o alicerce edição 2

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O ALICERCE Mais do que um jornal. Um movimento. EDIÇÃO 2 - GRAMADO, AGOSTO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - CIRCULAÇÃO MENSAL FACEBOOK.COM/JORNALOALICERCE Q uem vê superficialmen- te o charme turístico de Gramado não imagi- na as dificuldades pelas quais passam aqueles que sustentam a cidade: os tra- balhadores. Enquanto os patrões e proprietários auferem elevados rendimentos, os funcionários re- cebem salários incompatíveis com o alto custo de vida da cidade. “Gramado é um lugar bom de viver, mas tem essa questão do custo de vida, a gente sempre está apertado com as contas, por mais que trabalhe. E a exploração da mão de obra é muito grande, com- parando com os milhares de reais que entram no caixa dos estabele- cimentos todo dia”, avalia Francis Rodrigues, que trabalha como gar- çom na Rua Coberta. Atualmente, o salário-base dos funcionários da rede hoteleira e gastronômica é de R$ 975,20. O fato de os garçons, por exemplo, receberem valores superiores em função das gorjetas (a taxa de 10%) não é animador, pois esse di- nheiro vem diretamente do clien- te, sendo muito volúvel. O estabe- lecimento continua pagando um mísero salário e lucrando com a exploração do trabalho do empre- gado. Como a esposa de Francis traba- lha em um hotel durante o dia e ele, à noite, quase não há convívio familiar. E ambos ainda realizam atividades extras para comple- mentar a renda. “Nos encontra- mos uns 20 minutos por dia, quan- do ela chega de tarde e eu estou saindo. Fora isso, só nos falamos por telefone”, conta Francis. Diz-se que os salários de Gramado são superiores aos pagos em cidades vizinhas. Porém, não acompanham o custo de vida. Conforme dois corretores de imóveis con- sultados, os aluguéis das pe- ças mais simples, nos bairros mais “populares” e afastados das áreas centrais, raramen- te ficam abaixo de R$ 750, R$ 800. O que faz, então, o camarada (operário, garçom etc.) que precisa sustentar a casa com um salário na casa de mil reais? Imagine a rentabilidade dos grandes proprietários imobi- liários, sempre às custas do assalariado que desembol- sa uma fortuna por um teto. Isso sem entrar nos valores de alimentação, vestuário etc. de um comércio voltado ao turismo de endinheirados. “Casa própria”, assim, é um termo ausente do dicionário do trabalhador gramadense, seja ele da gastronomia, co- mércio, hotelaria, metalurgia ou outro setor. Essa é a face negra do turis- mo. Os visitantes movimen- tam a economia, mas o fruto é repartido muito desigual- mente. Existem muitos em- pregos, mas também muita exploração por parte da clas- se patronal. Francis considera que é im- prescindível a união e a orga- nização combativa da classe para que o trabalho seja valo- rizado. “Se os garçons paras- sem, os patrões iriam sentir o que é a força e a importância da nossa classe”, conclui. IGOR MALLMANN Salários não acompanham custo de vida abusivo em Gramado FARDO DO TRABALHADOR, LUCRO DO PATRÃO

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Page 1: O alicerce edição 2

O ALICERCEMais do que um jornal. Um movimento.

EDIÇÃO 2 - GRAMADO, AGOSTO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - CIRCULAÇÃO MENSALFACEBOOK.COM/JORNALOALICERCE

Quem vê superficialmen-te o charme turístico de Gramado não imagi-na as dificuldades pelas quais passam aqueles

que sustentam a cidade: os tra-balhadores. Enquanto os patrões e proprietários auferem elevados rendimentos, os funcionários re-cebem salários incompatíveis com o alto custo de vida da cidade.

“Gramado é um lugar bom de viver, mas tem essa questão do custo de vida, a gente sempre está apertado com as contas, por mais que trabalhe. E a exploração da mão de obra é muito grande, com-parando com os milhares de reais que entram no caixa dos estabele-cimentos todo dia”, avalia Francis Rodrigues, que trabalha como gar-çom na Rua Coberta.

Atualmente, o salário-base dos funcionários da rede hoteleira e gastronômica é de R$ 975,20. O fato de os garçons, por exemplo, receberem valores superiores em função das gorjetas (a taxa de 10%) não é animador, pois esse di-nheiro vem diretamente do clien-te, sendo muito volúvel. O estabe-lecimento continua pagando um mísero salário e lucrando com a exploração do trabalho do empre-gado.

Como a esposa de Francis traba-lha em um hotel durante o dia e ele, à noite, quase não há convívio familiar. E ambos ainda realizam atividades extras para comple-mentar a renda. “Nos encontra-mos uns 20 minutos por dia, quan-do ela chega de tarde e eu estou saindo. Fora isso, só nos falamos por telefone”, conta Francis.

Diz-se que os salários de Gramado são superiores aos pagos em cidades vizinhas. Porém, não acompanham o custo de vida. Conforme dois corretores de imóveis con-sultados, os aluguéis das pe-ças mais simples, nos bairros mais “populares” e afastados das áreas centrais, raramen-te ficam abaixo de R$ 750, R$ 800. O que faz, então, o camarada (operário, garçom etc.) que precisa sustentar a casa com um salário na casa de mil reais?

Imagine a rentabilidade dos grandes proprietários imobi-liários, sempre às custas do assalariado que desembol-sa uma fortuna por um teto. Isso sem entrar nos valores de alimentação, vestuário etc. de um comércio voltado ao turismo de endinheirados. “Casa própria”, assim, é um termo ausente do dicionário do trabalhador gramadense, seja ele da gastronomia, co-mércio, hotelaria, metalurgia ou outro setor.

Essa é a face negra do turis-mo. Os visitantes movimen-tam a economia, mas o fruto é repartido muito desigual-mente. Existem muitos em-pregos, mas também muita exploração por parte da clas-se patronal.

Francis considera que é im-prescindível a união e a orga-nização combativa da classe para que o trabalho seja valo-rizado. “Se os garçons paras-sem, os patrões iriam sentir o que é a força e a importância da nossa classe”, conclui.

IGOR MALLMANN

Salários não acompanham custo de vida abusivo em Gramado

FARDO DO TRABALHADOR, LUCRO DO PATRÃO

Page 2: O alicerce edição 2

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[email protected] Esta publicação é totalmente independente e de distribuição gratuita, não possuindo

nenhuma intenção [email protected]

EDITORIAL O TRABALHOA NECESSIDADE DE ENGAJAMENTO

COLETIVO NAS LUTAS CIDADÃS

Chegamos à segunda edição de O Ali-cerce mais firmes do que nunca em nossa causa, a de confrontar o pensamento indi-vidualista característico de nossa socieda-de e propor alternativas e reflexões libertá-rias, humanistas, de coletividade e justiça social. Sempre de forma independente e engajada politicamente. Uma publicação de esquerda, uma esquerda de visão plural e libertária.

Em Gramado – uma cidade que vive de aparências, como dito na edição passada, as contradições de classe latentes estão mostrando a face. Os sindicatos batem de frente com uma classe patronal intransi-gente na negociação de salários e condi-ções de trabalho.

O que falta é a fermentação de uma luta coletiva, pois o individualismo permeia profundamente as relações de trabalho. Em uma cidade onde reina o pensamento conservador e burguês, é urgente compre-ender que a única saída para os de baixo é a organização e a solidariedade contra a exploração patronal.

A educação, em grande parte, encontra--se mergulhada no imobilismo. É preciso aí também uma revolução de consciência. Os educadores precisam despertar os educan-dos para a ação coletiva e libertadora. Em um momento em que a insanidade conser-vadora, inclusive golpista, toma conta do país, a juventude precisa urgentemente ser inspirada por ideais de engajamento social.

Tanto a direita que perdeu nas urnas como a que foi crescendo aos poucos no seio do governo mostram as garras, com caciques como Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados, PMDB) se rebe-lando abertamente. Grande parte disso é devido aos próprios governos petistas, que abandonaram suas bases históricas em tro-ca de se manter no poder ao lado de oligar-quias retrógradas.

Assim, se faz necessário um pensamen-to e uma ação combativos e reflexivos. Aqui pretendemos plantar uma semente, mesmo que seja com um trabalho de for-miguinha. Uma semente para que flores-çam novas perspectivas de solidariedade, para além da intolerância conservadora e do apoio cego a um governo federal que já não é mais do que “ex-esquerda”. Só desta forma será possível manter conquistas so-ciais passadas e almejar novas.

“O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.”

Simone de Beauvoir

CONSCIÊNCIA DE CLASSE

Quantas vezes já vimos traba-lhadores que tem sua mão de obra explorada pelo capital e se dizerem capitalistas. Isto é mui-to comum e se dá ao fato das pessoas vincularem capitalis-mo exclusivamente ao dinhei-ro, então se eu gosto de dinhei-ro, sou capitalista!Este pensamento equivocado acaba por ocultar a condição de explorados. Acham que são da mesma classe daqueles que os exploram e isto na nossa cidade parece ser ainda mais acentuado devido aos ares de ¨Disneylândia¨ ou cidade ¨en-cantada¨ que querem nos fa-zer acreditar que vivemos.Karl Marx trata como funda-mental para os trabalhadores o que ele chamava de consciên-cia de classe. Assim, o trabalha-dor deverá saber exatamente em que lado está nesta luta de classes para não ser enganado e explorado.O fato de gostar ou simples-mente precisar de dinheiro (e todos precisamos) para garantir nossa existência não nos torna capitalistas, não somos deten-tores dos meios de produção e não lucramos com o trabalho e o esforço de ninguém, por isso a importância de saber de que lado se está para que todos jun-tos possamos barrar a ofensiva daqueles que querem retirar nossos direitos e explorar ainda mais o trabalho, simplesmente para aumentar a Mais Valia, ou seja, aumentar seus lucros.Isto não é fácil, pois toda a lógi-ca é feita para que o trabalha-dor se afaste do pensamento coletivo.Por exemplo, o sindicato, que é a entidade que representa e luta pelos interesses dos traba-lhadores de uma categoria, é sempre o primeiro alvo daque-les que não querem a união da classe. Inclusive, a legislação trabalhista quando foi criada ao mesmo tempo em que garan-tiu a organização sindical criou maneiras de amarrar o sindica-lismo ao Estado e às classes do-minantes, criando até formas de afastar os trabalhadores de

suas entidades representativas.Por exemplo, por que a obriga-toriedade do trabalhador ir ao sindicato somente na hora da recisão contratual (e na maioria das vezes somente com mais de um ano de serviço presta-do na empresa), um momento de fragilidade quando esta se afastando de seu trabalho, (na maioria das vezes sendo afas-tado por vontade da empresa contratante)? Esta é a hora que o trabalhador conhece o sindi-cato que o representa.Por que não ao contrário? O comparecimento do trabalha-dor deveria ocorrer na hora da

contratação, quando ele co-meça na empresa, para que assim ele já saiba quem o re-presenta, onde deve ir tirar suas dúvidas, quais os bene-fícios que o sindicato oferece e principalmente a importân-cia do sindicato na conquista dos trabalhadores, formando assim um pensamento de união e força sabendo que podem lutar juntos através desta organização em busca de melhorias nas relações de trabalho. Percebo que a maioria dos trabalhadores lembra-se da entidade sindical somente quando precisam de um con-vênio médico ou descontos, tornando os sindicatos muito mais assistencialistas do que entidades de luta. Outro fato é: por que somente grandes empresas, com mais de 200 empregados, são obri-gadas a ter um representante de base com estabilidade no emprego e que representa os trabalhadores no local de tra-balho? Esta é uma ferramenta importante de organização, porque são nas bases que se

conhecem os anseios de uma categoria.Outra questão importante é o fato de que todos os meios de qualificação profissional sub-sidiados pelos governos são sempre destinados às entida-des patronais, fazendo com que já no seu aprendizado em sala de aula já lhes passem o pensamento antissindical e individualista que só interes-sa aos patrões e dando a falsa impressão de que quem lhe está dando algo de aprendiza-do é o patrão, quando na ver-dade são os governos fede-rais, estaduais ou municipais.Eu lhes digo, o capital é esper-to e articulado e usa as mais diversas armas para que o trabalhador não adquira sua consciência de classe para afastar as massas daqueles que realmente os defendem e lutam pelos seus direitos que são os sindicatos de trabalha-dores.Muitos acham até que os di-reitos adquiridos a duras lutas são benefícios dados pela boa vontade dos patrões, simples-mente por que não conhecem a história, e a luta constante dos sindicatos na manuten-ção dos nossos direitos.Pois as ofensivas contra nós, principalmente pelos deputa-dos federais que representam os interesses do capital, são inúmeras, e já teríamos perdi-do muitas de nossas conquis-tas históricas se não fossem homens e mulheres que no movimento sindical dedicam suas vidas à luta em defesa daqueles que realmente pro-duzem a riqueza deste país, os trabalhadores.Muitas são as táticas usadas para nos afastar e separar, principalmente com os con-ceitos de individualismo que o capitalismo nos impõe, mas o principal motivo é a falta de uma consciência de classe.Nós, trabalhadores, não so-mos o lado mais fraco, mas, infelizmente, somos o lado mais desunido e teremos que mudar isso.O poder dos sindicatos e dos trabalhadores é imensurável e consiste no seu poder de mobilização. Quanto maior o engajamento de todos os tra-balhadores, maior serão suas recompensas para um futuro melhor para si e seus filhos.Juntos somos fortes!

“O capital é esperto e articulado e usa as mais

diversas armas para que o

trabalhador não adquira

sua consciência de classe”

RODRIGO CALLAIS

Page 3: O alicerce edição 2

Sartori e a destruição da função social do Estado

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IGOR MALLMANN

VÂNIA DE PAULA DOS REIS

Desde o início da campa-nha para governador, José Ivo Sartori (PMDB) foi criticado por não apre-

sentar propostas – por ser um grande nada político. Mas ven-ceu, pois na democracia indireta normalmente as imagens, a apa-rência engendrada pela publici-dade, se sobressaem à política. Agora o niilismo da campanha dá lugar à aniquilação de todo o papel social do Estado – o que re-almente importa, como a saúde pública. E quem paga por tudo são os que menos têm condições de fazê-lo.

Sartori e sua equipe de marke-ting usaram e usam uma estra-tégia já conhecida para ludibriar a opinião pública: primeiro se apresenta um quadro desola-dor, que gera medo, e depois se justifica todos os seus atos com base nesse quadro. Como é martelado em cada discurso, o Estado está quebrado e é pre-ciso cortar, cortar e cortar.

Mas cortar em setores as-sistenciais e políticas públicas, como saúde e educação, é a pior saída. É o velho receitu-ário neoliberal de privatizar e aumentar a pressão sobre as classes trabalhadoras, com ar-rocho salarial. Entregar serviços e patrimônios públicos à inicia-tiva privada – que Sartori tanto admira – é abandonar a popula-ção à própria sorte no ninho das serpentes sedentas por lucro.

Ora, por que o Estado não exige

sacrifício de quem pode pagar? Incentivos fiscais poderiam ser revistos e os impostos poderiam recair sobre os grandes capitais, além de se fazer uma auditoria da dívida com a União. Pois, segun-do o Núcleo Gaúcho de Auditoria Cidadã da Dívida, existem ilegali-dades e inconstitucionalidades, como o pagamento de juros so-bre juros.

Maria Lucia Fatorelli, brasileira que participou da auditoria da dí-vida grega, já sentenciou que a dí-vida do RS, nas atuais condições, é impagável, por mais que Sartori estrangule a população. A audito-ria é imprescindível para avaliar a origem e legitimidade dos papéis e cobranças.

Medidas assim permitiriam que o Estado retomasse suas funções mínimas. Ora, o Sr. Sar-tori gerencia o RS como uma empresa, cortando para “equili-brar contas” – um grande erro. Pois em jogo estão pessoas – e não qualquer espécie de supe-rávit. Pessoas que precisam de atendimento médico, educa-ção, salários etc. Um governo que deixa de repassar milhões de reais imprescindíveis para hospitais e abandona a educa-ção à própria sorte, debochan-do do piso do magistério, já é um desgoverno. Um governo que não tem mais legitimidade frente à população.

CRISES: AQUI SE FAZ... E OU OUTROS QUE PAGUEM

As “crises econômicas” no

capitalismo sempre são causa-das pelos próprios capitalistas. Mas quem é obrigado a pagar a conta é a totalidade da po-pulação, os trabalhadores. Um exemplo em foco é a Grécia. Bom, em linhas gerais, o que ocorre por lá é que o governo grego foi obrigado a assumir o capital “podre” – que não ren-de – dos bancos privados. Po-lítica esta imposta pela troika (Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Co-missão Europeia).

A salvação dos bancos pri-vados foi a ruína do governo. O lucro do setor financeiro sustentando pela austeridade, cada vez mais dura, aniquilan-do direitos e assistência à so-ciedade. A “salvação” da União Europeia consiste em emprés-timos que apenas se somarão à gigante dívida pública grega.

A fúria rentista se reproduz no Brasil. Em 2014, 45,11% do orçamento da União foi empre-gado entre juros e amortiza-ções da dívida pública. Aqueles que detêm os papéis da dívida – predominantemente bancos privados – fazem a festa com a taxa de juros fixada pelo Co-pom na alturas (13,75%). É o triunfo do capital improdutivo/fictício.

A crise, afinal, serve como desculpa para os patrões ofe-recerem reajustes baixíssimos aos empregados.

Esse papel do Estado de de-fender os lucros do capital às custas do sacrifício da socie-

dade corroboram o ideário libertário, que compartilho. A única saída para os de baixo é a organização inde-pendente das propostas eleitoreiras de políticos profissionais, visando à constituição de meca-nismos de democracia de base. Pois quando a pressão das elites se faz sentir, via de regra, os governantes se cur-vam e abandonam os compromissos sociais. O exemplo é o partido Syriza na Grécia: se ele-geu como alternativa de esquerda, mas acabou cedendo covardemente ao famigerado pacote de “resgate” da troika.

(IN) FORMAÇÃO DOCENTE

A formação docente se constitui em um desafio constante para o avanço profissional e para o aprimoramento educacional. Con-tudo, não se basta apenas em uma licencia-tura, presencial ou à distância. O professor deve buscar a formação continuada na área de atuação ou em diversas áreas educati-vas, agregando conhecimento (in) formativo para praticar o ensino rumo a uma aprendi-zagem significativa.

Os profissionais recém formados partem da faculdade para o mercado de trabalho inconscientes de que ser educador é de-senvolver habilidades e competências, num processo recíproco de aprendizagem, em que vidas se transformam, desenvolvem-se e tornam-se instrumento da construção do saber, e que o crescimento pessoal, profis-sional e a constituição da identidade são res-saltados no desempenho de aptidões, atin-gindo o alvo almejado pela educação, que é a compreensão de mundo.

A atitude educativa desenvolvida signi-ficativamente é a de facilitar que cada um possa se desenvolver a partir de sua vocação ou dom, construindo sua palavra de forma original com as devidas conexões, que tan-to o professor quanto o aluno cresçam jun-tos e se desenvolvam em um processo de crescimento cognitivo e relacional, através de situações problema em que os mesmos estiverem inseridos, com a perseverança no objetivo do crescimento contínuo.

Analisando as condições do meio em que convive, o aluno instrumentalizar-se-á para lidar em seu contexto. Isso proporciona es-colhas, em um mundo em que o livre arbítrio é definido pelas classes dominantes. Uma aprendizagem transformadora, aliada a um professor que se aprimora sempre e esse olhar mais atento ao aluno.

Alcançar esse objetivo é preciso, para que o sistema de ensino insira educadores levados pela paixão de ensinar e com pro-pósitos de educar aprendendo. Aprender com a inexperiência, com os erros, com o respeito à razão, com a bagunça de um pré-adolescente, com a emoção de quem busca orientação e a consciência de não impedir seus alunos de traçarem caminhos que não ambicionariam trilhar, um olhar que deve trabalhar as desigualdades atra-vés de conteúdos estabelecidos de forma que atendam às necessidades e ambições adquiridas pelo aluno ao longo do proces-so, respeitando seu ritmo de aprendizagem e desaprendizagem.

A formação continuada docente estabe-lece um nível de comprometimento com a educação, mas isso não depende apenas do professor, também depende da escola em proporcionar aos docentes as condições necessárias para realizar estes aprimora-mentos ou de viabilizá-los de forma abran-gente e aprofundá-los em cada segmento.

DE OLHO NA LETRA!

POLÍTICA

MARCELO CAMARGO / AGÊNCIA BRASIL

Page 4: O alicerce edição 2

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A palavra “política” possui, atualmente, uma conotação muito negativa – e errônea. Muitos acreditam que política

redunda em corrupção, roubalheira e embustes. Isso porque o corrente sis-tema preconiza que as decisões políti-cas e econômicas sejam tomadas em poltronas confortáveis dentro de edifi-cações suntuosas. Ao contrário disso, a verdadeira política democrática se faz longe dos palácios. Ela reside nas ruas, nas escolas, nas rodas de debate, nas ações e anseios do povo.

A verdadeira democracia é direta; não aceita nem chefes nem patrões, como bradam os anarquistas. A cor-rupção não é um desvio no atual siste-ma capitalista e estatal; a corrupção é sua essência. O Estado é uma institui-ção especialmente pensada para legiti-mar privilégios indevidos das elites ca-pitalistas. As leis e programas de cunho social não foram instituídas senão à custa de muita luta popular. Nem um só direito foi dádiva de algum político “bem intencionado”.

Ao escolher um “representante”, delegamos nossa vontade a alguém que tomará decisões por nós e ainda será (muito bem) pago por isso! Estes representantes ainda são financiados pelo capital privado. Comumente, ele-gem-se por meio de caríssi-mas e massivas campanhas publicitárias que apelam ao emocional e são ideologica-mente vazias.

Mesmo políticos de par-tidos de esquerda inseridos nas disputas eleitoreiras acabam integrando a engre-nagem do Estado capitalista. Ou são cooptados pelo po-der econômico ou acabam seduzidos pelo privilégio de participar da elite dirigente e abandonam completamen-te as bases.

Vivemos claramente isso com o PT chegando ao po-der com uma concitação de classes, aliado com oligar-quias. Melhoras materiais relevantes foram promo-vidas à população. Porém, houve pouca ou nenhuma oposição aos interesses dos grandes capitalistas, que lu-craram sob a égide estatal. O PT desastrosamente prio-rizou se manter estável no

poder, pensando ser possível agradar a todo mundo. O resultado o estamos sentindo agora, com o esgotamento desse modelo, as conquistas sociais indo pelo ralo e a direita voraz como não se via há um bom tempo.

POLÍTICA E CONTRADIÇÕES DE CLASSES

A política levada a cabo pelo povo é, também, indissociável de transfor-mações na esfera econômica. O ca-pitalismo prescreve uma gestão da produção por uma elite de burgueses proprietários e/ou administradores. O lucro do capitalista é a ordem, em de-trimento do bem-estar da sociedade e das necessidades reais dos indivíduos.

Ser “dono” de algum meio de produ-ção não representa nenhuma função útil ou necessária. Quem produz a ri-queza são os trabalhadores. Esta rique-za, porém, fica para os patrões, que pagam uma parcela ínfima aos funcio-nários. E ainda esperam que estes lhes sejam gratos por esta mesquinharia.

Como explica o teórico anarquista Erico Malatesta, os capitalistas não se diferem de ladrões no sentido usual do termo. No entanto, possuem um Estado e leis que amparam suas barbá-ries: “Os proprietários, os capitalistas, roubaram do povo, pela fraude e pela violência, todos os meios de produção,

e como consequência deste roubo ini-cial podem subtrair dos trabalhadores, a cada dia, o produto de seu trabalho”.

Assim, fazer política significa, ine-vitavelmente, lutar contra interesses contrários. É um absurdo dizer que a sociedade de classes não mais existe. As classes podem ter se diversificado, mas estão aí. Não existe uma política que agrade a todos, do tipo hipócrita “meu partido é o Rio Grande”. A clas-se patronal e os políticos profissionais almejam tão somente se perpetuar no poder e resguardar privilégios. As clas-ses vítimas de exploração ou exclusão social (trabalhadores, desemprega-dos, LGBTs, povos originários etc.) têm como única saída a defesa de seus pró-prios interesses, de forma autônoma e com todos os meios disponíveis.

PRINCÍPIOS LIBERTÁRIOS E DEMOCRACIA DIRETA

Dizem as elites que todas estas ma-zelas são necessárias para o funciona-mento “correto” da sociedade e que a democracia direta obrigatoriamente produziria o caos. É natural que digam isso: os privilégios do andar de cima dependem dessa crença inculcada nas mentes do povo.

No lugar de parlamentos e da pro-priedade privada de fábricas e cam-pos, o anarquismo, de forma geral,

defende o federalismo e a autogestão. Isto significa que o povo tomaria deci-sões políticas por meio de conselhos e assembleias em diferentes níveis. Con-selhos de bairro, cidade, região etc., cujas decisões se coordenariam por meio de delegados, autorizados ape-nas a transmitir decisões tomadas pela coletividade que representam.

A produção econômica seria, tam-bém, administrada pelos próprios tra-balhadores, com conselhos de fábrica, de camponeses e em todos os locais de trabalho. Serviços e meios de pro-dução seriam coletivizados e a produ-ção dos bens individuais seria orienta-da pela demanda da sociedade, com o uso de toda a tecnologia e o conheci-mento científico existente.

Experiências históricas nos mostram que isto é muito viável e desejável, como a Revolução Espanhola de 1936, esmagada, infelizmente, à força pelo fascismo. Este discurso pode soar pro-fundamente utópico. Mas só é utópico enquanto a política estiver aprisiona-da em parlamentos faraônicos. O ca-minho é a política construída gradu-almente com acúmulo de forças pela mobilização popular organizada, sem esperar nada de políticos profissionais e mudanças de figuras na direção do Estado capitalista.

CONSCIÊNCIA LIBERTÁRIA

IGOR MALLMANN

Política de verdade não se faz em palácios

“Não existe uma política que

agrade a todos, do tipo hipócrita

“meu partido é o Rio Grande”. A

classe patronal e os políticos profissionais almejam tão

somente se perpetuar

no poder e resguardar

privilégios.”

RBS... Ontem cúmplice da ditadura. Hoje parceira da máfia do transporte

RAMIRO FURQUIM/SUL21

Page 5: O alicerce edição 2

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Talvez pelo olhar fixo no teles-pectador, talvez pela voz fami-liar ou outros tantos motivos, muitas pessoas acham incon-

cebível que apresentadores de tele-jornais possam estar apresentando fatos de forma deliberadamente ten-denciosa. Porém, quando falamos de veículos de comunicação como os das Organizações Globo, por exemplo, é preciso compreender que por detrás das reportagens há todo um aparato corporativo com seus próprios inte-resses, para além da ‘imparcialidade”.

O linguista norte-americano Noam Chomsky – anarquista, aliás – intro-duz o conceito de fabricação de con-senso. Em uma sociedade que se diz democrática, as elites não podem im-por suas vontades apenas por meio da força, como em regimes denomi-nados ditatoriais. Assim, os valores convenientes, as justificações para a desigualdade e exploração capitalista, por exemplo, são sutilmente apresen-tados às massas por meio dos veícu-los de comunicação comerciais.

E esta lógica não se restringe à TV ou às grandes empresas da comuni-cação: ela se reproduz em todos os lugares e em veículos de todos os ta-manhos.

Isto ocorre porque as mídias, cons-tituindo negócios privados, são geri-das por capitalistas, cujos interesses coincidem com aqueles das elites de outros setores da economia. O que importa é o lucro, é a conquista de anunciantes. O papel social do jor-nalismo como gerador de reflexão e compreensão na sociedade democrá-tica fica em segundo plano, ou mes-mo é expurgado das linhas editoriais.

Não existe, porém, órgão censor ou estatutos que definam a manipulação das informações. Os órgão de impren-sa simples e inevitavelmente reprodu-zem a sua visão de mundo capitalista, inoculada na programação, mesmo que sob o véu da imparcialidade. Ora, já somos crescidos o suficiente para saber que imparcialidade é um mito.

Trata-se de uma cultura enraizada, a qual ocasiona até mesmo a autocen-sura por parte dos jornalistas, teme-rosos de desagradarem a direção da empresa e perderem seu ganha-pão. Essa glorificação do “mercado” per-meia inclusive os cursos de Jornalis-mo, que se orgulham justamente de preparar para este tal de “mercado”.

JORNADAS DE JUNHO DE

2013: RBS APONTA CANHÃO DE MENTIRAS CONTRA O

ANARQUISMO

Um fato que serve de exemplo e merece destaque nesta seção sobre os ideais libertários é a cobertura feita pela RBS, afiliada da Globo, das Jorna-das de Junho de 2013. Manifestantes tiveram seus legítimos anseios crimi-nalizados e suas pautas roubadas pelo poder de disseminação de mentiras da RBS. Estes fatos midiáticos contri-buíram para diversos mal-entendi-dos e golpes baixos contra militantes anarquistas no Estado.

Ora, nada de surpreendente vindo da Globo, que ascendeu sob a tutela da ditadura militar. Naquele período (2013) em que os movimentos de esquerda se levantaram unidos pela pauta comum do transporte realmen-te público, a mídia corporativa tratou logo de separar os “pacíficos” dos “vândalos”, com imagens de “quebra--quebra” e “baderna”.

Essa retórica maniqueísta buscou desinformar o público sobre o que realmente ocorria nas ruas, crimina-lizando e dividindo os manifestantes; desinformar sobre os setores popula-res que se levantavam por um trans-porte público de fato e os movimen-tos com intenção de mudança mais profunda nas estruturas de poder atuais. Quer dizer, a média corporati-va, notadamente a RBS, precisava se defender dos que questionavam as injustiças do sistema no qual ela se estrutura.

E, como disse o ideólogo nazista Go-ebbels, uma mentira contada mil ve-zes acaba se tornando verdade. Pelo menos na mente de muitos telespec-tadores que não tiveram contato com o contraponto das (des)informações. Como ensina Guy Debord, vivemos em uma sociedade do espetáculo, onde imagens desconexas e concei-tos superficiais camuflam uma reali-dade bem mais complexa.

No RS, o anarquismo organizado tem como referência a Federação Anarquista Gaúcha (FAG), sediada na capital. A organização possui um programa de emancipação social, vi-sando ao combate da exploração dos poderes econômico e político. Em 2015, completa 20 anos de luta séria junto aos movimentos sociais. Mas, na grande mídia, os anarquistas fo-ram pintados como marginais, como se constituíssem organizações crimi-nosas, e quantas bobagens mais os

delírios da RBS puderam engendrar. A FAG teve, inclusive, seu espaço

invadido, sem mandado judicial, pela polícia civil, que aprendeu – pasmem – livros e material de propaganda. Inquéritos a respeito de vandalismo, baseados em suposições vagas e re-latos inconclusivos, também foram levados a cabo contra militantes. Aí vale lembrar a lamentável atitude do então governador Tarso Genro, difa-mando os anarquistas, ao associá-los estupidamente a fascistas. E pensar que Tarso ainda é tido por muitos como referência da esquerda pela resistência à ditadura. Belo “esquer-dista” que reprime organizações de esquerda!

E todo esse cerceamento de liber-dades políticas foi legitimado pelo aparelho midiático da RBS.

Ser “pacífico”, para a RBS, significa

ser inofensivo. Pudemos ver, recen-temente, a energia com a qual a Glo-bo conclamou os protestos da direi-ta política, inclusive golpista. Esses eram manifestantes legítimos para a emissora, pois, ao contrários dos pretensos “vândalos”, reproduziam a ideologia dominante compartilhada pela organização dos Marinho.

Aliás, a mesma RBS que enchia a boca para falar de “depredação do patrimônio”, agora se cala quase que por completo acerca da Operação Zelotes, na qual é uma das principais empresas investigadas. Polícia Fede-ral e outros órgãos desconfiam de que a afiliada da Globo pagou pro-pina de 15 milhões a consultorias de membros do Conselho Administra-tivo de Recursos Fiscais (Carf) para “sumir” com uma dívida de R$ 150 milhões em sonegação fiscal.

“O projeto político e social do anarquismo é uma sociedade livre e antiautoritária, que conserve a liberdade, a igualdade e a solidariedade entre todos os seus membros.”

Nestor Makhno

IGOR MALLMANN

Desinformação e criminalização da dissidência

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Imperialismo. O conceito já é por si só já a manifestação maior do capi-talismo monopolista, ou como di-zia Lênin “a etapa superior do capi-

talismo”, mas as mazelas que produz são muito abrangentes, adaptáveis e extremamente criativas e estão em contínuo curso de fortalecimento. Podemos constatar com certeza que a única teoria de conspiração que está em andamento é a prática vil do imperialismo em relação aos traba-lhadores e excluídos do mundo.

E o que dizer das ONGs, tão famo-sas por suas pseudopreocupações com o que deveria ser o bem cole-tivo e da Terra? Nas últimas décadas surgiu uma nova instituição social que desempenha a mesma função de controle e de mistificação ideoló-gica: as autodenominadas organiza-ções não-governamentais. Existem hoje pelo menos 50 mil ONGs no Terceiro Mundo, que receberam cer-ca de 10 bilhões de dólares de insti-tuições financeiras internacionais e agências governamentais européias, estadunidenses, japonesas e dos go-vernos locais. Os gestores das maio-res ONGs manejam orçamentos de milhões de dólares com salários e ajudas de custo comparáveis aos dos diretores de empresas. Viajam de avião para conferências inter-nacionais, reúnem-se com alguns diretores empresariais e financei-ros e tomam decisões políticas que afetam, na grande maioria dos casos de maneira desfavorável, milhões de pessoas, especialmente os pobres, mulheres e trabalhadores do setor informal.

Quanto à penetração das ONGs e seu poder econômico e político so-bre o chamado “mundo progressis-ta”, é sintomático que haja pouca crí-tica de esquerda sistemática acerca do impacto negativo das ONGs. Esse fracasso se deve em grande parte ao sucesso das ONGs em substituir e destruir os movimentos de esquerda organizados e cooptar seus estrate-gistas intelectuais e líderes organi-zacionais. Os extraordinários efeitos das políticas de ajustamento estru-tural sobre os salários e assalariados, camponeses e pequenos comercian-tes gera potencial descontentamen-to nacional e popular. É então que as ONGs entram em cena para mistifi-car e desviar esse descontentamen-to dos ataques diretos à estrutura de poder e lucro empresarial e bancário

para microprojetos locais e auto-ex-ploração apolítica “de movimentos de base” e “educação popular” que evita a análise de classe do imperia-lismo e da exploração capitalista.

As ONGs tornaram-se, em todo o mundo, o último veículo de mo-bilidade vertical para as ambicio-sas classes instruídas: universitário, jornalistas e profissionais liberais abandonaram suas excursões ini-ciais nos movimentos esquerdistas, pobremente recompensados, por uma carreira lucrativa dirigindo uma ONG, levando com eles as suas ha-bilidades organizacionais e retóricas.

Existem milhares de dirigentes de ONGs que conduzem carros esporte de 100 mil dólares de sua confortável casa ou apartamento de subúrbio para seu escritório ou prédio mobi-

liado, deixando seus filhos e tarefas domésticas nas mãos de emprega-dos, seu jardim aos cuidados de jar-dineiros. Estão mais familiarizados e gastam mais tempo com lugares no exterior, onde acontecem as confe-rências internacionais sobre pobreza (Washington, Bangkok, Tóquio, Bru-xelas etc.) do que com as lamacentas aldeias do seu próprio país. São mais versados em redigir novas propos-tas para conseguir moeda forte para “profissionais merecedores” do que correr o risco de levar pancadas na cabeça por parte da polícia que re-

prime uma manifestação de profes-sores rurais mal pagos.

Os líderes das ONGs são uma nova classe que não se baseia em pro-priedades pessoais ou em recursos governamentais, mas vivem de fun-dos imperiais e de sua capacidade de controlar grupos populares sig-nificativos. A justificativa formal que os diretores das ONGs dão para sua posição, de que combatem a pobre-za e a desigualdade são interesseiras e plausíveis.

Há uma relação direta entre o crescimento de ONGs e o declínio do nível de vida: a proliferação de ONGs não reduziu o desemprego estrutural, os deslocamentos em massa de camponeses, nem criou níveis salariais dignos para o cres-cente exército de trabalhadores informais. O que as ONGs fizeram foi dar a uma pequena camada de profissionais uma renda para fugir dos estragos da economia neoli-beral que afeta seus países e pes-soas e subir na estrutura de classe social que existe. Essa realidade contrasta com a imagem que os funcionários das ONGs têm de si mesmos. Segundo seus despachos de imprensa e discursos públicos eles representam uma terceira via entre o “estatismo autoritá-rio” e o “capitalismo selvagem de mercado”. Descrevem-se como a vanguarda da “sociedade civil” atuando nos interstícios da “eco-nomia global”. O assunto que mais se ouve nas conferências das ONGs é o “desenvolvimento alternativo” e fabricar frases de efeito acerca da “sociedade civil” é um exercí-cio no vazio. A “sociedade civil”

não é uma entidade unitária, ela é composta de classes provavelmen-te mais profundamente divididas que nunca neste século. A maioria das injustiças mais graves contra os trabalhadores são perpetradas pelos banqueiros ricos, numa so-ciedade civil, que extraem lucros exorbitantes da dívida interna; por latifundiários que expulsam os camponeses da terra e por capita-listas industriais que exaurem os trabalhadores com salário de fome em locais de trabalho desumanos.

Ao falar de “sociedade civil”, os membros das ONGs ocultam pro-fundas divisões de classe, a explo-ração de classe e a luta de classes que polariza a “sociedade civil” contemporânea. Contrariamente à auto-imagem dos dirigentes de ONGs, que se vêem como líderes de movimentos de base, na reali-dade são os reacionários de base que complementam o trabalho do FMI ao empurrar a privatização “a partir de baixo” e desmobilizar os movimentos populares, deste modo minando a resistência.

A filosofia básica da visão da ONG é transformar a “solidariedade” em colaboração e subordinação à macroeconomia do neoliberalismo focalizando a atenção longe dos recursos estatais das classes ricas para a auto-exploração dos pobres. O conceito marxista de solidarie-dade, porém, ressalta a solidarie-dade de classe dentro da classe, solidariedade de grupos oprimidos contra seus exploradores internos e externos e também o processo de luta política e educação que ga-ranta transformação social.

HISTÓRIA IMEDIATA

ONGs a serviço do ImperialismoLUCIUS FABIANO DA SILVA

Existem hoje pelo menos 50 mil

ONGs no Terceiro Mundo, que

receberam cerca de 10 bilhões de dólares de

instituições financeiras

internacionais e agências

governamentais europeias,

estadunidenses, japonesas e dos governos locais. CULTURA DISSIDENTE

Olhe com que leveza corre o Homem,Transbordantes e supérfluas saco-las carrega.No rosto, um semblante incólumeQue ri da Terra em que pisa

Escasso é o tempo: corra!Abundam as opções: escolha!Há novidades disponíveis: labore!Gatunos rondam a casa: isole-se!

Pessoas compram, pessoas se vendem Uns morrem de fome, outros de consumismo,Liberdade, ó badalado truísmo Velhas desigualdades, ainda que se modernizem

A vida é um projeto de publicidade Cultuamos ilusões fabricadasSaciamos fúteis necessidades criadas E pagamos com nossa humanidade

Vida, leve futilidade IGOR MALLMANN

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História, Educação e Política

EDUCAÇÃO EM TRANSFORMAÇÃO

A partir de agora, teremos um espaço para falar de educa-ção com liberdade e verda-de, assim como sua história

e as vertentes mais carismáticas e proeminentes. Nomes que nossa educação tem deixado de lado em prol de lógicas mercadológicas e em resposta a um academicismo menos voltado para uma formação mais solidária e mais para a chama-da ‘profissionalização”. Importante, mas que deve ser acompanhada da cooperatividade e de uma educa-ção humanista, grande essência do nosso educador maior, Paulo Frei-re, que, pasmem, grande parte dos propedêutas insistem, em seu esta-do de torpor, deixar de visitar suas reflexões libertárias.

A educação escolar básica é im-portante, pois é nesta fase de estu-dos que se dá boa parte da formação da subjetividade de uma pessoa. O conteúdo escolar escolhido para ser trabalhado pedagogicamente, as concepções de ensino, de ser hu-mano, de sociedade ou mundo, as palavras, são todos portadores de processos culturais, de ideologia ou intencionalidade política. Quando um grupo político assume o gover-no ou o poder, logo trata de inter-ferir na configuração político-peda-gógica. Foi o que fez o grupo que assumiu o poder em 1964, no Bra-sil. Fazendo uma análise superficial das concepções políticas e sociais das disciplinas de Educação Moral e Cívica (EMOCI) e Organização Social e Política do Brasil (OSPB), da épo-ca da Ditadura Militar (1964-1985) é possível constatar que há no con-teúdo escrito um nítido aspecto li-mitador de conceitos, dificultando o desenvolvimento da capacidade de pensar a complexidade das es-truturas e dos processos sociais, não levando em consideração as múltiplas dimensões dos contextos sociais e políticos. Kazumi Munaka-ta em seu livro “Histórias que os li-vros didáticos contam, depois que acabou a Ditadura no Brasil”, afirma que não há dúvidas de que muitas belas (e também feias) mentiras fo-ram perpetradas em livros didáticos (e paradidáticos). A concepção po-lítica do discurso da educação dos anos 70 (e por incrível que pareça de alguns educadores da atualida-de, refletindo em parte no corpo discente), não permite vislumbrar os educandos enquanto sujeitos do processo histórico, construtores de condições de vida cidadã no conjun-to de atores sociais e políticos arti-culados para a construção de rela-ções de alteridade. Sendo assim, o indivíduo não é colocado no campo

de possibilidades de luta para cons-truir sua história e da coletividade do seu país, panorama que hoje se vislumbra de outra forma.

A propaganda governamental, através do sistema de ensino, pro-movia atividades de divulgação da “rodovia Transamazônica”, do Tri--campeonato mundial (1970), de músicas com conotações patrióti-cas, etc. Estes elementos simbólicos trabalhados em comunidades esco-lares tinham o objetivo de formar opinião pública, levantando a au-to-estima dos brasi-leiros, dando a idéia de que tudo estava bem, assim legiti-mando o regime vi-gente. Pois, segundo Bourdieu, “o poder simbólico, isto é, a possibilidade de criar e ostentar mais que emitem uma mensa-gem de poder, per-mite muitas vezes obter o equivalente daquilo que é obti-do pela força sem dispêndio aparente de energia”. Então, não era apenas com a força dos ór-gãos repressivos que o regime mili-tar procurava manter o poder, mas, também, sutilmente, por meio da formação do imaginário e do sim-bólico. Neste caso, a escola era o espaço privilegiado. Através dos sis-temas de ensino, trabalhavam para estruturar a subjetividade das crian-ças e jovens. Para isso, instituíram a EMOCI e a OSPB e a transformaram em disciplinas obrigatórias, com professores devidamente contro-lados, indicados de acordo com a afinidade ideológica e performance política dominante. Com a abertura democrática o sistema passou por uma reformulação e essas duas dis-ciplinas foram extintas, dando lugar para a História, Geografia, Filosofia e Sociologia. O educando passou a ser considerado como um ser de possibilidades, que busca entendi-mento e compreensão das conexões sócio-históricas, da reflexão como elemento epistemológico capaz de construir conhecimentos acerca da sociabilidade democrática, no con-texto da educação enquanto prática de liberdade.

Mas, todo este referencial demo-crático encontra muitos empecilhos para se consolidar, visto que foram duas décadas de cerceamento da liberdade, do autoritarismo e de manipulação ideológica. Ainda hoje, os efeitos da ditadura influenciam a sociedade brasileira e, eminente-mente, a nossa região. As crianças e os jovens em geral, estão sendo ou

foram educados por pais que foram vítimas da educação autoritária e bi-toladora dos conceitos.

A deserção política é uma das ca-racterísticas da nossa sociedade, principalmente dentro da escola. Os alunos não querem mais deba-ter política, e isso é fundamental, em parte pela falta do engajamento docente na prática da articulação ur-gente pelo tema, pois são eles que nos conduzirão a novas perspecti-vas, e é isso que esperamos. A maior parte das pessoas adultas foi alijada

da educação polí-tica na infância, e não queremos isso hoje. Política não era assunto para o povo, somente para as “autoridades”, portanto, o proces-so de construção de relações democráti-cas, éticas e cidadãs ainda é um desafio para nossa comuni-dade.

O caminho é a perspectiva críti-ca, o fomento da pluralidade de

concepções políticas, de mundo, o respeito ao diferente e as decisões tomadas pela maioria. É uma nova lógica de convivência, que envolve todos os segmentos sociais e prin-cipalmente a escola, que deve capi-tanear essa nova revolução, em que professores e alunos sejam um o prolongamento do outro, em que a única vaidade seja a de quem se so-lidariza mais com o outro, ou quem mais colabora mais com o outro. A política é a arte do diálogo, é isso é conceito, somente com o diálogo democrático e coletivo chegaremos às soluções para o caminho que a escola deve tomar como centro da retomada da construção da socie-dade que almejamos.

A escola deve direcionar como a sociedade deve ser e não o contrá-rio, os valores éticos partem da es-cola, as ações propositivas partem da escola e alunos e professores são os construtores e fiscalizadores dessas ações. Portanto, é daí que parte toda e qualquer experiência de liberdade, cultural, ideológica. política, representativa, artística. Pois apesar de parte que estão na educação ainda viverem na menta-lidade da ditadura, vivemos agora tempos democráticos e não mais ditatoriais, cerceados por pseudo-lideranças vigilantes, que nas som-bras nos delatavam, mas sim em ambientes alegres, possíveis, cria-tivos, generosos, amigáveis, coope-rativos. Ou seja, o terreno está para ser plantado!

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LUCIUS FABIANO MARTINS DA SILVA

“Ainda hoje, os efeitos

da ditadura influenciam a sociedade brasileira e, com especial

intensidade, a nossa região”

EDIÇÃO/ REDAÇÃO

REDAÇÃO

PROJETO GRÁFICO/ DIAGRAMAÇÃO

ILUSTRAÇÃO

IGOR MALLMANN

LUCIUS FABIANO MARTINS

RODRIGO CALLAIS

VÂNIA DE PAULA DOS REIS

ANDREI MENDES DE ANDRADES

GABRIELE MENEZES

DIEGO “BRANCO” GAULER

SILVANO SILVA

Estudante de jornalismo

Professor

Dirigente sindical

Professora

Advogado

Estudante de publicidade e propaganda

Dirigente sindical

Professor

[email protected]

[email protected]

[email protected]

[email protected]

[email protected]

[email protected]

silvano.narizinho@gmail

EXPEDIENTE

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ANDREI MENDES DE ANDRADES

O ALICERCEMais do que um jornal. Um movimento.

EDIÇÃO 2 - GRAMADO, AGOSTO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.

PENSAR COLETIVO

“Não troco um só traba-lhador brasileiro por

cem desses grã-finos arrumadinhos.”

João Goulart (Jango)

O MAL E VELHO “POR FORA” DO SALÁRIO

Vivemos em uma cidade turística na qual devemos transmitir aos nossos vi-sitantes sempre a ideia de que vivemos em um paraíso, onde tudo é as mil ma-ravilhas.

Porém, há diversos aspectos a serem considerados em nossa região que são historicamente negligenciados ao cida-dão, dentre eles a ilusão de que receber salário “por fora” é bom para o trabalha-dor.

Os pagamentos realizados sem a devi-da formalização nos contracheques dos trabalhadores apenas causam prejuízos para os empregados e para toda a socie-dade.

Não se iluda, trabalhador, pois se o patrão acha bom pagar assim é porque de algum lado você está perdendo e ele está lucrando.

Cito como exemplo a sua aposenta-doria, uma vez que de nada vai adian-tar você receber hoje R$ 5.000,00; R$ 3.000,00; R$ 2.000,00; se em seus con-tracheques você tiver lançado somente o mínimo do mínimo, pois a sua contri-buição previdenciária é a base para o cál-culo da sua aposentadoria. Assim, quan-do você chegar na idade ou período de seu descanso, ou até mesmo quando você precisar se “encostar”, o cálculo de seu benefício de auxílio-doença é com base nos valores lançados no seu contra-cheque e não no que você recebe “por fora”.

Pare e analise quantas pessoas que você conhece que, apesar de alcança-rem a idade para se aposentar, tem que continuar trabalhando ou passam imen-sas dificuldades financeiras. E quando nós não contribuímos com a nossa parte sequer poderemos reclamar do maldito fator previdenciário que prejudica o ci-dadão.

Ou será que o seu patrão irá pagar a di-

ferença da aposentadoria que você não terá porque ele não respeita e não faz questão de impor que seja respeitada a lei trabalhista?

Assim, precisamos que os trabalhado-res se conscientizem da importância do registro de tudo o que recebem em seu contracheque.

Estas irregularidades somente aumen-tam o lucro dos empresários e subtraem direitos do trabalhador, incentivam a so-negação de impostos e recursos para a Previdência Social, FGTS e, consequente-mente, da educação, da saúde, da segu-rança e de tudo o que os governos têm que oferecer a todos os cidadãos.

Todos devem respeitar a Lei para que se tenha uma efetivação dos direitos e obrigações de todos os cidadãos. De nada adianta reclamar da classe políti-ca quando o próprio povo não faz a sua parte.

Veja que ao não ter um salário digno em seus contracheques o trabalhador não consegue bons financiamentos para tentar comprar uma casa ou carro, pois não tem garantias de que conseguirá honrar as parcelas para o seu credor.

Assim, um dos fatores que tornam o trabalhador eternamente refém do aluguel em nossa região são os desres-peitos aos direitos mais básicos da legis-lação trabalhista, como o salário real, as horas extras devidas e o adicional de in-salubridade amplamente sonegado.

Isto tudo que escrevo a maior parte de nossa população passa ou passou em nossa cidade e queremos que se cons-cientize da importância para toda a sua vida do respeito aos seus direitos que

foram conquistados através da luta de tantos trabalhadores e representantes dos trabalhadores.

Busque garantir e assegurar seus di-reitos e deveres, pois somente assim constituiremos melhores condições de trabalho, salários dignos e como resul-tados todos terão uma sociedade mais honesta, humana e justa.

ALUGUEL E DÉFICIT HABITACIONAL

Infelizmente, em nossa região o traba-lhador não tem tido acesso aos progra-mas sociais e habitacionais mais expres-sivos da história do país como o “Minha Casa, Minha Vida”. Apesar de sermos uma região rica economicamente e com grandes expectativas orçamentárias, te-mos um déficit habitacional altíssimo.

E quem sofre com isso? Ora, quem mais seria? Por óbvio que é o trabalha-dor, que muitas vezes trabalha para ter onde dormir e o que comer para a sua família e não vê nenhuma perspectiva de mudança, já que infelizmente em nossos municípios não vemos planeja-mentos nesta área.

Os poucos “projetos” que existem/existiram demoram uma eternidade para saírem do papel e muitas vezes sem os devidos estudos de impacto ambien-tal, retardando ainda mais o acesso de quem mais precisa ao direito fundamen-tal da moradia.

Frisa-se que a criação do programa “Minha Casa, Minha Vida” incentiva que os municípios procurem criar meios para a efetiva aplicação nas cidades des-

te programa tão importante. Porém, em nossa região houve apenas um condo-mínio projetado pelo município de Ca-nela através deste programa que se uti-lizou deste importante projeto em favor de seus trabalhadores.

O mais grave e triste é que, em nos-sa região, infelizmente sequer ouvimos promessas de incentivos à moradia po-pular.

O programa “Minha Casa Minha Vida” que beneficiou vários trabalhadores para que adquirissem seu imóvel e ain-da facilitou que outros milhares de tra-balhadores tivessem acesso a terrenos e casas e assim saísse do aluguel, um mal eterno que acaba com o orçamento de uma família.

Quem paga os aluguéis que são cobra-dos aqui sabe o quanto é importante ha-ver este tipo de programa após décadas sem qualquer incentivo habitacional.

Mas, sabemos que o olho grande dos proprietários de áreas de terra aqui é um dos fatores que acaba por não permitir que um trabalhador tenha acesso a um terreno. Ou vocês conhecem algum ter-reno registrado com valor abaixo de R$ 80.000?

O mais incrível é que muitos fazem piada deste importante programada de acesso à moradia e ao não querer en-xergar diz que a culpa é de quem criou o programa voltado aos menos favo-recidos e não de quem não fez ou não procurou implantá-lo em nossos muni-cípios.

Devemos analisar se realmente há in-teresse político e financeiro das pessoas em promover estas obras e programas sociais tão importantes e necessários aos trabalhadores de nossa região.

Assim, o salário do trabalhador sofre a cada dia um baque, pois, apesar de muitas vezes o empregado trabalhar em mais de um emprego, em trabalhos com jornadas de trabalho absurdas e que se-quer permitem que tenham uma vida mais digna, com lazer, descanso e conví-vio com sua família, seus filhos, melhor educação e perspectiva de crescimento pessoal.

Assim, é chegada a hora de todos se conscientizarem que o trabalhador me-rece mais e que nossos representantes devem garantir acesso à moradia às pes-soas que realmente fazem a riqueza de nossa região: O TRABALHADOR.