nunca fomos humanos nos rastros do sujeito - institucional · silva, tomaz tadeu da nunca fomos...

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Page 1: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

Nunca fo

mos hum

anos

Nos rast

ros do s

ujeito

Page 2: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

CCCC Créditos

“Modo d

e endere

çamento

: uma co

isa de cin

ema; um

a coisa

de educa

ção tam

bém” é t

raduzido

dos cap

ítulos 1 e

2 (p. 21

-53)do li

vro de E

lizabeth E

llsworth

, Teachin

g positio

ns. Differ

ence, pe-

dagogy, a

nd the p

ower of

address,

publicad

o pela ed

itora Tea

chers

College

Press, N

ova York

, 1997.

© Teach

ers Colleg

e Press.

Todos

os direit

os reser

vados. P

ublicado

sob per

missão d

a editora

.“Inv

entando

nossos

eus” é t

raduzido

do capí

tulo 8,

“As-sem

bling o

urselves

”, p. 16

9-197, d

o livro

de Nikol

as Rose,

Inventin

g ourselv

es. Psych

ology, Po

wer, and

Personh

ood, pub

licado

pella C

ambridg

e Unive

rsity Pre

ss, 1996

. © Ca

mbridge

Uni-

versity P

ress. To

dos os

direitos

reservad

os. Pub

licado so

b per-

missão

da edito

ra.“Co

rpos sem

órgãos:

esquizo

análise e

descon

strução”

é tra-

duzido

do capít

ulo 11,

p. 226-2

40, do l

ivro Ma

pping th

e subjec

t.Geo

graphies

of cultu

ral trans

formatio

n , organi

zado por

Steve Pil

ee Ni

gel Thrift

, publica

do pela e

ditora R

outledg

e, 1995.

© Taylo

r& F

rancis. P

ublicado

sob per

missão d

a empres

a detent

ora dos

direitos

de repr

odução.

Belo Ho

rizonte

2001

Elizabet

h Ellswo

rthFran

cisco J. T

irado

Lucía G

. Sánch

ezMar

cus Doe

lMiq

uel Dom

ènech

Nikolas

Rose

Tradução

e organi

zação:

Tomaz T

adeu da

Silva

Nunca fo

mos hum

anos

Nos rast

ros do s

ujeito

Page 3: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

Copyrig

ht © 200

1 by Tom

az Tadeu

da Silv

a

Todos o

s direito

s reserva

dos pela

Autênt

ica Edito

ra.Nen

huma pa

rte desta

publicaç

ão pode

rá ser rep

roduzida

,seja

por me

ios mecân

icos, ele

trônicos

, seja via

cópia

xerográf

ica sem

a autori

zação pr

évia da

editora.

Autênti

ca Edito

raRua

Januári

a, 437 –

Floresta

– 3111

0-060

Belo Ho

rizonte/

MG – T

elefax: (5

5 31) 34

23-3022

autentic

a@auten

ticaedito

ra.com.

brww

w.autent

icaedito

ra.com.

br

CAPA

Jairo Alv

arenga F

onseca

EDITOR

AÇÃO E

LETRÔ

NICA

Waldên

ia Alvar

enga Sa

ntos Ata

ídeREV

ISÃO

Erick R

amalho

2001

S586n

Silva, T

omaz Ta

deu da

Nunca fo

mos hum

anos – n

os rastr

os do su

jeito/ or

ganizaç

ão e trad

ução de

Tomaz T

adeu da

Silva ---

Belo H

orizonte

: Autênt

ica, 200

1.208

p. (Col

eção Est

udos Cu

lturais,

7)ISB

N 85-75

26-025-1

1. Cultu

ra. 2. Fil

osofia. 3

. Antrop

ologia I.

Títu-

lo. II Sé

rie.CD

U 008

137

Inventan

do nosso

s eus

Nikolas

Rose

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138139

A idéia d

e “eu”1 en

trou em

uma cr

ise que p

odemui

to bem

ser irrev

ersível. O

s teórico

s sociais

têmescr

ito inúm

eros obi

tuários

da imag

em de s

er hu-

mano qu

e animo

u nossas

filosofi

as e nos

sas ética

spor

tanto te

mpo: o s

ujeito u

niversal,

estável,

unifi-

cado, tot

alizado,

individu

alizado,

interior

izado. P

araalgu

mas aná

lises, pa

rticularm

ente aqu

elas ins

pira-

das na p

sicanáli

se, essa i

magem

sempre

foi “ima

gi-nári

a”: os hu

manos n

unca exis

tiram, nu

nca pud

eramexis

tir, nessa

forma co

erente e

unificad

a – a ont

olo-gia

humana

é necess

ariamen

te a ont

ologia d

e uma

criatura

desped

açada no

seu pró

prio núc

leo. Par

aoutr

os, essa

“morte

do suje

ito” é, e

la própr

ia, um

evento h

istórico

real: o i

ndivíduo

ao qual

essa ima

-gem

do suje

ito corre

spondia s

urgiu ap

enas rece

nte-men

te, em u

ma zon

a limitad

a de tem

po-espaç

o,tend

o sido,

agora, v

arrido pe

la muda

nça cult

ural.

No luga

r do eu,

prolifer

am nov

as imagen

s de sub

-jetiv

idade: c

omo soc

ialmente

constru

ída; com

odial

ógica; c

omo ins

crita na

superfíci

e do cor

po;

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140

como es

pacializa

da, desc

entrada,

múltipl

a, nôma

-de;

como o

resultad

o de prá

ticas epis

ódicas d

e auto-

exposiçã

o, em lo

cais e ép

ocas par

ticulare

s.Dev

e-se ass

inalar, e

ntretant

o, que n

o mesm

omom

ento em

que ess

a imagem

do ser

humano

édecl

arada pa

ssé pelos

teórico

s sociais,

certas p

ráticas

regulató

rias busc

am gover

nar os in

divíduo

s de um

aman

eira que

está, ma

is do que

nunca, l

igada àq

ue-las c

aracterís

ticas que

o defin

em com

o um “eu

”. Da

mesma

forma, as

idéias d

e identi

dade e s

eus cog

na-tos

têm se c

olocado

no cent

ro de m

uitas da

s práti-

cas nas

quais o

s seres

humano

s se env

olvem.

Navida

política

, no trab

alho, no

s arranjo

s domés

ticos

e conjug

ais, no c

onsumo,

no mer

cado, na

publici-

dade, na

televisã

o e no cin

ema, no

complex

o jurídic

oe na

s prática

s da pol

ícia, nos

aparato

s da me

dicina e

da saúd

e, os ser

es huma

nos são

interpel

ados, re

pre-sent

ados e in

fluenciad

os como s

e fossem

eus de u

m tipo

particul

ar: imb

uídos de

uma su

bjetivid

ade indi

vi-dua

lizada, m

otivado

s por an

siedades

e aspir

ações a

respeito

de sua a

uto-reali

zação, co

mprome

tidos a e

n-con

trar sua

s verdad

eiras ide

ntidades

e a max

imizar

a autênt

ica expr

essão d

essas id

entidad

es em s

eusestil

os de vi

da. As i

magens

de liber

dade e

autono-

mia que

inspira

m nosso

pensam

ento pol

ítico ope

-ram

, da me

sma for

ma, em

termos d

e uma im

agemdo s

er huma

no que o

vê com

o o foco

psicoló

gicounif

icado de

sua bio

grafia, c

omo o lo

cus de d

ireitos

e reivind

icações

legítima

s, como

um ator

que bus

ca“em

presaria

r” sua vid

a e seu e

u por me

io de ato

s deesco

lha. A ju

lgar pela

popular

idade da

s problem

áti-cas d

o psi na

mídia, p

elas dem

andas p

or toda

espé-

cie de t

erapia e

pela en

orme qu

antidad

e de tod

o141

tipo de

conselh

eiros, pa

rece que

os seres

humano

s,ao m

enos em

certos

locais e

entre ce

rtos set

ores,

acabaram

por se r

econhece

r nessas

imagen

s e nesse

spres

supostos

e por s

e relacio

nar con

sigo me

smos e

com sua

s vidas

em term

os análo

gos – is

to é, no

sterm

os da pr

oblemát

ica do “e

u”. A d

ispersão

con-

ceitual d

o “eu” p

arece ca

minhar

em para

lelo com

sua inte

nsificaç

ão “gov

ernamen

tal”.Tere

mos nós

, então,

apesar d

os argum

entos do

sfilós

ofos e te

óricos c

ríticos, n

os tornad

o “sujeit

os psi-

cológico

s”? É hor

a de abo

rdar a qu

estão da

“subjet

i-vida

de” mai

s diretam

ente. Nã

o em term

os dos e

feitos

da “cultu

ra” sobr

e a “pess

oa” ou e

m termo

s de um

a“teo

ria do su

jeito”, m

as busca

ndo cara

cterizar,

por as-

sim dize

r, o modo

de ação

das dive

rsas tecn

ologias p

side s

ubjetivaç

ão. Isso

nos obr

iga a um

desvio

por al-

guns tex

tos cont

emporân

eos sobr

e o “pro

blema do

sujeito”

, antes d

e retorna

r, em con

clusão, a

uma an

áli-se d

o tipo de

criatura

que nós

nos torn

amos.

VOCÊ

É MAIS

PLUR

AL DO

QUE P

ENSA

Gilles D

eleuze e

Félix G

uattari f

oram, pr

ova-

velmente

, os auto

res que f

ormular

am a alt

ernativa

mais ra

dical à i

magem

conven

cional d

a subjet

ivi-dad

e como

coerente

, duráve

l e indi

vidualiza

da:“Vo

cê é lon

gitude e

latitude

, um con

junto de

velo-

cidades

e lentidõ

es entre

partícu

las não f

ormadas

,um

conjunt

o de afec

tos não s

ubjetiva

dos. Voc

ê tema in

dividua

ção de u

m dia, d

e uma es

tação, d

e umano

, de uma

vida (ind

ependen

temente

da duraç

ão);de u

m clima

, de um

vento, d

e uma ne

blina, d

e umenxa

me, de

uma ma

tilha (in

depend

entemen

te da

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142

regularid

ade). Ou

pelo men

os você

pode tê-

la, pode

consegu

i-la” (M

P4, p. 4

9).3 Você p

ode tê-l

a – para

Deleuze

e Guatt

ari, os h

umanos

, ao me

nos ao l

on-go d

e um det

erminad

o plano

de existê

ncia, são

mais

múltiplo

s, mais t

ransient

es e ma

is não-s

ubjetiva

-dos

do que

somos le

vados a

acredit

ar. Além

disso,

podemo

s agir so

bre nós

mesmo

s para h

abitar e

s-sas f

ormas n

ão-subje

tivadas

de existê

ncia. Ele

s cha-

mam ess

as forma

s não-su

bjetivad

as de “h

ecceida-

des” – m

odos de

individ

uação qu

e não sã

o os de

uma sub

stância,

de uma

pessoa o

u de um

sujeito

,mas

os de u

ma nuv

em, de

um inve

rno, de

umahor

a, de um

a data –

“relaçõ

es de m

ovimento

e de

repouso

entre m

oléculas

ou par

tículas,

poder d

eafet

ar e ser

afetado

” (MP4,

p. 47). E

ntretant

o, em

oposiçã

o a essa

dimensã

o ou a es

se “plan

o de con

-sistê

ncia” –

que não

deve se

r pensad

o como

umaestr

utura oc

ulta, ma

s como

um plan

o “iman

ente”,

formado

apenas

da distri

buição e

da rela

ção entr

eseus

efeitos

– está u

m outro

plano d

e organ

ização,

estratifi

cação, te

rritoriali

zação.

De mod

o que o

plano de

organiz

ação não

pára

de traba

lhar sob

re o pla

no de co

nsistênc

ia, ten-

tando se

mpre ta

par as li

nhas de

fuga, p

arar ou

interrom

per os m

ovimento

s de des

territor

ializa-

ção, last

reá-los,

reestrat

ificá-los

, recons

tituir fo

r-mas

e sujeito

s em pro

fundidad

e. Invers

amente,

o plano

de con

sistência

não pár

a de se e

xtrair do

plano de

organiz

ação, de

levar pa

rtículas a

fugi-

rem par

a fora d

os estra

tos, de e

mbaralh

ar as fo

r-mas

a golpe d

e veloci

dade ou

lentidão

, de que

braras fu

nções à

força d

e agenci

amentos

, de mic

roa-gen

ciamento

s. (MP4,

p. 60).

143

Se a exp

eriência

e a rela

ção que

temos c

om nós

mesmos

não é d

e movim

entos, flu

xos, dec

omposi-

ções e re

composi

ções é po

r causa d

a localiza

ção dos

humano

s nesse

outro pl

ano, ess

e plano

de orga

ni-zaçã

o que tem

a ver co

m o des

envolvim

ento de f

or-mas

e com

a forma

ção de s

ujeitos,

no inte

rior de

agenciam

entos,3 cu

jos veto

res, forç

as e int

ercone-

xões sub

jetivam

o ser hu

mano, a

o nos reu

nir – em

um agen

ciamento

– com

partes, f

orças, m

ovimen-

tos, afe

ctos de

outros h

umanos,

animai

s, objet

os,espa

ços e lu

gares. É

nesses a

genciam

entos qu

e são

produzid

os os efe

itos de

sujeito,

efeitos d

o fato d

eserm

os-reun

idos-em

-um-age

nciamen

to. A sub

jeti-vaçã

o é, assi

m, o nom

e que se

pode da

r aos efe

itosda c

omposiç

ão e da

recompo

sição de

forças,

práti-

cas e rela

ções que

tentam

transfor

mar – o

u operam

para tran

sformar

– o ser

humano

em var

iadas fo

r-mas

de suje

ito, em

seres ca

pazes de

tomar a

si pró-

prios co

mo os s

ujeitos

de suas

próprias

práticas

edas

práticas

de outr

os sobre

eles.

Existem

, sem dúv

ida, mu

itas dific

uldades

comessa

s hipóte

ses, as q

uais eu

retirei d

e seu co

ntexto

para uti

lizá-las e

m minha

própria

teoriza

ção.4 Es

-tou

menos p

reocupa

do, de q

ualquer

forma, em

ser“fiel

a Deleu

ze e Gu

attari” –

o que s

eria um

a aspira-

ção curi

osa – do

que em

usar o q

ue eles e

screvera

mcom

o uma pl

ataform

a de lan

çamento

para m

inhapróp

ria quest

ão: com

o os hum

anos sã

o subjet

iva-dos,

em qua

is agenci

amentos

, e como

podemo

s pen-

sar as pr

áticas ps

i como

um elem

ento ope

rativo no

seu inte

rior. Aq

ueles qu

e utiliza

m uma

“teoria d

osuje

ito” – c

ujas con

dições m

esmas d

e possib

ilidade

se situam

no inte

rior de

um cert

o regim

e histór

ico

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144

de subje

tivação

– para e

xplicar

esse reg

ime de

sub-jetiv

ação enc

ontram-

se em um

a situaçã

o contra

ditó-

ria. Essa

s teorias

da subje

tividade

são dese

nvolvid

aspara

explicar

eventos

que aqu

elas próp

rias teor

ias aju-

daram a

produzir

, eventos

que elas

plantara

m ao lon

-go

de nossa

existên

cia, loc

alizand

o-os em

uma

interior

idade qu

e elas pró

prias aju

daram a

cavar. Em

contras

te com e

ssa persp

ectiva, pr

oporei,

na discu

s-são

que se

segue um

a análise

da subj

etivação

quenão

utiliza u

ma met

apsicolo

gia para e

xplicar c

omo,

em um m

omento

históric

o e cultu

ral partic

ular, no

storn

amos o q

ue somo

s.O e

u não de

veria se

r invest

igado co

mo um

es-paço

contido

de indi

vidualid

ade hum

ana, lim

itado

pelo env

elope da

pele, qu

e foi pre

cisamen

te a form

acom

o, histo

ricamen

te, ele ac

abou po

r conceb

er sua

relação

consigo

mesmo

. “Por q

ue nosso

s corpos

devem te

rminar n

a pele? D

o século

XVII at

é agora,

as máqu

inas pod

iam ser

animadas

– era po

ssível atr

i-buir

-lhes alm

as fantas

mas par

a fazê-las

falar ou

mo-

vimenta

r-se ou p

ara expl

icar seu

desenvo

lvimento

ordenad

o e suas

capacida

des men

tais. [...]

Essas re

-laçõ

es máqu

ina/orga

nismo sã

o obsole

tas, desn

eces-

sárias” (H

ARAWA

Y, 2000,

p. 101).

De fato

, a própr

iaidéi

a, a próp

ria possi

bilidade,

de uma

teoria s

obreum

corpo se

parado e

envelop

ado, ha

bitado e

ani-

mado po

r sua pr

ópria al

ma – “o

” sujeito

, “o” eu

,“a”

pessoa –

é parte

daquilo

que tem

que ser

expli-

cado, co

nstituin

do justa

mente o

próprio

horizon

tede p

ensamen

to que e

speramo

s ultrap

assar. S

e ossere

s human

os acaba

ram por

se conc

eber com

o su-

jeitos, co

m um d

esejo de

ser, com

uma pr

edisposi

-ção

ao ser, is

so não s

urge, com

o alguns

sugerem

, de145

algum d

esejo on

tológico

, sendo,

em vez

disso, a

re-sult

ante de

uma cer

ta histó

ria e de

suas inv

enções

(cf. BRA

IDOTTI

, 1994b

, p. 160

). Escre

ver no e

spíri-

to de De

leuze sig

nifica fo

rmular n

ossas qu

estões em

termos d

aquilo q

ue os hu

manos p

odem fa

zer e não

daquilo

que ele

s são. N

ossas in

vestigaç

ões dev

e-riam

buscar

as linh

as de fo

rmação

e de fun

ciona-

mento d

e uma ga

ma de “

práticas

de subj

etivação

”hist

oricame

nte con

tingente

s, nas qu

ais os hu

manos,

ao se rel

acionare

m consig

o mesm

os sob fo

rmas pa

r-ticu

lares, do

tam-se d

e determ

inadas ca

pacidad

es, tais

como: c

ompreen

der a si

mesmos

; falar a

si mes-

mos; co

locar a s

i mesmo

s em açã

o; julgar

a si me

s-mos

. Essa “

aquisiçã

o” de ca

pacidad

es dá-se

emcon

seqüênci

a das fo

rmas pe

las qua

is suas f

orças,

energias

, propri

edades e

ontolog

ias são c

onstituí-

das e m

oldadas

ao serem

utilizad

as, inscr

itas e ta

-lhad

as por a

genciam

entos di

versos e

ao sere

mcon

ectadas

a agenci

amentos

diverso

s.Des

sa persp

ectiva, a

subjetiv

idade nã

o deve, c

er-tam

ente, ser

vista co

mo um

dado pr

imordia

l e nem

mesmo

como um

a capaci

dade lat

ente de

um cert

otipo

de cria

tura. Ela

tampou

co é alg

o que de

ve ser

explicad

o pela “s

ocializaç

ão”, pel

a intera

ção entr

e,de u

m lado

, um ani

mal hu

mano b

iologica

mente

equipad

o com se

ntidos, i

nstintos,

necessid

ades e, d

eoutr

o, um a

mbiente

externo,

físico, in

terpesso

al, so-

cial, no

qual um

mundo

psicológ

ico inte

rior é p

ro-duz

ido pelo

s efeitos

da cultu

ra sobre

a nature

za. Ao

contrário

, sugiro q

ue todo

s os efei

tos da int

eriorida

-de p

sicológi

ca, junta

mente co

m uma g

ama inte

ira de

outras c

apacidad

es e rela

ções, são

constitu

ídos por

meio d

a ligação

dos hu

manos a

outros

objeto

s e

Page 8: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

146

práticas

, multipl

icidades

e forças

. São essa

s variad

asrelaç

ões e lig

ações qu

e produ

zem o s

ujeito c

omoum

agenciam

ento; ela

s própri

as fazem

emergi

r to-

dos os fe

nômeno

s por me

io dos q

uais, em

seus pr

ó-prio

s tempo

s, os se

res hum

anos se

relacio

namcon

sigo pró

prios em

termos d

e um inte

rior psi

co-lógi

co: com

o eus de

sejantes

, como

eus sexu

ados,

como eu

s trabalh

adores,

como eu

s pensan

tes, com

oeus

intencio

nais – c

omo eus

capazes

de agir

como

sujeitos

(ver RO

SE, 1995

a, 1995b

; cf. GR

OSZ, 19

94,p. 1

16). Um

a forma m

elhor de

ver os su

jeitos é c

omo“age

nciamen

tos” que

metam

orfoseiam

ou mud

amsuas

proprie

dades à

medida

que exp

andem

suas co-

nexões: e

les não “

são” nad

a mais e

nada m

enos qu

eas ca

mbiante

s conexõ

es com as

quais ele

s são asso

cia-dos

(MP1, p

. 16-37)

. Sugiro

também

que a m

ulti-plic

idade d

e linha

s que te

m reun

ido, em

uma

montage

m, os se

res hum

anos a

diferent

es relaç

õesno s

éculo XX

– os “riz

omas” qu

e têm con

ectado, a

pre-end

ido, div

ersificad

o, expan

dido, div

ergido,

forma-

do ponto

s de ent

rada, po

ntos de

separaçã

o e saíd

apara

os huma

nos – de

ve algo

importa

nte a ess

es con-

ceitos, aç

ões, aut

oridades

, estratif

icações

e ligaçõe

spara

os quais

eu utili

zei o term

o psi.

A psicolo

gia, com

o um cor

po de dis

cursos e

prá-

ticas pro

fissiona

is, como

uma ga

ma de t

écnicas

esiste

mas de j

ulgamen

to e com

o um com

ponente

deética

, tem um

a import

ância pa

rticular e

m relaç

ãoaos

agenciam

entos co

ntemporâ

neos de

subjetiv

ação.

As discip

linas ps

i compr

eendem

mais qu

e uma fo

r-ma

historic

amente

continge

nte de r

epresent

ar a rea-

lidade su

bjetiva.

As discip

linas psi

, no sen

tido que

lhes dou

aqui, têm

feito pa

rte, de fo

rma con

stitutiva

,147

das refle

xões crít

icas sob

re a pro

blemática

do go-

verno da

s pessoa

s de aco

rdo com

, por um

lado, sua

natureza

e verda

de e, po

r outro,

com as e

xigência

sda o

rdem soc

ial, da h

armonia

, da tra

nqüilida

de edo b

em-esta

r. Os sa

beres e a

s autori

dades p

si têm

gerado t

écnicas

para mo

ldar e re

formar o

s eus, as

quais tê

m sido

reunidas

– em u

m agen

ciamento

–com

os apara

tos dos

exército

s, das p

risões, d

as sa-

las de au

la, dos q

uartos d

e dormi

r, das clí

nicas...

Eles estã

o presos

a aspira

ções soc

iopolític

as, a so-

nhos, a

esperan

ças e a

medos,

relativa

mente a

questõe

s tais co

mo a qu

alidade

da popu

lação, a

prevençã

o da crim

inalidad

e, a max

imização

do ajus-

tamento

, a prom

oção da a

utodepen

dência e

da ca-

pacidad

e de em

preendim

ento. El

es têm

sido cor

-por

ificados

em um

a prolife

ração d

e progra

mas,

interven

ções soci

ais e pro

jetos ad

ministra

tivos. D

essaform

a, as di

sciplina

s psi est

abelecer

am uma

varie-

dade de

“raciona

lidades

práticas

”, envolv

endo-se

namul

tiplicaçã

o de nov

as tecno

logias e

em sua

proli-

feração

ao long

o de tod

a a textu

ra da vid

a cotidia

-na:

normas e

disposi

tivos de

acordo

com os

quais

as capac

idades e

a cond

uta dos

human

os têm

setorn

ado inte

ligíveis e

julgávei

s. Essas

raciona

lida-

des prát

icas são

regime

s de pen

samento

, por me

iodos

quais as

pessoas

podem

dar imp

ortância

a as-

pectos d

e si pró

prias e à

sua exp

eriência

, e regim

esde p

rática, p

or meio

dos qua

is os hum

anos po

demfaze

r de si

próprio

s seres

“éticos”

e dotad

os de

“agência

”, defin

idos de

modos p

articular

es, como

pais, pro

fessores

, homen

s, mulhe

res, ama

ntes, che

-fes,

e por me

io de su

a associ

ação com

vários d

ispo-

sitivos, t

écnicas,

pessoas

e objet

os.8

Page 9: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

148

NARRA

NDO O

EUCom

ecemos c

om a lin

guagem

. Marce

l Mauss

,em

seu fam

oso ensa

io sobre

a histór

ia da no

ção ou

concepç

ão de eu

, argume

ntava qu

e essa c

ategoria

havia su

rgido ap

enas rec

entemen

te, ressa

ltando o

associad

o culto d

o eu e o

respeito

pelo eu n

a lei e na

moralid

ade. Ele

advertia

, entreta

nto, que

não ia d

is-cuti

r a que

stão da

linguag

em. Ele

acredit

ava que

não hav

ia nenh

uma trib

o ou ling

uagem

na qual

apala

vra “eu”

não exi

stisse, n

a qual e

la clara

mente

não rep

resentas

se algo,

e que a o

nipresen

ça do eu

seexpr

essa tam

bém na

linguag

em, o q

ue é visí

vel na

abundâ

ncia de

sufixos

posicion

ais que d

izem res

-peit

o às rela

ções no

tempo e

no espa

ço entre

o su-

jeito fala

nte e aq

uilo sob

re o qua

l ele fala

(MAUS

S,197

9b, p. 6

1). Conc

edia-se,

aqui, à p

rópria lin

gua-

gem, efe

itos sub

jetivante

s, mesm

o que os

sujeito

sassim

formad

os nem

sempre

refletisse

m sobre

simes

mos com

o sujeito

s no sen

tido que

nossa cu

ltura

dá a esse

termo. U

m argum

ento dife

rente, m

as rela-

cionado

, com r

espeito à

s propri

edades s

ubjetiva

n-tes

da ling

uagem,

foi ap

resentad

o por É

mile

Benveni

ste, o qu

al coloca

va uma

grande ê

nfase na

capacida

de de cri

ação de

sujeito q

ue têm

os prono

-mes

pessoai

s. Para B

envenist

e (1971

), o eu,

como

sujeito d

e enunc

iação, fo

rma um

locus de

subjetiv

a-ção,

criando

uma “p

osição d

e sujeito

”, um lug

ar no

interior

do qua

l um suj

eito pod

e surgir.

É atrav

ésda li

nguagem

, argume

ntava ele

, que os

humano

s secon

stituem

a si próp

rios com

o sujeito

s, porqu

e éapen

as a ling

uagem

que pod

e estabe

lecer a c

apaci-

dade de

a pessoa

se coloc

ar como

um suje

ito, “com

o149

a unidad

e psíqui

ca que t

ranscend

e a total

idade da

sexpe

riências

reais qu

e ela reú

ne, prod

uzindo a

per-

manênci

a da con

sciência

”. A sub

jetividad

e “é ape

-nas

a emergê

ncia, no

ser, de

uma pr

oprieda

defund

amental

da lingu

agem” (ib

idem, p. 2

24). A li

n-gua

gem tan

to torna

possível

que cad

a falante

se es-

tabeleça

a si me

smo com

o um suje

ito, ao s

e referir

asi pr

óprio co

mo “eu”

em seu

discurso

, quanto

é tor-

nada po

ssível po

r esse m

esmo fa

to. As fo

rmas pr

o-nom

inais são

um con

junto de

signos “

vazios”,

semrefe

rência a

qualque

r realid

ade, que

se torna

“ple-

na” qua

ndo o fa

lante in

troduz a

si própr

io em u

mainst

ância de

discurso

. Entreta

nto, pre

cisamen

te por

causa di

sso, o lu

gar do s

ujeito é

um lug

ar que t

emque

ser con

stantem

ente rea

berto, p

ois não

existe

qualque

r sujeito

por detr

ás do “e

u” que é

posicio

na-do e

capacita

do para

se identi

ficar a si

mesmo

na-que

le espaç

o discu

rsivo: o

sujeito

tem qu

e ser

reconstit

uído em

cada mo

mento d

iscursivo

de enun

-ciaç

ão (cf. C

OWARD

& ELLI

S, 1977,

p. 133).

Para o p

resente

objetivo

, entreta

nto, essa

ênfase

nas prop

riedades

subjetiv

antes da

linguag

em con

-cebi

da como

um sist

ema gra

matical,

como um

a re-laçã

o entre

pronom

es colo

cada em

jogo e

minst

âncias d

e discur

so, é in

suficien

te. A sub

jetiva-

ção nun

ca pode

ser um

a operaç

ão puram

ente lin-

güística.

Devem

os conc

ordar, aq

ui, com

Deleuze

eGua

ttari que

a subje

tivação

nunca é

um pro

cesso

puramen

te gram

atical; el

a surge

de um “

regime

design

os e não

de uma

condiçã

o intern

a à lingu

agem”

e esse reg

ime de s

ignos est

á sempre

preso a u

m agen-

ciamento

ou a um

a organ

ização d

e poder

(MP2, p

.85-6

). A sub

jetivação

, dessa p

erspectiv

a, deve

refe-

Page 10: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

150

rir-se, an

tes de tu

do, não

à lingua

gem e às

suas pro

-prie

dades in

ternas, m

as àquilo

que Del

euze e G

uat-tari

chama

m, seg

uindo

Foucau

lt, de

um“age

nciamen

to de en

unciaçã

o”. Em

A arque

ologia

do saber

, Foucau

lt propô

s o term

o “moda

lidades

enuncia

tivas” p

ara con

ceptuali

zar as fo

rmas so

b asqua

is a ling

uagem

aparece

em espa

ços e ép

ocas par

-ticu

lares, for

mas que

são irre

dutíveis

às categ

orias

lingüíst

icas (FO

UCAUL

T, 1986

a). Quem

pode fal

ar?De

qual lug

ar fala? Q

ue relaç

ões estã

o em jog

o en-

tre, de u

m lado,

a pessoa

que está

falando

e o obje

todo q

ual ela fa

la e, de o

utro, aqu

eles que

são os s

ujei-

tos de su

a fala? P

ode-se p

ensar, aq

ui, no re

gime qu

e,em

qualque

r espaço

ou époc

a particu

lar, gov

erna a

enuncia

ção de u

m enun

ciado di

agnósti

co na m

edi-cina

, uma ex

plicação

científ

ica em

biologia

, umenu

nciado i

nterpret

ativo em

psicanál

ise ou um

a ex-

pressão

de paixã

o em rela

ções eró

ticas. Es

sas enun

-ciaç

ões não

são colo

cadas em

discurso

por me

io de

“uma fu

nção uni

ficante d

e um suj

eito”, n

em tam

-pou

co produ

zem ess

e sujeito

como u

ma con

se-qüê

ncia de

seus efe

itos: tr

ata-se,

aqui, d

e uma

questão

dos “di

versos s

tatus, do

s diverso

s lugares

,das

diversas

posiçõe

s” que d

evem ser

ocupad

as em

regimes

particu

lares pa

ra que a

lgo se to

rne dizí

vel,aud

ível, ope

rável: o

médico,

o cienti

sta, o te

rapeu-

ta, o am

ante (FO

UCAUL

T, 1986

a, p. 61

). Assim

, asrela

ções ent

re os sig

nos são

sempre

reunidas

nointe

rior de

outras re

lações: “

O agen

ciamento

só é

enuncia

ção, só

formaliza

a expre

ssão, em

uma de

suas fac

es; em

sua outr

a face i

nseparáv

el, ele fo

r-mal

iza os co

nteúdos,

é agenci

amento

maquíni

co ou

de corpo

” (MP2,

p. 98).

151

Dessa p

erspectiv

a, a próp

ria lingu

agem, me

smona f

orma de

“fala”, a

parece c

omo um

agencia

mento

de “prát

icas dis

cursivas

”, desde

contar,

listar, fa

zercon

tratos, ca

ntar, pas

sando pe

la recitaç

ão de pr

eces,

até emi

tir orden

s, confes

sar, com

prar um

a merca

-dori

a, fazer

um diag

nóstico,

planeja

r uma ca

mpa-

nha, dis

cutir um

a teoria,

explicar

um proc

esso. Ess

asprát

icas não

habitam

um dom

ínio am

orfo e fu

ncio-

nalmente

homogê

neo de

significa

ção e ne

gociaçã

oentr

e indiví

duos – e

las estão

localizad

as em lo

cais e

procedim

entos pa

rticulare

s, os afec

tos e as

intensi-

dades q

ue os atr

avessam

são pré

-pessoai

s, elas s

ãoestr

uturadas

em var

iadas re

lações q

ue conc

edempod

eres a al

guns e d

elimitam

os pode

res de ou

tros,

capacitam

alguns a

julgar e

outros a

serem ju

lgados,

alguns a

curar e

outros

a serem

curado

s, algun

s afalar

a verdad

e e outro

s a recon

hecer su

a autori

dade

e a abraç

á-la, asp

irá-la ou

submet

er-se a el

a.Log

o retorn

arei a es

se argum

ento. Ma

s à luz d

oque

foi dito

até ago

ra, quero

examin

ar algun

s de-

senvolvi

mentos

recentes

na próp

ria psico

logia, o

squa

is consid

eram a s

ubjetiva

ção em

relação

à lin-

guagem

e que b

uscam e

xplicar

o eu em

termos d

e“nar

rativa”:

as estór

ias que c

ontamos

uns aos

ou-tros

e a nós

próprios

.“Nã

o se tra

ta apen

as do fa

to de qu

e dizem

osnoss

as vidas

como es

tórias: m

as existe

um sen

tidoimp

ortante

no qual n

ossas rel

ações mú

tuas são

vivi-

das de f

orma na

rrativa”

(GERG

EN & GER

GEN, 19

88,p. 1

8). Para

aquelas

pessoas

que arg

umentam

des-

sa form

a, os eu

s são re

almente

constitu

ídos no

interior

da fala

. A ling

uagem,

aqui, é

entendid

acom

o um com

plexo de

narrativ

as do eu

que nos

sa

Page 11: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

152

cultura

torna di

sponíve

l e que o

s indiví

duos ut

ili-zam

para da

r conta

de even

tos em

suas pró

prias

vidas, pa

ra dar a

si mesm

os uma

identida

de no in

-terio

r de um

a estóri

a particu

lar, para

atribuir

sig-

nificado

à sua p

rópria

conduta

e às co

ndutas

deoutr

os em t

ermos d

e agress

ão, amo

r, rivalid

ade,inte

nção, e a

ssim por

diante.

Isto é, f

alar sob

re o eu

é tanto

constitu

tivo das

formas

de auto

consciê

nciae de

autoco

mpreens

ão que o

s seres

humano

s ad-

quirem

e exibem

em sua

s própr

ias vidas

quanto

écon

stitutivo

das pró

prias pr

áticas so

ciais, na

medi-

da em q

ue essas

prática

s não po

dem ser

levadas

aefei

to sem

certas a

utocomp

reensões

:Em

vez de s

upor qu

e as rela

ções das

pessoas

coma na

tureza e

com a so

ciedade

são pou

co ou na

daafet

adas pel

a lingua

gem no

interior

da qua

l elas

são form

uladas, d

escobrim

os que e

ssas me

smas

relações

são con

stituídas

pelas fo

rmas de

fala que

as inspi

ram, pe

las form

as de re

sponsabi

lização

[ accoun

tability]

pelas qu

ais elas s

ão, por a

ssim di-

zer, man

tidas em

bom esta

do... Se

nos des

cobri-

mos ago

ra como

vivend

o a nós

próprios

como

indivídu

os autoc

ontidos,

autocont

rolados,

não de-

vendo na

da a out

ros por n

ossa nat

ureza co

mo tal,

acabamo

s por su

por que

esse é u

m estad

o “natu-

ral” ou

fixo das

coisas.

Em vez

disso, t

rata-se d

euma

forma de

inteligib

ilidade h

istorica

mente d

e-pen

dente, q

ue exige

, para su

a susten

tação co

nti-nua

da, um co

njunto d

e compr

eensões

partilhad

as.(S H

OTTER &

GERGEN

, 1989,

p. x)

A subjet

ividade

e as cre

nças sob

re os atr

ibutos

do eu, d

os senti

mentos,

das inte

nções, s

ão enten

di-das

aqui co

mo prop

riedades

não de

mecanis

mos153

mentais,

mas de

convers

as, de gr

amáticas

de fala.

Elas são

possíve

is e, ao

mesmo

tempo,

inteligív

eis,apen

as em soc

iedades

onde ess

as coisas

podem,

apro-

priadam

ente, ser

ditas p

or pesso

as sobre

pessoas

.“A t

arefa da

psicolog

ia é a de

expor n

ossos sis

temas

de norm

as de re

presenta

ção... o

resto é fi

siologia”

(HARR

É, 1989,

p. 34). A

s regras d

e “gram

ática” qu

edize

m respe

ito a pe

ssoas ou

ao que

Wittge

nstein

chamou d

e “jogos

de lingu

agem” pr

oduzem

ou in-

duzem

um repe

rtório m

oral de

caracter

ísticas re

la-tiva

mente d

uradoura

s, as qua

is são at

ribuídas

, nos

habitan

tes de cu

lturas p

articular

es, à pes

soalidad

e.“No

ssa com

preensão

e nossa

experiê

ncia de

nossa

realidad

e é con

stituída

para nós

, em gra

nde par

te,pela

s formas

pelas qu

ais nós d

evemos fa

lar em n

ossas

tentativ

as [...] p

ara dar co

nta dela

” (SHO

TTER, 1

985,

p. 168)

e devem

os falar

dessa fo

rma por

que as e

xi-gên

cias para

cumprir

nossas o

brigaçõe

s como

mem-

bros resp

onsáveis

de uma

socieda

de partic

ular têm

uma qua

lidade m

oralmen

te coerci

va.Essa

s noções

de con

stituição

das car

acterísti

casda p

essoalid

ade por

meio da

fala são

freqüen

temen-

te consi

deradas

como ex

igindo

uma aná

lise mai

sexpl

icitamen

te “dialó

gica”. U

ma anál

ise desse

tipo,

argumen

ta-se, po

deria, el

a própri

a, servir

como um

aespé

cie de cr

ítica de

certas fo

rmas de

falar o

eu; a

referênc

ia ao in

divíduo

solitári

o serve,

de form

aeng

anadora,

para loc

alizar no

“eu” aq

uilo que

é, na

verdade,

o produ

to de um

conjunt

o de rela

ções: “nó

sfalam

os dessa

forma so

bre nós

mesmos

porque

esta-

mos pre

sos no i

nterior d

o que se

pode pe

nsar com

oum

‘texto’, c

omo um

recurso

textual

desenv

olvido

de form

a cultur

al – o t

exto do

‘indivi

dualism

o

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154

possessiv

o’ – par

a o qua

l nós, ap

arentem

ente, de

ve-mos

(moral

mente) n

os volta

r, quando

confron

tados

com a ta

refa de

descreve

r a natu

reza de

nossas e

x-peri

ências d

e nossas

relações

com os o

utros e c

om nós

mesmos

” (SHO

TTER, 1

989, p.

136). P

rocedim

entos,

práticas

ou métod

os, histór

ica e cult

uralmen

te desen

-volv

idos, par

a a produ

ção de s

entido,

“são colo

cados

à nossa d

isposição

como re

cursos n

o interio

r das or-

dens so

ciais nas

quais fo

mos soc

ializado

s” (ibide

m,p. 1

43) e ao

lançar

mão del

es e ao

usá-los e

m seus

encontro

s, as pes

soas vêm

a conh

ecer a si

própria

scom

o pessoa

s de um

tipo par

ticular, p

or meio d

e umato d

e reconh

ecimento

mútuo.

A anális

e, aqui, t

oma,

pois, a f

orma de

uma es

pécie de

“etnogra

fia inter

a-cion

al” das “

formas d

e falar”

que são

utilizad

as pe-

las pesso

as ao colo

car em aç

ão seus

encontro

s sociais

e nos qu

ais elas m

utuamen

te constr

oem-se a

si pró-

prias po

r meio d

o gerenc

iamento

do sent

ido.Foi

esse cará

ter dialóg

ico das au

tonarrati

vas, o fat

ode q

ue elas s

ão “soci

ais e não

individ

uais”, q

ue re-

centeme

nte acab

ou por s

e destac

ar (cf. H

ERMAN

S &KEM

PEN, 19

93). Por

“social”

, como já

se terá to

rna-do e

vidente,

esses a

utores q

uerem d

izer “in

terpes-

soal” e “

interacio

nal”. Ass

im, Mar

y e Kenne

th Gerge

nargu

mentam

em fav

or da im

portânci

a do que

elescham

am de “

autonarr

ativas”, e

stórias s

obre os

euscult

uralmen

te fornec

idas, as

quais, n

a passag

em por

suas vid

as, forne

cem os r

ecursos

dos qua

is os ind

iví-duo

s lançam

mão em

suas int

erações

mútuas

e com

eles mes

mos. “As

narrativ

as são, n

a verdad

e, constr

u-ções

sociais,

sofrend

o altera

ção cont

ínua à m

edida

que a in

teração

avança [

...]. A a

utonarra

tiva é um

implem

ento ling

üístico c

onstruíd

o pelas p

essoas, e

m155

relações

para su

stentar,

reforçar

ou im

pedir u

madive

rsidade

de ações

[...]. As

autona

rrativas

são sis-

temas s

imbólico

s utiliza

dos para

propósi

tos soci

aistais

como ju

stificaçã

o, crític

a e solid

ificação

social”

(GERG

EN & GE

RGEN,

1988, p

. 20-1).

Ao org

anizar,

explícita

ou impl

icitamen

te, suas re

lações co

nsigo m

es-mos

e com o

utros em

termos d

essas na

rrativas,

umeu é

, por ass

im dizer,

“gerado

pela es

tória”, co

m oindi

víduo es

colhend

o entre a

s difere

ntes for

mas de

narrativa

às quais

foi expo

sto.A “m

ultiplicid

ade” do

eu é, aqu

i, compr

eendida

como um

a conseq

üência d

a propo

sição de

que “o

indivídu

o aloja a

capacida

de para u

ma multip

licida-

de de fo

rmas na

rrativas

” e dom

ina uma

gama de

meios d

e se tor

nar inte

ligível p

or meio

de narra

ti-vas,

de acor

do com

as exigê

ncias fei

tas na ne

gocia-

ção da v

ida socia

l – por e

xemplo,

de que a

pessoa

sefaça

intelig

ível com

o uma

identida

de durad

oura,

integral

, coerent

e (GERG

EN & GER

GEN, 19

88, p. 3

5).Mas

“embora

o objet

o da aut

onarrat

iva seja u

m sóeu,

seria um

engano

ver essa

s constr

uções c

omo o

produto

ou a pro

priedad

e de eus

isolado

s [...]. A

ocom

preende

r a relaç

ões entr

e evento

s em nos

sa vida,

apoiam

o-nos no

discurso

que nas

ce da tro

ca socia

le qu

e inerent

emente i

mplica u

ma audiê

ncia” (p

. 37).

Trata-se

de uma

socialid

ade que

é refor

çada pel

asform

as e resp

ostas rel

acionais

que cer

tos mod

os de

falar sob

re o eu

recebem

em tro

cas con

tínuas e

ntreas p

essoas d

e vários

tipos, n

as quais

os indi

víduos

negocia

m conju

ntamente

teorias

particul

ares sob

resi m

esmos e

sobre o

utros, n

egociaç

ões que

assu-

mem, ela

s própri

as, certa

s forma

s estoria

das cult

u-ralm

ente disp

oníveis.

Page 13: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

156

Esses es

tudos so

bre o eu

, que o

tomam

como

sendo co

nstruído

em narr

ativas int

eraciona

is de aco

r-do c

om os re

cursos c

ulturais

disponív

eis, cert

amen-

te apreen

dem algo

de impo

rtante. S

e a subje

tivação

é analisa

da em te

rmos da

s relaçõe

s dos hu

manos co

n-sigo

mesmo

s, os voc

abulário

s discurs

ivamente

esta-

belecido

s exercem

um pap

el import

ante na c

omposi-

ção e re

composi

ção dess

as relaçõ

es. Mas a

s análise

scond

uzidas s

ob os pr

essupost

os do “c

onstruci

onis-

mo soci

al” são p

roblemá

ticas por

causa d

a visão d

eling

uagem q

ue elas s

ustentam

. A ling

uagem, n

essas

análises,

é vista

como “f

ala”, co

mo con

stituída

design

ificados

situacion

almente

negocia

dos entr

e indi-

víduos. C

omo “fal

a”, sua a

nálise seg

ue o mo

delo ba-

nal da co

municaç

ão, ou da

falta de

comunic

ação, na

qual as

partes e

nvolvid

as, os ind

ivíduos

humano

s,utili

zam vár

ios recur

sos ling

üísticos

– palav

ras, ex-

plicaçõe

s, estór

ias, atri

buições

– para

constru

irmen

sagens q

ue trans

mitem in

tenções,

ou para

mu-

tuamente

afetar, p

ersuadir

, agir. Es

sas análi

ses ines-

capavelm

ente col

ocam o a

gente h

umano

como o

núcleo d

essas ati

vidades

de produ

ção de s

entido,

aoativa

mente n

egociar s

ua trajet

ória atra

vés das te

orias

disponív

eis a fim

de viver

uma vid

a signific

ativa. Po

r-tant

o, o ser

humano

é entend

ido com

o aquele

agen-

te que s

e constr

ói a si p

róprio co

mo um

eu ao da

r àsua

vida a co

erência d

e uma na

rrativa. E

videntem

en-te, o

eu, simp

lesmente

em virt

ude de s

er capaz

de se

narrar a

“si própr

io”, em

uma vari

edade de

formas, é

implicita

mente re

invocado

como um

exterior

ineren-

temente

unificad

o relativ

amente

a essas

comunic

a-ções

. Isso no

s faz lem

brar a ob

servação

de Nietzs

chede q

ue “um

pensam

ento vem

quando

‘ele’ que

r e não

157

quando

‘eu’ que

ro [...]. I

sso pensa

: mas qu

e este ‘iss

o’seja

precisam

ente o v

elho e de

cantado

‘eu’ é, d

ito de

maneira

suave,

apenas u

ma sup

osição,

uma afir

-maç

ão, e ce

rtamente

não um

a ‘certez

a imedia

ta’”(NI

ETZSCH

E, 1992

[1886]

, p. 23

). Entre

tanto, o

que nos

sos psic

ólogos r

adicais i

nvocam

é, na ve

rda-de,

o velho

e familiar

eu, aqu

ele recon

fortante

“eu”

da filoso

fia huma

nista, q

ue é o a

tor que

interag

ecom

outros e

m um co

ntexto c

ultural e

lingüíst

ico, a

pessoa e

m quem

os efeit

os de se

ntido, c

omunica

-ção,

assumem

sua for

ma, com

todos o

s pressu

pos-tos

que o a

compan

ham, pre

ssuposto

s que afi

rmam

a singula

ridade e

o carát

er cumu

lativo d

o tempo

vivido d

a consci

ência. T

rata-se d

o eu da h

ermenêu

-tica,

do eu d

a fenome

nologia,

agora se

ndo pos

tula-

do aqui

como a

solução

para o p

roblema

de com

opod

eria, ele

próprio

, consti

tuir um

a possib

ilidade.9

Obviam

ente, ser

ia absurd

o coloca

r a análi

se pro-

duzida

por ling

üistas c

omo Ben

veniste n

esse me

s-mo

campo h

ermenêu

tico. Seu

trabalho

é refresc

antecom

o um cop

o d’águ

a tomad

o depois

do ado

cica-

do huma

nismo do

s “const

rucionis

tas socia

is”, exi-

gindo um

a atençã

o mais g

enerosa

e produ

tiva do

que a q

ue eu se

rei capaz

de dar a

qui. É h

ora, ent

re-tant

o, de qu

estionar

toda a ti

rania da

“lingua

gem”,

da “com

unicação

”, do “s

ignificad

o”, desd

e há mu

i-to i

nvocado

s pelas “

ciências

sociais”

, no cur

so de

suas pre

tensões

a se dis

tinguire

m das “

ciências

na-tura

is”, supo

stamente

em virt

ude da n

atureza

espe-

cial de s

eu objet

o. Ao te

ntar exp

licar nos

sa histó

riae no

ssa espe

cificidad

e, não é

para o

domínio

dossign

os, dos

significa

dos e da

s comun

icações

quedeve

mos nos

voltar, m

as para a

analític

a das téc

nicas,

Page 14: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

158

das inte

nsidades

, das au

toridad

es e do

s aparat

os.Aná

lises com

o as que

estive d

iscutind

o aqui a

tribu-

em cois

as dema

siadas à

linguage

m como

comunic

a-ção

e abso

lutamen

te nada

à lingu

agem c

omoagen

ciamento

. Pode s

er “relat

ivamente

fácil nã

o di-

zer mais ‘

eu’, mas

sem com

isso ultr

apassar o

regime

de subje

tivação; e

inversam

ente, po

demos c

ontinua

ra diz

er Eu, p

ara agrad

ar, e já e

star em u

m outro

regi-

me ond

e os pro

nomes p

essoais s

ó funcio

nam com

oficçõ

es” (MP

2, p. 95

). Se a lin

guagem e

stá organ

iza-da e

m regim

es de sig

nificação

por mei

o dos qu

ais ela

se distri

bui ao lo

ngo de

espaços,

épocas,

zonas e

es-trato

s, e se el

a está ag

enciada

em regim

es prátic

os de

coisas, c

orpos e fo

rças, ent

ão deve-

se conceb

er a “con

s-truç

ão discu

rsiva do

eu” de u

ma form

a bem d

iferen-

te. Quem

fala, de

acordo c

om que

critérios

de verda

de,de q

uais lug

ares, em

quais re

lações, a

gindo so

b quais

formas, s

ustentad

o por qu

ais hábit

os e roti

nas, aut

o-rizad

o sob qu

ais form

as, em q

uais esp

aços e lu

gares,

e sob qu

e forma

s de per

suasão,

sanção,

mentiras

ecrue

ldades?

Em relaç

ão às di

sciplinas

psi, ess

es são

precisam

ente os t

ipos de q

uestões

com que

devemo

slidar

: a emer

gência d

e prática

s, locais

e regim

es de

enuncia

ção que

dão pod

er a cert

as autor

idades p

arafalar

nossa v

erdade n

a linguag

em da p

sique; o

s regi-

mes que

constitu

em a au

toridade

por mei

o de um

arelaç

ão com

aqueles

que são

seus su

jeitos co

mo pa-

cientes,

analisan

dos, clie

ntes, fre

gueses; a

s paisag

ens,os e

difícios,

as salas,

os arran

jos desen

hados p

ara es-

ses encon

tros, des

de as sal

as de co

nsulta at

é as enfe

r-mar

ias dos h

ospitais;

os vetor

es afetivo

s da com

pulsão,

da sedu

ção, do

contrato

e da con

versão q

ue fazem

acone

xão das

linhas.

159

Isto é, n

ão se tra

ta de um

a questã

o sobre

o que

uma pal

avra, um

a senten

ça, uma

estória o

u um li-

vro “qu

er dizer

” ou o q

ue “sign

ifica”, m

as, antes

,sobr

e “com

o que ele

funcion

a, em con

exão com

oque

ele faz o

u não pa

ssar inte

nsidades

, em que

mul-

tiplicida

des ele s

e introd

uz e me

tamorfo

seia a s

ua[mu

ltiplicid

ade] (M

P1, p. 1

2). Isso

não sig

nifica

voltar a

s costas

para a l

inguagem

ou para

todos o

sinst

rutivos

estudos

que têm

sido con

duzidos

sob os

auspício

s de um

a certa n

oção de

“discurs

o” ou qu

etêm

desenvo

lvido a a

nalítica

da retór

ica. Mas

signi-

fica suge

rir que e

ssas aná

lises são

mais in

strutiva

squa

ndo se f

ocalizam

não no

que a lin

guagem

signi-

fica , ma

s no que

ela faz:

que com

ponente

s de pen

-sam

ento ela

coloca

em con

exão, qu

e víncu

los ela

desquali

fica, o q

ue capac

ita os hu

manos a

imagina

r,a di

agramar

, a fanta

siar uma

determ

inada ex

istên-

cia, a se

reunire

m em u

m agen

ciamento

: os sex

oscom

seus ge

stos, for

mas de

andar, d

e vestir,

de so-

nhar, de

desejar;

as famí

lias com

suas ma

mães, se

uspap

ais, seus

bebês, s

uas nece

ssidades

e suas d

esilu-

sões; as

máquina

s de cur

ar com

seus mé

dicos e p

a-cien

tes, seus

órgãos

e suas p

atologia

s; as má

quinas

psiquiát

ricas co

m suas

arquitetu

ras refo

rmatóri

as,suas

grades

de diagn

óstico, s

ua mecân

ica de in

ven-ção

e suas n

oções d

e cura.10

Em qua

lquer cir

cunstân

cia, deve

mos rec

onhe-

cer que

a lingu

agem não

é, de fo

rma alg

uma, pr

i-már

ia na pr

odução

de pesso

as. Em p

rimeiro l

ugar,

a lingua

gem é, o

bviamen

te, mais q

ue apen

as “fala”

– daí a i

mportân

cia, que

é bem

reconhe

cida, da

in-venç

ão da es

crita pela

qual os

humano

s são cap

azesde s

e tornar

“máqu

inas esc

reventes

” por m

eio do

Page 15: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

160

treiname

nto da m

ão e do

olho; po

r meio

da fabri

-caçã

o de inst

rumento

s tais co

mo os e

stilos, os

pin-

céis, as

penas; p

or meio

de um c

erto con

junto de

hábitos

corpora

is; por m

eio de u

m modo

de com

-por

e decifra

r; por m

eio de u

ma relaç

ão com

a su-

perfície

mais ou

menos

transpor

tável de

inscriçã

o.Ao

escrever

, o ser h

umano t

orna-se c

apaz de

novas

coisas: f

azer lista

s; enviar

mensag

ens; acu

mular in

-form

ação, a p

artir de l

ocais dis

tantes, e

m um ú

nicoluga

r e em u

m único

plano;

e de com

parar, ta

bular

mudança

s, difere

nças e s

imilarid

ades, es

tendend

onov

as linhas

de força (

GOODY &

WATT, 1

968; Go

ody,197

7, p. 52

-111; ON

G, 1982

). A inv

enção da

im-pren

sa torna

possível

a genera

lização d

e “máqu

inasde le

itura” e

uma va

riedade

de novas

coisas se

torna

pensáve

l: novas f

ormas d

e compr

eender o

lugar d

oshum

anos em

uma co

smologi

a, por m

eio de c

álculo

dos mov

imentos

dos cor

pos cele

stes, por

exempl

o,ou n

ovas form

as de pr

aticar a e

spiritua

lidade em

re-laçã

o ao “liv

ro sagra

do” (EI

SENSTE

IN, 1979

). A in-

venção d

e técnic

as por m

eio das

quais os

humano

sdese

nvolvem

a capaci

dade de

calcular

torna, si

milar-

mente, o

s human

os capaz

es de no

vas coisa

s, discip

li-na o

pensam

ento e a

s auto-r

elações

de uma

forma

distintiv

a (previ

são e pr

udência

, por exe

mplo, q

uan-

do se ca

lcula a sit

uação fin

anceira f

utura na

forma de

um orça

mento) e

é simila

rmente

depend

ente de t

éc-nica

s e apar

atos – a

genciam

entos m

aquinad

os nos

quais as

forças

do huma

no são c

riadas e

estabiliz

a-das

(CLINE

-COHE

N, 1982

; cf. RO

SE, 1991

).Plat

ão, com

o é bem

sabido,

express

ou reser

vasséria

s à escrit

a, conceb

endo-a

não ape

nas com

o in-

ferior à p

alavra fa

lada, “es

crita na

alma do

ouvinte

161

para cap

acitá-lo a

aprend

er sobre

o certo,

o bem

e obom

”, mas t

ambém

como de

strutiva

das art

es da

retórica

e da mem

ória (PL

ATÃO,F

edro, 27

8a). Ma

s amem

ória não

deveria

ser con

traposta

à escrita

como

algo ime

diato, n

atural, c

omo um

a capaci

dade ps

i-coló

gica uni

versal, m

as vista e

m termo

s daquil

o que

Nietzsc

he cham

ou de “

mnemôn

ica” (N

IETZSC

HE,

1998 [1

887], p.

51; cf. G

ROSZ, 1

994, p. 1

31).5 Es

seterm

o refere

-se aos a

paratos p

elos qua

is se “m

arca a

ferro em

brasa” o

passado

em si p

róprio, t

ornando

-o di

sponível

como um

a advert

ência, u

m conso

lo,um

aparato

de nego

ciação,

uma arm

a ou um

a feri-

da. “Jam

ais deixo

u de hav

er sangu

e, martír

io e sa-

crifício

quando

o home

m senti

u a nece

ssidade

decriar

em si um

a memór

ia” (NIE

TZSCH

E, 1998,

p. 51).

As preoc

upações

de Nie

tzsche s

ão com

as varie

da-des

históric

as de pu

nição cr

uel, com

o exemp

los do

preço pa

go pelos

seres hu

manos p

ara fazê-

los supe

-rar s

eu esque

cimento

e “reter

na memó

ria cinco

ouseis

‘não que

ro’ [...] a

fim de

viver os

benefíci

os da

sociedad

e” (p. 5

2). Não

se trata

de uma

questão

,para

meus p

ropósito

s, da vali

dade da

s asserçõ

es ge-

nealógic

as espec

íficas de

Nietzsc

he – elas

são cert

a-men

te probl

emáticas

. Mas a

noção d

e mnem

ônica

abre um

campo m

uito imp

ortante

de inves

tigação

para o ag

enciame

nto de s

ujeitos.

Frances

Yates mo

s-trou

, de for

ma con

vincente

, que a

memória

pode

ser enten

dida com

o uma art

e ou um

a série de

técni-

cas incu

lcadas n

a forma

de proc

edimento

s particu

la-res:

uma arte

que foi r

evivida e

ampliada

na Idade

Média

e envolv

ia técnic

as tais co

mo a inv

enção de

lugares

ouespa

ços nos

quais ite

ns de sab

er ou ex

periênci

a eram

“colocad

os” e qu

e poderi

am ser “

recupera

dos” pel

o

Page 16: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

162

sujeito a

o fazer

um pass

eio ima

ginário a

través d

eles(YAT

ES, 1966

; cf. HIR

ST & WO

OLEY, 19

82, p. 3

9). As

práticas

da pedag

ogia têm

, obviam

ente, inv

entado

toda um

a gama

de outra

s técnica

s de me

mória, b

us-cand

o inculc

á-las nas

salas de

aula, ten

do prolif

erado

ao longo

da exper

iência de

quase to

dos os h

umanos

contemp

orâneos

e tendo s

ido elas

próprias

alimenta

-das

pelas dis

ciplinas

psi. Mas

reconhe

cer o êxit

o téc-

nico e p

rático da

memór

ia é ape

nas um

primeiro

passo: e

ssas téc

nicas da

memór

ia não s

ão limit

adaspelo

envelop

e da pele

do suje

ito e mu

ito meno

s pelo

volume

de seu c

érebro. N

ão apen

as os go

lpes, a t

or-tura

, os sacr

ifícios qu

e Nietzs

che desc

obre com

o cons-

tituindo

as raíze

s impura

s de nos

sos apar

entemen

tebáls

amos mo

rais puro

s, mas ta

mbém ju

ramento

s, ri-tuai

s, cançõe

s, escrita

s, livros,

gravura

s, biblio

tecas,

dinheiro

, contrato

s, dívida

s, edifíci

os, proje

tos de ar-

quitetur

a, a orga

nização

do temp

o e do es

paço: tud

oisso

– e mu

ito mais –

estabele

ce a pos

sibilidad

e deque

um pas

sado mai

s ou men

os imagin

ário pos

sa ser

re-evoca

do, no p

resente

ou no fu

turo em

locais pa

r-ticu

lares. Ist

o é, a me

mória é,

ela próp

ria, agen

ciada.

A memó

ria que t

emos de

nós pró

prios co

mo um

sercom

uma bio

grafia ps

icológica

, uma lin

ha de de

sen-volv

imento

da emoç

ão, do in

telecto, d

a vontad

e, dodese

jo, é pro

duzida p

or meio d

os álbun

s de foto

gra-fia d

e família,

a repetiçã

o ritual

de estór

ias, o do

ssiêreal

ou “virtu

al” dos b

oletins e

scolares

, a acum

ulação

de artefa

tos e a im

agem, o s

entido e

o valor q

ue lhes

são vinc

ulados.

As discip

linas ps

i, obviam

ente, têm

adotado

edese

nvolvid

o as tec

nologias

da mem

ória des

de ao

menos a

época d

e Mesm

er e têm

-se envo

lvido em

163

toda um

a histór

ia de co

mpetição

sobre o

status d

asmem

órias as

sim pro

duzidas

(MESM

ER, [1

799]

1957). A

memória

foi cent

ral às co

ncepções

de “de-

sordem

nervosa”

antes q

ue Freud

anuncia

sse que a

histéric

a sofria

de remi

niscênci

as e leva

ntasse a

pos-sibil

idade de

que a m

emória p

odia não

disting

uirentr

e experi

ência e f

antasia.

Por pelo

menos

um sé-

culo, as

asserçõe

s das dis

ciplinas

psi sobr

e a memó

-ria t

êm sido

controv

ersas pr

ecisame

nte porq

ue as

memória

s em que

stão par

eciam s

er o pro

duto de

suas “te

cnologi

as” não

-naturai

s – das

quais a

hip-nose

e a ass

ociação

livre con

stituíam

apenas

doisexem

plos. A

s dificu

ldades c

ontemp

orâneas

damne

motécni

ca psi sã

o exemp

lificadas

naquilo

quese p

oderia c

hamar d

e “crise

de mem

ória” em

tor-

no da pr

odução,

por me

io das te

cnologi

as da ps

i-cote

rapia, da

s anterio

rmente

ausentes

memór

ias da

violênci

a contra

crianças

– “memó

rias falsa

s”, “me-

mórias r

ecuperad

as”.6 As

disputa

s sobre

essa que

s-tão

revelam

, ao me

nos em

parte, a

dificuld

ade de

reconhe

cer que

aquilo q

ue é lem

brado só

o é por

meio do

envolvi

mento d

os huma

nos com

as tecno

-logi

as da m

emória.

Certas d

essas tec

nologias

, que

continu

am estr

anhas e

malign

as a mu

itas cult

uras,

têm sido

“natura

lizadas” e

m nossa

própria

cultura

–espe

lhos, ret

ratos, in

scrições

duráveis

(por exe

mplo,

diários,

cartões

de anive

rsário e

cartas,

que serv

emde “

substitut

os” para

eventos

passado

s mas “

nãoesqu

ecidos”)

, romance

s narrati

vos, foto

grafias, a

goratalv

ez o víd

eo da gr

avidez d

e nossa

mãe e o

mo-

mento d

e nosso

nascime

nto. Mu

itas daq

uelas tec

-nolo

gias inve

ntadas n

a geneal

ogia das

disciplin

as psi

– embora

, surpree

ndentem

ente não

sejam a

paratos

Page 17: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

164

de memó

rias tais

como a “

história

de caso”

da medi-

cina – co

ntinuam

tendo um

status p

roblemá

tico, ain

-da n

ão natur

alizado,

mas me

smo ass

im são

vistas

como su

speitas p

or causa

de sua

associaç

ão com

atecn

ologia ap

arentem

ente ant

inatural

que as f

izeram

nascer. M

as me é p

ossível s

er “uma-

pessoa-c

om-me-

mória” t

ão-some

nte em

virtude d

e eu “ter

-entrado

-em-

composi

ção” com

esses ele

mentos h

eterogên

eos– a

memória

, no sen

tido em

que faz

uma dife

rença

nas form

as pelas

quais os

humano

s agem

e se rela

-cion

am con

sigo me

smos, é

uma pr

opriedad

e de“má

quinas d

e lembrar

”.A m

emória,

a habilid

ade de c

álculo, a

escrita s

im-ples

mente ex

emplific

am o fa

to de qu

e as anál

ises da

linguag

em que

se centr

am na q

uestão d

o signific

a-do c

oncedem

demasia

da auton

omia à s

emântic

a e àsint

ática e d

ão muito

pouca a

tenção à

s prátic

as si-

tuadas q

ue intim

am, insc

revem, i

ncitam,

certas re

-laçõ

es da pe

ssoa con

sigo me

sma. El

as ignora

m os

aparatos

de insc

rição, d

esde livr

os de es

tória, ta

be-las,

gráficos

, listas e

diagram

as, até vi

trais e fo

togra-

fias, des

enho de

salas e p

eças de

equipam

ento, tai

scom

o aparelh

os de te

levisão e

fogões.

Esses a

para-

tos const

ituem te

cnologi

as cultur

ais que f

unciona

mcom

o forma

s de cod

ificar, es

tabilizar

e intima

r “se-

res huma

nos. Ele

s vão alé

m do en

velope d

a pessoa

,perd

uram em

locais,

práticas

, rituais

e hábit

os par-

ticulares

e não es

tão loca

lizados e

m pesso

as partic

u-lare

s, nem

são inte

rcambiad

os de ac

ordo com

omod

elo da c

omunica

ção.Assi

m, embo

ra as lin

guagens,

os voca

bulários

eas fo

rmas de

julgame

nto sejam

, indubit

avelmen

te, de

imensa

importâ

ncia em

intima

r e esta

bilizar c

ertas

165

relações

da pess

oa cons

igo mes

ma, eles

não dev

e-riam

ser ente

ndidos c

omo sen

do prima

riamente

in-tenc

ionais e i

nteracio

nais. Aq

uilo que

torna qu

alquer

intercâm

bio part

icular p

ossível s

urge de u

m regim

ede l

inguagem

, o qual

está alo

jado em

prática

s que

apreend

em o se

r human

o sob va

riadas fo

rmas, qu

einsc

revem, o

rganizam

, moldam

e exigem

a produ

-ção

da fala –

médica

, legal, e

conômi

ca, eróti

ca, do-

méstica

, espiritu

al. Mas e

ssa refe

rência às

prática

se ao

s agenci

amentos

dos qu

ais a lin

guagem

fazpart

e chama

a atençã

o para o

utra das

inescap

áveis

debilida

des das

estórias

“psicoló

gicas” d

o eu nar

-rado

. Quand

o a ling

uagem,

nessas

explicaç

ões, é

vista com

o algo s

ituado,

ela o é

apenas a

o modo

wittgen

steiniano

vago d

e “form

as de vi

da”, nas

quais a “

responsa

bilização

” [accoun

tability]

funcion

apara

tornar p

ossíveis

as ações

. Essas d

ispensáv

eis re-

ferência

s a form

as de vi

da são p

ouco ad

equadas

àtare

fa. O que

precisa

ser anal

isado é

o modo

da re-

lação co

nsigo m

esmo qu

e é intim

ado nas

práticas

enos

procedim

entos, no

s vínculo

s, nas lin

has de f

or-ça e

nos flux

os defin

idos que

constitu

em pess

oas e

as atrav

essam e

as circu

ndam e

m maqu

inações

par-ticu

lares de

força –

para tra

balhar, p

ara cura

r, para

reforma

r, para e

ducar, p

ara troc

ar, para

desejar, n

ãoapen

as para

responsa

bilizar [

accounti

ng] mas

para

manter c

omo resp

onsabiliz

ável. Nã

o se trat

a de um

apelo po

r uma lo

calização

mais d

elicada e

sutil da

comunic

ação “em

seu con

texto so

cial”, ma

s por um

areje

ição da

forma bi

nária qu

e separa

a lingu

agemde s

eu conte

xto apen

as para

reinseri-

la contex

tual-

mente em

um mu

ndo que

é reduz

ido a um

a espécie

de pano

de fund

o cultur

al para

o signific

ado.

Page 18: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

166

Uma ve

z tecnic

izadas, m

aquinad

as e loc

aliza-

das em

lugares e

prática

s, emerge

uma im

agem di-

ferente

do proc

esso de

“constru

ção de p

essoas”.

As pesso

as funcio

nam, aqu

i, como

uma form

a ines-

capavelm

ente het

erogênea

, como

arranjos

cujas ca-

pacidad

es são fa

bricadas

e transf

ormadas

por me

iode c

onexões

e ligaçõ

es nas q

uais elas

são apr

eendi-

das em

locais e

espaços

particul

ares. Nã

o se trat

a,port

anto, de

um eu q

ue emer

ge por m

eio da n

arra-

ção de e

stórias,

mas, an

tes, de e

xaminar

o agen

cia-men

to de su

jeitos: d

e sujeito

s comba

tentes e

mmáq

uinas de

guerra,

de sujei

tos labo

rais em

máqui-

nas de t

rabalho,

de sujei

tos desej

antes em

máquin

asde p

aixão, d

e sujeito

s respon

sáveis na

s variad

as má-

quinas d

a moral

idade. E

m cada c

aso, a su

bjetivaç

ãoem

questão

não é u

m produ

to nem

da psiqu

e nem

da lingu

agem, ma

s de um

agencia

mento h

eterogê

-neo

de corpo

s, vocabu

lários, ju

lgamento

s, técnic

as,insc

rições, p

ráticas.

ANATO

MIAS IM

AGINÁ

RIAS

Sugeri,

anterior

mente, q

ue pode

mos pro

duzir

mais em

termos d

e intelig

ibilidad

e se con

sideram

osa qu

estão da

subjetiv

ação me

nos em

termos d

e que

tipo de s

ujeito é

produz

ido – um

eu, um

indivíd

uo,um

agente –

e mais e

m termo

s daquil

o que os

hu-man

os são c

apacitad

os a faze

r por me

io das fo

rmas

pelas qu

ais eles

são ma

quinado

s ou com

postos.

Aquilo q

ue os hu

manos e

stão cap

acitados

a fazer

não é in

trínseco

à carne,

ao corpo

, à psiqu

e, à men

-te o

u à alm

a: está c

onstante

mente d

eslocand

o-se e

mudand

o de lug

ar para

lugar, de

época p

ara épo

ca,167

com a li

gação do

s human

os a apa

ratos de

pensa-

mento e

ação –

desde a m

ais simp

les cone

xão entr

eum

órgão (o

u uma pa

rte do co

rpo) e ou

tro em te

r-mos

de uma

“anatom

ia imagin

ária” at

é aos flu

xosde f

orça tor

nados p

ossíveis

pelas li

gações d

e umórgã

o com u

ma ferra

menta, c

om uma

máquina

, compart

es de ou

tro ser h

umano o

u de out

ros sere

s hu-

manos, e

m um es

paço mo

ntado ta

l como um

quarto

de dorm

ir ou um

a sala de

aula. De

ssa persp

ectiva, as

questõe

s a serem

tratadas

têm a ve

r não co

m a “con

s-titui

ção do e

u”, mas

com as

ligações

estabele

cidas

entre, de

um lado

, o huma

no e, de

outro, o

utros hu

-man

os, objet

os, força

s, proced

imentos

, as cone

xõese flu

xos torn

ados po

ssíveis, a

s capacid

ades e os

devi-

res engen

drados, a

s possib

ilidades

assim imp

edidas,

as cone

xões ma

quínicas

formadas

, que pr

oduzem

ecana

lizam as r

elações

que os

humano

s estabe

lecem

consigo

mesmo

s, os ag

enciame

ntos dos

quais el

esform

am elem

entos, co

ndutos,

recursos

ou força

s (cf.

GROSZ, 1

994, p.

165; M

P1, p. 9

1).Ao

pensar d

essa for

ma, pod

emos ler

ao con

trá-rio,

por assim

dizer, o

s muitos

e recent

es textos

quebusc

am fund

amentar

sua ana

lítica de

relações

depod

er e form

as de sa

ber sobr

e “o cor

po”. A

corpo-

reidade

humana,

como m

uitas vez

es se sug

ere, pod

eforn

ecer a b

ase para

uma teo

ria da su

bjetivaç

ão, da

constitu

ição dos

desejos

, das sex

ualidad

es e das

di-fere

nças sexu

ais, dos fe

nômenos

de resist

ência e a

gên-cia.

Os seres

humanos

são, afin

al, como

afirmam

esses

argumen

tos, corp

orificado

s, a desp

eito de

todas as

tentativa

s dos fil

ósofos,

desde o

Iluminism

o, para

descrevê

-los com

o criatu

ras de r

azão e p

ara afir-

mar que

essa ca

pacidad

e para r

aciocina

r afasta o

s

Page 19: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

168

humano

s – ou ao

menos

os huma

nos mas

culinos

–qua

se que in

teiramen

te de su

as caract

erísticas

como

criatura

s. E em

bora ace

itando q

ue a cor

poreidad

enão

dá qua

lquer for

ma esse

ncial ou

estável à

subje-

tividade,

como po

deríamo

s negar

a asserç

ão dessa

sanál

ises de q

ue é sob

re esse m

aterial b

ruto do

“cor-

po” que

a cultur

a trabalh

a sua co

nstituiç

ão da su

b-jetiv

idade? E

mbora a

bjurand

o todas

as forma

s deesse

ncialism

o, como

poderí

amos di

scordar

da as-

serção d

e que as

formas d

a subjet

ividade

são irrec

u-pera

velmente

marcada

s pela fa

cticidad

e biológi

ca de

corpos s

exuados,

de corpo

s infanti

s que são

incapa-

zes de a

utomanu

tenção,

de todo

s os cor

pos que

comem,

bebem,

copulam

, defeca

m, dete

rioram

emor

rem (po

r exemp

lo, BUTL

ER, 199

0, 1993

). Essa

ambivalê

ncia está

resumid

a na asse

rção de B

raidotti

de que “

o ponto

de partid

a para a

s redefin

ições fe-

ministas

da subje

tividade

é uma no

va forma

de ma-

terialis

mo qu

e colo

ca ênf

ase na

estrutu

racorp

orificada

e, porta

nto, sexu

almente

diferenc

iada,

do sujei

to falan

te” (199

4a, p. 1

99, ênfa

se minha

).E ta

l é a apa

rente co

mpulsão

de uma

tal form

a depen

sar que

mesmo

uma es

critora a

ntinatur

alista

como E

lizabeth

Grosz, q

ue quer

questio

nar todo

sos e

ssenciali

smos e t

odos os

binarism

os, suge

re que

“o corpo

” é o ma

terial sob

re o qua

l a cultu

ra, a his-

tória e a

técnica e

screvem

e, porta

nto, “a b

ifurcação

de corpo

s sexuad

os é um

univers

al cultur

al irredu

tí-vel”

(GROSZ

, 1994,

p. 160).

Mas “o c

orpo” é,

ele própr

io, um fe

nômeno

his-tóri

co. Nos

sa prese

nte ima

gem dos

lineame

ntos e

da topo

grafia d

o “corpo

” – seus

órgãos,

process

os,fluid

os vitais

e fluxos

– é o resu

ltado de

uma his

tória

169

cultural

, científi

ca e téc

nica par

ticular.

As propr

ie-dad

es do co

rpo – an

dar, sor

rir, cava

r, nadar

– não

são prop

riedades

naturai

s mas c

onquist

as técnic

as(MA

USS, 19

79a). M

esmo o

caráter

aparente

mente

natural d

os limit

es e das

frontei

ras do c

orpo, qu

epare

ce defin

ir como

que ine

vitavelm

ente a co

erên-

cia de um

a unidad

e orgân

ica, é um

fato rec

ente e

pertence

a uma cu

ltura esp

ecífica (F

OUCAU

LT, 1994

;cf. G

ROSZ, 1

994, sob

re a hist

ória da n

oção de “

ima-

gem do

corpo”).

E quan

to aos “

dois sexo

s”, há tan

-tos e

studos h

istóricos

mostran

do quão

diversa é

essaapar

entemen

te imutáv

el divisã

o, que t

rabalhos

in-telec

tuais es

tiveram

implicad

os em e

stabilizá

-la na

forma da

naturez

a duplic

ada do c

orpo ma

sculino

edo c

orpo fem

inino, em

fazer de

nosso d

esejo sex

ualnoss

o desejo

secreto,

conecta

ndo pra

zer, sexo

, vonta-

de, sabe

r, reprod

ução e c

ompanh

eirismo

em uma

“sexuali

dade ci

borgue”

que aca

bamos p

or habit

arcom

o sendo

nossa

verdade

(por exe

mplo, F

EHER,

NADAFF

& TAZ

I, 1989

; LAQU

EUR, 19

90; BRO

WN,

1989; c

f. VALV

ERDE, 1

985, so

bre noss

a fabric

açãocom

o sujeito

s sexualm

ente des

ejantes).

Daí que

gran-

de parte

da recen

te ênfase

, na escr

ita femi

nista, sob

reo co

rpo e so

bre a co

rporifica

ção, con

serva a p

rópria

analítica

que bus

ca subver

ter, desl

ocando a

normal

i-zaçã

o “ilum

inista” d

as propr

iedades

da razão

e da

abstraçã

o, ao si

mplesm

ente inv

erter o

velho tr

opode q

ue as m

ulheres

são mai

s corpór

eas, ma

is car-

nais, ma

s retend

o, entre

tanto, a

carne co

mo a pe

rs-pect

iva gover

nante da

razão fem

inista. M

as os co

rpossão

sempre

“corpos

pensado

s” ou “c

orpos-pe

nsa-men

to”: alg

um dia,

talvez, n

ós virem

os a olh

ar re-

trospect

ivamente

para o

“sexo-pe

nsamento

-corpo”

Page 20: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

170

que tan

to tem

afetado

nosso p

róprio sé

culo, no

ssapróp

ria repet

itiva e ca

nsativa

ansiedad

e sobre

nos-sos

corpos s

exuais, n

ossos co

mpromi

ssos com

a di-

ferença

de gêner

o que no

s marca t

ão indele

velmente

,as fo

rças tran

sgressiva

s e os p

oderes

restaura

dores

do sexua

l e tudo

o resto,

com um

certo d

eleite pe

r-vers

o (cf. FO

UCAUL

T, 1985

a).Aba

ndonem

os, pois

, esse “c

arnalism

o” do co

r-po d

e uma ve

z por tod

as.10 O cor

po é mu

ito meno

sunif

icado, m

uito me

nos “ma

terial” d

o que co

stu-mam

os pensa

r. É poss

ível, poi

s, que nã

o exista

essacois

a de “ o c

orpo”: u

m envel

ope lim

itado qu

e pode

ser reve

lado par

a conter

no seu

interior

uma pr

o-fund

idade e u

m conju

nto de o

perações

que fun

cio-nem

à mane

ira de

uma lei

. Dever

íamos e

starpreo

cupado

s não co

m corpo

s, mas c

om as li

gações

estabele

cidas en

tre supe

rfícies, f

orças e e

nergias p

ar-ticu

lares. Em

vez de

falar de

“o corpo

”, precis

aría-

mos ana

lisar ape

nas com

o um par

ticular “

regime d

ecorp

o” foi p

roduzido

, descrev

endo a c

analizaç

ão de

processo

s, órgão

s, fluxo

s, conexõ

es, bem

como o

alinham

ento de

um aspe

cto com

outro. E

m vez d

e“o c

orpo”, te

m-se, p

ois, uma

série d

e “máqu

inas”

possíveis

, agencia

mentos –

de dime

nsões va

riadas –

de huma

nos com

outros

elemento

s e mater

iais: co-

nectado

s a livro

s para fo

rmar um

a máqu

ina liter

á-ria,

a ferram

entas pa

ra form

ar uma

máquina

detrab

alho, a b

ens para

formar u

ma máq

uina de c

on-sum

o... O c

orpo é,

pois, “n

ão uma

totalida

de or-

gânica

que é c

apaz de

express

ar globa

lmente

asubj

etividad

e, uma co

ncentraç

ão das em

oções, at

itu-des,

crenças o

u experi

ências d

o sujeito

, mas um

agen-

ciamento

de órgã

os, proc

essos, p

razeres,

paixões,

171

atividad

es, comp

ortamen

tos, liga

dos por

tênues li

-nha

s e impr

evisíveis

redes a

outros

elemento

s, seg-

mentos

e agenci

amentos

” (GRO

SZ, 199

4, p. 12

0).E os

próprio

s órgão

s são “tác

teis”: o o

lho, o n

ariz,

o ouvido

, o tato,

reúnem

pensam

ento e o

bjeto em

sensuais

relações

de con

tato, tro

ca e int

erpenetr

a-ção,

criando

uma m

ultiplicid

ade de n

ovos sen

tidos

através

de cada

qual “re

luzem m

omentos

de con

e-xão

mimétic

a, simu

ltaneam

ente cor

porificad

os emen

talizado

s, simulta

neamente

individ

uais e so

ciais”

(TAUSS

IG, 1993

, p. 23;

embora

o argum

ento seja

de Tauss

ig, ele e

stá disc

utindo a

qui o tr

abalho d

eWal

ter Benja

min).

Nosso re

gime de

corpore

idade de

veria, as

sim, ele

próprio,

ser visto

como a r

esultant

e instáve

l dos age

n-ciam

entos no

s quais o

s human

os são s

urpreend

idos,

induzind

o uma ce

rta relaç

ão consi

go mesm

os como

corporifi

cados; to

rnando o

corpo or

ganicam

ente uni

-ficad

o, atrave

ssado po

r process

os vitais

; diferen

cian-

do – hoj

e por me

io do se

xo, em g

rande pa

rte de no

ssahistó

ria por m

eio da “

raça”; d

ando-lh

e uma ce

rtaprof

undidad

e e um

certo lim

ite; equ

ipando-o

comuma

sexualida

de; estab

elecendo

as coisa

s que ele

pode

e não po

de fazer

; definin

do sua v

ulnerabi

lidade em

relação a

certos p

erigos; t

ornando

-o pratic

ável a fim

de amar

rá-lo a pr

áticas e a

atividad

es (sobre

“o corpo

da mulhe

r”, ver, p

or exem

plo, LAQ

UEUR, 1

990, DU

-DEN

, 1991;

sobre o

corpo ra

cializado

, ver GI

LMAN

,198

5). A que

stão de D

eleuze, q

ue para e

le era a q

ues-tão

de Spino

za, “De

que um

corpo

é capaz?

” (oque

ele pod

e fazer; q

ue afect

os ele p

ode ter;

como

esses afe

ctos refo

rçam, enf

raquecem

, capacita

m-no

de difere

ntes form

as; como

o multip

licam; co

mo o

Page 21: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

172

metamo

rfoseiam

?) é um

ponto d

e partida

(DELEU

ZE,199

2b, cap.

14). M

as isso a

penas n

a medid

a emque

concord

emos qu

e um cor

po não é

“o corp

o”,mas

apenas

uma rela

ção part

icular, c

apaz de s

er afe-

tada de

formas p

articular

es. Trata

-se de um

a ques-

tão de ó

rgãos, de

múscul

os, de ne

rvos, de

aparelho

sque

são, ele

s própri

os, enxam

es de cé

lulas em

troca

constan

te entre s

i, ligand

o e sepa

rando, m

orrendo

,reco

nfiguran

do, con

ectando

e combi

nando,

onde o

lado de

fora de

um é, si

multane

amente,

o lado d

eden

tro de o

utro. Tra

ta-se tam

bém de

uma que

stãode c

érebros,

hormôn

ios, mol

éculas q

uímicas

, que

conecta

m e tran

sformam

as capac

idades d

as vária

spart

es – exc

itando-a

s, coorde

nando-a

s, fundin

do-as

ou deslig

ando-as

.Esse

s agenci

amentos

não são

delinea

dos pelo

envelope

da pele

, mas lig

am o “l

ado de

fora” e

o“lad

o de de

ntro” –

visões,

sons, ar

omas, to

ques,

coleções

– juntan

do-os co

m outro

s elemen

tos, ma

-quin

ando d

esejos,

afecções

, tristez

a, terro

r e até

mesmo

morte. C

onsidere

mos as v

ariadas

maquina

-ções

das qua

is o corp

o é capaz

: a corag

em do g

uer-reiro

na batalh

a, a tern

ura ou a

violênc

ia do ama

nte,a re

sistência

do pris

ioneiro p

olítico s

ob tortu

ra, as

transfor

mações

efetuad

as pelas

práticas

da ioga

, aexpe

riência d

a morte

vodu, a

s capaci

dades d

e tran-

se que t

ornam o

s órgão

s capaze

s de sup

ortar qu

ei-mad

uras ou

de recup

erar-se d

e feridas

. Não se

trata

de propr

iedades

de “o co

rpo”, ma

s de ma

quinaçõe

sdo “

corpo pe

nsado”,

cujos ele

mentos,

órgãos,

for-

ças, ener

gias, pai

xões, tem

ores são

reunidos

por mei

ode c

onexões

com pala

vras, son

hos, técn

icas, can

tos,háb

itos, jul

gamento

s, armas

, ferram

entas, g

rupos.

173

Isso não

significa

sugerir

que os h

umanos

possam

ser anjo

s, que p

ossam v

oar pela

s janela

s ou qu

epos

sam mo

vimenta

r-se com

o minho

cas, ma

s que

apelos “

materia

listas” à

corporei

dade co

mo o “m

a-teria

l” sobre

o qual a

cultura

trabalha

não são

coi-

sas “bo

as para

pensar”

. Os cor

pos são

capazes

demui

ta coisa

, em vir

tude, ao

menos

em par

te, de

“serem

pensado

s” e nós

não sab

emos os

limites

doque

essas m

áquinas

-corpo-p

ensamen

to são c

apa-zes.

11 Se no

s tornam

os criatu

ras psic

ológicas

nãofoi p

or causa

do cará

ter dado

de um

interior

, nem

por caus

a dos sig

nificado

s de um

a cultur

a, mas p

orcaus

a das fo

rmas pe

las qua

is, em t

antos lo

cais e

práticas

, os vet

ores psi

acabara

m por a

travessa

r epor

ligar ess

as maqu

inações.

Duas m

etáforas

para as

maquin

ações do

s cor-

pos-suje

ito foram

recente

mente p

ropostas

: perfor

-mat

ividade

e inscriçã

o. Judith

Butler p

ropôs a n

oçãode p

erforma

tividade

ao desen

volver u

ma anál

ise da

constru

ção da “

identida

de de gê

nero” qu

e não su

-põe

qualque

r sujeito

essencia

l ou pré

-dado sit

uado

por detr

ás de su

as ações

. Para B

utler, nã

o precis

a-mos

“nenhu

ma teor

ia da id

entidad

e de gên

ero por

detrás d

e expres

sões de g

ênero...

a identid

ade é pe

r-form

ativame

nte con

stituída

pelas pr

óprias ‘e

xpres-

sões’ qu

e se sup

õe ser s

eus resu

ltados”

(BUTLE

R,199

0). Sua

noção

de perfo

rmativid

ade base

ia-se,

aqui, em

Austin

e Derrid

a, para

argumen

tar que o

gênero

é o resu

ltado de

atos pe

rformat

ivos. “U

mato

perform

ativo é

aquele q

ue faz n

ascer ou

coloca

em ação

aquilo

que no

meia, m

arcando

, assim,

opod

er consti

tutivo ou

produti

vo do di

scurso...

Para

que um

perform

ativo fu

ncione,

ele deve

basear-se

e

Page 22: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

174

recitar u

m conju

nto de c

onvençõ

es lingü

ísticas q

uetêm

tradicio

nalmente

funcion

ado par

a assegu

rar ou

implicar

certos

tipos de

efeitos”

(BUTLE

R, 1995

, p.134

). O gên

ero é, p

ois, uma

fantasia

“institu

ída e

inscrita

na supe

rfície de

nossos

corpos”,

constitu

í-do p

or meio

dos efeit

os de sig

nificação

engend

ra-dos

pelas pe

rfomance

s da ling

uagem (1

990, p. 1

36).Mas

essa no

ção de p

erforma

tividade

limita-se

a si

própria a

o mante

r a ênfas

e no ling

üístico.

Conside

-rem

os este a

rgumento

sobre a

perform

ance da

fe-min

ilidade,

o qual

devo a S

usan Bo

rdo (BO

RDO,

1993, p

. 19):12

Sente-se

em um

a cadeir

a reta. C

ruze sua

s pernas

na altur

a dos to

rnozelos

e mante

nha seu

s joelhos

pression

ados um

contra o

outro. T

ente faze

r isso

enquan

to está co

nversand

o com al

guém, ma

s tente

o tempo

todo m

anter se

us joelh

os forte

mente

pression

ados um

contra o

outro...

Corra u

ma cer-

ta distân

cia, man

tendo se

us joelho

s juntos.

Você

descobri

rá que t

erá que

dar pas

sos curt

os, altos

...And

e por um

a rua da

cidade.

.. Olhe,

em dire

çãoreta

, para a

frente. T

oda vez

que um

homem

pas-sar

por você

, desvie

seu olh

ar e não

mostre

ne-nhu

ma expr

essão no

rosto.

“Transfo

rmar-se

em uma

pessoa

‘dotada’

de gê-

nero”, c

omo rec

onhece

Butler,

juntame

nte com

muitas o

utras pe

ssoas, si

gnifica s

eguir um

a prescr

i-ção

meticul

osa e co

ntinuam

ente rep

etida da

condu-

ta, da ap

arência,

da fala, d

o pensam

ento, da

vontade

,do i

ntelecto

, na qua

l as pesso

as são re

unidas em

uma

montage

m não a

penas ao

serem c

onectad

as com o

svoca

bulários

mas tam

bém com

regime

s de con

duta175

(andar, o

lhar, faz

er gesto

s), com

artefato

s (roupa

s,sapa

tos, ma

quiagem

, autom

óveis, p

anelas, i

nstru-

mentos p

ara escre

ver, livro

s), com

espaços

e lugares

(salas de

aula, bib

liotecas,

estações

de trem

, museus

)e co

m os ob

jetos qu

e os hab

itam (m

esas, cad

eiras,

livros, p

lataform

as, vitrin

es). A p

erforma

tividade,

ao meno

s no sen

tido do

modelo d

a enunc

iação lin

-güís

tica, em

que é de

finida em

termos d

e citaçõe

s econ

venções,

é uma

imagem

bastant

e engan

adora

para pen

sar esse p

rocesso

de monta

gem da

pessoa:

é necess

ário insi

stir que

nós não

somos “

constituí

dospela

linguag

em”.

Tampou

co é suf

iciente u

ma ima

gem ling

üística

diferent

e, a da e

scrita ou

da insc

rição. E

ssa noção

éutili

zada tan

to por B

utler qu

anto por

Grosz

paradesc

rever a

relação e

ntre, po

r um lad

o, o cor

po esuas

superfíc

ies (con

cebidos

como m

arcados,

ins-

critos, gr

avados)

e, por o

utro, “o

traçado

de text

osped

agógico

s, jurídic

os, méd

icos e e

conômi

cos, de

leis e pr

áticas na

carne a

fim de

entalhar

um suje

itosoci

al como

tal, um

sujeito

capaz d

e trabal

ho, de

produção

e manip

ulação,

um suje

ito capaz

de agir

como um

sujeito e

, ao me

smo tem

po, capa

z de ser

decifrad

o, inter

pretado

, compr

eendido”

(GRO

SZ,199

4, p. 11

7). Em v

ez de pe

nsar em

uma an

alítica

da inscr

ição, na

qual a c

ultura se

ria escrit

a na carn

e,con

sidero s

er mais ú

til pensa

r em term

os de tec

no-logi

a. Na ve

rdade, co

mo suge

ri, a ling

uagem,

a es-

crita, a

memória

podem

ser, ela

s própri

as, vista

scom

o eleme

ntos de

uma téc

nica, ca

da uma

delas

implican

do verda

des, técn

icas, gest

os, hábit

os, apara

-tos,

reunidos

, por mei

o do trein

amento,

em uma

mon-

tagem,

e inserid

os em a

ssociaçõ

es mais o

u meno

s

Page 23: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

176

duráveis

. Podere

mos com

preende

r melhor

as práti-

cas de s

ubjetiva

ção se a

s conceb

ermos e

m term

osdas

complex

as interc

onexões

, técnica

s e linh

as de

força qu

e se esta

belecem

entre c

ompone

ntes het

e-rogê

neos, in

citando,

tornand

o possíve

l e estab

ilizan-

do relaç

ões part

iculares

conosco

mesmo

s, em loca

ise lug

ares esp

ecíficos.

As tecno

logias d

a subjet

ivação

são, poi

s, as ma

quinaçõe

s, as ope

rações p

elas qua

issom

os reun

idos, em

uma m

ontagem

, com in

stru-

mentos

intelectu

ais e prá

ticos, co

mponen

tes, enti

-dad

es e apa

ratos pa

rticulare

s, produ

zindo ce

rtasform

as de se

r-human

o, territ

orializan

do, estr

atifi-

cando, fi

xando, o

rganizan

do e torn

ando du

ráveis as

relações

particul

ares qu

e os hu

manos p

odem h

o-nest

amente

estabele

cer consi

go mesm

os.Não

existe n

enhuma

necessid

ade de s

upor qu

al-que

r “meio

de propu

lsão” po

r detrás

de toda

s essas

tecnolog

ias, nem

qualque

r força

ou desej

o primo

r-dial

que circ

ule por

esses ag

enciame

ntos, faz

endo

com qu

e seja p

ossível

que ele

s se mo

vam, aja

m,mud

em, res

istam, so

fram mu

tações. A

assim c

ha-mad

a “quest

ão da ag

ência” c

oloca um

falso pr

oble-

ma. Par

a dar co

nta da c

apacidad

e para a

gir não

precisam

os de ne

nhuma

teoria d

o sujeito

que seja

anterior

e que res

ista àqu

ilo que a

apreend

eria – ta

iscapa

cidades

para a aç

ão surge

m dos r

egimes e

tec-nolo

gias esp

ecíficos

que ma

quinam

os huma

nosde v

ariadas

formas (n

esse caso

estou de

acordo

comBUT

LER, 199

5, p. 136

). A hete

rogeneid

ade dess

as prá-

ticas e té

cnicas –

seus mú

ltiplos c

onflitos,

divergê

nci-as, i

ntercone

xões e a

lianças, a

s diferen

tes prom

essas

que elas

fazem e

as variáve

is exigên

cias que

elas repr

e-sent

am para

o ser hu

mano –

podem

produzir

todos

177

os efeito

s de res

istência,

apropria

ção, uti

lização,

transfor

mação e

transgre

ssão que

os teóri

cos do p

ós-mod

erno têm

ressalta

do, sem

a neces

sidade d

e in-

vocar u

ma con

cepção

unifica

nte de

“agênc

iahum

ana”. Pa

ra dizê-l

o de out

ra forma

, a agên

cia é,

ela própr

ia, um e

feito, um

resultad

o distrib

uído de

tecnolog

ias partic

ulares d

e subjet

ivação, a

s quais i

n-voca

m os ser

es huma

nos com

o sujeito

s de um

certo

tipo de

liberdad

e e forn

ecem as n

ormas e

técnica

spela

s quais a

quela li

berdade

deve ser

reconh

ecida,

agenciad

a e exer

cida em

domínio

s especí

ficos. N

averd

ade, as d

isciplina

s psi tiv

eram, ao

longo d

o sé-

culo pas

sado, um

papel b

astante

particul

ar na cr

ia-ção

das con

dições p

ara a em

ergência

da nos

sacapa

cidade d

e nos rel

acionar

conosco

mesmos

como

certo ti

po de a

gente –

como “p

ersonag

ens”, po

rexem

plo, com

funções

nervosa

s, as qua

is, quan

domol

dadas p

elo efeit

o do háb

ito e da

influênci

a so-

bre a co

nstituiç

ão da pe

ssoa, pro

duzia a

impulsiv

i-dad

e ou o co

ntrole, d

ependen

do do ca

so: se a p

essoa

era hom

em ou m

ulher, am

o ou am

a, trabal

hador

temporá

rio, func

ionário o

u servo

(cf. SMIT

H, 1992

,cap.

1); ao lo

ngo do

século X

X, como

“person

alida-

des”, co

mo um

tipo que

estava e

m posse

de cert

ostraç

os, man

ifestado

s nas fo

rmas pe

las quais

a pes-

soa reag

ia à expe

riência,

expressa

va seus

sentime

n-tos e

se assoc

iava a ar

tefatos, g

ostos, fo

rmas de

vestir,

estilos d

e gesticu

lação e e

xpressão

; na seg

unda me

ta-de d

o século

XX, com

o “agent

es livres

” de esco

lha eauto

desenvo

lvimento

, em gu

erra con

tra toda

s asmáq

uinas qu

e nos ma

quinariam

como bo

ns sujeit

osda b

urocracia

e do co

nformism

o, que d

iminuiria

m

Page 24: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

178

nossa au

to-estim

a e imp

ediriam

nosso a

utodesen

-volv

imento.

Para nos

sa própr

ia cultu

ra, a agê

ncia é, o

bvia-

mente, p

arte de u

ma “exp

eriência

” de inte

rnalidad

e– el

a parece

acumul

ar-se e e

mergir

de nossa

s pro-

fundidad

es, de no

ssos ins

tintos, d

esejos o

u aspira

-ções

interior

es. Não h

á dúvida

de que

nem sem

prefoi

assim. A

clássica

interpr

etação d

a Ilíada

e daOdi

sséia, fei

ta por E

. A. Do

dds, sug

ere que

a des-

crição h

omérica

dos hum

anos é m

ais do qu

e uma

questão

de con

venção e

stética:

os huma

nos, par

aHom

ero, era

m agen

ciamento

s dispers

os, cujos

ele-men

tos eram

a psyche

(alma), a

thumos

(vontad

e) e o

noos (in

telecto),

cada um

deles co

m seu m

odo ind

e-pen

dente d

e operaç

ão. A a

ção era

entendid

a não

em term

os de qu

alquer fa

culdade

interna

da agên

-cia,

mas em

termos

de forç

as tais c

omo ate

, que

obrigava

m a pes

soa a um

curso p

articular

de ação

,por

meio da

interven

ção dos

deuses,

das deu

sas do

Destino

, das Fú

rias, de

sonhos e

visões

(DODD

S,197

3; cf. H

IRSTE

WOOLL

EY, 1982

). Esses

exempl

ospod

eriam, o

bviamen

te, ser m

ultiplicad

os: os p

ode-

res expli

cativos d

as vozes

das dei

dades o

u dos de

-môn

ios, os e

feitos m

otivado

res dos

xamãs e

dos

rituais, e

mais pró

ximo de

nós, talv

ez, as co

nseqüên

-cias

das mu

ltidões o

u bando

s em arre

batar o i

ndiví-

duo em

um no

vo e mu

lticéfalo

agente

com um

aúnic

a – aind

a que m

aligna –

vontade

. A agên

cia é,

sem dúv

ida, um

a “força”

, mas é u

ma forç

a que su

r-ge n

ão de qu

alquer p

roprieda

de essen

cial de “

o su-

jeito”, m

as das fo

rmas pe

las quais

os huma

nos têm

se reunid

o em um

agencia

mento.

179

ALMAS

DOBRA

DAS

Se hoje

vivemos

nossas v

idas com

o sujeito

s psi-

cológico

s que ve

mos com

o sendo

a origem

de nossa

saçõe

s, se nos

sentimo

s obriga

dos a no

s coloca

r a nós

próprios

com suje

itos com

uma ce

rta e des

ejada on

-tolo

gia, uma

vontade

de ser,

isso se d

eve às fo

rmas

pelas qu

ais relaç

ões part

iculares d

o exterio

r têm sido

invagina

das, dob

radas, pa

ra forma

r um lado

de den-

tro ao q

ual um

lado de

fora dev

e sempr

e fazer

re-ferê

ncia. Um

a vez m

ais, é D

eleuze q

uem refl

etiumai

s instru

tivamen

te sobr

e uma fil

osofia d

a do-

bra (DE

LEUZE,

1992a,

1992b,

veja esp

ecialme

nte o

uso dess

a noção

em sua

discussã

o da sub

jetivação

em seu

livro sob

re Fouca

ult: DEL

EUZE, 1

988, p.

94-123

). “O que

importa

, sempre,

é dobrar

, desdob

rar,redo

brar” (D

ELEUZE

, 1992a

, p. 137

). O con

ceito de

dobra p

ode faze

r surgir

um diag

rama ge

neralizáv

elpara

pensar a

s relaçõe

s, as con

exões, as

multipl

icida-

des e as

superfíci

es – sua

formação

de profu

ndidades

,sing

ularidad

es, estab

ilizações

. Esse d

iagrama

da do-

bra desc

reve um

a figura

na qual o

lado de

dentro,

osubj

etivo, é, e

le própri

o, não m

ais que u

m mome

nto,ou u

ma série

de mom

entos, po

r meio d

o qual u

ma“pro

fundidad

e” foi con

stituída n

o ser hum

ano. A p

ro-fund

idade e s

ua singu

laridade

não são

, pois, m

ais do

que aqu

elas cois

as que fo

ram esca

vadas pa

ra criar u

mespa

ço ou um

a série d

e cavida

des, plis

sados e c

am-pos

que só

existem

em rela

ção àqu

elas mes

mas for-

ças, linh

as, técni

cas e inv

enções q

ue as su

stentam

.As l

inguagen

s, as téc

nicas, o

s locais

instituc

io-nais

e as re

lações e

nunciati

vas da m

edicina

clínica

Page 25: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

180

introduz

iram dob

ras profu

ndas no

corpo,

o lado de

dentro d

o lado de

fora, o l

ado de d

entro co

mo uma

operaçã

o do lado

de fora,

como su

gere De

leuze em

sua disc

ussão da

arqueo

logia qu

e Foucau

lt faz do

olhar clí

nico. Ou

, de nov

o, em r

elação à

s técnica

sética

s introd

uzidas p

elos gre

gos, ess

as devem

serente

ndidas “n

o sentid

o de que

a relação

consigo

ad-quir

e indep

endênci

a. É com

o se as r

elações

do lado

de fora

se dobra

ssem, se

curvasse

m para

formar u

mforr

o e deix

ar surgir

uma rela

ção cons

igo, con

stituir

um lado

de dentr

o que se

escava e

desenvo

lve segu

n-do u

ma dime

nsão pró

pria” (D

ELEUZE

, 1991,

p. 107).

Uma ve

z que ess

a nova d

imensão

tenha s

ido esta

be-lecid

a, o suje

ito é age

nciado/m

ontado d

e novas

for-mas

, em term

os de um

problem

a de “au

todomín

io”,faze

ndo com

que inci

da sobre

si mesm

o – aquel

e lado

de dentr

o atuan

do sobre

si mesm

o – o po

der que

fazemos

incidir

sobre ou

tros. Ne

sse mesm

o proces

-so, o

poder q

ue se faz

incidir s

obre os o

utros é r

econ-

figurado

como um

a relação

de pode

r entre o

lado de

dentro

da gente

e o lad

o de den

tro do o

utro.

Esse lad

o de den

tro sing

ularizad

o e dob

rado é,

assim, ine

vitavelm

ente esta

bilizado

, não em

relação

a um dom

ínio de

processo

s psicol

ógicos,

mas em

relação a

uma co

nfiguraç

ão de fo

rças, cor

pos, edif

í-cios

e técnic

as que o

mantêm

no luga

r. Para o

s gre-

gos, isso

compree

ndia tod

o o apar

ato de f

ormação

ética esta

belecido

na cida

de, as re

lações d

e família,

os tribu

nais, os

jogos de

poder e

de laze

r e as rel

a-ções

eróticas

por me

io dos q

uais aqu

eles var

ões que

exerciam

o pode

r eram a

genciad

os. “Eis

o que fiz

e-ram

os greg

os: dob

raram a

força, s

em que

ela dei-

xasse de

ser for

ça. Eles

a relac

ionaram

consigo

181

mesma.

Longe

de igno

rarem a

interior

idade, a

in-divi

dualida

de, a sub

jetividad

e, eles in

ventaram

o su-

jeito, ma

s como

uma der

ivada, co

mo o pr

oduto d

euma

‘subjetiv

ação’” (D

ELEUZE

, 1991,

p. 108).

Essa

relação

consigo

mesmo

, esse do

bramento

que pro

-duz

os efeit

os de su

bjetivaç

ão, não

é algo

passivo.

De nov

o, como

observa

Deleuz

e, ela é

criada a

pe-nas

ao ser p

raticada,

ao ser

levada a

efeito,

ao se

envolver

com as t

écnicas d

e govern

o do cor

po e de

controle

da diet

a, com

as técni

cas de s

exualida

de,com

os estilo

s de jog

o e espor

te, com

a oratór

ia e a

exposiçã

o em púb

lico... E

mbora ti

vessem

inventa-

do uma

formulaç

ão partic

ular des

sa dime

nsão “da

relação

do ser c

onsigo m

esmo”,

os grego

s não fo

-ram

, de form

a alguma

, os últim

os – nem

provave

l-men

te os pr

imeiros

– a fazê

-lo; em

vez diss

o, o que

eles exe

mplifica

m é um

a forma

particu

lar de um

arela

ção mai

s geral,

uma rela

ção na q

ual a su

bjetiva-

ção é se

mpre um

a questã

o de dob

ramento

. O hu-

mano nã

o é nem

um ator

essencia

lmente

dotado d

eagên

cia, nem

um pro

duto pas

sivo ou

um mar

ionete

de força

s cultur

ais; a ag

ência é p

roduzida

no curs

odas

práticas

, sob tod

a uma va

riedade

de restr

ições e

relações

de forç

a mais o

u meno

s oneros

as, mais o

umen

os explí

citas, pu

nitivas o

u seduto

ras, mai

s oumen

os discip

linares

ou pass

ionais. N

ossa pró

pria“agê

ncia” é,

pois, a r

esultant

e da ont

ologia q

ue nós

dobram

os sobre

nós me

smos no

curso d

e nossa h

is-tória

e de nos

sas prátic

as. Apesa

r de tod

os os de

sejos,

inteligên

cias, mo

tivações,

paixões,

criativid

ades e vo

n-tade

-de-auto

-realizaçã

o que for

am dobra

dos sobr

e nós

mesmos

por nos

sas psico

tecnolog

ias, noss

a própri

aagên

cia não

é meno

s artific

ial, men

os fabri

cada,

Page 26: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

182

menos n

ão-natur

al – e, po

rtanto, n

ão menos

real, efe

ti-va, c

onfusa, t

écnica, d

ependent

e-da-má

quina – d

o que

a problem

ática agê

ncia dos

robôs, d

os replica

ntes e da

smon

struosas

simbios

es que D

onna H

araway u

tilizapara

pensar n

ossa exis

tência: c

iborgues

, híbrido

s, mo-

saicos, qu

imeras (

HARAW

AY, 1991

, p. 171-2

).Mas

o que é

que é do

brado? É

, sem dúv

ida, ver-

dade qu

e para D

eleuze o

que é d

obrado é

sempre

alguma

“força”.

Talvez p

ara nosso

s própri

os propó

-sito

s, devês

semos t

ratar de

ssa quest

ão de um

a for-

ma um

tanto m

odesta.

Em out

ros loca

is, utiliz

ei oterm

o “autor

idade” p

ara os d

obramen

tos que

fa-zem

diferenç

a. Obvia

mente, i

sso simp

lesmente

no-mei

a um cam

po, mas

, em pri

ncípio, n

ão o def

ineou o

delimit

a; o imp

ortante

é que qu

alquer c

oisapod

e ter aut

oridade.

Mas, em

qualque

r época

e lu-

gar, nem

tudo a

tem. Um

a análise

a ser fei

ta, aqui,

seria a d

a rarida

de das a

utoridad

es na re

alidade

enão

a de se

us infin

itos com

ponente

s e possi

bilida-

des. Nã

o é com

o qualqu

er coisa q

ue as pe

ssoas po

-dem

ser agen

ciadas e

m qualq

uer épo

ca e lug

ar par-

ticulares

; além d

isso, os

vetores

que são

dobrado

stêm

limites

que não

são ont

ológicos

mas hist

óricos.

O que é

invagin

ado é co

mposto

de qualq

uer cois

aque

possa a

dquirir

o status

de auto

ridade e

m um

agenciam

ento par

ticular. A

s maquin

ações da

apren-

dizagem

, da leitu

ra, do qu

erer, do c

onfessar,

do lutar

,do a

ndar, do

vestir, d

o consum

ir, do cu

rar invag

inamuma

certa vo

z (a de n

osso sace

rdote, a

de nosso

mé-

dico ou

a de nos

so pai),

uma cert

a invoca

ção de e

s-pera

nça ou m

edo (vo

cê pode

se torn

ar o que

você

quiser s

er), um

a certa

forma de

ligar um

objeto

com um

valor, se

ntido e a

feto (a “

italianid

ade” que

183

Barthes

tão mar

avilhosam

ente reve

la nas ma

ssas Pan

-zani

ou talve

z o “auto

controle

” manife

stado pe

lo cor-

po escul

tural da

“mulhe

r pós-m

oderna”

), um c

ertopeq

ueno há

bito e u

ma cert

a técnica

de pen

samento

(morda

a bala, o

lhe ante

s de salt

ar, autoc

ontrole

étudo

, é bom

partilhar

os própr

ios senti

mentos)

, uma

certa co

nexão co

m um a

rtefato d

otado de

autorid

a-de (

um diár

io, um d

ossiê ou

um tera

peuta).

Foucaul

t, como

vimos a

nteriorm

ente, su

geriu

que as

tecnolog

ias éticas

podem

ser anal

isadas a

olong

o de qua

tro eixos

; Deleuz

e transcr

eve cada

umdess

es quatr

o eixos p

or meio d

o concei

to de do

bra-men

to (DEL

EUZE, 1

988).13 O

primeiro

, sugere

ele,diz r

espeito a

os aspec

tos do se

r human

o que de

vemser c

ircunda

dos e do

brados –

o corpo

e seus p

raze-

res para

os grego

s, a carn

e e os de

sejos pa

ra os cri

s-tãos

, talvez

o eu e su

as aspira

ções par

a nossa p

rópria

época. O

segund

o, a relaç

ão entre

forças, d

iz respei

-to à

regra d

e acordo

com a q

ual a re

lação en

tre for-

ças se tor

na uma r

elação c

onsigo m

esmo – u

ma regra

que pod

e ser natu

ral, divin

a, racion

al, estéti

ca... Est

á,pois

, sempre

associad

a com u

ma auto

ridade p

arti-cula

r – a do

sacerdot

e, do inte

lectual, d

o artista

; emnoss

os própr

ios dias

, talvez

a regra

oscile e

ntre a

terapêu

tica e a

estilístic

a, cada q

ual asso

ciada co

mdife

rentes au

toridad

es. O terc

eiro, a d

obra do

saber

ou a dob

ra da ve

rdade, su

rge do f

ato de q

ue cada

relação c

onsigo m

esmo es

tá organ

izada so

bre o eix

oda s

ubjetiva

ção do s

aber e, p

ortanto,

da relaç

ão de

nosso se

r com a

verdade,

quer ess

a verdad

e seja teo

-lógi

ca, quer

seja filos

ófica, q

uer seja

psicológ

ica. A

quarta d

obra (aq

ui Deleu

ze se refe

re à noçã

o de “um

ainte

rioridad

e da exp

ectativa”

, devida a

Blanch

ot) é a

Page 27: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

184

dobra d

a espera

nça – da

imortali

dade, d

a eternid

a-de,

da salva

ção, da

liberdad

e, da m

orte ou

da sepa-

ração. E

a subjet

ivação é

, pois, a

interaçã

o da mú

ltipla

variabil

idade de

ssas dob

ras, de s

eus vari

ados rit

mose pa

drões. “E

o que d

izer, de

nossos p

róprios m

o-dos

atuais, d

a mode

rna relaç

ão consi

go? Qua

is são

as nossa

s quatro

dobras?

” (DELE

UZE, 19

91, p. 1

12).Meu

trabalho

de anál

ise tem

sido um

a tentativ

a deresp

onder a

essa que

stão. Co

ncluirei

com alg

umas

reflexões

sobre o

papel qu

e as psic

ociência

s e as ps

i-coté

cnicas e

xercem

nesses d

obramen

tos.PSI

COLOG

IAS DE

SUBJE

TIVAÇÃ

OSug

eri que a

s discip

linas psi

exercem

um pap

elcons

titutivo e

m nossa

s “quatr

o dobras

”, obviam

enteem

complex

as e var

iáveis re

lações c

om outr

os veto-

res, mas

mesmo

assim s

obrepon

do-se a

eles, infu

n-dind

o-os, inv

estindo-o

s, de tal

modo qu

e mesm

o o“est

ilo-de-vid

a” estétic

o, espirit

ual, econ

ômico, f

inan-

ceiro ou

a ética e

rótica são

saturado

s com a

s discipli

-nas

psi em

seus reg

imes en

unciativ

os, em

suastecn

ologias,

em seus

modos d

e julgam

ento e em

suas

exibiçõe

s de aut

oridade.

Deixem

-me esb

oçar alg

u-mas

das cara

cterístic

as desse

s dobram

entos ps

i.O a

specto d

o ser hu

mano qu

e é circu

ndado e

dobrado

em tan

tos dos

agenciam

entos co

ntempo-

râneos d

e subjet

ivação n

ão é nem

o corpo

/prazer

nem a ca

rne/dese

jo, mas o

eu/reali

zação. P

assamos

a ser hab

itados p

or uma o

ntologia

psi, por

uma ine

s-capá

vel inte

rioridad

e que es

cava, na

s profun

dezas

do huma

no, um

universo

psíquico

com um

a topo-

grafia q

ue tem

suas pró

prias ca

racteríst

icas – s

eus185

planos e

platôs,

seus flux

os e pre

cipitaçõe

s, seus c

li-mas

e tempe

stades, s

eus terre

motos,

suas eru

pções

vulcânic

as, seus

aquecime

ntos e es

friamento

s. Obvia

-men

te, o ma

peamento

desse u

niverso

psi é in

com-

pleto e d

isputado

; seus ma

pas lemb

ram os d

e homen

sdo m

ar de ép

ocas rem

otas: on

de algun

s relatam

te-rem

visto in

stintos, c

aracterís

ticas her

dadas e

predis-

posições

, outros

encontr

aram rep

ressões, p

rojeções

efant

asias, ou

tros ain

da viram

a intern

alização

de ex-

pectativa

s sociais

e outros

mais ob

servaram

apenas

ainsc

rição de

um regi

me de r

ecompen

sas e pun

ições

comport

amentai

s. As din

âmicas d

essa ont

ologia sã

ocont

estadas,

seja de u

ma form

a ou out

ra: pelos

pro-

cessos d

a auto-e

stima e

da auto-

abnegaç

ão, do e

s-tress

e e da re

alização,

do dese

jo e da

frustraç

ão, das

ansiedad

es e das

fobias o

u das inv

oluções

sadistas

deobje

tos inter

nos. Ma

s essas d

inâmicas

são agen

ciadas

por mei

o de vet

ores que

atravess

am o en

velope d

apele

. Na verd

ade, “o c

orpo” é a

gora, ele

próprio

, vis-

to meno

s como

um dad

o corpor

al do que

como um

complex

o orgâni

co cujas

proprie

dades sã

o marca

daspor

esse psi

interior

– a ima

gem do

corpo, a

psicos-

somática

, a perso

nalidade

tendente

ao cânce

r, a gor-

dura ou

a magrez

a consid

eradas co

mo man

ifestand

oo de

sejo de a

mor e de

um eu i

nterior,

a “boa f

orma”

como um

a espéci

e de eco

nomia p

síquica

da auto-

estima e d

e reforço

do pod

er pesso

al. A incu

lcação, a

emulaçã

o, a mim

ese, a pe

rforman

ce, a hab

ituação

eoutr

os ritua

is de au

toforma

ção esca

vam e m

oldam

esse esp

aço “int

erno” de

uma fo

rma psi.

A ontol

ogia hum

ana é es

tabelecid

a, assim

, empart

e, por me

io de co

nexões co

nstitutiv

as com as

tec-nolo

gias psi

que a im

aginam

e que ag

em sobr

e ela.

Page 28: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

186

Essas co

nexões at

ivam algo

que Mic

hel Tauss

ig ana-

lisou, de

forma rev

eladora,

em term

os de “m

imese”

– o devi

r coloca

do em a

ção na c

ontínua

interaçã

oentr

e a cópia

e aquilo

que é co

piado (T

AUSSIG

, 1993).

A cópia

compree

nde, aq

ui, tanto

uma “r

epresent

a-ção”

– gravu

ra, artefa

to, objet

o, gesto

, dança,

mo-

delo, dia

grama – q

uanto u

ma form

a de ser.

“Entre a

fidelidad

e fotográ

fica e a f

antasia,

entre a i

conicida

dee a

arbitrari

edade, e

ntre o t

odo e a

fragmen

tação,

começam

os, pois,

a sentir q

uão estr

anha e c

omplexa

se torna

a noção

de cópia

” (TAUS

SIG, 19

93, p. 1

7). Amul

tiplicida

de dessa

s breves

fulguraç

ões que

Taus-

sig cham

a de “mi

mese” d

obra cert

as “form

as de ser

”sobr

e nós – n

ão apen

as por m

eio de “

estórias”

, não

apenas p

or meio

de “reco

mpensas

e puniç

ões”(com

o se jam

ais houv

esse sido

claro o

que é o

quê),

mas por

meio d

a mímic

a e da i

mitação,

por me

ioda e

mulação

e da br

icolagem

, por m

eio tant

o docop

iar quan

to do di

ferir. Pa

ra nosso

s propó

sitos,

pois, a d

imensão

mimétic

a das dis

ciplinas

psi pod

eser

vista em

aparato

s tais co

mo man

uais de

auto-

ajuda ce

ntrados

no auto-

aperfeiço

amento,

na auto-

estima e n

o autopr

ogresso;

nos pad

rões psi

forçado

sa se

tornare

m visíve

is em tod

as as se

ssões qu

e sepass

am nos

diverso

s tipos d

e consu

ltórios;

nos

modelos

e simul

acros de

eus des

ejáveis q

ue serve

mcom

o espelh

os para

reativar

e refleti

r de vol

ta fabri-

cações d

e subjet

ividade

às quais

se pode

aspirar;

asima

gens do e

u norma

l – a cria

nça norm

al, a mãe

nor-

mal, a g

arota no

rmal, o a

dolescen

te norma

l, o pacie

n-te n

ormal, o

trabalh

ador ou

o geren

te norm

al –dese

nvolvid

as em to

da e qua

lquer pr

ática ima

giná-

vel; as c

onexões

estabele

cidas co

nsigo m

esmo po

r187

meio da

s tecnolo

gias cult

urais da

fotograf

ia, do fil

mee da

propaga

nda: um

a multip

licidade

de máqui

nasmim

éticas. A

exigênci

a para q

ue a gen

te seja um

certo

tipo de e

u é semp

re condu

zida por

meio de

operaçõ

esque

distingu

em ao m

esmo tem

po que id

entificam

(veja,

outra ve

z, TAUS

SIG, 19

93, sobr

e esse tem

a). Para s

er oeu q

ue a gen

te é, a ge

ntenão d

eve ser o

eu que a

gente

não é – n

ão aquel

a alma de

sprezada

, rejeitad

a ou abje

-ta. A

ssim, o t

ornar-se

eu é um

copiar r

ecorrent

e que

tanto em

ula outro

s eus qu

anto dife

re deles.

Hoje, a

scara

cterística

s pertine

ntes da

mimese

e da alte

ridade

são esta

belecida

s nos ve

tores do

s estilos-

de-vida,

dassexu

alidades,

das per

sonalidad

es, das as

pirações

.Fala

r do do

bramento

dessa o

ntologia

psi em

humano

s é acena

r – neste

estágio

não pod

e ser ma

isdo q

ue isso

– para o

s proces

sos que

escavam

um in-

terior po

r meio

do dobra

mento d

os comp

onentes

psi que t

êm sido

distribu

ídos atra

vés dess

es aparat

ose de

ssas tecn

ologias.

Esse esp

aço psi é

compost

o deuma

complex

a mistu

ra de el

ementos

da pesq

uisapsic

ológica n

os huma

nos e no

s anima

is, nas es

tórias

e nas fab

ulações,

nas aut

obiograf

ias e nas

história

sde c

aso. Ele

é “ficcio

nal” ape

nas no s

entido d

e que

o psi “in

venta” e

reinvent

a mund

os imagin

ados em

busca da

quilo qu

e toma

como su

a premi

ssa: de q

ueum

mundo r

eal habit

a nosso s

er como

humano

s (cf.

HARAW

AY, 1989

). E em

bora seja

, sem dúv

ida, ver

-dad

e que as

caracte

rísticas

desse m

undo do

brado

são tão

amarrot

adas, tor

cidas, es

farrapad

as e puíd

asqua

nto os m

ateriais

de que é

feito, n

ossas rel

ações

conosco

mesmo

s têm sido

, não ob

stante, p

or pelo

menos u

m sécul

o, irrevo

gavelme

nte mar

cadas po

rnoss

a dobra

do eu, p

ois é esse

nome qu

e nossa é

poca

Page 29: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

188

tem dad

o ao agi

tado uni

verso no

interior

do qua

ltodo

s os hu

manos s

erão reg

istrados,

localiza

dos,expl

icados e

afetado

s.Pelo

menos

uma dim

ensão-ch

ave da d

obra da

autorida

de, hoje

, pode s

er cham

ada de “

terapêu

ti-ca”:

é de ac

ordo com

uma re

gra tera

pêutica

que as

linhas d

e força

são flexi

onadas

para se t

ransform

arem

um espa

ço molda

do de ac

ordo com

o eu em

nossa ex

istência e

experiê

ncia. “T

erapêuti

ca”, aqu

i,não

no sent

ido de u

m privil

égio con

cedido à

pró-

pria “ps

icoterap

ia”, ou m

esmo ap

enas em

termos d

aprol

iferação

dos ram

os e vari

edades d

e psi – p

sicólo-

gos fore

nses com

sua con

strução

de perfis

de crimi

-noso

s e vítim

as; psic

ólogos d

o esport

e com s

eusexer

cícios me

ntais pa

ra se ter

sucesso

no camp

o ouna p

ista; con

sultores

organiz

acionais

com seu

s pro-

tocolos

de uma

crescent

e produ

tividade

e harmo

-nia,

por me

io de um

a ação s

obre as i

nclinaçõ

es de

auto-rea

lização d

os empr

egados e

semelha

ntes. “T

e-rapê

utica”, e

m vez d

isso, no

sentido

de que

a rela-

ção con

sigo me

smo é,

ela pró

pria, do

brada em

termos te

rapêutic

os – pro

blematiza

ndo a si

mesmo

de acord

o com o

s valore

s da nor

malidad

e e da pa

to-logi

a, diagn

osticand

o nossos

prazere

s e desg

raças

em term

os psi, b

uscando

retificar

ou mel

horar no

s-sa e

xistência

cotidia

na por u

ma inte

rvenção

em um

“mundo

interior

” que tem

os dobra

do como

sendo

tanto fu

ndamen

tal para

nossa ex

istência c

omo hu-

manos q

uanto, e

ntretant

o, tão pr

óximo à s

uperfíci

ede n

ossa exp

eriência

do cot

idiano.

É essa

relação

terapêu

tica con

osco mes

mos e os

compon

entes co

n-side

rados au

torizado

s dessa r

elação q

ue têm s

e mul-

tiplicado

em noss

o presen

te, uma m

ultiplicaç

ão dos

189

conduto

s entre a

s autorid

ades que

falam a

s verdad

esde n

ós mesm

os e as f

ormas n

as quais

agimos

sobre

nossa pr

ópria ex

istência,

na comp

reensão,

no plan

e-jam

ento e n

a avaliaç

ão de no

ssas pai

xões, no

ssosmed

os e nos

sas esper

anças co

tidianas.

O eu é p

rodu-

zido no

processo

de pratic

á-lo, pro

duzido,

portant

o,com

o uma in

teriorida

de que é

complex

a e conte

sta-da. E

ssa inter

ioridade

fraturada

– por m

eio da int

er-secç

ão da mu

ltiplicida

de de ati

vidades

e julgam

entos

que faze

mos inc

idir sobr

e nós m

esmos n

o curso

derelac

ionar no

ssa existê

ncia sob

diferent

es descr

ições

e em rela

ção a di

ferentes

imagens

ou mod

elos – a

ssanç

ões, as s

eduções

e as pro

messas p

elas qua

is atri-

buímos a

essas for

mas tera

pêuticas

de pratic

ar a sub-

jetividad

e um valo

r e uma

autorida

de.E o

que pod

emos diz

er sobre

a quarta

dobra, o

que pod

emos esp

erar dela

? O que

dobram

os, o que

nos dob

ra, é um

a aspira

ção tão

patética

quanto

co-mov

edora; n

ão é ma

is patét

ica e com

ovedora,

en-treta

nto, do q

ue nosso

esforço

por max

imizar n

ossos

estilos-d

e-vida e

nos real

izar com

o pessoa

s por me

iode n

ossas rel

ações com

outras p

essoas –

nossos a

man-

tes, noss

os filhos

, nossas

mães e

nossos

pais, no

ssascom

unidades

. A essa

esperan

ça demo

s o nom

e de“lib

erdade”.

Essa esp

erança n

ão é um

a esperan

ça de

libertaçã

o para o

mundo

e seus c

uidados,

misérias

eobri

gações u

rbanos –

“ligue-s

e, sinton

ize-se e

caiafora

”. Não s

e trata, t

ampouco

, de uma

libertaç

ão dos

laços da

servidão

e da suje

ição: “liv

re, finalm

ente, livr

e,fina

lmente,

graças ao

Deus po

deroso, l

ivre, fina

lmen-

te”. Em

vez diss

o, os sin

os de um

a liberda

de bem

diferent

e ecoam e

m nosso

s sonhos:

um mo

do de ser

no mund

o no qua

l atribuí

mos valo

r às noss

as vidas

Page 30: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

190

na medid

a em que

somos c

apazes d

e constr

uí-las

em term

os que s

ão simu

ltaneam

ente pol

íticos (li

-vres

para es

colher) e

psicológ

icos (liv

res para

esco-

lher em

nome de

nós me

smos e n

ão em n

ome de

nossa su

bordinaç

ão à aut

oridade

de um o

utro, em

relação à

sombra

formada

por noss

os pais i

nternali

-zado

s ou pela

s restriçõ

es impost

as por n

osso tem

orda p

rópria lib

erdade).

Uma asp

iração lo

uvável? S

emdúv

ida, ma

s uma as

piração

que não

existe em

uma

relação d

e externa

lidade co

m nossa

s ansieda

des e frus

-traç

ões: esse

sonho d

e liberda

de const

itui as p

róprias

formas p

elas qua

is nós co

dificamo

s e exper

ienciam

osnós

mesmos

e as for

mas pel

as quais

dividim

os nós

mesmos

daquilo

que, em

nós me

smos, e

daquilo

que, no

s outros

, não está

de acord

o com e

sse sonh

oou q

ue fraca

ssa por s

eus prin

cípios.

O EFEI

TO PSI

Para inv

estigar e

ssas hip

óteses m

ais direta

men-

te, pode

mos com

eçar por

estabele

cer algum

tipo de

topograf

ia dos esp

aços psi,

das prá

ticas ou d

os agen

-ciam

entos pe

los quais

nossa su

bjetivid

ade é m

aqui-

nada. P

oderíam

os cham

ar isso d

e “o ond

e” do ps

i:sua

territor

ialização

. É poss

ível iden

tificar u

ma va-

riedade

de agen

ciamento

s nos qu

ais uma t

al territo

-riali

zação tem

sido org

anizada:

máquina

s desejan

tes,máq

uinas de

trabalho

, máquin

as pedag

ógicas, m

á-quin

as punit

ivas, má

quinas c

urativas

, máquin

as de

consumi

r, máqu

inas de g

uerra, m

áquinas

de espor

te,máq

uinas de

governo

, máquin

as espir

ituais, m

áqui-

nas buro

cráticas,

máquin

as de m

ercado,

máquina

sfina

nceiras.

Isso não

significa

afirmar

o domí

nio do

191

psi em n

ossa exp

eriência

, pois nã

o se pod

eria diz

ero m

esmo, p

or exem

plo, das

linguag

ens, das

ima-

gens, da

s técnica

s e das se

duções

da econ

omia? N

ãosign

ifica tam

pouco i

dentific

ar uma

“causa”

externa

de toda

s essas tr

ansform

ações e m

utações

que vie

-ram

a perm

ear tão

amplam

ente tod

a nossa e

xistên-

cia. Mas

significa

registrar

esse “efe

ito psi” n

o sentid

ode “

efeito” d

e Deleu

ze, no s

entido d

e “efeito

” dodisc

urso cien

tífico, ta

l como no

efeito K

elvin ou

noefeit

o Compt

on, por

exemplo:

“Um tal e

feito não

éem

absoluto

uma ap

arência

ou uma

ilusão; é

umprod

uto que

se esten

de ou se

alonga n

a superf

ície e

que é e

stritame

nte co-p

resente,

co-exte

nsivo à

suapróp

ria causa

e que de

termina e

ssa causa

como ca

u-sa im

anente, i

nseparáv

el de se

us efeito

s (DELE

UZE,

1998, p

. 73, cita

do em B

URCHE

LL et al.,

1991, p

. ix).

Isto é, o

efeito

psi não

deve se

r identi

ficado co

muma

causa p

articular

, mas, an

tes, deli

neado pe

la des-

crição da

s forma

s pelas q

uais a e

xistência

humana

se torna

inteligív

el e prat

icável, s

ob uma

certa de

s-criçã

o, em t

oda um

a multip

licidade

de pequ

enos

“cenário

s éticos”

que per

meiam

nossa ex

periênci

a.Por

“cenário

s éticos”

quero s

ignificar

os dive

r-sos

aparatos

e conte

xtos nos

quais u

ma part

icular

relação

com o eu

é admin

istrada, f

orçada e

agencia

-da,

e na qua

l pode-s

e presta

r uma ate

nção tera

pêu-

tica àqu

eles que

se sent

em desc

onfortáv

eis com

adist

ância en

tre sua

experiên

cia de s

uas vida

s e as

imagen

s de libe

rdade e d

e eu às q

uais eles

aspiram

.Trat

a-se, em

parte, d

e uma qu

estão da

moldag

emdo p

róprio e

spaço. T

emos m

uitos e i

nstrutiv

os es-

tudos da

arquite

tura “di

sciplina

r”, das re

lações d

oscorp

os, dos

olhares

e das ati

vidades

nas máq

uinas

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192

de moral

idade in

ventadas

no sécu

lo XIX:

prisões,

escolas,

hospício

s, reform

atórios..

. (MARK

US, 1993

;cf. R

OSE, 19

95a). M

as, com

a exceçã

o da ate

nçãoque

os auto

res têm

dedicad

o, recen

temente

, aos

shopping

s e às loj

as de de

partame

nto, tem

os pouc

osestu

dos da “

arquitetu

ra seduto

ra” de n

ossa pró

priaépo

ca (sobr

e espaço

s de con

sumo, v

eja BOW

LBY,

1985, e

SHIELD

S, 1992;

veja tam

bém a in

teressan

tedisc

ussão em

ERÄSAA

RI, 1991

). Isso e

xigiria q

ue fôs-

semos a

lém dos

espaços

tutelare

s das es

colas, d

ostrib

unais, d

a visita d

os assist

entes so

ciais, da

cirur-

gia dos

médicos

, das en

fermaria

s dos ho

spitais p

si-quiá

tricos, d

a entrev

ista com

o direto

r de rec

ursos

humano

s. Exigi

ria que e

xaminás

semos t

ambém

apen

etração

do psi na

configu

ração da

casa, do

giná-

sio de es

portes, d

o consul

tório do

analista

, do gru

-po

terapêu

tico, da

sessão

de acon

selhame

nto, do

encontro

de acon

selhame

nto de c

asais, do

s progra

-mas

radiofô

nicos de

convers

a telefô

nica com

osouv

intes. A

lém diss

o, uma

topograf

ia dos c

enários

éticos pr

ecisaria

examin

ar os ar

ranjos e

spaciais

emat

eriais es

tabelecid

os pela c

ornucóp

ia de cu

rsos e

experiên

cias de t

reiname

nto que

buscam

instrum

en-taliz

ar uma n

ova con

cepção p

sicológi

ca das re

lações

humanas

. De pa

rticular

importâ

ncia aqu

i seria

aform

a pela qu

al a cole

ção de p

essoas n

o espaço

e notem

po tem

sido reco

nstruída

como gr

upos atr

aves-

sados po

r forças i

nconsci

entes de

projeçã

o e iden

ti-ficaç

ão, perm

itindo nã

o apenas

uma no

va dime

nsãopara

a explic

ação dos

problem

as coletiv

os, mas u

manov

a gama

de técni

cas – des

de grupo

s T até às

tera-

pias de g

rupo – pa

ra admin

istrá-los

terapeu

ticamen-

te. Um

a multi

plicidad

e de ce

nários t

em sido

193

inventad

a para a

interaçã

o terapê

utica co

m o suje

i-to h

umano,

uma gam

a de loca

is para cu

ra, refor

ma,cons

elho e or

ientação

tem sido

transfor

mada de

acor-

do com

o “efeito

psi”.

Sobre q

ue coisa

s há açã

o? Que l

inhas, fo

rças,

superfíci

es ou flu

xos de s

er huma

no são c

apturado

sness

as máqu

inas? De

sejos? S

im: sem

dúvida u

m dos

vetores

de nossa

relação

contem

porânea

conosco

mesmos

passa a

través d

os fluxo

s de pul

sões, fan

ta-sias,

repress

ões, pro

jeções, i

dentific

ações e d

os im-

pulsos d

e fala e

conduta

que são

estabel

ecidos n

ointe

rior des

sa ontol

ogia des

ejante. M

as, como

suge-

ri, seria s

ensato ev

itar cons

truir algu

ma metafí

sica do

desejo, o

u ao me

nos deix

ar esse p

rojeto p

ara noss

osfilós

ofos. Pa

ra o gen

ealogista

, o desejo

é apenas

umdos

vetores d

a maquin

ação psic

ológica c

ontempo

râ-nea

do ser h

umano,

de nosso

atual “e

feito psi”

. Po-

deríamo

s també

m quere

r enfatiz

ar os ve

tores qu

eflue

m em torn

o da sup

erficialid

ade do p

róprio “c

om-port

amento”

– as ped

agogias d

as habili

dades so

ciaise do

estilo-d

e-vida e t

odas as

tecnolog

ias comp

orta-

mentais

que ela

s fizeram

surgir.

Talvez i

gualmen

teimp

ortantes

no inte

rior das

novas o

brigaçõe

s éti-

cas de r

ealização

pessoal

seja a n

ova rela

ção do e

u-para

-com-o-e

u exemp

lificada

pela noç

ão de au

to-estim

a: “uma

inovaçã

o que t

ransform

a a rela

çãode s

i para c

onsigo

em uma

relação

que é g

overná-

vel” (C

RUIKS

HANK

, 1993),

no curs

o da qua

l toda

uma pro

cissão de

técnicas

psi tem

sido des

envolvi-

da – ind

uzindo u

m novo

vocabu

lário de

auto-res

-peit

o, exercíc

ios envo

lvendo a

narrativ

ização d

a vida

da pesso

a em um

a varied

ade de c

enários t

erapêuti

-cos,

pedagó

gicos ou

íntimo

s. Além

disso,

apesar

Page 32: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

194

de não p

arecer im

plicar d

e forma

tão dir

eta uma

ontologi

a psi, pr

ecisamo

s exami

nar as t

écnicas

decom

posição

e adorno

da carn

e (estilo

s de and

ar,vest

ir, gestic

ulação,

expressã

o, a fac

e e o ol

har, os

pelos co

rporais e

os adorn

os) – to

da uma

maquina

-ção

do ser –

em term

os de um

a relação

entre, d

e umlado

, o exter

ior e o v

isível e, d

e outro,

o interio

r e oinvi

sível. Po

is també

m essa

relação,

ao long

o do

curso do

século X

X, tem

sido com

posta e c

aracteri-

zada por

meio d

as tecno

logias c

ulturais

da propa

-gan

da e do

marketi

ng que t

êm dese

nvolvid

o apara-

tos psi

para com

preende

r e agir

sobre a

s relaçõ

esentr

e pessoa

s e produ

tos em

termos d

e imagen

s doeu,

de seu m

undo in

terior e d

e seu es

tilo-de-v

ida.Cob

rindo to

das as su

as difere

nças, as

técnicas

con-

temporâ

neas de

subjetiv

ação ope

ram por

meio d

oagen

ciamento

, em tod

a uma va

riedade

de locais

, deuma

interm

inável h

ermenêu

tica e de

uma re

lação

subjetiv

a consig

o mesm

o: um c

onstante

e intens

oauto

-exame,

uma av

aliação

das exp

eriência

s pes-

soais, d

as emoç

ões e do

s sentime

ntos em

relação

aima

gens ps

icológic

as de re

alização

e autono

mia.

Em toda

s essas m

aquinaç

ões do s

er, em to

dos es-

ses hete

rogêneo

s agenci

amentos

, uma sé

rie de te

-mas

é recor

rente: e

scolha,

êxito, a

utodesco

berta,

auto-rea

lização.

Isto é, a

s prática

s contem

porâneas

de subje

tivação c

olocam

em jogo

um ser

que dev

eser a

nexado a

um pro

jeto de i

dentida

de e a um

proje-

to secul

ar de “e

stilo-de-

vida”, n

o qual a

vida e su

ascon

tingênci

as adqu

irem sen

tido na

medida

em que

possam

ser const

ruídas co

mo o pr

oduto d

a escolh

apess

oal. Ser

ia tolo a

firmar q

ue a psi

cologia

e seus

experts s

ão a ori

gem de

todas es

sas máq

uinas de

195

subjetiv

ação – t

rata-se,

antes, d

e uma qu

estão de

como os

agencia

mentos

de paixã

o e praz

er, de tra

-balh

o e con

sumo, d

e guerra

e esport

e, de es

tética e

teologia

, têm dad

o aos seu

s sujeito

s uma fo

rma psi-

cológica

. No livr

o do qua

l esse en

saio foi

extraído

(ROSE,

1996),

comecei

a mapea

r as for

mas pel

asqua

is os mo

dos psic

ológicos

de expli

cação, as

asser-

ções de

verdade

e os sist

emas de

autorid

ade têm

particip

ado na

elaboraç

ão de có

digos m

orais qu

eenfa

tizam um

ideal d

e autono

mia res

ponsáve

l, aomol

dar esse

s código

s em um

a certa d

ireção “

tera-

pêutica”

e ao al

iá-los co

m progr

amas pa

ra regu

laros i

ndivíduo

s em con

sonância

com as r

acionali

da-des

políticas

das dem

ocracias

liberais

avançada

s.EUS

QUE SE

DESFA

ZEMÉ p

ossível

sugerir,

como fiz

no livro

há pou

comen

cionado

(ROSE, 1

996), qu

e uma da

s caracte

rís-ticas

intriga

ntes e p

ossivelm

ente esp

erançosa

s denoss

a atual to

pografia

ética é a

heterog

eneidad

e doterr

itório m

apeado p

elas ma

quinaçõe

s do eu,

a va-

riedade

de atrib

utos da

pessoa q

ue elas i

dentific

amcom

o sendo

de imp

ortância

ética e a

s variad

as for-

mas de

calibrá-la

s e avaliá

-las que

elas pro

põem. É

importa

nte, entr

etanto, r

econhece

r simulta

neamente

que este

territór

io ético

não é u

m espaç

o livre: a

srela

ções das

pessoas

consigo

mesma

s são esta

biliza-

das em

agenciam

entos qu

e variam

de setor

para se

-tor,

operand

o via dife

rentes te

cnologia

s, depen

dendo

da identi

ficação d

a pessoa

– se ajus

tada ou

mal-aju

s-tada

, se hom

em ou m

ulher, se

rico ou

pobre, b

ran-co

ou neg

ro, emp

regado

ou de

sempre

gado,

Page 33: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

196

operand

o sob di

ferentes

formas

de auto

ridade n

apris

ão e na

fábrica,

no supe

rmercad

o e no c

abelei-

reiro, no

s quarto

s de dor

mir da c

asa con

jugal e n

osbord

éis das z

onas de

prostitu

ição, no

s novos

terri-

tórios d

a exclus

ão e da

margina

lização q

ue emer

-gem

da frag

mentaçã

o do so

cial. M

as isso

nãosign

ifica dize

r que o e

feito psi

que esti

ve mapea

ndoestá

confina

do a um

a elite c

ultural.

Novos m

odos

de subje

tivação

produzem

novos m

odos de

exclu-

são e no

vas prát

icas par

a reform

ar as pe

ssoas qu

esão

assim exc

luídas: c

omo, po

r exemp

lo, no de

sen-volv

imento

das tecn

ologias

comport

amentai

s tão

amplam

ente util

izadas n

as prátic

as de re

forma qu

ebusc

am “dar

poder”

a seus su

jeitos e r

estaurá-

los ao

status de

cidadão

s dotado

s da cap

acidade

de livre

escolha (

BAISTOW

, 1995).

Os nov

os mode

los psi de

pessoali

dade e o

s regime

s éticos

aos qua

is eles es

tãoliga

dos não

têm qua

lquer ca

ráter po

lítico in

trínse-

co: eles

têm um

a versat

ilidade q

ue lhes

permitem

multipli

car, prol

iferar, se

r traduz

idos e ut

ilizados

sobform

as que n

ão são d

adas por

uma ló

gica inte

rna,seja

de ema

ncipação

, seja de

dominaç

ão.Ent

retanto,

embora

eu tives

se enfatiz

ado a he

te-roge

neidade

dos dob

ramento

s que ag

enciaram

nos-

sas rela

ções co

ntempor

âneas c

onosco

mesmos

,tam

bém ten

tei argum

entar qu

e elas op

eram de a

cor-do

com um

“diagra

ma” com

um, par

tilhado.

Por“dia

grama” re

firo-me à

quilo qu

e Deleuz

e e Guatt

aridesc

revem c

omo “m

áquinas

abstrata

s” – não

algo

que seja

a causa

ou orig

em de t

odas as

máquin

asreai

s que tem

os invest

igado, m

as como

sendo i

ma-nen

tes nelas

. Uma m

áquina

abstrata

é, neste

con-

texto, n

ada mai

s que um

diagram

a de coi

sas que

197

elas têm

em com

um, um

a espécie

de plano

irreal de

projeção

de todo

s os age

nciamen

tos e ma

quinaçõe

shete

rogêneo

s – da me

sma form

a pela qu

al, na an

álisede F

oucault

, a “disc

iplina” e

ra o nom

e de um

a espé-

cie de m

áquina a

bstrata q

ue era im

anente n

a prisão

,na e

scola, n

os quart

éis (MP

1, p. 83

; cf. FOU

CAULT,

1977).

Esse dia

grama, e

sse a pr

iori hist

órico, é

aposi

tividade

aberta p

or nosso

s regime

s contem

po-râne

os de su

bjetivaç

ão, uma

positivi

dade tra

zida à

existênc

ia pelo

saber e

pelas pr

áticas da

s ciência

shum

anas, est

abelecen

do para

elas, ao

mesmo

tem-

po, o pr

óprio im

pério qu

e elas iri

am map

ear, colo

-niza

r, povoar

e conect

ar pelas

redes d

e pensam

entoe aç

ões. Se

podemo

s parafra

sear Mi

chel Fou

cault,

isso “di

agrama”

um ser

que, do

interior

dos disc

ur-sos

que o r

odeiam

e das p

ráticas p

elas qua

is ele é

agenciad

o/monta

do, é ca

pacitado

a saber,

ou obri

-gad

o a sabe

r, aquilo

que está

em sua

positivi

dade –

um ser q

ue pensa

a si mes

mo tant

o como

livre qua

n-to c

omo det

erminad

o pelas p

ositivid

ades esse

nciais

a si mes

mo, qu

e delimi

ta a po

ssibilida

de de su

asprát

icas de

liberdad

e no me

smo mo

mento e

m que

concede

a essas

positivi

dades o

status

de verda

de(cf.

FOUCAU

LT, 1985

b).Esse

ser psic

ológico

está ago

ra coloc

ado na

ori-gem

de toda

s as ativ

idades d

e amar, d

esejar, f

alar,trab

alhar, ad

oecer e m

orrer: a

interior

idade qu

e temsido

dada ao

s human

os por to

dos esse

s projeto

s que

buscam

conhecê

-los e ag

ir sobre

eles a fim

de dizer-

lhes sua

verdade

e tornar p

ossível se

u aperfei

çoamento

e sua fel

icidade. É

esse ser,

cuja inv

enção é t

ão recen

-te, e

mbora tã

o funda

mental à

nossa ex

periênci

a con-

temporâ

nea, que

buscam

os hoje g

overnar

sob o id

eal

Page 34: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

198

regulativ

o da libe

rdade – u

m ideal q

ue impõe

tantas

cargas, a

nsiedad

es e div

isões ao

mesmo

tempo q

ueinsp

ira proje

tos de em

ancipaçã

o e no no

me do q

ualviem

os a aut

orizar ta

ntas aut

oridades

para no

s aju-

dar no p

rojeto d

e sermo

s livres d

e qualqu

er autor

i-dad

e menos

a nossa p

rópria. E

mbora n

ão esteja

mos,

sem dúv

ida, nem

na auro

ra de um

a nova e

ra nem

no crepú

sculo de

um tem

po passa

do, pod

emos, ta

l-vez,

começar

a disce

rnir o r

achar de

sse espa

ço de

interior

idade qu

e foi um

a vez seg

uro, o d

esconect

arde a

lgumas d

as linha

s que fo

rmaram

esse diag

rama,

a possib

ilidade d

e que, m

esmo qu

e não po

ssamos

desinven

tar a nós

mesmo

s, possam

os ao m

enos re-

forçar a

questio

nabilida

de das fo

rmas de

ser que

têmsido

inventa

das para

nós e co

meçar a

inventar

a nós

mesmos

de form

a difere

nte.NO

TAS1 Tra

duzi self

por “eu

”, consci

ente da i

mprecis

ão dessa

tradu-

ção, um

a vez qu

e “eu” n

ão tem

a mesm

a conota

ção de

“reflexiv

idade” d

e self (N

. do T.).

2 As refe

rências a

o livro M

il platôs

, de De

leuze e

Guattari

,serã

o abrevi

adas por

MP, seg

uido do

número

do corre

s-pon

dente v

olume da

edição

brasileir

a (N. do

T.).3 No

original

assembl

age, “o a

to ou ef

eito (res

ultado)

de reu-

nir dife

rentes p

artes pa

ra forma

r um nov

o objeto

”, como

na monta

gem de u

ma máq

uina ou

de um c

arro, po

r exem-

plo. Tem

sentido

similar

à palavr

a france

sa agenc

ement,

amplam

ente util

izada po

r Deleuz

e e Guatt

ari, em

Mil pla-

tôs, e qu

e os trad

utores b

rasileiro

s decidi

ram trad

uzir pel

oneo

logismo

(em po

rtuguês)

“agenci

amento”

. O tra

du-tor

de Mil pl

atôs par

a o ingl

ês, por s

ua vez,

decidiu

tra-duz

iragence

ment pr

ecisame

nte por

assemb

lage. As

sim,

assembl

age será

traduzid

a, aqui, p

or “agen

ciamento

”, nes-

se senti

do de m

ontagem

, arranja

mento,

combina

ção. O

199

verboto

assembl

e, por su

a vez, se

rá tradu

zido, co

rrespon

-den

te, por “

agenciar

” ou, em

alguns

casos,

por “m

on-tar”

, “reunir

” ou “co

mbinar”

, nas su

as difere

ntes for

masverb

ais. Ten

ha-se em

mente,

entreta

nto, sua

associa

çãoaas

semblag

e (= age

nciamen

to=mon

tagem) (

N. do T.

).4 Ao

desenvo

lver o a

rgumento

deste e

nsaio e,

em par

ticular,

ao utiliz

ar o trab

alho de

Deleuze

e Guatt

ari, ben

eficiei-m

eeno

rmemen

te da lei

tura da

extensa

meditaçã

o de Eliz

abeth

Grosz s

obre a a

nalítica d

o corpo

(1994).

Embora

me en-

contre e

m desac

ordo com

algumas

de suas

conclus

ões, me

upen

samento

deve m

uito a su

as esclare

cedoras d

iscussõe

s. Otrab

alho de

Deleuze

e Guatt

ari tem

sido tam

bém util

izado

em uma

varieda

de de es

tudos qu

e eu não

pude le

var em

conta aq

ui. Qualq

uer pess

oa que e

steja fam

iliarizad

a com o

trabalho

de Dele

uze reco

nhecerá

imediat

amente

que eu

re-solv

i compree

nder de

maneir

a diferen

te algun

s de seu

s con-

ceitos e

evitar m

uitos ou

tros; po

r exemp

lo, o leit

or não

encontra

rá aqui q

ualquer

“corpo s

em órgã

os” nem

uma re-

dução em

piricista

da probl

emática

do desejo

.5 De

vo enfat

izar outr

a vez, aq

ui, como

fiz em o

utras pa

rtes do

livro do q

ual este e

nsaio fo

i extraíd

o (ROSE

, 1996),

que afir-

mar que

a subjet

ividade

é tecnoló

gica não

significa

alinhar-

secom

as vigor

osas crít

icas sobr

e os efei

tos malign

os da or

demtecn

ológica s

obre a su

bjetivid

ade mai

s estreita

mente as

socia-

das com

os escr

itores da

Escola

de Frank

furt. A t

ecnologi

anão

esmaga

a subjet

ividade

– ela pro

duz a po

ssibilidad

e deque

os huma

nos se re

lacionem

consigo

mesmo

s como

sujei-

tos de c

erto tipo

, bem c

omo as

possibili

dades de

que eles

resistam

ou recu

sem cert

os regim

es de su

bjetivaç

ão.6 Qu

ando es

tava con

cluindo

este ens

aio, tom

ei conhe

cimen-

to da co

letânea d

e Consta

ntin Bou

ndas e D

orothea

Olko-

wski (1

994) so

bre Del

euze, te

ndo-me

benefic

iado, em

particul

ar, do ca

pítulo e

scrito po

r Bound

as (1994

).7 Le

mbro-m

e, aqui, e

m partic

ular, das

formas p

elas qua

is Don-

na Haraw

ay liga o

empree

ndimento

da prima

tologia c

om a

escrita d

a ficção

científic

a, e com

o essa ú

ltima im

agina ou

-tras

formas d

e relaçõ

es entre

as criat

uras (19

89, espe

cial-men

te capítu

lo 16).

8 A refe

rência à

retórica

, aqui, d

everia in

dicar qu

e tampou

codeve

mos col

ocar a fa

la no la

do da na

tureza.

9 Benefi

ciei-me

aqui da

leitura

de um c

apítulo

do estud

o, a

Page 35: Nunca fomos humanos Nos rastros do sujeito - Institucional · Silva, Tomaz Tadeu da Nunca fomos humanos ± nos rastros do sujeito > organiza"#o e tradu"#o de Tomaz Tadeu da Silva

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ublicado

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memória

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tidade.

Gostaria

de agrad

ecê-la po

r ter-me

permiti

-do c

onsultá-l

o em sua

forma

de rascu

nho.

10 Veja D

eleuze e

Guatta

ri (1994

) para a

lgumas o

bservaçõ

essuge

stivas so

bre o “c

arnalism

o”.11 O

bviamen

te, muito

s dos es

critores

que enf

atizam a

im-port

ância de

“o corp

o” tamb

ém tent

am reco

nhecer

isso:

isto é, a

quilo qu

e parece

estar im

plicado

na afirm

ação de

Braidott

i, de que

“o corpo

” “não d

eve ser e

ntendido

nemcom

o uma ca

tegoria b

iológica

nem com

o uma ca

tegoria

sociológ

ica, mas

, em vez

disso, co

mo um

ponto d

e inter-

secção e

ntre o f

ísico, o

simbólic

o e as c

ondiçõe

s sociais

materia

is” (198

4b, p. 1

61).

12 Bordo

cita a p

artir de

um artig

o intitul

ado “Ex

ercises fo

rMen

”, por W

illiamet

te Bridg

e Libera

tion Ne

ws Servi

ce,em

The Rad

ical The

rapist, d

ezembro-

janeiro,

171.

13 Adapt

ei a ling

uagem d

e Deleuz

e para q

ue servis

se aos me

uspróp

rios obje

tivos. A

divisão

quádrup

la de Fou

cault – q

uepod

e, sem d

úvida, se

r remonta

da a Ari

stóteles

– é form

adapor

ontologi

a, ascétic

a, deonto

logia e t

eleologi

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