o alicerce - edição 1

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O ALICERCE Mais do que um jornal. Um movimento. EDIÇÃO 1 - GRAMADO, JULHO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. G ramado é uma cidade que se vangloria de seus atravos tu- ríscos arficiais. Uma cidade, sobretudo, voltada às apa- rências e ao espetáculo. Por detrás de suas estonteantes e burguesas luzes, no entanto, se escondem as mazelas que regurgita a atual sociedade altamente consumista e desprovida de consciên- cia. Córregos poluídos e parques natu- rais transformados em lixões perfazem a realidade que não corre o mundo em cartões postais. O avista ambiental Jair Portolan vem incansavelmente denunciando a situ- ação. Em suas incursões voluntárias a locais como a Cascata dos Narcisos, no bairro Pirani, ele registra os crimes perpetrados pela população e o desca- so de um poder público negligente. Portolan conta que o lixo que recolhe se mulplica diariamente. Descartados na natureza, ele encontra colchões, ele- troeletrônicos, sacolas, vidros, animais mortos e tudo o mais que a insensatez humana for capaz. Outro crime diz respeito ao esgoto que chega às águas sem nenhum gê- nero de tratamento, tanto por parte de residências como por empreendi- mentos, como obras em construção e estabelecimentos diversos. “As pessoas estão egoístas ao extremo, não fazem nada que não lhes dê lucro”, observou Jair, com pesar. A prefeitura peca muito na questão ambiental. Para Jair, há total falta de fiscalização. Muitos crimes ambientais são tratados com omissão pelo poder público. O Execuvo teme prejudicar a “imagem” da cidade e seus interesses polícos se for tratar a questão com atenção e punir infratores. “Há anos, Gramado vive com uma políca de apa- rências”, pontuou o avista. As ações da Secretaria do Meio Am- biente, segundo Portolan, são desco- ladas da realidade. “A Secretaria faz demagogia. Para que trazer o milio- nário do Lawrence Wabba para pales- trar na semana do meio ambiente? Por que não pegar o pessoal capa- citado daqui e levar as crianças nos parques ecológicos ver a situação?”, indagou Portolan. “Mulplicar cidadania”. Assim Jair classifica seu trabalho. Hoje, esse con- ceito é premente para a humanidade. Para quem quiser saber mais sobre seu trabalho, pode pesquisar por ele e a As- sociação Gramado Viva no Facebook. A conscienzação deve começar por angir as atudes básicas, mas a questão ambiental requer mudanças profundas nas mentes da população e nas estruturas econômicas. Pois a ló- gica capitalista e suas polícas subme- tem tudo ao lucro privado. Tudo entra na roda do consumismo, incluindo o meio ambiente. IGOR MALLMANN JAIR PORTOLAN “ Há anos, Gramado vive com uma política de aparências”

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Page 1: O alicerce - edição 1

O ALICERCEMais do que um jornal. Um movimento.

EDIÇÃO 1 - GRAMADO, JULHO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.

Gramado é uma cidade que se vangloria de seus atrativos tu-rísticos artificiais. Uma cidade, sobretudo, voltada às apa-

rências e ao espetáculo. Por detrás de suas estonteantes e burguesas luzes, no entanto, se escondem as mazelas que regurgita a atual sociedade altamente consumista e desprovida de consciên-cia. Córregos poluídos e parques natu-rais transformados em lixões perfazem a realidade que não corre o mundo em cartões postais.

O ativista ambiental Jair Portolan vem incansavelmente denunciando a situ-ação. Em suas incursões voluntárias a

locais como a Cascata dos Narcisos, no bairro Piratini, ele registra os crimes perpetrados pela população e o desca-so de um poder público negligente.

Portolan conta que o lixo que recolhe se multiplica diariamente. Descartados na natureza, ele encontra colchões, ele-troeletrônicos, sacolas, vidros, animais mortos e tudo o mais que a insensatez humana for capaz.

Outro crime diz respeito ao esgoto que chega às águas sem nenhum gê-nero de tratamento, tanto por parte de residências como por empreendi-mentos, como obras em construção e estabelecimentos diversos. “As pessoas estão egoístas ao extremo, não fazem nada que não lhes dê lucro”, observou

Jair, com pesar.A prefeitura peca muito na questão

ambiental. Para Jair, há total falta de fiscalização. Muitos crimes ambientais são tratados com omissão pelo poder público. O Executivo teme prejudicar a “imagem” da cidade e seus interesses políticos se for tratar a questão com atenção e punir infratores. “Há anos, Gramado vive com uma política de apa-rências”, pontuou o ativista.

As ações da Secretaria do Meio Am-biente, segundo Portolan, são desco-ladas da realidade. “A Secretaria faz demagogia. Para que trazer o milio-nário do Lawrence Wabba para pales-trar na semana do meio ambiente? Por que não pegar o pessoal capa-

citado daqui e levar as crianças nos parques ecológicos ver a situação?”, indagou Portolan.

“Multiplicar cidadania”. Assim Jair classifica seu trabalho. Hoje, esse con-ceito é premente para a humanidade. Para quem quiser saber mais sobre seu trabalho, pode pesquisar por ele e a As-sociação Gramado Viva no Facebook.

A conscientização deve começar por atingir as atitudes básicas, mas a questão ambiental requer mudanças profundas nas mentes da população e nas estruturas econômicas. Pois a ló-gica capitalista e suas políticas subme-tem tudo ao lucro privado. Tudo entra na roda do consumismo, incluindo o meio ambiente.

IGOR MALLMANN

JAIR PORTOLAN

“ Há anos, Gramado vive com uma política de aparências”

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Manifesto de constituição do Movimento O Alicerce

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EDIÇÃO/ REDAÇÃO

REDAÇÃO

PROJETO GRÁFICO/ DIAGRAMAÇÃO

RODRIGO CALLAIS

IGOR MALLMANN

LUCIUS FABIANO MARTINS DA SILVA

VÂNIA DE PAULA DOS REIS

SILVANO SILVA

GABRIELE MENEZES

ANDREI MENDES DE ANDRADES

Dirigente sindical

Estudante de jornalismo

Professor da rede estadual e municipal de educação de Gramado

professora de Língua Portuguesa e Literatura em escola pública

Dirigente sindical

Estudante de Publicidade e Propaganda

Advogado

[email protected]

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[email protected]

Esta publicação é totalmente independente e de distribuição gratuita, não possuindo nenhuma intenção comercial.

[email protected]

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[email protected]

Quando da ascensão he-gemônica do capitalismo como modelo econômico, social e político, com a Re-

volução Industrial entre os séculos XVIII e XIX, surgiram também as teorias que explicitavam as con-tradições do sistema. Diferentes vertentes socialistas, comunistas e anarquistas buscaram unir as clas-ses oprimidas nas lutas por justiça social e liberdade. Deste então, vários direitos foram arrancados à base de muita luta e sob impiedosa repressão. Mas seria um contras-senso cogitar que as contradições de classe tenham findado.

Hoje temos um cenário que su-pera o tradicional sistema prole-tariado (agente oprimido) versus burguesia (agente opressor). Pade-cem sob formas de opressão não apenas os trabalhadores assalaria-dos, mas também desempregados, estudantes, portadores de necessi-dades especiais, pequenos produ-tores, camponeses, aposentados, mulheres, povos originários, ne-gros, refugiados, LGBTs, moradores da periferia, sem teto, entre outras classes. E o pior de tudo: muitas vezes a opressão sofrida por todas essas classes passa despercebida, fundamentalmente graças a um imenso aparelho ideológico que

nos apresenta as injustiças como normais e até necessárias. O indi-vidualismo, a intolerância e a mes-quinharia ganham fôlego nocivo.

O que nos propomos é refletir a respeito destas questões a tan-to tempo presentes na sociedade, mas ultimamente subestimadas, inclusive em nossa região. Quere-mos semear solidariedade, justi-ça, reflexão crítica, consciência de classe e propagar um pensamento plural de esquerda, humanista, en-gajado com a mudança em nossa sociedade. Cremos que a única ma-neira de se melhorar as condições de vida (não só no sentido material, mas também intelectual, cultural, emocional etc.) é a coletividade, a união dos que estão conscientes das mazelas que os cercam; a soli-dariedade entre os “de baixo” em oposição aos imperativos dos “de cima”.

A carência humanista é sentida por esse grupo de forma imediata e urgente e a instrumentalização para a mudança é a verdade, a jus-tiça e a história. A análise histórica, aliada as suas correntes ideológi-cas libertárias coloca o panorama da atualidade como extremamente opressor, maquiado em um efeito vitrine violento, colocando a mar-gem as minorias. O olhar ao pró-

ximo foi substituído pelo vago e o estado de torpor. Nossos jovens, em grande parte devem ser des-pertados para esta realidade que oprime e não liberta, que leva para as sombras e sob uma falsa visão de prosperidade material não con-segue colocar todo seu potencial à tona. É o momento da criticidade atuante, da ação coletiva e a união solidária. O humanismo não está em decadência, mas sim em ascen-são e isso está no coração desse grupo.

Apesar de toda a campanha que se faz contra as ideologias de ver-tente esquerdista, principalmente após a queda dos governos socia-listas da União Soviética e do leste Europeu, no final da década de 80, com a ideia que o socialismo havia acabado, se vê hoje claramente que isto não é verdade. O sistema predominante no mundo hoje, o capitalismo, na sua mais avançada forma, este sim está com seus dias contados. Porque ou ele acaba ou a humanidade acabara.

Este sistema de exploração feroz do homem pelo homem e da natu-reza coloca a humanidade em uma encruzilhada histórica onde o me-lhor caminho para um mundo sus-tentável sem guerras e em harmo-nia entre os povos é o caminho do

socialismo. Um socialismo renova-do para um novo tempo, mas que prevaleça na sua pureza os seus ideais de igualdade e solidarieda-de entre os povos, um pensamento coletivo entre as pessoas onde o SER se sobreponha ao ter.

Assim, engendramos um jornal gratuito, colaborativo, totalmente independente, feito por trabalha-dores de diferentes ramos e sem nenhuma intenção comercial. Sua finalidade é a reflexão, o debate e a conscientização.

Nossa intenção é lhe apresentar ideias e opiniões, informações que lhe ajudem a criar uma opinião pró-pria aliada a outras leituras e fontes de informação e não aceite como verdadeira qualquer coisa que trans-mitam por rádio, TV, revistas, jornais ou nas redes sociais.

Busque informações, busque tex-tos de especialistas, busque confir-mar as informações ou dados que lhe enviam, busque saber de tudo, mas, busque ter a sua própria opinião e não aceite imposição de quem quer que seja.

Assim, o que realmente queremos é que você pense e não seja usado somente como um repassador de in-verdades ou fantasias, pois, um bem que lhe é de direito e que ninguém irá lhe tirar é o poder de pensar.

EXPEDIENTE

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Atenção! Curva perigosa à direita

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IGOR MALLMANN

RODRIGO CALLAISNão se pode negar que 2015 tem sido um ano difícil para quem vive de seu trabalho. Pode-se listar o encarecimen-

to de bens e serviços, o ajuste fiscal do governo, inúmeros projetos de re-tirada de direitos no Congresso, en-tre outras mazelas. O curioso é que a direita quer nos fazer crer, principal-mente por meio da mídia corporativa, que esses são problemas provocados por um governo de “esquerda”, “boli-variano”, “comunista” e quantos mais conceitos vazios e absurdos puderem engendrar.

Pretendo explicitar que a questão é que temos um governo que, cada vez mais, se dirige à direita, penetra-do por interesses do “mercado” e das oligarquias com as quais está aliado (PMDB, por ex.).

De fato, o PT nasceu no seio da classe trabalhadora e se constituía como esquerda reformista. Porém, em 2002, chegou ao poder por meio do que chamamos “pacto de classes”. Amplos setores da população viven-ciaram substancial melhora nas suas condições materiais de vida. Mas, ao mesmo tempo, não confrontou os in-teresses das oligarquias retrógradas, do mercado financeiro e de nenhum outro setor capitalista. Esses, na ver-dade, tiveram sempre seus interesses muito bem representados no governo. Há um setor forte da direita dentro do governo; tudo em nome da “governa-bilidade”. Agora, esse modelo desen-volvimentista dá sinais de esgotamen-to e a corda estoura no lado mais fraco (trabalhadores, estudantes, aposenta-dos, desempregados etc.).

Alguns já classificam o governo do PT como de centro-direita, um partido de “ex-esquerda”. O que é o ajuste fiscal,

que corrói o fruto de nosso trabalho, senão fazer com que os trabalhadores paguem a conta da “crise”, enquanto que o setor financeiro aufere altos lu-cros? A quem beneficiam as altas taxas de juros senão aos bancos? A presidente Dilma Rousseff só faz dar sinais ao “mer-cado” de que está amplamente compro-metida com a acumulação capitalista, como com o pacote de concessões de infraestrutura de transportes às garras do lucro privado. Setores do próprio PT compartilham dessas mesmas críticas. Lula, inclusive, declarou recentemente que o partido perdeu a “utopia”.

Mas a direita neoliberal, que perdeu nas urnas, e setores golpistas insistem em criticar a “esquerda” que governa. Se critico o governo, o faço por esquerda; essa é a grande diferença. No entanto, o que a ideologia dominante martela é que temos que acabar com políticas sociais, privatizar tudo, pedir intervenção militar e tantas outras bobagens. Nessa onda de insanidade é que não se pode cair.

Para encerrar, um dado estarrecedor é que, em 2014, 45% do orçamento da União foi consumido pela dívida públi-ca, cujos títulos são predominantemen-te detidos por instituições financeiras. Esse tipo de coisa é que o governo nunca questionou, como também é o caso da democratização da mídia. E os movimen-tos sociais de base, nesses últimos 12 anos, viram sua desorganização, indo de reboque no governo e temendo lhe fazer oposição por esquerda.

É preciso defender as políticas sociais, os investimentos nos serviços públicos e a ampliação de direitos. Ao mesmo tem-po, combater o avanço das práticas con-servadoras e direitistas, sejam elas vidas da oposição ou do governo. Não pode-mos nos restringir à disputa PT x PSDB, por exemplo. A única maneira de progre-dir é a urgente politização e organização pela base.

“O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a or-ganização.”

Vladimir Lênin

A AMEAÇA AOS TRABALHADORES

Mesmo com grande pressão de centrais sin-dicais, sindicatos e movi-mentos sociais, o projeto de lei 4330 foi aprovado na Câmara dos Deputa-dos. A maioria dos par-lamentares votou a favor de um PL que amplia a terceirização para todos os setores da economia, retira direitos e prejudica os trabalhadores, mos-trando assim que aten-dem somente o interesse das entidades patronais e das grandes empresas, financiadores da maioria dos deputados.

O PL 4330 é inaceitável, pois representa um aten-tado aos direitos laborais e a desregulamentação por inteiro dos direitos sociais e trabalhistas, além de vários prejuízos à classe trabalhadora no que se refere à saúde do trabalhador e à remune-ração.

De acordo com o DIEE-SE, se a terceirização for ampliada, provocará o rebaixamento de salários em cerca de 25% e afeta-rá de maneira negativa o mercado interno de con-sumo.

Segundo o INSS, os terceirizados são os que mais sofrem acidentes de trabalho. Consequen-temente, sua ampliação provocará uma sobre-carga no Sistema Único de Saúde (SUS), já que automaticamente as de-mandas de atendimento se multiplicarão.

Além da oposição da maioria das centrais e sindicatos, o projeto é rechaçado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pela Associação Nacional dos Magistra-dos do Trabalho (Ana-mantra), pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela maioria dos Ministros do TST, o qual, em nota, adverte que ge-neralizar a terceirização da economia provocará lesão de direitos sociais, trabalhistas e previden-ciários diante do risco da migração massiva para a condição de terceirizado dos trabalhadores.

A aprovação do PL 4330 vai na contramão da defesa dos direitos trabalhistas, da distribui-ção de renda e do desen-volvimento econômico e social. A generalização da terceirização proposta pelo PL 4330 só atende aos interesses patronais da destruição dos direi-tos e da organização do trabalho, tendo por ob-jetivo central o aprofun-damento da exploração.

O projeto se encontra hoje no Senado, onde estão sendo feitas várias audiências publicas em todos os estados por ini-ciativa do senador Paulo Paim com o objetivo de levar o debate para a po-pulação.

É importante que a classe trabalhadora se informe sobre o assunto, que faça o debate com a família, amigos e no am-biente de trabalho para que a classe unida tenha força de dizer não a este projeto.

Não se engane: a ter-ceirização só favorece patrão.

NOS NOSSOS DIREITOS NINGUEM MEXE!

O TRABALHO

Ueslei Marcelino/Reuters: Ministro da Fazenda Joaquim Levy, figura importante do Bradesco que recebeu a incumbência de arquitetar o danoso ajuste fiscal

POLÍTICA

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A Revolução corria a todo o vapor na Cata-

lunha em 1936

“Anarquista é, por defi-nição, aquele que não quer ser oprimido, nem deseja ser opressor; é

aquele que deseja o máximo bem--estar, a máxima liberdade, o máxi-mo desenvolvimento possível para todos os seres humanos.”

Errico Malatesta

ANARQUISMO: COMBATENDO A RAIZ DOS PROBLEMAS SOCIAIS

O que te vem à cabeça, leitor, quando ouves a palavra “anarquis-mo”? Gostaria de, a cada edição de O Alicerce, transmitir meu humilde e sempre inconcluso conhecimen-to sobre os princípios anarquistas. Pretendo evidenciar, descontruin-do preconceitos, o quão vasta é essa ideologia política em história e contribuições sociais, além de sua atualidade e potencialidade para melhorar a vida de cada um de nós, estudantes, trabalhadores e tantas outras classes que batalham diaria-

mente por uma vida digna.O descaminho de governos que se

pretendiam de esquerda e a favor dos interesses populares evidencia a necessidade da organização autô-noma da população. Principalmente com as Jornadas de Junho de 2013, o discurso midiático hegemônico difundiu o conceito distorcido de anarquismo como baderna, vanda-lismo, desordem e extremismo. O anarquismo é, sim, radical. Mas no sentido de ir à raiz dos problemas sociais e se colocar ombro a ombro com as classes oprimidas nas suas lutas por emancipação.

O anarquismo propõe o so-cialismo através da revolução social, mas, ao contrário dos marxistas, preconiza práticas libertárias, que excluem a constituição de um Esta-do centralizador e ditatorial. Desde o século XIX, o anarquismo vem di-fundindo ideais como a autogestão, ação direta e o federalismo. Com a derrubada do capitalismo, se insti-tuiria uma sociedade com economia coletivizada, na qual os trabalhado-res regeriam seus locais de trabalho sem patrões e chefes. A organização

política se daria por meio de con-selhos em diferentes níveis, assem-bleias e delegados com mandato revogável para transmitir as delibe-rações às instâncias decisórias pos-teriores.

Os anarquistas atuantes nos sindicatos protagonizaram o nasci-mento do movimento operário bra-sileiro, no início do século XX. Hoje, o país conta com organizações anar-quistas que, longe do conceito de “desordem”, possuem programas políticos e buscam a inserção nos mais diversos movimentos socais.

O anarquismo traz noção de liber-dade na coletividade em oposição à ilusória liberdade burguesa e in-dividualista. Um dos principais teó-ricos e revolucionários anarquistas, Bakunin, assim define a verdadeira liberdade: “Só sou verdadeiramen-te livre quando todos os seres hu-manos que me cercam, homens e mulheres, são igualmente livres. A liberdade do outro, longe de ser um limite ou a negação da minha liber-dade, é, ao contrário, sua condição necessária e sua confirmação”.

O “ser” de cada um é posto em

evidência para superar o “ter” que hoje impera pelo consumis-mo, uma das formas de explora-ção moderna.

É respeitada a máxima de es-tar sempre ao lado do povo, nunca tentando ditar as ações das massas, como os partidos autoritários e eleitoreiros. A po-lítica por via eleitoral é rejeitada pela constatação de que os po-líticos profissionais não têm ca-pacidade de representar nossas vontades. Sempre priorizarão seus próprios interesses e os de quem os patrocina.

Ou você, camarada, nunca teve aquela sensação de que os eleitos para cargos políticos não representam teus interes-ses? Hoje a palavra política está impregnada por noções que ge-ram repulsa. Isso porque a polí-tica, hoje, é a política das elites e não a vontade e poder popu-

CONSCIÊNCIA LIBERTÁRIAIGOR MALLMANN

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Transportes coletivizados traziam a

inscrição da CNT

lar.As elites políticas, militares

e econômicas tentam nos ilu-dir dizendo que é impossível a democracia direta, que a repre-sentação é a única saída. Que as coisas sempre serão assim. Que sempre teremos de acei-tar com submissão os desígnios sagrados decididos por engra-vatados entre quatro paredes protegidas das massas. Isso é o que querem e precisam que acreditemos.

Mas o povo já deu inúmeras mostras de sua força e organi-zação, basta que acorde da alie-nação em que está mergulhado e, unido, se liberte dos grilhões capitalistas. O anarquismo, pe-rene como inspiração de liber-dade, permanece vivo para nos lembrar disso.

A seguir, discorro sobre um dos exemplos de anarquismo posto em prática no século passado. Trata-se da Revolução Espanho-la (1936-1939), que completa 79 anos neste mês de julho.

79 ANOS DE UMA DAS

MAIORES EXPERIÊNCIAS LIBER-TÁRIAS

DA HISTÓRIA

No dia 19 de julho de 1936, na Espanha, começava um dos mo-mentos históricos que mostrariam que uma sociedade baseada nos princípios anarquistas era possível e muito desejável. Infelizmente, no dia anterior (18), o general fascista Francisco Franco dava início à Guer-ra Civil com a tentativa de golpe à República Espanhola.

Com enfraquecimento do gover-no, regiões como Catalunha e Ara-gão registraram levantes populares para resistir ao golpe, obtendo su-cesso. Nesses locais, onde a influên-cia anarquista era predominante, os trabalhadores organizados na CNT – Confederación Nacional del Trabajo – passaram a gerir a vida econômica e política, além de enfrentar militar-mente os fascistas.

Fábricas, transportes, im-prensa, campos e tantos outros segmentos da economia foram co-letivizados. Diferenças salariais fo-ram suprimidas. Os trabalhadores

puderam tomar conta de suas ativi-dades, sem interferência de patrões e chefes. Tudo isso, claro, não sur-giu do nada. Há anos, a organização e a politização do povo se dava por meio da CNT, da FAI – Federación Anarquista Ibérica – e em outras ins-tâncias.

Este “sonho”, que conhe-cemos por relatos de testemunhas oculares como George Orwell (au-tor de “1984” e “Lutando na Espa-nha”), acabou suprimido pela força. O exército golpista recebeu amplo apoio de Hitler e Mussolini, que tes-taram homens e máquinas para a Segunda Guerra que se avizinhava. O único país a apoiar a República foi a União Soviética. Mas os russos de-sorganizaram a Revolução com a im-posição de seus métodos. Anarquis-tas e mesmo marxistas dissidentes foram caçados. Com omissão das democracias ocidentais, a República Espanhola cai em 1939 e o fascismo inicia a conquista da Europa.

A seguir, reproduzo algumas observações feitas por Orwell em “Lutando na Espanha”, quando de sua chegada à Barcelona:

[...] Pela primeira vez em minha vida eu estava numa cidade onde a classe trabalhadora se encontra-va no poder. Praticamente todas as edificações, fosse qual fosse seu tamanho, foram tomadas pelos trabalhadores e encontravam-se ornamentadas com bandeiras ver-melhas, ou com a bandeira verme-lha e negra dos anarquistas, e em todas as paredes e muros viam-se a foice e o martelo, e as iniciais dos partidos revolucionários [...] Em to-das as casas comerciais e cafés en-contrava-se a inscrição dizendo que foram coletivizadas, e até mesmo os engraxates o foram, trazendo suas caixas de apetrechos nas cores pre-to e vermelho. [...] de um para outro lado, os alto-falantes berravam as canções revolucionárias por todo o dia e adentravam-se pela noite.

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Abro esta coluna, que será constante neste que será mais que um jornal, mas um movimento, buscan-

do sempre na história esclarecer conceitos, utilizando a verdade, descortinando caminhos, descons-truindo mentalidades e priorizando a liberdade. As conquistas sociais passaram por momentos penosos, desbravados por ideologias que fo-ram formuladas pela legitimidade da análise do sistema capitalista e pelos instrumentos que possibilita-ram reduzir os efeitos cruéis desse sistema sobre a classe trabalhado-ra, quer pela “flexibilização” de uma classe dominante ou pela “força” do proletariado. O que se tem de dei-xar claro é que todas as legislações trabalhistas só puderam existir a partir das lutas da esquerda e da as-similação pelega dos governos em criá-las. Sem os questionamentos, as lutas, as reivindicações, as ideo-logias voltadas para o social nunca seriam possíveis as conquistas e isso é história. Todos nós trabalhadores somos beneficiados com isso. Mas são poucos os que olham para a his-tória e muito menos os que fazem a reflexão, pois o bombardeio da mí-dia e parte da sociedade cooptada é intenso e oportunista.

O socialismo utópico desenvol-veu-se especialmente na França. Os primeiros pensadores socialis-tas receberam essa denominação porque, ao invés de proporem pro-jetos reais para a transformação da sociedade da época, concebiam projetos ideais para a construção da sociedade futura. Entre os mais destacados filósofos ligados ao so-cialismo utópico citam-se os seguin-tes: Henri de Saint-Simon, autor da obra Discursos Literários, Filosóficos e Industriais, concedeu as bases de uma nova sociedade fundada na associação de produtores e na so-berania do trabalho; Charles Fouier, o autor do livro O novo Mundo In-dustrial, idealizou a criação de uma nova ordem social embasada na organização de falanstéios, isto é, comunidades socialistas nas quais seria abolida a divisão do trabalho onde cada homem e mulher desen-volveriam ao máximo seus talentos e aptidões; e Robert Owen, socialis-ta inglês, realizou experiências prá-ticas em sua fábrica na Inglaterra e

na comunidade de Nova Harmonia, fundada nos Estados Unidos. A ten-tativa realizada por Owen de redu-zir a jornada de trabalho, aumentar os salários e melhorar as condições de vida dos trabalhadores esbar-rou em obstáculos intransponíveis em sua época e, por isso, malo-grou. Owen dedicou-se, a partir de então, a incentivar a criação das Trade Unions, os primeiros sindi-catos ingleses. Já com a publicação do “Manifesto Comunista” (1848) escrito por Karl Marx e Friedrich Engels assinalou o surgimento do socialismo científico, num momen-to em que a Europa estava abala-da por inúmeras revoluções. Na sua obra máxima O Capital (1867), Marx analisa as origens e a estrutu-ra dinâmica do modo de produção capitalista. Segundo Marx, o capita-lismo é uma estrutura econômica que implica necessariamente a ex-ploração do trabalhador. Com Marx e Engels surge a conceituação de Socialismo Científico que tem com base: o materialismo histórico: em que o modo de produção de vida condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral, assim, a economia constitui a base ou infra-estrutura sobre a qual se ergue a superestrutura política, jurídica, filosófica, religiosa, moral, etc., da sociedade; o materialismo dialético: aqui cada modo de pro-dução atingiria seu apogeu e em seguida entraria em crise, em vir-tude de suas contradições internas, cedendo lugar a um novo modo de produção; a luta de classes: o motor da história, segundo Marx; a teoria da mais valia: a diferença entre a ri-queza produzida pelo operário pelo e o salário que ele recebe em troca do trabalho realizado; o advento do socialismo: fase de transição do capitalismo para o comunismo, que se caracteriza pela propriedade so-cial dos meios de produção, pela existência de uma sociedade e pelo desaparecimento do Estado.

Por essas duas percepções de sociedade, a utópica e a científica, percebemos que a primeira não se realizou pelos obstáculos que a estrutura capitalista engendrou e a segunda, dentro da história de-senvolveu-se apenas na fase revo-lucionária, quer dizer não houve o desaparecimento do estado e foram interpretados pelas forças que assimilaram suas teorias a

seu bel prazer, fatos que ocorrem seguidamente na atualidade.

Seguindo esta lógica o socialis-mo e comunismo dentro da histó-ria não conseguiram solidificar-se como estruturas, mas continuam como ideais, sendo assim, deve-mos colocar ainda como comple-mento outros aspectos, uma so-ciedade ideal deve ser permeada pela coletividade e cooperativi-dade sob uma essência solidária e extremamente humanista. A utilização de conceitos erronea-mente e por convenção beira a imbecilização cognitiva e ao senso comum.

Regimes Ditatoriais pelo mundo respondem a anseios personalis-tas e não a anseios coletivos. In-titulam-se comunistas, a mídia os apregoa como comunistas, para diferenciar do modelo capitalista, que é o dominante no mundo, que é excludente, que causa as mazelas do mundo. Mas na reali-dade são modelos que defendem o mesmo propósito, o interesse de grupos que utilizam de instru-mentos para se perpetuarem no poder, aliás, essa é a essência do capital, a assimilação e adapta-ção a situações que o fortalecem e ironicamente utilizam a palavra social, na questão das perdas, esse é o respingo às classes tra-balhadoras, as perdas travestidas de ganhos. Mas a utopia está se tornando real na medida em que conquistas vão se avolumando nas estruturas sociais e nas insti-tuições através da quebra dos pa-radigmas, principalmente quando as representações partidárias, de essência libertária legítima de-monstram tensão em relação à estrutura do capital e imprimem o fortalecimento dos direitos tra-balhistas.

A única forma da consolidação da utopia é a continuidade do despertar do coletivo, e não é um sonho, o caminho não é uma cons-tante inconstante em que o capital é um muro instransponível ou o único caminho possível, e muito menos essas palavras são ideolo-gias de um grupo filosófico, pois não o somos, somos um grupo ativista, comprometido com um desenvolvimento solidário e com o princípio da justiça, por que filo-sofia sem ação beira ao holocausto ideológico.

Cada momento social e histórico demanda uma percepção de língua, de mundo, de sujeito, demonstrando o caráter dinâmico da linguagem no meio social em que atua, ao considerar os paradigmas existentes nesses mo-mentos ideológicos, podendo inter-pretar-se assim: subjetivismo idealista, objetivismo abstrato e concepção dia-lógica de linguagem que são resultado da interação entre leitor – texto - au-tor, e são responsáveis pela construção dos significados do texto e pela produ-ção de sentidos. A leitura não é tida apenas como uma prática de extração, que implica compreensão e conheci-mentos prévios que são constituídos antes mesmo da mesma.

Sendo assim, o significado do enun-ciado não está nem no texto nem na mente do leitor, mas é constituído da interação entre eles e seu histórico só-cio-cultural e antropológico. A leitura deve ser o meio que promove a intera-ção entre o leitor e o texto, elaborando uma compreensão através das trocas de conhecimentos e informações rea-lizadas pelos participantes do discurso. Quando se tem uma compreensão pro-movida pela discussão e pelo diálogo, demonstrando o ponto de vista e a re-flexão de cada sujeito sobre o material lido, pode-se afirmar que ocorreu uma leitura crítica e que os responsáveis pela compreensão são leitores proficientes e não meros decodificadores do texto.

A escolha por este assunto baseia-se em que todos nós seres falantes te-mos algumas peculiaridades de ensino e aprendizagem, porém nem todos enxergam desta maneira. Nesse meio educacional atual, podemos afirmar que há pessoas com espírito de Pro-custo, mas o que é isso? - Procusto foi um malfeitor que seqüestrava suas vi-timas na floresta, ele tinha uma cama do tamanho exato do corpo dele, e a vitima deveria caber naquela cama, se fosse maior ele cortava seu corpo até que ficava no exato tamanho da cama, se fosse menor ele a esticava até que coubesse exatamente naquelas medi-das (Mitologia Grega). Portanto, hoje, em nossa sociedade, existem diversas pessoas que foram tomadas por esse espírito, acreditam que a educação não é libertadora, e o ensino-aprendizagem se dá apenas pela regra em que ela mesma estabelece, ou seja, aprisiona, toma para si.

Creio que ao invés de aproximar o educado, distancia, até porque não há o interesse de libertá-lo, pois a edu-cação se transformou num jogo de culpados e em uma disputa pelo lugar mais alto do pedestal.

HISTÓRIA IMEDIATA DE OLHO NA LETRA!

A utopia do mundo está ao alcance das mãos da coletividade

As concepções de linguagem na atualidade

VÂNIA DE PAULA DOS REIS

LUCIUS FABIANO DA SILVA

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Modelo alternativo de sociedade ganha terreno no Oriente Médio

INTERNACIONALISMO | REVOLUÇÃO DE ROJAVA

Exceto fortuitas menções sobre o conflito com o Estado Islâ-mico, nenhuma palavra é dita, na mídia corporativa, sobre o

processo revolucionário que ocorre no Curdistão. Na região conhecida como Rojava, no norte da Síria, a maioria de etnia curda constrói uma nova sociedade, baseada em econo-mia cooperativa, democracia direta, respeito ao meio ambiente e prota-gonismo feminino.

A partir de 2012, com a expulsão das forças do governo sírio de Roja-va, os curdos puderam experimentar na prática o chamado Confederalis-mo Democrático. Este modelo pre-coniza a destruição das estruturas de economia capitalista e do aparelho estatal. Em substituição, são desen-volvidas a propriedade coletiva, coo-perativas de produção, comunas etc. Tudo isso é coordenado por meio de conselhos em diferentes níveis (vilarejo, comuna, cidade, região) e assembleias pelas quais todo o povo pode tomar parte nas discussões e decisões políticas. Existe ampla liber-dade religiosa.

O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), atuante na Turquia, possui seu braço na Síria, o Partido da União Democrática, no qual se baseia a organização de Rojava. No passado um partido ortodoxamente marxista, passou por uma reformu-lação ideológica, apontando, atual-mente, para objetivos e práticas mais libertárias. Expoente dessa mudança de paradigma é o líder do partido, Abdullah Öcalan, preso político da Turquia desde 1999.

Assim, não há intenção, no Confe-deralismo Democrático, de constituir um Estado-nação e toda sua centra-lização. Busca-se, sim, autonomia dentro dos Estados existentes, apli-cando conceitos próximos do Muni-cipalismo Libertário, com ênfase nas comunas, cidades e conselhos fede-rados.

AS GARRAS NA GARGANTA DA LIBERDADE CURDA

Atualmente, existem 40 milhões de curdos no mundo, sendo que cer-ca de 2,5 milhões deles vivem nos três cantões (subdivisões) de Rojava. O Curdistão é uma região cultural e geográfica majoritariamente povoa-da pela etnia curda. Esses territórios se estendem por Síria, Iraque, Irã e Turquia, países nos quais sofreram e

sofrem diferentes graus de opressão. A libertação da cidade curda de Ko-

bane, na Síria, das garras do Estado Islâmico foi motivo de muita come-moração no início do ano. Mas a luta contra o integrismo sunita segue e está longe de ser a única preocupa-ção. O PKK é classificado como terro-rista pelos Estados Unidos. Isso expli-cita os riscos que corre a autonomia de Rojava, sob embargo comercial e hostilizada continuamente pela Tur-quia. As forças militares curdas são as únicas a dar combate terrestre ao ISIS. Rojava é guarnecida pelas mi-lícias YPG (Unidades de Defesa do Povo) e YPJ (Unidades de Defesa das Mulheres, exclusivamente compos-tas por combatentes femininas).

As ações da coalizão comandada pelos EUA contra o ISIS são dúbias. Pois os extremistas estão diretamen-te ligados às monarquias absolutistas sunitas, como a Arábia Saudita. Es-tas últimas são parceiras comerciais muitíssimo próximas dos norte-ame-ricanos.

UMA REVOLUÇÃO

DAS MULHERES

“A luta contra o capitalismo e o im-perialismo não é apenas uma luta con-tra os Estados por meio da arte militar. Nossa luta foi e é contra a mentalida-de patriarcal e sexista. A mentalidade do Estado surge a partir destes aspec-tos. Assim, o paradigma da libertação das mulheres foi fundamental para o movimento curdo”, Estas inspiradoras palavras são de Melike Yasar, repre-sentante internacional do Movimento

das Mulheres Curdas.A questão da libertação feminina é

absolutamente central na concepção de Confederalismo Democrático. Em Rojava, todas as funções de presidên-cia de conselhos são divididas por um homem e uma mulher (sistema de co--presidência). Também há uma cota que estabelece um mínimo de 40% de mulheres nos parlamentos.

Analisando o contexto de opressão patriarcal que historicamente vigora na região, não é difícil compreender o ímpeto com o qual lutam as mulhe-res em seus exércitos próprios (YPJ). O Estado Islâmico e o integrismo sunita que prega representam ideologia e prática altamente nocivas aos direitos femininos. Em Rojava, várias medidas já foram instituídas para combater a violência contra as mulheres, casa-

mentos infantis e outras mazelas.

SOLIDARIEDADE INTERNACIONAL NO RS

Em abril, foi lançado em Porto Ale-gre um comitê solidário ao povo do Curdistão. A iniciativa partiu do Ate-neu Libertário A Batalha da Várzea. Dentre as ações, estão divulgação e tradução de material para o portu-guês. Como primeira ação solidária concreta, figura uma contribuição para uma articulação internacional pela libertação de uma presa política curda no Irã.

Para se inteirar mais sobre o co-mitê, pode-se acessar o blog soli-dariedadepovocurdo.noblogs.org ou o facebook Comitê Solidário aos povos do Curdistão-RS.

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IGOR MALLMANN O mapa (em inglês) representa a região cultural-geográfica

do Curdistão, que se espalha por Turquia,

Irã, Iraque e Síria (esta última parte conheci-da como Rojava). Em Rojava, as mulheres

possuem suas próprias organizações, como um

exército exclusivo

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ANDREI MENDES DE ANDRADES

O ALICERCEMais do que um jornal. Um movimento.

EDIÇÃO 1 - GRAMADO, JULHO DE 2015. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA.

PENSAR COLETIVO

“Devemos fazer o de-senvolvimento para o homem e não con-dicionar o homem à

sua prática. A grande revolução a que aspiramos, a qual, ao nosso en-tender, precede a do próprio progres-so econômico, é a educação do povo. Uma revolução que liberte o povo do analfabetismo e da ignorância.”

Leonel Brizola

RESPOSTAS IMEDIATISTAS

Recentemente, o Congresso Na-cional, através da Câmara dos De-putados, sob comando do deputado Eduardo Cunha (PMDB), tem inicia-do procedimentos de votações “re-lâmpagos” visando caracterizar uma eficiência nunca antes vista no legis-lativo federal.

Ocorre que as votações que têm sido realizadas com a desculpa de dar uma resposta às ruas na verdade acabam por iludir o povo brasileiro, pois as votações feitas de qualquer jeito, sem buscar discutir as causas dos problemas e como serão efeti-vamente solucionados acabarão por gerar ainda mais problemas e inefi-ciência dos entes públicos (munici-pais, estaduais e federais), sem dar a “resposta” que o país precisa, já que, soluções “tapa buracos” não tra-tam as causas e consequências. Tão somente empurram com a barriga para outros entes e entidades estes problemas.

Estas manobras realizadas pelo Sr. Eduardo Cunha visam que o brasilei-ro tire o foco da Câmara dos Depu-tados.

Ocorre que, por exemplo, hoje se está propondo a redução da maiori-dade penal como solução de todos os problemas de segurança do país.

Mas, infelizmente, não são anali-sados os motivos que tem levado jo-vens à vida criminosa ou desrespeito à Lei, assim como sequer se discute como os Estados irão receber mais encarcerados em seus presídios que teriam a função de ressocializar as

pessoas que estão dentro da estru-tura carcerária e como estes Estados (responsáveis pela segurança públi-ca, conforme a Constituição Federal) irão ser impactados financeiramen-te.

Ninguém defende ou aceita a im-punidade, mas o problema de segu-rança pública é muito maior do que tão somente reduzir a idade para pu-nição de transgressores da Lei.

Na grande maioria dos casos de-vemos analisar as causas sociais que levam o jovem ao crime, como está sendo oportunizada a educação, a formação familiar e social, assim como, as perspectivas de vida que este jovem tem, ou você realmente crê que só reduzindo a idade de pu-nição nenhum jovem mais irá des-respeitar a Lei?

Assim, do modo como as coisas tem andado, será criada uma fal-sa sensação de que haverá Justiça quando na verdade será criado um problema ainda maior para os Esta-dos, pois as demais previsões legais e direitos que assistem a todos os brasileiros deverão ser observadas pelos julgadores, bem como não há qualquer previsão de como os Esta-dos irão recepcionar estes jovens no sistema carcerário, já que hoje não temos vagas suficientes para os adul-tos, mas, mesmo assim ainda que-rem incluir adolescentes nas prisões.

Duvido que realmente o povo bra-sileiro queira colocar os adolescentes em locais onde a maioria afirma se-rem “escolas do crime”, sendo que os adolescentes, desde os 12 anos, já tem legislação própria com previ-são de punição aos jovens infratores, mas, por falta de estrutura, falta de investimentos públicos e de sobre-carga ao Judiciário não tem sido efe-tivamente exercidas tais medidas.

Ou seja, não é falta de Lei, mas, sim falta de eficiência em todas as esfe-ras administrativas tanto municipais, estaduais ou federais.

O que não dá para entender é o porquê que não são analisados os problemas que têm levado os jo-vens ao crime, a falta de presença da família na formação das crianças e adolescentes, as escolas sem estru-turação para formação técnico-pro-

fissional, a impunidade aos grandes criminosos, a realidade social-finan-ceira, a falta de incentivo de ingresso dos jovens ao mercado de trabalho dentre outros pontos que afetam a formação de nossos jovens hoje.

Frisa-se novamente que não se defende a impunidade aos jovens infratores, mas, que seja observada a legislação que defende a formação das crianças e adolescentes que é o Estatuto da Criança e do Adolescen-te-ECA (uma das melhores do mun-do segundo analistas e instituições internacionais).

E que após uma efetiva discussão da sociedade, das entidades de pro-teção das crianças e adolescentes, dos entes públicos municipais, es-taduais e federais se chegar a uma proposta que vise efetivar o ECA e criarmos meios de solucionarmos os problemas sem regredirmos legisla-tivamente e socialmente.

Inclusive, caso se entenda que os chamados crimes graves tenham uma repressão maior com o au-mento do tempo de internação, que assim seja, porém, criando meca-nismos que possibilitem uma reinte-gração do jovem à sociedade e não somente lhe jogando ao cárcere.

O que deve ser observado tam-bém é o fato de que do dia para noi-te surgiram políticos se vendendo como defensores da pátria através destas medidas imediatistas, porém

sem apontarem as medidas efetivas e aproveitando-se destas votações como se somente eles quisessem que o país tivesse um futuro melhor. Quando na verdade todos querem e todos devem criar proposições para solucionar o que precisa ser mudado e não somente criar ordenamentos jurídicos para que os entes do poder executivo “se virem” para resolver.

Ao ser cogitada a redução da maio-ridade penal há um reconhecimento de fracasso da sociedade brasileira como um todo, pois hoje em todo o mundo se busca confirmar a idade de início da punição penal a partir dos 18 anos, mas, em nosso país, como em quase tudo que vem sen-do discutido de qualquer jeito na Câ-mara dos Deputados, estamos indo na contramão e remando contra a maré.

Assim, creio que está havendo uma resposta imediatista e sem efetividade para problemas re-almente sérios e que devem ter uma ampla discussão com resul-tados positivos para todos os en-volvidos e principalmente para o Brasil. Sendo um dever de toda a sociedade civil buscar meios para que nossos jovens não sejam “perdidos” e sim sejam integrados ao convívio harmonioso com toda a sociedade, bem como que as demais proposições sejam discutidas e viabi-lizadas em favor de um país melhor.