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ANO 4 10 outubro 2003 ÉTICA E VALORES NAS EMPRESAS: EM DIREÇÃO ÀS CORPORAÇÕES ÉTICAS por Victor Pinedo

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ANO 4 — Nº 10

outubro 2003

ÉTICA E VALORES NAS EMPRESAS:EM DIREÇÃO ÀS CORPORAÇÕES ÉTICAS

por Victor Pinedo

capa Reflexão 10 10/2/03, 10:533

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Instituto Ethos Reflexão é uma publicação doInstituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social,distribuída gratuitamente a seus associados.

A mesa-redonda Ética e Valores nas Empresas: em Direção às Corporações Éticas,transcrita neste documento, realizou-se em 11 de junho de 2003, durante aConferência Nacional 2003 — Empresas e Responsabilidade Social, do InstitutoEthos, no Novotel Center Norte, em São Paulo, SP.

Colaboradores do Instituto EthosBenjamin S. Gonçalves (coordenador), Carmen Weingrill,Leno F. Silva e Paulo Itacarambi

EdiçãoBenjamin S. Gonçalves e Célia Cassis

TraduçãoAlberto Bezerril e Martha Villac

RevisãoMárcia Melo

Projeto Gráfico e Edição de ArtePlaneta Terra Criação e Produção

Tiragem: 4 mil exemplares

São Paulo, outubro de 2003.

Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade SocialRua Francisco Leitão, 469, 14º. andar, Conj. 140705414-020 — São Paulo, SPTel.: (11) 3897-2400 — Fax: (11) 3897-2424Site: www.ethos.org.br

É permitida a reprodução desta publicação, desde que previamente autorizadapor escrito pelo Instituto Ethos.

Esclarecimentos importantes sobre as atividades do Instituto Ethos

1. O trabalho de orientação às empresas é voluntário, sem nenhuma cobrança ou remuneração.2. Não fazemos consultoria e não autorizamos nem credenciamos profissionais a oferecer qualquer tipo

de serviço em nosso nome.3. Não somos entidade certificadora de responsabilidade social nem fornecemos “selo” com essa função.4. Não permitimos que nenhuma empresa (associada ou não) ou qualquer outra entidade utilize a logomarca

do Instituto Ethos sem nosso consentimento prévio e expressa autorização por escrito.

Para esclarecer alguma dúvida ou nos consultar sobre as atividades de apoio do Instituto Ethos, contate-nos, por favor,pelo link Fale Conosco, do site www.ethos.org.br, no qual será possível identificar a área mais apropriada para atendê-lo.

Impresso em Reciclato — capa 180 g/m2, miolo 120 g/m2 — da Cia. Suzano, o offset brasileiro 100% reciclado.

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O movimento de responsabilidade social empresarial tem demonstrado de maneira inequívoca

os benefícios obtidos pelas empresas que adotaram uma gestão ética, transparente e comprometida

com a qualidade das relações que mantêm com o meio ambiente e com os vários públicos atingidos

por suas atividades. Mas como uma empresa pode tornar-se ética e transparente? Como enfrentar

os dilemas éticos no relacionamento com seus funcionários, clientes e consumidores, fornecedores,

concorrentes, a comunidade em que está inserida, os governantes e a sociedade em geral?

Para o consultor holandês Victor Pinedo, especialista em processos de transformação organizacional,

o caminho é o aprendizado constante: “O comportamento ético resulta do crescimento individual

e da maturidade. Há uma relação direta entre a evolução das empresas, a evolução

dos seres humanos, a evolução de valores e o surgimento da ética. (...) Pessoas imaturas

não podem ser éticas. Empresas imaturas tampouco. Elas podem trabalhar no sentido

de se tornarem éticas, mas não podem ser éticas sem amadurecer”.

Convidado a participar como palestrante da Conferência Nacional 2003 do Instituto Ethos,

cujo tema central foi Ética e Responsabilidade Social, Pinedo emprestou seu dinamismo

e sua vasta experiência à mesa-redonda denominada Ética e Valores nas Empresas: em Direção

às Corporações Éticas, realizada em 11 de junho e coordenada por Carlos Ribeiro, presidente

da HP Brasil, tendo como debatedores Celina Borges Torrealba Carpi, presidente-executiva da Libra,

Augusto Luís Rodrigues, diretor de Comunicação da CPFL Energia, e José Luciano Duarte Penido,

presidente da Samarco Mineração.

É a íntegra da brilhante palestra de Victor Pinedo e do debate que se seguiu que temos o prazer

de apresentar nesta edição de Instituto Ethos Reflexão. Nela, você vai observar a relação existente

entre a ética e a maturidade das pessoas e das empresas, as fases do processo de aprendizagem,

a importância da emoção e da confiança mútua entre dirigentes e funcionários e a transformação

a partir do envolvimento de todos com os valores da organização.

APRESENTAÇÃO

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lo “Em Direção às Corporações Éticas” porque penso queexistem muito poucas empresas realmente éticas no mundode hoje. Elas podem estar de fato evoluindo nessa direção,mas, até o momento, não creio ter encontrado nenhumacorporação que eu pudesse definir como ética.

Ética é um conjunto de valores. Quando dizemos queuma empresa ou uma pessoa é ética, nós nos referimos aosvalores que essa pessoa ou essa empresa possui. Se meus va-lores se encontram em determinado nível de desenvolvimen-to moral e minhas atitudes estão de acordo com eles, isso éética. É muito difícil dizer: “Eu quero ser ético, mas não pos-suo os valores corretos”.

Quanto a haver corporações realmente éticas... É pre-ciso dizer que ser “realmente ético” não significa ostentar

uma fachada, não pode ser algo exterior. Ética é algo queexiste internamente. Meus valores têm a ver com a maneiracomo sinto a vida. São o meu modo de viver. Também para aempresa, seus valores são o seu modo de vida. Meus valoresverdadeiros formam minha visão de mundo, e eu não possoapenas agir como se fosse ético. Ou sou ético, ou não sou.Uma mulher nunca pode estar meio grávida. Ou está grávi-da, ou não está.

Devemos seguir na direção de uma sociedade ética,caso contrário teremos problemas. Nesta palestra, tentareimostrar a vocês que, se as empresas realmente quiseremmudar, elas podem. Há um ditado que diz: “Se eu quiserprovocar mudanças, tenho de começar por mim”. Se as em-presas não trabalharem no sentido de ser éticas interna-mente, não haverá nenhuma possibilidade de se tornareméticas externamente.

ÉTICA E VALORES NAS EMPRESAS:EM DIREÇÃO ÀS CORPORAÇÕES ÉTICAS

Por Victor Pinedo

Palestra proferida em 11 de junho de 2003, na Conferência Nacional 2003 —Empresas e Responsabilidade Social, promovida pelo Instituto Ethos, em São Paulo.

O título original desta palestra era apenas “Ética e Valo-res nas Empresas”, mas resolvi acrescentar o subtítu-

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Um conto de duas éticasQuando preparava esta palestra, encontrei uma histó-

ria que falava sobre duas éticas. Em certo trecho, o autordizia: “Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos; eraa idade da razão, era a idade da estupidez; era a primaverada esperança, era o inverno do desespero; tínhamos tudo ànossa frente, não tínhamos nada à nossa frente...” Não lhesparece uma boa descrição de como estamos vivendo essesanos todos no que se refere à ética? De um lado, temos orga-nizações como o Instituto Ethos, que trabalham em direçãoà ética. De outro, encontramos atitudes antiéticas ocorren-do no mundo todo.

A citação é de Charles Dickens, em Um Conto de DuasCidades. E sabem a que esse livro se refere? À Revolução Fran-cesa, aos dez anos que a antecederam. Penso que a Revolu-ção Francesa causou mudanças fundamentais no mundo dotrabalho. Conceitos como liberdade, igualdade, fraternidadee justiça surgiram com ela. E acredito que a discussão quehoje acontece no mundo — antiético versus ético — vai aca-bar por nos conduzir a um mundo novo. Pergunto: pode-mos fazer essa mudança de um modo menos sangrento quea Revolução Francesa? Podemos garantir que não haverá obanho de sangue que houve no passado? Creio que a respos-ta seja “sim, podemos”, mas depende também do que asempresas decidam fazer sobre isso.

Valor elitista e osescândalos corporativos

A respeito de corporações e do que ocorre com elas, seanalisarmos a questão pelo lado sombrio, veremos um tem-po de confusão e desespero, com freqüentes indiciamentosde executivos. Nos Estados Unidos, onde moro, vê-se issotodos os dias — demissões em massa, fundos de pensão vi-rando pó... Toda aquela gente que trabalhou e economizoua vida inteira sendo prejudicada pelo comportamento

antiético de determinadas pessoas que, da cúpula das em-presas, simplesmente dizem: “Pois é... que pena”.

O que chamo de “valor elitista”, que discutirei maisadiante, considera que algumas pessoas são melhores do queoutras. É um tipo de valor como o que envolveu alguns altosexecutivos da Enron, que pensavam: “Podemos fazer o quequisermos, e que se danem os outros”.

O que empresas como a General Electric, a Tyco,a WorldCom e a Royal Ahold têm em comum? Todas vive-ram escândalos corporativos. E todas eram supostamenteéticas. Quando se falava na Arthur Andersen, pensava-senuma empresa exemplar em termos de ética. As pessoas aolhavam com respeito. Um de meus sócios trabalhou naAndersen e sentia orgulho por estar ali. Se alguém lhe per-guntar como se sente hoje, não creio que se sinta tão orgu-lhoso. Pois bem, pretendo lhes mostrar como empresas quecontavam com pessoas extraordinárias acabaram caindo numcomportamento antiético.

Incluí na lista a Royal Ahold porque seu presidente émeu amigo, freqüentávamos a mesma escola, passamos mui-tas tardes juntos tomando nosso drinque e discutindo a res-peito de tudo. E vejam o que aconteceu à Ahold1. O fato deque empresas consideradas éticas possam estar mergulha-das em graves problemas me parece muito preocupante.

Por outro lado, vivemos um tempo de esperança, por-que muitas associações empresariais debatem a importân-cia da ética. Dez anos atrás, não existia o Instituto Ethos,por exemplo, e ninguém falava sobre responsabilidade soci-al. Hoje, o Conference Board 2 discute o assunto, assim comoo Institute for Social and Ethical Accountability (Isea). Nasbolsas de valores, o índice da Dow Jones já leva em conta asustentabilidade das empresas e a Nasdaq propõe regras quecontemplem a ética3. No Brasil, organizações como o Ethose o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC)têm desenvolvido inúmeros e importantes programas e pro-tocolos para a promoção de comportamentos éticos nasempresas.

Por que testemunhamos tamanho aumento nos com-portamentos antiéticos quando há tanto trabalho sendo reali-zado para promover a ética? Por que essas tentativas nãofuncionam ou não dão totalmente certo? (Se bem que ofato de haver setecentas pessoas assistindo a esta palestra já

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demonstra que algo está funcionando.) A razão disso é queainda não compreendemos totalmente a relação entre valo-res e ética de uma maneira evolutiva!

Estou tentando demonstrar a vocês que há uma rela-ção direta entre a evolução das empresas, a evolução dosseres humanos, a evolução de valores e o surgimento daética. Além disso, as estratégias que temos usado não sãocorretas. Não são suficientes. Satisfazem, mas não otimizam.É grande e bonita a publicidade de como somos éticos —códigos de ética, balanços sociais, workshops de conscien-tização, campanhas publicitárias, projetos sociais, trabalhospara a comunidade etc. São atitudes boas, mas definitiva-mente não bastam.

Tudo começou em CuraçaoHouve um tempo, trinta anos atrás, no qual eu vivia

tranqüilo em Curaçao, Antilhas Holandesas, minha terranatal. Graduado em psicologia e a caminho de meu Ph.D.em administração de empresas, eu era responsável peladireção geral do grupo de empresas de minha família —uma engarrafadora da Coca-Cola, fábricas de sorvetes,saponáceos, produtos de chocolate e laticínios, uma com-panhia de transportes marítimos, outra de catering e negó-cios diversos. Eu era também vice-presidente da Câmara deComércio e Indústria de meu país e governador do LionsClub para o Caribe e o Norte da América do Sul. Vivia numlocal paradisíaco, gostava muito do que fazia, tinha a vidatoda à minha frente e via imenso sentido no meu modelode mundo.

Num dia de maio de 1969, porém, esse mundo desmo-ronou. Durante uma série de tumultos iniciados após mani-festações populares de protesto, as mais importantes edi-ficações empresariais do meu país foram incendiadas empoucas horas.

Uma grande empresa de petróleo decidira despedirdois mil trabalhadores de sua refinaria local, numa ação dedownsizing e terceirização combinados, oferecendo-lhesrecolocação terceirizada, mas com salários mais baixos.

Descontentes, os operários fizeram um piquete em frenteà refinaria, marchando ao anoitecer para a cidade, comtochas acesas e faixas de protesto. A caminho, estimuladospela espontânea adesão de populares que assistiam à passea-ta, invadiram e saquearam lojas, supermercados, e come-çaram a beber, incitando-se ainda mais. Por fim, já pertodo prédio da prefeitura de Willemstad, que era o objetivofinal da manifestação, um policial nervoso baleou um doslíderes e com isso ateou o estopim de uma revoltaenlouquecida.

Essa experiência mudou todo o curso de minha vida— acreditem! Ao mirar do alto de uma colina a cidade emchamas, sob toque de recolher, relembrei, com o coraçãoem agonia, as expressões de ódio entrevistas na populaçãoenraivecida e pude intuir a existência de algo fundamental-mente errado nas próprias bases do tipo de estrutura sociale corporativa que erigíramos em Curaçao.

Na época eu era um ativo líder empresarial e fiqueiestarrecido, pois meu mundo, aquele pequeno mundo, foraarrasado! As propriedades de minha família haviam sido pou-padas, provavelmente por meu intenso envolvimento pesso-al em atividades locais de valorização social. Mas era precisoajudar a reconstruir a economia nacional, fortemente base-ada em turismo (o que nos custou mais de vinte anos segui-dos), e, sobretudo, compreender o que havia ocorrido e oque se mostrava tão essencialmente inadequado em nossasociedade.

Após um longo período de pesquisa e análise no Insti-tuto Antillano de Ciencias Sociales — criado pela comuni-dade de empresários locais — e na Fundashon Humanas —entidade de estudos sociais e administrativos que, na esteirados acontecimentos, fundei e dirigi por anos, primeiro emCuraçao e depois em Caracas, na Venezuela —, eu e meusprincipais colaboradores pudemos trabalhar com os líderesda rebelião e compreender que a causa de tudo, muito alémde insatisfação com salários, faixa de renda ou condições detrabalho, eram a raiva e a frustração acumuladas muitoprofundamente na população por uma estrutura demasia-damente hierarquizada mantida na sociedade — e tambémnas empresas, as quais exerciam, naquele pequeno país, umpapel fundamental sobre todos os estratos da cultura local(o que, aliás, ocorre hoje em todo o mundo).

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A relação entre ética eníveis de maturidade

Nossos estudos também nos levaram a descobrir algomuito interessante. Demonstraram que o comportamentoético é resultado de crescimento individual e maturidade.Pessoas imaturas não podem ser éticas. Empresas imaturastampouco. Elas podem trabalhar no sentido de se tornareméticas, mas não podem ser éticas sem amadurecer.

E como adquirir maturidade? Maturidade e, conse-qüentemente, comportamento ético não podem ser apren-didos por métodos tradicionais. Não podem ser introduzi-dos por meio de treinamentos ou manuais de políticas e pro-cedimentos — que são necessários, de fato, mas apenas comoparte de algo muito maior.

Tentemos entender a ética ou a maturidade pela com-preensão do desenvolvimento moral. Estudos realizados pelaUniversidade Harvard a respeito de como o nível de maturi-dade influencia o comportamento corporativo concluíramque empresas éticas e maduras apresentam um desempenho160% melhor que as menos éticas.

Nossos estudos já demonstraram que indivíduos maismaduros tendem a obter mais sucesso nas empresas. Estu-dos sobre a Shell indicaram que as pessoas maduras possuem,em grau elevado, o que a empresa costumava chamar de “po-tencial máximo” — índice que media o potencial de desen-volvimento de determinado indivíduo dentro da organiza-ção — ou “visão de helicóptero” — forma pela qual a Shelldescrevia a visão global, ou a habilidade de ver o todo. Ouseja, pessoas maduras conseguem pensar de modo sistêmico,o que não acontece com as imaturas.

Estágios dedesenvolvimento moral

O psicólogo americano Lawrence Kohlberg constatouque há seis estágios de desenvolvimento moral, divididos emtrês grupos: o pré-moral, ou pré-convencional; o convencio-nal; e o pós-convencional, ou baseado em princípios. Vouexplicá-los e vocês irão perceber que uma série de questõesque o Instituto Ethos vem discutindo tem a ver com os está-gios mais altos de desenvolvimento.

PRÉ-MORAL, OU PRÉ-CONVENCIONAL

Estágio 1Castigo e obediência

Estágio 2Troca instrumental

CONVENCIONAL

Estágio 3Conformidade interpessoal

Estágio 4Lei e ordem

PÓS-CONVENCIONAL,

OU BASEADO EM PRINCÍPIOS

Estágio 5Direitos básicos e contrato social

Estágio 6Ética e princípios universais

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No Estágio 1, o castigo e a obediência determinam ocomportamento: meu sistema de valores e minha auto-percepção são tais que minhas atitudes dependem de eu sercastigado ou não. Não avanço o sinal vermelho porque te-nho medo de ser flagrado por um policial. Mas, às 3 da ma-drugada, se não houver ninguém por perto, eu avanço, poisnão haverá nenhum castigo.

O Estágio 2 é a troca instrumental: os indivíduos per-seguem seus próprios interesses e deixam os outros fazeremo mesmo. O que é correto envolve uma troca por igual. É afilosofia do uma-mão-lava-a-outra, ou do “jeitinho”, como secostuma dizer no Brasil.

No Estágio 3, evoluímos para a conformidadeinterpessoal. As pessoas valorizam, confiam, cuidam e sãoleais a quem é do próprio grupo. Nós, desta empresa, somosbons, e eles são maus. Vejamos a política externa, ultima-mente: “Ou você está do nosso lado, ou está contra nós”. Jáouviram esta declaração em algum lugar? É um processo in-teressante, que conduz à crença de que quem é bom para onosso grupo é que é bom de fato; os outros, que estão láfora, são maus, não fazem parte de nós. Aquela religião láfunciona para eles, aquela empresa está dando certo lá paraeles, mas “nós” somos bons. Assim, se você pertence ao meugrupo, você é ético.

Então caminhamos para o Estágio 4, que é lei e or-dem: os julgamentos morais são baseados na ordem social,nas leis, na justiça e no dever. Nesse estágio realmente co-meçamos a acreditar que a lei, a ordem social, a justiça eoutros valores são reais, são parte do gênero humano. Aqui,começamos a compreender que há uma ordem social e leisnas quais precisamos acreditar. Percebemos que isso vemocorrendo em muitos países.

Conforme vamos evoluindo, entendemos que valores,direitos e princípios formam a base das leis e as transcen-dem. No Estágio 5, começamos a desenvolver a idéia de quevalores são algo universal, que os conceitos de certo e erra-do não foram definidos para controlar a sociedade, mas sãoinatos. Por isso afirmei que pessoas imaturas não podem agirde modo ético e que, potencialmente, todos nós podemosevoluir para um comportamento mais ético e mais madurocom o tempo e com muito trabalho.

No Estágio 6, o indivíduo age movido por princípiosuniversais baseados na igualdade e no valor da vida humana.

Se vocês realmente analisarem esses estágios, poderãonotar os diferentes modos de as pessoas acreditarem na vida.E de fato creio que, a menos que estejamos nos estágios 4, 5ou 6 de nossas próprias crenças, dificilmente seremos éti-cos. Você pode representar, ostentar uma fachada. Pode se-guir as regras, os padrões. Mas isso tem de vir do seu interi-or. É preciso sentir. Eu paro no sinal vermelho não porquetenho medo da polícia, não porque temo o que as pessoasdirão a meu respeito. (Em Seattle, onde eu morava, se al-guém visse você avançar um sinal vermelho chamava a polí-cia.) Mas eu paro no sinal vermelho porque tenho consciên-cia de que algum ser humano pode estar vindo no outrosentido e, se eu não o fizer, poderei causar um acidente ematar essa pessoa. É um modo muito diferente de pensar doque simplesmente seguir as regras. É fruto de uma convic-ção, fruto da maturidade.

Os princípios dodesenvolvimento moral

De acordo com a mesma teoria, o desenvolvimentomoral obedece a determinados princípios. Vejamos quaissão eles:

• O desenvolvimento por estágios é invariável. Nãose pode pular do Estágio 1 para o Estágio 6. Ou seja,é preciso evoluir ao longo de todos eles, porque emcada fase de desenvolvimento adquirimos traçosnovos de caráter, tanto como pessoas quanto comoempresas. Não é possível saltar estágios. Contudo,percebo tentativas frustradas de fazê-lo. Há muitaspessoas tentando “falar a linguagem” do Estágio 6quando ainda estão imaturas, e acabam tendo mui-to do comportamento hippie do meu tempo, quan-do se dizia: “Vamos matar em nome da paz!”

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• Não podemos compreender o raciocínio moral queocorre além do próximo estágio, ou mais de umnível acima daquele em que nos encontramos. É mui-to importante compreender este conceito, porque,se você discute ética num nível mais elevado — e jáhá muita literatura produzida por pessoas quepensaram sobre a ética, o que é ético, a necessida-de de transparência, de estar aberto, de aprendera se comunicar etc. —, quem estiver numa fasemuito menos elevada irá interpretar tudo de for-ma bastante diferente. Fizemos estudos nesse sen-tido, tentando acompanhar a compreensão dessaspessoas e ver até onde isso as levava. Suas reaçõese seu comportamento foram bem distintos da in-tenção dos filósofos que falaram sobre comoaquele comportamento ético deveria ser.

• Os indivíduos são cognitivamente atraídos porraciocínios um estágio acima do nível em quese encontram. Normalmente as pessoas tendema querer crescer. Eu reconheço o comportamentoque é um pouco melhor que o meu e quero metornar assim. O perigo está no fato de que tam-bém gosto de permanecer onde estou, principal-mente quando estou no nível de conformidadeinterpessoal. Não quero evoluir e me expandir paraalém do meu grupo.

Como o desenvolvimento moral se relaciona com o desenvolvimento do ego

ESTÁGIO MORAL ESTÁGIO DO EGO

Castigo e obediência ........................................................... Impulsivo

Troca instrumental ............................................ Autoprotetor/Oportunista

Conformidade interpessoal .................................................. Conformista

Lei e ordem ...................................................................Consciente

Direitos básicos e contrato social .............................................. Autônomo

Ética e princípios universais ................................... Interdependente/Integrado

• A evolução de um estágio para outro se verifica quan-do é criado um desequilíbrio cognitivo ou emocio-nal. Isso ocorre quando nossa interpretação da vidajá não é adequada para a solução de determinadodilema moral.

É perfeitamente possível para um ser humano ser fisi-camente maduro e moralmente imaturo. Eu posso ter 60anos e ser muito imaturo. Em nossos estudos, além dos está-gios morais das pessoas, utilizávamos outros instrumentosde avaliação que permitiam medir os estágios de desenvolvi-mento do ego. Esse trabalho foi baseado na teoria da psi-cóloga americana Jane Loevinger, que defendia a idéiade que as pessoas podem parar de se desenvolver emo-cionamente num determinado estágio. Por exemplo, pes-soas que estancaram no estágio impulsivo (conforme defini-ção de Loevinger) sempre agirão impulsivamente. Você nun-ca saberá o que esperar delas hoje ou amanhã. Um dia vêmtrabalhar, no dia seguinte faltam... Não se pode contar comelas, pois são realmente impulsivas. Interromperam seu de-senvolvimento naquela fase e assumiram o comportamentomoral correspondente.

Já as pessoas que pararam no estágio autoprotetor agemcomo se pensassem o tempo todo: “Tenho de me proteger”.Parecem caminhar pela empresa com as mãos cobrindo otraseiro, como para se prevenir contra o inimigo e pegá-loantes de serem pegas.

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Aqui entra outro aspecto que nos ajuda a compreendera questão. É importante notar que, à medida que amadure-cem, as pessoas evoluem da sensação de “criaturas” e come-çam a se tornar “criadoras”. Num primeiro momento, com-portam-se simplesmente como criaturas: tudo tem de ser pe-dido ao chefe, ao “Papai do Céu”, ao “superior”, ao presiden-te, ao governo, a quem estiver no poder. À medida que cres-ce, o indivíduo evolui no sentido de tornar-se um criador;começa a emergir nele a sensação de que pode criar qual-quer coisa que deseje. E a ética começa a evoluir num nívelmais alto: “Agora sinto que faço parte da criação, faço partedos que desenvolvem o futuro, faço parte do universo”.

Em minha opinião, a empresa do futuro vai estar fun-damentada no modelo do DNA, um modelo orgânico. Asempresas deveriam mesmo ser como seres humanos saudá-veis, funcionando organicamente. Hoje, a maioria delas setornou rígida e mecânica, devido ao sistema de valores hie-rárquicos de poder, os tais “valores elitistas”. Não importaquantos grupos de qualidade elas organizem nem quantaadministração participativa digam praticar. Se há um siste-ma de valores elitista, não existe empresa orgânica. O queexiste é uma empresa mecânica.

E como mudar isso? Criando uma organização nova,eis a resposta. No livro que acabo de publicar 4, falo sobre aarquitetura organizacional, que significa pegar um pedaçode papel em branco e rearquitetar a empresa do zero.

Os que estacionaram no nível descrito por Loevingercomo conformista são aqueles que simplesmente se resignama determinados padrões e regras, o que me parece algo muitoperigoso, sobre o qual gostaria que vocês refletissem. Há pes-soas que se conformam com as regras estabelecidas não por-que acreditem realmente nelas, mas porque alguém lhes dis-se que é assim que deve ser. Essas pessoas passam então a criarum status quo, e seu comportamento conformista arranja ummodo de mantê-lo para sempre. Mas, como alguém disse an-tes, é preciso ir além do status quo.

Aliás, um dos valores mais perigosos do pensamentoconformista — que está entre os que eu chamo de “valoresda elite” — é essa verdadeira crença de que algumas pessoasou alguns países são, por definição, melhores que os outros.Creio ser esse um dos maiores problemas que o nosso mun-do enfrenta hoje.

Na maioria das empresas acredita-se realmente que osque estão na cúpula são melhores que os outros. Olhem parao escritório dos presidentes. Normalmente eles ocupam umandar inteiro! Numa das empresas em que trabalhei, apenascinco diretores-executivos e suas secretárias ocupavam toda acobertura do edifício, que era o 11º andar, onde garçons comelegantes ternos pretos serviam o cafezinho em xícaras comborda dourada. O 9º andar tinha o mesmo espaço, mas eraocupado por todos os diretores operacionais. Lá os garçonsusavam blazer marrom e a borda das xícaras do cafezinho eraprateada. No 7º andar, o café era servido em xícaras comuns,por moças de avental. No 4º andar, os próprios funcionáriostinham de servir-se naquelas máquinas de café — e em coposde plástico, daqueles difíceis de puxar. Quando se chegava ao1º andar, não havia café nenhum, e sim centenas de pessoasocupando o mesmo espaço.

Isso mostra que alguém naquela empresa realmenteacreditava que esse é o modo “justo” de organizar as coisas,porque “eu sou muito melhor e, portanto, preciso de muitomais espaço”. O mais interessante desse “valor elitista” é queele não permite que as pessoas cresçam e não deixa que asempresas amadureçam. Esse comportamento imaturo eantiético é perpetuado ad eternum.

Níveis de Consciência

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As fases do processo deaprendizagem e aimportância da emoção

Penso que pela emoção também se aprende. Tenhoum filho de 13 anos. Quando ele era menor, eu lhe dizia:“Victor, não brinque com fósforos. Eles queimam”. Mas umdia ele resolveu acender um fósforo e pensou: “Não vejo nadaerrado. Fogo brilha, é bonito. Papai deve estar maluco”. En-tão ele tocou o fósforo aceso: “Ai!” Naquele momento, sen-tiu dor e começou a refletir e a incorporar o conhecimentoem si mesmo.

Penso que muito desse conhecimento é herdado dopassado, de nossa herança genética. A pessoa que se queimacom um fósforo faz generalizações, correlações — fogo, in-cêndio, dor —, e isso começa a se tornar significativo paraela. Daquele momento em diante, ela sabe: “Brincar comfósforos significa que posso me queimar, significa que vai

As Cinco Fases do Aprendizado

Alguns princípios podem nos guiar para uma ética maiselevada. Vou falar sobre algo chamado “ciclo de aprendiza-gem/crescimento”. Acredito que o caminho para a maturi-dade pessoal e organizacional e para um comportamentomais ético seja o crescimento por meio da aprendizagem.

Um dos problemas que temos com o aprendizado éque estamos muito acostumados com o tipo eu-falo-e-

doer”. É um processo in-teressante de criação designificado.

Aprender realmen-te significa passar por to-das as cinco fases doaprendizado. Muitas em-presas pensam que po-dem colocar uma barrei-ra entre as fases e dizer:“Não passem para o ou-tro lado”. Nas empresascom as quais trabalho,faço questão de que aspessoas falem todos osdias sobre o que sentiramem relação ao dia ante-rior. E todos os dias que-ro que reflitam sobre oque isso significou paraelas. Todos os dias queroconverter esse conheci-mento em novo significa-do, em nova vida, em no-vos modos de agir na

vocês-me-escutam. Isso éaprendizagem cognitiva,é entendimento. Poderiachamá-la de “conceitual”.Tudo o que digo nestemomento é conceitual, enão experimental. Vocêsaprendem todas essas coi-sas, vão para casa e aspõem em prática. Isso éexecutar, é fazer expe-riência. Mas geralmentenós deixamos algo defora, e penso que a maio-ria das empresas trabalhaapenas com esses doisconceitos, o de concei-tualização abstrata e o deexperimentação ativa.Isso ocorre porque somosorientados — na escola,muitas vezes — a não to-car numa outra parte,que é experiência concre-ta: a emoção.

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companhia. Para quemachava que essa forma deaprendizado só serviapara pessoas, eu mostroque serve também para asempresas.

A questão é que osalunos nunca vão crescerse o mestre utilizar ape-nas o que eu chamo de“método engula-e-cuspa”— vocês engolem o queestou lhes transmitindo,em seguida eu aplicouma prova pedindo quecuspam tudo de voltapara mim e faço minhaavaliação. O crescimentode cada indivíduo ou de

Lembro-me de que,anos atrás, quando euestava embarcando parao Brasil, alguém me aler-tou: “Não é possível fazernenhum planejamentonaquele país, porquenunca se sabe o que vaiacontecer com o governoou o que vai acontecercom o dinheiro”. Quan-do o Plano Real foi cria-do, muita gente aindapensava assim. Não estoudizendo que não há pro-blemas. Há muito a sersolucionado, há muitodescontentamento. Mastenho observado grandes

cada empresa só poderá acontecer quando esse indivíduoou essa empresa assumirem a responsabilidade pela própriavida. Alguém só pode tornar-se ético se começar a descobrirquem ele realmente é.

Confiança mútua: osentimento de ser criador

Para mim, uma organização madura, uma organizaçãoética, é aquela na qual as pessoas se sentem confiantes. E oque é sentir-se confiante? Significa que elas confiam umasnas outras e em si mesmas, certo? Mas para mim significamuito mais. Significa que elas perceberam que são criado-ras, que dão conta do recado e que juntas podem criar ofuturo que quiserem.

avanços. Não ouço mais tantos brasileiros dizendo: “Não po-demos fazer isso”. O que eles perguntam uns aos outros é:“Como deveríamos fazer isso?” E se sentem à vontade paradiscordar da maneira como a coisa foi feita. Portanto, umdos aspectos do amadurecimento é este: “Nós temos con-fiança”. Cada indivíduo em sua empresa deveria ser umcriador. Será que em nossa empresa estamos sentindo quesomos criadores, que podemos criar o futuro?

Em geral não conhecemos o rico potencial que há naempresa, o que é incrível! Todos se lembram do confiscomonetário no governo Collor, um dos choques pelos quaispassaram. Sabem quem foi o único sujeito no Brasil que con-seguiu tirar todo o seu dinheiro do banco antes de tudo acon-tecer, e que eu conhecia naquele momento? O motorista deuma grande empresa! Então, eu lhe perguntei: “Raimundo,como foi isso?” E ele me disse: “Eu costumava levar algunsministros que vinham visitar meu chefe e, no caminho de idae de volta, eles comentavam sobre o que estava para aconte-cer. E eu só ouvindo”. Para mim, há muita sabedoria nisso...

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Compromisso pessoal com opropósito e os valores daorganização

Uma empresa é formada por seus valores. Uma em-presa é o conjunto de seu propósito e de seus valores. E épor isso que ela é como um ser humano. Cada ser humanotem um propósito na vida e um conjunto de crenças que oguiam. Acredito muito que as pessoas vêm às empresas ba-seadas em suas crenças — e isso é demonstrado pelos estu-dos que realizamos. Um exemplo: eu morava em Seattle e iaao aeroporto com muita freqüência. Enquanto aguardava ocheck-in, costumava observar o trabalho dos funcionários nosbalcões das empresas. Pois, ainda que as placas das empre-sas fossem retiradas de lá e os funcionários não usassem uni-forme, eu saberia dizer que empresa era qual. Os funcio-nários da empresa X estavam sempre atentos, alinhados,ombros erguidos, enquanto os da empresa Y pouco sepreocupavam com a postura. Isso ocorre porque as empre-sas atraem pessoas afinadas com seus valores e propósitos.E os profissionais vão trabalhar em determinada empresa, enão em outra, porque intuem seus propósitos e valores.E muitos vão embora quando descobrem que os verdadei-ros valores da empresa não eram os que estavam expostos,aqueles belos valores do quadro pendurado na parede.

Passei meses trabalhando com empresas naquilo quechamam de “antropologia organizacional”, e que eu chamode “descoberta”, isto é, a descoberta dos valores. Vamos des-cobrir quais são os verdadeiros valores de determinada em-presa, as verdadeiras crenças que a guiam e seus verdadeirospropósitos. Então, eu peço a todos naquela empresa parapensar em seus propósitos e valores, porque o maior com-promisso que você pode obter numa empresa é que seuspropósitos e seus valores sejam os mesmos de quem estivertrabalhando nela. No momento da fundação, isso geralmenteocorre, porque os propósitos e valores do fundador e os daempresa são os mesmos. Normalmente, o problema é comoaplicar isso no mundo de hoje, na era do até-que-enfim-é-sexta-feira.

Na empresa em que eu trabalhava quando estive noBrasil pela primeira vez, quando o relógio marcava 16h55todas as pessoas se levantavam e começavam a pegar suascoisas. Como a saída era às 17 horas, pensei que fosse umamania brasileira. Mas sabem por que isso ocorria? É que to-dos queriam estar prontos para correr para o elevador e daro fora dali o quanto antes.

Co-criação do nosso futuroO interessante é que, se formos atrás dessas pessoas,

veremos que são criativas, que estão fazendo coisas interes-santes fora da empresa, em sua comunidade, nas ONGs...Mas como podemos criar algo em que os funcionários sesintam realmente envolvidos por inteiro? Se começarem avivenciar seus propósitos e valores, eles vão crescer. Portan-to, as empresas deveriam ser absolutamente claras na defini-ção de seus rumos, em conjunto com as pessoas. Para ondequeremos ir? Até onde queremos chegar? Essa “visão” — aexpressão de um plano de ação de propósitos e valores e deum objetivo — é muito importante. Uma visão realmenteboa vai lhe mostrar que, se vivenciar seus propósitos e valo-res no grau mais alto, é possível chegar lá.

Apreendendo eamadurecendo em direçãoà visão da empresa

A empresa precisa ter internamente a certeza de que háuma conexão entre o ponto em que está e aquele a que pre-tende chegar. Consciente disso, precisa converter sua energiaem ações que vão levá-la de onde está ao ponto que quer atin-gir. Assim, toda e qualquer ação na organização deve ocorrervisando alcançar seu objetivo. Se os valores forem trabalha-

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dos corretamente, essas ações devem ocorrer buscando umcomportamento bastante ético, tanto dentro da própria em-presa quanto com os fornecedores, clientes, cada um dos par-ceiros. Devemos nos comunicar internamente sobre nossasações, se estamos agindo bem e principalmente quando algonão saiu como deveria. Se nos saímos bem, devemos come-morar nosso sucesso e, quando algo dá errado, devemos cor-rigir nossa rota. É preciso achar formas de aprender a crescer.

E vocês sabem o que acontece com organizações real-mente éticas? Elas acabam se tornando carinhosas e cuidado-sas. Os funcionários passam a cuidar melhor de si mesmos edos colegas e acabam cuidando melhor também dos clientes,dos fornecedores etc. E assim fecham o ciclo que leva umaorganização a ser verdadeiramente orgânica e integrada.

Uma organização ética é portanto uma organizaçãointegrada, na qual vivenciamos no mais alto grau nossos va-lores mais profundos e nos movemos na direção de nossospropósitos. A maioria das empresas não sabe qual é seu ver-dadeiro propósito. Hoje, a maioria delas tem nas paredesbelas declarações sobre missão e valores que não passam deimpressos que alguma empresa de consultoria lhes vendeu.

Uma vez fiz esta experiência: visitei várias empresas elevei a todas elas a mesma declaração de missão, o mesmopropósito e o mesmo conjunto de valores. Apenas os impri-mi em folhas com o timbre de cada uma delas. Cheguei aosmais altos diretores e perguntei: “É este seu propósito, é estasua missão?” E todos disseram: “Sim”. O interessante é queaquelas definições não diziam nada, não expressavam a iden-tidade de nenhuma daquelas organizações.

Não basta fazer,é preciso ser

É possível criar um espírito tal na empresa que a torneum local repleto de criadores, onde as pessoas sejam éticas,exatamente o oposto daquele sistema de crenças mecanicistasque mantém as pessoas imaturas? Vale lembrar que durantea Revolução Francesa todos acreditavam ser os representan-

tes de Deus. Deus estava no topo. Abaixo dele vinha o rei,seguido pelo vice-rei. Logo depois estavam o príncipe e ovice-príncipe, e lá embaixo estavam os que não tinham títu-lo nenhum, os plebeus, nossos peões de hoje.

No mundo atual, continuamos exatamente da mesmaforma, somente mudamos um pouco os títulos: temos o pre-sidente, o vice-presidente... e, se visitarmos qualquer banco,veremos o vice-presidente-adjunto, e o adjunto do vice-pre-sidente-adjunto, e o adjunto do adjunto do vice-presidente-adjunto, e daí por diante. E todo mundo deve ter um título,porque é assim que eles se sentem com status.

Na verdade, no modo de pensar da elite, a maneira devocê se tornar alguém não é crescendo, mas pisando em outrapessoa. Pensem na escalada profissional dentro de uma em-presa tradicional e tentem visualizar aquelas pessoas todastentando galgar a um novo degrau na hierarquia. Sabem oque elas fazem para subir? Simplesmente pisam em quemvem atrás delas.

Lembrei-me também de um jogo infantil formado porvárias engrenagens. Quando se gira a maior delas para umlado, a segunda, um pouco menor, gira na direção oposta,fazendo girar em outra direção uma terceira engrenagem, ain-da menor, que faz girar a próxima e assim por diante. Quantomais baixo estiver a engrenagem na pirâmide, mais voltas dará.Quando a do topo gira 360 graus, as últimas chegam a darcem voltas! Agora, observem o modelo de liderança tra-dicional. O executivo que está no topo da “pirâmide orga-nizacional” vai a uma conferência, ouve algo novo, volta e diz:“Ei, agora vamos por aqui”. No ano seguinte, ele vai a outraconferência, ouve uma idéia melhor e resolve dar uma guina-da para a nova direção. No outro ano, lá vai ele novamente, eé outra guinada. Pensem em quem está nos últimos escalõesda empresa, lá embaixo. O que acontece quando um sujeitofica dando guinadas e girando sem parar? Ele fica tonto. E,quando fica tonto, liga o piloto automático.

“Até que enfim é sexta-feira! Deixem-me cair fora da-qui! São cinco horas!” Assim, tudo o que criamos é, infeliz-mente, um mundo com um monte desses peões girando empiloto automático lá embaixo. Girando, girando como lou-cos... E vem aquele executivo lá do topo e diz: “Vamos todosem frente!” Vocês sabem o que eles lhe respondem? “Dane-se! Vá para o inferno!”

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É isso o que estamos tentando mudar, e é esta a pri-meira mensagem que quero deixar para vocês: está nas mãosdos líderes parar de fazer racionalizações de valores e estru-turas que levam a crer que algumas pessoas são melhoresque outras, bloqueando seu amadurecimento. E estamos tãoacostumados a isso! Em segundo lugar, penso que, na condi-ção de líderes, temos de encarnar os valores que assumimos.Você não pode simplesmente representar um papel, vocêtem de ser o que diz ser.

Temos de enraizar a cultura ética nos processos básicosda empresa e nos tornar responsáveis pelo crescimento eamadurecimento de todos em nossas empresas. Você está

diante de uma escolha: assegurar lucratividade, sustenta-bilidade e uma empresa mais ética, numa sociedade maisética, ou manter os sistemas a que estamos tão acostumadose sofrer outra revolução!

É preciso lembrar que estamos vivendo um “conto deduas éticas”: “Era o melhor dos tempos, era o pior dos tem-pos; era a idade da razão, era a idade da estupidez; era a pri-mavera da esperança, era o inverno do desespero; tínhamostudo à nossa frente, não tínhamos nada à nossa frente...”

Há um mundo de coisas boas à nossa frente, paratodos nós. Obrigado.

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Para debater com o empresário Walter Pinedo foram convida-dos o presidente da HP Brasil, Carlos Ribeiro (coordenador), CelinaBorges Torrealba Carpi, diretora-vice-presidente-executiva da LibraAdministração e Participações, José Luciano Duarte Penido, diretor-presidente da Samarco, e Augusto Luís Rodrigues, diretor de Comu-nicação Empresarial e Relações Institucionais da CPFL Energia.

Carlos Ribeiro — Uma empresa é o reflexo do estágioem que cada funcionário se encontra, da forma de pensarde suas lideranças, e seu nível de maturidade reflete o nívelde maturidade de seus funcionários — que nunca é homo-gêneo. Você afirma que precisamos fazê-los evoluir e que sedeve evoluir passo a passo. Quando você se dirige a uma pla-téia de funcionários, ou quando está identificando um pro-grama, como classificar os diferentes estágios de maturida-de da organização para que se possa adequar a forma deaprendizagem ou o método que se vai usar para elevar onível de maturidade?

Walter Pinedo — Em primeiro lugar, é preciso começara crescer. Temos realizado uma série de estudos nos quais,com um instrumento muito sofisticado, podemos medir o graude maturidade em que as pessoas se encontram. O crescimentovirá e o sistema como um todo irá evoluir desde que possa-mos fazer com que as pessoas comecem a crescer juntas e aformar elas próprias, de modo competente, a estrutura ne-cessária para promover tal evolução. Como vivemos em estru-turas hierárquicas muito rígidas, cabe à cúpula dar o primei-ro passo. Como presidente de sua empresa, é você quem devecomeçar. Costumo citar uma regra de ouro que é a seguinte:“Quem tem o ouro define as regras”. Mas é preciso lembrarque, à medida que o mundo muda, vai ficando impossívelcontrolá-lo apenas com capital. Assim, o “ouro” também estámudando. O ouro está se transformando em informação, emconhecimento. Tenho trabalho muito com altos executivos e

obtido bons resultados. Mas, se encontro um que não estejarealmente disposto a lutar, que não esteja dizendo “Queroque minha empresa cresça!”, nem começo a trabalhar comele, porque já sei que nada vai mudar.

Celina Borges Torrealba Carpi — A empresa estáinserida numa sociedade e num determinado contexto eco-nômico que têm os próprios valores. Por exemplo, a socie-dade capitalista, na qual nos inserimos, fundamenta-se narivalidade, no conflito pelo lucro. São esses os seus valores.Como amadurecer a sociedade? Como iniciar esse movimen-to, especialmente na sociedade brasileira, que apresentagrandes desafios nesse sentido?

Pinedo — Em meu livro há um capítulo originalmentechamado “Culture Sucks” [que em português tanto pode signifi-car “A Cultura Suga” como “A Cultura É uma Droga”]5. Isso querdizer que uma cultura arraigada em comportamento e hábi-tos tradicionais tem tanta força que não permite e não querver o crescimento. Se você começa a se comportar de formadiferente, todos os outros dirigentes de empresa lhe dirão:“Como ousa romper o status quo?” Um dos maiores problemasque temos é esse tipo de cultura. E essa é uma das razões porque, quando trabalhamos em empresas, começamos com oque chamo de “espaço isolado”. Deixamos as coisas atuaiscontinuarem em funcionamento como estão e trabalhamosalguns dias por semana na criação do novo.

Temos de agir como se fôssemos construir uma casa nova:adquirir um terreno e depois planejar, criar e construir sobreele. Chamem as pessoas da antiga casa para ajudarem na cons-trução da nova. Com isso, os valores começam a mudar. Ou-tro dia, uma repórter da Globo News me perguntou comofazer isso. Respondi: “Bem, imagine se eu tivesse uma varinhamágica, fosse à sua empresa e, com apenas um gesto, transfor-masse todo mundo em pessoas mais maduras. E então saísse,de empresa em empresa, fazendo a mesma mágica. Imagine

DEBATE

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se isso pudesse acontecer. Em primeiro lugar, cada uma des-sas empresas iria tornar-se mais produtiva, mais eficiente emais lucrativa. Como vivemos numa sociedade conformista,cada vez mais pessoas desejariam evoluir. Imagine se eu pu-desse fazer isso em todo o Brasil. Acabaria mudando os siste-mas de valores dos brasileiros”.

Há valores básicos no Brasil que fazem parte de umaherança que ninguém desejaria mudar, porque são bonitos.Mas creio que os brasileiros podem alcançar um nível éticomuito mais elevado. Um dos motivos de eu gostar de traba-lhar no Brasil é acreditar que o país tem uma profunda pre-ocupação com a ética. Percebo isso o tempo todo.

Aliás, a situação política que o país vive hoje permiteque muito mais possa ser realizado já, desde que as empre-sas decidam fazer algo a respeito. Mas, se as empresas pude-rem estabelecer internamente o mesmo diálogo que que-rem ter com os governos, já terão dado um passo realmenteimportante.

Ribeiro — Tenho aqui uma pergunta da platéia: “Atéque ponto a responsabilidade social empresarial é uma ma-nifestação de maturidade de uma empresa?”

Pinedo — Se uma empresa for verdadeiramente ma-dura ou ética, ela será, por definição, socialmente responsá-vel. Responsabilidade social é quase uma conseqüência damaturidade. Vejo muitas empresas tentando agir de manei-ra socialmente responsável com seus programas sociais por-que acham que essa é a coisa certa a fazer. Creio que isso, decerto modo, ajuda a sociedade, pois é, provavelmente, me-lhor que nada. São passos em direção ao futuro, mas nãocreio que estejam tornando a sociedade mais ética. Sempredigo que, quando algo está obsoleto e tentamos melhorar, omáximo que conseguimos é uma obsolescência melhorada.Portanto, podemos estar obtendo um bocado de obso-lescência melhorada em relação à ética. Por outro lado, eudefinitivamente não aconselho ninguém a parar com seusprogramas sociais — e sei que muitos de vocês estão encar-regados dessas iniciativas nas organizações. Por favor, nãoparem! Continuem com eles, porque nosso mundo está real-mente numa situação muito ruim. Enquanto isso, meu con-vite para os executivos presentes e para todos aqui é oseguinte: “Vamos começar em casa”.

Há ainda outra questão a considerar: quem quer co-meçar a amadurecer precisa antes assumir que é imaturo.Se penso que sou magro e bonito, não há como perder peso.Aliás, acabei de perder catorze quilos e vou perder outroscatorze, porque tive uma “visão” de que vou conseguir. Masdurante dois anos eu disse a mim mesmo que iria emagrecere todas as manhãs me olhava no espelho e repetia: “Sim,estou ficando mais magro”, mas eu estava mesmo era enco-lhendo a barriga. Você precisa ser muito verdadeiro consigomesmo para avançar. Apenas agir como se fosse magro, ves-tir cintas e prender a respiração não vão levar a nada. Com aética é a mesma coisa. Portanto, assegurem-se de que seusbalanços sociais, projetos sociais e outras ações não são ape-nas para “encolher a barriga”.

Augusto Luís Rodrigues — Há no Brasil alguns setoresempresariais, como o de distribuição de energia elétrica, emque atuo, que passam por uma crise imensa. Muitas empresasiniciaram processos de implantação de ética em seus processosdecisórios, e também houve a preocupação com o impactodas decisões sobre os parceiros. Esse trabalho ia muito bem,mas no final do ano passado a crise nos atingiu e nos colocouo desafio de como obedecer os valores e a visão da empresaao fazer os ajustes necessários, renegociar contratos com for-necedores, discutir a qualidade dos serviços com os clientes,discutir salários com os funcionários... Na CPFL, iniciamosum imenso debate sobre como poderíamos ajustar a empresacom transparência, respeito e participação. E, embora essasua teoria nos tenha ajudado muito, estamos encontrandodificuldades. O que você teria a dizer sobre isso?

Pinedo — Parece que você quer atingir a maturidadeo mais rápido possível, certo? Deixe-me explicar algo. VictorFranco6, em seu livro sobre campos de concentração, afirmaque as pessoas mais maduras, mais evoluídas, mais auto-rea-lizadas — de acordo com Abraham Maslow 7 —, foram asque puderam lidar melhor com a crise nos campos de con-centração. Quanto mais maduro você é, menos você regride.Uma das observações que ele faz é que, quando há uma cri-se, quem é muito imaturo mergulha nela. As pessoas muitoimaturas são também muito medrosas. Defendo a teoria deque as crianças são muito mais maduras que acreditamos.Elas têm valores muito mais fortes que os nossos, porque

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todos nascemos com isso e, de alguma maneira, as escolas eas empresas parecem fazer-nos regredir na idade adulta. Umavez, eu estava dirigindo meu carro, em meio a uma tempes-tade, e uma senhora ia no banco de trás com meu filho ain-da pequeno. Eram raios e trovões para todo lado, e a senho-ra começou a rezar desesperada. Então meu filho, uma cri-ança, voltou-se para ela e disse: “Fique calma. Não se preo-cupe. Está tudo bem”. Ela estava tão morta de medo quesimplesmente regredira ao nível de uma criança.

O perigo de haver companhias imaturas é que elas setornam muito manipuláveis. Quando há muitas daquelasengrenagens que mencionei anteriormente, cria-se tantafrustração e raiva que no final a coisa acaba explodindo —como aconteceu em Curaçao, em 1969, ou no 11 de setem-bro, que me parece um exemplo mais complexo desse fenô-meno. Creio que Hugo Chávez, presidente da Venezuela,seja um belo exemplo de como a raiva se transformou emvoto e destruiu o país — pelo menos no curto prazo. A per-gunta é: como amadurecer o mais rápido possível?

Agora, a segunda parte da pergunta: o que deve serfeito para que as pessoas comecem o processo de amadu-recimento? No mundo de hoje, estamos num ponto para-digmático de mudança em nosso desenvolvimento. Acreditoque as pessoas em suas empresas estejam prontas para ama-durecer rapidamente se vocês agirem corretamente. É umatremenda oportunidade. Nunca vi as pessoas tão ansiosas paracrescer. Crescendo as pessoas, a empresa também crescerá, eassim ficará mais forte para lidar com todos esses choques.

Meu livro se chama Tsunami — Construindo OrganizaçõesCapazes de Prosperar em Maremotos porque acho que o mundoestá passando neste momento por muitos maremotos. Alguémcomentou: “Mas não se pode surfar ondas de maremoto!” Eeu respondi: “Você tem razão. Não dá para surfar ondas demaremoto com as estruturas convencionais existentes hoje ecom as técnicas que temos hoje. Mas você pode desenvolvermaneiras de fazer com que isso aconteça”. Minha sensação éde que, se as empresas quiserem verdadeiramente criar isso,poderemos superar muito facilmente essas crises.

Ribeiro — Duas perguntas do público lembram a ques-tão da diferença de valores. A primeira: “Todo mundo temvalores, mas os meus valores algumas vezes não são como os

do outro”. E a segunda: “Por que os valores têm de ser indi-viduais para as empresas? Não deveriam ser valores univer-sais e, portanto, os mesmos para todas as empresas?”

Pinedo — Há valores universais, como a honestidade,por exemplo. Vejam que todas essas empresas desonestas aospoucos estão sendo destruídas. Para jogar o jogo dos negó-cios, é preciso ser honesto. E há, sem dúvida, outros valoresuniversais que penso que todos nós temos. Mas também pen-so que os valores sejam algo muito particular, que dependede meu propósito ou missão na vida. Assim, os valores da HPtêm de ser muito diferentes dos valores da Coca-Cola, oudos valores da Petróleos de Venezuela, por exemplo. Por-que cada uma delas está num tipo diferente de negócio.

Em vez de “valores”, podemos usar o termo “crençasorientadoras”. Porque são nossas crenças mais profundas, ascrenças que guiam cada uma de nossas ações. Cada profis-são ou cada tipo de empresa tem um conjunto diferente decrenças que a guiam.

José Luciano Duarte Penido — Achei muito interes-sante sua sustentação de que depende do estado de maturi-dade das pessoas, das companhias, da sociedade e até dospaíses o nível de conduta ética que se desenvolve. Esta tam-bém é uma afirmação do Instituto Ethos, que, ao lembrarque responsabilidade social é um estágio de desenvolvimen-to social, de certo modo transmite a mesma idéia.

O Instituto Ethos, do qual sou conselheiro, reuniu umgrupo de pessoas para discutir sua próxima carta de princí-pios, e esse tema nos tem envolvido bastante, não só no Ethos,mas também na Federação das Indústrias de Minas Gerais(Fiemg), da qual sou vice-presidente. A Fiemg discutiu, es-creveu e está implementado um código de conduta ética paraas indústrias de Minas Gerais. Na minha empresa, a Samarco,temos já há dois anos um código de conduta ética que érevisado anualmente.

Gostei da afirmação de que não saltamos estágios, masevoluímos em estágios. E queria contar aqui um caso sim-ples, que mostra a diferença de estágios da sociedade e daspessoas: dois engenheiros da minha empresa foram à Índiapara fazer o credenciamento de um fornecedor de bentonita,minério utilizado na fabricação de pelotas que eu produzo,e lá crianças e mulheres aspergiam soda cáustica na bentonita

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com as mãos, sem luvas, sem botinas, sem nenhuma prote-ção. Nossos engenheiros as fotografaram. E disseram: “Nãodá para fazer negócio com vocês”. Mas muitas outras empre-sas fazem.

Lembro que a BRH, uma consultoria em recursos hu-manos, fez um seminário neste ano sobre o seguinte tema:com que sonham os presidentes. Pois para mudar uma rea-lidade você tem de sonhar. E eu penso se não seria um so-nho a gente fazer como Oded Grajew, presidente licenciadodo Instituto Ethos, que criou e tornou realidade um fórumsocial internacional que trata de temas relevantes; se nãoseria o caso de uma platéia como esta, de setecentas, oito-centas pessoas, iniciar um movimento de uma carta de prin-cípios e conduta ética universal como foi a Declaração dosDireitos do Homem, feita há cerca de cinqüenta anos,cujo impacto foi violentíssimo, levando ao fim do trabalhoescravo e até do trabalho infantil, que está em vias de serfinalmente eliminado.

Apesar de entender que estágios diferentes são vividoshoje em dia por países, por pessoas, por empresas, não seria ocaso de chegar a um ponto de consenso, a uma estrela que agente vá alcançar um dia? Você diz que pessoas e empresassão valores e propósitos... Não está faltando um propósito aí?

Pinedo — Penso que o código de conduta ética e acarta de princípios são passos muito importantes. A pergun-ta é: como implementá-los? Volto à sua primeira colocação,sobre ir para a Índia e encontrar aquela situação. Acreditoque, no final das contas, sabe-se que as empresas éticas sãobem-sucedidas. Há alguns bons estudos sobre isso que eupoderia compartilhar com vocês. Às vezes, precisamos che-gar a um ponto em que temos de dizer “não”. O presidentede uma empresa de fast-food me chamou e disse: “Eu sei oque você faz e quero que sua empresa trabalhe para a nos-sa”. E continuou: “Você faz empowerment dos funcionários,certo?” Eu respondi: “Sim, isso faz parte do que fazemos”. Eele: “Você os faz sentir-se bem para podermos manipulá-losmelhor, não é?” Então eu lhe disse: “Você chamou a pessoaerrada”. E fui embora.

Um de meus mentores me disse anos atrás: “Se vocênão consegue dizer não a um cliente, não deveria estar nes-se negócio”. Isso é muito importante em termos éticos. Hácertas coisas para as quais você vai ter de dizer não e das

quais vai ter de se afastar, mesmo que seja um contrato de1 milhão de dólares. É duro. Nem todos conseguem, e algu-mas empresas sobrevivem disso.

Quanto ao código de ética, eu gostaria de ver as em-presas verdadeiramente comprarem essa idéia. Gostaria dever esse código de ética ser levado para a sua empresa e tra-balhado, e que fosse permitido às pessoas decidir juntas comoconviver com ele como parte de seu sistema de valores. Se oprincipal executivo de cada empresa começasse a fazer isso,seria muito importante. Se a cúpula das empresas não com-prar essa idéia totalmente, será difícil implementá-la.

Ribeiro — Temos agora algumas perguntas sobre em-presas que já têm uma conduta ética e responsabilidade soci-al, mas cuja direção adota uma atitude voltada para os resulta-dos do negócio. Há uma pergunta específica com relação àsaída dos fundadores da empresa e à entrada de executivosque, quando assumem seus postos, passam a se preocuparexclusivamente com o lado econômico. Muitas empresas seencontram nessa situação, em que há um fundamento de va-lores e de responsabilidade social, mas a prática atual da dire-ção é muito mais voltada para os resultados imediatos.

Pinedo — Trabalhei nisso com o Instituto Brasileirode Governança Corporativa e lhes disse: “O conselho de ad-ministração ou dos acionistas terá de responsabilizar os exe-cutivos não apenas por resultados a curto prazo, mas tam-bém por resultados a longo prazo e pelo comportamentoético”. Se você quer que seu negócio seja ético, dirá: “Nofinal do ano, seu bônus ou gratificação dependerá muito daatenção que você está dando a isso”. Um de meus maioresproblemas com o sistema de “valores elitistas” é que muitosdirigentes — e eu tenho vários amigos na liderança de gran-des empresas — delegam responsabilidade social e ética paradeterminado departamento, recursos humanos para outro,e pensam consigo mesmos: “Assim está bom. Vamos agoraao trabalho de verdade”. Como alguém me disse um dia:“Ah, recursos humanos! São apenas um apêndice. O que eupreciso é que o trabalho seja feito, preciso é ter lucro”.

Também penso que as empresas devem ser lucrativas. Senão o forem, não ficarão no negócio. Portanto, o lucroé importante. Mas precisamos ser muito críticos. Se realmentequisermos agir de modo ético, encontraremos meios de fazê-lo.

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1 Em fevereiro de 2003, a multinacional holandesa de comércio va-rejista Royal Ahold revelou uma falha na contabilidade daFoodservice e da Top Markets, empresas do grupo instaladas nosEUA, o que provocou um escândalo de proporções mundiais. In-vestigações posteriores indicaram que as irregularidades atingiramquase 1 bilhão de dólares (N. do E.).

2 O instituto americano The Conference Board é uma organizaçãoprivada sem fins lucrativos, dedicada ao estudo de questões admi-nistrativas e de trabalho, analisando tendências e fazendo previ-sões. Entre seus membros estão muitas das maiores empresas dosEstados Unidos (N. do E).

3 A Nasdaq (National Association of Securities Dealers AutomatedQuotation) é a primeira bolsa eletrônica do mundo, composta deempresas de tecnologia, enquanto a Dow Jones fornece informa

NOTAS

ções sobre as empresas tradicionais. Atuam na Bolsa de Nova York,mas seus índices servem de referência para o mercado financeirodo mundo inteiro (N. do E.).

4 Tsunami — Construindo Organizações Capazes de Prosperar em Maremotos.Editora Gente, São Paulo, 2002.

5 N. do T.

6 Victor Franco, psiquiatra judeu austríaco que sobreviveu aAuschwitz, o maior campo de concentração montado pelos nazis-tas durante a II Guerra Mundial.

7 Abraham Harold Maslow, psicólogo americano, criador da teoriasobre a hierarquia das necessidades.

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PERFIL DOS PARTICIPANTES

Celina Borges Torrealba CarpiEngenheira civil, com MBA no Institut Européen

d’Administration des Affaires (Insead), é diretora-vice-pre-sidente-executiva da Libra Administração e Participações econselheira da Insight Inteligência e do Instituto Ethos.

Augusto Luís RodriguesDiretor de Comunicação Empresarial e Relações

Institucionais do Grupo CPFL Energia, é sociólogo, commestrado em ciência política.

José Luciano Duarte PenidoDiretor-presidente da Samarco Mineração, vice-presi-

dente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Ge-rais (Fiemg) e presidente do Conselho de Cidadania Em-presarial da Fiemg, no qual promove o programa Voluntá-rios das Gerais. Preside o Conselho Consultivo da SociedadeMineira de Engenheiros, é diretor-presidente do InstitutoPrincípio de Cidadania Empresarial e conselheiro do Insti-tuto Ethos.

Victor Pinedo, Jr.É presidente da Corporate Transitions International

(CTI), empresa especializada em processos de transforma-ção organizacional. Com doutorado em administração emestrado em psicologia, tem uma extensa e profundavivência no mundo dos negócios. Com apenas 23 anos, tor-nou-se o principal executivo de uma engarrafadora da Coca-Cola em Curaçao, nas Antilhas Holandesas, onde nasceu, econtinua envolvido com a administração dos negócios doGrupo Veps, pertencente a sua família. Como consultor, aten-deu a grandes companhias, como a Shell, o Bank of America,a Petróleos de Venezuela e várias engarrafadoras da Coca-Cola em todo o mundo, e criou o conceito da ArquiteturaOrganizacional e dos Sete Cs, programa líder em trans-formação organizacional. É autor do livro Tsunami — Cons-truindo Organizações Capazes de Prosperar em Maremotos.

Carlos RibeiroFormado em engenharia eletrônica, é presidente da

HP Brasil, membro do Conselho Consultivo da AssociaçãoBrasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e doConselho Administrativo da Fundação Abrinq. Em sua ges-tão, a HP foi apontada várias vezes pela revista Exame comouma das Melhores Companhias para Se Trabalhar e comoMelhor Empresa na Área de Tecnologia.

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