o assunto não poderá ser examinado por esse colendo Órgão

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Protocado nº 123.555/09-MP Interessado: Dr. Marcelo Pedroso Goulart, 14º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto Assunto: Proposta de edição de súmulas em matéria ambiental Ementa: 1. Disciplina jurídica e processamento de edição de súmulas. 2. Atual impossibilidade de formulação sumular em matéria ambiental em face da falta de entendimento consolidado do Órgão Colegiado sobre os temas propostos. 3. Reserva Legal e Área de Preservação Permanente. 4. Vedação de soma por razões de natureza científico-legal e em decorrência da proibição de órgão público legitimado à ação civil pública ou coletiva dispor sobre direito material. Instaurou-se o presente protocolado em razão do encaminhamento de 17 (dezessete) súmulas, em matéria ambiental pelo doutor Marcelo Pedroso Goulart, 14º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto. Entretanto, antes de emitir seu voto, o Conselheiro-Relator, eminente Procurador de Justiça, doutor Tiago Cintra Zarif, entendeu necessário colher a manifestação do Centro de Apoio Cível e de Tutela Coletiva sobre os temas apresentados (fls. 07/08). Em decorrência da consulta formulada, a ilustre Promotora de Justiça, Coordenadora da Área de Meio Ambiente, doutora Cristina Godoy de Araújo Freitas, ponderou que, em face de posicionamentos já referendados 1

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Page 1: O assunto não poderá ser examinado por esse Colendo Órgão

Protocado nº 123.555/09-MPInteressado: Dr. Marcelo Pedroso Goulart, 14º Promotor de Justiça de Ribeirão PretoAssunto: Proposta de edição de súmulas em matéria ambiental

Ementa: 1. Disciplina jurídica e processamento de edição de súmulas. 2. Atual impossibilidade de formulação sumular em matéria ambiental em face da falta de entendimento consolidado do Órgão Colegiado sobre os temas propostos. 3. Reserva Legal e Área de Preservação Permanente. 4. Vedação de soma por razões de natureza científico-legal e em decorrência da proibição de órgão público legitimado à ação civil pública ou coletiva dispor sobre direito material.

Instaurou-se o presente protocolado em razão do encaminhamento de 17 (dezessete) súmulas, em matéria ambiental pelo doutor Marcelo Pedroso Goulart, 14º Promotor de Justiça de Ribeirão Preto.

Entretanto, antes de emitir seu voto, o Conselheiro-Relator, eminente Procurador de Justiça, doutor Tiago Cintra Zarif, entendeu necessário colher a manifestação do Centro de Apoio Cível e de Tutela Coletiva sobre os temas apresentados (fls. 07/08).

Em decorrência da consulta formulada, a ilustre Promotora de Justiça, Coordenadora da Área de Meio Ambiente, doutora Cristina Godoy de Araújo Freitas, ponderou que, em face de posicionamentos já referendados pelo Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA), sugeria a elaboração da seguinte Súmula:

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“Somente serão homologados os Termos de Ajustamento de Conduta Relativos à averbação e recomposição de reserva legal, quando o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em Área de Preservação Permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal observar o disposto no artigo 16§ 6º, incisos II e III, do Código Florestal”.

Explicou, por fim, que o ponto de vista da Coordenadoria se fundamenta no fato de que o artigo 1º § 2º, inciso III, do Código Florestal, define como sendo reserva legal “a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessário ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e a reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas” (sem grifos no texto legal). E, acrescentou, “além da definição de reserva legal, excetuar as áreas de preservação permanente, o artigo 16§ 6º, mais uma vez determina a exclusão das áreas de preservação permanente do cômputo do percentual da reserva legal, salvo se a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder a: “I – 80% (oitenta por cento) da propriedade rural localizada na Amazônia Legal; II – 50% (cinqüenta por cento) da propriedade rural localizada nas demais regiões do país; e, III – 25% (vinte e cinco por cento) da pequena propriedade definidas pelas alíneas b e c, do inciso I do§ 2º, do artigo 1º” (fls. 09/12).

Todavia, não obstante reconhecer que à época a composição do Conselho Superior do Ministério Público já adotava idêntica posição da Coordenadoria da Área do Meio Ambiente em decisões prolatadas em inquéritos civis e termos de ajustamento de conduta como “forma de incentivar a proteção das florestas e vegetações”, o ilustre Conselheiro-Relator entendeu ser mais apropriado deixar a deliberação para o futuro Colegiado (fls. 14/15).

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Em vista disso, o presente protocolado foi redistribuído a esta relatora.

Pois bem, diante da relevância e magnitude dos temas abordados, considerei prudente colher as impressões dos representantes ministeriais integrantes dos cinco núcleos do GAEMA (Grupo Especial de Defesa do Meio Ambiente) e das Redes Protetivas do Meio Ambiente, cujos endereços eletrônicos foram fornecidos pela culta coordenadora Cristina Godoy de Araújo Freitas. Contribuíram para aprimoramento dos temas em debate os Promotores de Justiça Larissa Crescenti Albernaz e Manoel Sérgio da Rocha Monteiro (GAEMA do Vale do Paraíba), Marcos Akira Mizuzaki (GAEMA do Paranapanema), bem como dos Promotores de Justiça Dênis Henrique Silva (2º P.J. de Fernandópolis), Luis Fernando Rocha (1º P.J. de Paraguaçu Paulista), José Ademir Campos Borges, 4º P.J. de Barretos, Marcelo Gonçalves Saliba, Promotor de Justiça de Chavantes e Ricardo Manuel Castro. Não posso deixar igualmente de citar que a corajosa defesa da tese da possibilidade de sobreposição – APPs – RL - pelo talentoso colega e amigo Fernando de Andrade Martins, Promotor de Justiça de Franca, muito contribuiu para enriquecer o debate.

A Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos também apresentou importantes subsídios, aprovando as súmulas formuladas, algumas com alteração de redação, como enunciados da Procuradoria (cf. cópia da ata da reunião).

Em face do interesse manifestado pelos colegas que atuam nessa área, o CAO CÍVEL realizou reunião, votando e aprovando as súmulas de entendimentos publicadas no Diário Oficial do Executivo do dia 19/03/2010.

É o relatório do necessário.

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Para melhor compreensão do tema alguns aspectos merecem destaque, dentre eles, análise sobre:

1. Disciplina jurídica e processamento da edição de súmula.

Em nosso ordenamento jurídico, a Súmula nada mais é que síntese da jurisprudência dominante, ou como diz CARLOS MAXIMILIANO é a “orientação tribunalícia uniforme em casos semelhantes ou análogos, a série continuada de julgados judiciários, o conjunto das soluções dadas às questões de direito”1, editado com o escopo de “coibir a chamada “loteria judiciária”, que eram as decisões contraditórias sobre a mesma matéria adotadas pelo próprio Tribunal, com grande prejuízo para a eficácia do princípio da isonomia”, como explica o professor LEONARDO GRECO.2

CARLOS AURÉLIO MOTA DE SOUZA, por sua vez, explica que “o conhecimento e controle dos litígios pelo Judiciário culmina em uma decisão e esta, por meio de recursos sucessivos, sofrerá um processo contínuo e crítico de reforçamento que terminará em um modelo de “certificação”, de tornar certo, de certeza jurídica e de consolidação de julgados semelhantes”3

Na definição constante no “Dicionário Jurídico”, organizado por J.M. OTHON SIDOU a Súmula é tida como a “Condensação de série de acórdãos, no mínimo três, do mesmo tribunal, adotando igual interpretação de preceito jurídico, em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas persuasivo, publicado com numeração em repertórios oficiais do órgão” (Editora Forense, 9ª edição, p. 829).

1 in, Revista de Processo, janeiro/março de 1989, nº 53, Súmula, notas e comentários de Edmundo Lins Neto.2 Novas Súmulas do STF e alguns Reflexos sobre o Mandado de Segurança”, Revista Dialética de

Direito Processual nº 10, pp. 44-54, jan/2004.3 In, Revista de Processo, outubro/dezembro de 1995, nº 80, “Direito Judicial, Jurisprudencial e Sumular”, p. 209

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A vigente lei processual brasileira prevê em seu artigo 479 mecanismos de uniformização da jurisprudência. O julgamento de qualquer matéria, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, poderá ser objeto de súmula e constituir precedente de uniformização de jurisprudência.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal o processamento de proposta de edição, revisão e cancelamento de súmulas foi disciplinado pela Resolução nº 388, de 05/12/2008.

Em resumo, a súmula, segundo sedimentada doutrina, amparada, agora, por previsão legal, nada mais significa do que a consolidação da jurisprudência de um Tribunal sobre matéria de sua competência. Desse modo, havendo um conceito legal e doutrinário de súmula, cabe ao Conselho Superior do Ministério Público, como órgão colegiado que é, observar os preceitos para sua edição de forma que ela possa representar a cristalização e sedimentação da orientação jurídica defendida pelo órgão em face de certa questão jurídica.

Nesse contexto, não se pode deixar de atentar que este E. Conselho Superior do Ministério Público não chegou a emitir reiterados pronunciamentos sobre dada interpretação normativa ambiental a justificar a edição de súmula, chegando até adotar posições absolutamente antagônicas ao longo dos anos em relação esse tema de capital importância na seara do Direito Ambiental, ora aceitando a possibilidade inclusão da área de APP no cômputo da reserva legal, ora inadmitindo tal soma, como afirmou e comprovou o ilustre Promotor de Justiça Fernando de Andrade Martins em sua exposição apresentada na cidade de Franca no dia 13/10/2010, como também perante este Conselho Superior (cf. docs.)

Assim sendo, é de todo impossível cogitar-se da elaboração de súmulas, enquanto instrumento de enunciação formal do entendimento consolidado e predominante deste Órgão Colegiado, em relação aos temas eleitos para formulação sumular. Em outras

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palavras, como bem observaram os colegas da região de Chavantes e o ilustre Promotor de Justiça Marcelo Gonçalves Saliba ‘em que pese a relevância e importância, os temas sugeridos não foram objeto de análise e debate dentro do órgão e da própria instituição, não existindo dados suficientes a demonstrar ou indicar a existência de posicionamento sedimentado do Conselho Superior a respeito dos assuntos abordados. Assim, editar 17 Súmulas sem decisões anteriores a fundamentar o posicionamento apenas sujeitará o órgão superior à crítica, ainda mais num momento em que se discute, acaloradamente, mudanças na legislação ambiental.’ E, continua, “nota-se que as 17 Súmulas tocam em assuntos de extrema litigiosidade, a exigir maior comedimento em sua análise”, sob pena de o Ministério Público ser censurado, ainda que injustamente, sob alegação de que está pretendendo legislar em matéria ambiental.

A título ilustrativo, vale observar que, recentemente, (em 30.3.2010) a Comissão de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se manifestou pelo arquivamento da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) nº 49, de autoria da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), porque a respeito do tema proposto (demarcação de terras indígenas) ainda não existia “uma inequívoca consolidação jurisprudencial. Faltava, portanto, o requisito formal da existência de reiteradas decisões do Supremo “sobre essa complexa e delicada questão constitucional”, embora estivesse em curso um franco processo de definição, que permitia vislumbrar-se, num futuro próximo, seu pleno enfrentamento quando do julgamento de mérito de processos ainda pendentes de julgamento no Plenário. Em suma: os ministros entenderam que não foi satisfeito requisito indispensável para a regular tramitação da PSV pela inexistência de reiteradas decisões que tivessem dirimido definitivamente todos os aspectos da questão constitucional controvertida.

É exatamente a situação que se verifica no âmbito deste Conselho Superior.

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Em conclusão: constitui requisito indispensável para formulação sumular consolidar o entendimento deste Colendo Órgão Colegiado, situação somente alcançável após analisar e decidir, se não de forma unânime, ao menos majoritariamente, sobre o significado e alcance do direito positivo para só então emitir enunciado formal sobre dada interpretação normativa.

2. Reserva legal. Definição. Impossibilidade de soma com APP.

A despeito de não se vislumbrar, ao menos por ora, a satisfação dos requisitos exigidos para edição de súmulas, diante da existência de controvérsia a respeito da possibilidade, ou não, da soma da APP com a reserva legal, creio ser de todo oportuno trazer dito tema à reflexão deste Conselho Superior com o escopo de orientar e simplificar a atuação do Promotor de Justiça.

RESERVA LEGAL, na precisa definição de ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN “é uma porcentagem de cada propriedade, onde está vedado o corte raso”.4

Na região sul, sudeste, o território da reserva legal deve ser fixado, no mínimo em 20% da área da propriedade ou posse (sem contar a área de preservação permanente).

Diferentemente da APP, que se trata de uma modalidade de preservação, a medida provisória nº 2.166-6 deu à Reserva Legal um nítido papel de conservação, ao admitir em seus artigos 16 § 2º e 44 a permissão de uso, sob forma de regime de manejo florestal sustentável.

Por outro lado, a lei admite que as pequenas propriedades (no máximo de 30 ha. na região sudeste), possam computar, para efeito de reserva legal, o plantio de árvores frutíferas ornamentais e comerciais, compostas por espécies exóticas,

4 in, Manual Prática da Promotoria de Justiça de Meio Ambiente, p. 33

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cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas (art. 16§ 3º, com redação data pela MP 2.166-67/2001).

Além disso, na tentativa de facilitar a instituição e averbação da reserva legal o Código Florestal estabelece:

a) que a reposição da Reserva Legal possa ser feita no prazo máximo de 30 anos, com plantio mínimo de 1/10 da área a recompor a cada 3 anos, com espécies nativas e seguindo a orientação do órgão ambiental (art. 44, inciso I);

b) a possibilidade de compensação da reserva legal fora da propriedade (art. 44). Por essa regra legal, estando a propriedade rural desprovida de cobertura vegetal nativa, a averbação da reserva legal poderá ser feita na matrícula de outro imóvel com excedente florestal. Entretanto, a compensação só é permitida desde que no mesmo Estado, entre propriedades situadas no mesmo bioma e na mesma bacia hidrográfica;

c) a cessão de Reserva legal, concedendo ao proprietário o direito de adquirir cotas de reserva de uma propriedade florestal, que corresponda à área que necessita para regularizar sua propriedade.

Mas, como lembra WILDES GOMES DE CAMPOS a despeito da existência de várias alternativas para essa regularização, mais de 30 projetos da lei em tramitação no Senado Federal objetivam uma mudança mais profunda do Código Florestal, a maioria propondo flexibilizar ainda mais a exigência de proteção ambiental em vigor, em razão de pressão permanente do setor produtivo, em especial para o fim de inclusão da APP no cômputo da Reserva Legal, de adoção de um critério de compensação menos restritivos (por bioma e Estado) e de implantação de mecanismos de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), objetivo, que se alcançado, poderá colocar

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por terra todo o esforço até agora feito em nome da preservação da nossa biodiversidade5.

Já, as ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, nos termos dos artigos 2º e 3º, da Lei nº 4.771/65 são espaços territoriais especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da fauna e flora, de proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, sendo vedada qualquer utilização que coloquem em risco sua função ecológica. Portanto, sendo área de preservação, a lei não permite seu uso econômico para fins de exploração da madeira, agrícola ou da pecuária, admitindo a intervenção nessa área apenas nos casos de necessidade pública ou interesse social (art. 4º). Por isso, RICARDO D. GOMES DA COSTA e MARCELO ARAÚJO observam que “o conceito de APPs está diretamente relacionado à proteção das áreas com maior risco de degradação, onde o manejo incorreto pode ocasionar erosão, deslizamento de terra, e, consequentemente, de assoreamento dos rios e diminuição da oferta e qualidade da água, depreciando o valor das terras6”.

A propósito, adverte JEN PAUL METZGER que os parâmetros definidos no Código Florestal não foram obra do acaso. Ao contrário, diz, seus critérios têm base científica consistente. É bem verdade, observa ele, embora a extensão dos corredores ripários, atualmente fixados em 30 metros ao longo de cada margem do rio, devesse variar de acordo com a topografia da margem, tipo de solo, tipo de vegetação, clima, em particular conforme a pluviosidade local, “o conhecimento científico obtido nestes últimos anos permite não apenas sustentar os valores indicados no Código Florestal de 1965 em relação à extensão das áreas de Preservação Permanente, mas na realidade indicam a necessidade de expansão destes valores limiares

5 in, Análise de Casos de Compensação de Reserva Legal e subsídios para sua efetividade, Nazaré Paulista, 2010, tese de mestrado. , pp. 7/8.6 in, “Planejando o Uso da Propriedade Rural, arquivo obtido na internet no site www.iesb.org.br/biblioteca.

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de pelo menos 100 m (50 de cada lado do rio), independentemente do bioma, do grupo taxonômico, do solo ou do tipo de topografia”porque: (1) as matas ripárias retirarem da água do lençol freático boa parte dos nitratos vindos dos campos agrícolas; (2) constitui fator de fixação de solo e evita a erosão de terrenos declivosos e a colmatação dos rios, assegurando os recursos hídricos; (3) permite o aumento da diversidade genética; (4) possibilita a criação de corredores destinados ao deslocamento de muitas espécies pela paisagem para garantia da sua sobrevivência, que será dificultada ou mesmo inviabilizada em paisagens fragmentadas, isolando e reduzindo o tamanho das populações nativas em paisagens fragmentadas. Em suma, os corredores são necessários para propiciar o fluxo gênico da fana e flora.

Em relação à extensão das Reservas Legais, esclarece o eminente mestre com sua inteligência peculiar que o “adequado debate dessa questão necessita considerar, antes de mais nada, as funções da RL”, que visam essencialmente à conservação da biodiversidade e ao uso sustentável de recursos naturais”, sendo certo que observações feitas recentemente no Brasil forneceram claras evidências de que o limite de 30% é o mínimo de cobertura nativa que uma paisagem intensamente utilizada pelo homem deveria ter, permitindo conciliar uso econômico e conservação biológica. E, ressalta, “Dado que as estimativas de percentagem de APP variam para a grande maioria dos estados brasileiros de 10% a 20% do território (Miranda et. El. 2008), já excluindo as Unidades de Conservação7 (inclusive as de Uso Sustentável) e Terras Indígenas, o valor de 20% para RL permitiria manter, na maioria dos casos, uma cobertura acima deste liminar.

7 Segundo definição de ANDRÉA VULCANIS, especialista em Direito Administrativo e Cfefe da Procuradoria Federal do Ibama do Paraná a Unidade de Conservação se diferencia da RL porque naquela há uma delimitação geográfica específica, bem como objetivos igualmente específicos, voltados à proteção e perpetuação dos recursos naturais da localidade, sob administração, em geral, do poder público. Já a RL, não obstante ter o objetivo igualmente de conservação, está geograficamente dispersa em propriedades; seu uso é permitido, condicionado a sustentabilidade que deve ser promovido pelo proprietário rural. (in, Revista de Direito Ambiental, janeiro/março 2006, Editora RT p. 35)

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E conclui, as APPs não protegem as mesmas espécies presentes na RL, e vice-versa. Em termos de conservação biológica, essas áreas se complementam, pois são biologicamente distintas, e seria um grande erro ecológico considerá-las como equivalentes. Por isso, continua em sua narrativa, a literatura científica levantada mostra ainda que as recentes propostas de alteração deste Código, em particular alterando a extensão ou as regras de uso das Reservas Legais, podem trazer graves prejuízos ao patrimônio biológico e genético brasileiro8.

Em recente matéria publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, edição de 14/02/2010, entrevistado, o Professor Paulo Kageyama (ESALQ/USP) destacou que a conservação obrigatória das áreas verdes, vistas por muitos ruralistas como um empecilho à produção, na verdade tem o efeito de equilibrar o ecossistema. Para comprovação da sua tese conta que promoveu “a recomposição da mata ciliar em reservatório da Companhia Energética de São Paulo (CESP), usando cem espécies diferentes por hectare”, conseguindo, com isso, evitar a ocorrência de pragas e doenças nas árvores, sendo certo que dois anos depois da realização do projeto até mesmo as formigas deixaram de atacar a plantação.

Além disso, essa mesma reportagem informa que a engenheira florestal e consultora Maria José Zaquia comprovou em sua tese de doutorado na USP o acerto de o Código Florestal determinar a instituição da mata ciliar em 30 metros ao longo dos rios com menos de 10 metros de largura. Segundo ela, “A regra geral dos 30 metros é bastante eficiente na proteção do solo e da água e este limite, se não é suficiente para manter uma boa gestão ambiental, é um passo importante na direção certa”.

Vale mencionar ainda que o artigo 1º, inciso III estabelece, como regra, a exclusão da área de preservação permanente do cômputo da reserva legal, só admitindo sua soma nas

8 in, Código Florestal tem base científica? (artigo disponível na página “www.painelflorestal.com.br/notícia)

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hipóteses previstas no art. 16§ 6º, do Código Florestal. Daí porque, explica RICARDO D. GOMES DA COSTA e MARCELO ARAÚJO, “como regra geral, as APPs não poderão compor a Reserva legal. Exclui-se desta regra, aquelas propriedades onde as APPs representam metade ou mais da área total do imóvel. E, conclui os mesmos autores “O fato de inexistir cobertura arbórea na propriedade não elimina a necessidade do proprietário instaurar a RL e as APPs, nestes casos é necessário promover a recuperação, mediante plantio, em cada ano de, pelo menos trinta abos da área total da reserva 9“

Ora, diante dessa clara determinação legal e sendo o Ministério Público instituição que tem, entre outras funções, o dever maior de zelar pelo império da lei, não há como aceitar o argumento de que a interpretação sistemática do Código Florestal permite a soma da área de preservação permanente no cômputo da reserva legal, sobretudo porque a Constituição Federal (art. 225) assegura como direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Em função disso, o próprio Código Civil alterou radicalmente a definição de propriedade, impondo-lhe uma função sócio-ambiental em seu art. 1228§ 1º (redação estabelecida pela Lei 10.406, de 11/1/2001, cuja vigência se iniciou em 12/1/2003).

E, ainda que a tese da viabilidade da somatória reserva legal e app tenha em mira, no dizer do distinto Promotor de Justiça Fernando de Andrade Martins, “harmonizar com equilíbrio e razoabilidade, meio ambiente e produção de alimentos”, tal posicionamento somente poderá ser sustentado perante o legislador, que tem o poder de orientar as políticas públicas para o uso sustentável dos recursos naturais e está, atualmente, debatendo esse espinhoso tema, motivo de intensa polêmica entre ruralistas e ambientalistas. Dessa forma, ao Ministério Público, sob pena de intervenção indevida na função legislativa, cabe cuidar para que o

9 in, “Planejando o Uso da Propriedade Rural, arquivo obtido na internet no site www.iesb.org.br/biblioteca

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sistema jurídico vigente e seus valores sejam respeitados, a bem da harmonia e do mútuo respeito que devem reinar entre os poderes.

De mais a mais, consoante ressalta o eminente jurista HUGO NIGRO MAZZILLI “o objeto do compromisso de ajustamento não pode versar atos de disposição de direitos. Por isso, não pode ser considerado uma verdadeira transação do Direito Civil, porque a transação importa poder de disponibilidade, e os órgãos públicos legitimados à ação civil pública ou coletiva, posto que tenham disponibilidade do conteúdo processual da lide, não detêm disponibilidade do direito material controvertido10”. Trata-se de uma garantia mínima, em prol de um ambiente ecologicamente equilibrado, nada impedindo, pois, que órgão público legitimado a promover a ação civil pública ou coletiva possa postular, em juízo, ou fora dele, um espaço maior do que aquele imposto pelo Código Florestal. Mas, a lei não lhe confere o poder de aceitar uma área menor do que aquela exigida expressamente pelo Código Florestal.

Por conseguinte, não pode o Ministério Público simplesmente desobrigar o proprietário rural de instituir a reserva legal aquém dos limites mínimos previstos no Código Florestal, “só podendo admitir a sobreposição da reserva legal sobre a área de preservação permanente nas hipóteses taxativamente previstas em lei”11. “É que, com a devida licença, esse entendimento, se adotado, estaria a levar o julgamento “contra legem”. O Código Florestal, no artigo 16, parágrafo 6º, segundo a redação introduzida pela MP 2166-67/2001, estabelece que o cômputo das áreas relativas à vegetação nativa existente em área de preservação permanente no cálculo do percentual de reserva legal será admitido mediante satisfação de dois requisitos. Primeiro, desde que a operação não implique em conversão de novas áreas para uso

10 in, As vedações do Compromisso de Ajustamento de Conduta, 12º Congresso Internacional de Direito Ambiental).11 apelação civel com revisão nº 889.124-5/8, da Comarca de Pirassununga, j. 13/08/2009, Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, relator: Samuel Júnior.

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alternativo do solo, segundo, quando a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder oitenta por cento da propriedade rural localizada na Amazônia Legal, a cinqüenta por cento da propriedade rural localizada nas demais regiões do País e vinte e cinco por cento da pequena propriedade, como definida no artigo 1º, parágrafo 2º, inciso I, letras “b” e “c”12 . E nesse ponto vale lembrar a autoridade da lição de CARLOS MAXIMILIANO para quem “Todas as presunções militam a favor da validade de um ato, legislativo ou executivo (...) Entre duas exegeses possíveis, prefere-se a que não infirma o ato de autoridade...13”

Nem se alegue que vedar o cômputo das áreas de preservação permanente do próprio imóvel para integração da reserva legal significaria impor uma pesada e exclusiva conta ambiental aos produtores rurais e fomentaria a absorção dos produtores menores pelos maiores, cujo resultado visível seria a concentração maior de renda e fortalecimento das grandes empresas rurais dentro do território do Estado de São Paulo, constituindo ainda um obstáculo à viabilização da exploração produtiva e econômica da propriedade.

Em primeiro lugar porque, diversamente daquele ponto de vista, ao menos no Estado de São Paulo, constata-se que houve um aumento da “unidade de produção agropecuária (UPA), que na maioria dos casos coincide com o conceito de “imóvel rural”, entendida como conjunto de propriedades rurais contíguas, pertencentes ao mesmo proprietário (ou proprietários)” passando de 277.124 (entre 1995/1996) para 323.601 propriedades (entre 2007/2008), conforme dados obtidos pelo censo agropecuário realizado pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento no Estado de São Paulo e publicado no artigo “Análise Preliminar de Um Censo Agropecuário: Projeto Lupa no Estado de São Paulo” de lavra do

12 . Apelação Cível nº 559.100-5/7-00, j. 23/08/2007, Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal

de Justiça de São Paulo, relator J.G. Jacobina Rabello.13 Obra citada no item 3, nº 364, p. 250

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engenheiro agrônomo, doutor e pesquisador científico do Instituto de Economia Agríciola, FRANCISCO ALBERTO PINO.

Em segundo lugar porque incluir as áreas de preservação permanente (APP) no cômputo da reserva legal terá um efeito inverso daquele pretendido pelo nobre colega, pois a área mínima de vegetação nativa a ser conservada no âmbito de propriedade e a implantação das apps têm como objetivo a conservação e reabilitação dos processos ecológicos, assim como a preservação dos recursos hídricos, de estabilidade geológica e da biodiversidade, de modo a aumentar a capacidade produtiva das terras rurais, como já restou cientificamente comprovado, e diminuir o uso de defensivos agrícolas. A propósito dessa questão, o Professor PAULO KAGEYAMA quando de sua entrevista no Estado de São Paulo, ponderou, ‘também para a pecuária, a recuperação de APPs – Áreas de Preservação Permanente, como encostas e margens de rio – e reserva legal pode ser benéfica. Planta-se o mesmo capim em centena de hectares e, não raro, aplicando-se muito agrotóxico. Por isso, o país foi campeão no uso de agrotóxico em 2009, o que deveria nos causar vergonha.’ Aliás, em artigo publicado no dia 05/06/2010, no Caderno Agrícola do Jornal Estado de São Paulo alerta-se que os produtores que já atendem ao padrão de qualidade de mercados exigentes como Europa, Ásia e Estados Unidos podem ter na certificação ambiental (atestado de cumprimento das normas sócio-ambientais) um novo diferencial para exportar, mais um motivo para atender as determinações legais, pois como ressalta o agrônomo LINEU SIQUEIRA JÚNIOR, gerente-geral de certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), a demanda de certificação sócio ambiental, além de agregar um valor ao produto de exportação, pode até tornar-se condição para exportar no futuro.

Em terceiro lugar porque, conforme informação prestada por Luiz Gustavo de Souza Ferreira, assessor técnico de gabinete da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por ocasião de reunião de trabalho realizada no dia 27/01/2010, em verdade, a resistência maior à instituição da Reserva

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Legal e APP verifica-se entre os grandes produtores de cana-de-açúcar (principal cultivo do Estado14, ocupando quarta parte da área agrícola paulista) e de laranja (ocupando a quarta posição em área plantada15). Aliás, o Ministério Público do Estado de São Paulo nem tem como alvo prioritário perseguir a regularização de espaços ambientais de pequenas propriedades, senão de grandes imóveis rurais (imóvel com 400 ha. ou 15 módulos fiscais – art. 4º - Lei nº 8.629/93), conforme metas regionais estabelecidas no Ato Normativo nº 626/2010-PGJ, de 06/1/2010, de tal sorte que parece-nos um exagero, ao menos neste Estado, afirmar que se mantida a posição radical de impedir a já citada sobreposição, o ônus da proteção ambiental fatalmente recairá em maior grau nos ombros do pequeno produtor rural, que, se não aceitar o “confisco” ou não puder adequar sua propriedade às exigências legais-ambientais, seria expulso do campo tendo em vista a impossibilidade de explorar sua propriedade de forma produtiva e rentável. Nesse ponto, afigura-nos que tal afirmação peca pelo excesso argumentativo, pois o Código Florestal (art. 16§ 6º, inciso III) já beneficia o pequeno proprietário rural, autorizando expressamente a sobreposição se a área de preservação permanente e reserva legal exceder a 25% do imóvel.

Não se diga também que a imposição restritiva do Código Florestal poderá trazer prejuízos imensos aos agronegócios, sobretudo porque a produção agrícola brasileira não teria como competir, em condições de igualdade, com produtos cultivados na Europa e nos Estados Unidos, em face da inexistência, nessas regiões, de legislação que imponha limites à exploração integral da propriedade rural, salvo incentivos de ordem econômica.

Nesse particular aspecto, necessário recorrer mais uma vez à palavra do Professor PAULO KAGEYAMA que, por ocasião de contato pessoal mantido no dia 19/4/2010, na sede da ESALQ, na

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? Dados do censo agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, publicado no artigo Análise Preliminar de um Censo Agropecuário: Projeto LUPA no Estado de São Paulo, de autoria de Francisco Alberto Pino15 Dado obtido na fonte referida na nota 6.

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cidade de Piracicaba, esclareceu que a biodiversidade em climas temperados é muito menor do que a existente em climas tropicais como a do Brasil, África e parte da Ásia. Daí porque, embora o valor monetário da nossa biodiversidade seja bastante elevado em contrapartida temos o ônus de conservar o meio ambiente e impedir a sua degradação para o fim de minimizar o uso intensivo de agrotóxico para combate de pestes e pragas.

Estima-se que o valor da biodiversidade brasileira possa alcançar a casa dos trilhões de dólares e que um único medicamento para controle da hipertensão, desenvolvido com veneno da jararaca, estaria rendendo 1,5 bilhões de dólares para um laboratório estrangeiro, conforme dados fornecidos pela Wikipédia em seu artigo denominado “Biodiversidade no Brasil”.

Portanto, para o bem da sociedade brasileira, inclusive

do setor rural, devemos empenhar esforços para reverter a destruição dos grandes biomas e devastação de nosso patrimônio natural para garantia da própria sobrevivência do planeta. Por isso, exorta SERGIO AHRENS “A existência do Código Florestal, cujo conteúdo tem sido tão criticado, e apesar do frequente descumprimento de seus dispositivos, tem sido essencial para proteger o pouco que restou da cobertura florística brasileira. A julgar pelas reiteradas preocupações documentadas por diversos autores ao longo da primeira metade do século XX (ver Pereira, 1929; Pereira, 1950), muito pouco teria restado da cobertura florestal natural do País, neste início do século XXI, caso aquele diploma legal não existisse. Em verdade, pouca vegetação florestal teria restado até mesmo para possibilitar o atual debate.16”

A propósito, recentemente, o jornal Estado de São Paulo publicou na edição de 22/3/2010- p. A-19, que “o Banco Mundial aprovou a doação de US$ 13 milhões de dólares para garantir a conservação do cerrado brasileiro. Aproximadamente 48%

16 “O “Novo” Código Florestal Brasileiro: Conceitos Jurídicos Fundamentais” (artigo obtido na página eletrônica “www.ambientebrasil.com.br/floresta)

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do bioma já foi desmatado”, de tal sorte que, alerta, se esta tendência atual continuar, o bioma poderá sumir até 2085.

Os últimos dados de desmatamentos detectados em outras coberturas florestais não são diferentes. Segundo dados atribuídos a ONU, entre 2000 a 2005, foram desmatados 17% (ou 857 mil km2) da cobertura vegetal amazônica17. Em relação a Mata Atlântica, conforme dado publicado no Portal Eco Debate, hoje ela está reduzida a 7,26% da sua área original.

Não é por outra razão que, ressaltou o Ministro PAULO MEDINA “a proteção da flora vem, a cada ano, deixando de se consubstanciar em preocupação de ordem meramente econômica, para assumir um caráter humanitário, em razão das alterações que o devastar das matas vem imprimindo no clima e no regime das águas. Não se discute apenas o impacto que o desmatamento desordenado promove nas diversas etapas da produção, mas os seus reflexos na qualidade da vida humana” (Recurso Especial nº 237.690-MS, 2ª T. do Superior Tribunal de Justiça, j. 12/3/2002).

Cabe mencionar ainda que a orientação jurisprudencial prevalente é no sentido de ‘a sobreposição da reserva legal em área de preservação permanente só poderá ser admitida, a teor do artigo 16§ 6º, quando: (1) não implique em conversão de novas áreas para uso alternativo do solo; (2) a soma da vegetação nativa em área de preservação permanente e reserva legal exceder o percentual de cinqüenta por cento, que é o limite estabelecido para esta região do Brasil’ (Apelação Cível com Revisão nº 889.124-5/8-00, Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 13/08/2009, relator: Samuel Júnior). Nessa mesma linha de entendimento da Apelação Cível nº 889.839.5/6-00-Tanabi, Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 1º/6/2009, relator: Renato Nalini; apelação cível nº 419.409-5/5, Batatais, 1ª Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de 17 Segundo informações publicadas na página eletrônica Globo.com de 30/01/09

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Justiça do Estado de São Paulo, j. 07/08/2008, relator: José Geraldo Jacobino Rabello.

Por fim, é importante dar o devido destaque ao voto da relatora, Desembargadora Regina Capistrano, proferido na Apelação Cível nº 354.635-5/3-00 – Descalvado, julgado no dia 18/12/2008, pela Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual sintetiza a posição atualmente dominante nesse órgão judicial:

“A questão da impossibilidade de superposição das áreas de APP e de reserva legal está praticamente pacificada nesta Câmara Especial do Meio Ambiente, observados os requisitos do artigo 16 e seus parágrafos do Código Florestal, segundo a redação introduzida pela MP nº 2.166-67/2001, consoante se aufere dos seguintes julgados: EI 545.866-5/6-01, rel. Des. Jacobino Rabello, j. 13/11/2007; Apel. 395.636.5/8-00, rel. Des. Renato Nalini, j. 20/4/2006; AI 437.627-5/1-00, rel. Des. Renato Nalini, j. 19/10/2006; Ap. 453.722.5/2-00, rel. Des. Regina Capistrano, j. 12/7/2007; Ap. 419.664.5/8-00, relat. Des. Regina Capistrano, j.22/3/2007; Ap. 418.391.5/4-00, rel. Des. Regina Capistrano, j. 28/6/2007; Ap. 559.100-5/7, rel. Des. Jacobino Rabello, j. 23/8/2007. E mais. Nada importa que a propriedade tenha sido adquirida já desmatada, ou quem teria causado o dano, quando e por qual razão. O fato é que o meio ambiente deve ser protegido, alçado que está constitucionalmente a direito de terceira geração da raça humana atual e futura, e só por isso deve ser protegido, recomposto, preservado.”

Não se pode desconsiderar igualmente que a página eletrônica da nossa instituição publicou a notícia de que o Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CNPG), em reunião realizada no dia 30/04/2010, na cidade de Belém, aprovou moção proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra os projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, que propõem reformas na legislação ambiental, sem se preocupar com o objetivo da proteção ambiental prevista na Constituição Brasileira, reduzindo as áreas de

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reserva legal e de preservação permanente, por meio da sua sobreposição (cf. cópia).

Força mencionar também a Carta de Ribeirão Preto e Região em Defesa do Código Florestal, redigida em ato público realizado no dia 29/1/2010, na Câmara Municipal de Ribeirão Preto, da qual participaram mais de uma centena de entidades ligadas ao meio ambiente, através da qual se postula, em apertada síntese, manutenção da legislação ambiental vigente (cf. cópia).

Em conclusão: conspiram contra a tese da sobreposição RESERVA LEGAL com a APPs:

1) a determinação expressa da lei (arts. 1º § 2º, inciso III e 16§ 6º do Código Florestal) e o dever maior do Ministério Público de defender a ordem jurídica vigente em respeito à harmonia que deve imperar entre os poderes;

2) os estudos científicos demonstrando a necessidade imperiosa de manutenção dos parâmetros legais vigentes;

3) a existência, no Congresso Nacional, de projetos de lei tendo, entre outros objetivos, o de flexibilizar as exigências atualmente previstas no Código Florestal para permitir a inclusão da área da APPs no cômputo da reserva legal, manifesta e indiscutível evidência da proibição da soma pelo regime jurídico em vigor;

4) a impossibilidade absoluta de o Ministério Público

dispor sobre direito material mediante compromisso de ajustamento de conduta;

5) o entendimento majoritário da jurisprudência e posição pacificada da doutrina;

6) o posicionamento institucional desfavorável manifestado pela Coordenação do Centro de Apoio Cível, referendado

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pelos Grupos de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) à tese em questão;

7) a posição institucional assumida pela Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, acolhida pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais, repudiando, entre outros pontos tratados na reforma da legislação ambiental, a sobreposição da RL e APP.

8) acolhimento das propostas ora em estudo, como enunciados, pela Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos;

9) A Carta de Ribeirão Preto e Região em Defesa do Código Florestal.

Com esses fundamentos, ao menos por ora, entendemos prejudicada a proposta de formulação sumular, porém, postulando que este Egrégio Colegiado leve em linha de consideração e fundamento sobre a matéria a necessidade de resguardar a biodiversidade, de forma ampla e adequada, mediante reconhecimento, em suas decisões, da posição institucional de observar os termos da lei em vigor, tendo em vista as funções absolutamente distintas dos dois institutos protetivos previstos no Código Florestal –APP e Reserva Legal - como forma de minimizar a degradação ambiental.

Por derradeiro, não podemos deixar de registrar que o estudo ora apresentado só se tornou possível graças às inestimáveis colaborações de inúmeros colegas, cujos nomes foram inicialmente citados, como também dos eminentes Professores PAULO KAGEYAMA e JOÃO DAGOBERTO DOS SANTOS, da ESALQ, assim como do Professor, ambientalista e fundador do Ipê (Instituto de Pesquisas Ecológicas), CLÁUDIO PÁDUA, os quais, sem esperarem por qualquer reconhecimento, não se furtaram em nos prestar auxílio, deixando seus inúmeros afazeres de lado, com o único propósito de dar sua contribuição pessoal para a preservação do meio ambiente. Sem eles, não temos nenhuma dúvida, a nossa empreitada não teria sido nada

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fácil, razão pela qual apresentamos os nossos mais sinceros agradecimentos.

São Paulo, 10 de maio de 2010.

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