o candidato do povo: imagem, mobilização e popularidade ... · a legenda contêm uma síntese do...

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O candidato do povo: imagem, mobilizao e popularidade nas campanhas eleitorais de

Alberto Pasqualini (1947-1954)

Douglas Souza Angeli1

Consideraes iniciais

Quem tivesse acesso edio do dia 19 de dezembro de 1946 do jornal Correio do Povo,

poderia ver, na parte superior direita da terceira pgina, trs reprodues de fotografias da

vitoriosa excurso de Alberto Pasqualini a Caxias2. A ltima imagem exibe a distribuio de

retratos do candidato a governador pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O primeiro

plano dominado pelos chapus. Em segundo plano, dezenas de mos estendidas em direo a

trs homens que, ao fundo, distribuam fotografias do candidato. Conforme a legenda da

imagem, milhares de retratos de Alberto Pasqualini foram distribudos entre seus futuros

eleitores. E estes, como se v pela foto, acorrem pressurosos, como o faro certamente a 19 de

janeiro, quando sufragaro nas urnas um nome j consagrado pela voz do povo. A imagem e

a legenda contm uma sntese do objeto deste artigo: imagem, mobilizao e popularidade nas

campanhas eleitorais de Alberto Pasqualini.

As eleies estaduais realizadas em 1947, 1950 e 1954 foram acontecimentos

importantes para a experincia democrtica iniciada aps o Estado Novo. A ampliao do

eleitorado (com a incorporao dos trabalhadores urbanos), a criao de partidos polticos

nacionais e a realizao peridica de eleies num sistema eleitoral competitivo acabaram por

modificar as relaes entre candidatos e eleitores3. No Rio Grande do Sul, Alberto Pasqualini

(1901 - 1960) concorreu na chapa majoritria do PTB nos trs pleitos: em 1947 candidatou-se

a governador, em 1950 ao Senado e em 1954 novamente a governador. Conhecido como

terico do trabalhismo, Pasqualini teve atuao destacada na formulao programtica do

trabalhismo brasileiro e na consolidao do PTB no Rio Grande do Sul4.

As fontes aqui apresentadas so fotografias do acervo particular de Alberto Pasqualini

e imagens publicadas em panfletos e na imprensa durante as campanhas eleitorais (nas

publicaes a pedido do PTB). Entendemos que fotografias so fontes capazes no apenas de

evidenciar as prticas de campanha eleitoral daquele perodo, mas tambm, e especialmente,

1 Doutorando em Histria na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CNPq. 2 A VITORIOSA excurso de Pasqualini a Caxias. Correio do Povo, Porto Alegre, 19/12/1946, p. 3 [MCSHJC]. 3 Conforme os estudos que revisaram a historiografia sobre o perodo, com destaque para LAVAREDA (1991),

FRENCH (1998), CNEPA (2005), GOMES (2005) e FERREIRA (2013). 4 Sobre Pasqualini, ver GRIJO (2007), VASCONCELOS (2009), BITENCOURT (2012) e ALMEIDA (2015).

propiciar elementos para a compreenso da construo da imagem pblica de Pasqualini como

detentor das competncias necessrias representao poltica e como candidato dotado de

popularidade. Assim, o trabalho apresenta uma anlise destas imagens buscando compreender

como o candidato e sua campanha se dava a ver ao eleitorado e como estas imagens,

especialmente por meio de sua publicao na imprensa, foram utilizadas nas tentativas de

interpelao e mobilizao dos eleitores propiciando avanar na compreenso das prticas da

experincia democrtica e do impacto da emergncia do povo no cenrio eleitoral.

Inicialmente, ser discutida a relao entre imagem e massificao a partir de Walter

Benjamin, com foco nas implicaes polticas. Em seguida, uma anlise de fotografias do

acervo de Pasqualini, com ateno para a construo de sua imagem como detentor das

competncias necessrias representao poltica. E por fim, uma anlise sobre o papel das

imagens na mobilizao eleitoral por meio de panfletos e publicaes na imprensa. No

havendo possibilidade, para efeito desse artigo, de uma anlise sistemtica das imagens

produzidas nas campanhas eleitorais de Pasqualini em 1947, 1950 e 1954, o objetivo

promover uma aproximao com esse tipo de fonte, refletindo sobre suas potencialidades para

a compreenso das prticas de mobilizao eleitoral do perodo.

Massificao e imagem do poltico

Os estudos de Antropologia da Poltica tm destacado que as campanhas eleitorais

rompem com o cotidiano ao inserirem na vida das comunidades um conjunto de acontecimentos

que suspendem temporariamente a relao usual entre governantes e governados: expondo em

campo aberto a luta das faces pelos cargos polticos e pela adeso, o tempo da poltica

propicia uma proximidade atpica entre candidatos e eleitores e eventos como comcios e

festas5. possvel dizer tambm que, no concernente s imagens, a mobilizao eleitoral

oferece aos olhos uma srie de elementos que alteram a paisagem habitual. Cartazes, faixas e

placas, bem como anncios na imprensa e a distribuio de panfletos (em especial os famosos

5 Conforme a perspectiva defendida por BARREIRA (1998), PALMEIRA (2004) e PALMEIRA e HEREDIA

(2010).

santinhos)6 transportam a poltica, geralmente restrita ao exerccio profissionalizado dos

parlamentos, partidos e sindicatos, para o cotidiano dos profanos por meio de imagens7.

Como exemplo dessa alterao temporria da paisagem decorrente das campanhas, o

jornal Dirio de Notcias publicou, em 03 de setembro de 1950, uma imagem de um prdio, em

Porto Alegre, abarrotado de propaganda eleitoral. A legenda mencionava: O aspecto

fisionmico da cidade est completamente alterado. Da calada at o ltimo degrau do arranha-

cu, saltam aos olhos dos transeuntes as vibrantes provocaes dos candidatos8.

Imagem 1 Propaganda eleitoral em Porto Alegre, 1950

Fonte: Dirio de Notcias, Porto Alegre, 03/09/1950, p. 03 [MCSHJC].

No ensaio A obra de arte na poca de sua reprodutibilidade tcnica, Walter Benjamin

destaca a perda da atmosfera de autenticidade que cerca a obra de arte original, o

desaparecimento da aura: Esse processo sintomtico; seu significado vai muito alm da

esfera da arte. [...] Na medida em que multiplica a reproduo, coloca no lugar de sua ocorrncia

6 Tnia Regina de Luca (2008, p. 167) destacou o avano tcnico da indstria grfica no Brasil a partir de 1930,

tendo como exemplo aprimoramento da qualidade grfica dos cartazes da propaganda eleitoral da Aliana Liberal.

A novidade trazida pela redemocratizao em 1945 diz respeito ampliao do eleitorado: aproximadamente 15%

da populao compareceu s urnas para as eleies quase 7,5 milhes votantes (CANEDO, 2010, p. 537). 7 Conforme a perspectiva de Pierre Bourdieu (2012) sobre o campo poltico e a relao entre os profissionais

formuladores dos produtos polticos e os profanos consumidores pelos quais os primeiros concorrem. 8 DIRIO de Porto Alegre. Dirio de Notcias, Porto Alegre, 03/09/1950, p. 03 [MCSHJC].

nica sua ocorrncia em massa (BENJAMIN, 2014, p. 23). Ressaltando a insero da obra de

arte no contexto da tradio, o autor salienta a relao original entre arte e ritual, primeiramente

mgico, depois religioso: Esse modo aurtico de existncia da obra de arte nunca se destaca

completamente de sua funo ritual9. [...] Esse fundamento [...] pode ser reconhecido, enquanto

ritual secularizado, tambm nas mais profanas formas de culto beleza (BENJAMIN, 2014,

p. 33)10.

Conforme Walter Benjamin, o curso da histria da arte pode ser compreendido pelo

deslocamento de um polo ligado a seu valor de culto a um polo relacionado a seu valor de

exposio. Enquanto o valor de culto obriga a obra de arte a permanecer oculta, o segundo est

ligado perda de sua funo mgica, aumentando as oportunidades de exposio (BENJAMIN,

2014, p. 37). A isto podemos relacionar o fato de que a iconografia poltica tem na

exponibilidade a sua principal razo de ser. Peter Burke (1994, p. 28) destacou, no estudo sobre

a fabricao da imagem pblica de Lus XIV, o papel das reprodues na visibilidade do rei:

As medalhas, sendo relativamente caras, deviam ser cunhadas em centenas de cpias. Por

outro lado, os impressos [...], sendo baratos, eram reproduzidos em milhares de cpias e

puderam assim contribuir consideravelmente para a difuso.

A poca da reprodutibilidade tcnica da qual Benjamin fala , entretanto, posterior

poca das monarquias absolutistas. a era do cinema e da fotografia que ocupa o centro da

reflexo benjaminiana: o estranhamento do ator diante do aparato tecnolgico do cinema faz

com que ele saiba que isto o transporta (e portanto o liga) s massas (BENJAMIN, 2014, p. 75).

Para o autor, esta mesma mudana do modo de exposio por meio da tcnica de reproduo

pode ser identificada na poltica:

A crise das democracias pode ser entendida como uma crise das condies de

exposio do homem poltico. As democracias apresentam o poltico imediatamente

em sua prpria pessoa e diante de representantes. O parlamento seu pblico. Com

9 Rgis Debray (1992, p. 33) tambm destacou a origem da obra de arte relacionada ao ritual religioso: A imagem

, na origem e por funo, mediadora entre os vivos e os mortos, os seres humanos e os deuses, entre uma

comunidade e uma cosmologia, entre uma sociedade dos sujeitos visveis e a sociedade das foras invisveis que

os subjugam. Para o autor, a histria do olhar no ocidente pode ser dividida em trs fases: Houve magia enquanto

o homem subequipado dependia das foras misteriosas que o esmagavam. Em seguida, houve arte quando as

coisas que dependiam de ns tornaram-se, pelo menos, to numerosas quanto as que no dependiam. O visual

comea logo que adquirimos poder suficiente sobre o espao, o tempo e os corpos para deixar de temer sua

transcendncia (DEBRAY, 1992, p. 37). 10 Sobre a relao entre funo ritual da arte e secularizao pode ser encontrada na anlise de Carlo Ginzburg do

quadro O assassinato de Marat, de Jacques-Louis David. Para ele, ao representar Marat como um santo, a

Repblica nascida da derrubada da Monarquia baseada no direito divino buscava uma legitimidade suplementar

adentrando na esfera no sagrado: Essa invaso do sagrado prosseguiu e, em outras formas, ainda prossegue. a

outra face da secularizao [...]. Sempre que possvel, o poder secular se apropria da aura (que tambm uma

arma) da religio (GINZBURG, 2014, p. 59).

as inovaes nos aparatos de registro, que permitem ao orador durante seu discurso

ser ouvido e, pouco tempo depois, ser visto por um nmero ilimitado de pessoas, a

exposio do homem poltico diante desse aparato de registro passa para o primeiro

plano. Esvaziam-se os parlamentos ao mesmo tempo que os teatros. [...] O sentido

dessa transformao, independente de suas diferentes tarefas especiais, o mesmo

para o ator de cinema e para o poltico. [...] Resulta disso um novo tipo de seleo,

uma seleo diante do aparato, da qual o campeo, o astro e o ditador emergem como

vencedores (BENJAMIN, 2014, p. 79)11.

A partir das reflexes de Walter Benjamin, possvel considerar o seguinte: os aparatos

de reprodutibilidade tcnica, ligados por exemplo fotografia e ao cinema, levam

transformao nas condies de exposio tanto do artista quanto do homem poltico. A

transposio do exerccio da representao poltica dos parlamentos fechados para o cotidiano

das massas por meio de imagens gera uma tenso no plano das competncias necessrias a

este exerccio: sua consequncia perceptvel na forma como os representantes polticos

modificam o processo de construo de sua imagem considerando a recepo de um pblico

ampliado, incorporando elementos que passaram a ser necessrios com a democratizao do

corpo eleitoral. Imagem e popularidade: a relao entre ambas se estreita, na prtica poltica,

no momento em que a reproduo tcnica possibilita maior circulao da primeira e a

incorporao das massas ao cenrio eleitoral exige ateno para a segunda.

O poltico se d a ver: construo da imagem

A atuao de Pasqualini no PTB, desde a fuso da Unio Social Brasileira com o partido,

em 1946, foi marcada pelo trabalho do poltico no sentido de definir as bases doutrinrias do

trabalhismo. Foi a partir desse momento que se construiu a imagem de Pasqualini como o

terico do trabalhismo. Diego Almeida (2015), em sua tese de doutorado, busca compreender

a trajetria e o pensamento de Pasqualini desde de sua formao poltica no Partido Libertador

dos anos 1930, defendendo a ideia de que considerar Pasqualini como o terico do

trabalhismo no compreend-lo em perspectiva histrica, pois este qualificativo diz respeito

sua atuao somente aps 1945. Aceitando o argumento do autor, pretendemos avanar no

entendimento de como essa imagem foi construda.

Tanto nas fotografias do acervo de Pasqualini como na imprensa, em especial na

reportagem publicada na Revista do Globo em dezembro de 1946, o poltico gacho aparece

cercado de livros e folhas de papel: aluno e professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre,

11 O autor observava os acontecimentos relativos ascenso do fascismo e destaca sua consequncia: a estetizao

da vida poltica (BENJAMIN, 2014, p. 117-119).

Pasqualini foi autor de diversos artigos, alm do livro Bases e Sugestes para uma Poltica

Social, lanado em 1948. Embora o carter de intelectual no seja suficiente para compreender

sua prtica poltica, essa foi uma imagem sistematicamente explorada.

Imagens 2 e 3: Pasqualini no Senado (1951-1955) e em seu escritrio (1947)

Fontes: Acervo de Alberto Pasqualini (MAP/PMI) e Revista do Globo, 07/12/1946, p. 25 (MCSHJC).

Analisando as reportagens sobre os candidatos a governador na eleio de 1947,

publicadas na Revista do Globo, Joo Batista Cruz (2010) destacou a construo da imagem

pblica de Pasqualini como um filsofo sentimental. Destaca que as reportagens construram

imagens contrastantes entre Pasqualini e seu principal adversrio naquela eleio, Walter Jobim

(PSD): o primeiro como um intelectual e o segundo como um homem prtico, o primeiro

cercado de livros e o segundo como um administrador (CRUZ, 2010, p. 93). Uma das pginas

da reportagem da Revista do Globo exemplar dessa imagem de Pasqualini como intelectual:

Imagem 4: Reportagem da Revista do Globo sobre Alberto Pasqualini

Fonte: Revista do Globo, Porto Alegre, n. 424, 07/12/1946, p. 27. [MCSHJC].

O escritrio bagunado, com muitos papis, livros e a mquina de escrever, que tambm

aparece na imagem anterior, se articula ao conjunto de imagens da entrevista concedida por

Pasqualini tendo ao fundo os livros de sua biblioteca. bem clara a associao do candidato

imagem de intelectual. Em termos de mobilizao eleitoral, esta imagem parece estar

diretamente associada s competncias necessrias ao exerccio da representao poltica caso

eleito reforada pela imagem n. 1, j no mandato de senador eleito em 1950. Entretanto,

com a ampliao do corpo eleitoral a partir de 1945, a democracia de massas vai exigir que os

candidatos se apresentem cada vez mais como detentores de outro elemento de valorizao: a

popularidade.

Imagens 5 e 6: Recepo aos candidatos Alberto Pasqualini e Joo Goulart em Santa

Rosa e Porto Alegre (campanha de 1954)

Fontes: Acervo de Alberto Pasqualini (MAP/PMI).

As fotografias acima revelam outra forma de dar-se a ver por parte de Alberto

Pasqualini. As campanhas eleitorais, com seus rituais secularizados e eventos tpicos como

comcios, fazem com que o candidato circule por diferentes municpios, onde festivamente

recebido por seus correligionrios, e tais acontecimentos fornecem imagens que, tambm

visando mobilizao eleitoral, circularo por meio da propaganda eleitoral e das publicaes

do partido na imprensa. Na busca por construir um interesse pela competio poltica por parte

do eleitor, a imagem de uma campanha que caminha em direo vitria fundamental, bem

como a apresentao do candidato como algum popular, que est prximo do povo e que

bem recebido por onde passa12.

As fotografias das campanhas eleitorais de Alberto Pasqualini, publicadas na poca ou

no, servem de indicativo da forma como a sua imagem pblica foi construda em busca da

popularidade perante o eleitorado. Sobre a necessidade dessa construo, levando candidatos a

prticas voltadas visibilidade, interessante retomar o que foi salientado na concluso da

dissertao de mestrado: Diferentes estratgias de mobilizao so perceptveis nas prticas e

concepes dos partidos e dos candidatos, tendo como elemento comum a todos o fato de

12 O ponto de partida da presente anlise a definio de Michel Offerl (2011, p. 156; 2005, p. 356) para

mobilizao eleitoral como o resultado de um conjunto de incitaes por meio das quais os empreendedores

polticos trabalham para criar o costume do voto e atuam para a produo de agentes capazes de reconhecer um

interesse na competio eleitoral. Porm, Offerl (2011, p. 187-188) no considera o eleitor como passivo, mas

como um agente que aprende tambm a apropriar-se da relao eleitoral com certa autonomia, fazendo uso da

condio de eleitor e pressionando os candidatos. Seguindo esta lgica, Cando (2002) ressaltou que, com a

democratizao iniciada em 1945, os candidatos passaram a estar sujeitos, muito mais do que nos regimes

anteriores, ao veredito popular, no podendo ficar aprisionados s regras de seu prprio mundo. Considero tambm

o argumento de Antnio Lavareda (1991), ao concluir pela correspondncia do perodo entre 1945 e 1964, no

Brasil, com o incio do sculo XX em boa parte dos pases europeus: trata-se da consolidao de um sistema

poltico-eleitoral competitivo.

levarem em considerao a inevitvel presena dos eleitores na paisagem poltica (ANGELI,

2015, p. 198).

O candidato do povo: imagens e mobilizao eleitoral

Diferentemente da imagem pblica que se consolidou a do terico do trabalhismo

a campanha eleitoral de 1947, por meio das publicaes do PTB na imprensa, apresentava

Alberto Pasqualini como o candidato do povo. Diversamente da imagem de intelectual

fechado em seu gabinete, do terico cercado de papis, as reprodues de fotografias dos

comcios do candidato ao governo do Estado do Rio Grande do Sul o exibiam cercado pelo

povo, como na imagem 7. O candidato sendo carregado por apoiadores representativa:

Imagem 7 Alberto Pasqualini na campanha eleitoral de 1947

Fonte: CANDIDATO da esperana [...]. Dirio de Notcias, Porto Alegre, 12/01/1947, p. 11

[MCSHJC].

Somente os ttulos destas publicaes, que muitas vezes ocupavam pginas inteiras de

jornais como o Correio do Povo e o Dirio de Notcias, j demonstram a lgica do qualificativo

candidato do povo: Veranpolis, Bento Gonalves e Farroupilha aclamaram

entusiasticamente o candidato do povo; De maneira cada vez mais entusistica, o Rio Grande

aclama e apoia o candidato do povo13; Vitoriosa excurso de Alberto Pasqualini o candidato

do povo a governador do Estado a Caxias do Sul; Triunfante j no corao do povo rio-

grandense, Alberto Pasqualini ser eleito governador do Estado a 19 de janeiro14. A ideia de

que a campanha estava em crescimento e de que o candidato era recebido por multides nos

13 Correio do Povo, Porto Alegre, 03/12/1946, p. 7; 07/12/1946, p. 5 [MCSHJC]. 14 Dirio de Notcias, Porto Alegre, 18/12/1946, p. 2; 05/01/1947, p. 8; 07/01/1947, p. 6 [MCSHJC].

municpios pelos quais passava era o centro da construo discursiva da vitria de Pasqualini

que, apurados os resultados, acabaria no ocorrendo15.

A articulao entre os ttulos destas publicaes, geralmente mencionando os

municpios por onde o candidato havia passado, seu contedo textual e as imagens, presentes

sempre em grande nmero, faziam parte da construo da popularidade da candidatura de

Pasqualini. Muitas fotografias dos comcios foram reproduzidas nas publicaes do PTB na

imprensa, especialmente aquelas cujo enquadramento fruto de uma seleo passava a ideia

de um candidato cercado pelas multides. Em alguns casos, os sujeitos annimos aparecem nas

imagens no em uma postura passiva, de quem simplesmente recebe a mensagem doutrinria

e que no deixa de fazer parte da lgica dos comcios, onde os candidatos falam ao povo. Braos

erguidos e bocas abertas, mos estendidas, demonstraes de entusiasmo, mos que seguram

cartazes, faixas e bandeiras, so enquadramentos que fazem parte desta construo. Como na

imagem que descrevi no incio deste artigo:

Imagem 8 Distribuio de retratos de Pasqualini em Caxias do Sul (1947)

Fonte: VITORIOSA excurso [...]. Correio do Povo, Porto Alegre, 19/12/1946, p. 3 [MCSHJC].

Considerar a tais imagens como elemento importante das estratgias de mobilizao

eleitoral possibilita uma operao analtica que no tome o discurso tampouco as imagens

construdas como uma simples evidncia do real. Para concluir a defesa desse argumento,

optou-se por dar ateno aos usos das imagens na propaganda eleitoral de Pasqualini em um

caso que envolve a reutilizao de uma imagem da campanha de 1947 na propaganda de 1950.

15 Alberto Pasqualini foi derrotado pelo candidato do PSD, Walter Jobim, por uma diferena de pouco mais de 20

mil votos (menos de 4%). Seria eleito senador em 1950 e novamente derrotado nas eleies para governador em

1954.

Durante a campanha eleitoral de 1947, o PTB divulgou, com muito destaque, as imagens

do comcio realizado em Caxias do Sul/RS. Dentre elas, percebe-se, na edio do jornal Correio

do Povo do dia de Natal de 1946 a eleio ocorreria em 19 de janeiro uma imagem de

Pasqualini com crianas que, de uma janela, o observam:

Imagem 9 Alberto Pasqualini e crianas na campanha eleitoral de 1947

Fonte: Correio do Povo, Porto Alegre, 25/12/1946, p. 5 [MCSHJC].

Conforme o texto, publicado a pedido do PTB, o evento da imagem ocorreu em

atividades de campanha eleitoral no municpio de Estrela/RS. No possvel saber se a cena

contou com a ao espontnea das crianas, ou se foi planejada. Independentemente disso, a

campanha de Pasqualini buscou utiliz-la na mobilizao eleitoral, atribuindo qualificativos

positivos ao candidato a partir da imagem. A legenda relevadora desta estratgia,

apresentando o seguinte argumento: Quando um homem verdadeiramente estimado pelo

povo, ele deixa de ser, para as crianas, um estranho, para tornar-se um verdadeiro e bom

amigo. E segue: Assim sucede com Alberto Pasqualini. Em todas as suas excurses, grande

nmero de crianas acorre sempre a festej-lo, como nesse expressivo flagrante que a vemos,

colhido na tarde de domingo em Estrela16.

O mais interessante o fato desta imagem de Pasqualini com as crianas ter sido

novamente utilizada na campanha eleitoral de 1950, quando concorreu ao Senado:

16 Correio do Povo, Porto Alegre, 25/12/1946, p. 5 [MCSHJC]

Imagem 10 Panfleto de Alberto Pasqualini (1950)

Fonte: Setor de publicidade de propaganda do MCSHJC.

As campanhas eleitorais desse perodo no podem ser tomadas pelos padres atuais,

pois, embora j houvesse um sistema eleitoral competitivo, estas eleies ainda so anteriores

aos efeitos da propaganda eleitoral televisiva e do marketing poltico. A poltica brasileira ainda

estava em vias de profissionalizao e as campanhas, especialmente no plano local e regional,

eram pensadas e executadas pelas lideranas partidrias e apoiadores de forma bastante

descentralizada. Exemplo disso, foi por iniciativa do diretrio do PTB do municpio de

Garibaldi/RS que a imagem novamente circulou entre os eleitores.

No foi a campanha de Alberto Pasqualini que inventou o uso da imagem de crianas

na propaganda poltica. Seria possvel citar diversos exemplos de lderes polticos cercados por

crianas em diferentes contextos: de Mao Ts-Tung Evita Pern, de Benito Mussolini a Joseph

Stalin. Em diversas publicaes durante o Estado Novo (1937-1945), Getlio Vargas retratado

falando s crianas17. Talvez essa lembrana da propaganda varguista tenha impelido os

17 Sobre a propaganda poltica no varguismo e no peronismo, ver CAPELATO (2009).

responsveis pela propaganda do PTB partido fundado por Getlio Vargas a utilizar essa

imagem de Pasqualini, mas esta uma hiptese difcil de ser comprovada. O fato que a

legenda da imagem, na sua primeira publicao, em 1946, possui muitas semelhanas com o

contedo de uma reportagem publicada pela Revista do Globo, alguns anos depois, quando

Getlio Vargas prepara-se para assumir novamente a presidncia da Repblica. Foi publicada

uma fotografia na qual Vargas aparece caminhando de mos dadas com vrias crianas na

fazenda do deputado Batista Luzardo em Uruguaiana: Um amvel companheiro para as belas

tardes campestres, dizia a legenda18. Na segunda utilizao da imagem, no panfleto de 1950,

a narrativa evoca a campanha anterior de Pasqualini:

Em 1947, quando concorreu s eleies estaduais como candidato do PTB, Alberto

Pasqualini deu incio e desenvolveu um dos mais fecundos e belos movimentos

cvico-partidrios de que h memria na policrmica histria poltica do Rio Grande

do Sul. [...] A prpria infncia, que, na sua pureza, tem a mo divina a gui-la e a

proteg-la nos seus primeiros contatos com o mundo, fez causa comum com Alberto

Pasqualini. Ela, com seu entusiasmo inocente, associava-se as manifestaes de

apreo que o Rio Grande tributava a seu ilustre filho. 19

A imagem do candidato petebista falando s crianas associadas pureza e proteo

divina pode ser considerada uma imbricao entre duas construes distintas: a de Pasqualini

como terico, doutrinador que defendia o papel pedaggico das campanhas eleitorais20 e do

candidato do povo. As crianas, presentes na imagem, no so os destinatrios da mensagem

os eleitores mas de alguma forma representam, no sentido de presentificar, aqueles a quem

se busca representar, no sentido de falar por. Conforme o texto da legenda da imagem

originalmente publicada na imprensa, e retomada no panfleto, a ateno que as crianas

destinavam a Pasqualini demonstrava a estima do povo pelo candidato. Expressando e ao

mesmo mobilizando as emoes, as imagens cumpriram, mais uma vez, um papel central no

empreendimento de construo de um interesse pela competio poltica.

Consideraes finais

18 O descanso do vencedor: uma reportagem em cores com Getlio. Revista do Globo, Porto Alegre, n. 522,

25/11/1950, p. 45-48 [MCSHJC]. Esta fonte j foi apresentada em trabalho publicado nos anais da II Jornadas

Mercosul (ANGELI, 2012). 19 Panfleto mandado publicar pelo diretrio de Garibaldi do PTB. Setor de publicidade e propaganda do MCSHJC. 20 Como exemplo disso, destaco o discurso como candidato a governador publicado no Correio do Povo em 12 de

novembro de 1946: Se, porm, a contagem material dos votos nos for desfavorvel, nem por isso deveremos

considerar intil a nossa predicao e o nosso esforo, porque teremos semeado ideias, discutido solues, focado

problemas, esclarecendo a opinio pblica e educando o povo para o exerccio consciente da democracia.

No presente artigo, se buscou estabelecer uma aproximao entre trs elementos

presentes quando o objeto de estudo diz respeito s prticas de campanha eleitoral: imagem,

mobilizao e popularidade. A relao entre ambas um fator importante na compreenso da

relao entre candidatos e eleitores na experincia democrtica. Partindo da reflexo de Walter

Benjamin sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade tcnica, preciso considerar que a

alterao nas condies de exponibilidade, comum ao artista e ao poltico, fez da reproduo

de imagens algo central na ligao entre os representantes polticos e as massas incorporadas

paulatinamente vida poltica.

O artigo no teve como objetivo analisar sistematicamente as imagens, mas sim

compreender e refletir sobre seus usos nas prticas polticas de mobilizao e de construo da

popularidade. No obstante, a anlise destas fotografias e de suas reprodues na imprensa,

bem como das demais imagens que circulavam nas campanhas eleitorais, pode representar um

avano importante na compreenso das prticas de mobilizao eleitoral da experincia

democrtica.

Diante da ampliao do corpo eleitoral e da alterao do perfil dos eleitores, partidos e

candidatos tiverem de se esforar na construo de prticas de mobilizao eleitoral visando,

ao mesmo tempo, produo de um interesse pela competio poltica e conquista do voto.

As imagens produzidas nas campanhas eleitorais de Alberto Pasqualini no Rio Grande do Sul,

entre 1947 e 1954, so evidncias importantes do prprio uso de imagens na construo da

popularidade. Nas fotografias e nas reprodues publicadas na imprensa e nos panfletos,

diferentes imagens pblicas construdas de Pasqualini se complementaram no apelo aos

eleitores: a de intelectual e a de candidato do povo.

Que imagem expressaria melhor a construo da popularidade eleitoral do que um

candidato carregado pelos braos do povo? E o que poderia ser melhor do que as imagens para

esta construo? Mais do que imagens da mobilizao eleitoral, preciso entender as imagens

na mobilizao eleitoral.

Fontes

Museu Alberto Pasqualini / Prefeitura Municipal de Ivor (MAP/PMI):

Acervo pessoal de Alberto Pasqualini Fotografias.

Museu da Comunicao Social Hiplito Jos da Costa (MCSHJC) / Setor de imprensa:

Correio do Povo (Nov-Dez/1946, Jan/1947).

Dirio de Notcias (Nov-Dez/1946, Jan/1947).

Revista do Globo (Dez/1946, Nov/1950).

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