício da jurisdição constitucional. 6

Portanto, a jurisdição constitucional pode ser considerada como um

processo por meio do qual será resolvida uma demanda constitucional.

Entende-se por tribunal constitucional aquele órgão que irá analisar e decidir,

em última instância, a respeito das questões que forem vistas em confronto com a

Constituição, zelando pela sua correta interpretação e aplicação.

Assim, a diferença entre ambos conceitos encontra-se no fato de a jurisdição

ser a atividade, o procedimento, o exercício desempenhado pelos diferentes órgãos

jurisdicionais que compõem o Poder Judiciário quando decidem lides de matriz

constitucional, enquanto que o tribunal constitucional constitui-se como órgão de

cúpula que define, em última instância, a interpretação válida sobre a Constituição.

No tocante ao controle de constitucionalidade das leis, de acordo com o

modelo de Hans Kelsen, o tribunal constitucional atuaria como um “legislador

negativo”, ou seja, tem a função de estancar, total ou parcialmente, a eficácia de

uma norma existente. Sua atuação, contudo, não poderia resultar na criação de uma

lei, nem na veiculação de elementos normativos inovadores no ordenamento jurídico

(atuação como “legislador positivo”), em razão da limitação intrínseca ao papel que

lhe é constitucionalmente reservado7.

Trecho da medida cautelar da ADI-MC n. 1.063/DF, de relatoria do Ministro

Celso de Mello, menciona que

[...] a ação direta de inconstitucionalidade não pode ser utilizada com

6 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 3. 7 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 135.

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o objetivo de transformar o Supremo Tribunal Federal, indevidamente, em legislador positivo, eis que o poder de inovar o sistema normativo, em caráter inaugural, constitui função típica da instituição parlamentar 8.

Desta forma, apresentados os fundamentos e os conceitos a eles

intrínsecos, passa-se então, no próximo item, ao estudo dos modelos de fiscalização

que deram origem ao controle de constitucionalidade.

1.2 MODELOS DE CONTROLE JUDICIAL DAS LEIS

Após a apresentação de alguns fundamentos do controle de

constitucionalidade, convém destacar dois modelos de controle judicial que são

considerados pelos autores como as matrizes de onde decorreram as diferentes

experiências contemporâneas de controle de constitucionalidade: os modelos

americano e austríaco, a serem elucidados nos itens que seguem.

1.2.1 O modelo americano de fiscalização

A decisão proferida por John Marshall, em 1803, no caso Marbury v.

Madison, foi a decisão que implantou o controle de constitucionalidade das leis nos

Estados Unidos. Nela, Marshall argumentou sobre a supremacia constitucional, a

necessidade do judicial review (revisão judicial) e a competência do Judiciário. 9

Assim, ficou definido que o sistema de controle americano confere a

faculdade de controle ao juiz ordinário, sendo-lhe facultado a negativa de vigência às

normas incompatíveis com a Constituição. Sob o aspecto subjetivo, que diz respeito

aos órgãos aos quais pertence a atribuição de controle, tal mecanismo é

8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1.063/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 18/05/1994. 9 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 955.

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denominado “difuso”. 10

Sobre o modelo difuso, explica Mauro Cappelletti que “os órgãos judiciários

têm o poder e o dever de não aplicar as leis inconstitucionais aos casos concretos

submetidos a seu julgamento” 11.

O autor ainda identifica algumas conseqüências da aplicação do modelo

americano. Ensina ele que uma mesma lei, julgada constitucional, poderia ser

aplicada por determinado juiz, mas ao mesmo tempo outro magistrado poderia

deixar de aplicá-la por considerar que não está de acordo com a Constituição. Isto

causaria uma incerteza jurídica aos indivíduos da sociedade, bem como ao Estado,

uma vez que determinado órgão judiciário que vinha aplicando determinada lei, pode

em determinado momento vir a mudar sua opinião sobre sua constitucionalidade.

Sob o aspecto modal, ou seja, a maneira de argüição da

inconstitucionalidade perante os juízes competentes para decidi-las e como estes a

decidem, o controle difuso só permite essa declaração no curso de um processo, em

um caso concreto, e desde que a discussão acerca da inconstitucionalidade seja

relevante para a decisão em apreço. 12 Por esta razão, esse método de controle

produz efeitos somente entre as partes, sendo sua eficácia tida como inter partes.

Nessa modalidade de controle prevalece também o princípio do stare

decisis, natural ao common law, que significa dizer que os precedentes

pronunciados por órgãos de hierarquia superior devem ser seguidos pelos órgãos

judiciários que se encontram vinculados à sua jurisdição. 13

Luís Roberto Barroso explica o princípio:

Esta expressão designa o fato de que, a despeito de exceções e atenuações, os julgados de um tribunal superior vinculam todos os órgãos judiciais inferiores no âmbito da mesma jurisdição. Disso resulta que a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais. E, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como conseqüência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico,

10 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 67. 11 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 77. 12 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. 2. ed. Porto Alegre: Fabris, 1999. p. 103. 13 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 63.

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produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes). 14 Em relação ao elemento funcional que caracteriza os efeitos que a decisão

de inconstitucionalidade motiva em relação à lei submetida ao controle e ao caso

concreto, essa espécie de controle possui a concepção de que a lei que for contrária

à Constituição é inteiramente nula e ineficaz. 15

Por fim, constata-se que nesse sistema de controle de constitucionalidade a

decisão de inconstitucionalidade possui um caráter meramente declarativo,

conferindo à decisão o efeito ex tunc (retroativo), isto é, o juiz declara uma nulidade

pré-existente que macula de forma absoluta a norma, mas, a lei continua a produzir

efeitos e qualquer juízo, enquanto não sobrevir decisões dos tribunais superiores,

entendendo-a constitucional, pode aplicá-la nos casos concretos submetidos a sua

jurisdição. 16

1.2.2 O modelo austríaco de fiscalização

O modelo austríaco foi idealizado por Hans Kelsen e incorporado à

Constituição de 1920 daquele país, sendo aperfeiçoado no ano de 1929. Destaca-se

que este modelo diverge do americano, uma vez que o controle é “exercido por um

único órgão ou por um número limitado de órgãos criados para esse fim ou tendo

nesta atividade sua função principal”17, sendo por este motivo denominado

“concentrado”.

14 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 48. 15 No Brasil, conforme leciona Luís Roberto Barroso, “esse é o entendimento que prevalece ainda hoje, mas que já não é absoluto. Ao longo do tempo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal fez alguns temperamentos à aplicação rígida da tese, e, já agora, a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, ampliou a competência discricionária da Corte relativamente à pronúncia de nulidade e o conseqüente caráter retroativo da decisão. [...] Foi inevitável, assim, que em algumas hipóteses excepcionais se admitisse o temperamento da regra geral, suprimindo ou atenuando o caráter retroativo do pronunciamento de inconstitucionalidade, em nome de valores como boa-fé, justiça e segurança jurídica.” BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 18 e 21. 16 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 106. 17 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 47.

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Kelsen não concordava com a idéia de que uma lei contrária à Constituição

devesse ser nula ou ser considerada inexistente. Da obra de Clèmerson Merlin

Clève extrai-se um trecho do que Kelsen defendia:

[...] se a afirmação, corrente na jurisprudência tradicional, de que uma lei é inconstitucional há de ter um sentido jurídico possível, não pode ser tomada ao pé da letra. O seu significado apenas pode ser o de que a lei em questão, de acordo com a Constituição, pode ser revogada não só pelo processo usual, quer dizer, por uma outra lei, segundo o princípio lex posterior derogat priori, mas também através de um processo especial, previsto na Constituição. 18

Luís Roberto Barroso também se manifesta sobre o pensamento Kelsen:

Idealizador do controle concentrado em um tribunal constitucional considerava que a lei inconstitucional era válida até que uma decisão da corte viesse a pronunciar sua inconstitucionalidade. Antes disso, juízes e tribunais não poderiam deixar de aplicá-la. Após a decisão da corte constitucional, a lei seria retirada do mundo jurídico. 19

Quanto ao modo como as questões de constitucionalidade são combatidas

ante aqueles juízes que têm competência para decidir, esse modelo possui o caráter

de um controle que se exerce por “via de ação” ou “via principal”.

Além de o sistema austríaco concentrar a competência em um único órgão,

confiou a este uma ação especial mediante a qual a análise de uma lei

supostamente inconstitucional seria submetida à apreciação da Corte

completamente desvinculada dos casos concretos, bem como definiu que os

legitimados para a propositura da referida ação seriam somente aqueles órgão

políticos determinados na Constituição. 20

A partir da reforma constitucional de 1929, o direito austríaco acrescentou a

legitimação de dois órgãos judiciários que não podiam alegar a inconstitucionalidade

de uma lei em “via de ação” perante a Corte. A eles cabia suscitar um incidente de

inconstitucionalidade no curso do processamento de uma ação judicial, chamado de

“via de exceção”. 21

18 HANS, Kelsen. Teoria pura do direito. 4. ed. Coimbra: Armênio Amado, 1979. p. 367 apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 67. 19 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 19. 20 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 50. 21 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito

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Sob o aspecto funcional, o sistema austríaco declara a anulabilidade da

norma inconstitucional, conferindo ao controle um caráter constitutivo da invalidade e

ineficácia da norma que diverge da Constituição e projetando efeitos ex nunc ou pro

futuro. Isso significa que a decisão goza de efeitos prospectivos. 22

Assim, a decisão proferida através do sistema austríaco de controle de

constitucionalidade, em regra, não está associada à resolução de um caso concreto,

produzindo, desta forma, efeitos erga omnes, tornando a norma ineficaz para todos.

1.3 EVOLUÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO

Foi a partir da Constituição de 1988 que o sistema de controle de

constitucionalidade no Brasil passou por uma substancial reforma. Porém,

apresentar-se-á os pontos mais relevantes da evolução desse controle desde a

Constituição de 1891 até a atual.

No Brasil, hoje, e desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 16/65,

de 1988, o controle é considerado híbrido, tendo suas origens tanto no sistema

norte-americano, que admite o chamado controle difuso, incidental ou concreto,

sendo possível que qualquer juiz ou tribunal reconheça a inconstitucionalidade de

uma norma no curso de uma demanda que envolva um caso concreto, como no

sistema austríaco, que comporta o controle concentrado, abstrato de normas.

1.3.1 Controle difuso

A Constituição Brasileira de 1891 sofreu grande influência do direito norte-

americano e acabou adotando o modelo difuso, sendo a fiscalização exercida de

Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 68-69. 22 Exceto quando a questão houvesse sido suscitada por uma Corte superior em um processo concreto (via de exceção). Hipótese na qual a Constituição reformada conferia, excepcionalmente, eficácia retroativa à pronúncia de inconstitucionalidade daquela Corte. BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16-19.

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forma incidental pelo Judiciário. Do disposto no art. 59 desta Constituição23 era

possível extrair a competência das justiças da União e dos Estados para

pronunciarem-se acerca da invalidade das leis em face da Constituição. 24

O Brasil passou a seguir os passos dos Estados Unidos e adotou a

República, o presidencialismo, a federação, a judicial review e a estruturação judicial

com a Suprema Corte e a justiça federal. 25

Observa-se que mesmo com a reforma de 1926, grandes inovações não

foram notadas nesta Constituição, que foi a segunda no direito brasileiro. 26

A Constituição de 1934 manteve o controle difuso, mas também inseriu

significativas mudanças no sistema de controle de constitucionalidade. 27

A primeira mudança refere-se à necessidade de que a inconstitucionalidade

seja declarada com voto favorável da maioria absoluta dos membros dos tribunais.

Esta medida visava combater a insegurança jurídica, uma vez que esta exigência

poderia reduzir a existência de decisões conflitantes no interior do próprio tribunal. 28

A segunda se deu em razão das novas atribuições ao Senado Federal que

agora teria competência para “suspender a execução, no todo em parte, de qualquer

lei ou ato, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder

Judiciário” 29. Neste momento, torna-se importante destacar que o Senado Federal,

na sistemática da Constituição de 1934, exercia a função de “coordenação dos

poderes”, função esta desfigurada pelo golpe de Estado de Getúlio Vargas em

23 BRASIL. Constituição (1891). Art 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...] § 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela; b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar válidos esses atos, ou essas leis impugnadas. [...] 24 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 62. 25 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 82. 26 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 84. 27 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 84-85. 28 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 985. 29 BRASIL. Constituição (1934). Art 91 - Compete ao Senado Federal: [...] IV - suspender a execução, no todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento, quando hajam sido declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário.

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193730.

A terceira e mais significativa mudança ocorrida na Constituição de 1934 foi

a criação da chamada “representação interventiva”, a ser especificamente tratada no

próximo item.

1.3.2 Representação interventiva

Trata-se de uma modalidade nova de provocação da fiscalização de

constitucionalidade dos atos normativos instituído pela Constituição de 1934 e

mantidas nas constituições brasileiras subseqüentes.

A representação interventiva consistia em um caso próprio de controle por

via principal e concentrado, confiada ao Procurador-Geral da República. 31 Em razão

disso, também estabeleceu expressamente quais princípios deveriam ser

observados pelos Estados no exercício da competência legislativa (princípios

constitucionais sensíveis, presentes no art. 7º da CF).

Mantida no texto da Carta constitucional de 1946, a matéria foi disciplinada

pelas Leis n. 2.271, de 22 de julho de 1954 e n. 4.337, de 1º de junho de 1964. 32

O Procurador-Geral da República possuía a competência da representação

interventiva

[...] nos casos de violação dos princípios da forma republicana representativa, da independência e harmonia entre os Poderes, da temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à

30 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 988. 31 Faz-se necessário ressaltar que a grande maioria dos doutrinadores não reconhece a representação interventiva como autêntico controle concentrado em razão da natureza política do processo de intervenção e da eficácia reduzida da decisão do STF. Necessário, portanto, fazer referência ao seguinte trecho onde Clèmerson Merlin Clève cita os dizeres de Gilmar Ferreira Mendes: Tratava-se, “[...] de fórmula peculiar de composição judicial dos conflitos federativos, que condicionava a eficácia da lei interventiva, de iniciativa do Senado (art. 41, §3º) à declaração de sua constitucionalidade pelo Supremo Tribunal (art. 12, § 2º)”. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. Rio de Janeiro: Saraiva, 1990. p. 176 apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Direito Brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 85. 32 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 87-88.

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funções federais correspondentes, da proibição da reeleição de governadores e prefeitos para o período imediato, da autonomia municipal, da prestação de contas da Administração e das garantias do Poder Judiciário (art. 8º, parágrafo único, c/c o art. 7º, VII).33

É possível reconhecer neste instrumento, os prenúncios da instituição do

controle concentrado de constitucionalidade no Brasil, já que ao STF se reconhece a

função de controle por via de ação, bem como ao Procurador-Geral da República é

reconhecida a titularidade para a propositura desta ação judicial interventiva.

1.3.3 Implantação do controle abstrato

1.3.3.1 Representação de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da República.

A Emenda Constitucional n. 16, de 1965, representa um marco na história

constitucional brasileira por ter sido ela quem trouxe ao país o modelo de

fiscalização abstrata de atos normativos federais e estaduais, alterando o art. 101, I,

alínea k, da Constituição de 1946, acrescentando novas competências ao Supremo

Tribunal Federal. 34

A espécie de representação instituída pela EC n. 16/65 apresenta

importantes distinções em relação à representação interventiva que vigorava

anteriormente, como se pode aferir da lição de Clèmerson Merlin Clève, para quem:

Consiste esta em mecanismo de solução de conflito entre União e uma coletividade política estadual. Por isso, apenas a violação dos princípios constitucionais sensíveis pode autorizar a sua propositura pelo Procurador-Geral da República. Cuida-se, ao contrário, o mecanismo instituído pela Emenda 16/65, de representação genérica, apta a garantir a observância de todos os dispositivos da Constituição. A representação interventiva implica uma fiscalização concreta da constitucionalidade, embora realizada em sede de ação direta; presta-se exatamente para a solução de um conflito federativo. Com a representação genérica, ao contrário, manifesta-se

33 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 989. 34 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 63.

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modo de fiscalização abstrata da constitucionalidade, já porque em semelhante situação estará em jogo a compatibilidade, em abstrato (em tese), de um dispositivo normativo infraconstitucional contrastado com a Lei Fundamental da República. 35

Importante ressalvar que através da EC n. 16/65 foi previsto o controle de

constitucionalidade pelos Estados, sendo de competência dos Tribunais de Justiça

processar, julgar e declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Município em

confronto com a Constituição Estadual. A Constituição de 1967 não reiterou a

previsão de ação direta de inconstitucionalidade em âmbito estadual. 36

1.3.3.2 A ampliação e o fortalecimento do controle abstrato

A Constituição de 1988 aperfeiçoou o ordenamento jurídico em relação ao

controle de constitucionalidade aplicado no Brasil, ampliando as formas de proteção

judicial. 37

A primeira grande mudança diz respeito aos legitimados para a propositura

da ação, agora denominada ação direta de inconstitucionalidade. 38 Antes a

legitimidade para ingressar com a ADI estava exclusivamente nas mãos do

Procurador-Geral da República, a partir da Constituição de 1988, conforme

estabelece o art. 103 e incisos, os legitimados passaram a ser os seguintes:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República;

35 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 88-89. 36 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 64. 37 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1000. 38 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 66.

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VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Através do § 2º do dispositivo supra, o controle abstrato passou a admitir

também a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, cujos legitimados são os

mesmos do controle abstrato. 39

Outras alterações e inovações surgiram com a edição da Emenda

Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, que disciplinou nova ação para

fiscalização constitucional, a ação declaratória de constitucionalidade, ADC. 40

Esta ação tem por finalidade confirmar a constitucionalidade de uma lei

federal, tendo por objetivo garantir que a constitucionalidade da lei não seja

questionada por outras ações. Sua decisão em definitivo do mérito teria a eficácia

contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Executivo e Judiciário. 41

Inicialmente os legitimados para a ação declaratória de constitucionalidade

eram somente o Presidente da República, a Mesa da Câmara, a Mesa do Senado

Federal e o Procurador-Geral da República. Todavia, a partir da Emenda

Constitucional n. 45, de 2004, a restrição quanto aos legitimados caiu, determinando

que fossem os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade. 42

Em 1999 houve outra significativa novidade. Onze anos depois de sua

previsão na Constituição de 1988, através do art. 102, § 1º, a argüição de

descumprimento de preceito constitucional foi regulamentada pela Lei n. 9.882, de 3

de dezembro de 1999. 43

Diante do exposto o que se percebe é que a Constituição Federal de 1988

veio aperfeiçoar a fiscalização de constitucionalidade, trazendo diversas

39 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1002. 40 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 66. 41 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 91. 42 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1004-1005. 43 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1008.

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modificações, novidades e ações específicas, as quais serão melhor estudadas no

tópico seguinte.

1.4 MODALIDADES DE AÇÕES DE CONTROLE ABSTRATO NO BRASIL

1.4.1 Ação direta de inconstitucionalidade - ADI

1.4.1.1 Por ação

A nomenclatura “ação direta de inconstitucionalidade” foi introduzida no

ordenamento jurídico brasileiro através Constituição Federal de 1988. Tanto a

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto a doutrina constitucional pátria,

inspiradas na doutrina alemã, a concebem como um processo objetivo, no qual

inexiste lide propriamente dita, prestando-se somente à defesa da Constituição. 44

Registram Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva que

[...] no intuito de estender o controle de constitucionalidade, em tese, às leis federais, com vistas a formar, desde logo, precedentes que orientassem o julgamento dos processos congêneres, o constituinte acabou por consolidar, entre nós, um novo e peculiar modelo, aperfeiçoando, de forma marcadamente original, o sistema de controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 45

A competência para processar e julgar, originariamente, a ação direta de

inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, é do Supremo

Tribunal Federal e deve seguir os ditames da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de

1999, que surgiu no ordenamento jurídico para regulamentar o processo e

julgamento dessas ações, e também das ações declaratórias de constitucionalidade. 46

44 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 140. 45 MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Controle Concentrado de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 74. 46 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar

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Sobre esta espécie de ação, são os ensinamentos de Alexandre de Moraes:

O autor da ação pede ao STF que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, ou seja, não existe caso concreto a ser solucionado. Visa-se, pois, obter invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais. 47

Em relação às leis ou atos normativos estaduais e municipais contrários à

Constituição Estadual, compete ao Tribunal de Justiça local processar e julgar,

originariamente a ação direta de inconstitucionalidade, competência esta garantida

pelo art. 125, § 2º, da própria Constituição Federal48, mas que deve estar prevista

nas Constituições Estaduais de cada unidade da Federação. 49

Relevante observar que, se “a lei ou ato normativo municipal, além de

contrariar dispositivos da Constituição Federal, contrariar, da mesma forma,

previsões expressas do texto da Constituição Estadual, mesmo que de repetição

obrigatória e de redação idêntica” 50, teremos a aplicação do dispositivo da

Constituição Federal supramencionado.

A argüição da inconstitucionalidade pode se dar tanto de maneira formal

como material. A alegação formal ocorre em três hipóteses. Há a chamada

inconstitucionalidade orgânica, que é aquela em que não é observada a regra de

competência para a edição da norma. Existe ofensa formal também quando o

processo legislativo próprio daquela norma a ser editada não foi observado e, ainda,

quando a autoridade ou órgão que dá início ao processo legislativo não possui

legitimidade, sendo chamada, então, de inconstitucionalidade formal por vício de

iniciativa. Já a inconstitucionalidade material é detectada quando existe uma

Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1048. 47 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 76. 48 BRASIL. Constituição (1988). Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. [...] § 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão. 49 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 136. 50 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl. n. 386/SC. Relator Min. Octavio Gallotti. Julgamento em 13/10/1993.

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incompatibilidade, um confronto, de conteúdo entre a lei e preceitos e princípios da

Constituição Federal. 51

1.4.1.2 Por omissão

Em 1988 o controle de constitucionalidade brasileiro ganhou novo significado

com a instituição da ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o mandado

de injunção. A ADI por omissão visa obter a declaração de mora do legislador e o

mandado de injunção tem por objetivo suprir essa mora. A ADI por omissão se

diferencia, ainda, do mandado de injunção, pois só pode ser interposta pelas

autoridades do art. 103, I ao X, da Constituição Federal, ou seja, os mesmos

legitimados da ADI genérica ou por ação, enquanto para impetrar o mandado de

injunção é necessário que se demonstre além da legitimidade, o interesse

processual. 52

O pronunciamento em sede de ADI por omissão é meramente declaratório,

podendo ser total ou parcial e seu julgamento pode se dar somente pelo Supremo

Tribunal Federal ou pelos Tribunais de Justiça dos Estados, embora não haja

previsão expressa do mecanismo no plano estadual. 53

Sobre esta ação, Luís Roberto Barroso leciona:

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão configura, como se depreende singelamente, modalidade de controle abstrato de constitucionalidade. Trata-se de processo objetivo de guarda do ordenamento constitucional, afetado pela alegada lacuna normativa ou pela existência de um ato normativo reputado insatisfatório ou insuficiente. 54

De forma geral, diz-se que a omissão constitucional pode ocorrer no âmbito

dos três Poderes, tanto para requerer uma providência normativa, político-

51 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 26-29. 52 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 112 e 222. 53 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 226. 54 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 220-221.

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administrativa ou judicial. 55

Justifica Luís Roberto Barroso o razão de a ação de inconstitucionalidade

por omissão fazer referência somente às omissões normativas, vejamos:

Relativamente às omissões de natureza político-administrativa, existem remédios jurídicos variados, com destaque para o mandado de segurança e a ação civil pública. As omissões judiciais, por sua vez, deverão encontrar reparação no sistema de recursos instituídos pelo direito processual, sendo sanadas no âmbito interno do Judiciário. Por esta razão, o tratamento constitucional da inconstitucionalidade por omissão refere-se às omissões de cunho normativo. 56

Tal entendimento está previsto no § 2º do art. 103 da Constituição Federal:

[...] § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Observa-se ainda, que nessa modalidade de ação direta o Supremo Tribunal

Federal tem entendido não ser admissível o cabimento de cautelar, pois a decisão

que, como já mencionado, possui caráter declaratório, apenas dá ciência ao órgão

inadimplente do dever constitucional de legislar. Luís Roberto Barroso leciona que o

fundamento principal para a não concessão de medida cautelar em sede de ADI por

omissão encontra-se no fato de o Supremo Tribunal Federal não admitir, “sequer em

sua decisão final da matéria, expedir provimento normativo com o objetivo de suprir

a inércia do órgão inadimplente” 57.

1.4.2 Ação declaratória de constitucionalidade – AD C ou ADECON

A ação declaratória de constitucionalidade tem como finalidade “afastar a

55 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 222-223. 56 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 223. 57 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 233.

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incerteza jurídica e estabelecer uma orientação homogênea na matéria” 58. Ela visa

reconhecer e difundir a compatibilidade da norma infraconstitucional com a

Constituição. Seus legitimados, como já mencionado, são os mesmos da ação direta

de inconstitucionalidade. 59

A norma federal que for objeto de ação declaratória deverá,

obrigatoriamente, apresentar controvérsia relevante sobre sua constitucionalidade,

conforme preceitua o art. 14, da Lei nº 9.868/99 60.

Sobre o tema Luís Roberto Barroso ensina:

A exigência do dissenso se justifica, ainda, em razão da presunção de constitucionalidade que acompanha os atos emanados do Poder Público. Tal presunção tem a função instrumental de garantir a imperatividade e auto-executoriedade desses atos. Logo, somente diante da fundada ameaça á segurança jurídica e à isonomia, decorrente de decisões contraditórias, é que haverá interesse em agir e estará legitimada a intervenção do Supremo Tribunal Federal. 61

Esse dissenso, conforme denomina o autor supracitado, é demonstrado

quando há dúvida quanto à legitimidade da norma. Gilmar Ferreira Mendes bem

demonstra o que isto significa na seguinte passagem:

Assim, se a jurisdição ordinária, através de diferentes órgãos, passar a afirmar a inconstitucionalidade de determinada lei, poderão os órgãos legitimados, se estiverem convencidos de sua constitucionalidade, provocar o STF para que ponha termo à controvérsia instaurada. Da mesma forma, pronunciamentos contraditórios de órgãos jurisdicionais diversos sobre a legitimidade da norma poderão criar o estado de incerteza imprescindível para a instauração da ação declaratória de constitucionalidade. 62

A decisão, assim como na ação direta e na ação de argüição de

descumprimento de preceito fundamental, apresenta efeitos erga omnes e vinculante

58 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 203. 59 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1126-1127. 60 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 14. A petição inicial indicará: [...] III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória. 61 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 208. 62 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1077.

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frente aos órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública Federal, Estadual e

Municipal, conforme estabelece o art. 102 da Constituição Federal, em seu § 2º 63, e

o parágrafo único do art. 28 da Lei n. 9.868/99 64.

Com a introdução da ação declaratória de constitucionalidade pela EC n.

3/93, o STF discutiu vastamente a possibilidade de deferimento de medida cautelar

nesta espécie de ação, sendo entendido pela maioria ser possível a concessão. Em

1999, a Lei n. 9.868 cuidou do assunto através do caput do art. 21, através do qual

dispôs que há possibilidade de concessão da medida cautelar em ação declaratória

quando a maioria absoluta dos membros do Supremo Tribunal Federal assim decidir,

consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o

julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo

objeto da ação até seu julgamento definitivo65. 66

Contudo, de acordo com parágrafo único do dispositivo supracitado, o

julgamento de mérito da ação deverá ocorrer em até cento e oitenta dias, sob pena

de a medida perder sua eficácia. 67

63 BRASIL. Constituição (1988). Art. 102. [...] §2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 64 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão. 65 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 21. O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo. 66 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 210. 67 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 21 [...] Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário Oficial da União a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal proceder ao julgamento da ação no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia.

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1.4.3 Ação por descumprimento de preceito fundament al - ADPF

Como já citado anteriormente, esta ação começou a fazer parte do

ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1988 e foi regulamentada pela Lei

n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

A doutrina a divide em duas subespécies: autônoma e incidental, o que, de

acordo com Lenio Luiz Streck, “abrange a ambivalência própria do sistema misto de

controle de constitucionalidade vigorante no Brasil” 68. A autônoma, que fica mais

próxima do modo de controle concentrado de constitucionalidade, segundo

doutrinadores 69, está prevista no caput do art. 1º da Lei n. 9.882/99, vejamos:

Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Para que seja utilizada é necessário que haja ameaça (o que deixa claro que

pode ser intentada preventivamente) ou a efetiva violação a preceito fundamental

além da presença do pressuposto geral de inexistência de qualquer outro meio

eficaz de sanar a lesão70, o qual é chamado de princípio da subsidiariedade,

preconizado no §1º do art. 4º da Lei n. 9.882/99, verbis:

Art. 4o A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta. § 1o Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Isto significa dizer que quando for possível impetrar ação direta de

inconstitucionalidade por ação ou por omissão, ação declaratória, mandado de

68 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002. p.644. 69 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 247. 70 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 248.

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segurança, ação popular, reclamação ou recursos ordinários e extraordinários, será

negada admissibilidade à ADPF 71. 72

Lenio Luiz Streck, sobre o princípio da subsidiariedade da argüição de

descumprimento de preceito fundamental, discorre:

Assim, em face desse processo hermenêutico, torna-se razoável afirmar, a partir da redação da Lei regulamentadora, que a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) é, efetivamente, um remédio supletivo para os casos em que não caiba ação direta de inconstitucionalidade (ADIn). Desse modo, em sede de jurisdição constitucional, poderão agora ser questionados atos normativos (regulamentos, resoluções, por exemplo) que, anteriormente, não eram suscetíveis – conforme a jurisprudência predominante do STF – de enquadramento na via da ação direta de inconstitucionalidade. 73

A identificação desta ação com a ação direta de inconstitucionalidade

encontra-se apenas na legitimação, pois, como mencionado anteriormente, é cabível

apenas contra normas que violem preceitos fundamentais, o que mostra um controle

mais fechado, específico. Destaca-se, ainda, que seu objeto abrange atos de

natureza normativa, administrativa e judicial do Poder Público. 74

Ponto bastante interessante a respeito desta ação é o problema que gira em

torno da identificação de quais dispositivos podem ser considerados “preceitos

fundamentais”. Neste item, de acordo com Luís Roberto Barroso, podem ser

incluídos os fundamentos e objetivos da República (art. 1º ao 4º da Constituição

Federal); os direitos fundamentais, que incluem os individuais, coletivos, políticos e

sociais (art. 5º e s.); as normas que se abrigam nas cláusulas pétreas ou delas

decorrem (art. 60, § 4º); e os princípios constitucionais chamados “sensíveis” (art.

34, VIII), que são aqueles que em razão de sua importância dão causa à intervenção

federal. 75

Ressalta-se, porém, que o Supremo Tribunal Federal ainda não definiu o

alcance da expressão “preceitos fundamentais”. 71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 3. Relator Min. Sydney Sanches. Julgamento em 18/05/2000; ADPF n. 13. Relator Min. Ilmar Galvão. Julgamento em 29/03/2001. 72 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 252-253. 73 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2002. p.642-643. 74 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 263. 75 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 250.

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Gilmar Ferreira Mendes manifesta-se sobre a importância da inclusão dessa

ação no ordenamento jurídico brasileiro nos seguintes termos:

A ADPF vem completar o sistema de controle de constitucionalidade de perfil relativamente concentrado do Supremo Tribunal Federal, uma vez que as questões, até então excluídas de apreciação no âmbito do controle abstrato de normas, podem ser objeto de exame no âmbito do novo procedimento. 76

Por outro lado, a argüição incidental, que caracteriza o controle difuso de

constitucionalidade e é proposta no curso de uma demanda, decorre da combinação

das redações do art. 1º, parágrafo único, I e do art. 6º, § 1º, da Lei n. 9.882/9977. 78

Da leitura dos dispositivos transcritos em nota ao parágrafo anterior,

percebe-se que a argüição incidental requer o preenchimento de mais requisitos do

que a argüição autônoma, como por exemplo, a necessidade de que haja relevância

no fundamento da controvérsia constitucional e seu objeto seja uma lei ou ato

normativo, e não qualquer ato do Poder Público como ocorre na argüição autônoma. 79

A respeito da locução “atos normativos”, Luís Roberto Barroso ensina que

“compreende os atos estatais dotados dos atributos de generalidade, abstração e

obrigatoriedade, destinados a reger a vida social”. 80

76 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1009. 77 BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição; [...] Art. 6o Apreciado o pedido de liminar, o relator solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias. § 1º Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. 78 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 247. 79 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 248. 80 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 264.

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Porém, tramita no Supremo Tribunal Federal ação direta que questiona a

constitucionalidade de alguns dispositivos da Lei n. 9.882/99, da qual é relator o

Ministro Néri da Silveira. 81

Em 05 de dezembro de 2001, no julgamento da medida cautelar, foi

suspensa, com efeito ex nunc até o julgamento final da ação, a utilização da redação

do § 3º do art. 5º da Lei n. 9.882/99

[...] por estar relacionado com a argüição incidental em processos em concreto, e conferir interpretação conforme a Constituição ao inciso I do parágrafo único do art. 1º, excluindo de sua aplicação controvérsia constitucional concretamente já deduzida em processo judicial em curso. 82

O Ministro entendeu também que a possibilidade da ADPF atingir processos

em curso não poderia ser autorizada através de legislação ordinária, mas somente

por emenda constitucional.

Assim, apesar de hoje a referida ação direta de inconstitucionalidade ainda

estar pendente de decisão, a Suprema Corte vem admitindo e julgando várias

ADPF’s.

1.5 CARACTERÍSTICAS DO CONTROLE ABSTRATO BRASILEIRO

1.5.1 Natureza objetiva do controle

O processo que envolve a fiscalização abstrata de constitucionalidade é

chamado de “processo objetivo”, pois inexiste lide e não há o intuito de buscar um

direito subjetivo, que envolve situações particulares. A intenção dos legitimados

ativos é alcançar a tutela de um interesse genérico em prol de toda a sociedade e a

defesa da Constituição.

Clèmerson Merlin Clève, ao citar as palavras de Gilmar Ferreira Mendes

sobre o processo objetivo, elucida:

81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.231. Relator Min. Néri da Silveira. 82 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1089.

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Tem-se aqui, alertou Gilmar Ferreira Mendes, do “que a jurisprudências dos Tribunais Constitucionais costuma chamar de processo objetivo (objectives Verfahren), isto é, um processo sem sujeitos, destinado pura e simplesmente, à defesa da Constituição (Verfasungsrechtsbewahrungverfahren). Não se cogita, propriamente, da defesa de interesse do requerente (Rechtsschutzbedürfnis), que pressupõe a defesa de situações subjetivas. Nesse sentido, assentou o Bundesverfassungsgericht que, no controle abstrato de normas, cuida-se, fundamentalmente, de um processo unilateral, não-contraditório, isto é, de um processo sem partes, no qual existe um requerente, mas inexiste requerido. [...]”. 83

Decorrente da finalidade de defender a Constituição, o controle abstrato não

admite que haja desistência da ação já proposta, pois seu julgamento irá refletir em

interesses de toda coletividade. Também não são admitidas a argüição de suspeição

e a interposição de recurso por aqueles que se julguem prejudicados pela decisão

final da ação. Só em meados de 1993 é que a Suprema Corte passou a acolher

reclamação para contestar o descumprimento de decisão em sede de controle

concentrado de constitucionalidade. 84

1.5.2 Legitimação ativa

No quesito que diz respeito à legitimação ativa, a Constituição de 1988

também foi aquela que trouxe a maior transformação. Até sua edição a legitimidade

para a propositura de ações sob o controle abstrato e concentrado era privativa do

Procurador-Geral da República. Após, o monopólio foi extinto e o elenco de

legitimados ativos sofreu grande ampliação, estando presentes no art. 103 e seus

incisos, da Constituição Federal, cuja redação já foi colacionada em item anterior.

Com essa ampliação desse rol de legitimados ativos, conseqüentemente

houve um crescimento significativo do número de ações diretas de

inconstitucionalidades ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal.

83 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. Rio de Janeiro: Saraiva, 1990. p. 251 apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Dir eito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 145-146. 84 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl. n. 399/PE. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 07/10/1993.

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Contudo, Luís Roberto Barroso destaca que existe uma distinção entre duas

categorias de legitimados: os universais e os especiais. Os primeiros são assim

denominados por terem o dever de defender a Constituição sob qualquer

circunstância e não precisarem demonstrar interesse. Nessa categoria estão

presentes o Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da

Câmara dos Deputados, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o

partido político com representação no Congresso Nacional. Já o segundo grupo é

chamado de especial, pois compreende órgãos e entidades em que a sua atuação é

restrita às questões que dizem respeito diretamente sobre seu campo jurídico.

Assim, precisam demonstrar relação de pertinência entre o ato e as funções

exercidas. São eles: o Governador de Estado, a Mesa da Assembléia Legislativa e a

confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 85

Torna-se relevante mencionar que para uma confederação sindical ou uma

entidade de classe de âmbito nacional, a jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal exige que haja uma relação de pertinência entre a atividade principal desses

legitimados e o conteúdo da norma que será objeto de ação direta de

inconstitucionalidade.

A pertinência temática sugere que exista uma relação lógica entre a questão

constitucional controvertida e a atividade desenvolvida pelo suscitante. Nesse

sentido, dispôs o STF:

[...] a legitimidade ativa da confederação sindical, entidade de classe de âmbito nacional, mesas das assembléias legislativas e governadores, para a ação direta de inconstitucionalidade, vincula-se ao objeto da ação, pelo que deve haver pertinência da norma impugnada com os objetivos do autor da ação. 86

Assim, a relação de pertinência pode ser tida como uma demonstração de

interesse de proteção específico, que funciona como uma restrição ao direito de

propositura da ação, que não se mostra compatível com a natureza do controle

abstrato de norma. 87

Gilmar Ferreira Mendes critica tal exigência, para ele:

85 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 141. 86 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC-AgR n. 1.507. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 06/06/1997. 87 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1054.

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Cuida-se de equívoca restrição ao direito de propositura, que, sem se tratando de processo de natureza objetiva, dificilmente poderia ser formulada até mesmo pelo legislador ordinário. A relação de pertinência assemelha-se muito ao estabelecimento de uma condição de ação – análoga, talvez, ao interesse de agir –, que não decorre dos expressos termos da Constituição e parece ser estranha à natureza do sistema de fiscalização abstrata de normas. 88

Outros personagens podem atuar na ação direta de inconstitucionalidade

sem que sejam considerados partes ou legitimados ativos, mas que gozam de

relevante papel são o Advogado-Geral da União e o Procurador Geral da República.

Ao Advogado-Geral da União, a Constituição Federal89 (art. 103, § 3º) em

conjunto com a Lei n. 9.868/99 (art. 8º)90 conferiram-lhe a atribuição de defender o

ato ou norma impugnada91.

Já o Procurador-Geral da República, mesmo não tendo mais o monopólio

para propor ação direta, deverá ser previamente ouvido nas ações de

inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal

Federal, conforme estabelece § 1º do art. 103 da CF. Por ser ele o chefe do

Ministério Público da União, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da

defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e

individuais indisponíveis (art. 127, caput), sua atuação como fiscal da lei é de toda

importância numa demanda que objetiva, precipuamente, a guarda da Constituição

88 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1054. 89 BRASIL. Constituição (1988). [...] § 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado. 90 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 8o Decorrido o prazo das informações, serão ouvidos, sucessivamente, o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, que deverão manifestar-se, cada qual, no prazo de quinze dias. 91 “Obviamente, não se está a exigir do Advogado-Geral da União – cidadão de notável saber jurídico e reputação ilibada – que vá defender a norma legal ou ato normativo impugnado a todo e qualquer preço, em qualquer caso e circunstância, mesmo que a inconstitucionalidade salte aos olhos com toda a evidência, sem margem para qualquer dúvida ou vacilação. [...] O § 3º do art. 103 da Carta Magna deve ser interpretado e compreendido de maneira que não aflija a lógica e a coerência. O múnus indisponível de promover a defesa da norma ou ato inquinado deve ser compatibilizado com o dever fundamental que tem qualquer órgão constitucional de respeitas a Lei Maior como um todo, reverenciando os seus princípios. Muito menos estará obrigado a ser o curador da norma contestada, se o autor da ação direta de inconstitucionalidade for o Presidente da República, quando o paradoxo chegaria ao extremo: o advogado arrazoando contra seu patrono.” VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade . 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 92.

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Federal. 92

Porém, a inovação está na admissão da figura do chamado amicus curiae,

que consiste na possibilidade de alguns órgãos ou entidades se pronunciarem sobre

a matéria objurgada, desde que a discussão seja relevante e haja representatividade

do postulante. 93 A admissão da manifestação escrita por parte do amicus curiae é

ato discricionário do relator do processo. 94

1.5.3 Objeto das ações

Por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade podem ser

impugnados, no âmbito federal, perante o Supremo Tribunal Federal, leis ou atos

normativos federais ou estaduais que contrariam a Constituição Federal, conforme

determina o art. 102, I, a, do mesmo diploma legal. 95

A jurisprudência e a doutrina utilizam-se comumente da expressão “atos

normativos primários” para se referir aos atos que podem ser objeto de ação direta,

pois têm capacidade de ferir a Constituição, bem como seu fundamento no texto

constitucional. Esses atos normativos primários podem criar, modificar e revogar

relações jurídicas, obedecendo não somente aos princípios constitucionais que

norteiam a sua elaboração, mas também todas as regras constitucionais que

disciplinam sua criação.

A ação declaratória de constitucionalidade possui objeto diverso daquele da

ação direta de inconstitucionalidade, apesar das duas ações serem bastante

parecidas e aparentemente terem apenas finalidades opostas. A ação declaratória

somente pode ser proposta a leis ou atos normativos federais, sendo excluídas as

92 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade . 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 90. 93 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 149. 94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 33/PA. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento em 07/12/2005; ADI-MC n. 2.223/DF. Relator Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 28/11/2000. 95 BRASIL. Constituição (1988). Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal [...]

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normas estaduais.

O objetivo da ADPF é evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, de

acordo com o art. 1º, da Lei n. 9.882/9996. Em razão da redação do dispositivo, é

possível entender que a argüição pode ser preventiva ou repressiva, quando,

respectivamente, tiver a finalidade de evitar ou reparar a lesão.

Diferente da ação declaratória de constitucionalidade e da ação direta de

inconstitucionalidade, a argüição abrange todos os atos administrativos, normativos

e infraconstitucionais, desde lei complementar até atos decorrentes da

Administração Pública, podendo a lesão a preceito fundamental abarcar direito

federal, estadual ou municipal.

Neste ponto, merece destaque característica a respeito da argüição de

descumprimento de preceito fundamental, em relação aos atos municipais. Tal

modalidade veio trazer ao ordenamento jurídico brasileiro grande novidade, uma vez

que até a edição da Lei n. 9.882/99, leis municipais inconstitucionais só poderiam ser

argüidas por controle incidental (difuso), salvo por representação em âmbito

estadual. Agora, havendo ameaça ou violação de preceito fundamental a questão

poderá ser submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal.

Existe, porém, um outro objeto que é considerado uma exceção ao controle

abstrato de constitucionalidade, havendo significativa controvérsia acerca desse

entendimento, que são as chamadas leis e atos normativos de efeitos concretos.

Essas leis meramente formais, como também são denominadas, não possuem os

atributos de generalidades e abstração que uma norma deve ter, ou seja, são leis

com objetos determinados e destinatários certos. Tal questão será discutida com

maior detalhamento no terceiro capítulo.

96 BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Art. 1o A argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

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1.5.4 Efeitos da decisão: erga omnes e vinculante

A decisão de inconstitucionalidade, como já dito, tem natureza declaratória,

entendimento este que é predominante no Brasil. Portanto, é decisão que não inova

na ordem jurídica. Assim, como explica Luís Roberto Barroso, o

[...] acórdão que julga procedente o pedido limita-se a constatar a existência de um vício e a conferir certeza jurídica a esse fato, proclamando a invalidade da norma. E a decisão que julga o pedido improcedente contém em si a afirmação judicial de que o autor da ação não foi capaz de elidir a presunção de constitucionalidade da norma, que permanecerá no sistema jurídico, válida e eficaz. 97

Os efeitos dessa declaração de inconstitucionalidade possuem eficácia

preclusiva e vinculativa. Na eficácia preclusiva, a matéria coberta pela autoridade da

coisa julgada não poderá ser objeto de novo pronunciamento judicial, já a eficácia

vinculativa, significa que a decisão terá efeito vinculante sobre os Órgãos Judiciais e

da Administração Pública, ficando esses, de certa forma, obrigados a não contrariar

tal decisão. 98

Como essa decisão (coisa julgada) não é vista como fator impeditivo para

que o órgão legislativo volte a editar nova norma com o mesmo conteúdo declarado

inconstitucional, a Emenda Constitucional n. 03, de 17 de março de 1993 99, que

modificou a redação do § 2º, do art. 102, da Constituição Federal, passou a conferir

“efeito vinculante” às decisões de mérito proferidas pela Suprema Corte em ações

declaratórias de constitucionalidade. Porém, tecnicamente, como já explicitado, o

Poder Legislativo não está vinculado às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal

Federal.

Anos depois, a Emenda Constitucional n. 45/2004, que modificou novamente

a redação do § 2º do art. 102 da Constituição Federal 100, considerou o que a Lei n.

97 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 128 apud BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 174. 98 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 173-174. 99 BRASIL. Constituição (1988). Art. 102. [...] § 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. 100 BRASIL. Constituição (1988). Art. 102. [...] § 2º As decisões definitivas de mérito,

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9.868/99 e a própria jurisprudência já vinham entendendo: a extensão o efeito

vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, como dispunha a EC n. 03/93, e

também à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e

municipal, das decisões de mérito das ações declaratórias e, ainda, das ações

diretas de inconstitucionalidade.

O conceito de efeito vinculante, encontrado no glossário jurídico do Supremo

Tribunal Federal, é o seguinte:

Efeito vinculante é aquele pelo qual a decisão tomada pelo tribunal em determinado processo passa a valer para os demais que discutam questão idêntica. No STF, a decisão tomada em Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade ou na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental possui efeito vinculante, ou seja, deve ser aplicada a todos os casos sobre o mesmo tema. [...] 101

Em relação ao alcance objetivo do efeito vinculante tem-se o que se

denomina “transcendência dos efeitos” 102 . 103 Isso significa que os demais órgãos

do Poder Judiciário e a administração pública federal, estadual e municipal, direta ou

indireta, deverão notar não somente o cumprimento da parte dispositiva, como

também dos embasamentos teóricos da decisão proferida. 104

A decisão proferida em ação direta de inconstitucionalidade produz também

efeito erga omnes, ou seja, essa decisão é oponível contra todos, ultrapassa as

partes litigantes, inclusive devendo ser respeitada pelo próprio Supremo Tribunal

Federal e os demais órgãos do Judiciário e do Poder Executivo. Além disso, decisão

é dotada do chamado efeito ex tunc (retroativos), razão pela qual a lei é retirada do

ordenamento jurídico como se nunca tivesse existido sendo considerada nula, ou

seja, destituída de eficácia jurídica.

proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. 101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imprensa. Glossário Jurídico. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=E&id=461>. Acesso em: 19 de maio de 2009. 102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl. n. 1.987/DF. Relator Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 01/10/2003. 103 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 184. 104 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 423..

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A declaração de inconstitucionalidade

[...] decreta a total nulidade dos atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito. 105

A suspensão da eficácia do ato normativo só acontece no momento em que

é publicada a decisão do Poder Judiciário no Diário de Oficial de Justiça causando,

então, os efeitos vinculantes, ex tunc e erga omnes.

Carlos Roberto de Alckmin Dutra, sobre o assunto, leciona que “a

declaração de inconstitucionalidade, com a suspensão da vigência da lei, torna,

portanto, sem efeito todos os atos realizados sob sua vigência” 106.

Todavia, a redação do artigo 27 da Lei n. 9.868/99 inova, permitindo que, por

maioria de dois terços de seus membros o Supremo Tribunal Federal e havendo a

presença de razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, sejam

restringidos os efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 107

Com isso, o Tribunal poderá manipular os efeitos da declaração de

inconstitucionalidade, seja quanto a amplitude, seja quanto aos efeitos temporais, ex

tunc (retroativo) ou ex nunc (a partir do trânsito em julgado).

Além disto, outro efeito objetivo decorre da declaração de

inconstitucionalidade, o chamado “efeito repristinatório”. Para Luís Roberto Barroso

trata-se de

[...] sua repercussão sobre a legislação que havia sido afetada pela lei reconhecida como inválida. Uma nova lei ou ato normativo, quando entra em vigor, freqüentemente irá revogar normas que disciplinavam o mesmo assunto. De fato, a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível. Sucede, porém, que, se a lei revogadora vier pondo o princípio da supremacia da Constituição que a situação jurídica volte ao status quo ante. Por essa razão, tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre sustentaram que a declaração de

105 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 652/MA. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento me 02/04/1993. 106 DUTRA, Carlos Roberto de Alckmin. Controle de constitucionalidade de Leis e Atos Normativos. São Paulo: Saraiva, 2005. 107 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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inconstitucionalidade de uma lei restaura a vigência da legislação previamente existente por ela afetada. 108

Eis a manifestação da Suprema Corte a respeito do tema:

A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao STF, consiste em remover do ordenamento jurídico a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional. 109

Caso a norma ressuscitada possua eficácia indesejada, caberá requerer

igualmente, já na inicial da ação direta, a inconstitucionalidade, evitando dessa

forma, que com a revogação de uma, advenha outra, também de caráter

inconstitucional.

108 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 178. 109 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 652/MA. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento me 02/04/1993.

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2 DEMARCAÇÃO DO CONTEÚDO E DO ALCANCE DAS CHAMADAS

LEIS MERAMENTE FORMAIS OU LEIS DE “EFEITOS CONCRETO S”

Este capítulo tem o intuito de analisar os elementos constitutivos de um ato

normativo, a fim de subsidiar a distinção doutrinária em torno de leis em sentido

material e em sentido formal que possibilitaram a discussão sobre a fiscalização de

constitucionalidade de leis meramente formais ou de efeitos concretos

Será exposto também como surgiu a idéia de lei, quais os fundadores deste

pensamento e como se efetivou o nascimento de seu conceito. Em conseqüência,

será apresentada a maneira como se desenvolveu a imagem de um Estado, quais

suas funções primordiais, sendo o enfoque maior no primado de sua função

legislativa.

2.1 “IDÉIA DE LEI” E FUNÇÃO LEGISLATIVA

O homem é ser social e tende a se organizar em coletividades. Assim, para

solucionar conflitos em razão do convívio social tornou-se necessário o surgimento

de normas para que fosse possível a coexistência social.

Tais normas deveriam ser instituídas e impostas por um ente que tivesse

poder suficiente para vincular essas regras aos indivíduos, a fim de fazer predominar

o bem comum ante as vontades/necessidades individuais. Neste contexto se

desenvolve a idéia de que o Estado deveria ser este ente que, por excelência, seria

apto a assegurar a realização do bem comum. Por outro lado, o bem comum, desde

o iluminismo, está relacionado à observância de leis que deveriam regular situações

de maneira geral.

Sobre o conceito de Estado, Gisela Maria Bester assim o descreve:

[...] o Estado é o detentor do monopólio da força legítima para a manutenção da ordem vigente, isto é, do monopólio da Justiça (punição), da cobrança de tributos fiscais, de cunhar moeda etc. Verdadeiramente, um dos mais antigos preceitos da Filosofia Política diz que o Estado tem o monopólio do uso da força, isto é, apenas o poder público pode usar a violência (e mesmo assim, na medida

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necessária) para garantir o cumprimento da lei e evitar que surja a guerra de todos contra todos. Logo, o Estado é a Instituição com poderes para organizar a sociedade em um dado território, coercitivamente, isto é, para disciplinar o convívio social humano por meio do Direito, por meio de normas jurídicas obrigatórias, acompanhadas de sanções. 110

Desta forma, pode-se concluir que a lei é a concretização da conduta do

Estado-legislativo111 e surgiu da necessidade de ter normas universais que

regulassem as relações entre os indivíduos. Porém, não é simples apresentar o

conceito de lei, uma vez que pode ser interpretada de diversas maneiras,

dependendo de como e por quem é vista, discutida e estudada.

Nuno Piçarra leciona que lei é basicamente uma “norma geral e abstrata,

imputável à vontade geral do povo soberano, a quem exclusivamente deve a sua

existência. A sua validade e essência deve-se à racionalidade que é, justamente, a

intenção da vontade legisladora”. 112

A fim de esmiuçar a consideração supramencionada diz-se que a lei é norma

geral e abstrata, pois não tem o intuito de regular a situação concreta de uma única

pessoa, mas sim à sociedade de forma geral, devendo ser abstrata em seu

conteúdo.

Como o povo soberano está faticamente impossibilitado de exercer a função

legislativa diretamente, foi desenvolvida a idéia de democracia representativa

através da qual o povo delega a representantes a função de legislar e de, por

conseguinte, exprimirem a vontade geral.

Neste contexto, a lei é concebida como expressão de um compromisso

político-social, que confere estabilidade às relações sociais, ideal este que atinge

sua máxima expressão na codificação. Portanto, a existência, validade e essência

das leis estão diretamente relacionadas à vontade geral do povo soberano. Esta

relação, expressão do ideal de racionalidade moderno, exprime-se pelo

reconhecimento de uma "intenção" da vontade legisladora.113

110 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 10-11. 111 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 21. 112 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989. p. 156-157. 113 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra

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Assim, a idéia de lei relacionada com a expressão da vontade geral vincula

os indivíduos, até mesmo os governantes, a abrir espaço para o desenvolvimento e

consolidação da concepção do Estado de Direito, que constitui a base para o

constitucionalismo contemporâneo.

Gisela Maria Bester apresenta o conceito de Estado de Direito como

[...] aquele que nasce como resultado dos processos revolucionários dos séculos XVII (revolução Gloriosa Inglesa, de 1688) e XVIII (Revolução de Independência Norte-Americana, de 1776, e Revolução Francesa, de 1789), sendo justamente a primeira versão ou a versão típica, clássica, do Estado Liberal de Direito e que deveria assumir, conforme Elias Díaz, as seguintes características gerais, ou exigências básicas e indispensáveis a todo autêntico Estado de Direito: a) o império da lei: lei como expressão da vontade geral; B) a divisão de poderes: legislativo, executivo e judiciário; c) a legalidade da administração: atuação segundo a lei e com suficiente controle judicial; d) os direitos e as liberdades fundamentais: não só a garantia jurídico-formal, mas também a efetiva realização material. 114

Segundo a máxima de separação de poderes, cristalizada na obra de

Montesquieu, o exercício das funções estatais passa a ser distribuído por órgãos

distintos (três poderes) em torno dos quais são circunscritas funções próprias bem

delimitadas. 115

Esta divisão de tarefas decorria da necessidade de racionalização do

exercício de poder e na tentativa de que fossem desenvolvidos mecanismos

institucionais de coordenação e controle entre estes órgãos estatais.

Como, num Estado livre, todo homem, que é considerado ter uma alma livre, deve ser governado por si mesmo, era preciso que o povo, em conjunto, tivesse o poder legislativo. Mas, como isso é impossível nos grandes Estados e é sujeito a muito inconvenientes nos pequenos, é preciso que o povo faça por seus representantes tudo aquilo que não pode fazer por si. 116

Em um Estado de Direito, onde há o Parlamento e o princípio da legalidade,

a única maneira de ver manifestado o poder soberano é o ato de edição de leis,

Editora, 1989. p. 157. 114 BESTER, Gisela Maria. Direito constitucional: fundamentos teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 11-12. 115 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo Legislativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 44. 116 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Parte 1, Livro II, Capítulo 6º. 1949. apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo Legislativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 45.

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sendo a edição de tais leis reconhecidas como função predominantemente do Poder

Legislativo. 117

Como corolário desta idéia, o Estado que surge no séc. XVIII, encontra-se

fortemente centrado na idéia de supremacia da lei e, por conseguinte, reconhecendo

uma preponderância do Poder Legislativo.

Nuno Piçarra, sobre o Estado Legislativo de Direito, preleciona:

No Estado de Direito de legalidade ou Estado de legislação parlamentar, que se constituiu para realizar o sentido que o Iluminismo confere à lei, o princípio da separação dos poderes é exclusivamente chamado a garantir o primado da lei, o seu império ou soberania e, simultaneamente, o monismo do poder legislativo. 118

Desta forma, passa a existir o primado da função legislativa sobre as demais

funções estatais, uma vez que é por meio da legislação que o Estado constitui

normas jurídicas que regularão, de forma preventiva e hipotética, as situações e

relações que surgem entre os homens que convivem socialmente. 119

Elival da Silva Ramos busca a identificação dos elementos constitutivos da

idéia de lei na concepção de Jean-Jacques Rosseau. Para ele, a lei não é um

simples ato de deliberação coletiva (aspecto formal) 120, mas também um ato

veiculador de normas gerais e abstratas (aspecto material). 121

Sobre o aspecto material, diretamente ligado ao tema desta pesquisa,

discorre:

[...] a vontade geral apresenta sempre um conteúdo de justiça (“a vontade geral é sempre reta e tende sempre para a utilidade pública”), distinguindo-se, pois, da vontade de todos (que mira o interesse privado “e outra coisa não é senão a soma de vontades

117 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989. p. 159. 118 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989. p. 149. 119 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 39-40. 120 “A função legislativa concretiza-se através de um complexo de atos, que vai da iniciativa legislativa até à promulgação da lei. Essa série de atos coordenados desenvolve-se no tempo e tende à formação de um ato final; donde decorre a idéia de procedere, ou seja, dirigir-se para uma meta, e o nome processo, dado a esse conjunto de atos, postos em movimento, no exercício da função legislativa.” SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 40. 121 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 17.

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particulares”) [...] Logo, para haver lei, há que se atender a condições de forma (deliberação do corpo de cidadãos, sem a intermediação de representantes) e a condição de fundo, essas últimas concernentes a dois aspectos: o da estrutura das normas legais (generalidade e abstração) e o aspecto suprapositivo (conteúdo racional de justiça). 122

Por outro lado, a respeito do aspecto formal, leciona o autor:

Para o ordenamento brasileiro, lei, em nível federal, é o ato elaborado, ordinariamente, pelo Congresso Nacional, com ou sem a participação do presidente da República, ou apenas pelo Presidente da República, extraordinariamente, mediante delegação legislativa ou mediante a edição de medida provisória com força de lei, de acordo com os procedimentos previstos na Constituição (arts. 59 a 69 e 165), tendo por objeto normas gerais e abstratas ou individuais e concretas. Trata-se como se vê, de conceito eminentemente formal, em que se destacam os órgãos competentes para legislar e o procedimento de elaboração legislativa, aludindo-se apenas, a um conteúdo normativo mínimo, que pode compreender normas gerais e abstratas, mas também normas individuais e concretas. 123

Por fim, cabe mencionar então, que a idéia de lei engloba os elementos que

trarão ao ato legislativo a normatividade necessária para que tenha capacidade de

regular situações não individuais. Tais elementos constitutivos serão melhor

explorados a partir deste ponto.

2.2 ELEMENTOS DA NORMATIVIDADE DO ATO LEGISLATIVO: GENERALIDADE,

ABSTRAÇÃO E INOVAÇÃO/PERMANÊNCIA

Conforme demonstrado no item anterior, o ato legislativo pode ser

conceituado tanto pela sua aparência material quanto formal e, assim, o ato passa a

evidenciar elementos inerentes a sua existência e normatividade.

Para que um ato seja considerado normativo faz-se necessário que

preencha, então, algumas condições. Porém, torna-se importante destacar que há

inúmeras denominações dadas aos elementos constitutivos do ato legislativo, como

por exemplo, generalidade, abstração, inovação, permanência, impessoalidade,

122 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 17. 123 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 19-20.

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obrigatoriedade, autonomia, dentre outros.

O rol de elementos constitutivos dos atos normativos varia dentre os autores

pesquisados: Gilmar Ferreira Mendes utiliza os elementos da generalidade,

abstração e impessoalidade124; José Afonso da Silva faz uso dos termos,

generalidade, obrigatoriedade, permanência e originalidade125; outros, ainda,

mencionam somente a generalidade e abstração como noções de normatividade de

um ato legislativo.126

Neste estudo serão utilizadas as qualificações de generalidade, abstração,

bem como de inovação e permanência, por serem estes os elementos que

apresentam maior coerência com o significado e idéia de lei, nos termos antes

delineados.

Inicialmente, pode-se reconhecer certa unanimidade em referir-se à

generalidade e abstração como requisitos constitutivos da lei, entretanto, é difícil

identificar o que os diferencia porque tais conceitos geralmente são mencionados

como idéias indissociáveis decorrentes da idéia geral de lei, sem que haja uma

preocupação de delimitação conceitual específica.

Esta ausência de delimitação conceitual é recorrente, como se pode extrair,

exemplificativamente, da lição de Clèmerson Merlin Clève, na qual o autor reúne os

conceitos de generalidade e abstração, não fazendo distinção evidente entre eles:

[...] a generalidade da disposição constitui a condição essencial da lei e o principal elemento de sua definição. Partindo desse pressuposto, a função administrativa distingue-se da legislativa pelo fato de que a primeira consiste na adoção de disposições individuais apropriadas a casos concretos, enquanto a segunda consiste em formular regras gerais. [...] A lei é geral, porque as suas disposições são tomad as em abstrato, podendo ser aplicadas a todos os casos futuros capazes de ser abrangidos pelo seu enunciado. 127 [grifou-se]

Já Nuno Piçarra, quando versa sobre o conceito de lei, trata dos elementos

de generalidade e abstração da seguinte maneira:

124 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1062. 125 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 25. 126 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 64; RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 20. 127 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 63-64.

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O conceito de lei, ao serviço de cujo primado o princípio da separação dos poderes vai ser posto, apresenta, em síntese os seguintes traços: é essencialmente uma norma geral e abstracta, imputável à vontade geral do povo soberano, a quem exclusivamente deve a sua existência. 128

Por outro lado, José Afonso da Silva leciona que lei “é um preceito jurídico; é

dotada de generalidade, de obrigatoriedade e de permanência; e finalmente, para

extremar a lei do regulamento, do ponto de vista da função, destacam o caráter de

originalidade da lei”. E conclui levantando o seguinte conceito de lei: “A lei é a regra

primordial e fundamental que rege as relações sociais no interior do Estado de um

modo geral e permanente (ou perpértuo)”. 129 Desta forma, é perceptível que o

doutrinador apresenta requisitos para existência de uma lei, que outros não tratam.

Porém, alguns conceitos muitas vezes se confundem como é o caso de inovação,

aqui definido como objeto de estudo, e originalidade, mencionado pelo autor.

Em relação aos elementos de inovação e permanência, é possível expor que

o primeiro determina que a lei deve fazer nascer obrigações e deveres autônomos

novos, ou seja, é necessário que outra norma já não trate sobre o mesmo assunto,

enquanto o segundo elemento estabelece que a norma é editada para conservar-se,

persistir no ordenamento jurídico, e não para viger por tempo determinado, ou

regulando situações passadas. O motivo da existência da lei é regular situações

futuras.

Os Tribunais igualmente referem-se aos conceitos conjuntamente sem

diferenciá-los. Exemplificativamente temos a situação em que o Ministro Maurício

Corrêa, relator da ADI-MC n. 2.057/AP, diz que o ato legislativo, deve ter o caráter de

generalidade, estando presente quando a lei tem destinatários indeterminados e

indetermináveis, ou seja, é direcionada a todos os indivíduos, sem qualquer

distinção. 130

Todavia, seria interessante estabelecer contornos mais precisos em relação

a estes elementos, tendo em vista o objeto da presente monografia.

128 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional: um contributo para o estudo das suas origens e evolução. Lisboa: Coimbra Editora, 1989. p. 156. 129 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 25. 130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 2.057/AP. Relator Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 09/12/1999.

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Neste sentido, quem diferencia com maior clareza, dentre os autores

pesquisados, é Elival da Silva Ramos quando estabelece que normas gerais são

antagônicas a individuais e as abstratas fazem referência a um fato-tipo e não a um

fato concreto. 131

Vejamos suas palavras em relação à generalidade:

A “generalidade”, que é a característica principal do conceito rousseaniano de lei, deve ser tomada em duplo sentido: a lei é geral quanto à sua origem, porque é fruto da deliberação coletiva direta do corpo dos cidadãos, sem a presença nefasta das chamadas sociedades parciais; e a lei é geral quanto ao seu objeto, posto que não visa a um só indivíduo ou a uma única ação.132

Por fim, fazem-se duas ressalvas. A primeira em relação a normas que

mesmo não tendo os requisitos de generalidade e abstração, e não estando

previstas no rol de atos primários do art. 59 da Constituição Federal, estão sujeitas

ao controle concentrado de constitucionalidade, uma vez que possuem força de lei

posto que inovam no ordenamento jurídico. Acima delas somente existe a

Constituição Federal, que é a própria fundamentação de sua existência. Serve como

exemplo, um decreto autônomo que inova a ordem jurídica a partir do momento em

que impõe condutas novas aos cidadãos, condutas não previstas em lei antes de

sua edição. Outra observação se faz aos atos regulamentares que apesar de não

terem o caráter inovador, gozam igualmente de generalidade e abstração, sem,

contudo, serem suscetíveis de controle abstrato. Esta temática será melhor tratada a

partir dos próximos tópicos.

2.3 ATO NORMATIVO PARA FINS DE CONTROLE JUDICIAL

Considera-se ato normativo, para fins de controle abstrato de

constitucionalidade, aquele que detém os requisitos de generalidade, abstração,

inovação e permanência, conforme explicitado no item anterior.

Todavia, o que se percebe analisando os precedentes do STF é que as suas 131 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 20. 132 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 16.

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decisões não reconhecem um único padrão de nomenclatura dos elementos que

compõem o ato normativo, fazendo com que o leitor se depare com diversas

terminologias, que em muitos casos, tornam confusos os entendimentos. E, como já

mencionado, podem também ser entendidas como sinônimos umas das outras.

O Ministro Eros Grau, ao proferir decisão de agravo regimental em recurso

extraordinário, ressaltou o elemento da “determinabilidade dos destinatários”, que

pode ser visto inserido no conceito de generalidade e abstração:

[...] as leis impugnadas são dotadas de generalidade e abstração. Seus destinatários são determináveis, e não determi nados , sendo possível a análise desse texto normativo pela via da ação direta. [...] 133 [grifou-se]

Já a Ministra Ellen Gracie, destacou que o ato deve ter feição “obrigatória”:

[...] o ato normativo impugnado, ao conferir eficácia erga omnes a um julgado singular, revela sua feição geral e obrigatória , sendo, portanto, dotado de generalidade, abstração e impessoalidade. [...] 134 [grifou-se]

E o Ministro Gilmar Mendes apresenta o elemento “autonomia”:

Generalidade, abstração e autonomia que tornam apto o ato normativo para figurar como objeto do controle de constitucionalidade. 135 [grifou-se]

Do exposto é possível notar que o STF não possui um rol expresso de

nomenclaturas que devem ser utilizadas quando se trata de elementos que

compõem o ato normativo para fins de controle jurisdicional. Observa-se, somente,

que para a norma ser apta ao controle abstrato e figurar como seu objeto, tem que

apresentar, ao menos, contornos que demonstrem a presença dos elementos de

generalidade e abstração.

Cabe ressaltar que o controle concentrado admite preponderantemente a

sindicância de atos normativos primários, ou seja, aqueles que decorrem

diretamente da Constituição, presentes em seu art. 59, sejam eles federais ou

estaduais, que sejam dotados dos requisitos já mencionados.

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE-AgR n. 543024/DF. Relator Min. Eros Grau. Julgamento em 19/08/2008. 134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 3.929/DF. Relator Min. Ellen Gracie. Julgamento em 29/08/2007. 135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.691/MA. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento em 29/08/2007.

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Quando o STF refere-se às condições do ato normativo pretende identificar

parâmetros para definir, sobretudo, o que pode (ou não) ser objeto de manifestação

de constitucionalidade in abstracto. Para identificar os atos sindicáveis, impõe-se

fazer duas distinções conceituais úteis entre lei formal e material e ato primário e

secundário, as quais serão realizadas nos itens que seguem.

2.3.1 Lei em sentido formal e em sentido material

José Afonso da Silva, sobre o sentido formal da lei, leciona que tal conceito

“só existe, rigorosamente, nos regimes constitucionais da separação de funções do

Estado, pois seu conceito provém do fato de ser a função legislativa atribuída a

órgão distinto dos incumbidos das funções executivas e judiciárias” 136.

Elival da Silva Ramos sobre o sentido formal da lei menciona que

[...] se destacam os órgãos competentes para legislar e o procedimento de elaboração legislativa, aludindo-se, apenas, a um conteúdo normativo mínimo, que pode compreender normas gerais e abstratas, mas também normas individuais e concretas. 137

Assim, é tida como lei em sentido formal aquela que foi editada de acordo

com o procedimento legislativo previsto na Constituição Federal, não importando seu

conteúdo, sendo este irrelevante.

Tercio Sampaio Ferraz Jr. pontua algumas distinções entre lei em sentido

formal e material dizendo que a primeira é expressão que designa um modo de

produção de normas, é aquela caracterizada pela forma e, a segunda, designa seu

conteúdo, sendo caracterizada por sua natureza, ou seja, é o conjunto de normas

que prescrevem diretamente obrigações e direitos subjetivos. 138

Sobre lei em sentido material, José Afonso da Silva expõe que “consiste num

ato normativo de caráter geral, abstrato e obrigatório, tendo como finalidade o

ordenamento da vida coletiva, no sentido de trazer certeza, precisão e garantia às 136 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 27. 137 RAMOS, Elival da Silva. A inconstitucionalidade das leis: vício e sanção. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 20. 138 FERRAZ, Tercio Sampaio Jr. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 231.

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relações jurídicas” 139.

Este conceito de lei em sentido material considera relevante não só o

conteúdo da norma, mas a natureza dos dispositivos que a compõe, uma vez que

devem ser gerais, abstratos, impessoais e inovadores. A maneira, a forma, o órgão

pelo qual foi emanada não tem importância quando se fala em lei em sentido

material.

Os decretos regulamentares, por exemplo, são atos infralegais que não

inovam no ordenamento jurídico140, pois são considerados complementos de uma

das espécies normativas dispostas no art. 59, da CF. Porém, levando em conta a

natureza de seus dispositivos, são tidos como lei em sentido material, uma vez que

suas normas são dotadas de generalidade e abstração.

2.3.2 Ato normativo primário e ato normativo secund ário

Da decisão de medida cautelar da ADI n. 2.321/DF, de relatoria do Ministro

Celso de Mello, extrai-se o seguinte trecho em que é dado o conceito de ato

normativo para fins de controle concentrado:

[...] A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Esses elementos - abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade - qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como

139 SILVA, José Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 26. 140 Ato que não inova na ordem jurídica pode ser entendido como aquele que foi editado como complemento necessário de uma lei, sendo sua existência indispensável para regulamentar a norma. Como exemplo extrai-se trecho do julgamento da ADI nº 2.589/DF, vejamos: “Revela-se, pois, insuscetível de conhecimento a presente ação direta, eis que o decreto em questão – longe de haver sido utilizado como sucedâneo da lei em sentido formal, substituindo-a, impropriamente, em sua clássica função de veículo instaurador de uma nova ordem normativa (J. J. GOMES CANOTILHO, 'Direito Constitucional e Teoria da Constituição', p. 633, 1998, Almedina) – veio a ser editado precisamente em decorrência, e como um necessário complemento, da Lei n. 9.394/96, cuja existência tornou imprescindível a formulação do mencionado decreto, circunstância que nesta faz ressaltar a sua ausência de autonomia jurídica, o que lhe suprime o atributo de normatividade qualificada, essencial à instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.589/DF. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 29/09/2003.

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norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais. [...] 141

O ato normativo primário pode ser conceituado como aquele que decorre

diretamente de disposição presente na redação da Constituição Federal. O Ministro

Ayres Britto, no julgamento da medida cautelar da ADC n. 12/DF, considerou

inseridas às espécies normativas numeradas no art. 59, da CF, ou seja, no conceito

de norma primária, as seguintes espécies: decreto — regulamento autônomo — (art.

84, VI, a da Constituição Federal); resolução do Conselho Nacional de Justiça (art.

103-B, II da Constituição Federal) e; regimentos internos dos tribunais (art. 96, I,

alínea a da Constituição Federal).

Em relação ao regimento dos tribunais destacou que possuem natureza

dúbia, pois têm natureza de atos primários quando dispõem sobre competência e

funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos, e de atos secundários

quando tratam sobre o dever de observância das normas de processo e das

garantias processuais das partes.

Assim, ato normativo secundário constitui aquele diretamente subordinado

aos atos primários, como aqueles estritamente submissos ou subordinados à fonte

primária do Direito, como por exemplo, a lei. 142

Luís Roberto Barroso sobre atos secundários preleciona:

Atos administrativos normativos – como decretos regulamentares, instruções normativas, resoluções, atos declaratórios – não podem validamente inovar na ordem jurídica, estando subordinados à lei. Desse modo, não se estabelece confronto direto entre eles e a Constituição. 143

A definição desses dois tipos normativos foi bem desenvolvida pelo Ministro

Ayres Britto, na decisão supramencionada. Vejamos fragmento de sua exposição:

[...] o Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é primária, outra é derivada. A vontade primária é assim designada por se seguir imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. [...] Já a segundo tipologia de vontade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada

141 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 2.321/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 25/10/2000. 142 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional . São Paulo: Saraiva, 2007. p. 170. 143 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158.

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pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota com esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, este sim, com base na Constituição. [...] 144

Em relação ao ato normativo secundário, torna-se necessário fazer uma

ressalva. O controle abstrato de constitucionalidade não se presta à análise desses

atos, pois o confronto com a Carta Maior se dá de maneira reflexa, ou seja, não há

violação a preceitos constitucionais diretamente 145 e sim a normas infralegais.

O STF a respeito da matéria entende que a inconstitucionalidade reflexa é

verificada “quando o vício de ilegitimidade irrogado a um ato normativo é o

desrespeito à Lei Fundamental por haver violado norma infraconstitucional

interposta, a cuja observância estaria vinculada pela Constituição” 146. Neste caso

existe uma ilegalidade e não uma inconstitucionalidade da norma, para fins de

demonstração de ofensa direta à Constituição, própria do controle abstrato. 147

2.4 ATOS NORMATIVOS SUJEITOS À FISCALIZAÇÃO ABSTRATA PELA

JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Como já dito, o STF é órgão competente para processar e julgar ação direta

de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, bem como para

processar e julgar ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo

federal, conforme estabelece o art. 102, I, a, da CF.

Convém destacar que são impugnáveis por meio das duas ações

supramencionadas as espécies normativas elencadas no art. 59, da CF, in verbis:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias;

144 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC-MC n. 12/DF. Relator Min. Carlos Britto. Julgamento em 16/02/2006. 145 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 399. 146 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.132/SE. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 15/02/2006. 147 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 157-158.

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IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

No item que segue, cada um dos tipos normativos citados serão

esmiuçados, sendo apresentados seus desdobramentos e exemplos pertinentes às

suas peculiaridades específicas.

2.4.1 Atos legislativos primários dotados de normat ividade

Todas as espécies legislativas presentes no art. 59, da Constituição Federal,

e aquelas apresentadas no tópico 2.3.2, desde que gozem de normatividade, estão

sujeitas ao controle abstrato de constitucionalidade.

As emendas constitucionais, tanto formal quanto materialmente, submetem-

se à fiscalização concentrada148. Isto significa dizer que deve ser observado o

procedimento próprio de sua criação (art. 60, I, II, III e §§ 2º, 3º e 5º da Carta

Magna149) e o respeito às interdições constitucionais chamadas de cláusulas pétreas

(art. 60, § 4º, da Constituição Federal150) 151.

Sobre o tema, já se manifestou a Suprema Corte no sentido de que “não há

dúvida de que, em face do novo sistema constitucional, é o STF competente para,

em controle difuso ou concentrado, examinar a constitucionalidade, ou não, de

148 Porém, vem sendo admitido o controle concreto preventivo através de mandado de segurança impetrado por parlamentar, como por exemplo, o MS nº 22504/DF, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado em 08/05/1996. 149 BRASIL. Constituição (1988). Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. [...] § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. [...] § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. 150 BRASIL. Constituição (1988). [...] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. 151 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 150-151.

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emenda constitucional” 152.

Da mesma maneira, leis complementares e leis ordinárias, desde que

estejam em vigência 153, são passíveis de controle abstrato. Destaca-se que e leis

complementares e leis ordinárias são espécies normativas distintas e inconfundíveis,

revelando-se indevida a invasão de competência temática de uma lei complementar

sobre o disposto em lei ordinária.

Alexandre de Moraes diferencia as duas espécies normativas:

São duas as diferenças entre lei complementar e lei ordinária. A primeira é material, uma vez que somente poderá ser objeto de lei complementar a matéria taxativamente prevista na Constituição Federal, enquanto todas as demais matérias deverão ser objeto de lei ordinária. Assim, a Constituição Federal reserva determinadas matérias cuja regulamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio de lei complementar. A segunda é formal e diz respeito ao processo legislativo, na fase de votação. Enquanto o quorum para aprovação da lei ordinária é de maioria simples (art. 47), o quorum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (art. 69) [...]. 154

Assim, uma lei ordinária que dispõe a respeito de matéria reservada à lei

complementar usurpa competência fixada na Constituição Federal, incidindo em

vício de inconstitucionalidade155.

Sobre as medidas provisórias diz-se que são atos originários do Chefe do

Executivo156. Não há dúvida de que estão sujeitas ao controle de constitucionalidade

tanto em relação a seus requisitos como quanto a seu conteúdo. 157 Cabe o controle

152 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 829/DF. Relator Min. Moreira Alves. Julgamento em 14/04/1993. 153 Segundo a jurisprudência do STF tendo sido a norma revogada, o processo objetivo deve ser considerado prejudicado resultando na extinção do feito sem julgamento de mérito. 154 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1170. 155 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 2.223/DF. Relator Min. Maurício Corrêa. Julgamento em 10/10/2002. 156 É possível conceituá-las como ato normativo com força de lei que pode ser editado pelo Presidente da República em caso de relevância e urgência, devendo ser submetida de imediato à deliberação do Congresso Nacional. São atos normativos de eficácia limitada, pois se perdem a eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias, prorrogável por mais 60. Através do julgamento da ADI-QO n. 293, julgada em 06/05/1993, o Ministro Celso de Mello a conceituou como “A medida provisória constitui espécie normativa juridicamente instável. Esse ato estatal dispõe, em função das notas de transitoriedade e de precariedade que o qualificam, de eficácia temporal limitada, na medida em que, não convertido em lei, despoja-se, desde o momento de sua edição, da aptidão para inovar o ordenamento positivo.”. 157 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed.

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político (abuso de legislar), excepcionalmente, para a análise de seus requisitos de

admissibilidade e, pertence ao STF a competência para julgá-las quanto a seu

conteúdo.

Vejamos o que Luís Roberto Barroso ensina sobre o tema:

No tocante aos requisitos de relevância e urgência, prevaleceu na jurisprudência so Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o controle deve ser predominantemente político – e, ipsis facto, deve ser exercido pelo Presidente da República ao editar a medida e pelo Congresso Nacional ao apreciá-la 158 - e não judicial, salvo nas hipóteses de abuso de poder de legislar 159 ou da clara falta de razoabilidade da medida 160. 161

Importante frisar que o controle político encontra-se previsto no art. 62, § 8º,

da CF 162.

Na hipótese de sua conversão em lei, sem alteração pelo Poder Legislativo,

é permitido que o autor peça a extensão da ação à lei de conversão para que o STF

aprecie a inconstitucionalidade. A isto se dá o nome de aditamento da inicial 163. Mas,

caso a medida seja alterada materialmente em projeto de lei de conversão e haja a

sanção presidencial, haverá também novo material legislativo e o pedido de

São Paulo: Saraiva, 2007. p. 153. 158 Em princípio, a apreciação dos requisitos de relevância e urgência, por seu caráter político, fica por conta do Chefe do Poder Executivo e do Congresso Nacional. O STF somente tem reconhecido a possibilidade de controle judicial quando a ausência de tais requisitos possa ser evidenciada objetivamente, sem depender de uma avaliação discricionária. 159 Se a relevância ou a urgência evidenciarem-se improcedentes, o tribunal deverá decidir pela ilegitimidade da medida provisória. Terá ocorrido, em tal caso, excesso de poder de legislar. 160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-QO n. 1.753/DF. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 17/09/1998. “Ação direta de inconstitucionalidade e reedição de medidas provisórias: evolução da jurisprudência: aditamento da petição inicial: pressuposto de identidade substancial das normas. A possibilidade do aditamento da ação direta de inconstitucionalidade de modo a que continue, contra a medida provisória reeditada, o processo instaurado contra a sua edição original, pressupõe necessariamente a identidade substancial de ambas: se a norma reeditada é, não apenas formal, mas também substancialmente distinta da originalmente impugnada, impõe-se a propositura de nova ação direta.” 161 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 153-154. 162 BRASIL. Constituição (1988). Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. [...] § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. 163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-QO n. 1.334/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 19/12/1995.

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declaração de sua inconstitucionalidade deverá ser feito em nova ação direta 164.

Quanto à lei delegada, Clèmerson Merlin Clève leciona que pode incidir o

controle de constitucionalidade tanto sobre a lei delegante (resolução), quanto sobre

a lei delegada propriamente dita. Em relação à última, cabe ao STF conferir se os

limites fixados pela resolução não foram ultrapassados. E sobre a lei delegante,

verificar se preenche os requisitos exigidos pela Constituição em relação à forma e

às matérias suscetíveis de delegação. 165 Ressalta-se que tal espécie normativa,

atualmente, encontra-se em desuso. 166

Os Decretos Legislativos e as Resoluções veiculam atos privativos do

Congresso Nacional ou de cada uma de suas casas, tendo força de lei e, portanto,

sujeitando-se, formal e materialmente, ao controle de constitucionalidade.

Sobre o tema, Clèmerson Merlin Clève discorre que havendo veiculação por

parte dos decretos legislativos de

atos normativos, estão sujeitos à fiscalização abstrata da constitucionalidade. Portanto, as resoluções que veiculam os regimentos internos do Congresso Nacional (regimento comum), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (ou das Assembléias Legislativas estaduais) podem ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade. O fato de constituírem atos interna corporis não é suficiente, neste caso, para torná-los imunes ao controle judicial. 167

O STF, através da ADI-MC n. 1.480/DF, de relatoria do Ministro Celso de

Mello, admitiu a fiscalização abstrata de decretos legislativos que sustaram atos

normativos do Poder Executivo, por exemplo, atos que incorporaram convenção

internacional ao direito positivo interno do Brasil.

A título exemplificativo, em relação às resoluções, cita-se que o Supremo

Tribunal Federal já considerou suscetível de controle abstrato Resolução da Câmara

164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-QO n. 258/DF. Relator Min. Aldir Passarinho. Julgamento em 26/04/1991. 165 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 200. 166 “Trata-se de espécie normativa marcada pelo desuso. A prática sistemática de delegações legislativas foi abandonada após 1962. Houve, porém, dois casos posteriores, ambos de 1992: a Lei Delegada nº 12, de 7 de agosto, que instituiu gratificação de atividade para os servidores militares federais das forças armadas; e a Lei Delegada nº 13, de 27 de agosto, que instituiu gratificações para servidores civis do Poder Executivo e reviu vantagens.” BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 153. 167 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 206-207.

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dos Deputados do Distrito Federal que instituiu plano de carreira168.

Os tratados e convenções internacionais, apesar de não figurarem

expressamente entre as espécies normativas do art. 59 da Constituição, são

admitidos no ordenamento jurídico brasileiro por atuação sucessiva do Poder

Legislativo (através de decreto legislativo) e do Poder Executivo (decreto de

execução). Por serem incorporados, em geral, com status de lei ordinária169 são

considerados sujeitos à supremacia da Constituição.

Gilmar Ferreira Mendes leciona a respeito do processo de promulgação

interna dos tratados e convenções internacionais, nos seguintes termos:

O Congresso Nacional aprova o tratado mediante a edição de decreto legislativo (CF, art, 49, I), ato que dispensa sanção ou promulgação por parte do Presidente da República. Tal como observado, o decreto legislativo contém a provação do Congresso Nacional ao tratado e simultaneamente a autorização para que o Presidente da República o ratifique em nome da República Federativa do Brasil. Esse ato não contém, todavia, uma ordem de execução do tratado no território nacional, uma vez que somente ao Presidente da República cabe decidir sobre sua ratificação. Com a promulgação do tratado por meio de decreto do Chefe do executivo, recebe aquele ato a ordem de execução passando, assim, a ser aplicado de forma geral e obrigatória.

Apesar da vigência dos tratados e convenções internacionais ser conferida

com a promulgação do decreto de execução, o questionamento acerca de sua (in)

constitucionalidade pode ser suscitado tanto em relação aos decretos legislativos de

aprovação e os decretos presidenciais de promulgação170. 171

Por fim, ressalta-se que por legislação estadual são compreendidas:

disposições das Constituições Estaduais; leis estaduais de qualquer espécie ou

168 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 806/DF. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 11/11/1993. 169 “Nos termos do art. 5º, § 3º, da CF, na versão da EC n. 45/2004 (reforma do Judiciário), “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Independentemente de qualquer outra discussão sobre o tema, afigura-se inequívoco que o tratado de direitos humanos que vier a ser submetido a esse procedimento especial de aprovação configurará, para todos os efeitos, parâmetro de controle das normas infraconstitucionais”. VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade . 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 379. 170 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 1.480/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 04/09/1997. 171 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 157.

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natureza, independente de seu conteúdo; leis estaduais editadas para regulamentar

matéria de competência exclusiva da União; decretos autônomos; regimentos

internos dos Tribunais Estaduais e das Assembléias Legislativas; e, atos normativos

expedidos por pessoas jurídicas de direito público estadual. Essas leis estaduais são

igualmente passíveis de fiscalização abstrata perante o STF (exclusivamente através

de ADI) 172, não sendo possível a interposição de ação declaratória de

constitucionalidade, uma vez que seu objeto está circunscrito em leis e atos

normativos federais.

A partir deste ponto, torna-se oportuno mencionar que existem no

ordenamento jurídico brasileiro atos legislativos dotados de normatividade, mas que

a jurisprudência do STF não os reconhece como suscetíveis de exame em sede de

ação direta de inconstitucionalidade.

Atos editados por municípios, por exemplo, somente poderão ser

impugnáveis por meio de ação direta no plano estadual, perante Tribunal de Justiça

local, em face da Constituição Estadual, desde que esta, para tanto, contenha a

previsão autorizativa. Da mesma forma, os atos estaduais, quando contrariarem

dispositivo da Constituição local, poderão ser questionados perante o Tribunal de

Justiça.

Sobre a legislação municipal, ressalta-se a possibilidade de impetrar recurso

extraordinário perante o STF, caso haja contrariedade à disposição da Constituição

Estadual de reprodução da Constituição Federal. Segue entendimento a respeito do

assunto:

Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observancia obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interp retação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observancia obrigatoria p elos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida,

172 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1059.

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mas julgada improcedente. 173 [grifou-se] Importante salientar que a partir do advento da Lei n. 9.882/99, tornou-se

possível o controle concentrado de lei municipal ante a Constituição Federal, através

da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Luís Roberto Barroso, acerca do assunto, leciona:

[...] até a edição da Lei n. 9.882/99, o direito municipal somente comportava o controle incidental ou difuso de constitucionalidade, salvo hipótese de representação de inconstitucionalidade em âmbito estadual, por contraste com a Constituição do Estado-membro. Já agora, se a norma municipal envolver ameaça ou lesão a preceito fundamental ou houver controvérsia constitucional relevante quanto a sua aplicação, sujeitar-se-á ao controle abstrato e concentrado do Supremo Tribunal Federal, mediante ADPF. Também por aplicação da regra da subsidiariedade, será cabível, em tese, a argüição de descumprimento de preceito fundamental tendo por objeto o reconhecimento da constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal. É que, como assinalado, a ação declaratória de constitucionalidade somente poderá ter por objeto lei ou ato normativo federal, havendo espaço, portanto, para a arg6uição, sem que haja superposição. 174

Seguindo a linha jurisprudencial do STF, da mesma forma também não são

admitidos como possíveis de controle concentrado as chamadas normas “pré-

constitucionais”, ou seja, aquelas editadas antes da entrada em vigor da

Constituição de 1988 e que por esta razão apresentam incompatibilidade com a

normatividade fundada por ela. 175 Bem como quando o fundamento constitucional

invocado como parâmetro de controle houver sido substancialmente alterado por

Emenda Constitucional superveniente.

Desta forma, tem o Supremo Tribunal Federal consagrado a tese de

revogação tácita ou não recepção dessas normas, em oposição à tese da

inconstitucionalidade superveniente.

Por conseguinte, as normas anteriores à Carta de 1988, que apresentem

qualquer tipo de incompatibilidade material com esta, não serão apreciadas em sede

de ação direta, pois como não teriam sido recepcionadas pela nova ordem jurídica,

estariam, automaticamente, revogadas. A tese da revogação se deve ao princípio da

173 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rcl n. 383/DF. Relator Min. Paulo Brossard. Julgamento em 18/08/1994. 174 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 264-265. 175 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.189/AL. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 13/12/2006.

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lex posterior derrogat priori, ou seja, entre duas normas incompatíveis, prevalece a

norma posterior. 176

Convém ressaltar que se a lei anterior for materialmente compatível com a

Constituição Federal, ainda se com ela mostrar incompatibilidade formal, será

considerada plenamente válida. Como é a situação, por exemplo, do Código

Tributário Nacional (CTN) que na época de sua aprovação não obedeceu ao quorum

de lei complementar (maioria absoluta) exigível a partir da Constituição de 1988.

Assim, promulgada a nova Constituição, passou a ser lei formalmente

inconstitucional, pois não se apresentava em harmonia com o novo processo

legislativo. No caso do CTN, o STF decidiu que sendo a lei materialmente

constitucional, poderia ser recepcionada pelo novo ordenamento jurídico como se lei

complementar fosse.

Assim, para se falar em não-recepção ou revogação de lei anterior à nova

ordem jurídica constitucional, a norma deve ser apresentar incompatibilidade

material com a Constituição Federal.

Sobre o tema, Luís Roberto Barroso, leciona:

[...] ocorrendo incompatibilidade entre ato normativo infraconstitucional e a Constituição superveniente, fica ele revogado, não havendo sentido em buscar, por via de controle abstrato, paralisar a eficácia de norma que já não integra validamente o ordenamento. A eventual contrariedade entre a norma anterior e a Constituição posterior somente poderá ser reconhecida incidentalmente, em controle concreto de constitucionalidade. 177

A controvérsia entre a revogação e declaração de inconstitucionalidade

superveniente foi suscitada na ADI n. 2/DF, de relatoria do Ministro Paulo Brossard.

Na oportunidade, o Ministro Sepúlveda Pertence argumentou em favor da revisão da

jurisprudência há muito consolidada pelo STF, sustentando a aplicação do princípio

da supremacia da Constituição também à lei pré-constitucional, argumento este

rejeitado pela maioria. 178

Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, sobre a mencionada 176 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 185. 177 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158-159. 178 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 185-186.

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ação direta, lecionam:

Não se deve olvidar, outrossim, tal como enfatizado por Sepúlveda Pertence, que o debate sobre a inconstitucionalidade ou revogação do direito pré-constitucional em face do direito constitucional superveniente está imantado por uma opção político-constitucional e pragmática, que, diante da inequívoca razoabilidade das orientações, faz prevalecer uma das duas posições ou, ainda, permite desenvolver fórmulas de compromisso, com vista à preservação de competência da jurisdição ordinária para conhecer de questões nos sistemas de controle concentrado.179

Faz-se necessário destacar que através da Lei n. 9.882/99, que instaurou o

modo de processar e julgar a ADPF, ação que também pertence ao controle

abstrato, surgiu possibilidade de questionar perante o STF as normas de direito pré-

constitucional. 180

Os projetos de lei e as propostas de emendas constitucionais também não

estão sujeitas ao controle concentrado via ação direta. Isto porque o direito brasileiro

não admite o controle abstrato jurisdicional preventivo, ou seja, não é possível

fiscalizar ato normativo que ainda esteja em fase de formação ou tramitação.

Segue trecho de manifestação da Suprema Corte a respeito do tema:

[...] O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou - como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite - o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos "in fieri", ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao

179 MARTINS, Ives Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concentrado de constitucionalidade: comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 187. 180 “A questão ganhou, porém, novos contornos com a aprovação da Lei nº 9.882/99, que disciplina a argüição de descumprimento de preceito fundamental e estabelece, expressamente, a possibilidade de exame da compatibilidade do direito pré-constitucional com norma da Constituição Federal. Assim, toda vez que se configurar controvérsia relevante sobre a legitimidade do direito federal, estadual ou municipal, anteriores à Constituição em face de preceito fundamental da Constituição, poderá qualquer dos legitimados para a proposição de ação direta de inconstitucionalidade propor argüição de descumprimento. Também essa solução vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam solvidas pelo STF com eficácia geral e efeito vinculante no âmbito de um processo objetivo”. MENDES, Gilmar Ferreira. Argüição de descumprimento de preceito fundamental: comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 67.

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controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe - ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante - a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. [...] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional - e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão - que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados.[...] 181

Frise-se que, nestes casos, há possibilidade de controle jurisdicional

preventivo, pela via mandamental, conforme Ricardo Cunha Chimenti leciona:

Excepcionalmente admite-se que parlamentar envolvido no processo legislativo (mas não qualquer cidadão) impetre mandado de segurança contra proposta de emenda à Constituição que extrapole os limites do Poder Derivado ou contra projeto de lei que viole as regras constitucionais do processo legislativo (STF, RDA, 183/158, e MS 24.041). 182

Feitas as considerações pertinentes aos atos legislativos primários dotados

de normatividade, convém enfatizar que há no ordenamento jurídico brasileiro atos

que, não obstante serem primários não são revestidos dos elementos da

generalidade e abstração. Tais atos, chamados de “atos de efeitos concretos” ou

“leis meramente formais”, constituirão objeto específico do próximo capítulo.

2.4.2 Atos normativos secundários “autônomos”

Como já mencionado, os atos normativos secundários não estão sujeitos ao

controle concentrado através de ação direta de inconstitucionalidade. São exemplos

desses atos: decretos regulamentares, resoluções de órgãos do Executivo e

portarias.

Isto ocorre, pois tais normas estão subordinadas à lei e não diretamente à

Constituição, como acontece com os atos normativos primários. Decorrente deste

entendimento, para fins de instauração de controle abstrato de constitucionalidade,

181 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 466/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 03/04/1991. 182 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 402.

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não há que se falar em inconstitucionalidade e sim em ilegalidade, como já visto em

item anterior.

Porém, existem atos normativos secundários que se sujeitam ao controle

abstrato de constitucionalidade. Podem-se citar como exemplo os decretos

autônomos, prescritos no art. 84, VI, da Constituição Federal183, os regimentos

internos dos Tribunais, bem como os atos normativos por eles confeccionados.

Sobre o tema, Luís Roberto Barroso, leciona:

[...] os atos normativos que, ostentando embora o nome e a roupagem formal de ato secundário, na verdade pretendem inovar autonomamente na ordem jurídica atuando com força de lei. Neste caso, poderão ser objeto de controle abstrato, notadamente para aferir violação ao princípio da reserva legal. 184

José Afonso da Silva, ao tratar de atos com força lei, assim os denomina:

A “força da lei” de um ato consiste na sua idoneidade para introduzir no ordenamento jurídico normas que tenham a capacidade d criar direito novo e impor obrigações; inova, como a lei, o ordenamento jurídico. Assim, um ato com força de lei é ato que, não provindo do Poder Legislativo, discipline assunto de competência da lei, criando direito ou impondo obrigações. 185

Na mesma seara, Gilmar Ferreira Mendes:

Os atos normativos editados por pessoas jurídicas de direito público criadas pela União, bem como os regimentos dos Tribunais Superiores, podem ser objeto do controle abstrato de normas se configurado seu caráter autônomo e não meramente ancilar.186

Torna-se pertinente, neste momento, mencionar decisão do STF onde é

discutida a (in) constitucionalidade do Decreto n. 25.793/99, do Estado Rio de

Janeiro, que autoriza a LOTERJ a distribuir prêmios relativos ao sorteio de bingos.

183 BRASIL. Constituição (1988). Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] VI - dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos. 184 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 155. 185 SILVA, Jose Afonso da. Processo constitucional de formação das leis. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 36-37. 186 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1059.

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Nesta hipótese foi aceito o diploma estadual como ato normativo e o mesmo foi

analisado em sede de ação direta. 187

Sobre a possibilidade de análise de resoluções de órgãos do Poder

Executivo em sede de controle abstrato, o STF também já teve oportunidade de se

manifestar pela procedência de ação que suscitasse tal questão. Vejamos:

[...] A Resolução n. 07/05 do CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas), impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos). A Resolução nº 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo primário, dado que arranca diretamente do § 4º do art. 103-B da Carta-cidadã e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e o da moralidade. 188

Faz-se uma ressalva em relação ao tema: as resoluções de que trata o art.

59 da Constituição Federal dizem respeito a resoluções veiculadas pelo Congresso

Nacional, que são atos primários decorrentes do exercício de atribuições privativas

do Congresso Nacional e de suas respectivas casas. Por conseguinte, tais normas

em nada se assemelham com as resoluções de órgãos do Poder Executivo, que

podem ser ditas normas secundárias, uma vez que não foram editadas pelo

Legislativo.

Outro ato normativo secundário que o STF admitiu exame em ação direta de

inconstitucionalidade e, possui destaque dentre os registros da Suprema Corte, diz

respeito a parecer exarado pela Consultoria-Geral da República, que tratava da

questão do tabelamento dos juros em 12% previsto pelo atualmente revogado189 § 3º

art. 192, da Constituição Federal. 190

187 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-AgR n. 2.950/RJ. Relator Min. Marco Aurélio. Julgamento em 06/10/2004. 188 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADC n. 12/DF. Relator Min. Carlos Britto. Julgamento em 16/02/2006. 189 Revogado pela Emenda Constitucional n. 40, de 29 de maio de 2003. 190 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 4/DF. Relator Min. Sydney Sanches. Julgamento em 07/03/1991.

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3 MUDANÇA JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL

FEDERAL

Este capítulo tratará dos termos e condições que fez com que o Supremo

Tribunal Federal mudasse seu entendimento a respeito da possibilidade de submeter

as chamadas leis primárias de “efeitos concretos” ao controle abstrato de

constitucionalidade por via de ação direta.

Será apresentado entendimento a respeito das leis meramente formais,

abordadas as duas críticas doutrinárias mais fortes que são dos autores Gilmar

Ferreira Mendes e Clèmerson Merlim Clève, bem como as conseqüências práticas

de não exercer o controle abstrato sob essas leis.

Da jurisprudência do STF serão abordadas as três fases de sua evolução. A

primeira é vista quando se excluem do conceito de efeitos concretos as normas que

apresentam destinatários determináveis, gerando discussão em torno do termo

“determinabilidade dos destinatários”. Na segunda fase há exceção à regra de

impossibilidade de controle, determinada na ADI-MC n. 2.925/DF que admite o

controle quando tais normas contiverem “contornos abstratos e autônomos”.

E, por fim, será realizada a análise da ADI-MC n. 4.048/DF do STF, através

da qual, por maioria, a ação direta foi conhecida, mudando significativamente o

posicionamento do STF, que reafirmados os termos do voto do Relator passará a

admitir o controle de “leis de efeitos concretos” através de fiscalização abstrata de

constitucionalidade.

3.1 ATOS LEGISLATIVOS PRIMÁRIOS DESPOJADOS DE NORMATIVIDADE:

LEIS MERAMENTE FORMAIS OU DE EFEITOS CONCRETOS

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vinha sistematicamente se

posicionando contra a possibilidade de propositura de ação direta de

inconstitucionalidade para impugnar leis de efeitos concretos, também chamadas de

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leis meramente formais. 191

Mas o que é uma lei meramente formal ou de efeitos concretos?

A expressão “ato normativo de efeito concreto” é comumente referida

àqueles atos dotados de aparência legal, mas que são desprovidos dos requisitos de

generalidade e abstração. Zeno Veloso o conceitua como “leis no sentido apenas

formal, mas cujo conteúdo encerra preceito que tem objeto determinado e

destinatários certos (‘leis casuísticas’)” 192.

Assim, podem ter essas denominações aquelas normas que contenham

somente a forma de lei, mas seu conteúdo apresenta-se materialmente concreto.

Isto que dizer que os requisitos de generalidade e abstração, definidos no segundo

capítulo e importantes para identificar uma lei em sentido estrito e, ainda o requisito

de que tenha destinatários certos (impessoalidade), não se fazem presentes.

Luís Roberto Barroso leciona que

[...] por vezes, sob a roupagem formal de uma lei, são editadas medidas materialmente administrativas, com objeto determinado e destinatários certos. Esses atos de efeito concreto, despojados de coeficiente de normatividade ou de generalidade abstrata, não são passíveis de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade. 193

Os atos meramente formais não cuidam de uma situação abstrata, logo, não

contêm em seu texto nenhuma normatividade ou generalidade por terem sido

editados para o fim de regular uma situação particular, individualizada.

Sobre a identificação se um ato normativo é ou não de efeito concreto,

Clèmerson Merlin Clève ensina que “se o ato normativo é genérico, não importa de

onde provenha então a doutrina vai identificá-lo como lei material. Se, ao contrário, o

ato legislativo contiver preceitos concretos, então a doutrina vai chamá-lo de lei

meramente formal”. 194

191 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 50/DF. Relator Min. Octavio Gallotti. Julgamento em 24/05/1989; ADI-MC n. 2.484/DF. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 19/12/2001; ADI-MC n. 3.652/RR. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 19/12/2006. 192 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade . 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 109. 193 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasilei ro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 158. 194 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fiscalização abstrata da constitucionalidade no dir eito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 189-190.

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Diz-se, então, que as leis meramente formais apresentam aparência de ato

normativo, mas com objeto e destinatários especificados, sendo entendidas por

muitos autores como atos puramente administrativos. 195

Da casuística do STF196 podem ser colhidas as seguintes situações nas

quais não foi reconhecida a admissibilidade de atos primários por intermédio do

controle abstrato:

• Dispositivos de leis orçamentárias e lei de diretri zes orçamentárias:

a) ADI-MC n. 2.484/DF que questionava a Lei n. 10.266/2001, por se tratar de lei de

diretrizes orçamentárias, que tem objeto determinado e destinatários certos, sendo

assim sem generalidade abstrata e considerada lei de efeitos concretos. Desta

forma, não fica a norma sujeita à fiscalização jurisdicional no controle concentrado e

a ação não é conhecida 197; b) ADI-MC n. 2.100/RS que não conheceu a

impugnação da Lei n. 11.324/99, do Estado do Rio Grande do Sul, que define as

diretrizes orçamentárias, a qual estabeleceu vinculação de receita a um percentual

de 2,5 da despesa total na função agricultura, excetuando as despesas com pessoal

e inativo 198;

• Dispositivos que tratam de situações inerentes a se rvidores

públicos: a) ADI-MC n. 769/MA que questionou o Decreto Legislativo n. 170/92 e a

Resolução Administrativa n. 186/92, da Assembléia Legislativa do Estado do

Maranhão, que tratam da remuneração dos deputados estaduais, dispondo sobre a

revogação da vinculação do reajuste dos vencimentos a data e ao percentual do

reajustamento dos salários dos servidores do estado 199; b) ADI-MC-QO n. 1.937/PI

que não conheceu impugnação de Decreto Legislativo editado pela Assembléia

Legislativa do Estado do Piauí que impunha reintegração de servidores, que teriam

aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público

Estadual (Lei Estadual n. 4.865/96) 200;

195 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fiscalização abstrata da constitucionalidade no dir eito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 191. 196 Estes exemplos foram colhidos de Uadi Lammêgo Bulos, Gilmar Ferreira Mendes e de pesquisa feita diretamente no site de jurisprudências do STF. 197 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 2.484/DF. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 19/12/2001. 198 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 2.100/RS. Relator Min. Carlos Velloso. Julgamento em 19/12/2001. 199 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 769/MA. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 22/04/1993. 200 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC-QO n. 1.937/PI. Relator Min. Sepúlveda

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• Dispositivos que tratam sobre o funcionamento de em presas

públicas: a) ADI n. 1.827/SP que questionava Resolução da Agência Nacional de

Energia Elétrica (ANEEL), submetida à apreciação de ação direta por alegação de

contrariedade ao art. 175, da Constituição Federal ao efetuar a delegação de

concessão ou permissão de serviços públicos, sem obedecer ao princípio da

licitação a que está sujeita a Administração Pública. Tal norma refere-se,

especificamente, a uma empresa, não sendo caracterizada disposição de caráter

geral, abstrato e imperativo e, portanto, não apresentando condições de ser objeto

de ação direta de inconstitucionalidade 201; b) ADI n. 3.573/DF que não conheceu

impugnação do Decreto Legislativo n. 788/2005, do Congresso Nacional, que

conferiu autorização ao Poder Executivo para implementar o aproveitamento

hidroelétrico Belo Monte no trecho do Rio Xingu, localizado no Estado do Pará 202;

• Atos que consagram doações de bens públicos a entid ades

privadas: a) ADI n. 643/SP que não conheceu a impugnação da Lei n. 7.210/91, do

Estado de São Paulo que realizou doação de bens inservíveis e/ou excedentes a

entidade de direito privado203.

Os exemplos citados são normas desprovidas de generalidade e abstração

por conterem destinatários certos e individualizados. Nestes termos, o caso de uma

lei ordinária que autoriza a criação de uma sociedade de economia mista ou de uma

empresa pública também se encontra em flagrante ofensa à Constituição, porém,

não pode ser apreciada por intermédio de uma ação direta de inconstitucionalidade 204.

Vale ressaltar que a importância do controle abstrato de constitucionalidade

encontra-se no fato de este ser “um processo que visa, sobretudo, a defesa da

Constituição e da legalidade democrática através da eliminação de atos normativos

contrários à Constituição” 205. Portanto, com a promulgação de uma lei de efeitos

Pertende. Julgamento em 20/06/2007. 201 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1.827/SP. Relator Min. Néri da Silveira. Julgamento em 13/05/1998. 202 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.573/DF. Relator Min. Carlos Britto. Julgamento em 01/12/2005. 203 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 643/SP. Relator Min. Celso de Mello. Julgamento em 19/12/2001. 204 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 1.789/DF. Relator Min. Néri da Silveira. Julgamento em 16/04/1998. 205 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 793.

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concretos, esta ofensa à Constituição, mesmo perpetrada por atuação conjunta dos

Poderes Executivo e Legislativo, só poderia ser submetida a controle jurisdicional

por meio do controle incidental ou difuso.

Assim, vê-se que não há consenso em torno da identificação das hipóteses

que podem ser subsumidas ao conceito de leis de efeitos concretos, razão que faz

com que o posicionamento do STF cause signficativas objeções entre os

doutrinadores, sendo suas críticas objeto do item que segue.

3.2 CRÍTICA DOUTRINÁRIA

Ao não admitir a análise das leis meramente formais via ação direta de

inconstitucionalidade o STF provoca discussões entre doutrinadores, dividindo

opiniões acerca da matéria.

A imensa maioria dos autores pesquisados limita-se a descrever/mencionar

que são excluídas do controle abstrato tais normas tendo em vista a jurisprudência

do STF, sem fazer uma análise crítica sobre esta postura. 206 Porém, dois

doutrinadores se destacam ao lecionar sobre a admissibilidade de julgamento de

atos de efeitos concretos ou leis meramente formais através do controle abstrato de

constitucionalidade via ação direta. São eles: Clèmerson Merlin Clève e Gilmar

Ferreira Mendes.

Entendem tais autores que a jurisprudência do STF merece análise

minuciosa no que diz respeito às leis formais com efeitos concretos, pois acaba

deixando de fora da fiscalização abstrata um grande número de leis, aduzindo, para

além deste argumento pragmático, fundamentação teórica decorrente, como segue.

206 LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado . São Paulo: Método, 2006. p. 123; MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 723; MEDINA, Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 77; DUTRA, Carlos Roberto de Alckmin. O controle estadual de constitucionalidade de leis e atos normativos. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 114.

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3.2.1 Controle das leis de efeito concreto e das no rmas de estrutura

O debate em torno da legitimidade da recusa por parte do STF de analisar a

(in) constitucionalidade destas espécies de atos normativos, em sede abstrata, e a

discussão em torno do alcance desta restrição são objeto de divergência doutrinária,

como já dito.

Clèmerson Merlin Clève defende ser incoerente o posicionamento que exige

a demonstração de pressupostos de abstração e generalidade a todas as espécies

de atos normativos, quando, pela sua natureza, estes requisitos só poderiam ser

exigíveis de normas de conduta, não aplicáveis às normas de estrutura.

Da leitura de sua obra nota-se que normas de estrutura podem ser

entendidas como aquelas que não geram violações a interesses subjetivos e, por

outro lado, produzem importante impacto. Como é o caso de leis que tratam de

assuntos relacionados diretamente à organização e composição do Estado. Por

outro lado, normas de condutas são aquelas que impõem obrigações, faculdades ou

vedações aos indivíduos em geral, ou seja, são aquelas que tratam de determinado

assunto de maneira genérica, em favor (ou não) da sociedade como um todo.

Ao citar as palavras de Rodrigo Lopes Lourenço, Clève complementa seu

raciocínio:

“[...] Assim, quando o Direito impõe comportamentos a um número indeterminado de pessoas, abarcando os mais variados procedimentos, verificam-se os requisitos de generalidade e abstração, os quais, somados ao de imperatividade, permitem reconhecer que se trata de um ato normativo. Por outro lado, quando o Direito fixa a competência dos vários órgãos do Estado, inclusive regulando-lhes a criação, tais atos jurídicos, nada obstante serem, aparentemente, individuais e concretos, trazem tamanhas conseqüências ao ordenamento jurídico, pela sucessão de efeitos que produzem [...]”, que não podem deixar de ser considerados leis, para o efeito de controle abstrato. 207

Outrossim, Clève reconhece que a própria jurisprudência do STF não

mantém coerência interna, reforçando a necessidade de revisão do seu

posicionamento no que diz respeito à análise das leis formais com efeitos concretos.

207 LOURENÇO, Rodrigo Lopes. Controle de constitucionalidade à luz da jurisprudência do STF. Rio de Janeiro, Forense, 1998. p. 65. apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no Dir eito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 193.

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Esta incoerência evidencia-se quando o STF não admite apreciação de dispositivo

de lei orçamentária, que fixa determinada dotação e, em contrapartida, admite lei

que cria Município, muito embora, esta última seja considerada típica lei de efeito

concreto. Assim, em razão desta discrepância no entendimento do STF, reclama o

autor que a crítica doutrinária é absolutamente pertinente. 208

3.2.2 “Abstrato é o controle e não o objeto”

Defende Gilmar Ferreira Mendes que não há razão lógica ou jurídica que

justifique a resistência do STF em admitir o controle de leis formais no controle

abstrato, pois abstrato (sem relação com um caso concreto), deveria ser o processo

destinado a verificar a (in) constitucionalidade, e não o ato legislativo oferecido ao

exame do controle de constitucionalidade. 209

O autor leciona que os atos editados sob forma de lei decorrem ou da

vontade do legislador ou do desejo do constituinte, que exige que alguns atos,

mesmo considerados de efeito concreto, sejam assim editados, como é o caso da lei

orçamentária. 210

Por essa razão, ensina Mendes, que

[...] se a Constituição submete a lei ao processo de controle abstrato, até por ser este o meio próprio de inovação na ordem jurídica e o instrumento adequado de concretização da ordem constitucional, não parece admissível que o intérprete debilite esta garantia da Constituição, isentando um número elevado de atos aprovados sob a forma de lei do controle abstrato de normas e, muito provavelmente, de qualquer forma de controle. É que muitos desses atos, por não envolverem situações subjetivas, dificilmente poderão ser submetidos a um controle de legitimidade no âmbito da jurisdição ordinária. 211

208 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 193-195. 209 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1062. 210 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1061. 211 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito

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Discorre ainda, citando José Joaquim Gomes Canotilho, que os estudos em

teoria do direito figuram ser possível a formulação de lei de efeito concreto – lei

casuística – de forma genérica e abstrata e também, admitem a apresentação de lei

de efeito concreto que abrange um complexo mais ou menos amplo de situações. 212

Esta possibilidade torna difícil (e inócua) a diferenciação que pretende estabelecer o

STF em relação à subtração de sua jurisdição concentrada à apreciação de leis de

efeitos concretos.

Por todas as razões, argumentos e considerações expostos, Gilmar Ferreira

Mendes considera que a jurisprudência do STF não andou bem ao excluir do

controle abstrato de normas as leis de efeito concreto. 213

3.2.3 Argumento pragmático

Ao enunciarem os argumentos anteriormente apresentados, tais autores

freqüentemente transitaram de argumentos teóricos para argumentos pragmáticos a

fim de justificar seus posicionamentos. Ambos coincidem ao afirmar que o

posicionamento consolidado do STF acaba por excluir, na prática, o próprio controle

jurisdicional dos atos de efeitos concretos.

Neste momento, revela-se importante expor entendimento de Gilmar Ferreira

Mendes. O autor faz referência à insegurança jurídica que a jurisprudência

desenvolvida pelo STF sobre esses atos causa, pois coloca a salvo do controle

concentrado/abstrato de constitucionalidade um sem-número de leis. 214

Por outro lado, Clèmerson Merlin Clève ressalta que a jurisprudência do STF

merece reparos no tocante às leis de efeitos concretos, pois afirma que dispositivo

Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1061-1062. 212 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 625-626. apud MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1062. 213 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1062. 214 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. in MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1061.

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de lei orçamentária configura ato de efeito concreto, e ao mesmo tempo admite o

controle de leis estaduais que criam Município, muito embora também sejam leis de

efeitos concretos. Assim, o autor completa termina mencionando que

[...] No pertinente à criação de Municípios, a orientação jurisprudencial não causaria maiores prejuízos à ordem jurídica, eis que se afigura viável o manejo de outras vias processuais para a tutela de eventual interesse subjetivo ou, mesmo, para a defesa da ordem constitucional objetiva. Entretanto, em relação às disposições integrantes de lei orçamentária, a impossibilidade de controle em sede de processo objetivo praticamente esgota a viabilidade de contraste de suas disposições. 215

De acordo com o entendimento majoritário do STF, não obstante a

gravidade da ofensa à ordem constitucional, a questão em torno das leis de efeitos

concretos somente poderia ser suscitada através de ação popular, ação civil pública,

ou ainda, mandado de segurança. Esta restrição, acrescida das regras relativas à

legitimidade processual, próprias do direito objetivo, muito freqüentemente podem

consolidar-se sem o efetivo controle jurisdicional.

3.3 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:

AMPLIAÇÃO DO CONTROLE DE LEIS DE EFEITOS CONCRETOS

A partir das discussões doutrinárias acerca da matéria, é possível detectar,

por parte do STF, um processo de paulatina revisão do seu posicionamento de não

admitir o controle de leis meramente formais.

Inicialmente não era admitido o exame de qualquer lei que fosse

considerada de efeito concreto. Porém, após análises e controvérsias sobre o tema,

o STF fez surgir um elemento que ampliou a quantidade de atos que podem ser

submetidos à sua apreciação via ação direta, o elemento que a classificava como

“norma com destinatários determináveis”.

Em seguida, através do julgamento da ADI n. 2.925/DF, novamente o STF

reviu seu posicionamento e julgou em sede de ação direta lei tipicamente de efeito

concreto, ou seja, lei orçamentária, entendendo que tal norma tinha o que ele 215 CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no D ireito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 193.

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chamava de “contornos abstratos e autônomos”. Assim, nesta ocasião, o debate

acabou por alargar ainda mais as chances de admissibilidade de leis de efeitos

concretos em sede de fiscalização abstrata.

Estes movimentos anteciparam o pronunciamento do Supremo Tribunal

Federal na ADI-MC n. 4.048/DF que será objeto de item próprio (3.4).

3.3.1 O controle de leis com destinatários determin áveis

Com base em pesquisa jurisprudencial no site do STF, contata-se que o

primeiro acórdão que tratou sobre a determinabilidade dos destinatários diz respeito

ao julgamento da ADI-MC n. 2.137/RJ, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence,

na data de 12/05/2000. Sendo assim, tal acórdão pode ser tido como um marco na

evolução do STF sobre o assunto.

A partir deste entendimento, o STF, então, apesar de continuar adotando o

posicionamento de que não há possibilidade de controle abstrato via ação direta das

leis de efeitos concretos, enxugou o número de leis que ficavam à salvo deste

controle, ou seja, expandiu de maneira significativa o número de normas que

poderiam ser submetidas ao exame, excluindo do conceito geral de norma de efeito

concreto, aquelas que tratam de destinatários determináveis.

O critério antes utilizado para identificar leis meramente formais era o da

impessoalidade, mas, para que seja desconsiderado faz-se necessária a

identificação exata dos destinatários do ato normativo, havendo, portanto, a

individualização de pessoas e, sendo definido um número de destinatários. Porém,

este critério já não se apresenta muito preciso, pois tais dispositivos servem para

regular situações jurídicas já consolidadas e, portanto, sem a necessária

permanência, característica dos atos normativos em geral.

A fim de ilustrar esta questão são apresentadas, a título exemplificativo,

algumas situações admitidas pelo STF em razão da chamada “determinabilidade

dos destinatários”:

1) No julgamento da ADI supramencionada o Relator analisou lei estadual

que declarava canceladas todas as multas aplicadas pelos órgãos responsáveis em

todas as rodovias no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, às vans, topics, towners,

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kombis e similares, de transporte de passageiros, aplicadas em determinado período

de tempo. Tal lei foi admitida em sede de ação direta de inconstitucionalidade, pois o

Relator resolveu que

[...] o cancelamento indiscriminado de todas as multas relacionadas a determinados tipo de veículos, em certo período de tempo, é ato normativo geral, susceptível de controle abstrato de sua constitucionalidade: a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos. 216

2) Há também a apreciação do § 2º do art. 37 da Lei Estadual n. 7.478/2001,

do Estado de Mato Grosso, que “dispõe sobre as diretrizes para elaboração da lei

orçamentária de 2002 e dá outras providências”, através da ADI-MC n. 2.535/MT,

também de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence. Neste caso é questionada a

inconstitucionalidade do dispositivo, pois ele determina a revisão dos precatórios por

comissão constituída de representantes de todos os Poderes, e mais o Ministério

Público. Autoriza a modificação da decisão fixadora do valor a ser pago, bem como

admite nova apuração do cálculo e admite a apuração do valor real, passível de

alteração do julgado.

Assim, o Relator acabou por decidir que

O procedimento de levantamento e apuração do valor real, que nela se ordena, não substantiva conduta única, mas sim conduta a ser desenvolvida em relação a cada um dos precatórios que alude. A determinabilidade, em tese, desses precatórios, a partir dos limites temporais fixados, não subtrai da norma que a todos submete à comissão instituída e ao procedimento de revisão nele previsto a nota de generalidade. 217

3) Já a ADI n. 820/RS, de relatoria do Ministro Eros Grau, questionou a

inconstitucionalidade do § 2º, do art. 202, da Constituição do Estado do Rio Grande

do Sul, bem como de todos os artigos da Lei Estadual n. 9.723/92. Foi alegado que

o dispositivo constitucional ao determinar a aplicação de parte dos recursos

destinados à educação na “manutenção e conservação das escolas públicas

estaduais”, vinculou a receita de impostos a uma despesa específica, o que é

contrário ao art. 167, IV, da CF. Já a Lei Estadual, de origem parlamentar, suprimiu o

216 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.137/RJ. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 23/03/2000. 217 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.535/MT. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento em 19/12/2001.

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trecho “da regulação das leis de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual

recursos que nelas deveriam ser destinados, ofendendo o art. 165, caput e §§ 2º e

8º, da CF, de aplicação obrigatória pelos Estados-membros”.

A alegação é de que a iniciativa para lei orçamentária é privativa do Poder

Executivo, conforme estabelece o art. 165, caput, da CF, e por esta razão há

também violação do princípio constitucional da harmonia entre os Poderes. O

Advogado-Geral da União, na ocasião de sua manifestação sustentou a extinção da

ação, sem o julgamento de mérito, em relação somente à Lei Estadual, por entender

que a mesma é lei de efeito concreto, insuscetível de controle concentrado.

Neste caso, o Relator verificou

[...] a possibilidade de análise do texto normativo impugnado pela via da ação direta, vez que a lei-estadual consubstancia lei-norma; possui generalidade e abstração, suficientes para o seu conhecimento; seus destinatários são determináveis, e não determinados. 218

Dos julgados expostos percebe-se que com o requisito de “determinabilidade

dos destinatários” a Suprema Corte teve o intuito de abranger um número maior de

leis tidas como de efeitos concretos, mas que podem ser apreciadas por ele.

Porém, a conceituação deste elemento apresenta certa dificuldade de

entendimento e abrangência, pois quando se diz que a norma possui destinatários

certos, não se deve entender que seja direcionada a um indivíduo especificamente.

Isto pode ocorrer. Mas o fato de os destinatários da lei serem determináveis não

significa, necessariamente, que se operou individualização suficiente para que se

tenha uma norma de efeitos concretos.219

Então, se uma lei é direcionada a um grupo definido de pessoas ou a certa

categoria, estará sujeita ao controle concentrado de constitucionalidade visto que

não criam situações para atingir individualmente algumas pessoas, mas sim,

condições que se aplicam a diversos indivíduos de maneira geral, podendo ser

considerado ato normativo, conforme o art. 102, I, a, da Constituição Federal

pretende dar sentido.

218 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 820/RS. Relator Min. Eros Grau. Julgamento em 15/03/2007. 219 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 820/RS. Relator Min. Eros Grau. Julgamento em 06/10/2004.

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Há uma diferença sutil quando se diz que a norma possui destinatários

determinados e quando se fala que os destinatários são determináveis. Em relação

ao primeiro, pode-se notar que existe individualização dos indivíduos, sendo

possível identificar cada um deles. Já quando se fala em determináveis o que existe

é a identificação de um grupo de pode ser atingido ou não pela norma que passou a

ter vigência. Não existe um rol de pessoas que serão certamente tocadas pela

norma, não há a identidade desses indivíduos, mas sim uma noção da abrangência

desta lei.

Estas dubiedades tornam difícil a identificação da linha de separação,

suscitando inclusive, interpretações flagrantemente incompatíveis com o critério

focado pelo STF como é o caso de alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado

de Santa Catarina220.

3.3.2 O controle de leis de efeitos concretos com “ contornos abstratos e

autônomos” – ADI n. 2.925/DF

Em 2003 foi levantada discussão, no STF, sobre a possibilidade de analisar

por meio de ação direta de inconstitucionalidade lei orçamentária, que em

entendimento até então pacificado, não se mostrava objeto idôneo ao controle

220 Como se pode ver, exemplificativamente, de julgamento daquela Corte, cuja ementa encontra-se a seguir transcrita: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 1.415/03, DO MUNICÍPIO DE SOMBRIO - AUMENTO NOS VENCIMENTOS DOS SERVIDORES PÚBLICOS - EXCEÇÃO FEITA AO CARGO DE ADM INISTRADOR - LEI FORMAL DE CONTEÚDO ADMINISTRATIVO - AUSÊNCIA DOS RE QUISITOS DE ABSTRAÇÃO E GENERALIDADE - UTILIZAÇÃO INADEQUADA DA VIA DO CONTROLE CONCENTRADO - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DE SANTA CATARINA - CRA/SC - AUTARQUIA FEDERAL - PESSOA JURÍDICA QUE NÃO DETÉM LEGITIMIDADE PARA AJUIZAMENTO DE ADI - EXTINÇÃO DO FEITO, SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. A via do controle concentrado de constitucionalidade admite apenas a análise da norma, em abstrato. Lei que regula situações específicas de pessoas ou coletividades d eterminadas ou determináveis não possui o caráter de abstração e generalidade ne la exigidos, devendo ser examinada por via diversa, que não a da ação direta de inconstitucionalidade. O rol do artigo 85 da Constituição do Estado de Santa Catarina é taxativo. Portanto, inadmissível enquadrar-se os Conselhos, pessoas jurídicas de direito público, compreendidas no gênero "autarquias", na previsão legal das "entidades de classe de âmbito estadual".” [grifou-se] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. ADI n. 2002.003886-5. Relator Des. Souza Varella. Julgamento em 03/09/2003.

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abstrato, pois não apresenta os elementos de generalidade e abstração, necessário

ao exame de atos normativos nessa espécie de controle de constitucionalidade,

sendo, então, considerado ato de efeito concreto.

Pode-se afirmar que o julgamento da ADI n. 2.925/DF, de relatoria da

Ministra Ellen Gracie, mas cujo relator para o acórdão foi o Ministro Marco Aurélio,

foi um precedente que criou uma exceção à regra geral de admissibilidade das leis

de efeitos concretos. Nos termos deste posicionamento o STF poderia analisar leis

de efeitos concretos desde que tais dispositivos gozassem de “contornos abstratos e

autônomos”.

O dispositivo questionado foi o art. 4º, I, a, b, c e d, da Lei n. 10.640, de 14

de janeiro de 2003, lei orçamentária anual (LOA) da União, que estima e fixa as

despesas da União para o exercício de 2003. Vejamos sua redação:

Art. 4o Fica o Poder Executivo autorizado a abrir créditos suplementares, observados os limites e condições estabelecidos neste artigo e desde que demonstrada, em anexo específico do decreto de abertura, a compatibilidade das alterações promovidas na programação orçamentária com a meta de resultado primário estabelecida no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias 2003, para suplementação de dotações consignadas: I - a cada subtítulo, até o limite de dez por cento do respectivo valor, mediante a utilização de recursos provenientes de: a) anulação parcial de dotações, limitada a dez por cento do valor do subtítulo objeto da anulação, ressalvado o disposto no § 2o deste artigo; b) reserva de contingência, inclusive de fundos e de órgãos e entidades das Administrações direta e indireta, observado o disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal, e no § 6o deste artigo; c) excesso de arrecadação de receitas diretamente arrecadadas, desde que para alocação nos mesmos subtítulos em que os recursos dessas fontes foram originalmente programados, observado o disposto no parágrafo único do art. 8º da Lei de Responsabilidade Fiscal; e d) até dez por cento do excesso de arrecadação;

A alegação de inconstitucionalidade sustentada encontra-se no fato de a

previsão de suplementação de créditos, contidos nos dispositivos impugnados da

LOA, não poderia atingir destinação de recursos da contribuição de intervenção no

domínio econômico, CIDE, instituída pela Lei n. 10.336/2001, por haver afronta ao

art. 177, § 4º, II, da Constituição Federal221.

221 BRASIL. Constituição (1988). Art. 177. Constituem monopólio da União: [...] § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de

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A Ministra Ellen Gracie ao manifestar seu voto declarou que a jurisprudência

do STF tem reconhecido a ausência de abstração, generalidade e impessoalidade

nas regras de natureza orçamentária, pois considera ato formalmente legal, de efeito

concreto, portador de normas individuais de autorização, sendo, portanto,

insuscetível de controle abstrato de constitucionalidade, por estar ligado a uma

situação de caráter individual e específica. Menciona ainda que o ato em análise na

ação direta é ato específico de autorização emanado do Poder Legislativo,

conferindo ao Poder Executivo limitações, condições e restrições à oportunidade de

abertura de créditos suplementares, valendo-se de dotações previamente fixadas na

LOA destinadas a este exato propósito (reserva de contingência).

Desta forma, segundo entendimento da Ministra, são atos que embora

tenham forma de lei, caracterizam-se como normas individuais de autorização que

tornam viável a alteração do orçamento da despesa no curso do exercício.

Em seguida, o Ministro Marco Aurélio proferiu seu voto e abriu a polêmica

discussão. Discorre o Ministro que na hipótese em questão não se discute receita ou

destinação de receita.

Ressalta que, no caso,

[...] não é isso o que ocorre. Argumenta-se que se acabou por lançar mão, muito embora de forma limitada, de recursos que a própria Carta Federal revela como destinação específica. Busca-se, justamente, a guarda da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, no que a lei orçamentária estaria a conflitar, de modo frontal, com o texto nela contido, mais precisamente com o disposto no artigo 177, § 4º. Se entendermos caber a generalização, afastando por completo a possibilidade do controle concentrado, desde que o ato impugnado seja lei orçamentária, terminaremos por colocar a lei orçamentária acima da Carta da República. Por isso, a meu ver, há que se distinguir caso a caso. 222

Já o Ministro Gilmar Mendes proferiu seu voto, mencionando que o

dispositivo da lei orçamentária em análise não guarda qualquer relação com as

normas típicas de caráter orçamentário, sendo dotado de generalidade e abstração,

importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: [...] II - os recursos arrecadados serão destinados: a) ao pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados e derivados de petróleo; b) ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; c) ao financiamento de programas de infra-estrutura de transportes. 222 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.925/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para acórdão Min Marco Aurélio. Julgamento em 19/12/2003. p. 123.

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apesar de ser norma temporária.

Vale aqui destacar os dizeres do Ministro Carlos Ayres Britto em debate na

ADI n. 2.925/DF, vejamos:

[...] a lei orçamentária é para a Administração Pública, logo abaixo da Constituição, a lei mais importante, até porque o descumprimento dela implica crime de responsabilidade. Está no art. 85, inciso VI. Imunizar a lei orçamentária contra o controle abstrato, acho um pouco temerário, também, ou seja, vamos blindar a lei orçamentária contra o controle objetivo de constitucionalidade. 223

E em outro trecho completa:

O artigo impugnado não estima receita nem fixa despesa, não abre crédito e [todavia] confere uma competência sub conditionis, acho que têm esses caracteres, sim, da lei em sentido material, ou seja, lei genérica, impessoal e abstrata. 224

O Ministro Marco Aurélio cita também que “seria tornar a nossa Carta da

República flexível, passível de modificações por uma lei orçamentária”.

Em voto, o Ministro Cezar Peluso faz uso de um exemplo bastante

pertinente sobre norma típica, de caráter geral e abstrato. Traz a tona uma norma

constitucional, que, no regime anterior, dava competência ao STF e, portanto, a

destinatário específico, para editar preceitos regimentais com força de lei. Tal norma

era geral e abstrata. Diz ele, que no caso a norma é de competência, ou seja, dá a

certo sujeito o poder de caráter geral para praticar vários atos, os quais, sim, serão

concretos, parecendo, em certo sentido, aproximar-se da diferenciação proposta por

Clève.

A respeito da presença do elemento abstração, o Ministro Carlos Ayres Brito

mais uma vez se manifesta:

A abstratividade, diz a teoria toda do Direito, implica uma renovação, não digo perene, porque, aqui, está limitada por um ano, mas uma renovação duradoura, entre a hipótese de incidência da norma e a sua conseq6uência. [...] durante um ano inteiro o Presidente da República fica autorizado a aplicar e reaplicar a lei a seu talante, claro que observados aqueles limites e condições. Acho que a abstratividade está presente, também. 225

223 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.925/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para acórdão Min Marco Aurélio. Julgamento em 19/12/2003. p. 127. 224 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.925/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para acórdão Min Marco Aurélio. Julgamento em 19/12/2003. p. 130. 225 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.925/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para acórdão Min Marco Aurélio. Julgamento em 19/12/2003. p. 133.

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Se por um lado, estavam os ministros apreciando a admissibilidade da ação,

por outro lado, freqüentemente utilizavam referências à gravidade da ofensa material

ao texto constitucional. Como se pôde evidenciar dos trechos transcritos.

Desta forma, por todos os argumentos expostos, o STF, por maioria,

conheceu da ação, acolhendo a preliminar de cabimento de ação direta de

inconstitucionalidade contra lei orçamentária, sob o argumento de que os

dispositivos impugnados eram dotados de suficiente abstração e generalidade,

sendo vencido o voto da relatora, Ministra Ellen Gracie.

O acórdão assim ficou ementado:

PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalid ade quando a lei orçamentária revela contornos abstrato s e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concret a. LEI ORÇAMENTÁRIA - CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO - IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE PETRÓLEO E DERIVADOS, GÁS NATURAL E DERIVADOS E ÁLCOOL COMBUSTÍVEL - CIDE - DESTINAÇÃO - ARTIGO 177, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. É inconstitucional interpretação da Lei Orçamentária nº 10.640, de 14 de janeiro de 2003, que implique abertura de crédito suplementar em rubrica estranha à destinação do que arrecadado a partir do disposto no § 4º do artigo 177 da Constituição Federal, ante a natureza exaustiva das alíneas "a", "b" e "c" do inciso II do citado parágrafo. 226 [grifou-se]

É bem verdade, como se pôde observar, que a hipótese só foi admitida por

reconhecerem os ministros tratar-se de uma flagrante inconstitucionalidade em

sentido material. Mesmo assim, em análise a este caso específico, o STF continuou

frisando que não analisa leis de efeitos concretos em sede de ação direta

inconstitucionalidade, porém, fez uma ressalva ao mencionar que o controle é

apropriado para o exame de leis que tenham o que ele denomina de “contornos

abstratos e autônomos”.

226 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.925/DF. Relatora Min. Ellen Gracie. Relator para o acórdão Min. Marco Aurélio. Julgamento em 19/12/2003.

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3.4 ANÁLISE DA ADI-MC N. 4.048/DF DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Torna-se importante salientar que, em 14 de maio de 2008, surgiu novo

paradigma instaurado através do julgamento da medida cautelar da ADI n. 4.048/DF,

de relatoria do Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que reportou uma mudança

significativa do posicionamento em relação aos atos chamados de efeitos concretos.

O julgamento da ADI supramencionada admitiu possibilidade de apreciação

in abstracto da lei orçamentária, até então considerada lei de efeito concreto.

A ação foi ajuizada com o intuito de analisar a (in) constitucionalidade da

Medida Provisória n. 405, de 18 de dezembro de 2007, que “abre crédito

extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder

Executivo, no valor global de R$ 5.455.677.660,00, para os fins que especifica”.

Vejamos a redação da norma objurgada:

Art. 1º Fica aberto crédito extraordinário, em favor da Justiça Eleitoral e de diversos órgãos do Poder Executivo, no valor global de R$ 5.455.677.660,00 (cinco bilhões, quatrocentos e cinqüenta e cinco milhões, seiscentos e setenta e sete mil, seiscentos e sessenta reais), para atender à programação constante dos Anexos I e III desta Medida Provisória. Art. 2º Os recursos necessários à abertura do crédito de que trata o art. 1o decorrem de: I - superávit financeiro apurado no Balanço Patrimonial da União do exercício de 2006, no valor de R$ 3.995.542.240,00 (três bilhões, novecentos e noventa e cinco milhões, quinhentos e quarenta e dois mil, duzentos e quarenta reais); II - excesso de arrecadação no valor de R$ 670.252.213,00 (seiscentos e setenta milhões, duzentos e cinqüenta e dois mil, duzentos e treze reais); III - anulação parcial de dotações orçamentárias, no valor de R$ 370.837.862,00 (trezentos e setenta milhões, oitocentos e trinta e sete mil, oitocentos e sessenta e dois reais), conforme indicado no Anexo II desta Medida Provisória; IV - ingresso de operação de crédito relativa ao lançamento de Títulos da Dívida Agrária, no valor de R$ 417.115.345,00 (quatrocentos e dezessete milhões, cento e quinze mil, trezentos e quarenta e cinco reais); e V - repasse da União sob a forma de participação no capital de empresas estatais, no valor de R$ 1.930.000,00 (um milhão, novecentos e trinta mil reais). Art. 3º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Logo após, em 18 de abril de 2008, tal medida provisória foi promulgada e

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convertida na Lei n. 11.658, cuja redação em nada sofreu alteração 227.

A argumentação do requerente é que a MP n. 405/2007, agora Lei n.

11.658/2008, viola o art. 62, § 1º, I, d, c/c o art. 167, § 3º, ambos da Constituição

Federal. Em suas considerações menciona que este último artigo preceitua que

créditos extraordinários podem ser abertos apenas para suprir despesas urgentes e

imprevisíveis e que, portanto, por essas características, podem se tratadas através

de medida provisória, uma vez que constituem matéria própria a esta espécie

normativa, conforme determina a Constituição federal em seu art. 62, § 1º, I, d.

A respeito do entendimento, até então pacificado, sobre o não cabimento de

ação direta contra normas de caráter orçamentário, o Ministro Gilmar Ferreira

Mendes declara que “a jurisprudência do STF não andou bem ao considerar as leis

de efeito concreto como inidôneas para o controle abstrato de normas” e, ainda que

a questão suscitada tem “inegável relevância jurídica e política”, devendo, por esta

razão se analisada a fundo.

Faz ainda uma ressalva em relação ao reconhecimento do STF do caráter

normativo de disposições de lei orçamentária anual da União, em 19/12/2003, na

ADI n. 2.925/DF, analisada em item anterior. Na espécie, por maioria, acolheu-se a

preliminar de cabimento de ação direta de inconstitucionalidade contra lei

orçamentária, sob o argumento de que os dispositivos impugnados eram dotados de

suficiente abstração e generalidade. 228

Acredita o relator que essa nova direção que segue a jurisprudência da

Suprema Corte é mais apropriada, pois admite o controle de legitimidade do âmbito

da legislação ordinária, defendendo a efetiva concretização da ordem constitucional.

Sobre a questão de fundo, o partido requerente defende a tese de que

determinados créditos, por serem despidos de qualidade de extraordinário, conforme

o parâmetro fixado na própria Constituição (art. 167, § 3º), não podem ser abertos

por meio de medida provisória. O dispositivo constitucional citado ao prescreve a

observância do art. 62 e impõe que a medida provisória seja o veículo legislativo

adequado para abertura de crédito extraordinário.

227 Convém ressaltar neste ponto que o Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB –, requerente nesta ação, em 22 de abril de 2008, data em que a lei foi publicada, apresentou pedido de aditamento à inicial em razão da conversão em lei da medida provisória até então objeto da mencionada ação direta. 228 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 4.048/DF. Relator Min. Gilmar Mendes. Julgamento em 14/05/2008. p. 65-66.

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Vejamos a redação dos dispositivos:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º - É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I - relativa a: [...] d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; Art. 167. São vedados: [...] § 3º - A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.

Assim, além dos requisitos de relevância e urgência, a Constituição também

exige que abertura de crédito extraordinário seja realizada a fim de atender

despesas imprevisíveis e urgentes. Por despesas imprevisíveis e urgentes a

Constituição estabelece que são aquelas decorrentes de guerra, comoção interna ou

calamidade pública, e são conceitos que estão associados aos temas do Estado de

Defesa e do Estado de Sítio.

Desta forma, após análise da exposição de motivos que levou a edição da

MP n. 405/2007, o Ministro Gilmar Mendes constatou que os créditos abertos não

são qualificados como imprevisíveis e urgentes, uma vez que se destinam a prover

despesas correntes. Além do mais, destaca que desde o início de 2007 o Presidente

da República vem editando grande quantidade de medidas provisórias destinadas à

abertura de créditos suplementares ou especiais, mascarados de créditos

extraordinários.

Por fim, menciona que “é papel desta Corte assegurar a força normativa da

Constituição e estabelecer limites aos eventuais excessos legislativos dos demais

Poderes” e, com tais considerações acata o pedido de concessão de medida

cautelar pleiteada pelo PSDB, para suspender vigência da norma questionada.

Uma vez mais, a insurgência no mérito contribuiu definitivamente para o

pronunciamento favorável da maioria pela admissibilidade do controle das leis

primárias de efeitos concretos.

Levada à apreciação do Plenário, a ADI-MC n. 4.048/DF foi admitida com o

voto da maioria, por seis votos contra cinco divergentes. Apresentaram-se favoráveis

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ao reconhecimento de admissibilidade da ação, bem como à concessão da medida

cautelar, seguindo o entendimento proferido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes

em seu voto, os seguintes Ministros: Carlos Britto, Carmen Lúcia, Marco Aurélio,

Eros Grau e Celso de Mello.

Em contrapartida, os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski,

Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Menezes Direito votaram contrários à manifestação

do relator.

Em seu voto o Ministro Cezar Peluso manifestou-se dizendo que se trata de

ato complexo que pede a participação do Legislativo e esta se manifesta a título

formal de lei. Porém, e simplesmente autorização para a prática de ato que pede a

colaboração do Legislativo.

Já o Ministro Ricardo Lewandowski, em relação à cautelar vislumbrou não

estar presente o requisito essencial para sua concessão que é o periculum in mora,

pois se trata de um ato de efeitos concretos imediatos e que já se encontram

exauridos no tempo.

O Ministro Joaquim Barbosa concordou com o que foi exposto pelo Ministro

Ricardo Lewandowski e acrescentou que o Brasil é uma República deliberativa, e

neste caso o mérito das decisões cruciais tomadas cabe ao Congresso Nacional.

Afirma que já tendo sido aprovada a medida provisória pelo Congresso Nacional,

não vê como o STF pode substituir a casa legislativa em sede de cautelar para

rejeitar medida provisória já aprovada por ela.

A Ministra Ellen Gracie proferiu seu voto mencionando que a situação

apresentada na ADI-MC n. 4.048/DF é totalmente diferente daquela que foi vista

quando da apreciação da ADI n. 2.925/DF, da qual foi relatora originária, sendo a

ementa transcrita no voto do Ministro Gilmar Mendes e da lavra do Ministro Marco

Aurélio, redator do acórdão publicado. Em síntese, a Ministra declara ser favorável

ao posicionamento até então adotado pelo STF de que não é possível exercer o

controle concentrado de constitucionalidade em face de atos que tenham roupagem

de lei, mas que possuem nítido efeito concreto, por serem desprovidos de abstração

e generalidade. Dessa forma, seu voto é pelo não conhecimento da ação e,

ultrapassada esta questão, uma vez que a mesma já foi conhecida por voto da

maioria, a Ministra decidiu, também, pelo indeferimento da cautelar.

Por fim, o Ministro Menezes Direito, acompanhou divergência inaugurada

pelo voto do Ministro Ricardo Lewandowski, e seguida pelos Ministros Cezar Peluso

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e Ellen Gracie, manifestando-se pelo não conhecimento da ação e indeferimento da

medida cautelar.

Então, depois do argumento de admissibilidade, o Ministro Gilmar Mendes,

ao entrar no mérito, discutiu a legitimidade da edição de Medida Provisória e a

flagrante ofensa material à Constituição Federal.

Desta forma, foi a partir deste julgamento de medida cautelar, que o STF

passou então a admitir que é possível que ele controle através da fiscalização

abstrata de constitucionalidade, via ação direta, as chamadas leis de efeitos

concretos que decorram de atos primários.

Convém ressaltar dois pontos: primeiro que se trata ainda de decisão em

medida cautelar e, portanto ainda deverá ser confirmada quando do julgamento do

mérito; segundo que os ministros quando votaram favoráveis à admissibilidade da

ação e à concessão da medida cautelar acabaram por julgar indistintamente a forma

e o elemento material, razão pela qual não há como saber se os ministros realmente

concordam com o teor da tese do Relator de que todas as espécies legislativas são

objeto de controle.

Destarte, tal questionamento ainda é objeto de muita discussão e

divergência, razão pela qual não é aceitável dizer com absoluta precisão que o STF

modificou de maneira sólida seu posicionamento, uma vez que a questão ainda

figura-se aberta no STF.

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CONCLUSÃO

Os atos de efeitos concretos ou leis meramente formais são assim

denominados, pois se considera que os mesmos não apresentam os elementos

constitutivos de um ato normativo, os quais, como defendidos neste trabalho seriam:

generalidade, abstração, inovação e permanência.

As leis são consideradas atos primários por serem decorrentes diretamente

da Constituição Federal e, para que sejam submetidas ao exame via controle

abstrato de constitucionalidade, devem apresentar ofensa formal ou material à

Constituição. Há ofensa formal quando o processo legislativo previsto não foi

cumprido como deveria, ou quando foi editada por autoridade diversa daquela de

possui competência. Já a afronta material pode ser vista quando a norma colide

diretamente com preceitos estabelecidos na Constituição.

As leis de efeitos concretos muitas vezes também são primárias, mas o que

alegava expressamente o Supremo Tribunal Federal era que apesar de

apresentarem forma de lei, seus conteúdos não continham os elementos que

compõem um ato normativo, razão que as excluía da apreciação por controle

abstrato de constitucionalidade.

Apesar de a imensa maioria dos autores não se ocuparem de uma análise

mais detida sobre a questão, este posicionamento encontrou significativa resistência

doutrinária, como se pode observar com a crítica formulada por Clèmerson Merlin

Clève e Gilmar Ferreira Mendes. Tais autores lecionam que a jurisprudência do STF

merece ser revista, pois ao subtrair da fiscalização abstrata tais atos normativos,

acabam por eliminar o controle judicial sobre eles, já que dificilmente poderiam ser

impugnadas através de outros remédios judiciais.

A evolução jurisprudencial do STF acerca da matéria parece ter contribuído

significativamente para a constatação de que estas leis em inúmeros casos

apresentavam flagrante ofensa à Constituição Federal.

Esta evolução se deu, inicialmente, a partir da abrangência do conceito

“efeitos concretos” com o surgimento de um novo elemento, qual seja a chamada

“determinabilidade dos destinatários”. A partir daí, o STF acolheu o entendimento de

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que aquelas normas que tinham não destinatários determinados, mas sim

determináveis, poderiam ser objeto de controle abstrato via ação direta.

Em seguida, com o julgamento da ADI n. 2.925/DF, o STF novamente viu-se

diante de uma norma que apresentava afronta à Constituição Federal e decidiu que

o dispositivo, mesmo sendo considerado de efeito concreto, apresentava “contornos

abstratos e autônomos”, razão que o fez permitir a apreciação pela via judicial eleita.

Até então, o STF vinha se posicionando contra o ajuizamento de ação direta

de inconstitucionalidade para expurgar do ordenamento jurídico leis de efeitos

concretos.

Porém, o surgimento do julgamento da medida cautelar da ADI-MC n.

4.048/DF, de relatoria de um dos doutrinadores que defende a tese de que o STF

deve controlar, também, as leis de efeitos concretos, o Ministro Gilmar Mendes,

mudou de maneira expressiva o entendimento da Suprema Corte.

Em seu voto o relator menciona a possibilidade de controle abstrato de atos

primários de efeitos concretos, entretanto, não há como afirmar que os ministros que

votaram pela admissibilidade concordam com este entendimento, pois quando

julgaram acabaram por não fazer distinção entre a forma e o elemento material.

Deste modo, por a questão ainda encontrar-se aberta no STF, o tema será

ainda objeto de muita discussão, pois não há como dizer com precisão que o STF

modificou posicionamento.

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