o amadurecimento da publicidade nas salas de cinema
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Artigo escrito para a disciplina de Mídia, do curso de PP da UFRGS. Aqui discuto o funcionamento dos anúncios nas salas de cinema, a chamada cinepublicidade.TRANSCRIPT
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação
Junho de 2011
O AMADURECIMENTO DA PUBLICIDADE NAS SALAS DE CINEMA
Michel Mosso Schettert
Resumo
Este trabalho propõe discutir o potencial da cinepublicidade no Brasil, frente ao contexto atual
de pleno crescimento do setor audiovisual brasileiro.
Palavras-chave: mídia, cinema, publicidade, cinepublicidade
1. As salas de cinema no Brasil
Nas duas primeiras décadas do século XX, os teatros eram os palcos das sessões de
cinema. Os chamados cines-teatros encantavam a população urbana brasileira e tinham uma
freqüência de telespectadores de dar inveja a qualquer outra praça no mundo. Era um lazer
barato e de fácil acesso. A partir da década de 40, salas como Roxy, Imperial e Odeon já
haviam sido projetadas exclusivamente para exibição de filmes e eram capazes de receber um
público de 2 a 5 mil pessoas por sessão. Foi nesse ritmo que, segundo a Secretaria do
Audiovisual do Ministério da Cultura, em meados dos anos 50, já eram contabilizadas mais de
3.200 salas em todo o país.
Com o advento da televisão, no final da década de 50, o cinema sofreu um
esvaziamento instantâneo e, consequentemente, o fechamento de salas glamorosas. Hoje,
muitas viraram templos religiosos e bancos, e seu número ao redor do país não ultrapassa
2.000 (Mídia Dados 2010).
Em 1997, o conceito multiplex trouxe para o Brasil mudanças que iam de acordo com
a tendência mundial: reunir 5 a 18 salas num único lugar, agregando conforto (custo próximo
de 1 milhão por sala), equipamentos modernos e flexibilidade na programação. Grandes
empresas exibidoras internacionais vieram com este propósito ao Brasil, tais como Cinemark,
Kinoplex e UCI, para expandir o parque exibidor brasileiro, injetando grande volume de
dinheiro e contando ainda com apoio financeiro do BNDES. Todo esse investimento em
infraestrutura e modernização fez com que a bilheteria saltasse de 52 milhões de ingressos
vendidos em 1997, para 103 milhões em 2003 (Filme B). Essa alavanca foi ainda fundamental
para dar estrutura ao crescimento do cinema nacional, tal como presenciamos hoje.
2. Panorama da publicidade nas telas de cinema
Não consegui encontrar em minhas pesquisas uma data que marcasse o início da
exibição de publicidade nas telas de cinema. Contudo, sabe-se que o cenário está
amadurecendo, pois ainda menos de 10% da receita do exibidor vem da publicidade. Para se
ter uma idéia, segundo a Abraplex (ass. brasileira das empresas exibidoras cinematográficas
operadoras de multiplex), em 2004, apenas 4% da renda foi fruto de anúncios. Discutiremos
as dificuldades que provocam este cenário mais adiante, no item 4.
As empresas de comercialização de cinepublicidade são as responsáveis por
intermediar o contato entre a agência (cliente) e o exibidor. Alguns exemplos são: Kinomaxx,
Circuito Digital e Auwe Digital. O seu papel é levar o conteúdo do cliente até as salas de
projeção. Antes de tudo, são profissionais de mídia, que têm uma carteira de salas e procuram
vender seus espaços publicitários.
Atualmente, existe uma lista de possibilidades para anunciar no cinema, o que confere
flexibilidade à mídia. São oferecidas diversas formas, que vão desde ações promocionais no
hall, até os tradicionais 30 segundos no telão, antes dos traillers. Cada item da lista tem um
preço diferente, o que democratiza o meio, dando oportunidade para pequenas e médias
empresas anunciarem.
Tomemos como exemplo a tabela básica de preços da empresa Circuito Digital, que
distribui conteúdo em grandes salas como, Kinoplex Rio Sul (RJ) e Kinoplex Vila Olímpia
(SP):
Circuito de Salas Digitais / Analógicas
UNIDADE TEMPO VALOR
Cine-Semana / Sala 30" R$ 3.100,00
Cine-Semana / Sala 60" R$ 6.200,00
Cine-Semana / Sala 45" R$ 4.650,00
Cine-Semana / Sala 20" R$ 2.680,00
Cine-Semana / Sala 15" R$ 2.325,00
Cine-Semana / Sala 10" R$ 1.550,00
Informe Editorial
UNIDADE TEMPO VALOR
Cine-Semana / Sala Até 60" R$ 7.000,00
Intervalo das sessões
UNIDADE TEMPO VALOR
Cine-Semana / Sala 10" R$ 700,00
Veiculação estática sem áudio
Plasma Foyer*
UNIDADE TEMPO VALOR
Cine-Semana / Foyer 10" R$ 700,00
1050 inserções/plasma. Preço para 2 telas de plasma por Foyer
*Foyer: Hall que interliga as salas de cinema
Considerando um pacote “cine-semana” como um montante de 30 sessões exibidas de
segunda-feira a domingo, significa que um comercial de 30 segundos custa aproximadamente
100 reais por sessão. Parece vantajoso frente ao público do cinema, discutido a seguir.
3. A cinepublicidade e o público-alvo
Da década de 50 pra cá, ir ao cinema ficou mais caro, e, consequentemente, mais
segmentado. 65% do público é representado pelas classes AB, segundo o Mídia Dados 2010,
o que gera oportunidade para que as marcas falem com pessoas de poder aquisitivo e grau de
escolaridade maiores. Não é por acaso que o maior volume de anúncios vem de marcas
consagradas dos setores de bebidas, operadoras de telefonia móvel, seguradoras, veículos e
bancos, segundo pesquisa do Datafolha, encomendada pela Kinomaxx em 2004.
Nesta pesquisa, ao comparar a mídia cinema com a mídia TV, pode-se perceber
vantagens marcantes. Primeiramente, o índice de atenção é muito alto no cinema. Foi
constatado que 49% das pessoas gostam de ver as propagandas da telona e que 61%
concordam totalmente que a propaganda no cinema chama mais atenção do que na TV. Quer
dizer, é um público que vai exclusivamente para ver o que está sendo projetado na tela,
interessado no conteúdo. Veicular um comercial no cinema é ter certeza de que o consumidor
não irá trocar de canal.
Em seguida, já mencionado, o custo se mostra muito atraente quando comparado à
TV. Enquanto se paga R$ 450.000,00 para veicular 1 peça de 30 segundos no prime time da
TV, o preço de 1 peça veiculada durante 7 dias, com duração de 60 segundos no prime time
do cinema¹ não ultrapassa R$ 10.000,00. Isso também o torna um meio mais democrático,
aberto a empresas de menor porte. Na cidade de São Paulo, por exemplo, empresas locais
como Casa Eurico Calçados Grandes (loja de sapatos femininos), Brigadíssimo Doçaria (es-
pecialista em brigadeiro gourmet) e Cherry Pie (moda feminina), fazem parte dos anunciantes
que passaram a ver no cinema um público de interesse.
Apesar das vantagens apresentadas, é notório o desinteresse dos anunciantes em
produzir cinepublicidade. Como exposto anteriormente, menos de 10% da renda dos
exibidores são oriundas de anúncios. Este cenário envolve certos fatores problemáticos, como
a falta de tradição em anunciar nessa mídia. Vamos discuti-los.
4. Barreiras a transpor
a. Falta de tradição
No período do governo Collor (1990-1992), houve um corte abrupto dos recursos
direcionados à produção cinematográfica no Brasil. A Embrafilmes, o Concine, a Fundação
do Cinema Brasileiro e leis de incentivo foram extintas, estagnando o setor. Em 1995, no
governo FHC, começou a se falar na “Retomada” do cinema nacional, uma fase que
alavancaria as estatísticas da produção local. Foram criadas duas leis de incentivo à cultura:
Lei Rouanet e Lei do Audiovisual. Adiante, em 1997, a modernização das salas de cinema
também ajudou o crescimento. Finalmente, em 2002 já eram contabilizados 200 longas desde
o reinício dos incentivos.
O crescimento atual é animador para a cinepublicidade, frente à situação anterior. No
entanto, o contexto de mudanças ainda tem uma história muito recente e uma produção
cinematográfica dependente do fomento governamental, o que provoca desconfiança no
mercado. Para amadurecer, o mercado de publicidade no cinema deve estudar mais sobre essa
mídia, entender suas vantagens, e explorar da forma conveniente.
b. Carência de salas e baixa penetração
Também recente no Brasil, as novas salas de cinema contribuíram para a consolidação
da Retomada, mas não mantiveram seu crescimento exponencial ao longo dos anos, como
mostra o gráfico abaixo (Abraplex):
A oferta não cresceu o quanto poderia. O investimento maciço em complexos
exibidores se restringiu ao início das operações no Brasil e às suas capitais, deixando de
aumentar os índices de penetração no público do interior do país.
Por outro lado, a procura subiu. De 2001 a 2010, houve um aumento de 90% de
telespectadores (Filme B). O resultado poderia ter sido uma reação inflacionária abusiva no
preço dos ingressos, mas os índices mostram que o aumento ficou dentro do tolerável: O IPC
(Índice de Preços ao Consumidor/FIPE), relativo aos gastos com despesas pessoais, revela
que de 2001 a 2010, a inflação foi de 83,19%; e segundo a pesquisa da Filme B, a inflação
dos preços dos ingressos do cinema no mesmo período foi de 85% (média de US$ 5,50 para
US$ 9,35). Isso é prova de que a classe C se fez presente nas salas de cinema, e hoje
representa 25% do público total (Mídia Dados 2010), respondendo pelo freio no aumento dos
ingressos, e se mostrando como um potencial consumidor, visto que a penetração na classe é
só de 8% (Mídia Dados 2010).
Dito isso, a relação íntima que a cinepublicidade mantém com os exibidores multiplex,
devido sua organização e lógica de consumo sinérgico, e seu grande alcance numérico de
público por sessão, acaba deixando os anunciantes à mercê das suas iniciativas. A
cinepublicidade só pode se expandir quando o parque exibidor também o fizer, penetrando
mais nas classes e ganhando público.
c. Empecilhos técnicos
Outra barreira ainda muito presente diz respeito às técnicas de transfer e copiagem².
Apesar de vir demonstrando mudanças com auxílio da tecnologia, é importante destacar seus
incômodos.
Vamos analisar o cenário usando como exemplo o comercial de 30 segundos, o mais
trivial. À exceção dos métodos³ da Auwe Digital, o trajeto mais usual de um anúncio é longo
e artesanal. Depois de finalizado, o cliente fica responsável por fazer o transfer e a copiagem
do material. Ou seja, uma fita Beta Digital (contendo a imagem), mais uma fita DAT
(contendo o áudio) ou os arquivos digitalizados, devem ser levados até uma produtora que
realize essas operações técnicas. Mais mão-de-obra, mais equipamentos e mais tempo. Por
fim, cada sala precisa de uma cópia do comercial, situação que acaba acrescentando mais uma
despesa para o cliente e encarecendo o custo final.
d. Índice de recall
Um dado significativo para os anunciantes é este referente ao recall. Muito é discutido
acerca da lembrança da publicidade na memória do consumidor, o que é um critério
fundamental na hora de escolher uma mídia. Não adianta se esforçar para produzir um
comercial, por melhor que ele seja, se as pessoas não vão se lembrar da marca.
No cinema, essa questão é delicada. O telespectador quando vai co cinema, está se
predispondo a ver um filme pelo qual pagou. Sua atenção está voltada 100% para a projeção,
e mais do que isso, para a história que ali será contada. Por isso, a propaganda soa mais como
uma forma de se preparar para o filme que já vai começar, retendo a atenção do público.
A princípio, poderia se achar que muito mais da metade dos telespectadores se
lembrariam das propagandas do cinema, mas essa taxa, em média, não ultrapassa 50%. A
pesquisa Datafolha revela uma variação bem distinta entre as capitais São Paulo (56%), Rio
de Janeiro (42%), Curitiba (34%) e Recife (22%):
Lembram de propaganda
A pesquisa, feita em 10 cidades, mostrou uma média de 42% de recall. Ou seja, mais da metade dos telespectadores não se lembravam de propagandas do cinema nos últimos sete dias. Apesar de tudo, esse índice é considerado alto quando comparado a outras mídias que não dispõem desse superávit de atenção do cinema.
A cinepublicidade também está se desenvolvendo nesta área. Provavelmente em breve poderemos ver mais ações integradas de marketing, utilizando melhor os espaços publicitários dos cinemas, como os foyers, os televisores, as embalagens de pipoca etc. A sinergia entre as ações podem aumentar ainda mais este nível de recall e atrair mais anunciantes.
5. Conclusões
Pode-se perceber, então, que a cinepublicidade no Brasil ainda tem muito que amadurecer. O cenário é propício para o crescimento, basta conhecê-lo. São inúmeras vantagens de se anunciar no cinema e desvantagens que vem sendo superadas a cada instante.
Primeiramente, o cinema constitui uma mídia muito barata, com custo de menos de 100 reais por peça veiculada. Um atrativo para qualquer porte de anunciante;
Segundo, é uma mídia que dialoga amplamente com as classes A(23%), B(50%) e C(25%), em sua maioria de 15 a 39 anos - faixa etária de perfil consumidor;
Dispõe de um índice de recall avantajado sobre outras mídias, devido à atenção do público retida à tela do cinema;
É versátil quanto às formas de anunciar dentro do espaço físico do cinema. As salas multiplex detêm foyer, televisores, bombonière, projetores de última geração, possibilidade de implantar agentes, fazer intervenções etc;
A tecnologia vem se aprimorando, agora com possibilidade de anúncios em 3D, e veiculação de material em formato digital, dispensando película;
A penetração no público vem crescendo à medida que o cinema nacional vem se desenvolvendo. As obras nacionais vêm criando uma cultura cinematográfica no país jamais vista e valorizando o mercado brasileiro mundo afora.
A cinepublicidade pode se utilizar deste cenário com êxito e ainda contribuir para que o setor audiovisual cresça e se desenvolva com rentabilidade e tenha poder de competitividade
São Paulo
Rio de Janeiro
Curitiba
Recife
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
com mercados mundiais. Estamos longe ainda da lógica dos estúdios norte-americanos milionários, mas é clara a ascensão das nossas produções.
Considerando esse ritmo, não é improvável prever que nos próximos 20 anos o Brasil seja uma notável potência no setor audiovisual e tenha capacidade de bancar seus filmes com investimentos que não dependem dos cofres públicos.
¹Prime time do cinema: o equivalente ao horário nobre da TV -- sexta, a partir das 18h; e sábado e domingo o dia
inteiro. Alguns exibidores ainda incluem quarta, a partir das 18h.
²Transfer: Técnica para transformar um vídeo digital em película, seja ela em 8, 16 ou 35mm;
Copiagem: Técnica de cópia das películas;
Estas operações normalmente são feitas pelas produtoras ou pelos próprios exibidores, que cobram a parte pelo serviço – chamado de custo de produção.
³Auwe Digital: Esta empresa distribuidora de conteúdo inventou um sistema digital em rede que possibilita agilizar o processo, transmitindo dados via satélite, dispensando material físico e reduzindo custos.
Biliografia:
Datafolha e Kinomaxx. Hábitos e atitudes do usuário de cinema: 10 mercados. In: http://www.kinomaxx.com.br/site/admin/arquivos/midiakit/Habitos_e_Atitudes_do_Usuario_de_Cinema_(10%20mercados)_DatafolhaKinomaxx.pdf. Acessado em 17 de junho de 2011.
Filme B. Gráficos e tabelas do mercado de cinema. In: http://www.filmeb.com.br/portal/html/graficosetabelas.php. Acessado em 17 de junho de 2011.
Grupo de Mídia São Paulo. Mídia Dados 2010. In: http://www.gm.org.br/page/midia-dados. Acessado em 17 de junho de 2011.
Chiusoli Pesquisas. Recall. In: http://www.chiusoli.com.br/servicos/recall. Acessado em 17 de junho de 2011.
Abraplex. Dados Abraplex. In: http://www.abraplex.com.br/dados.html. Acessado em 17 de junho de 2011.
Abraplex. Mercado brasileiro. In: http://www.abraplex.com.br/mercado.html. Acessado em 17 de junho de 2011.
Circuito Digital. Tabela de preços. In: http://www.circuitodigital.com.br/tabela.php. Acessado em 17 de junho de 2011.
TAVARES, Flávia. A descoberta da Rain. In: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/15422_A+DESCOBERTA+DA+RAIN. Acessado em 17 de junho de 2011.