o capital humano na filosofia social de marshall

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Marshall busca capturar a realidade como ela é: fazer avançar o conhecimento objetivo do processo econômico.

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  • 5/9/2018 O Capital Humano Na Filosofia Social de Marshall

    Revista de Economia Politica, vol. 12, n? 2 (46), abril-junhol1992

    o Capital Humanona Filosofia Social de Marshall*EDUARDO GIANNETTI DA FONSECA**

    The most valuable of all capital is that invested in human beings.Alfred Marshall

    I.INTRODU9AOEmbora sua formacao como estudante de graduacao

    tenha sido principalmente em matematica, foi atraves de seuinteresse por metafisica, etica e filosofia politica que Mars-hall acabou descobrindo a economia e estudando 0tratadode J. S. Mill em 1866. Ao longo de toda a sua trajetoriaintelectual, 0 interesse de Marshall por questoes morais efilosoficas foi uma nota constante. A cada passo de sua obraencontramos lado a lado, estreitamente ligados entre si, 0pesquisador cientifico e 0 reformador social; 0economistateorico pur sang e 0critico da sociedade; 0investigador em-pirico e 0 filosofo do processo evolutivo humano; 0obser-vador frio e cuidadoso dos fatos e 0 incansavel filantropo,moralista e pregador.Nao seria exagero afirmar que, a praticamente cada pa-gina dos Principios de Economia (daqui em diante PEc),nos deparamos com elementos de economia positiva entre-lacados a outros de carater normativo. Em Marshall, 0 fo-tografo nunca se afasta do escuItor. Ele busca capturar eretratar a realidade como ela e : fazer avancar 0 conhecimento objetivo do pro-cesso economico. Mas persegue, com igual intensidade, a consecucao pratica de

    * Trabalho apresentado no seminario comemorativo da publicacao dos Princtpios de Economiade Alfred Marshall na Universidade Federal Fluminense, de 8 a 10 de agosto de 1990.** Do Departamento de Economia da Universidade de Sao Paulo e da Fundacao Instituto dePesquisas Econ6micas - FIPE.

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    urn ideal: moldar as instituicoes e0comportamento humano de acordo com aquiloque a realidade, a seus olhos, poderia e deveria ser.No prefacio deMoney, Creditand Commerce (MCC), Marshall, aos 81anos,ainda afirmava que "embora a idade avancada me pressione, nao abandonei aesperanca de que algumas nocoes que formulei com relacao as possibilidades deavanco social possarn vir a ser publicadas". De fato, ele vinha, havia varios anos,tomando notas para urn tratado teorico cujo titulo provisorio era "Progress: ItsEconomic Conditions". E Keynes, seu principal ex-aluno, quem relata como,apenas alguns dias antes de morrer, 0proprio Marshalllhe contara que "estavaindo olhar a Republica de Platao, pois gostaria de tentar escrever sobre 0 tipode Republica que Platao desejaria caso estivesse vivo agora" (Keynes, 1972:231).o objetivo deste artigo e explorar urn ponto particular, porem a meu ver cen-tral, da filosofia social que permeia 0 sistema marshalliano. Mais precisamente,procurei destacar urn aspecto especifico das recomendacoes de politica microeco-nomica de Marshall: sua analise e discussao do papel do investimento em capitalhumano na erradicacao da pobreza em massa e no processo de desenvolvimento.Marshall, como sera visto abaixo, acreditava que "no longo prazo, a rique-za nacional e governada mais pelo carater da populacao do que pela abundanciade recursos naturais" (MCC: 100). Como assinala D. Reisman, Marshall via no"carater nacional", ou seja, nos atributos eticos e intelectuais da populacao, "urndos mais valiosos entre todos os insumos da funcao de producao, urn dos ingre-dientes mais decisivos na receita do crescimento economico" (Reisman, 1986:174). Para ele, "objetos, organizacao, tecnica eram acessorios: 0que importavaera a qualidade do homem" (Pigou, 1925: 82). 0objetivo deste artigo e exami-nar as razoes que levaram Marshall a atribuir ao fator de producao homem -ao trabalho qualificado e a capacidade de iniciativa e inovacao - urn lugar taoproeminente na teoria do desenvolvimento.o trabalho esta dividido em tres partes. A secao II situa, em linhas gerais,o contexto em que surgiram os PEc, descrevendo 0projeto intelectual de Mars-hall e a estrutura logica de sua obra maxima. Na secao III, apresento sua contri-buicao para a teoria do capital humano e as principais recomendacoes no tocan-te as relacoes entre Estado, mercado e infancia. Finalmente, na parte final dotrabalho procuro aplicar a analise e conclusoes da secao III para urn brevissimorelance marshalliano de problemas atuais da economia brasileira. Ao fazer isso,vale notar, fujo ao tema principal do artigo, mas sigo a risca a recornendacaode Marshall de que 0 objetivo maior da ciencia economica e "contribuir paraa solucao de problemas sociais" (PEc: 35).

    II. 0 PROJETO MARSHALLIANO E A ESTRUTURA LOGICA DOSPRINC/PIOSMarshall e a "Revolueao Marginal"

    Quando J. S. Mill morreu, em 1873, seu obituario na revista inglesa TheEconomist, escrito por W. Bagehot, afirmava: "Todos os estudantes [... ] veem

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    a economia politica com os olhos de Mill. Eles veem em Ricardo e Adam Smitho que ele recomendou que vissem e nao e facil induzi-los aver qualquer outracoisa. Pode-se questionar ate que ponte e saudavel para a economia politica queurn unico autor venha a exercer uma influencia tao monarquica, mas nenhumtestemunho poderia ser maior no que diz respeito a habilidade do autor e suapreeminencia diante de seus contemporaneos" (Bagehot, 1880: 215). Como ob-servou 0economista ingles H. Foxwell (colega e contemporaneo de Marshall noSt. John's College de Cambridge): "Depois do surgimento dos Princtpios de Mill,os economistas ingleses, durante toda uma geracao, foram homens de urn unicolivro" (apud Keynes, 1972: 280). Mas no ultimo quarto do seculo XIX, 0 pala-cio monarquico milliano apresentava serias rachaduras. A teoria economica es-tava sob fogo cruzado e passava por mais uma de suas periodicas crises decredibilidade.Fazendo urn balance da situacao por ocasiao do centenario da publicacaoda Riqueza das Nacoes, em 1876, W. S. Jevons insistia na necessidade de umaruptura radical com 0 legado classico. "Cern anos depois do surgimento da Ri-queza das Nacoes"; afirmou, "nos encontramos a ciencia economic a num esta-do que e quase caotico, Existe certamente menos acordo agora sobre 0 que ea economia politic a do que havia ha trinta ou cinqiienta anos atras" (Jevons,1905: 191). "Sera uma tarefa laboriosa", sustentava Jevons, "recolher os frag-mentos de uma ciencia despedacada e recomecar de novo, mas trata-se de umatarefa da qual nao podem esquivar-se aqueles que desejam ver qualquer avanco

    da ciencia economica" (Jevons, 1965: iii; cf. Checkland, 1951). Sua insatisfa-

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    ate me irritando". Isso foi em parte, argumentou, devido ao fato de Jevons naoter sido justo em sua apreciacao da teoria classica: "Ele estava impressionadocom 0 dana causado pela autoridade quase pontifical de Mill sobre os jovensestudantes e parecia distorcer de modo perverso suas proprias doutrinas paraque parecessem ainda mas inconsistentes com as de Mill e Ricardo do que narealidade eram" (M: 99).Como essa passagem revela, 0 problema para Marshall era mostrar que aproposta de Jevons, e a "revolucao marginal" de urn modo geral, eram de fatomenos inconsistentes ou incompativeis com a teoria classica do que poderia pa-recer a primeira vista. Jevons interpretara erroneamente 0significado do seu pro-prio trabalho. Em 1875, tres anos depois de sua resenha bastante desfavoravel(e anonima) da Theory of Political Economy, Marshall escreveria diretamentepara seu autor, tentando aparar as arestas que existiam entre ambos. "Inclino-me a pensar", afirmava na carta, "que a diferenca substantiva entre nos e me-nor do que supunha. Parecemos estar separados, mais do que por qualquer ou-tra causa, pela nossa divergencia de opinioes com respeito a Mill. Admito noentanto", concedia agora, "que a teoria economica esta ainda em sua infancia,que Mill nao era urn genic construtivo de primeira ordem e que, de urn modogeral, os mais importantes beneficios que ele conferiu a ciencia foram devidosa seu carater mais do que a sua inteligencia" (apud Jevons, 1977: 100).No ana seguinte, em 1876, Marshall publica uma longa defesa da teoria dovalor de Mill ("Mr. Mill's theory of value") tentando argumentar que ela con-sistia na expressao mais acabada de urn ponto de vista originalmente aberto porAdam Smith: "Uma epoca rna evolucao da economia] foi criada nao por umanova doutrina, mas pela aquisicao do ponto de vista a partir do qual a doutrinase ergue. 0ponto de vista foi conquistado para nos par Adam Smith, ao proporque a mercadoria deve ser vista como corporificando esforcos e sacrificios men-suraveis": A medida desses esforcos e sacrificios, que e impossivel comparar di-retamente, seria seu "custo para a pessoa que a adquire" (M: 126). A "verdadecentral" da economia politica classica, formulada a partir desse ponto de vista,e sintetizada por Marshall na seguinte proposicao:

    Agindo sob 0 regime de livre cornpeticao e com base no calculo de seu pr6prio inte-resse, os produtores irao regular a quantidade de cada mercadoria que e produzidapara urn dado mercado, durante urn dado periodo, de tal modo que essa quantidadeseja em media justamente capaz de encontrar compradores, nesse periodo, a urn precoremunerador. Urn preco remunerador sendo definido como 0preco que e justamen-te 0 equivalente da soma das medidas de troca dos esforcos e sacrificios requeridospara a producao da mercadoria quando essa quantidade particular e produzida, istoe , a soma das despesas que precisariam ser contraidas por uma pessoa que adquiris-se a performance desses esforcos e sacrificios. (M: 126-127)o ponto a ser ressaltado e que Marshall, ao contrario de Jevons, nao via 0surgi-mento da economia neoclassica como uma ruptura com a tradicao classica, massim como urn complemento necessario ao que havia de melhor na teoria econo-mica de Smith a Mill. Existe pouco espaco para a duvida de que Marshall dese-jasse, tao ardentemente quanto Jevons, promover 0conteudo cientifico da eco-nomia e sua aceitacao como disciplina autonoma no mundo academico. A dife-renca basica era que, para ele, 0 caminho a frente nao implicava, como Jevons

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    propunha, "desvencilhar-se de uma vez por todas" do legado classico e recons-truir a teoria economica a partir do chao.Num apendice dos PEc dedicado a esclarecer sua posicao com relacao it con-tribuicao de Jevons, Marshall concluiu: "Existem poucos autores dos temposmodernos que se aproximaram tanto da brilhante originalidade de Ricardo quantoJevons 0 fez. Mas ele parece ter julgado a ambos, Ricardo e Mill, com exagera-da rna vontade, atribuindo a eles doutrinas mais estreitas e menos cientfficas doque as que eles de fato sustentavam" (PEc: 673). Referindo-se implicitamente,alguns paragrafos depois, a sua propria resenha da Theory of Political Economy,Marshall afirmou: "Ha poucos pensadores que, como Jevons, merecem de nosuma gratidao tao alta. Mas isso nao significa que devamos aceitar sumariamen-te suas criticas a seus grandes predecessores [... ]. Suas criticas a Ricardo obtive-ram aparentemente alguns triunfos dialeticos injustos [unfair dialectical triumphs],ao assumirem que Ricardo concebia 0valor como governado pelo custo de pro-ducao, sem qualquer referencia it demanda. Esse entendimento defeituoso de Ri-cardo produziu muitos danos em 1872" (PEc: 675).o que me parece interessante nessa divergencia entre Jevons e Marshall comrelacao aos meritos da economia classica inglesa e que ela traz it luz duas atitu-des distintas diante de uma situacao de crise na historia do pensamento econo-mico. Mill havia morrido em 1873. 0 "mid-Victorian boom" acabara e os Esta-dos Vnidos e a Alemanha assumiam a lideranca na inovacao e crescimento in-dustrial. A economia classica estava sob fogo cruzado. Sua credibilidade estavaseriamente afetada. A escola historica, extremamente influente no meio acade-mico ingles e alernao, atacava-a pela falta de realismo e conteudo empirico desuas teorias. Os economist as matematicos da "revolucao marginal" criticavam-na exatamente pelo motivo oposto: sua falta de rigor, de generalidade e de refi-namento analitico.Jevons, urn pensador por natureza inquieto e iconoclasta, adota uma posi-9ao militante - a estrategia do confronto. Lancava sua Theory baseado na crencade que "a unica esperanca de atingirmos urn verdadeiro sistema em economiae colocando de lado, de uma vez por todas, os pressupostos confusos e absurdosda escola ricardiana. Nossos economist as ingleses", arrematou, "tern vivido numparaiso dos tolos" (Jevons, 1871: xliv; cf. Paul, 1979). Marshall, no entanto,percebeu que a atitude militante nao funcionaria. Adota uma postura, nao deconfronto, mas conciliadora. Sua ambicao e prom over urn program a de sintesee integracao.Do ponto de vista teorico, tratava-se de mostrar que a "nova economia"(i.e., a marshalliana) completava, em vez de substituir, a economia classica. Edo ponto de vista institucional, era importante deixar claro 0carater cumulativoe progressivo do conhecimento economico, Para restaurar a credibilidade da eco-nomia, dar-Ihe urn status cientifico no mundo academico e renovar 0 senso deconfianca dos estudantes no futuro da disciplina, era preciso nao abolir 0passa-do, mas sim articular uma nova sintese. Uma sintese na qual haveria lugar naoapenas para (a) a economia classica de Smith, Ricardo e Mill e (b) a teoria dautilidade marginal de Jevons, mas tambem para (c) 0 programa de pesquisa daescola historica, com sua enfase na investigacao empirica e metodos indutivos,68

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    e ainda para (d) a filosofia de carater evolucionista, inspirada nas contribuicoescientificas de Darwin e nas especulacoes de Hegel e Spencer.

    Em suma, 0movimento efetuado por Marshall em relacao as correntes depensamento do seu tempo e analogo ao de Mill na geracao dos economistas chis-sicos. Nenhum dos dois foi ou pretendeu ser 0 teorico mais original de sua epo-ca. Ambos se propuseram a produzir urn tratado que fosse alem da teoria eco-nomica em sentido estrito, abarcando tambem uma filosofia mais ampla da so-ciedade e do progresso humano, com forte conteudo normativo. No caso de Mars-hall em particular, tratava-se igualmente de legitimar a economia como discipli-na cientifica e autonorna dentro dos canones de cientificidade vigentes. Em 1883,numa carta a Foxwell, urn dos principais seguidores de Jevons na Inglaterra, Mars-hall escreveu: "Por favor nao difame Mill. Acredito que alguns membros extra-vagantes da escola moderna, ao exagerarem em suas criticas a ele ao inves deponderarem suas observacoes, como deveriam fazer, acabaram provocando maismal a ciencia economic a do que uma centena de inimigos declarados poderiamter provocado" (apud Marshall, 1975: 54; cf. Winch, 1983).Evolucao e arquitetura dos Principios

    Os PEc, assim como a Riqueza das Nacoes, mas em contraste com os Prin-cipios de Mill (escrito em menos de dois anos), sao 0 resultado de varies anosde trabalho dedicado e paciente. Durante pelo menos nove anos, Marshall tra-balhou diretamente em sua composicao. Tres anos antes da publicacao, em 1887,Marshall escreveu para uma editora comercial de Londres (Macmillan) - elequeria que 0 trabalho fosse lido tambem fora do meio academico, por hom ensde negocio e lideres de opiniao em geral- oferecendo olivro: "Estou escreven-do urn livro sobre economia", cornecava a carta, "que cobrira aproximadamen-te 0mesmo terreno coberto pelos Principios de Mill, e cujo texto sera provavel-mente da mesma extensao, ou urn pouco menor". Numa passagem, depois cor-tada, da primeira versao desta carta, Marshall escrevera: "0 maior propositoda minha vida nos ultimos quinze anos tern sido, e sera no futuro, escrever estelivro e gradualmente aprimora-lo de maneira que possa representar, para a atualgeracao, algo proximo do que 0 livro de Mill representou para a sua" (apud Mars-hall, 1975: 88).

    A primeira edicao dos PEc apareceu em 1890. No mesmo ano e public adaa obra que reflete 0 projeto marshalliano na frente metodologica (The Scopeand Method of Political Economy de J. N. Keynes), tern inicio 0Economic Jour-nal e comeca a publicacao do Palgrave's Dictionary oj Political Economy. E in-teressante observar ainda que, em 1893, surge 0 trabalho de J. Bonar, Philo-sophy and Political Economy in Some oj Their Historical Relations, urn estudoabrangente do input filosofico da teo ria economica de Platao ao final do seculoXIX e que pode ser visto como expressando, em larga medida, 0 pensamentomarshalliano na frente filosofica, 0 trabalho de Bonar inclui uma discussao so-bre a filosofia inglesa e alema e, no capitulo final, urn estudo sobre as relacoesentre a teo ria da evolucao de Darwin, 0 principio da continuidade e a teo riaeconornica.

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    A ideia original de Marshall era que os PEc viessem a constituir uma obraem tres volumes. Na primeira edicao 0 livro trazia na pagina de rosto a inscricao"Vol. 1". Mas na sexta edicao, trinta anos depois, Marshall substituiu este "Vol.1" por "Urn Volume Introdut6rio". Como explicou, planejara numa escala de-masiadamente ambiciosa e agora, aos 70 anos, era obrigado a alterar seus pla-nos. A ideia dos tres volumes foi abandonada e os PEc, ja urn sucesso incompa-ravel como livro-texto academico, ficariam de pe por si mesmos como urn traba-lho sobre os fundamentos da teoria economica, Entretanto, 0material que Mars-hall vinha preparando para os dois outros volumes de seu projetado tratado se-riam eventualmente publicados, como obras separadas. Urn foi chamado Industryand Trade (IT) e 0 outro Money, Credit and Commerce.A versao final dos PEc (8~ed., 1920, ultima revista pelo autor) compreende6livros e 14 apendices. Cada apendice constitui urn pequeno ensaio, expandin-do e aprofundando algum t6pico particular discutido no texto principal. Diver-sos comentadores, entre eles Keynes, concordam em dizer que de alguma formaMarshall conseguiu soterrar boa parte do que produziu de mais interessante eoriginal nesses apendices que aparecem ao final dos PEc.Mais do que todos os demais classicos da hist6ria da economia, os PEc so-freram profundas alteracoes, tanto em nivel de arquitetura como de substancia,a medida que foram aparecendo novas edicoes. Marshall era urn perfeccionistaincansavel, e jamais deixou de aproveitar qualquer oportunidade para polir, re-visar, aprimorar, cortar ou tornar mais claro 0 texto da edicao anterior. A evo-IU9ao lenta, gradual e continua dos PEc ao longo de mais de tres decadas deconstante aprimoramento constitui uma ilustracao perfeita do que Marshall ti-nha em mente quando usava a expressao, que the era tao cara, de crescimentoorganico. Nao e a toa que Keynes se referia aos PEc como "uma esfera polidae acabada de conhecimento" (cf. Pigou, 1925: 86).A estrutura 16gica dos PEc difere bastante dos tratados que 0 precedem.Os livros 1 e 2 sao claramente preparat6rios. Neles, Marshall discute principal-mente questoes metodol6gicas e terminol6gicas ligadas ao estudo e escopo daeconomia; defende a norma aristotelica e baconiana de, no trabalho cientifico,buscar 0maximo de c1areza e inteligibilidade ("to speak as the common peopledo, to think as wise men do"); e faz consideracoes hist6rico-fiIos6ficas sobreas caracteristicas da sociedade moderna e0surgimento da teoria economica, vistocomo associado a crescente racionalidade das acoes e decisoes economicas.A autonomia e a deliberacao na conduta individual, e nao competicao ouo egoismo, sao destacados por Marshall como 0principal traco distintivo da eramoderna que se afirma com 0 Iluminismo do seculo XVIII (cf. PEc: 5). Mars-hall define 0objeto da ciencia economica nao como "a mecanica do auto-interessee da utilidade" (Jevons e Walras), mas "0estudo da humanidade nos assuntospraticos da vida" ("the study of mankind in the ordinary business of life"). Co-mo observa com propriedade D. Winch, "esta definicao aparentemente in6cuae abrangente assinalava bern mais do que uma preocupacao pratica com a reali-dade do dia-a-dia. Ela marca uma rejeicao decisiva do postulado do homem eco-nomico, e como conseqiiencia com todas as conotacoes restritivas, abstratas,egoistas e declaradamente materialistas desse postulado. Marshall resistiu a ideia70

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    de que a economia como ciencia estava confinada a lidar com individuos apenaspreocupados consigo mesmos, e cujas acoes, seja obtendo ou gastando uma ren-da, podiam ser vistas como imunes a influencias eticas e altruistas, como se fos-sem motivadas somente pelo ganho pecuniario para a satisfacao das carenciasmateriais do homem" (Winch, 1983: 314).E importante observar que 0 tamanho dos livros 1 e 2 reduziu-se drastica-mente em sucessivas edicoes dos PEc. 0 livro 1, por exemplo, que continha umlongo ensaio sobre "0Crescimento da Livre-industria e Iniciativa" e outro so-bre "0Crescimento da Ciencia Economica", passou de cerca de 120 para 50paginas entre a primeira e a oitava edicao. Ao mesmo tempo, Marshall recusou-se a abrir mao por completo desses livros. Discutindo a organizacao dos PEcno seu importante artigo de 1898 para 0Economic Journal, Marshall defendeua existencia dos livros 1 e2, rejeitando a critica de que "mantinham 0 leitor porum tempo longo demais antes de entrar na parte principal do trabalho". Suasupressao, argumentou, poderia conduzir a uma impressao enganosa sobre aorientacao da obra e atrapalhar 0entendimento do trabalho como um todo: "Seuproposito e enfatizar, como tema central do trabalho, a nocao de que os proble-mas economicos nao sao mecanicos, mas sim ligados a vida e crescimento orga-nieo" (Marshall, 1898: 44).Os livros 3 e 4 sao simetricos: enquanto um lida com as "vontades e suasatisfacao" (demanda & consumo), 0outro lida com os "agentes de producao",ou seja, a natureza e 0trabalho ajudados pelo capital e a organizacao (producao& oferta). De acordo com 0 proprio Marshall, 0 livro 4 "corresponde, de umaforma geral, a discussao da producao, a qual recebeu um lugar bastante proemi-nente em quase todos os tratados ingleses de eeonomia durante as duas ultimasgeracoes, embora sua relacao com 0 problema da oferta e procura ainda naotenha sido feita de maneira suficientemente clara" (PEe: 70).Quanto a teoria das vontades ou necessidades humanas e sua satisfacao,Marshall reeonhece que 0 assunto fora ate recentemente negligenciado e que,gracas it aplicacao de metodos matematicos, fora possfvel determinar com maiorrigor seu papel nadeterminacao do valor-de-troea. "E duvidoso", afirmou, "quemuito tenha sido ganho atraves do uso de eomplexas formulas matematicas. Masa aplicacao de habitos matematicos de pensamento tem prestado um grande ser-vico; pois ela leva as pessoas a se recusarem a eonsiderar um problema ate quetenham alguma certeza sobre qual e 0 problema e a insistirem em saber 0 quese esta assumindo ou deixando de assumir antes de prosseguir" (PEc: 71).Deve-se ressaltar, porem, que, embora Marshall reconheeesse a neeessidadede analisar melhor 0papel da demanda, isso nao implicava atribuir-lhe uma im-portancia que nao tinha. No livro 3, ele rejeita frontalmente a proposicao jevon-siana de que "a Teoria do Consumo e a base cientifica da economia" . Para Mars-hall, as teorias do consumo e da producao sao complement ares - uma requera outra. "Mas", argumenta, "se uma delas, mais do que a outra, pode ter apretensao de ser a interprete da historia do homem, seja no aspeeto economicoou em qualquer outro, entao esta e a ciencia das atividades, e nao a das vonta-des" (PEe: 76). A orientacao de Marshall a esse respeito, favoravel ao pontode vista classico, e absolutamente inequivoca. "E imperioso insistir nesse pontoagora", escreveu introduzindo 0 livro 3.

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    [... ] porque a reacao contra 0 abandono relativo do estudo das vontades por Ricar-do e seus seguidores da mostras de estar sendo carregado para 0 extrema oposto.E importante, por isso, reafirmar a grande verdade na qual [os economistas classi-cos] se concentraram, mesmo que em detrimento de tudo 0 mais, a saber: 0 fatode que enquanto, de urn lado, as vontades governam a vida entre os animais inferio-res, de outro sao as mudancas nas formas dos esforcos e atividades que precisamosinvestigar quando buscamos os fatores cruciais na historia da humanidade. (PEe: 72)Sua posicao aqui, defendendo a "grande verdade" dos classicos, e de certaforma analoga aquela que encontramos em Marx quando este afirma, no Capi-tal, que "0 que distingue as diferentes epocas economicas nao e 0 que se faz,mas como, com que meios de trabalho se faz" (Marx, 1975: 204). Mas, enquan-to para Marx a enfase claramente recai nos instrumentos materiais de producao,isto e, no desenvolvimento das forcas produtivas e tecnologicas que submetema natureza fisica a intencionalidade humana, ja para Marshall 0 fator decisivoreside nas formas dos esforcos e atividades humanas: nas caracteristicas e desen-volvimento do proprio individuo humano enquanto agente produtivo dotado deiniciativa, valores morais e criatividade."0progresso da natureza humana" , sustentou Marshall, "e, na minha con-cepcao, 0nucleo do objetivo maior da investigacao economica" (Marshall, 1898:54). A atividade economica - 0 trabalho, a inovacao tecnica e organizacionale a competicao pela abertura de novas oportunidades de geracao de renda -eo processo de autocriacao e autotransformacao do proprio carater dos homens.

    "[A] forca do homem nele mesmo, [sua] resolucao, energia e autocomando, ou,em suma, [seu] vigor, e a fonte de todo 0 progresso: ele se revela em grandesacoes, em grandes pensamentos e na capacidade para 0 verdadeiro sentimentoreligioso" (PEc: 162). Sao as atividades que levam a expansao das vontades enecessidades de consumo e nao 0contrario. Para Marshall, como para 0Faustode Goethe reescrevendo 0Novo Testamento, "no principio era a acao!".A analise bastante exaustiva das forcas que regulam a demanda e a ofertanos livros 3 e 4 dos PEc tern como objetivo preparar 0 terreno para a analisedo valor, formacao de precos e equilibrio parcial efetuada no livro 5, 0micleoteorico do tratado. 0 livro 5, tal como aparece hoje, eo resultado da fusao doque eram, na primeira edicao, dois livros separados. E ai que Marshall desen-volve a analise temporal do processo de equilibracao e explica a operacao das"laminas" que cortaram, senao 0proprio enigma, pelo menos a grosso da con-troversia do valor. Sua centralidade no contexto da contribuicao dos PEc paraa teoria econornica era inequfvoca aos olhos do proprio Marshall, como este iriafrisar inurneras vezes. Seria dificil encontrar melhor evidencia sobre esse pontodo que a carta escrita par ele ao economista holandes N. G. Pierson em abrilde 1891, menos de urn ana apos a primeira edicao dos PEc. "0livro ", afirmouMarshall sintetizando a mensagem central dos PEc,

    [... ] foi escrito para expressar uma ideia, e ela somente. Esta ideia e a de que, en-quanto Ricardo & Cia. sustentaram que 0 valor e determinado pelo Custo de Pro-ducao [... ) e Jevons & Cia. que ele e determinado pela Utilidade, cada urn estavacorreto naquilo que afirmava, mas errado no que negava. Nenhum deles prestouatencao suficiente no elemento do Tempo. E nele que encontramos a chave paratodos os paradoxos que esta longa controversia tern levantado. Quando Ricardo fa-72

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    lou do custo de producao como determinando 0 valor, ele tinha em mente periodosnos quais 0 custo de producao e a forca determinante; quando Jevons enfatizou autilidade, ele tinha em mente periodos mais curtos. A tentativa de, atraves de urnestudo [... ] do elemento do Tempo, articular 0 conhecimento existente acerca doassunto do valor em urn todo continuo e harmonioso permeia cada parte, pratica-mente cada pagina do meu tratado. E a espinha dorsal de tudo aquilo que, de urnponto de vista cientifico, me importa dizer. (Apud Marshall, 1975: 98)No livro 6, finalmente, Marshall trata da "distribuicao da rend a e riquezanacional". Ele analisa as tendencias de longo prazo dos salaries reais, lucros erenda da terra no processo de crescimento e tece comentarios sobre a naturezado progresso economico e seus afeitos sobre 0carater e 0padrao de vida da po-pulacao. Uma das contribuicoes mais importantes e originais de Marshall paraa economia moderna foi a inclusao e analise, no livro 4 dos PEc, do fator pro-dutivo organizaciio como agente - intangivel porem decisivo - de producao.

    No livro 6, ele retoma a analise do papel da organizacao no desempenho econo-mico das firmas e nacoes, relacionando agora seu desenvolvimento com a ques-tao da distribuicao de renda e a formacao de competencia e qualificacao profis-sional na sociedade.Marshall acreditava que "a aptidao de administrar problemas praticos difi-ceis com presciencia e imaginacao, com coragem, determinacao e habilidade, ja-mais foi propriedade exclusiva de uma camada da populacao" (Marshall, no ma-nuscrito inedito "Progress: Its Economic Conditions"). Mas, por outro lado,as oportunidades para 0desenvolvimento dessa aptidao estavam ainda restritasa uma minoria. Isso restringia fortemente a criacao de riqueza. A luz desse fato,a questao distributiva ganhava uma dimensao inteiramente nova e que fora ne-gligenciada pela economia classica, Uma de suas colocacoes mais claras a esserespeito, e que ja nos remete ao tema da secao III, ocorre no apendice dos PEcdedicado a evolucao da ciencia economica:

    Quando comparamos a visao moderna do problema crucial da Distribuicao de ri-queza com a que prevalecia no comeco do seculo XIX, notamos que, acima e alemde todas as alteracoes em nivel de debate e todos os aperfeicoamentos quanto a pre-cisao do raciocinio cientifico, ha uma mudanca fundamental no tratamento da ques-tao. Pois enquanto os economistas [classicos] desenvolveram seus argumentos co-mo se 0 carater e eficiencia do homem devessem ser considerados como uma quanti-dade fixa, ja os economistas modernos estao constantemente atentos para 0 fatode que 0 homem e urn produto das circunstancias nas quais tern vivido. (PEe: 631)Dessa forma, ao enfatizar a grande variabilidade da contribuicao propria-mente humana para 0 processo economico, tanto do lado da producao comodo consumo, Marshall afastou-se: (1) do universo ricardiano; (2) do determinis-mo situacional de Marx; e (3) da "rnecanica do auto-interesse e da utilidade"jevonsiana.Dos ricardianos porque, como nos lembra 0 proprio Marshall,Eles consideravam 0 homem, por assim dizer, como uma quantidade constante, equase nao se deram ao trabalho de estudar suas variacoes. As pessoas que conhe-ciam eram predominantemente gente da City [de Londres], e eles assumiram de for-ma tacita, e sem prestar muita atencao no que faziam, que os demais ingleses eramtodos bastante parecidos com aqueles que haviam encontrado na City [... ] A mesmapropensao mental que levou nossos juristas a impor 0 c6digo civil ingles sobre os

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    hindus, levou nossos economistas a construir suas teorias na suposicao tacita de queo mundo era constituido de homens da City. (M: 154-155)Do determinismo situacional de Marx porque, para Marshall, a autonomia

    e iniciativa individuais eram os traces distintivos da economia moderna. 0 tra-balhador industrial nao estava sendo crescentemente reduzido a condicao de "umaatividade abstrata e urn estomago", como acreditara Marx, da mesma formacomo 0 capitalista nao era apenas urn elo do "processo sem sujeito" que seriaa dinamica da acumulacao de capital. A figura do capitalista em Marshall e 0reverse exato do capitalista em Marx - aquela "engrenagem" cujo direito aexistencia se prenderia a sua condicao de "personificador" da logica de ferroda "autovalorizacao do capital" (cf. Marx, 1975: 688).

    E, por fim, Marshall se afasta da mecanica jevonsiana porque esta, ao ado-tar 0 "homem economico" como hip6tese comportamental, firmava-se na cren-ca de que, nas palavras de Jevons, "as leis da economia politica sao tao simplesno seu fundamento que elas se aplicariam, mais ou menos completamente, a to-dos os seres humanos sobre os quais possuimos algum conhecimento" (Jevons,1905: 196).

    III. FILOSOFIA SOCIAL: 0PAPEL DO CAPITAL HUMANOo sistema economlco como educador

    Numa sociedade complexa, baseada na divisao social do trabalho, os indi-viduos dependem dos bens e services produzidos por terceiros para satisfazersuas necessidades de consumo. Eles se especializam em determinadas atividades,com 0 intuito de aumentar sua produtividade, e assim elevam seu padrao de con-sumo, abrindo mao no processo de qualquer resquicio de auto-suficiencia. 0 pro-blema que se coloca - 0problema da coordenacao economica - e saber comoesses individuos irao ajustar-se uns aos outros, isto e , que tipo de regime ira dis-ciplinar suas acoes como produtores e consumidores, de modo que 0 resultadoconjunto de seus esforcos produtivos seja por fim compativel ou consistente comsuas necessidades e prioridades de consumo.

    Diferentes sistemas economicos implicam diferentes modos de se ajustar re-ciprocamente e disciplinar as acoes individuais. Numa economia de comando pu-ra, por exemplo, os produtores recebem ordens da autoridade central definindoas tarefas a serem executadas e detalhando as metas e prazos a serem cumpri-dos. Como nem todos os individuos estarao dispostos a "cooperar" na execu-c;ao do plano, 0 sistema requer uma boa dose de supervisao e vigilancia. A san-c;ao extrema, que paira sobre aqueles que se mostram mais recalcitrantes no cum-primento da funcao que lhes foi imputada, e tipicamente a punicao atraves doconfinamento penal ("campos de trabalho") ou a internacao psiquiatrica,Na economia de mercado pura, 0mecanisme disciplinador e 0 sistema deprecos , Para sobreviver e usufruir a vida, 0 individuo precis a abrir urn canal deaces so aos bens e services de que necessita. Ocorre entretanto que, assim como"palavras nao pagam dividas", tambem suas necessidades e desejos insatisfei-74

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    tos nao compram aquilo de que ele precisa para viver. A maior ou menor intensi-dade do seu desejo de consumo de nada valera, para fins praticos, caso ele naodescubra, em algum lugar, uma demand a reciproca por alguma coisa que ele pos-sua ou possa oferecer. 0 individuo vive sob a pressao do comando: "Se queresobter 0que desejas, encontra entao 0que oferecer em troca" . Para abrir urn ca-nal de acesso ao que necessita - para adquirir os meios de compra reconhecidospelo mercado - 0 individuo precisa oferecer em troca alguma coisa cujo valoro mercado reconhece e esta disposto a pagar. A sancao extrema que paira sobreaqueles que, por qualquer motivo, estao incapacitados de adquirir poder so-bre os bens e services produzidos por terceiros, nao e a prisao ou 0hospital psi-quiatrico, E a mendicancia, a fome e a privacao.Uma das preocupacoes centrais da filosofia social marshalliana e precisa-mente inquirir sobre os efeitos de diferentes sistemas de coordenacao sobre 0carater e conduta dos individuos, e em particular sobre a oferta de iniciativa eesforco criativo na esfera econ6mica.Na economia de comando, 0 incentivo para os individuos e a obediencia.Os que obedecem as ordens e cumprem a risca as tarefas definidas pela autori-dade central sao premiados e promovidos. Os que falham nessa funcao sao pu-nidos e preteridos na carreira (ou transferidos). 0 sistema restringe a autonomiadecisoria dos agentes. Ele garante uma seguranca mediocre para a grande maio-ria que, bern ou mal, se ajusta (daf 0 lamento do burocrata russo - "nos fingimosque trabalhamos e eles fingem que nos pagam") e ameaca com 0 "campo detrabalho" e 0hospital psiquiatrico os que, por qualquer motivo, nao se ajustam.Num regime como esse, acreditava Marshall, 0grande risco e que a "maomorta da burocracia" sufoque a iniciativa a nivel microecon6mico, provocandouma "forte tendencia a ossificacao do organismo social" (M: 308) e "exercendouma influencia esterilizadora sobre as atividades mentais que gradualmente tira-ram 0 mundo do barbarismo" (apud Reisman, 1987: 125).o progresso econ6mico depende da experimentacao e da descoberta. De-pende da propensao a assumir riscos e a assumir a responsabilidade pelas conse-quencias do risco assumido. Os socialistas, sustentava Marshall, "parecem pen-sar excessivamente na competicao como sendo a exploracao do trabalho pelocapital, do pobre pelo rico, e muito pouco na competicao como a constante ex-perimentacao efetuada pelos homens mais habeis para suas diferentes tarefas,cada urn buscando descobrir urn novo meio pelo qual atingir algum importanteobjetivo" (M: 283). Seria dificil encontrar uma melhor confirmacao da analisemarshalliana do que 0 recente apelo feito pelo primeiro-ministro polones ao go-verno norte-americano, solicitando urn emprestimo de 125 milhoes de dolarespara contratar, nos paises capitalistas, urn pequeno batalhao de consult ores em-presariais que ensinem sua arte aos dirigentes industriais da Pol6nia.Na economia de mercado, ao contrario, 0 incentivo para os individuos ea iniciativa. Os que detectam, antes dos demais, alguma oportunidade de ganhonao explorada, ou alguma tecnica mais eficiente de producao nao experimenta-da, sao recompensados e enriquecem. Os que falham - seja porque nao resis-tern a competicao, seja porque se revelam incapazes de se manterem adequada-mente no mercado - sao os perdedores. Para estes, resta 0 desafio de recorne-

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    car ou procurar emprego ou, no limite, quando nada do que possam fazer ouoferecer tenha urn valor de mercado suficiente, enfrentar as agruras da privacaomaterial.o problema social numa economia de mercado torna-se grave no momentoem que urn grande mimero de individuos descobre-se nesta ultima situacao. NaInglaterra de Marshall (como em boa parte do mundo em desenvolvimento ho-je) existia urn grande contingente de individuos nessas condicoes: trabalhandocom urn nivel baixissimo de produtividade, semi-ocupados, encostados ou atemesmo incapacitados de exercer qualquer tipo de atividade no mercado livre quelhes garantisse 0 minimo necessario para urn padrao de vida toleravel.Os socialistas da epoca, assim como os de hoje, nao hesitavam em dirigiro dedo acusador na direcao do "sistema", da "exploracao do trabalho" peloscapitalistas e da rna distribuicao de renda. A perspectiva marshalIiana, porem,privilegia a esfera da producao, e nao a da distribuicao, ao analisar as causasda pobreza em massa numa economia de mercado. A distribuicao pode ser -e muitas vezes e de fato - uma variavel import ante do problema. Mas isso prin-cipalmente na medida em que afeta, positiva ou negativamente, a capacidadeprodutiva dos individuos e da economia. Se desejamos entender 0motivo peloqual as condicoes de vida de uma enorme parcela da populacao ficam abaixodo que seria aceitavel, e para fatores microeconomicos, Iigados a qualidade ea competencia dos esforcos produtivos da comunidade, que devemos dirigir nossaatencao.

    Do ponto de vista analitico, essa abordagem baseia-se em dois piIares fun-damentais: (1) a teoria malthusiana da populacao; e (2) 0 papel do capital hu-mano na deterrninacao do nivel de rend a dos individuos e do grau de produtivi-dade da economia. As irnplicacoes praticas dessa perspectiva teorica ja estao in-dicadas com muita cIareza por Mill nos seus Principios. Uma solucao genuinae permanente do desafio da pobreza em massa, argumentou Mill, exige antesde mais nada a satisfacao de duas condicoes basicas: "sem elas, nenhum [siste-ma econ6mico] ou conjunto de leis e instituicoes conseguira emancipar a massada humanidade da sua condicao atual de miseria e degradacao. Uma dessas con-dicoes e educaciio universal; e a outra, limitaciio adequada do numero de habi-tantes da comunidade" (Mill, 1965: 208).Sobre a questao populacional (que nao e 0proposito deste artigo explorar)a posicao de Marshall parece bern resumida na avaliacao da economista inglesaJoan Robinson, em Filosofia Economica, quando afirma:

    Entre todas as doutrinas economicas, a mais relevante para os paises subdesenvolvi-dos e aquela associada a Malthus. E isso nao porque sua teoria da populacao possaser aplicada de qualquer forma direta a seus problemas, mas porque seu proprionome chama a atencao para 0 simples e doloroso fato de que, quanto mais rapidofor 0 crescimento da populacao, mais lento sera 0 crescimento da renda per capita.(Robinson, 1962: 107)Por mais absurdo que pareca, a aritmetica elementar dessa proposicao foi atemuito recentemente negada pelos teoricos marxistas, com efeitos sociais extre-mamente nocivos, em particular na dolorosa experiencia chinesa. Como obser-YOU Mill, "uma das mais serias e forcosas entre todas as obrigacoes - que e a76

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    de nao trazer criancas ao mundo a nao ser que elas possam ser mantidas adequa-damente durante a infancia e criadas com a probabilidade de que possam manter-se a si proprias quando a idade chegar - e de tal forma negligenciada na vidapratica e subestimada na teoria que chega a ser vergonhoso para a inteligenciahumana" (Mill, 1965: 221).Mas as consequencias nefastas do crescimento populacional para as condi-coes de vida dos trabalhadores nao se resumem aos seus efeitos negativos sobreos salaries. Uma oferta abundante de mao-de-obra no mercado, e verdade, ten-de a deprimir a remuneracao dos trabalhos, aumentando a competicao entre ostrabalhadores pelos empregos disponiveis e permitindo aos capitalistas reduzirao minima a taxa de salario. Mas ainda mais grave do que isso, do ponto devista do bem-estar da maioria, sao as consequencias do crescimento populacio-nal acelerado sobre 0processo de formacao de capital humano e 0grau de pro-dutividade da economia. Pois 0 rapido crescimento da populacao e tambem urndos principais obstaculos a quebra efetiva do elo entre pobreza e incornpetencia.Capital humano e crescimento

    A analise do papel do capital humano no processo economico baseia-se naideia de que, para aumentar a producao per capita e veneer 0 atraso economico,e necessario investir no fator de producao homem. Existe uma estreita relacaoentre nutricao, saude e educacao, de urn lado, e capacidade de trabalho, iniciati-va e inovacao de outro. A pobreza e a incompetencia estao intimamente interli-gadas em nivel microeconomico.Isso ocorre porque, por urn lado, a incompetencia economic a do individuoresulta em privacao material: sua demanda por bens e services nao correspondea uma demanda efetiva reciproca, no mercado, por aquilo que ele e capaz deoferecer. Mas, ao mesmo tempo, a pobreza de uma geracao torna-se 0 bercoda incompetencia da geracao seguinte: 0 ambiente de privacao material e igno-rancia no qual nasce e se forma 0 individuo impede que ele, por sua vez, desen-volva as qualidades ffsicas, morais e intelectuais das quais dependera sua com-petencia na vida pratica e sua sobrevivencia no mercado. Fecha-se assim 0 eloentre pobreza e incompetencia, Como quebra-lo?Entre os economistas do seculo XIX, foi sem duvida Marshall aquele quemelhor compreendeu a importancia da formacao de capital humano - do in-vestimento na qualidade da forca de trabalho - para urn programa de reformasocial eficaz, voltado para a erradicacao da pobreza e a promocao do desenvol-vimento.A bandeira da educacao compulsoria e universal, financiada in totum, e pe-10 menos parcialmente provida pelo Estado, e uma tonica constante da econo-mia classica desde Adam Smith (cf. Robbins, 1965, e Blaug, 1975). Malthus, pa-ra citar apenas urn exemplo, sugeria que 0 investimento publico macico em edu-cacao popular seria uma resposta muito mais eficaz do que a Poor Law no com-bate ao pauperismo:

    Temos dispendido somas imensas com os pobres, tendo toda a razao para crer queassim tendemos a agravar constantemente sua miseria. Mas na sua educacao [... ],77

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    que e talvez 0 unico modo ao nosso alcance de realmente melhorar sua condicao,e de toma-les homens mais felizes e cidadaos mais pacificos, temos sido miseravel-mente deficientes [... J . Na tentativa de melhorar a condicao das classes trabalhado-ras da sociedade nosso alvo deveria ser elevar esse padrao 0mais alto possivel, culti-vando espirito de independencia, orgulho sobrio, e gosto pela limpeza e conforto.o efeito de urn born governo em estimular habitos de prudencia e respeitabilidadenas classes mais baixas da sociedade ja foi enfatizado; mas certamente esse efeitosempre sera incompleto na ausencia de urn born sistema de educacao; e, de fato,pode-se dizer que nenhum governo pode aproximar-se da perfeicao enquanto deixarde prover a instrucao do povo. Os beneficios derivados da educacao estao entre aquelesque podem ser aproveitados sem restricoes impostas pelo tamanho da populacao:e, como esta ao alcance dos governos conferir esses beneficios, e indubitavelmenteseu dever faze-lo. (Malthus, 1973: 212 e 215)o ponto crucial, contudo, e que os economistas classicos ainda tendiam aabordar a questao da educacao mais sob 0 angulo do bem-estar social, e da mu-

    danca de atitudes e valores que acarretava, do que sob 0 angulo do capital hu-mano, isto e , como parte do esforco de investimento e formacao de capital pro-dutivo de uma nacao (cf. Blaug, 1975; Schultz, 1971, e Becker, 1964).Foi apenas com os PEc que os economistas cornecaram a tratar educacao,saude, alimentacao etc. - 0 investimento em seres humanos em suma -, naomais como uma questao simplesmente humanitaria (embora, e claro, tambemo seja), mas sim como parte do esforco de acumulacao de capital: como investi-mento na capacidade produtiva da populacao, entendida como funcao de suasaude e educacao basica, bern como de seu grau de competencia profissional,empresarial, cientifica e tecnol6gica. Acredito que as ideias de Marshall sobrea importancia do capital humano contem uma mensagem relevante para urn pro-grama de reforma social no Brasil hoje e para os estudiosos do desenvolvimentoecon6mico.o nucleo do argumento marshalliano e a nocao de que 0verdadeiro gargalocom que se defrontam as economias menos desenvolvidas nao e a escassez decapital em sentido fisico ("equipamento"), ou mesmo de capital financeiro t"pou-panca"), mas sim a escassez de capital humano ("gente competente naquilo quefaz para ganhar a vida"). 1 3 a falta de capacitacao do conjunto da comunidadepara integrar-se de forma competitiva e dinamica a economia mundial - maisdo que a escassez de meios adequados de financiamento ou de recursos naturaisou de equipamentos tecnologicamente avancados - que acaba comprometendoo esforco de crescimento numa economia atrasada. A escassez de capital huma-no e 0 fator limitativo operante.Mas 0 que e , afinal, 0 capital humano? Alguns exemplos simples podemnos ajudar a visualizar a natureza do problema. Considere duas cozinheiras, umafrancesa e a outra inglesa, cada uma dispondo de tempo, ingredientes, livros dereceita e facilidades de preparo identicos. Nao e dificil imaginar que elas termi-nem produzindo pratos de qualidade tao distinta quanto, digamos, 0 resultadode uma corrida de autom6vel entre Ayrton Senna e urn aluno de auto-escola.A diferenca entre as duas cozinheiras (ou entre os dois pilotos) e 0capital huma-no. Ou, na formulacao do pr6prio Marshall:

    Muito depende da preparacao apropriada da comida; e uma dona-de-casa habilido-sa com dez xelins por semana para gastar em alimentos freqiientemente sera capaz78

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    de fazer mais pela saude e vigor de sua familia do que uma outra, inapta, com vinte.A grande mortalidade infantil entre os pobres e em larga medida devido it falta deeuidados e juizo no preparo da sua alimentacao; e aqueles que nao sueumbem poreompleto a essa falta de euidados maternos frequentemente ereseem com uma eons-tituicao defieiente. (PEe: 163)Considere agora 0 caso das duas Alemanhas. Ao fim da Segunda Guerra,ambas eram paises derrotados, desmoralizados e arrasados. As fabricas e 0equi-pamento que nao haviam sido destruidos foram desmontados e retirados do paiscomo parte da compensacao devida aos aliados. No esforco de reconstrucao,a parte ocidental seguiu as "regras do jogo" da economia de mercado e a parteoriental adotou a economia de comando mais rigida e centralizada de todo 0Leste europeu. E no espaco de uma geracao apenas eram ambas as economiasmais pr6speras, e com maior renda per capita, de seus respectivos blocos euro-

    peus (embora 0 lado ocidental ainda seja, e claro, bern mais afluente que 0 ou-tro). Como se diz na Europa, "0alemao faz qualquer sistema funcionar".o capital humano representa 0 grau da capacitacao da comunidade parao trabalho qualificado, a inovacao cientifica e tecnol6gica, a lideranca, a inicia-tiva e a organizacao em nivel empresarial privado e na vida publica. Ele e consti-tuido nao somente pelo resultado. do investimento das familias e da sociedadecomo urn todo na competencia produtiva das pessoas, mas tambem por elemen-tos de natureza etica como, por exemplo, a capacidade dos individuos de perce-ber e agir consistentemente com base nos seus interesses comuns. Os individuosaumentam seu poder de ganho no mercado e aprendem que e de seu proprio in-teresse respeitar e fazer respeitar na pratica as regras gerais de conduta - as "re-gras do jogo" - das quais todos os participantes se beneficiam, embora paraisso precisem restringir alguns de seus interesses pessoais (ou de grupo) mais ime-diatos (cf. Axerold, 1984). Outros elementos do capital humano da comunidadesao: pontualidade, confiabilidade, persistencia, capacidade de concentracao e deauto-ajuda, disciplina e senso de independencia,Em relacao it teoria dos economistas classicos, 0argumento de Marshall mos-tra que a acumulacao de capital nao deve ser entendida apenas, ou mesmo prin-cipalmente, em sentido fisico, em termos de industrializacao e modernizacao doscentros urbanos. Uma oferta adequada de capital humano e urn requisito indis-pensavel. Discutindo criticamente a teoria chissica do crescimento, Marshallobservou:

    Os eeonomistas [classicos] nao levaram sufieientemente em eonta 0 fato de que asaptidoes humanas eonstituem meios de producao tao importantes quanto qualqueroutro tipo de capital. Podemos eoncluir, em oposicao a eles, que qualquer mudancana distribuicao de riqueza que de mais aos que reeebem salario e menos ao eapitalis-ta ira provavelmente, tudo 0mais nao se alterando, aeelerar 0 aumento da produ-cao material [... ]. [Urn] pequeno e ternporario freio it acumulacao de riqueza mate-rial nao precisa ser neeessariamente urn mal, mesmo de urn ponto de vista puramen-te economico, desde que, sendo feito de modo sereno e sem grandes disnirbios, for-neca melhores oportunidades para a grande maioria do povo, aumentando sua efi-ciencia e desenvolvendo nele habitos de auto-respeito, de modo que resulte numaestirpe de produtores muito mais efieientes na geracao seguinte. Pois isso ajudariamais, a longo prazo, a promover 0 ereseimento, ate mesmo da riqueza material, doque grandes acrescimos ao nosso parque industrial. (PEe: 191)79

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    o ponto crucial aqui, como 0proprio Marshall nao deixa de frisar, e asse-gurar que a renda mais elevada dos que ganham menos seja efetivamente usadapara aumentar sua eficiencia produtiva e capacidade de auto-ajuda, e isso naoapenas dos que a recebem diretamente (pais), mas tambem das geracoes seguin-tes (filhos).Do ponto de vista liberal, a desigualdade de rendimentos e ate certo pontodesejavel e jamais urn mal por si mesma. "Se compararmos dois regimes econo-micos, urn baseado na livre-iniciativa e incentivo de lucro com taxa de crescimen-to de 4 0 7 0 ao ano, digamos, e outro de melhor distribuicao de renda, com umataxa de 2%, veremos, ao fim de alguns anos, que os pobres do primeiro sistemasao mais ricos do que os remediados do segundo" (R. Solow, apud Gudin, 1978:83). E urn lugar-comum, ao qual estamos acostumados no Brasil, afirmar a exis-tencia de urn trade-off entre crescimento e distribuicao de renda. Seria preciso"fazer 0 bolo crescer" para dai entao distribui-lo melhor, ja que as transferen-cias de renda para os mais pobres podem reduzir as taxas de crescimento do pro-duto, devido a seu impacto negativo sobre a poupanca intern a e 0 investimento.Mas como observa Marshall na passagem acima, isso e apenas urn lado damoeda. 0outro lado e captado pelo conceito de capital humano, segundo 0qualuma economia pode fracassar na sua tentativa de "fazer 0bolo crescer" devidoit falta de investimento na cornpetencia do fator de producao homem. Assim co-mo 0 crescimento acelerado da populacao, a rna distribuicao de rend a dificultaa formacao do capital humano necessario para 0 crescimento auto-sustentavel.o desafio para 0 economist a do desenvolvimento e encontrar maneiras deajudar a sociedade a romper 0 elo entre pobreza e incompetencia, "As condi-90es que cercam a extrema pobreza, especialmente em lugares densamente habi-tados, tendem a amortecer as faculdades mentais mais elevadas" (PEc: 2). "Amiseria dos pobres", assinala Marshall, "e a principal causa daquela fraquezae ineficiencia que sao as causas da sua miseria" (M: 155). Seu trabalho primafacie "barato" acaba saindo caro para a sociedade, quando ele e tambem inefi-ciente. 0quadro de desperdicio humano e economico pintado por Marshall dasociedade inglesa no seculo passado retrata de forma eloquente a situacao latino-americana e brasileira atual:

    Nas camadas mais baixas da populacao 0mal e grande. Pois os parcos meios e edu-cacao dos pais, e a sua relativa incapacidade de antever com urn minimo de realismoo futuro, impedem-nos de investir capital na educacao e treinamento de seus filhos,com a mesma liberalidade e audacia com que 0 capital e aplicado no aprimoramen-to da maquinaria de qualquer fabrica bern administrada [... ]. Por fim, eles [os fi-lhos de pais pobres] vao para 0 nimulo carregando consigo aptidoes e habilidadesque jamais foram despertas. [Aptidoes] que, se tivessem podido dar frutos, teriamadicionado a riqueza material do pais - para nao falarmos em consideracoes maiselevadas - diversas vezes mais do que teria sido necessario para cobrir as despesasde prover oportunidades adequadas para 0 seu desenvolvimento [... ]. Mas 0 pontosobre 0 qual devemos insistir agora e que 0 mal tern carater cumulativo. Quantopior a alimentacao das criancas de uma geracao, menos irao ganhar quando cresce-rem, e menores serao seus poderes de prover adequadamente as necessidades mate-riais de seus filhos, e assim por diante nas geracoes seguintes. E, ainda, quanto me-nos suas pr6prias faculdades se desenvolvam, tanto menos compreenderao a impor-tancia de desenvolver as melhores faculdades de seus filhos, e menor sera sua capa-cidade de faze-lo. (PEc: 467-8)80

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    E importante frisar que Marshall sustentou urn argumento de carater eco-nomico quando defendeu uma distribuicao menos desigual da riqueza e da ren-da, de modo que promovesse a formacao de capital humano. Ao escandalo mo-ral da pobreza, ele junta 0 escandalo economico da infancia abandonada. Suaposicao aqui baseia-se na tese de que "qualquer aumento do consumo que sejaestritamente necessario it eficiencia paga-se por si mesmo, e adiciona it renda na-cional pelo menos tanto quanto subtrai dela" (PEc: 440). Mas a sua principalrecomendacao de politic a social era no sentido de urn esforco concentrado nafrente educacional, com prioridade para a base do sistema. 0 argumento e decarater economico e chama a atencao para os ganhos a serem obtidos a partirde uma melhora na educacao basica da massa da populacao.

    Nao existe extravagancia mais prejudicial ao crescimento da riqueza nacional do queaquela negligencia esbanjadora que permite que uma crianca bern-dotada, que nas-ca de pais destituidos, consuma sua vida em trabalhos manuais de baixo nivel. Ne-nhuma mudanca favoreceria tanto urn crescimento mais rapido da riqueza materialquanto uma melhoria das nossas escolas, especialmente aquelas de grau medic, des-de que possa ser combinada com urn amplo sistema de bolsas de estudo, permitindoassim ao filho inteligente de urn trabalhador simples que suba gradualmente, de es-cola em escola, ate conseguir obter a melhor educacao te6rica e pratica que nossaepoca pode oferecer. (PEe: 176)Subjacente a essas colocacoes esta a expectativa de que a importancia rela-tiva do capital humano aumente com a passagem do tempo. Marshall presen-ciou 0 surgimento, no ultimo quarto do seculo XIX, da tecnologia baseada empesquisa cientifica ("science-based technology") nas industrias quimica e eletri-ca (cf. Kuhn, 1977). Sua brilhante discussao em IT (livro 1, cap. 7) da ascensaoeconomica da Alemanha nesse periodo, gracas a uma engenhosa integracao dapesquisa cientifica e tecno16gica nos setores industriais emergentes, ainda estapor merecer alguma atencao pelos estudiosos do assunto.No Capital, Marx prognosticara que "dentro do sistema capitalista [... J to-dos os meios para desenvolver a producao sofrem uma inversao dialetica de mo-do que redundam em meios de dominar e explorar 0produtor, mutilam 0traba-Ihador, reduzindo-o a urn fragmento de ser humano, degradarn-no it categoriade peea de maquina, destroem 0conteudo de seu trabalho transformado em tor-

    mento [eJtornam-lhe estranhas as potencias intelectuais do processo de trabalhona medida em que a este se incorpora a ciencia como forca independente" (1975:748). Mas a previsao de Marshall era exatamente 0 contrario daquela feita porMarx. Com 0avanco tecnol6gico, 0trabalho mecanico e nao qualificado tende-ria a ser expulso do processo produtivo e desaparecer. Ao mesmo tempo, cresce-ria a demanda por capital humano, por trabalhadores qualificados, tecnicos, en-genheiros de producao, administradores e empreendedores:Com 0 avanco da civilizacao, a importancia relativa do trabalho mental vis-a-viso manual se altera. A cada ano 0 trabalho mental se torna mais importante e 0ma-nual menos importante. A cada nova invencao de maquinaria, 0trabalho e transfe-rido dos rmisculos, ou forca vital, para a forca natural [... J . A maquinaria complexaaumenta a demanda por capacidade de decisao independente e inteligencia em geral[ . . . J . Nao existe quase nenhuma atividade [atualmente] que nao requeira algum es-force mental. Ate mesmo na agricultura esta se introduzindo maquinaria cujo ma-nejo requer muita habilidade e inteligencia, (Apud Reisman, 1987: 22)

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    Estado, mercado e infanciaFinalmente, cumpre notar que, para garantir a implementacao pratica des-

    sas ideias, Marshall e seus seguidores nao hesitavam em insistir que 0 Estadodeveria desencadear e liderar 0processo. 0 argumento aqui prende-se a impor-tante questao da protecao dos interesses dos grupos sociais - no casos os meno-res de idade - que sao incapazes de defender seus proprios interesses no mercado.

    Os liberais rejeitam 0paternalismo. Cada urn sabe de si e a melhor socieda-de e aquela que nos permite perseguir, a nossa maneira individual, nossos pro-prios valores e fins (cf. Thomas, 1988). Mas e as criancas? Seria absurdo e inu-mana sugerir uma atitude livre de paternalismo para com elas. Evidentemente,criancas de pouca idade nao podem ser tratadas como se fossem adultos, no quediz respeito a sua participacao numa economia de mercado ou a liberdade deescolha de ocupacao: "liberdade de contrato no caso de criancas pequenas naopassa de urn outro nome para liberdade de coercao" (Mill, apud IT: 763). 0mesmo se aplica no tocante a responsabilidade pela sua propria educacao. Naose pode esperar que elas defendam eficazmente seu interesse numa boa educacaoou numa familia reduzida. 0 problema surge, entretanto, quando tambem ospais deixam de resguardar, por qualquer motivo, os interesses de seus filhosmenores.

    A protecao desses interesses representa, na filosofia social marshalliana, 0caso paradigmatico de interferencia legitim a do Estado na economia, especial-mente quando se trata de situacoes (como as descritas acima) em que os interes-ses da nova geracao estao sendo claramente sacrificados pelos erros e omissoesdas geracoes precedentes. Surge aqui a proposta da educacao compulsoria e doenvolvimento direto do Estado no financiamento e oferta de educacao. 0 eco-nomista ingles L. Robbins cit a urn relatorio oficial apresentado ao Parlamentoingles em 1841 ("Report on the Condition of the Handloom Weavers") ondeessa posicao e defendida de forma clara e contundente. Infelizmente, ela perma-nece atual no Brasil dos anos 90:

    E igualmente 6bvio que, se 0 Estado tern a obrigacao de exigir dos pais que edu-quem seus filhos, tern tambem a obrigacao de garantir que tenham meios de faze-lo.o sistema voluntario, portanto, 0 sistema que deixa por conta da ignorancia, ounegligencia, ou lassidao ou avareza dos pais de uma geracao, decidir ate que pontoa populacao da geracao seguinte devera, ou nao devera, ser constituida de seres ins-truidos, foi repudiada. E confiamos que, numa questiio dessa importancia - a maisimportante talvez dos muitos assuntos que requerem a atencao do governo -, urnsistema que foi repudiado na teoria nao tera perrnissao para continuar vigente napratica. (Apud Robbins, 1965: 93)Como afirmou A. C. Pigou (0 sucessor de Marshall na Faculdade de Eco-

    nomia da Universidade de Cambridge), expressando a posicao de consenso en-tre os liberais ingleses: "Existe urn amplo acordo de que 0Estado deve protegeros interesses do futuro, em alguma medida, contra os efeitos do nosso desprezoirracional e da nossa preferencia por nos mesmos em detrimento de nossos des-cendentes" (Pigou, 1932: 29). Existem boas razoes economicas, alem das razoeshumanitarias, para buscar compensar as desvantagens dos filhos de pais desti-tuidos (ou imprevidentes), de modo que lhes permita descobrir 0 seu potencial82

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    para a comunidade e, ao mesmo tempo, 0 que podem fazer em seu proprio be-neficio numa economia de mercado:

    o valor economico de urn unico grande genic industrial e suficiente para cobrir asdespesas com educacao de toda uma comunidade; pois uma nova ideia, como a in-vencao principal de Bessemer [processo de purificacao do minerio de ferro na side-rurgia], acrescentou tanto ao poder produtivo da Inglaterra como 0 trabalho de cernmil homens. (PEc: 179)"Um governo", escreveu Marshall, "pode imprimir uma boa edicao das

    obras de Shakespeare, mas nao poderia conseguir que elas fossem escritas" (M:339). Um governo jamais seria capaz de substituir a iniciativa privada enquantoforca inovadora e propulsora da geracao de riqueza. Nada disso, contudo, im-plica uma postura fatalista ou complacente diante da pobreza. E funcao do go-verno, na otica marshalliana, concentrar esforcos para evitar 0 desperdicio hu-mano e economico do "Shakespeare analfabeto", do "Bessemer pixote" e do"capitao de industria trombadinha". Do individuo que carrega para 0 tumulo,sem deixar rastros, talentos e habilidades sufocados pelo analfabetismo, igno-rancia e privacao. 0 governo, e certo, e impotente para fazer com que obrascomo as de Shakespeare sejam criadas. Mas nao ha nada que 0impeca de cuidarpara que 0maior mimero possivel de membros da comunidade tenha ao menosa chance de le-las.

    IV. ECONOMIA BRASILEIRA: UM RELANCE MARSHALLIANOComo explicar as forrnidaveis diferencas de produtividade e bem-estar ma-

    terial que se observam na economia mundial? Por que persistem - e ate mesmocrescem - as enormes disparidades no nivel de rend a per capita das nacoes? Seo Brasil acordasse do pesadelo macroeconomico em que se meteu e conseguissefinalmente virar a pagina melancolica do ciclo dos planos de estabilizacao fra-cassados, poderiamos tentar recuperar 0 tempo perdido nos anos 80 e dedicarum pouco mais de atencao aos fatores microecontimicos que determinam 0 su-cesso ou fracas so das nacoes na criacao de riqueza. 0 Canada e a India sao,a esse respeito, exemplos extremos, com 0 Brasil ocupando uma posicaointerrnediaria.

    Com uma populacao 5,5 vezes menor que a brasileira, 0Canada tem umarenda per capita de US$ 15.160 anuais (1987) e um Produto Nacional Bruto (PNB)37,4070maior que 0nosso. Ja a India, com uma populacao 5,6 vezes maior quea brasileira, tem uma renda per capita de US$ 300 anuais e um PNB 16,4% me-nor que 0 nosso.

    Assim, a perfeita igualdade de rendimentos na India apenas garantiria a po-breza absoluta para toda a populacao. Por outro lado, mesmo supondo que adistribuicao de renda no Canada fosse tao desigual quanto e no Brasil, de formaque os 20% mais pobres da populacao recebessem apenas 3,2% da rend a nacio-nal, ainda assim teriamos que cada um desses 20% mais pobres obteria uma ren-da de US$ 2.432 anuais em media, ou seja, um rendimento 20,4% maior quea renda per capita do conjunto dos brasileiros em 1987. Se a renda desses 20%

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    mais pobres fosse razoavelmente bern distribuida entre eles, teriamos ainda umasociedade profundamente desigual, mas que, gracas a sua alta producao per ca-pita, estaria inteiramente livre de carencias materiais graves.Diante desse quadro, a pergunta relevante e: por que a producao per capitados brasileiros, mesmo incluindo as estimativas mais ousadas sobre 0 tamanhoda economia informal, e tao reduzida? Como e que uma populacao pequena co-mo a canadense consegue produzir urn result ado global cujo valor e tao superiorao nosso? Como explicar a alta producao per capita das economias desenvolvi-das e 0 fracasso dos paises mais pobres (onde vivem 750/0da populacao mun-dial) em quebrar 0 circulo vicioso da pobreza e da incompetencia?A experiencia da economia mundial no pos-guerra e a ascensao economicade paises como 0 Japao, Alemanha e Coreia do SuI sugerem algumas licoes im-.portantes. 0 sucesso dessas economias mostra que 0 crescimento da producaoper capita nao se deve it existencia de recursos naturais abundantes e mao-de-obra barata ou a exploracao de parceiros comerciais. Ninguem precisou ficarpobre, dentro ou fora desses paises, para que eles prosperassem. Tampouco sedeve a politica economica de seus governos ou a genialidade de seus economis-tas. Os economistas japoneses e coreanos jamais se destacaram pelo requinte teo-rico e nenhum deles recebeu ate hoje 0Premio Nobel. Balancar a arvore naoproduz os frutos que caem. Nenhum governo do mundo tern 0 dom de gerarriqueza, embora certamente possa atrapalhar quem esta tentando faze-lo. Tudoo que pode fazer - alem de nao atrapalhar demais - e transferir renda de urnlugar para outro no sistema.Mas se nenhum desses fatores explica 0 aumento da producao per capita,entao como explica-lo? A causa basica dos diferenciais de produtividade no mun-do chama-se eficiencia microeconomica - a capacidade dos individuos e das em-presas de descobrir e produzir bens e services para os quais existe urn mercadogenuino, isto e, para os quais existem compradores dispostos a pagar pelo me-nos 0que custou produzi-Ios. Do ponto de vista economico pouco import a ondeestao esses compradores, se no predio ao lado, em Caracas, Helsinque ou namais remota ilha do Pacifico. 0importante e que, para adquirir obem ou servi-co em questao, esses compradores julgam que vale a pena pagar 0 seu custo deproducao. Ao fazerem isso, eles estao nao apenas pagando, com seu trabalho,pelos bens que desejam consumir, mas reconhecendo na pratica 0valor e a ra-zao de ser da atividade produtiva da qual resultam.Dentro do enfoque marshalliano, 0capital humano - a capacidade de ini-ciativa, a competencia profissional, a inventividade, a disciplina e 0 habito deagir no presente tendo em vista 0 futuro - e urn fator de producao pelo menostao importante para a criacao de riqueza quanto qualquer outro tipo de capital.A experiencia da ultima decada parece reforcar essa perspectiva. Ao contrariodo que acreditavam os teoricos do "grande consenso desenvolvimentista" dosanos 60 e 70, para os quais a acumulacao de capital fisico no setor industrialera 0principal fator do crescimento, a tendencia no mundo moderno e clara nosentido de tornar 0 "cerebro humano", cada vez mais, 0 fator decisivo para 0sucesso economico. Como argumentou recentemente 0economista hindu Datta-Chaudhuri, apontando as falhas da teoria tradicional do desenvolvimento:84

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    As pesquisas mais recentes sobre 0 crescimento minaram seriamente a importanciaatribuida a formacao de capital para 0 processo de crescimento de uma economia[ . . . J . A maior parte do crescimento parece resultar do progresso tecnico que e , porsua vez, basicamente a habilidade de uma organizacao economics em utilizar os re-cursos produtivos que dispoe de forma mais efetiva ao longo do tempo. Muito dessahabilidade vem do aprendizado sobre como operar as facilidades de producao recem-criadas de forma mais produtiva ou, mais genericamente, do aprendizado em lidarcom mudancas rapidas na estrutura de producao tipicas do progresso industrial. Ateoria do desenvolvimento tradicional prestou pouca atencao a esses processos deaprendizado, assumindo implicitamente que qualquer progresso tecnico possivel vi-ria automaticamente com a acumulacao de capital. A experiencia de desenvolvimentodas ultimas tres decadas mostra que as economias diferem de forma consideravelquanto a sua habilidade em aprender como assimilar novas tecnologias e como ajustar-se rapidamente a novas linhas de producao. (Datta-Chaudhuri, 1990: 28-9)Infelizmente, contudo, tambem na economia Natura non facit sa/tum (co-

    mo nos lembra a divisa aristotelica e darwiniana inscrita na abertura dos PEc).Nao existe nenhuma formula magica ou plano mirabolante que permita elevarda noite para 0 dia a eficiencia dos esforcos produtivos. 0 processo de forma-~ao de capital humano e crescimento organico descrito por Marshall e por natu-reza lento,o esforco de acumulacao capitalista no Brasil no pos-guerra padeceu de urngrave desequilfbrio. Concentramos os recurs os na montagem de urn parque in-dustrial e urbano sob muitos aspectos notavel, mas acabamos deixando de in-vestir em proporcao adequada no principal fator de producao da economia quee 0 proprio homem. 0 Brasil ainda precisa construir uma fatia de seu capitalpara pertencer ao mundo moderno. Substituimos, com relativo sucesso, as im-portacoes de bens de consumo duraveis e bens de capital. Mas ficou faltandoum esforco compativel de acumulacao de capital humano, ou seja, de capacita-~ao da comunidade para 0trabalho qualificado, a inovacao cientifica e tecnolo-gica, a iniciativa e a organizacao em nivel empresarial privado e na vida publica."0 mais valioso de todos os capitais e aquele investido em seres humanos" (Mars-hall). A experiencia recente vem mostrando que essa afirmacao e, antes de maisnada, uma verdade estritamente economica.REFERENCIASAXELROD, R. The Evolution oj Cooperation (Nova York, 1984).BECKER, G. S. Human Capital (Nova York, 1964).BAGEHOT, W. "John Stuart Mill" (1873), Economic Studies, ed. R. Hutton (Londres,1880).BHARADWAJ, K. "The Subversion of Classical Analysis: Alfred Marshall's Early Wri-ting on Value", Cambridge Journal oj Economics 3(1978), pp. 253-271.BLAUG, M. "The Economics of Education in English Classical Political Economy: aRe-examination". In: Essays on Adam Smith, orgs. A. S. Skinner e T. Wilson (Ox-

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    ABSTRACTHow to account for the wide and persistent differentials in per capita productivity in theworld economy? From a Marshallian perspective, these differences are related to microeco-

    nomic factors (e.g. organization) and in particular to per capita investment in human beingsas agents of production. Marshall believed that the relative importance of mental vis-a-vismanual labour tended to increase through time; and he held the view that human capital -i.e. the physical, moral and congnitive attributes of workers, professionals and business men- is one of the most important of all inputs in the production function and one of the keyelements in the process of organic growth. The aim of this paper is to present Marshall's theo-retical and normative thinking on the economic role of education and to bring out his pionee-ring contribution to the modern theory of human capital.

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