o caderno, de josé saramago (trecho)

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Setembro de 2008

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Leia um trecho de "O caderno" (Companhia das Letras, 2009), que reúne algumas das crônicas publicadas pelo escritor português José Saramago em seu blog [http://caderno.josesaramago.org/]

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Setembro de 2008

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Dia 15

Mexendo nuns quantos papéis que já perderam a fres-cura da novidade, encontrei um artigo sobre Lisboa escritohá uns quantos anos, e, não me envergonho de confessá-lo,emocionei-me. Talvez porque não se trate realmente de umartigo, mas de uma carta de amor, de amor a Lisboa. Decidientão partilhá-la com os meus leitores e amigos tornando-aoutra vez pública, agora na página infinita da internet, ecom ela inaugurar o meu espaço pessoal neste blog.

PALAVRAS PARA UMA CIDADE

Tempo houve em que Lisboa não tinha esse nome.Chamavam-lhe Olisipo quando os Romanos ali che-garam, Olissibona quando a tomaram os Mouros, que

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logo deram em dizer Aschbouna, talvez porque nãosoubessem pronunciar a bárbara palavra. Quando, em1147, depois de um cerco de três meses, os Mourosforam vencidos, o nome da cidade não mudou logo nahora seguinte: se aquele que iria ser o nosso primeirorei enviou à família uma carta a anunciar o feito, o maisprovável é que tenha escrito ao alto Aschbouna, 24 deOutubro, ou Olissibona, mas nunca Lisboa. Quandocomeçou Lisboa a ser Lisboa de facto e de direito? Pelomenos alguns anos tiveram de passar antes que o novonome nascesse, tal como para que os conquistadoresGalegos começassem a tornar-se Portugueses...

Estas miudezas históricas interessam pouco,dir-se-á, mas a mim interessar-me-ia muito, não só sa-ber, mas ver, no exacto sentido da palavra, como veiomudando Lisboa desde aqueles dias. Se o cinema jáexistisse então, se os velhos cronistas fossem opera-dores de câmara, se as mil e uma mudanças por queLisboa passou ao longo dos séculos tivessem sidoregistadas, poderíamos ver essa Lisboa de oito sé-culos crescer e mover-se como um ser vivo, comoaquelas flores que a televisão nos mostra, abrindo-seem poucos segundos, desde o botão ainda fechado aoesplendor final das formas e das cores. Creio que ama-ria a essa Lisboa por cima de todas as cousas.

Fisicamente, habitamos um espaço, mas, senti-mentalmente, somos habitados por uma memória.Memória que é a de um espaço e de um tempo, memó-ria no interior da qual vivemos, como uma ilha entredois mares: um que dizemos passado, outro que dize-

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mos futuro. Podemos navegar no mar do passado pró-ximo graças à memória pessoal que conservou a lem-brança das suas rotas, mas para navegar no mar dopassado remoto teremos de usar as memórias que otempo acumulou, as memórias de um espaço conti-nuamente transformado, tão fugidio como o própriotempo. Esse filme de Lisboa, comprimindo o tempo eexpandindo o espaço, seria a memória perfeita dacidade.

O que sabemos dos lugares é coincidirmos comeles durante um certo tempo no espaço que são. O lugarestava ali, a pessoa apareceu, depois a pessoa partiu, olugar continuou, o lugar tinha feito a pessoa, a pessoahavia transformado o lugar. Quando tive de recriar oespaço e o tempo de Lisboa onde Ricardo Reis viveriao seu último ano, sabia de antemão que não seriamcoincidentes as duas noções do tempo e do lugar: a doadolescente tímido que fui, fechado na sua condiçãosocial, e a do poeta lúcido e genial que frequentava asmais altas regiões do espírito. A minha Lisboa foisempre a dos bairros pobres, e quando, muito maistarde, as circunstâncias me levaram a viver noutrosambientes, a memória que preferi guardar foi a da Lis-boa dos meus primeiros anos, a Lisboa da gente depouco ter e de muito sentir, ainda rural nos costumes ena compreensão do mundo.

Talvez não seja possível falar de uma cidade semcitar umas quantas datas notáveis da sua existênciahistórica. Aqui, falando de Lisboa, foi mencionadauma só, a do seu começo português: não será particu-

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larmente grave o pecado de glorificação… Sê-lo-ia,sim, ceder àquela espécie de exaltação patriótica que,à falta de inimigos reais sobre que fazer cair o seusuposto poder, procura os estímulos fáceis da evoca-ção retórica. As retóricas comemorativas, não sendoforçosamente um mal, comportam no entanto um sen-timento de autocomplacência que leva a confundir aspalavras com os actos, quando as não coloca no lugarque só a eles competiria.

Naquele dia de Outubro, o então ainda mal ini-ciado Portugal deu um largo passo em frente, e tãofirme foi ele que não voltou Lisboa a ser perdida. Masnão nos permitamos a napoleónica vaidade de excla-mar: “Do alto daquele castelo oitocentos anos noscontemplam” — e aplaudir-nos depois uns aos outrospor termos durado tanto… Pensemos antes que dosangue derramado por um e outro lados está feito osangue que levamos nas veias, nós, os herdeiros destacidade, filhos de cristãos e de mouros, de pretos e dejudeus, de índios e de amarelos, enfim, de todas asraças e credos que se dizem bons, de todos os credos eraças a que chamam maus. Deixemos na irónica pazdos túmulos aquelas mentes transviadas que, numpassado não distante, inventaram para os Portuguesesum “dia da raça”, e reivindiquemos a magnífica mes-tiçagem, não apenas de sangues, mas sobretudo deculturas, que fundou Portugal e o fez durar até hoje.

Lisboa tem-se transformado nos últimos anos, foicapaz de acordar na consciência dos seus cidadãos orenovo de forças que a arrancou do marasmo em que

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caíra. Em nome da modernização levantam-se murosde betão sobre as pedras antigas, transtornam-se osperfis das colinas, alteram-se os panoramas, modifi-cam-se os ângulos de visão. Mas o espírito de Lisboasobrevive, e é o espírito que faz eternas as cidades.Arrebatado por aquele louco amor e aquele divinoentusiasmo que moram nos poetas, Camões escreveuum dia, falando de Lisboa:“[…] cidade que facilmentedas outras é princesa”. Perdoemos-lhe o exagero.Basta que Lisboa seja simplesmente o que deve ser:culta, moderna, limpa, organizada — sem perder nadada sua alma. E se todas estas bondades acabarem porfazer dela uma rainha,pois que o seja. Na república quenós somos serão sempre bem-vindas rainhas assim.

Dia 17

PERDÃO PARA DARWIN?

Uma boa notícia, dirão os leitores ingénuos,supondo que, depois de tantos desenganos, ainda oshaja por aí. A Igreja Anglicana, essa versão britânicade um catolicismo instituído, no tempo de HenriqueVIII, como religião oficial do reino, anunciou umaimportante decisão: pedir perdão a Charles Darwin,agora que se comemoram duzentos anos do seu nasci-mento, pelo mal com que o tratou após a publicação daOrigem das espécies e, sobretudo, depois de A des-cendência do homem. Nada tenho contra os pedidos de

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perdão que ocorrem quase todos os dias por uma razãoou outra, a não ser pôr em dúvida a sua utilidade.Mesmo que Darwin estivesse vivo e disposto a mos-trar-se benevolente, dizendo “Sim, perdoo”, a gene-rosa palavra não poderia apagar um só insulto, uma sócalúnia, um só desprezo dos muitos que lhe caíram emcima. O único que daqui tiraria benefício seria a IgrejaAnglicana, que veria aumentado, sem despesas, o seucapital de boa consciência. Ainda assim, agradeça-se--lhe o arrependimento, mesmo tardio, que talvez esti-mule o papa Bento XVI, agora embarcado numa mano-bra diplomática em relação ao laicismo, a pedir perdãoa Galileu Galilei e a Giordano Bruno, em particular aeste, cristãmente torturado, com muita caridade, até àprópria fogueira onde foi queimado.

Este pedido de perdão da Igreja Anglicana não vaiagradar nada aos criacionistas norte-americanos. Fin-girão indiferença, mas é evidente que se trata de umacontrariedade para os seus planos. Para aqueles repu-blicanos que, como a sua candidata à vice-presidên-cia, arvoram a bandeira dessa aberração pseudocien-tífica chamada criacionismo.

Dia 18

GEORGE BUSH, OU A IDADE DA MENTIRA

Pergunto-me como e porquê os Estados Unidos,umpaís em tudo grande, tem tido, tantas vezes, tão peque-

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nos presidentes. George Bush é talvez o mais pequenode todos eles. Inteligência medíocre, ignorância abis-sal, expressão verbal confusa e permanentementeatraída pela irresistível tentação do puro disparate, estehomem apresentou-se à humanidade com a pose gro-tesca de um cowboy que tivesse herdado o mundo e oconfundisse com uma manada de gado. Não sabemos oque realmente pensa, não sabemos sequer se pensa (nosentido nobre da palavra),não sabemos se não será sim-plesmente um robô mal programado que constante-mente confunde e troca as mensagens que leva grava-das dentro. Mas, honra lhe seja feita ao menos uma vezna vida, há no robô George Bush, presidente dos Esta-dos Unidos, um programa que funciona à perfeição: oda mentira. Ele sabe que mente, sabe que nós sabemosque está a mentir, mas, pertencendo ao tipo comporta-mental de mentiroso compulsivo, continuará a mentirainda que tenha diante dos olhos a mais nua das verda-des, continuará a mentir mesmo depois de a verdade lheter rebentado na cara. Mentiu para fazer a guerra noIraque como já havia mentido sobre o seu passado tur-bulento e equívoco, isto é, com a mesma desfaçatez. Amentira, em Bush, vem de muito longe, está-lhe no san-gue. Como mentiroso emérito, é o corifeu de todosaqueles outros mentirosos que o rodearam, aplaudirame serviram durante os últimos anos.

George Bush expulsou a verdade do mundo para,em seu lugar, fazer frutificar a idade da mentira. A socie-dade humana actual está contaminada de mentiracomo da pior das contaminações morais, e ele é um

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dos principais responsáveis. A mentira circula im-punemente por toda a parte, tornou-se já numa espé-cie de outra verdade. Quando há alguns anos um pri-meiro-ministro português, cujo nome por caridadeomito aqui, afirmou que “a política é a arte de nãodizer a verdade”, não podia imaginar que GeorgeBush, tempos depois, transformaria a chocante afir-mação numa travessura ingénua de político periféricosem consciência real do valor e do significado daspalavras. Para Bush a política é, simplesmente, umadas alavancas do negócio, e talvez a melhor de todas,a mentira como arma, a mentira como guarda avan-çada dos tanques e dos canhões, a mentira sobre asruínas, sobre os mortos, sobre as míseras e semprefrustradas esperanças da humanidade. Não é certo queo mundo seja hoje mais seguro, mas não duvidemos deque seria muito mais limpo sem a política imperial ecolonial do presidente dos Estados Unidos, GeorgeWalker Bush, e de quantos, conscientes da fraude quecometiam, lhe abriram o caminho para a Casa Branca.A História lhes pedirá contas.

Dia 19

BERLUSCONI & C.A

Segundo a revista norte-americana Forbes, oGotha da riqueza mundial, a fortuna de Berlusconiascende a quase 10000 milhões de dólares. Honrada-

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mente ganhos, claro, embora com não poucas ajudasexteriores, como tem sido, por exemplo, a minha.Sendo eu publicado em Itália pela editora Einaudi,propriedade do dito Berlusconi, algum dinheiro lheterei feito ganhar. Uma ínfima gota de água no oceano,obviamente, mas que ao menos lhe deve estar dandopara pagar os charutos, supondo que a corrupção nãoé o seu único vício. Salvo o que é do conhecimentogeral, sei pouquíssimo da vida e milagres de SilvioBerlusconi, il Cavaliere. Muito mais do que eu há-desaber com certeza o povo italiano que uma, duas, trêsvezes o sentou na cadeira de primeiro-ministro. Ora,como é costume ouvir dizer, os povos são soberanos,e não só soberanos, mas também sábios e prudentes,sobretudo desde que o continuado exercício da demo-cracia facilitou aos cidadãos certos conhecimentosúteis sobre como funciona a política e sobre as diver-sas formas de alcançar o poder. Isto significa que opovo sabe muito bem o que quer quando o chamam avotar. No caso concreto do povo italiano, que é deleque estamos falando, e não de outro (já chegará suavez), está demonstrado que a inclinação sentimentalque experimenta por Berlusconi, três vezes manifes-tada, é indiferente a qualquer consideração de ordemmoral. Realmente, na terra da mafia e da camorra,que importância poderá ter o facto provado de que oprimeiro-ministro seja um delinquente? Numa terraem que a justiça nunca gozou de boa reputação, quemais dá que o primeiro-ministro faça aprovar leis àmedida dos seus interesses, protegendo-se contra

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qualquer tentativa de punição dos seus desmandos eabusos de autoridade?

Eça de Queiroz dizia que, se passeássemos umagargalhada ao redor de uma instituição, ela se desmo-ronaria, feita em pedaços. Isso era dantes. Que dire-mos da recente proibição, ordenada por Berlusconi,de que o filme W. de Oliver Stone seja ali exibido? Jálá chegaram os poderes de il Cavaliere? Como é pos-sível ter-se cometido semelhante arbitrariedade, ain-da por cima sabendo nós que, por mais gargalhadasque déssemos ao redor dos quirinais, eles não cai-riam? É justa a nossa indignação, embora devamosfazer um esforço para compreender a complexidadedo coração humano. W. é um filme que ataca a Bush, eBerlusconi, homem de coração como o pode ser umchefe mafioso, é amigo, colega, compincha do aindapresidente dos Estados Unidos. Estão bem um para ooutro. O que não estará nada bem é que o povo italianovenha a chegar uma quarta vez às pousadeiras deBerlusconi a cadeira do poder. Não haverá, então, gar-galhada que nos salve.

Dia 20

AO CEMITÉRIO DE PULIANAS

Um dia, há talvez sete ou oito anos, procurou-nos, aPilar e a mim, um leonês chamado Emilio Silva,pedindo apoio para a empresa a que se propunha meter

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ombros, a de encontrar o que ainda restasse do seu avô,assassinado pelos franquistas no princípio da guerracivil. Pedia-nos apoio moral, nada mais. Sua avó haviamanifestado o desejo de que os ossos do avô fossemrecuperados e recebessem digna sepultura. Mais quecomo um desejo de uma anciã inconformada, EmilioSilva tomou essas palavras como uma ordem que seriaseu dever cumprir, acontecesse o que acontecesse. Estefoi o primeiro passo de um movimento colectivo querapidamente se espalhou por toda a Espanha: recuperardas fossas e barrancos, onde haviam sido enterradas, asdezenas de milhares das vítimas do ódio fascista, iden-tificá-las e entregá-las às famílias. Uma tarefa imensaque não encontrou só apoios, basta recordar os contí-nuos esforços da direita política e sociológica espa-nhola para travar o que já era uma realidade exaltante ecomovedora, erguer da terra escavada e removida osrestos daqueles que haviam pago com a vida a fideli-dade às suas ideias e à legalidade republicana. Permita--se-me que deixe aqui, como simbólica vénia a quantosse têm dedicado a este trabalho, o nome de Ángel delRío, um cunhado meu que a ele tem dado o melhor doseu tempo, incluindo dois livros de investigação sobreos desaparecidos e os represaliados.

Era inevitável que o resgate dos restos de FedericoGarcía Lorca, enterrado como milhares de outros nobarranco de Viznar, na província de Granada, se tives-se convertido rapidamente em autêntico imperativonacional. Um dos maiores poetas de Espanha, o maisuniversalmente conhecido, está ali, naquele páramo,

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aliás em um lugar acerca do qual existe praticamente acerteza de ser a fossa onde jaz o autor do Romancerogitano, junto com três outros fuzilados, um professorprimário chamado Dióscoro Galindo e dois bandari-lheiros anarquistas, Joaquín Arcollas Cabezas e Fran-cisco Galadí Melgar. Estranhamente, porém, a famíliade García Lorca sempre se opôs a que se procedesse àexumação. Os argumentos alegados relacionavam-se,todos eles, em maior ou menor grau, com questões quepodemos classificar de decoro social, como a curiosi-dade malsã dos meios de comunicação social, o espec-táculo em que se iria tornar o levantamento das os-sadas, razões sem dúvida respeitáveis, mas que,permito-me dizê-lo,perderam hoje peso perante a sim-plicidade com que a neta de Dióscoro Galindo respon-deu quando, em entrevista numa estação de rádio, lheperguntaram aonde levaria os restos do seu avô, seviessem a ser encontrados: “Ao cemitério de Pulia-nas”. Há que esclarecer que Pulianas, na província deGranada, é a aldeia onde Dióscoro Galindo trabalhavae a sua família continua a morar. Só as páginas doslivros se viram, as da vida, não.

Dia 22

AZNAR, O ORÁCULO

Podemos dormir descansados, o aquecimento glo-bal não existe, é um invento malicioso dos ecologistas

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na linha estratégica da sua “ideologia em deriva totali-tária”, consoante a definiu o implacável observador dapolítica planetária e dos fenómenos do universo que éJosé María Aznar. Não saberíamos como viver semeste homem. Não importa que qualquer dia comecema nascer flores no Árctico, não importa que os glacia-res da Patagónia se reduzam de cada vez que alguémsuspira fazendo aumentar a temperatura ambiente umamilionésima de grau, não importa que a Gronelândiatenha perdido uma parte importante do seu território,não importa a seca, não importam as inundações quetudo arrasam e tantas vidas levam consigo, nãoimporta a igualização cada vez mais evidente das esta-ções do ano, nada disto importa se o emérito sábio JoséMaría vem negar a existência do aquecimento global,baseando-se nas peregrinas páginas de um livro do pre-sidente checo Vaclav Klaus que o próprio Aznar, emuma bonita atitude de solidariedade científica e institu-cional, apresentará em breve. Já o estamos a ouvir. Noentanto, uma dúvida muito séria nos atormenta e que éaltura de expender à consideração do leitor. Ondeestará a origem, o manancial, a fonte desta sistemáticaatitude negacionista? Terá resultado de um ovo dialéc-tico deposto por Aznar no útero do Partido Popularquando foi seu amo e senhor? Quando Rajoy, comaquela composta seriedade que o caracteriza, nosinformou de que um seu primo catedrático, parece quede física, lhe havia dito que isso do aquecimento climá-tico era uma treta, tão ousada afirmação foi apenas ofruto de uma imaginação celta sobreaquecida que não

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havia sabido compreender o que lhe estava a ser expli-cado, ou, para tornar ao ovo dialéctico, é isso uma dou-trina, uma regra, um princípio exarado em letra pe-quena na cartilha do Partido Popular, caso em que, seRajoy teria sido somente o repetidor infeliz da palavrado primo catedrático, já o oráculo em que o seu ex--chefe se transformou não quis perder a oportunidadede marcar uma vez mais a pauta ao gentio ignaro?

Não me resta muito mais espaço, mas talvez aindacaiba nele um breve apelo ao senso comum. Sendocerto que o planeta em que vivemos já passou por seisou sete eras glaciais, não estaremos nós no limiar deoutra dessas eras? Não será que a coincidência entretal possibilidade e as contínuas acções operadas peloser humano contra o meio ambiente se parece muitoàqueles casos, tão comuns, em que uma doença es-conde outra doença? Pensem nisto, por favor. Na pró-xima era glacial, ou nesta que já está principiando, ogelo cobrirá Paris. Tranquilizemo-nos, não será paraamanhã. Mas temos, pelo menos, um dever para hoje:não ajudemos a era glacial que aí vem. E, recordem,Aznar é um mero episódio. Não se assustem.

Dia 23

BIOGRAFIAS

Creio que todas as palavras que vamos pronun-ciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou

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somente esboçados, que vamos fazendo, cada umdeles e todos juntos, podem ser entendidos comopeças soltas de uma autobiografia não intencionalque, embora involuntária, ou por isso mesmo, nãoseria menos sincera e veraz que o mais minucioso dosrelatos de uma vida passada à escrita e ao papel. Estaconvicção de que tudo quanto dizemos e fazemos aolongo do tempo, mesmo parecendo desprovido designificado e importância, é, e não pode impedir-sede o ser, expressão biográfica, levou-me a sugerir umdia, com mais seriedade do que à primeira vista possaparecer, que todos os seres humanos deveriam deixarrelatadas por escrito as suas vidas, e que esses milha-res de milhões de volumes, quando começassem anão caber na Terra, seriam levados para a Lua. Istosignificaria que a grande, a enorme, a gigantesca, adesmesurada, a imensa biblioteca do existir humanoteria de ser dividida, primeiro, em duas partes, e logo,com o decorrer do tempo, em três, em quatro, oumesmo em nove, na suposição de que nos oito restan-tes planetas do sistema solar houvesse condições deambiente tão benévolas que respeitassem a fragili-dade do papel. Imagino que os relatos daquelas mui-tas vidas que, por serem simples e modestas, coubes-sem em apenas meia dúzia de folhas, ou ainda menos,seriam despachados para Plutão, o mais distante dosfilhos do Sol, aonde de certeza raramente quereriamviajar os investigadores.

Decerto se levantariam problemas e dúvidas nahora de estabelecer e definir os critérios de composi-

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ção das ditas “biobliotecas”. Seria indiscutível, porexemplo, que obras como os diários de Amiel, deKafka ou de Virginia Woolf, a biografia de SamuelJohnson, a autobiografia de Cellini, as memórias deCasanova ou as confissões de Rousseau, a par de tan-tas outras de importância humana e literária seme-lhante, deveriam permanecer no planeta onde haviamsido escritas para que fossem testemunho da passagempor este mundo de homens e mulheres que, pelas boasou más razões do que tinham vivido, deixaram umsinal, uma presença, uma influência que, tendo perdu-rado até hoje, continuarão a deixar marcadas as gera-ções vindouras. Os problemas surgiriam quando sobrea escolha do que deveria ficar ou enviar ao espaço exte-rior começassem a reflectir-se as inevitáveis valora-ções subjectivas, os preconceitos, os medos, os ranco-res antigos ou recentes, os perdões impossíveis, asjustificações tardias, tudo o que na vida é assombração,desespero e agonia, enfim, a natureza humana. Creioque, afinal, o melhor será deixar as coisas como estão.Como a maior parte das melhores ideias, também estaminha é impraticável. Paciência.

Dia 24

DIVÓRCIOS E BIBLIOTECAS

Por duas vezes, ou talvez tivessem sido três, apa-receram-me na Feira do Livro de Lisboa, em anos pas-

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sados, outros tantos leitores, os dois ou os três, ajou-jados ao peso de dezenas de volumes novos, compra-dos de fresco, e em geral ainda acondicionados nossacos de plástico de origem. Ao primeiro que assimse me apresentou fiz-lhe a pergunta que me pareceumais lógica, isto é, se o seu encontro com o meu tra-balho de escritor havia sido para ele coisa recente e,pelos vistos, fulminante. Respondeu-me que não,que me lia desde há muito tempo, mas que se tinhadivorciado, e que a ex-esposa, também leitora entu-siasta, havia levado para a sua nova vida a bibliotecada família agora desfeita. Ocorreu-me então, e sobreisso escrevi umas linhas nos velhos Cadernos deLanzarote, que seria interessante estudar o assuntodo ponto de vista do que nessa altura designei comoa importância dos divórcios na multiplicação dasbibliotecas. Reconheço que a ideia era algo provoca-dora, por isso deixei-a em paz, ao menos para não vira ser acusado de colocar os meus interesses materiaisacima da harmonia dos casais. Não sei, nem o ima-gino, quantas separações conjugais terão dado ori-gem à formação de novas bibliotecas sem prejuízodas antigas. Dois ou três casos, que tantos são os queconheci, não foram suficientes para fazer nascer umaprimavera, ou, por palavras mais explícitas, por aínão melhoraram nem os lucros do editor, nem a mi-nha cobrança de direitos de autor.

O que eu francamente não esperava era que a criseeconómica que nos vem mantendo em estado de alertacontínuo tivesse vindo dificultar ainda mais os divór-

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cios e, portanto, a ambicionada progressão aritméticadas bibliotecas, o que, aspecto em que certamente to-dos estaremos de acordo, significa um autêntico aten-tado contra a cultura. Que dizer, por exemplo, do pro-blema complexo, e não poucas vezes insolúvel, que éconseguir encontrar hoje comprador para um andar?Se muitos processos de divórcio se encontram estan-cados, se não avançam nos tribunais, a causa é essa, enão outra. Pior ainda, como deverá proceder-se con-tra certos comportamentos escandalosos já de domí-nio público, como é o caso, lamentavelmente fre-quente e absolutamente imoral, de se continuar aviver na mesma casa, talvez não a dormir na mesmacama, mas a utilizar a mesma biblioteca? Perdeu-se orespeito, perdeu-se o sentido de decoro, eis a desgra-çada situação a que chegámos. E não se diga que aculpa é de Wall Street: nas comédias de televisão queeles financiam não se vê um único livro.

Dia 25

PURA APARÊNCIA

Suponho que no princípio dos princípios, antes dehavermos inventado a fala, que é, como sabemos, asuprema criadora de incertezas, não nos atormentarianenhuma dúvida séria sobre quem fôssemos e sobre anossa relação pessoal e colectiva com o lugar em quenos encontrávamos. O mundo, obviamente, só podia

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ser o que os nossos olhos viam em cada momento, etambém, como informação complementar importan-te, aquilo que os restantes sentidos — o ouvido, otacto, o olfacto, o gosto — conseguissem perceberdele. Nessa hora inicial o mundo foi pura aparência epura superfície. A matéria era simplesmente áspera oulisa, amarga ou doce, azeda ou insípida, sonora ousilenciosa, com cheiro ou sem cheiro. Todas as coisaseram o que pareciam ser pela única razão de que nãohavia qualquer motivo para que parecessem doutramaneira e fossem outra coisa. Naquelas antiquíssimasépocas não nos passava pela cabeça que a matériafosse “porosa”. Hoje, porém, embora sabedores deque, desde o último dos vírus até ao universo, nãosomos mais do que composições de átomos, e que nointerior deles, além da massa que lhes é própria e osdefine, ainda sobra espaço para o vazio (o compactoabsoluto não existe, tudo é penetrável), continuamos,tal como o haviam feito os nossos antepassados dascavernas, a apreender, identificar e reconhecer o mun-do segundo a aparência com que de cada vez se nosapresente. Imagino que o espírito filosófico e o espí-rito científico deverão ter-se manifestado num dia emque alguém teve a intuição de que essa aparência, aomesmo tempo que imagem exterior captável pelaconsciência e por ela utilizada como mapa de conhe-cimentos, podia ser, também, uma ilusão dos sentidos.Se bem que habitualmente mais referida ao mundomoral que ao mundo físico, é conhecida a expressãopopular em que aquela veio a plasmar-se: “As aparên-

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cias iludem”. Ou enganam, que vem a dar no mesmo.Não faltariam os exemplos se o espaço desse paratanto.

A este escrevinhador sempre o preocupou o que seesconde por trás das meras aparências, e agora nãoestou a falar de átomos ou de subpartículas, que, comotal, são sempre aparência de algo que se esconde. Falo,sim, de questões correntes, habituais, quotidianas,como, por exemplo, o sistema político que denomina-mos democracia, aquele mesmo que Churchill diziaser o menos mau dos sistemas conhecidos. Não disse omelhor, disse o menos mau. Pelo que vamos vendo,dir-se-á que o consideramos mais que suficiente, eesse, creio, é um erro de percepção que, sem nos aper-cebermos, vamos pagando todos os dias. Voltarei aoassunto.

Dia 26

A PROVA DO ALGODÃO

Segundo a Carta do Direitos Humanos, no seuartigo 12 “Ninguém sofrerá intromissões arbitráriasna sua vida, na sua família ou na sua correspondência,nem ataques à sua honra e reputação”. E mais: “Con-tra tais intromissões ou ataques toda a pessoa temdireito à protecção da lei”. Assim está escrito. O papelexibe, entre outras, a assinatura do representante dosEstados Unidos, a qual assumiria, por via de conse-

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quência, o compromisso dos Estados Unidos no quetoca ao cumprimento efectivo das disposições conti-das na mesma Carta, porém, para vergonha sua enossa, essas disposições nada valem, sobretudoquando a mesma lei que deveria proteger, não só nãoo faz, como homologa com a sua autoridade as maio-res arbitrariedades, incluindo aquelas que o dito artigo12 enumera para condenar. Para os Estados Unidosqualquer pessoa, seja emigrante ou simples turista,indiferentemente da sua actividade profissional, é umdelinquente potencial que está obrigado, como emKafka, a provar a sua inocência sem saber de que oacusam. Honra, dignidade, reputação, são palavrashilariantes para os cães cerberos que guardam asentradas do país. Já conhecíamos isto, já o havíamosexperimentado em interrogatórios conduzidos inten-cionalmente de forma humilhante, já tínhamos sidoolhados pelo agente de turno como se fôssemos o maisrepugnante dos vermes. Enfim, já estávamos habitua-dos a ser maltratados.

Mas agora surge algo novo, uma volta mais ao para-fuso opressor. A Casa Branca, onde se hospeda ohomem mais poderoso do planeta, como dizem os jor-nalistas em crise de inspiração, a Casa Branca, insisti-mos, autorizou os agentes de polícia das fronteiras aanalisar e revisar documentos de qualquer cidadãoestrangeiro ou norte-americano, ainda que não existamsuspeitas de que essa pessoa tenha intenção de partici-par num atentado. Tais documentos serão conservados“por um razoável espaço de tempo” numa imensa

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biblioteca onde se guarda todo o tipo de dados pessoais,desde simples agendas de contactos a correios electró-nicos supostamente confidenciais. Ali se irá guardandotambém uma quantidade incalculável de cópias de dis-cos duros dos nossos computadores de cada vez que nosapresentarmos para entrar nos Estados Unidos porqualquer das suas fronteiras. Com todos os seus conteú-dos: trabalhos de investigação científica, tecnológica,criativa, teses académicas, ou um simples poema deamor. “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na suavida privada”, diz o pobre do artigo 12. E nós dizemos:veja-se o pouco que vale a assinatura de um presidenteda maior democracia do mundo.

Aqui está. Praticámos sobre os Estados Unidos ainfalível prova do algodão, e eis o que verificámos:não se limitam a estar sujos, estão sujíssimos.

Dia 29

CLARO COMO ÁGUA

Como sempre sucedeu, e há-de suceder sempre, aquestão central de qualquer tipo de organização socialhumana, da qual todas as outras decorrem e para a qualtodas acabam por concorrer, é a questão do poder, e oproblema teórico e prático com que nos enfrentamosé identificar quem o detém, averiguar como chegou aele, verificar o uso que dele faz, os meios de que seserve e os fins a que aponta. Se a democracia fosse, de

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facto, o que com autêntica ou fingida ingenuidadecontinuamos a dizer que é, o governo do povo pelopovo e para o povo, qualquer debate sobre a questãodo poder perderia muito do seu sentido, uma vez que,residindo o poder no povo, era ao povo que competi-ria a administração dele, e, sendo o povo a administraro poder, está claro que só o deveria fazer para seu pró-prio bem e para sua própria felicidade, pois a isso oestaria obrigando aquilo a que chamo, sem nenhumapretensão de rigor conceptual, a lei da conservação davida. Ora, só um espírito perverso, panglossiano atéao cinismo, ousaria apregoar a felicidade de um mun-do que, pelo contrário, ninguém deveria pretender queo aceitemos tal qual é, só pelo facto de ser, suposta-mente, o melhor dos mundos possíveis. É a própria econcreta situação do mundo chamado democrático,que se é verdade serem os povos governados, verdadeé também que não o são por si mesmos nem para simesmos. Não é em democracia que vivemos, mas simnuma plutocracia que deixou de ser local e próximapara tornar-se universal e inacessível.

Por definição, o poder democrático terá de sersempre provisório e conjuntural, dependerá da esta-bilidade do voto, da flutuação das ideologias ou dosinteresses de classe, e, como tal, pode ser entendidocomo um barómetro orgânico que vai registando asvariações da vontade política da sociedade. Mas,ontem como hoje, e hoje com uma amplitude cadavez maior, abundam os casos de mudanças políticasaparentemente radicais que tiveram como efeito radi-

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cais mudanças de governo, mas a que não se seguiramas mudanças económicas, culturais e sociais radicaisque o resultado do sufrágio havia prometido. Dizerhoje governo “socialista”, ou “social-democrata”, ou“conservador”, ou “liberal”, e chamar-lhe poder, épretender nomear algo que em realidade não estáonde parece, mas em um outro inalcançável lugar —o do poder económico e financeiro cujos contornospodemos perceber em filigrana, mas que invariavel-mente se nos escapa quando tentamos chegar-lhemais perto e inevitavelmente contra-ataca se tiver-mos a veleidade de querer reduzir ou regular o seudomínio, subordinando-o ao interesse geral. Poroutras e mais claras palavras, digo que os povos nãoelegeram os seus governos para que eles os “levas-sem” ao Mercado, mas que é o Mercado que condi-ciona por todos os modos os governos para que lhe“levem” os povos. E se falo assim do Mercado é por-que é ele, hoje, e mais que nunca em cada dia quepassa, o instrumento por excelência do autêntico,único e insofismável poder, o poder económico e fi-nanceiro mundial, esse que não é democrático porquenão o elegeu o povo, que não é democrático porquenão é regido pelo povo, que finalmente não é demo-crático porque não visa a felicidade do povo.

O nosso antepassado das cavernas diria: “É água”.Nós, um pouco mais sábios, avisamos: “Sim, mas estácontaminada”.

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Dia 30

ESPERANÇAS E UTOPIAS

Sobre as virtudes da esperança tem-se escrito muitoe parolado muito mais. Tal como sucedeu e continuaráa suceder com as utopias, a esperança foi sempre, aolongo dos tempos, uma espécie de paraíso sonhado doscépticos. E não só dos cépticos. Crentes fervorosos,dosde missa e comunhão, desses que estão convencidos deque levam por cima das suas cabeças a mão compassivade Deus a defendê-los da chuva e do calor,não se esque-cem de lhe rogar que cumpra nesta vida ao menos umapequena parte das bem-aventuranças que prometeupara a outra. Por isso, quem não está satisfeito com oque lhe coube na desigual distribuição dos bens do pla-neta, sobretudo os materiais, agarra-se à esperança deque o diabo nem sempre estará atrás da porta e de que ariqueza lhe entrará um dia, antes cedo que tarde, pelajanela dentro. Quem tudo perdeu, mas teve a sorte deconservar ao menos a triste vida, considera que lheassiste o humaníssimo direito de esperar que o dia deamanhã não seja tão desgraçado como o está sendo odia de hoje. Supondo, claro, que haja justiça nestemundo. Ora, se nestes lugares e nestes tempos existissealgo que merecesse semelhante nome, não a miragemdo costume com que se iludem os olhos e a mente, masuma realidade que se pudesse tocar com as mãos, é evi-dente que não precisaríamos de andar todos os dias coma esperança ao colo, a embalá-la, ou embalados nós ao

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colo dela. A simples justiça (não a dos tribunais, mas adaquele fundamental respeito que deveria presidir àsrelações entre os humanos) se encarregaria de pôr todasas coisas nos seus justos lugares. Dantes, ao pobre depedir a quem se tinha acabado de negar a esmola, acres-centava-se hipocritamente que “tivesse paciência”.Penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenhaesperança não é muito diferente de aconselhá-lo a terpaciência. É muito comum ouvir-se dizer da boca depolíticos recém-instalados que a impaciência é contra--revolucionária. Talvez seja, talvez, mas eu inclino-mea pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se per-deram por demasiada paciência. Obviamente, nadatenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro aimpaciência. Já é tempo de que ela se note no mundopara que alguma coisa aprendam aqueles que preferemque nos alimentemos de esperanças. Ou de utopias.

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