nunca fomos humanos nos rastros do sujeito - institucional · silva, tomaz tadeu da nunca fomos...
TRANSCRIPT
Nunca fo
mos hum
anos
Nos rast
ros do s
ujeito
CCCC Créditos
“Modo d
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niversal,
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cado, tot
alizado,
individu
alizado,
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araalgu
mas aná
lises, pa
rticularm
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se, essa i
magem
sempre
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nca pud
eramexis
tir, nessa
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erente e
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a – a ont
olo-gia
humana
é necess
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e uma
criatura
desped
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seu pró
prio núc
leo. Par
aoutr
os, essa
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ia, um
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istórico
real: o i
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ao qual
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-gem
do suje
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nte-men
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o,tend
o sido,
agora, v
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la muda
nça cult
ural.
No luga
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prolifer
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s de sub
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omo soc
ialmente
constru
ída; com
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ógica; c
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e do cor
po;
140
como es
pacializa
da, desc
entrada,
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a, nôma
-de;
como o
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o de prá
ticas epis
ódicas d
e auto-
exposiçã
o, em lo
cais e ép
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s.Dev
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inalar, e
ntretant
o, que n
o mesm
omom
ento em
que ess
a imagem
do ser
humano
édecl
arada pa
ssé pelos
teórico
s sociais,
certas p
ráticas
regulató
rias busc
am gover
nar os in
divíduo
s de um
aman
eira que
está, ma
is do que
nunca, l
igada àq
ue-las c
aracterís
ticas que
o defin
em com
o um “eu
”. Da
mesma
forma, as
idéias d
e identi
dade e s
eus cog
na-tos
têm se c
olocado
no cent
ro de m
uitas da
s práti-
cas nas
quais o
s seres
humano
s se env
olvem.
Navida
política
, no trab
alho, no
s arranjo
s domés
ticos
e conjug
ais, no c
onsumo,
no mer
cado, na
publici-
dade, na
televisã
o e no cin
ema, no
complex
o jurídic
oe na
s prática
s da pol
ícia, nos
aparato
s da me
dicina e
da saúd
e, os ser
es huma
nos são
interpel
ados, re
pre-sent
ados e in
fluenciad
os como s
e fossem
eus de u
m tipo
particul
ar: imb
uídos de
uma su
bjetivid
ade indi
vi-dua
lizada, m
otivado
s por an
siedades
e aspir
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de sua a
uto-reali
zação, co
mprome
tidos a e
n-con
trar sua
s verdad
eiras ide
ntidades
e a max
imizar
a autênt
ica expr
essão d
essas id
entidad
es em s
eusestil
os de vi
da. As i
magens
de liber
dade e
autono-
mia que
inspira
m nosso
pensam
ento pol
ítico ope
-ram
, da me
sma for
ma, em
termos d
e uma im
agemdo s
er huma
no que o
vê com
o o foco
psicoló
gicounif
icado de
sua bio
grafia, c
omo o lo
cus de d
ireitos
e reivind
icações
legítima
s, como
um ator
que bus
ca“em
presaria
r” sua vid
a e seu e
u por me
io de ato
s deesco
lha. A ju
lgar pela
popular
idade da
s problem
áti-cas d
o psi na
mídia, p
elas dem
andas p
or toda
espé-
cie de t
erapia e
pela en
orme qu
antidad
e de tod
o141
tipo de
conselh
eiros, pa
rece que
os seres
humano
s,ao m
enos em
certos
locais e
entre ce
rtos set
ores,
acabaram
por se r
econhece
r nessas
imagen
s e nesse
spres
supostos
e por s
e relacio
nar con
sigo me
smos e
com sua
s vidas
em term
os análo
gos – is
to é, no
sterm
os da pr
oblemát
ica do “e
u”. A d
ispersão
con-
ceitual d
o “eu” p
arece ca
minhar
em para
lelo com
sua inte
nsificaç
ão “gov
ernamen
tal”.Tere
mos nós
, então,
apesar d
os argum
entos do
sfilós
ofos e te
óricos c
ríticos, n
os tornad
o “sujeit
os psi-
cológico
s”? É hor
a de abo
rdar a qu
estão da
“subjet
i-vida
de” mai
s diretam
ente. Nã
o em term
os dos e
feitos
da “cultu
ra” sobr
e a “pess
oa” ou e
m termo
s de um
a“teo
ria do su
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as busca
ndo cara
cterizar,
por as-
sim dize
r, o modo
de ação
das dive
rsas tecn
ologias p
side s
ubjetivaç
ão. Isso
nos obr
iga a um
desvio
por al-
guns tex
tos cont
emporân
eos sobr
e o “pro
blema do
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, antes d
e retorna
r, em con
clusão, a
uma an
áli-se d
o tipo de
criatura
que nós
nos torn
amos.
VOCÊ
É MAIS
PLUR
AL DO
QUE P
ENSA
Gilles D
eleuze e
Félix G
uattari f
oram, pr
ova-
velmente
, os auto
res que f
ormular
am a alt
ernativa
mais ra
dical à i
magem
conven
cional d
a subjet
ivi-dad
e como
coerente
, duráve
l e indi
vidualiza
da:“Vo
cê é lon
gitude e
latitude
, um con
junto de
velo-
cidades
e lentidõ
es entre
partícu
las não f
ormadas
,um
conjunt
o de afec
tos não s
ubjetiva
dos. Voc
ê tema in
dividua
ção de u
m dia, d
e uma es
tação, d
e umano
, de uma
vida (ind
ependen
temente
da duraç
ão);de u
m clima
, de um
vento, d
e uma ne
blina, d
e umenxa
me, de
uma ma
tilha (in
depend
entemen
te da
142
regularid
ade). Ou
pelo men
os você
pode tê-
la, pode
consegu
i-la” (M
P4, p. 4
9).3 Você p
ode tê-l
a – para
Deleuze
e Guatt
ari, os h
umanos
, ao me
nos ao l
on-go d
e um det
erminad
o plano
de existê
ncia, são
mais
múltiplo
s, mais t
ransient
es e ma
is não-s
ubjetiva
-dos
do que
somos le
vados a
acredit
ar. Além
disso,
podemo
s agir so
bre nós
mesmo
s para h
abitar e
s-sas f
ormas n
ão-subje
tivadas
de existê
ncia. Ele
s cha-
mam ess
as forma
s não-su
bjetivad
as de “h
ecceida-
des” – m
odos de
individ
uação qu
e não sã
o os de
uma sub
stância,
de uma
pessoa o
u de um
sujeito
,mas
os de u
ma nuv
em, de
um inve
rno, de
umahor
a, de um
a data –
“relaçõ
es de m
ovimento
e de
repouso
entre m
oléculas
ou par
tículas,
poder d
eafet
ar e ser
afetado
” (MP4,
p. 47). E
ntretant
o, em
oposiçã
o a essa
dimensã
o ou a es
se “plan
o de con
-sistê
ncia” –
que não
deve se
r pensad
o como
umaestr
utura oc
ulta, ma
s como
um plan
o “iman
ente”,
formado
apenas
da distri
buição e
da rela
ção entr
eseus
efeitos
– está u
m outro
plano d
e organ
ização,
estratifi
cação, te
rritoriali
zação.
De mod
o que o
plano de
organiz
ação não
pára
de traba
lhar sob
re o pla
no de co
nsistênc
ia, ten-
tando se
mpre ta
par as li
nhas de
fuga, p
arar ou
interrom
per os m
ovimento
s de des
territor
ializa-
ção, last
reá-los,
reestrat
ificá-los
, recons
tituir fo
r-mas
e sujeito
s em pro
fundidad
e. Invers
amente,
o plano
de con
sistência
não pár
a de se e
xtrair do
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organiz
ação, de
levar pa
rtículas a
fugi-
rem par
a fora d
os estra
tos, de e
mbaralh
ar as fo
r-mas
a golpe d
e veloci
dade ou
lentidão
, de que
braras fu
nções à
força d
e agenci
amentos
, de mic
roa-gen
ciamento
s. (MP4,
p. 60).
143
Se a exp
eriência
e a rela
ção que
temos c
om nós
mesmos
não é d
e movim
entos, flu
xos, dec
omposi-
ções e re
composi
ções é po
r causa d
a localiza
ção dos
humano
s nesse
outro pl
ano, ess
e plano
de orga
ni-zaçã
o que tem
a ver co
m o des
envolvim
ento de f
or-mas
e com
a forma
ção de s
ujeitos,
no inte
rior de
agenciam
entos,3 cu
jos veto
res, forç
as e int
ercone-
xões sub
jetivam
o ser hu
mano, a
o nos reu
nir – em
um agen
ciamento
– com
partes, f
orças, m
ovimen-
tos, afe
ctos de
outros h
umanos,
animai
s, objet
os,espa
ços e lu
gares. É
nesses a
genciam
entos qu
e são
produzid
os os efe
itos de
sujeito,
efeitos d
o fato d
eserm
os-reun
idos-em
-um-age
nciamen
to. A sub
jeti-vaçã
o é, assi
m, o nom
e que se
pode da
r aos efe
itosda c
omposiç
ão e da
recompo
sição de
forças,
práti-
cas e rela
ções que
tentam
transfor
mar – o
u operam
para tran
sformar
– o ser
humano
em var
iadas fo
r-mas
de suje
ito, em
seres ca
pazes de
tomar a
si pró-
prios co
mo os s
ujeitos
de suas
próprias
práticas
edas
práticas
de outr
os sobre
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Existem
, sem dúv
ida, mu
itas dific
uldades
comessa
s hipóte
ses, as q
uais eu
retirei d
e seu co
ntexto
para uti
lizá-las e
m minha
própria
teoriza
ção.4 Es
-tou
menos p
reocupa
do, de q
ualquer
forma, em
ser“fiel
a Deleu
ze e Gu
attari” –
o que s
eria um
a aspira-
ção curi
osa – do
que em
usar o q
ue eles e
screvera
mcom
o uma pl
ataform
a de lan
çamento
para m
inhapróp
ria quest
ão: com
o os hum
anos sã
o subjet
iva-dos,
em qua
is agenci
amentos
, e como
podemo
s pen-
sar as pr
áticas ps
i como
um elem
ento ope
rativo no
seu inte
rior. Aq
ueles qu
e utiliza
m uma
“teoria d
osuje
ito” – c
ujas con
dições m
esmas d
e possib
ilidade
se situam
no inte
rior de
um cert
o regim
e histór
ico
144
de subje
tivação
– para e
xplicar
esse reg
ime de
sub-jetiv
ação enc
ontram-
se em um
a situaçã
o contra
ditó-
ria. Essa
s teorias
da subje
tividade
são dese
nvolvid
aspara
explicar
eventos
que aqu
elas próp
rias teor
ias aju-
daram a
produzir
, eventos
que elas
plantara
m ao lon
-go
de nossa
existên
cia, loc
alizand
o-os em
uma
interior
idade qu
e elas pró
prias aju
daram a
cavar. Em
contras
te com e
ssa persp
ectiva, pr
oporei,
na discu
s-são
que se
segue um
a análise
da subj
etivação
quenão
utiliza u
ma met
apsicolo
gia para e
xplicar c
omo,
em um m
omento
históric
o e cultu
ral partic
ular, no
storn
amos o q
ue somo
s.O e
u não de
veria se
r invest
igado co
mo um
es-paço
contido
de indi
vidualid
ade hum
ana, lim
itado
pelo env
elope da
pele, qu
e foi pre
cisamen
te a form
acom
o, histo
ricamen
te, ele ac
abou po
r conceb
er sua
relação
consigo
mesmo
. “Por q
ue nosso
s corpos
devem te
rminar n
a pele? D
o século
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é agora,
as máqu
inas pod
iam ser
animadas
– era po
ssível atr
i-buir
-lhes alm
as fantas
mas par
a fazê-las
falar ou
mo-
vimenta
r-se ou p
ara expl
icar seu
desenvo
lvimento
ordenad
o e suas
capacida
des men
tais. [...]
Essas re
-laçõ
es máqu
ina/orga
nismo sã
o obsole
tas, desn
eces-
sárias” (H
ARAWA
Y, 2000,
p. 101).
De fato
, a própr
iaidéi
a, a próp
ria possi
bilidade,
de uma
teoria s
obreum
corpo se
parado e
envelop
ado, ha
bitado e
ani-
mado po
r sua pr
ópria al
ma – “o
” sujeito
, “o” eu
,“a”
pessoa –
é parte
daquilo
que tem
que ser
expli-
cado, co
nstituin
do justa
mente o
próprio
horizon
tede p
ensamen
to que e
speramo
s ultrap
assar. S
e ossere
s human
os acaba
ram por
se conc
eber com
o su-
jeitos, co
m um d
esejo de
ser, com
uma pr
edisposi
-ção
ao ser, is
so não s
urge, com
o alguns
sugerem
, de145
algum d
esejo on
tológico
, sendo,
em vez
disso, a
re-sult
ante de
uma cer
ta histó
ria e de
suas inv
enções
(cf. BRA
IDOTTI
, 1994b
, p. 160
). Escre
ver no e
spíri-
to de De
leuze sig
nifica fo
rmular n
ossas qu
estões em
termos d
aquilo q
ue os hu
manos p
odem fa
zer e não
daquilo
que ele
s são. N
ossas in
vestigaç
ões dev
e-riam
buscar
as linh
as de fo
rmação
e de fun
ciona-
mento d
e uma ga
ma de “
práticas
de subj
etivação
”hist
oricame
nte con
tingente
s, nas qu
ais os hu
manos,
ao se rel
acionare
m consig
o mesm
os sob fo
rmas pa
r-ticu
lares, do
tam-se d
e determ
inadas ca
pacidad
es, tais
como: c
ompreen
der a si
mesmos
; falar a
si mes-
mos; co
locar a s
i mesmo
s em açã
o; julgar
a si me
s-mos
. Essa “
aquisiçã
o” de ca
pacidad
es dá-se
emcon
seqüênci
a das fo
rmas pe
las qua
is suas f
orças,
energias
, propri
edades e
ontolog
ias são c
onstituí-
das e m
oldadas
ao serem
utilizad
as, inscr
itas e ta
-lhad
as por a
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entos di
versos e
ao sere
mcon
ectadas
a agenci
amentos
diverso
s.Des
sa persp
ectiva, a
subjetiv
idade nã
o deve, c
er-tam
ente, ser
vista co
mo um
dado pr
imordia
l e nem
mesmo
como um
a capaci
dade lat
ente de
um cert
otipo
de cria
tura. Ela
tampou
co é alg
o que de
ve ser
explicad
o pela “s
ocializaç
ão”, pel
a intera
ção entr
e,de u
m lado
, um ani
mal hu
mano b
iologica
mente
equipad
o com se
ntidos, i
nstintos,
necessid
ades e, d
eoutr
o, um a
mbiente
externo,
físico, in
terpesso
al, so-
cial, no
qual um
mundo
psicológ
ico inte
rior é p
ro-duz
ido pelo
s efeitos
da cultu
ra sobre
a nature
za. Ao
contrário
, sugiro q
ue todo
s os efei
tos da int
eriorida
-de p
sicológi
ca, junta
mente co
m uma g
ama inte
ira de
outras c
apacidad
es e rela
ções, são
constitu
ídos por
meio d
a ligação
dos hu
manos a
outros
objeto
s e
146
práticas
, multipl
icidades
e forças
. São essa
s variad
asrelaç
ões e lig
ações qu
e produ
zem o s
ujeito c
omoum
agenciam
ento; ela
s própri
as fazem
emergi
r to-
dos os fe
nômeno
s por me
io dos q
uais, em
seus pr
ó-prio
s tempo
s, os se
res hum
anos se
relacio
namcon
sigo pró
prios em
termos d
e um inte
rior psi
co-lógi
co: com
o eus de
sejantes
, como
eus sexu
ados,
como eu
s trabalh
adores,
como eu
s pensan
tes, com
oeus
intencio
nais – c
omo eus
capazes
de agir
como
sujeitos
(ver RO
SE, 1995
a, 1995b
; cf. GR
OSZ, 19
94,p. 1
16). Um
a forma m
elhor de
ver os su
jeitos é c
omo“age
nciamen
tos” que
metam
orfoseiam
ou mud
amsuas
proprie
dades à
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que exp
andem
suas co-
nexões: e
les não “
são” nad
a mais e
nada m
enos qu
eas ca
mbiante
s conexõ
es com as
quais ele
s são asso
cia-dos
(MP1, p
. 16-37)
. Sugiro
também
que a m
ulti-plic
idade d
e linha
s que te
m reun
ido, em
uma
montage
m, os se
res hum
anos a
diferent
es relaç
õesno s
éculo XX
– os “riz
omas” qu
e têm con
ectado, a
pre-end
ido, div
ersificad
o, expan
dido, div
ergido,
forma-
do ponto
s de ent
rada, po
ntos de
separaçã
o e saíd
apara
os huma
nos – de
ve algo
importa
nte a ess
es con-
ceitos, aç
ões, aut
oridades
, estratif
icações
e ligaçõe
spara
os quais
eu utili
zei o term
o psi.
A psicolo
gia, com
o um cor
po de dis
cursos e
prá-
ticas pro
fissiona
is, como
uma ga
ma de t
écnicas
esiste
mas de j
ulgamen
to e com
o um com
ponente
deética
, tem um
a import
ância pa
rticular e
m relaç
ãoaos
agenciam
entos co
ntemporâ
neos de
subjetiv
ação.
As discip
linas ps
i compr
eendem
mais qu
e uma fo
r-ma
historic
amente
continge
nte de r
epresent
ar a rea-
lidade su
bjetiva.
As discip
linas psi
, no sen
tido que
lhes dou
aqui, têm
feito pa
rte, de fo
rma con
stitutiva
,147
das refle
xões crít
icas sob
re a pro
blemática
do go-
verno da
s pessoa
s de aco
rdo com
, por um
lado, sua
natureza
e verda
de e, po
r outro,
com as e
xigência
sda o
rdem soc
ial, da h
armonia
, da tra
nqüilida
de edo b
em-esta
r. Os sa
beres e a
s autori
dades p
si têm
gerado t
écnicas
para mo
ldar e re
formar o
s eus, as
quais tê
m sido
reunidas
– em u
m agen
ciamento
–com
os apara
tos dos
exército
s, das p
risões, d
as sa-
las de au
la, dos q
uartos d
e dormi
r, das clí
nicas...
Eles estã
o presos
a aspira
ções soc
iopolític
as, a so-
nhos, a
esperan
ças e a
medos,
relativa
mente a
questõe
s tais co
mo a qu
alidade
da popu
lação, a
prevençã
o da crim
inalidad
e, a max
imização
do ajus-
tamento
, a prom
oção da a
utodepen
dência e
da ca-
pacidad
e de em
preendim
ento. El
es têm
sido cor
-por
ificados
em um
a prolife
ração d
e progra
mas,
interven
ções soci
ais e pro
jetos ad
ministra
tivos. D
essaform
a, as di
sciplina
s psi est
abelecer
am uma
varie-
dade de
“raciona
lidades
práticas
”, envolv
endo-se
namul
tiplicaçã
o de nov
as tecno
logias e
em sua
proli-
feração
ao long
o de tod
a a textu
ra da vid
a cotidia
-na:
normas e
disposi
tivos de
acordo
com os
quais
as capac
idades e
a cond
uta dos
human
os têm
setorn
ado inte
ligíveis e
julgávei
s. Essas
raciona
lida-
des prát
icas são
regime
s de pen
samento
, por me
iodos
quais as
pessoas
podem
dar imp
ortância
a as-
pectos d
e si pró
prias e à
sua exp
eriência
, e regim
esde p
rática, p
or meio
dos qua
is os hum
anos po
demfaze
r de si
próprio
s seres
“éticos”
e dotad
os de
“agência
”, defin
idos de
modos p
articular
es, como
pais, pro
fessores
, homen
s, mulhe
res, ama
ntes, che
-fes,
e por me
io de su
a associ
ação com
vários d
ispo-
sitivos, t
écnicas,
pessoas
e objet
os.8
148
NARRA
NDO O
EUCom
ecemos c
om a lin
guagem
. Marce
l Mauss
,em
seu fam
oso ensa
io sobre
a histór
ia da no
ção ou
concepç
ão de eu
, argume
ntava qu
e essa c
ategoria
havia su
rgido ap
enas rec
entemen
te, ressa
ltando o
associad
o culto d
o eu e o
respeito
pelo eu n
a lei e na
moralid
ade. Ele
advertia
, entreta
nto, que
não ia d
is-cuti
r a que
stão da
linguag
em. Ele
acredit
ava que
não hav
ia nenh
uma trib
o ou ling
uagem
na qual
apala
vra “eu”
não exi
stisse, n
a qual e
la clara
mente
não rep
resentas
se algo,
e que a o
nipresen
ça do eu
seexpr
essa tam
bém na
linguag
em, o q
ue é visí
vel na
abundâ
ncia de
sufixos
posicion
ais que d
izem res
-peit
o às rela
ções no
tempo e
no espa
ço entre
o su-
jeito fala
nte e aq
uilo sob
re o qua
l ele fala
(MAUS
S,197
9b, p. 6
1). Conc
edia-se,
aqui, à p
rópria lin
gua-
gem, efe
itos sub
jetivante
s, mesm
o que os
sujeito
sassim
formad
os nem
sempre
refletisse
m sobre
simes
mos com
o sujeito
s no sen
tido que
nossa cu
ltura
dá a esse
termo. U
m argum
ento dife
rente, m
as rela-
cionado
, com r
espeito à
s propri
edades s
ubjetiva
n-tes
da ling
uagem,
foi ap
resentad
o por É
mile
Benveni
ste, o qu
al coloca
va uma
grande ê
nfase na
capacida
de de cri
ação de
sujeito q
ue têm
os prono
-mes
pessoai
s. Para B
envenist
e (1971
), o eu,
como
sujeito d
e enunc
iação, fo
rma um
locus de
subjetiv
a-ção,
criando
uma “p
osição d
e sujeito
”, um lug
ar no
interior
do qua
l um suj
eito pod
e surgir.
É atrav
ésda li
nguagem
, argume
ntava ele
, que os
humano
s secon
stituem
a si próp
rios com
o sujeito
s, porqu
e éapen
as a ling
uagem
que pod
e estabe
lecer a c
apaci-
dade de
a pessoa
se coloc
ar como
um suje
ito, “com
o149
a unidad
e psíqui
ca que t
ranscend
e a total
idade da
sexpe
riências
reais qu
e ela reú
ne, prod
uzindo a
per-
manênci
a da con
sciência
”. A sub
jetividad
e “é ape
-nas
a emergê
ncia, no
ser, de
uma pr
oprieda
defund
amental
da lingu
agem” (ib
idem, p. 2
24). A li
n-gua
gem tan
to torna
possível
que cad
a falante
se es-
tabeleça
a si me
smo com
o um suje
ito, ao s
e referir
asi pr
óprio co
mo “eu”
em seu
discurso
, quanto
é tor-
nada po
ssível po
r esse m
esmo fa
to. As fo
rmas pr
o-nom
inais são
um con
junto de
signos “
vazios”,
semrefe
rência a
qualque
r realid
ade, que
se torna
“ple-
na” qua
ndo o fa
lante in
troduz a
si própr
io em u
mainst
ância de
discurso
. Entreta
nto, pre
cisamen
te por
causa di
sso, o lu
gar do s
ujeito é
um lug
ar que t
emque
ser con
stantem
ente rea
berto, p
ois não
existe
qualque
r sujeito
por detr
ás do “e
u” que é
posicio
na-do e
capacita
do para
se identi
ficar a si
mesmo
na-que
le espaç
o discu
rsivo: o
sujeito
tem qu
e ser
reconstit
uído em
cada mo
mento d
iscursivo
de enun
-ciaç
ão (cf. C
OWARD
& ELLI
S, 1977,
p. 133).
Para o p
resente
objetivo
, entreta
nto, essa
ênfase
nas prop
riedades
subjetiv
antes da
linguag
em con
-cebi
da como
um sist
ema gra
matical,
como um
a re-laçã
o entre
pronom
es colo
cada em
jogo e
minst
âncias d
e discur
so, é in
suficien
te. A sub
jetiva-
ção nun
ca pode
ser um
a operaç
ão puram
ente lin-
güística.
Devem
os conc
ordar, aq
ui, com
Deleuze
eGua
ttari que
a subje
tivação
nunca é
um pro
cesso
puramen
te gram
atical; el
a surge
de um “
regime
design
os e não
de uma
condiçã
o intern
a à lingu
agem”
e esse reg
ime de s
ignos est
á sempre
preso a u
m agen-
ciamento
ou a um
a organ
ização d
e poder
(MP2, p
.85-6
). A sub
jetivação
, dessa p
erspectiv
a, deve
refe-
150
rir-se, an
tes de tu
do, não
à lingua
gem e às
suas pro
-prie
dades in
ternas, m
as àquilo
que Del
euze e G
uat-tari
chama
m, seg
uindo
Foucau
lt, de
um“age
nciamen
to de en
unciaçã
o”. Em
A arque
ologia
do saber
, Foucau
lt propô
s o term
o “moda
lidades
enuncia
tivas” p
ara con
ceptuali
zar as fo
rmas so
b asqua
is a ling
uagem
aparece
em espa
ços e ép
ocas par
-ticu
lares, for
mas que
são irre
dutíveis
às categ
orias
lingüíst
icas (FO
UCAUL
T, 1986
a). Quem
pode fal
ar?De
qual lug
ar fala? Q
ue relaç
ões estã
o em jog
o en-
tre, de u
m lado,
a pessoa
que está
falando
e o obje
todo q
ual ela fa
la e, de o
utro, aqu
eles que
são os s
ujei-
tos de su
a fala? P
ode-se p
ensar, aq
ui, no re
gime qu
e,em
qualque
r espaço
ou époc
a particu
lar, gov
erna a
enuncia
ção de u
m enun
ciado di
agnósti
co na m
edi-cina
, uma ex
plicação
científ
ica em
biologia
, umenu
nciado i
nterpret
ativo em
psicanál
ise ou um
a ex-
pressão
de paixã
o em rela
ções eró
ticas. Es
sas enun
-ciaç
ões não
são colo
cadas em
discurso
por me
io de
“uma fu
nção uni
ficante d
e um suj
eito”, n
em tam
-pou
co produ
zem ess
e sujeito
como u
ma con
se-qüê
ncia de
seus efe
itos: tr
ata-se,
aqui, d
e uma
questão
dos “di
versos s
tatus, do
s diverso
s lugares
,das
diversas
posiçõe
s” que d
evem ser
ocupad
as em
regimes
particu
lares pa
ra que a
lgo se to
rne dizí
vel,aud
ível, ope
rável: o
médico,
o cienti
sta, o te
rapeu-
ta, o am
ante (FO
UCAUL
T, 1986
a, p. 61
). Assim
, asrela
ções ent
re os sig
nos são
sempre
reunidas
nointe
rior de
outras re
lações: “
O agen
ciamento
só é
enuncia
ção, só
formaliza
a expre
ssão, em
uma de
suas fac
es; em
sua outr
a face i
nseparáv
el, ele fo
r-mal
iza os co
nteúdos,
é agenci
amento
maquíni
co ou
de corpo
” (MP2,
p. 98).
151
Dessa p
erspectiv
a, a próp
ria lingu
agem, me
smona f
orma de
“fala”, a
parece c
omo um
agencia
mento
de “prát
icas dis
cursivas
”, desde
contar,
listar, fa
zercon
tratos, ca
ntar, pas
sando pe
la recitaç
ão de pr
eces,
até emi
tir orden
s, confes
sar, com
prar um
a merca
-dori
a, fazer
um diag
nóstico,
planeja
r uma ca
mpa-
nha, dis
cutir um
a teoria,
explicar
um proc
esso. Ess
asprát
icas não
habitam
um dom
ínio am
orfo e fu
ncio-
nalmente
homogê
neo de
significa
ção e ne
gociaçã
oentr
e indiví
duos – e
las estão
localizad
as em lo
cais e
procedim
entos pa
rticulare
s, os afec
tos e as
intensi-
dades q
ue os atr
avessam
são pré
-pessoai
s, elas s
ãoestr
uturadas
em var
iadas re
lações q
ue conc
edempod
eres a al
guns e d
elimitam
os pode
res de ou
tros,
capacitam
alguns a
julgar e
outros a
serem ju
lgados,
alguns a
curar e
outros
a serem
curado
s, algun
s afalar
a verdad
e e outro
s a recon
hecer su
a autori
dade
e a abraç
á-la, asp
irá-la ou
submet
er-se a el
a.Log
o retorn
arei a es
se argum
ento. Ma
s à luz d
oque
foi dito
até ago
ra, quero
examin
ar algun
s de-
senvolvi
mentos
recentes
na próp
ria psico
logia, o
squa
is consid
eram a s
ubjetiva
ção em
relação
à lin-
guagem
e que b
uscam e
xplicar
o eu em
termos d
e“nar
rativa”:
as estór
ias que c
ontamos
uns aos
ou-tros
e a nós
próprios
.“Nã
o se tra
ta apen
as do fa
to de qu
e dizem
osnoss
as vidas
como es
tórias: m
as existe
um sen
tidoimp
ortante
no qual n
ossas rel
ações mú
tuas são
vivi-
das de f
orma na
rrativa”
(GERG
EN & GER
GEN, 19
88,p. 1
8). Para
aquelas
pessoas
que arg
umentam
des-
sa form
a, os eu
s são re
almente
constitu
ídos no
interior
da fala
. A ling
uagem,
aqui, é
entendid
acom
o um com
plexo de
narrativ
as do eu
que nos
sa
152
cultura
torna di
sponíve
l e que o
s indiví
duos ut
ili-zam
para da
r conta
de even
tos em
suas pró
prias
vidas, pa
ra dar a
si mesm
os uma
identida
de no in
-terio
r de um
a estóri
a particu
lar, para
atribuir
sig-
nificado
à sua p
rópria
conduta
e às co
ndutas
deoutr
os em t
ermos d
e agress
ão, amo
r, rivalid
ade,inte
nção, e a
ssim por
diante.
Isto é, f
alar sob
re o eu
é tanto
constitu
tivo das
formas
de auto
consciê
nciae de
autoco
mpreens
ão que o
s seres
humano
s ad-
quirem
e exibem
em sua
s própr
ias vidas
quanto
écon
stitutivo
das pró
prias pr
áticas so
ciais, na
medi-
da em q
ue essas
prática
s não po
dem ser
levadas
aefei
to sem
certas a
utocomp
reensões
:Em
vez de s
upor qu
e as rela
ções das
pessoas
coma na
tureza e
com a so
ciedade
são pou
co ou na
daafet
adas pel
a lingua
gem no
interior
da qua
l elas
são form
uladas, d
escobrim
os que e
ssas me
smas
relações
são con
stituídas
pelas fo
rmas de
fala que
as inspi
ram, pe
las form
as de re
sponsabi
lização
[ accoun
tability]
pelas qu
ais elas s
ão, por a
ssim di-
zer, man
tidas em
bom esta
do... Se
nos des
cobri-
mos ago
ra como
vivend
o a nós
próprios
como
indivídu
os autoc
ontidos,
autocont
rolados,
não de-
vendo na
da a out
ros por n
ossa nat
ureza co
mo tal,
acabamo
s por su
por que
esse é u
m estad
o “natu-
ral” ou
fixo das
coisas.
Em vez
disso, t
rata-se d
euma
forma de
inteligib
ilidade h
istorica
mente d
e-pen
dente, q
ue exige
, para su
a susten
tação co
nti-nua
da, um co
njunto d
e compr
eensões
partilhad
as.(S H
OTTER &
GERGEN
, 1989,
p. x)
A subjet
ividade
e as cre
nças sob
re os atr
ibutos
do eu, d
os senti
mentos,
das inte
nções, s
ão enten
di-das
aqui co
mo prop
riedades
não de
mecanis
mos153
mentais,
mas de
convers
as, de gr
amáticas
de fala.
Elas são
possíve
is e, ao
mesmo
tempo,
inteligív
eis,apen
as em soc
iedades
onde ess
as coisas
podem,
apro-
priadam
ente, ser
ditas p
or pesso
as sobre
pessoas
.“A t
arefa da
psicolog
ia é a de
expor n
ossos sis
temas
de norm
as de re
presenta
ção... o
resto é fi
siologia”
(HARR
É, 1989,
p. 34). A
s regras d
e “gram
ática” qu
edize
m respe
ito a pe
ssoas ou
ao que
Wittge
nstein
chamou d
e “jogos
de lingu
agem” pr
oduzem
ou in-
duzem
um repe
rtório m
oral de
caracter
ísticas re
la-tiva
mente d
uradoura
s, as qua
is são at
ribuídas
, nos
habitan
tes de cu
lturas p
articular
es, à pes
soalidad
e.“No
ssa com
preensão
e nossa
experiê
ncia de
nossa
realidad
e é con
stituída
para nós
, em gra
nde par
te,pela
s formas
pelas qu
ais nós d
evemos fa
lar em n
ossas
tentativ
as [...] p
ara dar co
nta dela
” (SHO
TTER, 1
985,
p. 168)
e devem
os falar
dessa fo
rma por
que as e
xi-gên
cias para
cumprir
nossas o
brigaçõe
s como
mem-
bros resp
onsáveis
de uma
socieda
de partic
ular têm
uma qua
lidade m
oralmen
te coerci
va.Essa
s noções
de con
stituição
das car
acterísti
casda p
essoalid
ade por
meio da
fala são
freqüen
temen-
te consi
deradas
como ex
igindo
uma aná
lise mai
sexpl
icitamen
te “dialó
gica”. U
ma anál
ise desse
tipo,
argumen
ta-se, po
deria, el
a própri
a, servir
como um
aespé
cie de cr
ítica de
certas fo
rmas de
falar o
eu; a
referênc
ia ao in
divíduo
solitári
o serve,
de form
aeng
anadora,
para loc
alizar no
“eu” aq
uilo que
é, na
verdade,
o produ
to de um
conjunt
o de rela
ções: “nó
sfalam
os dessa
forma so
bre nós
mesmos
porque
esta-
mos pre
sos no i
nterior d
o que se
pode pe
nsar com
oum
‘texto’, c
omo um
recurso
textual
desenv
olvido
de form
a cultur
al – o t
exto do
‘indivi
dualism
o
154
possessiv
o’ – par
a o qua
l nós, ap
arentem
ente, de
ve-mos
(moral
mente) n
os volta
r, quando
confron
tados
com a ta
refa de
descreve
r a natu
reza de
nossas e
x-peri
ências d
e nossas
relações
com os o
utros e c
om nós
mesmos
” (SHO
TTER, 1
989, p.
136). P
rocedim
entos,
práticas
ou métod
os, histór
ica e cult
uralmen
te desen
-volv
idos, par
a a produ
ção de s
entido,
“são colo
cados
à nossa d
isposição
como re
cursos n
o interio
r das or-
dens so
ciais nas
quais fo
mos soc
ializado
s” (ibide
m,p. 1
43) e ao
lançar
mão del
es e ao
usá-los e
m seus
encontro
s, as pes
soas vêm
a conh
ecer a si
própria
scom
o pessoa
s de um
tipo par
ticular, p
or meio d
e umato d
e reconh
ecimento
mútuo.
A anális
e, aqui, t
oma,
pois, a f
orma de
uma es
pécie de
“etnogra
fia inter
a-cion
al” das “
formas d
e falar”
que são
utilizad
as pe-
las pesso
as ao colo
car em aç
ão seus
encontro
s sociais
e nos qu
ais elas m
utuamen
te constr
oem-se a
si pró-
prias po
r meio d
o gerenc
iamento
do sent
ido.Foi
esse cará
ter dialóg
ico das au
tonarrati
vas, o fat
ode q
ue elas s
ão “soci
ais e não
individ
uais”, q
ue re-
centeme
nte acab
ou por s
e destac
ar (cf. H
ERMAN
S &KEM
PEN, 19
93). Por
“social”
, como já
se terá to
rna-do e
vidente,
esses a
utores q
uerem d
izer “in
terpes-
soal” e “
interacio
nal”. Ass
im, Mar
y e Kenne
th Gerge
nargu
mentam
em fav
or da im
portânci
a do que
elescham
am de “
autonarr
ativas”, e
stórias s
obre os
euscult
uralmen
te fornec
idas, as
quais, n
a passag
em por
suas vid
as, forne
cem os r
ecursos
dos qua
is os ind
iví-duo
s lançam
mão em
suas int
erações
mútuas
e com
eles mes
mos. “As
narrativ
as são, n
a verdad
e, constr
u-ções
sociais,
sofrend
o altera
ção cont
ínua à m
edida
que a in
teração
avança [
...]. A a
utonarra
tiva é um
implem
ento ling
üístico c
onstruíd
o pelas p
essoas, e
m155
relações
para su
stentar,
reforçar
ou im
pedir u
madive
rsidade
de ações
[...]. As
autona
rrativas
são sis-
temas s
imbólico
s utiliza
dos para
propósi
tos soci
aistais
como ju
stificaçã
o, crític
a e solid
ificação
social”
(GERG
EN & GE
RGEN,
1988, p
. 20-1).
Ao org
anizar,
explícita
ou impl
icitamen
te, suas re
lações co
nsigo m
es-mos
e com o
utros em
termos d
essas na
rrativas,
umeu é
, por ass
im dizer,
“gerado
pela es
tória”, co
m oindi
víduo es
colhend
o entre a
s difere
ntes for
mas de
narrativa
às quais
foi expo
sto.A “m
ultiplicid
ade” do
eu é, aqu
i, compr
eendida
como um
a conseq
üência d
a propo
sição de
que “o
indivídu
o aloja a
capacida
de para u
ma multip
licida-
de de fo
rmas na
rrativas
” e dom
ina uma
gama de
meios d
e se tor
nar inte
ligível p
or meio
de narra
ti-vas,
de acor
do com
as exigê
ncias fei
tas na ne
gocia-
ção da v
ida socia
l – por e
xemplo,
de que a
pessoa
sefaça
intelig
ível com
o uma
identida
de durad
oura,
integral
, coerent
e (GERG
EN & GER
GEN, 19
88, p. 3
5).Mas
“embora
o objet
o da aut
onarrat
iva seja u
m sóeu,
seria um
engano
ver essa
s constr
uções c
omo o
produto
ou a pro
priedad
e de eus
isolado
s [...]. A
ocom
preende
r a relaç
ões entr
e evento
s em nos
sa vida,
apoiam
o-nos no
discurso
que nas
ce da tro
ca socia
le qu
e inerent
emente i
mplica u
ma audiê
ncia” (p
. 37).
Trata-se
de uma
socialid
ade que
é refor
çada pel
asform
as e resp
ostas rel
acionais
que cer
tos mod
os de
falar sob
re o eu
recebem
em tro
cas con
tínuas e
ntreas p
essoas d
e vários
tipos, n
as quais
os indi
víduos
negocia
m conju
ntamente
teorias
particul
ares sob
resi m
esmos e
sobre o
utros, n
egociaç
ões que
assu-
mem, ela
s própri
as, certa
s forma
s estoria
das cult
u-ralm
ente disp
oníveis.
156
Esses es
tudos so
bre o eu
, que o
tomam
como
sendo co
nstruído
em narr
ativas int
eraciona
is de aco
r-do c
om os re
cursos c
ulturais
disponív
eis, cert
amen-
te apreen
dem algo
de impo
rtante. S
e a subje
tivação
é analisa
da em te
rmos da
s relaçõe
s dos hu
manos co
n-sigo
mesmo
s, os voc
abulário
s discurs
ivamente
esta-
belecido
s exercem
um pap
el import
ante na c
omposi-
ção e re
composi
ção dess
as relaçõ
es. Mas a
s análise
scond
uzidas s
ob os pr
essupost
os do “c
onstruci
onis-
mo soci
al” são p
roblemá
ticas por
causa d
a visão d
eling
uagem q
ue elas s
ustentam
. A ling
uagem, n
essas
análises,
é vista
como “f
ala”, co
mo con
stituída
design
ificados
situacion
almente
negocia
dos entr
e indi-
víduos. C
omo “fal
a”, sua a
nálise seg
ue o mo
delo ba-
nal da co
municaç
ão, ou da
falta de
comunic
ação, na
qual as
partes e
nvolvid
as, os ind
ivíduos
humano
s,utili
zam vár
ios recur
sos ling
üísticos
– palav
ras, ex-
plicaçõe
s, estór
ias, atri
buições
– para
constru
irmen
sagens q
ue trans
mitem in
tenções,
ou para
mu-
tuamente
afetar, p
ersuadir
, agir. Es
sas análi
ses ines-
capavelm
ente col
ocam o a
gente h
umano
como o
núcleo d
essas ati
vidades
de produ
ção de s
entido,
aoativa
mente n
egociar s
ua trajet
ória atra
vés das te
orias
disponív
eis a fim
de viver
uma vid
a signific
ativa. Po
r-tant
o, o ser
humano
é entend
ido com
o aquele
agen-
te que s
e constr
ói a si p
róprio co
mo um
eu ao da
r àsua
vida a co
erência d
e uma na
rrativa. E
videntem
en-te, o
eu, simp
lesmente
em virt
ude de s
er capaz
de se
narrar a
“si própr
io”, em
uma vari
edade de
formas, é
implicita
mente re
invocado
como um
exterior
ineren-
temente
unificad
o relativ
amente
a essas
comunic
a-ções
. Isso no
s faz lem
brar a ob
servação
de Nietzs
chede q
ue “um
pensam
ento vem
quando
‘ele’ que
r e não
157
quando
‘eu’ que
ro [...]. I
sso pensa
: mas qu
e este ‘iss
o’seja
precisam
ente o v
elho e de
cantado
‘eu’ é, d
ito de
maneira
suave,
apenas u
ma sup
osição,
uma afir
-maç
ão, e ce
rtamente
não um
a ‘certez
a imedia
ta’”(NI
ETZSCH
E, 1992
[1886]
, p. 23
). Entre
tanto, o
que nos
sos psic
ólogos r
adicais i
nvocam
é, na ve
rda-de,
o velho
e familiar
eu, aqu
ele recon
fortante
“eu”
da filoso
fia huma
nista, q
ue é o a
tor que
interag
ecom
outros e
m um co
ntexto c
ultural e
lingüíst
ico, a
pessoa e
m quem
os efeit
os de se
ntido, c
omunica
-ção,
assumem
sua for
ma, com
todos o
s pressu
pos-tos
que o a
compan
ham, pre
ssuposto
s que afi
rmam
a singula
ridade e
o carát
er cumu
lativo d
o tempo
vivido d
a consci
ência. T
rata-se d
o eu da h
ermenêu
-tica,
do eu d
a fenome
nologia,
agora se
ndo pos
tula-
do aqui
como a
solução
para o p
roblema
de com
opod
eria, ele
próprio
, consti
tuir um
a possib
ilidade.9
Obviam
ente, ser
ia absurd
o coloca
r a análi
se pro-
duzida
por ling
üistas c
omo Ben
veniste n
esse me
s-mo
campo h
ermenêu
tico. Seu
trabalho
é refresc
antecom
o um cop
o d’águ
a tomad
o depois
do ado
cica-
do huma
nismo do
s “const
rucionis
tas socia
is”, exi-
gindo um
a atençã
o mais g
enerosa
e produ
tiva do
que a q
ue eu se
rei capaz
de dar a
qui. É h
ora, ent
re-tant
o, de qu
estionar
toda a ti
rania da
“lingua
gem”,
da “com
unicação
”, do “s
ignificad
o”, desd
e há mu
i-to i
nvocado
s pelas “
ciências
sociais”
, no cur
so de
suas pre
tensões
a se dis
tinguire
m das “
ciências
na-tura
is”, supo
stamente
em virt
ude da n
atureza
espe-
cial de s
eu objet
o. Ao te
ntar exp
licar nos
sa histó
riae no
ssa espe
cificidad
e, não é
para o
domínio
dossign
os, dos
significa
dos e da
s comun
icações
quedeve
mos nos
voltar, m
as para a
analític
a das téc
nicas,
158
das inte
nsidades
, das au
toridad
es e do
s aparat
os.Aná
lises com
o as que
estive d
iscutind
o aqui a
tribu-
em cois
as dema
siadas à
linguage
m como
comunic
a-ção
e abso
lutamen
te nada
à lingu
agem c
omoagen
ciamento
. Pode s
er “relat
ivamente
fácil nã
o di-
zer mais ‘
eu’, mas
sem com
isso ultr
apassar o
regime
de subje
tivação; e
inversam
ente, po
demos c
ontinua
ra diz
er Eu, p
ara agrad
ar, e já e
star em u
m outro
regi-
me ond
e os pro
nomes p
essoais s
ó funcio
nam com
oficçõ
es” (MP
2, p. 95
). Se a lin
guagem e
stá organ
iza-da e
m regim
es de sig
nificação
por mei
o dos qu
ais ela
se distri
bui ao lo
ngo de
espaços,
épocas,
zonas e
es-trato
s, e se el
a está ag
enciada
em regim
es prátic
os de
coisas, c
orpos e fo
rças, ent
ão deve-
se conceb
er a “con
s-truç
ão discu
rsiva do
eu” de u
ma form
a bem d
iferen-
te. Quem
fala, de
acordo c
om que
critérios
de verda
de,de q
uais lug
ares, em
quais re
lações, a
gindo so
b quais
formas, s
ustentad
o por qu
ais hábit
os e roti
nas, aut
o-rizad
o sob qu
ais form
as, em q
uais esp
aços e lu
gares,
e sob qu
e forma
s de per
suasão,
sanção,
mentiras
ecrue
ldades?
Em relaç
ão às di
sciplinas
psi, ess
es são
precisam
ente os t
ipos de q
uestões
com que
devemo
slidar
: a emer
gência d
e prática
s, locais
e regim
es de
enuncia
ção que
dão pod
er a cert
as autor
idades p
arafalar
nossa v
erdade n
a linguag
em da p
sique; o
s regi-
mes que
constitu
em a au
toridade
por mei
o de um
arelaç
ão com
aqueles
que são
seus su
jeitos co
mo pa-
cientes,
analisan
dos, clie
ntes, fre
gueses; a
s paisag
ens,os e
difícios,
as salas,
os arran
jos desen
hados p
ara es-
ses encon
tros, des
de as sal
as de co
nsulta at
é as enfe
r-mar
ias dos h
ospitais;
os vetor
es afetivo
s da com
pulsão,
da sedu
ção, do
contrato
e da con
versão q
ue fazem
acone
xão das
linhas.
159
Isto é, n
ão se tra
ta de um
a questã
o sobre
o que
uma pal
avra, um
a senten
ça, uma
estória o
u um li-
vro “qu
er dizer
” ou o q
ue “sign
ifica”, m
as, antes
,sobr
e “com
o que ele
funcion
a, em con
exão com
oque
ele faz o
u não pa
ssar inte
nsidades
, em que
mul-
tiplicida
des ele s
e introd
uz e me
tamorfo
seia a s
ua[mu
ltiplicid
ade] (M
P1, p. 1
2). Isso
não sig
nifica
voltar a
s costas
para a l
inguagem
ou para
todos o
sinst
rutivos
estudos
que têm
sido con
duzidos
sob os
auspício
s de um
a certa n
oção de
“discurs
o” ou qu
etêm
desenvo
lvido a a
nalítica
da retór
ica. Mas
signi-
fica suge
rir que e
ssas aná
lises são
mais in
strutiva
squa
ndo se f
ocalizam
não no
que a lin
guagem
signi-
fica , ma
s no que
ela faz:
que com
ponente
s de pen
-sam
ento ela
coloca
em con
exão, qu
e víncu
los ela
desquali
fica, o q
ue capac
ita os hu
manos a
imagina
r,a di
agramar
, a fanta
siar uma
determ
inada ex
istên-
cia, a se
reunire
m em u
m agen
ciamento
: os sex
oscom
seus ge
stos, for
mas de
andar, d
e vestir,
de so-
nhar, de
desejar;
as famí
lias com
suas ma
mães, se
uspap
ais, seus
bebês, s
uas nece
ssidades
e suas d
esilu-
sões; as
máquina
s de cur
ar com
seus mé
dicos e p
a-cien
tes, seus
órgãos
e suas p
atologia
s; as má
quinas
psiquiát
ricas co
m suas
arquitetu
ras refo
rmatóri
as,suas
grades
de diagn
óstico, s
ua mecân
ica de in
ven-ção
e suas n
oções d
e cura.10
Em qua
lquer cir
cunstân
cia, deve
mos rec
onhe-
cer que
a lingu
agem não
é, de fo
rma alg
uma, pr
i-már
ia na pr
odução
de pesso
as. Em p
rimeiro l
ugar,
a lingua
gem é, o
bviamen
te, mais q
ue apen
as “fala”
– daí a i
mportân
cia, que
é bem
reconhe
cida, da
in-venç
ão da es
crita pela
qual os
humano
s são cap
azesde s
e tornar
“máqu
inas esc
reventes
” por m
eio do
160
treiname
nto da m
ão e do
olho; po
r meio
da fabri
-caçã
o de inst
rumento
s tais co
mo os e
stilos, os
pin-
céis, as
penas; p
or meio
de um c
erto con
junto de
hábitos
corpora
is; por m
eio de u
m modo
de com
-por
e decifra
r; por m
eio de u
ma relaç
ão com
a su-
perfície
mais ou
menos
transpor
tável de
inscriçã
o.Ao
escrever
, o ser h
umano t
orna-se c
apaz de
novas
coisas: f
azer lista
s; enviar
mensag
ens; acu
mular in
-form
ação, a p
artir de l
ocais dis
tantes, e
m um ú
nicoluga
r e em u
m único
plano;
e de com
parar, ta
bular
mudança
s, difere
nças e s
imilarid
ades, es
tendend
onov
as linhas
de força (
GOODY &
WATT, 1
968; Go
ody,197
7, p. 52
-111; ON
G, 1982
). A inv
enção da
im-pren
sa torna
possível
a genera
lização d
e “máqu
inasde le
itura” e
uma va
riedade
de novas
coisas se
torna
pensáve
l: novas f
ormas d
e compr
eender o
lugar d
oshum
anos em
uma co
smologi
a, por m
eio de c
álculo
dos mov
imentos
dos cor
pos cele
stes, por
exempl
o,ou n
ovas form
as de pr
aticar a e
spiritua
lidade em
re-laçã
o ao “liv
ro sagra
do” (EI
SENSTE
IN, 1979
). A in-
venção d
e técnic
as por m
eio das
quais os
humano
sdese
nvolvem
a capaci
dade de
calcular
torna, si
milar-
mente, o
s human
os capaz
es de no
vas coisa
s, discip
li-na o
pensam
ento e a
s auto-r
elações
de uma
forma
distintiv
a (previ
são e pr
udência
, por exe
mplo, q
uan-
do se ca
lcula a sit
uação fin
anceira f
utura na
forma de
um orça
mento) e
é simila
rmente
depend
ente de t
éc-nica
s e apar
atos – a
genciam
entos m
aquinad
os nos
quais as
forças
do huma
no são c
riadas e
estabiliz
a-das
(CLINE
-COHE
N, 1982
; cf. RO
SE, 1991
).Plat
ão, com
o é bem
sabido,
express
ou reser
vasséria
s à escrit
a, conceb
endo-a
não ape
nas com
o in-
ferior à p
alavra fa
lada, “es
crita na
alma do
ouvinte
161
para cap
acitá-lo a
aprend
er sobre
o certo,
o bem
e obom
”, mas t
ambém
como de
strutiva
das art
es da
retórica
e da mem
ória (PL
ATÃO,F
edro, 27
8a). Ma
s amem
ória não
deveria
ser con
traposta
à escrita
como
algo ime
diato, n
atural, c
omo um
a capaci
dade ps
i-coló
gica uni
versal, m
as vista e
m termo
s daquil
o que
Nietzsc
he cham
ou de “
mnemôn
ica” (N
IETZSC
HE,
1998 [1
887], p.
51; cf. G
ROSZ, 1
994, p. 1
31).5 Es
seterm
o refere
-se aos a
paratos p
elos qua
is se “m
arca a
ferro em
brasa” o
passado
em si p
róprio, t
ornando
-o di
sponível
como um
a advert
ência, u
m conso
lo,um
aparato
de nego
ciação,
uma arm
a ou um
a feri-
da. “Jam
ais deixo
u de hav
er sangu
e, martír
io e sa-
crifício
quando
o home
m senti
u a nece
ssidade
decriar
em si um
a memór
ia” (NIE
TZSCH
E, 1998,
p. 51).
As preoc
upações
de Nie
tzsche s
ão com
as varie
da-des
históric
as de pu
nição cr
uel, com
o exemp
los do
preço pa
go pelos
seres hu
manos p
ara fazê-
los supe
-rar s
eu esque
cimento
e “reter
na memó
ria cinco
ouseis
‘não que
ro’ [...] a
fim de
viver os
benefíci
os da
sociedad
e” (p. 5
2). Não
se trata
de uma
questão
,para
meus p
ropósito
s, da vali
dade da
s asserçõ
es ge-
nealógic
as espec
íficas de
Nietzsc
he – elas
são cert
a-men
te probl
emáticas
. Mas a
noção d
e mnem
ônica
abre um
campo m
uito imp
ortante
de inves
tigação
para o ag
enciame
nto de s
ujeitos.
Frances
Yates mo
s-trou
, de for
ma con
vincente
, que a
memória
pode
ser enten
dida com
o uma art
e ou um
a série de
técni-
cas incu
lcadas n
a forma
de proc
edimento
s particu
la-res:
uma arte
que foi r
evivida e
ampliada
na Idade
Média
e envolv
ia técnic
as tais co
mo a inv
enção de
lugares
ouespa
ços nos
quais ite
ns de sab
er ou ex
periênci
a eram
“colocad
os” e qu
e poderi
am ser “
recupera
dos” pel
o
162
sujeito a
o fazer
um pass
eio ima
ginário a
través d
eles(YAT
ES, 1966
; cf. HIR
ST & WO
OLEY, 19
82, p. 3
9). As
práticas
da pedag
ogia têm
, obviam
ente, inv
entado
toda um
a gama
de outra
s técnica
s de me
mória, b
us-cand
o inculc
á-las nas
salas de
aula, ten
do prolif
erado
ao longo
da exper
iência de
quase to
dos os h
umanos
contemp
orâneos
e tendo s
ido elas
próprias
alimenta
-das
pelas dis
ciplinas
psi. Mas
reconhe
cer o êxit
o téc-
nico e p
rático da
memór
ia é ape
nas um
primeiro
passo: e
ssas téc
nicas da
memór
ia não s
ão limit
adaspelo
envelop
e da pele
do suje
ito e mu
ito meno
s pelo
volume
de seu c
érebro. N
ão apen
as os go
lpes, a t
or-tura
, os sacr
ifícios qu
e Nietzs
che desc
obre com
o cons-
tituindo
as raíze
s impura
s de nos
sos apar
entemen
tebáls
amos mo
rais puro
s, mas ta
mbém ju
ramento
s, ri-tuai
s, cançõe
s, escrita
s, livros,
gravura
s, biblio
tecas,
dinheiro
, contrato
s, dívida
s, edifíci
os, proje
tos de ar-
quitetur
a, a orga
nização
do temp
o e do es
paço: tud
oisso
– e mu
ito mais –
estabele
ce a pos
sibilidad
e deque
um pas
sado mai
s ou men
os imagin
ário pos
sa ser
re-evoca
do, no p
resente
ou no fu
turo em
locais pa
r-ticu
lares. Ist
o é, a me
mória é,
ela próp
ria, agen
ciada.
A memó
ria que t
emos de
nós pró
prios co
mo um
sercom
uma bio
grafia ps
icológica
, uma lin
ha de de
sen-volv
imento
da emoç
ão, do in
telecto, d
a vontad
e, dodese
jo, é pro
duzida p
or meio d
os álbun
s de foto
gra-fia d
e família,
a repetiçã
o ritual
de estór
ias, o do
ssiêreal
ou “virtu
al” dos b
oletins e
scolares
, a acum
ulação
de artefa
tos e a im
agem, o s
entido e
o valor q
ue lhes
são vinc
ulados.
As discip
linas ps
i, obviam
ente, têm
adotado
edese
nvolvid
o as tec
nologias
da mem
ória des
de ao
menos a
época d
e Mesm
er e têm
-se envo
lvido em
163
toda um
a histór
ia de co
mpetição
sobre o
status d
asmem
órias as
sim pro
duzidas
(MESM
ER, [1
799]
1957). A
memória
foi cent
ral às co
ncepções
de “de-
sordem
nervosa”
antes q
ue Freud
anuncia
sse que a
histéric
a sofria
de remi
niscênci
as e leva
ntasse a
pos-sibil
idade de
que a m
emória p
odia não
disting
uirentr
e experi
ência e f
antasia.
Por pelo
menos
um sé-
culo, as
asserçõe
s das dis
ciplinas
psi sobr
e a memó
-ria t
êm sido
controv
ersas pr
ecisame
nte porq
ue as
memória
s em que
stão par
eciam s
er o pro
duto de
suas “te
cnologi
as” não
-naturai
s – das
quais a
hip-nose
e a ass
ociação
livre con
stituíam
apenas
doisexem
plos. A
s dificu
ldades c
ontemp
orâneas
damne
motécni
ca psi sã
o exemp
lificadas
naquilo
quese p
oderia c
hamar d
e “crise
de mem
ória” em
tor-
no da pr
odução,
por me
io das te
cnologi
as da ps
i-cote
rapia, da
s anterio
rmente
ausentes
memór
ias da
violênci
a contra
crianças
– “memó
rias falsa
s”, “me-
mórias r
ecuperad
as”.6 As
disputa
s sobre
essa que
s-tão
revelam
, ao me
nos em
parte, a
dificuld
ade de
reconhe
cer que
aquilo q
ue é lem
brado só
o é por
meio do
envolvi
mento d
os huma
nos com
as tecno
-logi
as da m
emória.
Certas d
essas tec
nologias
, que
continu
am estr
anhas e
malign
as a mu
itas cult
uras,
têm sido
“natura
lizadas” e
m nossa
própria
cultura
–espe
lhos, ret
ratos, in
scrições
duráveis
(por exe
mplo,
diários,
cartões
de anive
rsário e
cartas,
que serv
emde “
substitut
os” para
eventos
passado
s mas “
nãoesqu
ecidos”)
, romance
s narrati
vos, foto
grafias, a
goratalv
ez o víd
eo da gr
avidez d
e nossa
mãe e o
mo-
mento d
e nosso
nascime
nto. Mu
itas daq
uelas tec
-nolo
gias inve
ntadas n
a geneal
ogia das
disciplin
as psi
– embora
, surpree
ndentem
ente não
sejam a
paratos
164
de memó
rias tais
como a “
história
de caso”
da medi-
cina – co
ntinuam
tendo um
status p
roblemá
tico, ain
-da n
ão natur
alizado,
mas me
smo ass
im são
vistas
como su
speitas p
or causa
de sua
associaç
ão com
atecn
ologia ap
arentem
ente ant
inatural
que as f
izeram
nascer. M
as me é p
ossível s
er “uma-
pessoa-c
om-me-
mória” t
ão-some
nte em
virtude d
e eu “ter
-entrado
-em-
composi
ção” com
esses ele
mentos h
eterogên
eos– a
memória
, no sen
tido em
que faz
uma dife
rença
nas form
as pelas
quais os
humano
s agem
e se rela
-cion
am con
sigo me
smos, é
uma pr
opriedad
e de“má
quinas d
e lembrar
”.A m
emória,
a habilid
ade de c
álculo, a
escrita s
im-ples
mente ex
emplific
am o fa
to de qu
e as anál
ises da
linguag
em que
se centr
am na q
uestão d
o signific
a-do c
oncedem
demasia
da auton
omia à s
emântic
a e àsint
ática e d
ão muito
pouca a
tenção à
s prátic
as si-
tuadas q
ue intim
am, insc
revem, i
ncitam,
certas re
-laçõ
es da pe
ssoa con
sigo me
sma. El
as ignora
m os
aparatos
de insc
rição, d
esde livr
os de es
tória, ta
be-las,
gráficos
, listas e
diagram
as, até vi
trais e fo
togra-
fias, des
enho de
salas e p
eças de
equipam
ento, tai
scom
o aparelh
os de te
levisão e
fogões.
Esses a
para-
tos const
ituem te
cnologi
as cultur
ais que f
unciona
mcom
o forma
s de cod
ificar, es
tabilizar
e intima
r “se-
res huma
nos. Ele
s vão alé
m do en
velope d
a pessoa
,perd
uram em
locais,
práticas
, rituais
e hábit
os par-
ticulares
e não es
tão loca
lizados e
m pesso
as partic
u-lare
s, nem
são inte
rcambiad
os de ac
ordo com
omod
elo da c
omunica
ção.Assi
m, embo
ra as lin
guagens,
os voca
bulários
eas fo
rmas de
julgame
nto sejam
, indubit
avelmen
te, de
imensa
importâ
ncia em
intima
r e esta
bilizar c
ertas
165
relações
da pess
oa cons
igo mes
ma, eles
não dev
e-riam
ser ente
ndidos c
omo sen
do prima
riamente
in-tenc
ionais e i
nteracio
nais. Aq
uilo que
torna qu
alquer
intercâm
bio part
icular p
ossível s
urge de u
m regim
ede l
inguagem
, o qual
está alo
jado em
prática
s que
apreend
em o se
r human
o sob va
riadas fo
rmas, qu
einsc
revem, o
rganizam
, moldam
e exigem
a produ
-ção
da fala –
médica
, legal, e
conômi
ca, eróti
ca, do-
méstica
, espiritu
al. Mas e
ssa refe
rência às
prática
se ao
s agenci
amentos
dos qu
ais a lin
guagem
fazpart
e chama
a atençã
o para o
utra das
inescap
áveis
debilida
des das
estórias
“psicoló
gicas” d
o eu nar
-rado
. Quand
o a ling
uagem,
nessas
explicaç
ões, é
vista com
o algo s
ituado,
ela o é
apenas a
o modo
wittgen
steiniano
vago d
e “form
as de vi
da”, nas
quais a “
responsa
bilização
” [accoun
tability]
funcion
apara
tornar p
ossíveis
as ações
. Essas d
ispensáv
eis re-
ferência
s a form
as de vi
da são p
ouco ad
equadas
àtare
fa. O que
precisa
ser anal
isado é
o modo
da re-
lação co
nsigo m
esmo qu
e é intim
ado nas
práticas
enos
procedim
entos, no
s vínculo
s, nas lin
has de f
or-ça e
nos flux
os defin
idos que
constitu
em pess
oas e
as atrav
essam e
as circu
ndam e
m maqu
inações
par-ticu
lares de
força –
para tra
balhar, p
ara cura
r, para
reforma
r, para e
ducar, p
ara troc
ar, para
desejar, n
ãoapen
as para
responsa
bilizar [
accounti
ng] mas
para
manter c
omo resp
onsabiliz
ável. Nã
o se trat
a de um
apelo po
r uma lo
calização
mais d
elicada e
sutil da
comunic
ação “em
seu con
texto so
cial”, ma
s por um
areje
ição da
forma bi
nária qu
e separa
a lingu
agemde s
eu conte
xto apen
as para
reinseri-
la contex
tual-
mente em
um mu
ndo que
é reduz
ido a um
a espécie
de pano
de fund
o cultur
al para
o signific
ado.
166
Uma ve
z tecnic
izadas, m
aquinad
as e loc
aliza-
das em
lugares e
prática
s, emerge
uma im
agem di-
ferente
do proc
esso de
“constru
ção de p
essoas”.
As pesso
as funcio
nam, aqu
i, como
uma form
a ines-
capavelm
ente het
erogênea
, como
arranjos
cujas ca-
pacidad
es são fa
bricadas
e transf
ormadas
por me
iode c
onexões
e ligaçõ
es nas q
uais elas
são apr
eendi-
das em
locais e
espaços
particul
ares. Nã
o se trat
a,port
anto, de
um eu q
ue emer
ge por m
eio da n
arra-
ção de e
stórias,
mas, an
tes, de e
xaminar
o agen
cia-men
to de su
jeitos: d
e sujeito
s comba
tentes e
mmáq
uinas de
guerra,
de sujei
tos labo
rais em
máqui-
nas de t
rabalho,
de sujei
tos desej
antes em
máquin
asde p
aixão, d
e sujeito
s respon
sáveis na
s variad
as má-
quinas d
a moral
idade. E
m cada c
aso, a su
bjetivaç
ãoem
questão
não é u
m produ
to nem
da psiqu
e nem
da lingu
agem, ma
s de um
agencia
mento h
eterogê
-neo
de corpo
s, vocabu
lários, ju
lgamento
s, técnic
as,insc
rições, p
ráticas.
ANATO
MIAS IM
AGINÁ
RIAS
Sugeri,
anterior
mente, q
ue pode
mos pro
duzir
mais em
termos d
e intelig
ibilidad
e se con
sideram
osa qu
estão da
subjetiv
ação me
nos em
termos d
e que
tipo de s
ujeito é
produz
ido – um
eu, um
indivíd
uo,um
agente –
e mais e
m termo
s daquil
o que os
hu-man
os são c
apacitad
os a faze
r por me
io das fo
rmas
pelas qu
ais eles
são ma
quinado
s ou com
postos.
Aquilo q
ue os hu
manos e
stão cap
acitados
a fazer
não é in
trínseco
à carne,
ao corpo
, à psiqu
e, à men
-te o
u à alm
a: está c
onstante
mente d
eslocand
o-se e
mudand
o de lug
ar para
lugar, de
época p
ara épo
ca,167
com a li
gação do
s human
os a apa
ratos de
pensa-
mento e
ação –
desde a m
ais simp
les cone
xão entr
eum
órgão (o
u uma pa
rte do co
rpo) e ou
tro em te
r-mos
de uma
“anatom
ia imagin
ária” at
é aos flu
xosde f
orça tor
nados p
ossíveis
pelas li
gações d
e umórgã
o com u
ma ferra
menta, c
om uma
máquina
, compart
es de ou
tro ser h
umano o
u de out
ros sere
s hu-
manos, e
m um es
paço mo
ntado ta
l como um
quarto
de dorm
ir ou um
a sala de
aula. De
ssa persp
ectiva, as
questõe
s a serem
tratadas
têm a ve
r não co
m a “con
s-titui
ção do e
u”, mas
com as
ligações
estabele
cidas
entre, de
um lado
, o huma
no e, de
outro, o
utros hu
-man
os, objet
os, força
s, proced
imentos
, as cone
xõese flu
xos torn
ados po
ssíveis, a
s capacid
ades e os
devi-
res engen
drados, a
s possib
ilidades
assim imp
edidas,
as cone
xões ma
quínicas
formadas
, que pr
oduzem
ecana
lizam as r
elações
que os
humano
s estabe
lecem
consigo
mesmo
s, os ag
enciame
ntos dos
quais el
esform
am elem
entos, co
ndutos,
recursos
ou força
s (cf.
GROSZ, 1
994, p.
165; M
P1, p. 9
1).Ao
pensar d
essa for
ma, pod
emos ler
ao con
trá-rio,
por assim
dizer, o
s muitos
e recent
es textos
quebusc
am fund
amentar
sua ana
lítica de
relações
depod
er e form
as de sa
ber sobr
e “o cor
po”. A
corpo-
reidade
humana,
como m
uitas vez
es se sug
ere, pod
eforn
ecer a b
ase para
uma teo
ria da su
bjetivaç
ão, da
constitu
ição dos
desejos
, das sex
ualidad
es e das
di-fere
nças sexu
ais, dos fe
nômenos
de resist
ência e a
gên-cia.
Os seres
humanos
são, afin
al, como
afirmam
esses
argumen
tos, corp
orificado
s, a desp
eito de
todas as
tentativa
s dos fil
ósofos,
desde o
Iluminism
o, para
descrevê
-los com
o criatu
ras de r
azão e p
ara afir-
mar que
essa ca
pacidad
e para r
aciocina
r afasta o
s
168
humano
s – ou ao
menos
os huma
nos mas
culinos
–qua
se que in
teiramen
te de su
as caract
erísticas
como
criatura
s. E em
bora ace
itando q
ue a cor
poreidad
enão
dá qua
lquer for
ma esse
ncial ou
estável à
subje-
tividade,
como po
deríamo
s negar
a asserç
ão dessa
sanál
ises de q
ue é sob
re esse m
aterial b
ruto do
“cor-
po” que
a cultur
a trabalh
a sua co
nstituiç
ão da su
b-jetiv
idade? E
mbora a
bjurand
o todas
as forma
s deesse
ncialism
o, como
poderí
amos di
scordar
da as-
serção d
e que as
formas d
a subjet
ividade
são irrec
u-pera
velmente
marcada
s pela fa
cticidad
e biológi
ca de
corpos s
exuados,
de corpo
s infanti
s que são
incapa-
zes de a
utomanu
tenção,
de todo
s os cor
pos que
comem,
bebem,
copulam
, defeca
m, dete
rioram
emor
rem (po
r exemp
lo, BUTL
ER, 199
0, 1993
). Essa
ambivalê
ncia está
resumid
a na asse
rção de B
raidotti
de que “
o ponto
de partid
a para a
s redefin
ições fe-
ministas
da subje
tividade
é uma no
va forma
de ma-
terialis
mo qu
e colo
ca ênf
ase na
estrutu
racorp
orificada
e, porta
nto, sexu
almente
diferenc
iada,
do sujei
to falan
te” (199
4a, p. 1
99, ênfa
se minha
).E ta
l é a apa
rente co
mpulsão
de uma
tal form
a depen
sar que
mesmo
uma es
critora a
ntinatur
alista
como E
lizabeth
Grosz, q
ue quer
questio
nar todo
sos e
ssenciali
smos e t
odos os
binarism
os, suge
re que
“o corpo
” é o ma
terial sob
re o qua
l a cultu
ra, a his-
tória e a
técnica e
screvem
e, porta
nto, “a b
ifurcação
de corpo
s sexuad
os é um
univers
al cultur
al irredu
tí-vel”
(GROSZ
, 1994,
p. 160).
Mas “o c
orpo” é,
ele própr
io, um fe
nômeno
his-tóri
co. Nos
sa prese
nte ima
gem dos
lineame
ntos e
da topo
grafia d
o “corpo
” – seus
órgãos,
process
os,fluid
os vitais
e fluxos
– é o resu
ltado de
uma his
tória
169
cultural
, científi
ca e téc
nica par
ticular.
As propr
ie-dad
es do co
rpo – an
dar, sor
rir, cava
r, nadar
– não
são prop
riedades
naturai
s mas c
onquist
as técnic
as(MA
USS, 19
79a). M
esmo o
caráter
aparente
mente
natural d
os limit
es e das
frontei
ras do c
orpo, qu
epare
ce defin
ir como
que ine
vitavelm
ente a co
erên-
cia de um
a unidad
e orgân
ica, é um
fato rec
ente e
pertence
a uma cu
ltura esp
ecífica (F
OUCAU
LT, 1994
;cf. G
ROSZ, 1
994, sob
re a hist
ória da n
oção de “
ima-
gem do
corpo”).
E quan
to aos “
dois sexo
s”, há tan
-tos e
studos h
istóricos
mostran
do quão
diversa é
essaapar
entemen
te imutáv
el divisã
o, que t
rabalhos
in-telec
tuais es
tiveram
implicad
os em e
stabilizá
-la na
forma da
naturez
a duplic
ada do c
orpo ma
sculino
edo c
orpo fem
inino, em
fazer de
nosso d
esejo sex
ualnoss
o desejo
secreto,
conecta
ndo pra
zer, sexo
, vonta-
de, sabe
r, reprod
ução e c
ompanh
eirismo
em uma
“sexuali
dade ci
borgue”
que aca
bamos p
or habit
arcom
o sendo
nossa
verdade
(por exe
mplo, F
EHER,
NADAFF
& TAZ
I, 1989
; LAQU
EUR, 19
90; BRO
WN,
1989; c
f. VALV
ERDE, 1
985, so
bre noss
a fabric
açãocom
o sujeito
s sexualm
ente des
ejantes).
Daí que
gran-
de parte
da recen
te ênfase
, na escr
ita femi
nista, sob
reo co
rpo e so
bre a co
rporifica
ção, con
serva a p
rópria
analítica
que bus
ca subver
ter, desl
ocando a
normal
i-zaçã
o “ilum
inista” d
as propr
iedades
da razão
e da
abstraçã
o, ao si
mplesm
ente inv
erter o
velho tr
opode q
ue as m
ulheres
são mai
s corpór
eas, ma
is car-
nais, ma
s retend
o, entre
tanto, a
carne co
mo a pe
rs-pect
iva gover
nante da
razão fem
inista. M
as os co
rpossão
sempre
“corpos
pensado
s” ou “c
orpos-pe
nsa-men
to”: alg
um dia,
talvez, n
ós virem
os a olh
ar re-
trospect
ivamente
para o
“sexo-pe
nsamento
-corpo”
170
que tan
to tem
afetado
nosso p
róprio sé
culo, no
ssapróp
ria repet
itiva e ca
nsativa
ansiedad
e sobre
nos-sos
corpos s
exuais, n
ossos co
mpromi
ssos com
a di-
ferença
de gêner
o que no
s marca t
ão indele
velmente
,as fo
rças tran
sgressiva
s e os p
oderes
restaura
dores
do sexua
l e tudo
o resto,
com um
certo d
eleite pe
r-vers
o (cf. FO
UCAUL
T, 1985
a).Aba
ndonem
os, pois
, esse “c
arnalism
o” do co
r-po d
e uma ve
z por tod
as.10 O cor
po é mu
ito meno
sunif
icado, m
uito me
nos “ma
terial” d
o que co
stu-mam
os pensa
r. É poss
ível, poi
s, que nã
o exista
essacois
a de “ o c
orpo”: u
m envel
ope lim
itado qu
e pode
ser reve
lado par
a conter
no seu
interior
uma pr
o-fund
idade e u
m conju
nto de o
perações
que fun
cio-nem
à mane
ira de
uma lei
. Dever
íamos e
starpreo
cupado
s não co
m corpo
s, mas c
om as li
gações
estabele
cidas en
tre supe
rfícies, f
orças e e
nergias p
ar-ticu
lares. Em
vez de
falar de
“o corpo
”, precis
aría-
mos ana
lisar ape
nas com
o um par
ticular “
regime d
ecorp
o” foi p
roduzido
, descrev
endo a c
analizaç
ão de
processo
s, órgão
s, fluxo
s, conexõ
es, bem
como o
alinham
ento de
um aspe
cto com
outro. E
m vez d
e“o c
orpo”, te
m-se, p
ois, uma
série d
e “máqu
inas”
possíveis
, agencia
mentos –
de dime
nsões va
riadas –
de huma
nos com
outros
elemento
s e mater
iais: co-
nectado
s a livro
s para fo
rmar um
a máqu
ina liter
á-ria,
a ferram
entas pa
ra form
ar uma
máquina
detrab
alho, a b
ens para
formar u
ma máq
uina de c
on-sum
o... O c
orpo é,
pois, “n
ão uma
totalida
de or-
gânica
que é c
apaz de
express
ar globa
lmente
asubj
etividad
e, uma co
ncentraç
ão das em
oções, at
itu-des,
crenças o
u experi
ências d
o sujeito
, mas um
agen-
ciamento
de órgã
os, proc
essos, p
razeres,
paixões,
171
atividad
es, comp
ortamen
tos, liga
dos por
tênues li
-nha
s e impr
evisíveis
redes a
outros
elemento
s, seg-
mentos
e agenci
amentos
” (GRO
SZ, 199
4, p. 12
0).E os
próprio
s órgão
s são “tác
teis”: o o
lho, o n
ariz,
o ouvido
, o tato,
reúnem
pensam
ento e o
bjeto em
sensuais
relações
de con
tato, tro
ca e int
erpenetr
a-ção,
criando
uma m
ultiplicid
ade de n
ovos sen
tidos
através
de cada
qual “re
luzem m
omentos
de con
e-xão
mimétic
a, simu
ltaneam
ente cor
porificad
os emen
talizado
s, simulta
neamente
individ
uais e so
ciais”
(TAUSS
IG, 1993
, p. 23;
embora
o argum
ento seja
de Tauss
ig, ele e
stá disc
utindo a
qui o tr
abalho d
eWal
ter Benja
min).
Nosso re
gime de
corpore
idade de
veria, as
sim, ele
próprio,
ser visto
como a r
esultant
e instáve
l dos age
n-ciam
entos no
s quais o
s human
os são s
urpreend
idos,
induzind
o uma ce
rta relaç
ão consi
go mesm
os como
corporifi
cados; to
rnando o
corpo or
ganicam
ente uni
-ficad
o, atrave
ssado po
r process
os vitais
; diferen
cian-
do – hoj
e por me
io do se
xo, em g
rande pa
rte de no
ssahistó
ria por m
eio da “
raça”; d
ando-lh
e uma ce
rtaprof
undidad
e e um
certo lim
ite; equ
ipando-o
comuma
sexualida
de; estab
elecendo
as coisa
s que ele
pode
e não po
de fazer
; definin
do sua v
ulnerabi
lidade em
relação a
certos p
erigos; t
ornando
-o pratic
ável a fim
de amar
rá-lo a pr
áticas e a
atividad
es (sobre
“o corpo
da mulhe
r”, ver, p
or exem
plo, LAQ
UEUR, 1
990, DU
-DEN
, 1991;
sobre o
corpo ra
cializado
, ver GI
LMAN
,198
5). A que
stão de D
eleuze, q
ue para e
le era a q
ues-tão
de Spino
za, “De
que um
corpo
é capaz?
” (oque
ele pod
e fazer; q
ue afect
os ele p
ode ter;
como
esses afe
ctos refo
rçam, enf
raquecem
, capacita
m-no
de difere
ntes form
as; como
o multip
licam; co
mo o
172
metamo
rfoseiam
?) é um
ponto d
e partida
(DELEU
ZE,199
2b, cap.
14). M
as isso a
penas n
a medid
a emque
concord
emos qu
e um cor
po não é
“o corp
o”,mas
apenas
uma rela
ção part
icular, c
apaz de s
er afe-
tada de
formas p
articular
es. Trata
-se de um
a ques-
tão de ó
rgãos, de
múscul
os, de ne
rvos, de
aparelho
sque
são, ele
s própri
os, enxam
es de cé
lulas em
troca
constan
te entre s
i, ligand
o e sepa
rando, m
orrendo
,reco
nfiguran
do, con
ectando
e combi
nando,
onde o
lado de
fora de
um é, si
multane
amente,
o lado d
eden
tro de o
utro. Tra
ta-se tam
bém de
uma que
stãode c
érebros,
hormôn
ios, mol
éculas q
uímicas
, que
conecta
m e tran
sformam
as capac
idades d
as vária
spart
es – exc
itando-a
s, coorde
nando-a
s, fundin
do-as
ou deslig
ando-as
.Esse
s agenci
amentos
não são
delinea
dos pelo
envelope
da pele
, mas lig
am o “l
ado de
fora” e
o“lad
o de de
ntro” –
visões,
sons, ar
omas, to
ques,
coleções
– juntan
do-os co
m outro
s elemen
tos, ma
-quin
ando d
esejos,
afecções
, tristez
a, terro
r e até
mesmo
morte. C
onsidere
mos as v
ariadas
maquina
-ções
das qua
is o corp
o é capaz
: a corag
em do g
uer-reiro
na batalh
a, a tern
ura ou a
violênc
ia do ama
nte,a re
sistência
do pris
ioneiro p
olítico s
ob tortu
ra, as
transfor
mações
efetuad
as pelas
práticas
da ioga
, aexpe
riência d
a morte
vodu, a
s capaci
dades d
e tran-
se que t
ornam o
s órgão
s capaze
s de sup
ortar qu
ei-mad
uras ou
de recup
erar-se d
e feridas
. Não se
trata
de propr
iedades
de “o co
rpo”, ma
s de ma
quinaçõe
sdo “
corpo pe
nsado”,
cujos ele
mentos,
órgãos,
for-
ças, ener
gias, pai
xões, tem
ores são
reunidos
por mei
ode c
onexões
com pala
vras, son
hos, técn
icas, can
tos,háb
itos, jul
gamento
s, armas
, ferram
entas, g
rupos.
173
Isso não
significa
sugerir
que os h
umanos
possam
ser anjo
s, que p
ossam v
oar pela
s janela
s ou qu
epos
sam mo
vimenta
r-se com
o minho
cas, ma
s que
apelos “
materia
listas” à
corporei
dade co
mo o “m
a-teria
l” sobre
o qual a
cultura
trabalha
não são
coi-
sas “bo
as para
pensar”
. Os cor
pos são
capazes
demui
ta coisa
, em vir
tude, ao
menos
em par
te, de
“serem
pensado
s” e nós
não sab
emos os
limites
doque
essas m
áquinas
-corpo-p
ensamen
to são c
apa-zes.
11 Se no
s tornam
os criatu
ras psic
ológicas
nãofoi p
or causa
do cará
ter dado
de um
interior
, nem
por caus
a dos sig
nificado
s de um
a cultur
a, mas p
orcaus
a das fo
rmas pe
las qua
is, em t
antos lo
cais e
práticas
, os vet
ores psi
acabara
m por a
travessa
r epor
ligar ess
as maqu
inações.
Duas m
etáforas
para as
maquin
ações do
s cor-
pos-suje
ito foram
recente
mente p
ropostas
: perfor
-mat
ividade
e inscriçã
o. Judith
Butler p
ropôs a n
oçãode p
erforma
tividade
ao desen
volver u
ma anál
ise da
constru
ção da “
identida
de de gê
nero” qu
e não su
-põe
qualque
r sujeito
essencia
l ou pré
-dado sit
uado
por detr
ás de su
as ações
. Para B
utler, nã
o precis
a-mos
“nenhu
ma teor
ia da id
entidad
e de gên
ero por
detrás d
e expres
sões de g
ênero...
a identid
ade é pe
r-form
ativame
nte con
stituída
pelas pr
óprias ‘e
xpres-
sões’ qu
e se sup
õe ser s
eus resu
ltados”
(BUTLE
R,199
0). Sua
noção
de perfo
rmativid
ade base
ia-se,
aqui, em
Austin
e Derrid
a, para
argumen
tar que o
gênero
é o resu
ltado de
atos pe
rformat
ivos. “U
mato
perform
ativo é
aquele q
ue faz n
ascer ou
coloca
em ação
aquilo
que no
meia, m
arcando
, assim,
opod
er consti
tutivo ou
produti
vo do di
scurso...
Para
que um
perform
ativo fu
ncione,
ele deve
basear-se
e
174
recitar u
m conju
nto de c
onvençõ
es lingü
ísticas q
uetêm
tradicio
nalmente
funcion
ado par
a assegu
rar ou
implicar
certos
tipos de
efeitos”
(BUTLE
R, 1995
, p.134
). O gên
ero é, p
ois, uma
fantasia
“institu
ída e
inscrita
na supe
rfície de
nossos
corpos”,
constitu
í-do p
or meio
dos efeit
os de sig
nificação
engend
ra-dos
pelas pe
rfomance
s da ling
uagem (1
990, p. 1
36).Mas
essa no
ção de p
erforma
tividade
limita-se
a si
própria a
o mante
r a ênfas
e no ling
üístico.
Conside
-rem
os este a
rgumento
sobre a
perform
ance da
fe-min
ilidade,
o qual
devo a S
usan Bo
rdo (BO
RDO,
1993, p
. 19):12
Sente-se
em um
a cadeir
a reta. C
ruze sua
s pernas
na altur
a dos to
rnozelos
e mante
nha seu
s joelhos
pression
ados um
contra o
outro. T
ente faze
r isso
enquan
to está co
nversand
o com al
guém, ma
s tente
o tempo
todo m
anter se
us joelh
os forte
mente
pression
ados um
contra o
outro...
Corra u
ma cer-
ta distân
cia, man
tendo se
us joelho
s juntos.
Você
descobri
rá que t
erá que
dar pas
sos curt
os, altos
...And
e por um
a rua da
cidade.
.. Olhe,
em dire
çãoreta
, para a
frente. T
oda vez
que um
homem
pas-sar
por você
, desvie
seu olh
ar e não
mostre
ne-nhu
ma expr
essão no
rosto.
“Transfo
rmar-se
em uma
pessoa
‘dotada’
de gê-
nero”, c
omo rec
onhece
Butler,
juntame
nte com
muitas o
utras pe
ssoas, si
gnifica s
eguir um
a prescr
i-ção
meticul
osa e co
ntinuam
ente rep
etida da
condu-
ta, da ap
arência,
da fala, d
o pensam
ento, da
vontade
,do i
ntelecto
, na qua
l as pesso
as são re
unidas em
uma
montage
m não a
penas ao
serem c
onectad
as com o
svoca
bulários
mas tam
bém com
regime
s de con
duta175
(andar, o
lhar, faz
er gesto
s), com
artefato
s (roupa
s,sapa
tos, ma
quiagem
, autom
óveis, p
anelas, i
nstru-
mentos p
ara escre
ver, livro
s), com
espaços
e lugares
(salas de
aula, bib
liotecas,
estações
de trem
, museus
)e co
m os ob
jetos qu
e os hab
itam (m
esas, cad
eiras,
livros, p
lataform
as, vitrin
es). A p
erforma
tividade,
ao meno
s no sen
tido do
modelo d
a enunc
iação lin
-güís
tica, em
que é de
finida em
termos d
e citaçõe
s econ
venções,
é uma
imagem
bastant
e engan
adora
para pen
sar esse p
rocesso
de monta
gem da
pessoa:
é necess
ário insi
stir que
nós não
somos “
constituí
dospela
linguag
em”.
Tampou
co é suf
iciente u
ma ima
gem ling
üística
diferent
e, a da e
scrita ou
da insc
rição. E
ssa noção
éutili
zada tan
to por B
utler qu
anto por
Grosz
paradesc
rever a
relação e
ntre, po
r um lad
o, o cor
po esuas
superfíc
ies (con
cebidos
como m
arcados,
ins-
critos, gr
avados)
e, por o
utro, “o
traçado
de text
osped
agógico
s, jurídic
os, méd
icos e e
conômi
cos, de
leis e pr
áticas na
carne a
fim de
entalhar
um suje
itosoci
al como
tal, um
sujeito
capaz d
e trabal
ho, de
produção
e manip
ulação,
um suje
ito capaz
de agir
como um
sujeito e
, ao me
smo tem
po, capa
z de ser
decifrad
o, inter
pretado
, compr
eendido”
(GRO
SZ,199
4, p. 11
7). Em v
ez de pe
nsar em
uma an
alítica
da inscr
ição, na
qual a c
ultura se
ria escrit
a na carn
e,con
sidero s
er mais ú
til pensa
r em term
os de tec
no-logi
a. Na ve
rdade, co
mo suge
ri, a ling
uagem,
a es-
crita, a
memória
podem
ser, ela
s própri
as, vista
scom
o eleme
ntos de
uma téc
nica, ca
da uma
delas
implican
do verda
des, técn
icas, gest
os, hábit
os, apara
-tos,
reunidos
, por mei
o do trein
amento,
em uma
mon-
tagem,
e inserid
os em a
ssociaçõ
es mais o
u meno
s
176
duráveis
. Podere
mos com
preende
r melhor
as práti-
cas de s
ubjetiva
ção se a
s conceb
ermos e
m term
osdas
complex
as interc
onexões
, técnica
s e linh
as de
força qu
e se esta
belecem
entre c
ompone
ntes het
e-rogê
neos, in
citando,
tornand
o possíve
l e estab
ilizan-
do relaç
ões part
iculares
conosco
mesmo
s, em loca
ise lug
ares esp
ecíficos.
As tecno
logias d
a subjet
ivação
são, poi
s, as ma
quinaçõe
s, as ope
rações p
elas qua
issom
os reun
idos, em
uma m
ontagem
, com in
stru-
mentos
intelectu
ais e prá
ticos, co
mponen
tes, enti
-dad
es e apa
ratos pa
rticulare
s, produ
zindo ce
rtasform
as de se
r-human
o, territ
orializan
do, estr
atifi-
cando, fi
xando, o
rganizan
do e torn
ando du
ráveis as
relações
particul
ares qu
e os hu
manos p
odem h
o-nest
amente
estabele
cer consi
go mesm
os.Não
existe n
enhuma
necessid
ade de s
upor qu
al-que
r “meio
de propu
lsão” po
r detrás
de toda
s essas
tecnolog
ias, nem
qualque
r força
ou desej
o primo
r-dial
que circ
ule por
esses ag
enciame
ntos, faz
endo
com qu
e seja p
ossível
que ele
s se mo
vam, aja
m,mud
em, res
istam, so
fram mu
tações. A
assim c
ha-mad
a “quest
ão da ag
ência” c
oloca um
falso pr
oble-
ma. Par
a dar co
nta da c
apacidad
e para a
gir não
precisam
os de ne
nhuma
teoria d
o sujeito
que seja
anterior
e que res
ista àqu
ilo que a
apreend
eria – ta
iscapa
cidades
para a aç
ão surge
m dos r
egimes e
tec-nolo
gias esp
ecíficos
que ma
quinam
os huma
nosde v
ariadas
formas (n
esse caso
estou de
acordo
comBUT
LER, 199
5, p. 136
). A hete
rogeneid
ade dess
as prá-
ticas e té
cnicas –
seus mú
ltiplos c
onflitos,
divergê
nci-as, i
ntercone
xões e a
lianças, a
s diferen
tes prom
essas
que elas
fazem e
as variáve
is exigên
cias que
elas repr
e-sent
am para
o ser hu
mano –
podem
produzir
todos
177
os efeito
s de res
istência,
apropria
ção, uti
lização,
transfor
mação e
transgre
ssão que
os teóri
cos do p
ós-mod
erno têm
ressalta
do, sem
a neces
sidade d
e in-
vocar u
ma con
cepção
unifica
nte de
“agênc
iahum
ana”. Pa
ra dizê-l
o de out
ra forma
, a agên
cia é,
ela própr
ia, um e
feito, um
resultad
o distrib
uído de
tecnolog
ias partic
ulares d
e subjet
ivação, a
s quais i
n-voca
m os ser
es huma
nos com
o sujeito
s de um
certo
tipo de
liberdad
e e forn
ecem as n
ormas e
técnica
spela
s quais a
quela li
berdade
deve ser
reconh
ecida,
agenciad
a e exer
cida em
domínio
s especí
ficos. N
averd
ade, as d
isciplina
s psi tiv
eram, ao
longo d
o sé-
culo pas
sado, um
papel b
astante
particul
ar na cr
ia-ção
das con
dições p
ara a em
ergência
da nos
sacapa
cidade d
e nos rel
acionar
conosco
mesmos
como
certo ti
po de a
gente –
como “p
ersonag
ens”, po
rexem
plo, com
funções
nervosa
s, as qua
is, quan
domol
dadas p
elo efeit
o do háb
ito e da
influênci
a so-
bre a co
nstituiç
ão da pe
ssoa, pro
duzia a
impulsiv
i-dad
e ou o co
ntrole, d
ependen
do do ca
so: se a p
essoa
era hom
em ou m
ulher, am
o ou am
a, trabal
hador
temporá
rio, func
ionário o
u servo
(cf. SMIT
H, 1992
,cap.
1); ao lo
ngo do
século X
X, como
“person
alida-
des”, co
mo um
tipo que
estava e
m posse
de cert
ostraç
os, man
ifestado
s nas fo
rmas pe
las quais
a pes-
soa reag
ia à expe
riência,
expressa
va seus
sentime
n-tos e
se assoc
iava a ar
tefatos, g
ostos, fo
rmas de
vestir,
estilos d
e gesticu
lação e e
xpressão
; na seg
unda me
ta-de d
o século
XX, com
o “agent
es livres
” de esco
lha eauto
desenvo
lvimento
, em gu
erra con
tra toda
s asmáq
uinas qu
e nos ma
quinariam
como bo
ns sujeit
osda b
urocracia
e do co
nformism
o, que d
iminuiria
m
178
nossa au
to-estim
a e imp
ediriam
nosso a
utodesen
-volv
imento.
Para nos
sa própr
ia cultu
ra, a agê
ncia é, o
bvia-
mente, p
arte de u
ma “exp
eriência
” de inte
rnalidad
e– el
a parece
acumul
ar-se e e
mergir
de nossa
s pro-
fundidad
es, de no
ssos ins
tintos, d
esejos o
u aspira
-ções
interior
es. Não h
á dúvida
de que
nem sem
prefoi
assim. A
clássica
interpr
etação d
a Ilíada
e daOdi
sséia, fei
ta por E
. A. Do
dds, sug
ere que
a des-
crição h
omérica
dos hum
anos é m
ais do qu
e uma
questão
de con
venção e
stética:
os huma
nos, par
aHom
ero, era
m agen
ciamento
s dispers
os, cujos
ele-men
tos eram
a psyche
(alma), a
thumos
(vontad
e) e o
noos (in
telecto),
cada um
deles co
m seu m
odo ind
e-pen
dente d
e operaç
ão. A a
ção era
entendid
a não
em term
os de qu
alquer fa
culdade
interna
da agên
-cia,
mas em
termos
de forç
as tais c
omo ate
, que
obrigava
m a pes
soa a um
curso p
articular
de ação
,por
meio da
interven
ção dos
deuses,
das deu
sas do
Destino
, das Fú
rias, de
sonhos e
visões
(DODD
S,197
3; cf. H
IRSTE
WOOLL
EY, 1982
). Esses
exempl
ospod
eriam, o
bviamen
te, ser m
ultiplicad
os: os p
ode-
res expli
cativos d
as vozes
das dei
dades o
u dos de
-môn
ios, os e
feitos m
otivado
res dos
xamãs e
dos
rituais, e
mais pró
ximo de
nós, talv
ez, as co
nseqüên
-cias
das mu
ltidões o
u bando
s em arre
batar o i
ndiví-
duo em
um no
vo e mu
lticéfalo
agente
com um
aúnic
a – aind
a que m
aligna –
vontade
. A agên
cia é,
sem dúv
ida, um
a “força”
, mas é u
ma forç
a que su
r-ge n
ão de qu
alquer p
roprieda
de essen
cial de “
o su-
jeito”, m
as das fo
rmas pe
las quais
os huma
nos têm
se reunid
o em um
agencia
mento.
179
ALMAS
DOBRA
DAS
Se hoje
vivemos
nossas v
idas com
o sujeito
s psi-
cológico
s que ve
mos com
o sendo
a origem
de nossa
saçõe
s, se nos
sentimo
s obriga
dos a no
s coloca
r a nós
próprios
com suje
itos com
uma ce
rta e des
ejada on
-tolo
gia, uma
vontade
de ser,
isso se d
eve às fo
rmas
pelas qu
ais relaç
ões part
iculares d
o exterio
r têm sido
invagina
das, dob
radas, pa
ra forma
r um lado
de den-
tro ao q
ual um
lado de
fora dev
e sempr
e fazer
re-ferê
ncia. Um
a vez m
ais, é D
eleuze q
uem refl
etiumai
s instru
tivamen
te sobr
e uma fil
osofia d
a do-
bra (DE
LEUZE,
1992a,
1992b,
veja esp
ecialme
nte o
uso dess
a noção
em sua
discussã
o da sub
jetivação
em seu
livro sob
re Fouca
ult: DEL
EUZE, 1
988, p.
94-123
). “O que
importa
, sempre,
é dobrar
, desdob
rar,redo
brar” (D
ELEUZE
, 1992a
, p. 137
). O con
ceito de
dobra p
ode faze
r surgir
um diag
rama ge
neralizáv
elpara
pensar a
s relaçõe
s, as con
exões, as
multipl
icida-
des e as
superfíci
es – sua
formação
de profu
ndidades
,sing
ularidad
es, estab
ilizações
. Esse d
iagrama
da do-
bra desc
reve um
a figura
na qual o
lado de
dentro,
osubj
etivo, é, e
le própri
o, não m
ais que u
m mome
nto,ou u
ma série
de mom
entos, po
r meio d
o qual u
ma“pro
fundidad
e” foi con
stituída n
o ser hum
ano. A p
ro-fund
idade e s
ua singu
laridade
não são
, pois, m
ais do
que aqu
elas cois
as que fo
ram esca
vadas pa
ra criar u
mespa
ço ou um
a série d
e cavida
des, plis
sados e c
am-pos
que só
existem
em rela
ção àqu
elas mes
mas for-
ças, linh
as, técni
cas e inv
enções q
ue as su
stentam
.As l
inguagen
s, as téc
nicas, o
s locais
instituc
io-nais
e as re
lações e
nunciati
vas da m
edicina
clínica
180
introduz
iram dob
ras profu
ndas no
corpo,
o lado de
dentro d
o lado de
fora, o l
ado de d
entro co
mo uma
operaçã
o do lado
de fora,
como su
gere De
leuze em
sua disc
ussão da
arqueo
logia qu
e Foucau
lt faz do
olhar clí
nico. Ou
, de nov
o, em r
elação à
s técnica
sética
s introd
uzidas p
elos gre
gos, ess
as devem
serente
ndidas “n
o sentid
o de que
a relação
consigo
ad-quir
e indep
endênci
a. É com
o se as r
elações
do lado
de fora
se dobra
ssem, se
curvasse
m para
formar u
mforr
o e deix
ar surgir
uma rela
ção cons
igo, con
stituir
um lado
de dentr
o que se
escava e
desenvo
lve segu
n-do u
ma dime
nsão pró
pria” (D
ELEUZE
, 1991,
p. 107).
Uma ve
z que ess
a nova d
imensão
tenha s
ido esta
be-lecid
a, o suje
ito é age
nciado/m
ontado d
e novas
for-mas
, em term
os de um
problem
a de “au
todomín
io”,faze
ndo com
que inci
da sobre
si mesm
o – aquel
e lado
de dentr
o atuan
do sobre
si mesm
o – o po
der que
fazemos
incidir
sobre ou
tros. Ne
sse mesm
o proces
-so, o
poder q
ue se faz
incidir s
obre os o
utros é r
econ-
figurado
como um
a relação
de pode
r entre o
lado de
dentro
da gente
e o lad
o de den
tro do o
utro.
Esse lad
o de den
tro sing
ularizad
o e dob
rado é,
assim, ine
vitavelm
ente esta
bilizado
, não em
relação
a um dom
ínio de
processo
s psicol
ógicos,
mas em
relação a
uma co
nfiguraç
ão de fo
rças, cor
pos, edif
í-cios
e técnic
as que o
mantêm
no luga
r. Para o
s gre-
gos, isso
compree
ndia tod
o o apar
ato de f
ormação
ética esta
belecido
na cida
de, as re
lações d
e família,
os tribu
nais, os
jogos de
poder e
de laze
r e as rel
a-ções
eróticas
por me
io dos q
uais aqu
eles var
ões que
exerciam
o pode
r eram a
genciad
os. “Eis
o que fiz
e-ram
os greg
os: dob
raram a
força, s
em que
ela dei-
xasse de
ser for
ça. Eles
a relac
ionaram
consigo
181
mesma.
Longe
de igno
rarem a
interior
idade, a
in-divi
dualida
de, a sub
jetividad
e, eles in
ventaram
o su-
jeito, ma
s como
uma der
ivada, co
mo o pr
oduto d
euma
‘subjetiv
ação’” (D
ELEUZE
, 1991,
p. 108).
Essa
relação
consigo
mesmo
, esse do
bramento
que pro
-duz
os efeit
os de su
bjetivaç
ão, não
é algo
passivo.
De nov
o, como
observa
Deleuz
e, ela é
criada a
pe-nas
ao ser p
raticada,
ao ser
levada a
efeito,
ao se
envolver
com as t
écnicas d
e govern
o do cor
po e de
controle
da diet
a, com
as técni
cas de s
exualida
de,com
os estilo
s de jog
o e espor
te, com
a oratór
ia e a
exposiçã
o em púb
lico... E
mbora ti
vessem
inventa-
do uma
formulaç
ão partic
ular des
sa dime
nsão “da
relação
do ser c
onsigo m
esmo”,
os grego
s não fo
-ram
, de form
a alguma
, os últim
os – nem
provave
l-men
te os pr
imeiros
– a fazê
-lo; em
vez diss
o, o que
eles exe
mplifica
m é um
a forma
particu
lar de um
arela
ção mai
s geral,
uma rela
ção na q
ual a su
bjetiva-
ção é se
mpre um
a questã
o de dob
ramento
. O hu-
mano nã
o é nem
um ator
essencia
lmente
dotado d
eagên
cia, nem
um pro
duto pas
sivo ou
um mar
ionete
de força
s cultur
ais; a ag
ência é p
roduzida
no curs
odas
práticas
, sob tod
a uma va
riedade
de restr
ições e
relações
de forç
a mais o
u meno
s oneros
as, mais o
umen
os explí
citas, pu
nitivas o
u seduto
ras, mai
s oumen
os discip
linares
ou pass
ionais. N
ossa pró
pria“agê
ncia” é,
pois, a r
esultant
e da ont
ologia q
ue nós
dobram
os sobre
nós me
smos no
curso d
e nossa h
is-tória
e de nos
sas prátic
as. Apesa
r de tod
os os de
sejos,
inteligên
cias, mo
tivações,
paixões,
criativid
ades e vo
n-tade
-de-auto
-realizaçã
o que for
am dobra
dos sobr
e nós
mesmos
por nos
sas psico
tecnolog
ias, noss
a própri
aagên
cia não
é meno
s artific
ial, men
os fabri
cada,
182
menos n
ão-natur
al – e, po
rtanto, n
ão menos
real, efe
ti-va, c
onfusa, t
écnica, d
ependent
e-da-má
quina – d
o que
a problem
ática agê
ncia dos
robôs, d
os replica
ntes e da
smon
struosas
simbios
es que D
onna H
araway u
tilizapara
pensar n
ossa exis
tência: c
iborgues
, híbrido
s, mo-
saicos, qu
imeras (
HARAW
AY, 1991
, p. 171-2
).Mas
o que é
que é do
brado? É
, sem dúv
ida, ver-
dade qu
e para D
eleuze o
que é d
obrado é
sempre
alguma
“força”.
Talvez p
ara nosso
s própri
os propó
-sito
s, devês
semos t
ratar de
ssa quest
ão de um
a for-
ma um
tanto m
odesta.
Em out
ros loca
is, utiliz
ei oterm
o “autor
idade” p
ara os d
obramen
tos que
fa-zem
diferenç
a. Obvia
mente, i
sso simp
lesmente
no-mei
a um cam
po, mas
, em pri
ncípio, n
ão o def
ineou o
delimit
a; o imp
ortante
é que qu
alquer c
oisapod
e ter aut
oridade.
Mas, em
qualque
r época
e lu-
gar, nem
tudo a
tem. Um
a análise
a ser fei
ta, aqui,
seria a d
a rarida
de das a
utoridad
es na re
alidade
enão
a de se
us infin
itos com
ponente
s e possi
bilida-
des. Nã
o é com
o qualqu
er coisa q
ue as pe
ssoas po
-dem
ser agen
ciadas e
m qualq
uer épo
ca e lug
ar par-
ticulares
; além d
isso, os
vetores
que são
dobrado
stêm
limites
que não
são ont
ológicos
mas hist
óricos.
O que é
invagin
ado é co
mposto
de qualq
uer cois
aque
possa a
dquirir
o status
de auto
ridade e
m um
agenciam
ento par
ticular. A
s maquin
ações da
apren-
dizagem
, da leitu
ra, do qu
erer, do c
onfessar,
do lutar
,do a
ndar, do
vestir, d
o consum
ir, do cu
rar invag
inamuma
certa vo
z (a de n
osso sace
rdote, a
de nosso
mé-
dico ou
a de nos
so pai),
uma cert
a invoca
ção de e
s-pera
nça ou m
edo (vo
cê pode
se torn
ar o que
você
quiser s
er), um
a certa
forma de
ligar um
objeto
com um
valor, se
ntido e a
feto (a “
italianid
ade” que
183
Barthes
tão mar
avilhosam
ente reve
la nas ma
ssas Pan
-zani
ou talve
z o “auto
controle
” manife
stado pe
lo cor-
po escul
tural da
“mulhe
r pós-m
oderna”
), um c
ertopeq
ueno há
bito e u
ma cert
a técnica
de pen
samento
(morda
a bala, o
lhe ante
s de salt
ar, autoc
ontrole
étudo
, é bom
partilhar
os própr
ios senti
mentos)
, uma
certa co
nexão co
m um a
rtefato d
otado de
autorid
a-de (
um diár
io, um d
ossiê ou
um tera
peuta).
Foucaul
t, como
vimos a
nteriorm
ente, su
geriu
que as
tecnolog
ias éticas
podem
ser anal
isadas a
olong
o de qua
tro eixos
; Deleuz
e transcr
eve cada
umdess
es quatr
o eixos p
or meio d
o concei
to de do
bra-men
to (DEL
EUZE, 1
988).13 O
primeiro
, sugere
ele,diz r
espeito a
os aspec
tos do se
r human
o que de
vemser c
ircunda
dos e do
brados –
o corpo
e seus p
raze-
res para
os grego
s, a carn
e e os de
sejos pa
ra os cri
s-tãos
, talvez
o eu e su
as aspira
ções par
a nossa p
rópria
época. O
segund
o, a relaç
ão entre
forças, d
iz respei
-to à
regra d
e acordo
com a q
ual a re
lação en
tre for-
ças se tor
na uma r
elação c
onsigo m
esmo – u
ma regra
que pod
e ser natu
ral, divin
a, racion
al, estéti
ca... Est
á,pois
, sempre
associad
a com u
ma auto
ridade p
arti-cula
r – a do
sacerdot
e, do inte
lectual, d
o artista
; emnoss
os própr
ios dias
, talvez
a regra
oscile e
ntre a
terapêu
tica e a
estilístic
a, cada q
ual asso
ciada co
mdife
rentes au
toridad
es. O terc
eiro, a d
obra do
saber
ou a dob
ra da ve
rdade, su
rge do f
ato de q
ue cada
relação c
onsigo m
esmo es
tá organ
izada so
bre o eix
oda s
ubjetiva
ção do s
aber e, p
ortanto,
da relaç
ão de
nosso se
r com a
verdade,
quer ess
a verdad
e seja teo
-lógi
ca, quer
seja filos
ófica, q
uer seja
psicológ
ica. A
quarta d
obra (aq
ui Deleu
ze se refe
re à noçã
o de “um
ainte
rioridad
e da exp
ectativa”
, devida a
Blanch
ot) é a
184
dobra d
a espera
nça – da
imortali
dade, d
a eternid
a-de,
da salva
ção, da
liberdad
e, da m
orte ou
da sepa-
ração. E
a subjet
ivação é
, pois, a
interaçã
o da mú
ltipla
variabil
idade de
ssas dob
ras, de s
eus vari
ados rit
mose pa
drões. “E
o que d
izer, de
nossos p
róprios m
o-dos
atuais, d
a mode
rna relaç
ão consi
go? Qua
is são
as nossa
s quatro
dobras?
” (DELE
UZE, 19
91, p. 1
12).Meu
trabalho
de anál
ise tem
sido um
a tentativ
a deresp
onder a
essa que
stão. Co
ncluirei
com alg
umas
reflexões
sobre o
papel qu
e as psic
ociência
s e as ps
i-coté
cnicas e
xercem
nesses d
obramen
tos.PSI
COLOG
IAS DE
SUBJE
TIVAÇÃ
OSug
eri que a
s discip
linas psi
exercem
um pap
elcons
titutivo e
m nossa
s “quatr
o dobras
”, obviam
enteem
complex
as e var
iáveis re
lações c
om outr
os veto-
res, mas
mesmo
assim s
obrepon
do-se a
eles, infu
n-dind
o-os, inv
estindo-o
s, de tal
modo qu
e mesm
o o“est
ilo-de-vid
a” estétic
o, espirit
ual, econ
ômico, f
inan-
ceiro ou
a ética e
rótica são
saturado
s com a
s discipli
-nas
psi em
seus reg
imes en
unciativ
os, em
suastecn
ologias,
em seus
modos d
e julgam
ento e em
suas
exibiçõe
s de aut
oridade.
Deixem
-me esb
oçar alg
u-mas
das cara
cterístic
as desse
s dobram
entos ps
i.O a
specto d
o ser hu
mano qu
e é circu
ndado e
dobrado
em tan
tos dos
agenciam
entos co
ntempo-
râneos d
e subjet
ivação n
ão é nem
o corpo
/prazer
nem a ca
rne/dese
jo, mas o
eu/reali
zação. P
assamos
a ser hab
itados p
or uma o
ntologia
psi, por
uma ine
s-capá
vel inte
rioridad
e que es
cava, na
s profun
dezas
do huma
no, um
universo
psíquico
com um
a topo-
grafia q
ue tem
suas pró
prias ca
racteríst
icas – s
eus185
planos e
platôs,
seus flux
os e pre
cipitaçõe
s, seus c
li-mas
e tempe
stades, s
eus terre
motos,
suas eru
pções
vulcânic
as, seus
aquecime
ntos e es
friamento
s. Obvia
-men
te, o ma
peamento
desse u
niverso
psi é in
com-
pleto e d
isputado
; seus ma
pas lemb
ram os d
e homen
sdo m
ar de ép
ocas rem
otas: on
de algun
s relatam
te-rem
visto in
stintos, c
aracterís
ticas her
dadas e
predis-
posições
, outros
encontr
aram rep
ressões, p
rojeções
efant
asias, ou
tros ain
da viram
a intern
alização
de ex-
pectativa
s sociais
e outros
mais ob
servaram
apenas
ainsc
rição de
um regi
me de r
ecompen
sas e pun
ições
comport
amentai
s. As din
âmicas d
essa ont
ologia sã
ocont
estadas,
seja de u
ma form
a ou out
ra: pelos
pro-
cessos d
a auto-e
stima e
da auto-
abnegaç
ão, do e
s-tress
e e da re
alização,
do dese
jo e da
frustraç
ão, das
ansiedad
es e das
fobias o
u das inv
oluções
sadistas
deobje
tos inter
nos. Ma
s essas d
inâmicas
são agen
ciadas
por mei
o de vet
ores que
atravess
am o en
velope d
apele
. Na verd
ade, “o c
orpo” é a
gora, ele
próprio
, vis-
to meno
s como
um dad
o corpor
al do que
como um
complex
o orgâni
co cujas
proprie
dades sã
o marca
daspor
esse psi
interior
– a ima
gem do
corpo, a
psicos-
somática
, a perso
nalidade
tendente
ao cânce
r, a gor-
dura ou
a magrez
a consid
eradas co
mo man
ifestand
oo de
sejo de a
mor e de
um eu i
nterior,
a “boa f
orma”
como um
a espéci
e de eco
nomia p
síquica
da auto-
estima e d
e reforço
do pod
er pesso
al. A incu
lcação, a
emulaçã
o, a mim
ese, a pe
rforman
ce, a hab
ituação
eoutr
os ritua
is de au
toforma
ção esca
vam e m
oldam
esse esp
aço “int
erno” de
uma fo
rma psi.
A ontol
ogia hum
ana é es
tabelecid
a, assim
, empart
e, por me
io de co
nexões co
nstitutiv
as com as
tec-nolo
gias psi
que a im
aginam
e que ag
em sobr
e ela.
186
Essas co
nexões at
ivam algo
que Mic
hel Tauss
ig ana-
lisou, de
forma rev
eladora,
em term
os de “m
imese”
– o devi
r coloca
do em a
ção na c
ontínua
interaçã
oentr
e a cópia
e aquilo
que é co
piado (T
AUSSIG
, 1993).
A cópia
compree
nde, aq
ui, tanto
uma “r
epresent
a-ção”
– gravu
ra, artefa
to, objet
o, gesto
, dança,
mo-
delo, dia
grama – q
uanto u
ma form
a de ser.
“Entre a
fidelidad
e fotográ
fica e a f
antasia,
entre a i
conicida
dee a
arbitrari
edade, e
ntre o t
odo e a
fragmen
tação,
começam
os, pois,
a sentir q
uão estr
anha e c
omplexa
se torna
a noção
de cópia
” (TAUS
SIG, 19
93, p. 1
7). Amul
tiplicida
de dessa
s breves
fulguraç
ões que
Taus-
sig cham
a de “mi
mese” d
obra cert
as “form
as de ser
”sobr
e nós – n
ão apen
as por m
eio de “
estórias”
, não
apenas p
or meio
de “reco
mpensas
e puniç
ões”(com
o se jam
ais houv
esse sido
claro o
que é o
quê),
mas por
meio d
a mímic
a e da i
mitação,
por me
ioda e
mulação
e da br
icolagem
, por m
eio tant
o docop
iar quan
to do di
ferir. Pa
ra nosso
s propó
sitos,
pois, a d
imensão
mimétic
a das dis
ciplinas
psi pod
eser
vista em
aparato
s tais co
mo man
uais de
auto-
ajuda ce
ntrados
no auto-
aperfeiço
amento,
na auto-
estima e n
o autopr
ogresso;
nos pad
rões psi
forçado
sa se
tornare
m visíve
is em tod
as as se
ssões qu
e sepass
am nos
diverso
s tipos d
e consu
ltórios;
nos
modelos
e simul
acros de
eus des
ejáveis q
ue serve
mcom
o espelh
os para
reativar
e refleti
r de vol
ta fabri-
cações d
e subjet
ividade
às quais
se pode
aspirar;
asima
gens do e
u norma
l – a cria
nça norm
al, a mãe
nor-
mal, a g
arota no
rmal, o a
dolescen
te norma
l, o pacie
n-te n
ormal, o
trabalh
ador ou
o geren
te norm
al –dese
nvolvid
as em to
da e qua
lquer pr
ática ima
giná-
vel; as c
onexões
estabele
cidas co
nsigo m
esmo po
r187
meio da
s tecnolo
gias cult
urais da
fotograf
ia, do fil
mee da
propaga
nda: um
a multip
licidade
de máqui
nasmim
éticas. A
exigênci
a para q
ue a gen
te seja um
certo
tipo de e
u é semp
re condu
zida por
meio de
operaçõ
esque
distingu
em ao m
esmo tem
po que id
entificam
(veja,
outra ve
z, TAUS
SIG, 19
93, sobr
e esse tem
a). Para s
er oeu q
ue a gen
te é, a ge
ntenão d
eve ser o
eu que a
gente
não é – n
ão aquel
a alma de
sprezada
, rejeitad
a ou abje
-ta. A
ssim, o t
ornar-se
eu é um
copiar r
ecorrent
e que
tanto em
ula outro
s eus qu
anto dife
re deles.
Hoje, a
scara
cterística
s pertine
ntes da
mimese
e da alte
ridade
são esta
belecida
s nos ve
tores do
s estilos-
de-vida,
dassexu
alidades,
das per
sonalidad
es, das as
pirações
.Fala
r do do
bramento
dessa o
ntologia
psi em
humano
s é acena
r – neste
estágio
não pod
e ser ma
isdo q
ue isso
– para o
s proces
sos que
escavam
um in-
terior po
r meio
do dobra
mento d
os comp
onentes
psi que t
êm sido
distribu
ídos atra
vés dess
es aparat
ose de
ssas tecn
ologias.
Esse esp
aço psi é
compost
o deuma
complex
a mistu
ra de el
ementos
da pesq
uisapsic
ológica n
os huma
nos e no
s anima
is, nas es
tórias
e nas fab
ulações,
nas aut
obiograf
ias e nas
história
sde c
aso. Ele
é “ficcio
nal” ape
nas no s
entido d
e que
o psi “in
venta” e
reinvent
a mund
os imagin
ados em
busca da
quilo qu
e toma
como su
a premi
ssa: de q
ueum
mundo r
eal habit
a nosso s
er como
humano
s (cf.
HARAW
AY, 1989
). E em
bora seja
, sem dúv
ida, ver
-dad
e que as
caracte
rísticas
desse m
undo do
brado
são tão
amarrot
adas, tor
cidas, es
farrapad
as e puíd
asqua
nto os m
ateriais
de que é
feito, n
ossas rel
ações
conosco
mesmo
s têm sido
, não ob
stante, p
or pelo
menos u
m sécul
o, irrevo
gavelme
nte mar
cadas po
rnoss
a dobra
do eu, p
ois é esse
nome qu
e nossa é
poca
188
tem dad
o ao agi
tado uni
verso no
interior
do qua
ltodo
s os hu
manos s
erão reg
istrados,
localiza
dos,expl
icados e
afetado
s.Pelo
menos
uma dim
ensão-ch
ave da d
obra da
autorida
de, hoje
, pode s
er cham
ada de “
terapêu
ti-ca”:
é de ac
ordo com
uma re
gra tera
pêutica
que as
linhas d
e força
são flexi
onadas
para se t
ransform
arem
um espa
ço molda
do de ac
ordo com
o eu em
nossa ex
istência e
experiê
ncia. “T
erapêuti
ca”, aqu
i,não
no sent
ido de u
m privil
égio con
cedido à
pró-
pria “ps
icoterap
ia”, ou m
esmo ap
enas em
termos d
aprol
iferação
dos ram
os e vari
edades d
e psi – p
sicólo-
gos fore
nses com
sua con
strução
de perfis
de crimi
-noso
s e vítim
as; psic
ólogos d
o esport
e com s
eusexer
cícios me
ntais pa
ra se ter
sucesso
no camp
o ouna p
ista; con
sultores
organiz
acionais
com seu
s pro-
tocolos
de uma
crescent
e produ
tividade
e harmo
-nia,
por me
io de um
a ação s
obre as i
nclinaçõ
es de
auto-rea
lização d
os empr
egados e
semelha
ntes. “T
e-rapê
utica”, e
m vez d
isso, no
sentido
de que
a rela-
ção con
sigo me
smo é,
ela pró
pria, do
brada em
termos te
rapêutic
os – pro
blematiza
ndo a si
mesmo
de acord
o com o
s valore
s da nor
malidad
e e da pa
to-logi
a, diagn
osticand
o nossos
prazere
s e desg
raças
em term
os psi, b
uscando
retificar
ou mel
horar no
s-sa e
xistência
cotidia
na por u
ma inte
rvenção
em um
“mundo
interior
” que tem
os dobra
do como
sendo
tanto fu
ndamen
tal para
nossa ex
istência c
omo hu-
manos q
uanto, e
ntretant
o, tão pr
óximo à s
uperfíci
ede n
ossa exp
eriência
do cot
idiano.
É essa
relação
terapêu
tica con
osco mes
mos e os
compon
entes co
n-side
rados au
torizado
s dessa r
elação q
ue têm s
e mul-
tiplicado
em noss
o presen
te, uma m
ultiplicaç
ão dos
189
conduto
s entre a
s autorid
ades que
falam a
s verdad
esde n
ós mesm
os e as f
ormas n
as quais
agimos
sobre
nossa pr
ópria ex
istência,
na comp
reensão,
no plan
e-jam
ento e n
a avaliaç
ão de no
ssas pai
xões, no
ssosmed
os e nos
sas esper
anças co
tidianas.
O eu é p
rodu-
zido no
processo
de pratic
á-lo, pro
duzido,
portant
o,com
o uma in
teriorida
de que é
complex
a e conte
sta-da. E
ssa inter
ioridade
fraturada
– por m
eio da int
er-secç
ão da mu
ltiplicida
de de ati
vidades
e julgam
entos
que faze
mos inc
idir sobr
e nós m
esmos n
o curso
derelac
ionar no
ssa existê
ncia sob
diferent
es descr
ições
e em rela
ção a di
ferentes
imagens
ou mod
elos – a
ssanç
ões, as s
eduções
e as pro
messas p
elas qua
is atri-
buímos a
essas for
mas tera
pêuticas
de pratic
ar a sub-
jetividad
e um valo
r e uma
autorida
de.E o
que pod
emos diz
er sobre
a quarta
dobra, o
que pod
emos esp
erar dela
? O que
dobram
os, o que
nos dob
ra, é um
a aspira
ção tão
patética
quanto
co-mov
edora; n
ão é ma
is patét
ica e com
ovedora,
en-treta
nto, do q
ue nosso
esforço
por max
imizar n
ossos
estilos-d
e-vida e
nos real
izar com
o pessoa
s por me
iode n
ossas rel
ações com
outras p
essoas –
nossos a
man-
tes, noss
os filhos
, nossas
mães e
nossos
pais, no
ssascom
unidades
. A essa
esperan
ça demo
s o nom
e de“lib
erdade”.
Essa esp
erança n
ão é um
a esperan
ça de
libertaçã
o para o
mundo
e seus c
uidados,
misérias
eobri
gações u
rbanos –
“ligue-s
e, sinton
ize-se e
caiafora
”. Não s
e trata, t
ampouco
, de uma
libertaç
ão dos
laços da
servidão
e da suje
ição: “liv
re, finalm
ente, livr
e,fina
lmente,
graças ao
Deus po
deroso, l
ivre, fina
lmen-
te”. Em
vez diss
o, os sin
os de um
a liberda
de bem
diferent
e ecoam e
m nosso
s sonhos:
um mo
do de ser
no mund
o no qua
l atribuí
mos valo
r às noss
as vidas
190
na medid
a em que
somos c
apazes d
e constr
uí-las
em term
os que s
ão simu
ltaneam
ente pol
íticos (li
-vres
para es
colher) e
psicológ
icos (liv
res para
esco-
lher em
nome de
nós me
smos e n
ão em n
ome de
nossa su
bordinaç
ão à aut
oridade
de um o
utro, em
relação à
sombra
formada
por noss
os pais i
nternali
-zado
s ou pela
s restriçõ
es impost
as por n
osso tem
orda p
rópria lib
erdade).
Uma asp
iração lo
uvável? S
emdúv
ida, ma
s uma as
piração
que não
existe em
uma
relação d
e externa
lidade co
m nossa
s ansieda
des e frus
-traç
ões: esse
sonho d
e liberda
de const
itui as p
róprias
formas p
elas qua
is nós co
dificamo
s e exper
ienciam
osnós
mesmos
e as for
mas pel
as quais
dividim
os nós
mesmos
daquilo
que, em
nós me
smos, e
daquilo
que, no
s outros
, não está
de acord
o com e
sse sonh
oou q
ue fraca
ssa por s
eus prin
cípios.
O EFEI
TO PSI
Para inv
estigar e
ssas hip
óteses m
ais direta
men-
te, pode
mos com
eçar por
estabele
cer algum
tipo de
topograf
ia dos esp
aços psi,
das prá
ticas ou d
os agen
-ciam
entos pe
los quais
nossa su
bjetivid
ade é m
aqui-
nada. P
oderíam
os cham
ar isso d
e “o ond
e” do ps
i:sua
territor
ialização
. É poss
ível iden
tificar u
ma va-
riedade
de agen
ciamento
s nos qu
ais uma t
al territo
-riali
zação tem
sido org
anizada:
máquina
s desejan
tes,máq
uinas de
trabalho
, máquin
as pedag
ógicas, m
á-quin
as punit
ivas, má
quinas c
urativas
, máquin
as de
consumi
r, máqu
inas de g
uerra, m
áquinas
de espor
te,máq
uinas de
governo
, máquin
as espir
ituais, m
áqui-
nas buro
cráticas,
máquin
as de m
ercado,
máquina
sfina
nceiras.
Isso não
significa
afirmar
o domí
nio do
191
psi em n
ossa exp
eriência
, pois nã
o se pod
eria diz
ero m
esmo, p
or exem
plo, das
linguag
ens, das
ima-
gens, da
s técnica
s e das se
duções
da econ
omia? N
ãosign
ifica tam
pouco i
dentific
ar uma
“causa”
externa
de toda
s essas tr
ansform
ações e m
utações
que vie
-ram
a perm
ear tão
amplam
ente tod
a nossa e
xistên-
cia. Mas
significa
registrar
esse “efe
ito psi” n
o sentid
ode “
efeito” d
e Deleu
ze, no s
entido d
e “efeito
” dodisc
urso cien
tífico, ta
l como no
efeito K
elvin ou
noefeit
o Compt
on, por
exemplo:
“Um tal e
feito não
éem
absoluto
uma ap
arência
ou uma
ilusão; é
umprod
uto que
se esten
de ou se
alonga n
a superf
ície e
que é e
stritame
nte co-p
resente,
co-exte
nsivo à
suapróp
ria causa
e que de
termina e
ssa causa
como ca
u-sa im
anente, i
nseparáv
el de se
us efeito
s (DELE
UZE,
1998, p
. 73, cita
do em B
URCHE
LL et al.,
1991, p
. ix).
Isto é, o
efeito
psi não
deve se
r identi
ficado co
muma
causa p
articular
, mas, an
tes, deli
neado pe
la des-
crição da
s forma
s pelas q
uais a e
xistência
humana
se torna
inteligív
el e prat
icável, s
ob uma
certa de
s-criçã
o, em t
oda um
a multip
licidade
de pequ
enos
“cenário
s éticos”
que per
meiam
nossa ex
periênci
a.Por
“cenário
s éticos”
quero s
ignificar
os dive
r-sos
aparatos
e conte
xtos nos
quais u
ma part
icular
relação
com o eu
é admin
istrada, f
orçada e
agencia
-da,
e na qua
l pode-s
e presta
r uma ate
nção tera
pêu-
tica àqu
eles que
se sent
em desc
onfortáv
eis com
adist
ância en
tre sua
experiên
cia de s
uas vida
s e as
imagen
s de libe
rdade e d
e eu às q
uais eles
aspiram
.Trat
a-se, em
parte, d
e uma qu
estão da
moldag
emdo p
róprio e
spaço. T
emos m
uitos e i
nstrutiv
os es-
tudos da
arquite
tura “di
sciplina
r”, das re
lações d
oscorp
os, dos
olhares
e das ati
vidades
nas máq
uinas
192
de moral
idade in
ventadas
no sécu
lo XIX:
prisões,
escolas,
hospício
s, reform
atórios..
. (MARK
US, 1993
;cf. R
OSE, 19
95a). M
as, com
a exceçã
o da ate
nçãoque
os auto
res têm
dedicad
o, recen
temente
, aos
shopping
s e às loj
as de de
partame
nto, tem
os pouc
osestu
dos da “
arquitetu
ra seduto
ra” de n
ossa pró
priaépo
ca (sobr
e espaço
s de con
sumo, v
eja BOW
LBY,
1985, e
SHIELD
S, 1992;
veja tam
bém a in
teressan
tedisc
ussão em
ERÄSAA
RI, 1991
). Isso e
xigiria q
ue fôs-
semos a
lém dos
espaços
tutelare
s das es
colas, d
ostrib
unais, d
a visita d
os assist
entes so
ciais, da
cirur-
gia dos
médicos
, das en
fermaria
s dos ho
spitais p
si-quiá
tricos, d
a entrev
ista com
o direto
r de rec
ursos
humano
s. Exigi
ria que e
xaminás
semos t
ambém
apen
etração
do psi na
configu
ração da
casa, do
giná-
sio de es
portes, d
o consul
tório do
analista
, do gru
-po
terapêu
tico, da
sessão
de acon
selhame
nto, do
encontro
de acon
selhame
nto de c
asais, do
s progra
-mas
radiofô
nicos de
convers
a telefô
nica com
osouv
intes. A
lém diss
o, uma
topograf
ia dos c
enários
éticos pr
ecisaria
examin
ar os ar
ranjos e
spaciais
emat
eriais es
tabelecid
os pela c
ornucóp
ia de cu
rsos e
experiên
cias de t
reiname
nto que
buscam
instrum
en-taliz
ar uma n
ova con
cepção p
sicológi
ca das re
lações
humanas
. De pa
rticular
importâ
ncia aqu
i seria
aform
a pela qu
al a cole
ção de p
essoas n
o espaço
e notem
po tem
sido reco
nstruída
como gr
upos atr
aves-
sados po
r forças i
nconsci
entes de
projeçã
o e iden
ti-ficaç
ão, perm
itindo nã
o apenas
uma no
va dime
nsãopara
a explic
ação dos
problem
as coletiv
os, mas u
manov
a gama
de técni
cas – des
de grupo
s T até às
tera-
pias de g
rupo – pa
ra admin
istrá-los
terapeu
ticamen-
te. Um
a multi
plicidad
e de ce
nários t
em sido
193
inventad
a para a
interaçã
o terapê
utica co
m o suje
i-to h
umano,
uma gam
a de loca
is para cu
ra, refor
ma,cons
elho e or
ientação
tem sido
transfor
mada de
acor-
do com
o “efeito
psi”.
Sobre q
ue coisa
s há açã
o? Que l
inhas, fo
rças,
superfíci
es ou flu
xos de s
er huma
no são c
apturado
sness
as máqu
inas? De
sejos? S
im: sem
dúvida u
m dos
vetores
de nossa
relação
contem
porânea
conosco
mesmos
passa a
través d
os fluxo
s de pul
sões, fan
ta-sias,
repress
ões, pro
jeções, i
dentific
ações e d
os im-
pulsos d
e fala e
conduta
que são
estabel
ecidos n
ointe
rior des
sa ontol
ogia des
ejante. M
as, como
suge-
ri, seria s
ensato ev
itar cons
truir algu
ma metafí
sica do
desejo, o
u ao me
nos deix
ar esse p
rojeto p
ara noss
osfilós
ofos. Pa
ra o gen
ealogista
, o desejo
é apenas
umdos
vetores d
a maquin
ação psic
ológica c
ontempo
râ-nea
do ser h
umano,
de nosso
atual “e
feito psi”
. Po-
deríamo
s també
m quere
r enfatiz
ar os ve
tores qu
eflue
m em torn
o da sup
erficialid
ade do p
róprio “c
om-port
amento”
– as ped
agogias d
as habili
dades so
ciaise do
estilo-d
e-vida e t
odas as
tecnolog
ias comp
orta-
mentais
que ela
s fizeram
surgir.
Talvez i
gualmen
teimp
ortantes
no inte
rior das
novas o
brigaçõe
s éti-
cas de r
ealização
pessoal
seja a n
ova rela
ção do e
u-para
-com-o-e
u exemp
lificada
pela noç
ão de au
to-estim
a: “uma
inovaçã
o que t
ransform
a a rela
çãode s
i para c
onsigo
em uma
relação
que é g
overná-
vel” (C
RUIKS
HANK
, 1993),
no curs
o da qua
l toda
uma pro
cissão de
técnicas
psi tem
sido des
envolvi-
da – ind
uzindo u
m novo
vocabu
lário de
auto-res
-peit
o, exercíc
ios envo
lvendo a
narrativ
ização d
a vida
da pesso
a em um
a varied
ade de c
enários t
erapêuti
-cos,
pedagó
gicos ou
íntimo
s. Além
disso,
apesar
194
de não p
arecer im
plicar d
e forma
tão dir
eta uma
ontologi
a psi, pr
ecisamo
s exami
nar as t
écnicas
decom
posição
e adorno
da carn
e (estilo
s de and
ar,vest
ir, gestic
ulação,
expressã
o, a fac
e e o ol
har, os
pelos co
rporais e
os adorn
os) – to
da uma
maquina
-ção
do ser –
em term
os de um
a relação
entre, d
e umlado
, o exter
ior e o v
isível e, d
e outro,
o interio
r e oinvi
sível. Po
is també
m essa
relação,
ao long
o do
curso do
século X
X, tem
sido com
posta e c
aracteri-
zada por
meio d
as tecno
logias c
ulturais
da propa
-gan
da e do
marketi
ng que t
êm dese
nvolvid
o apara-
tos psi
para com
preende
r e agir
sobre a
s relaçõ
esentr
e pessoa
s e produ
tos em
termos d
e imagen
s doeu,
de seu m
undo in
terior e d
e seu es
tilo-de-v
ida.Cob
rindo to
das as su
as difere
nças, as
técnicas
con-
temporâ
neas de
subjetiv
ação ope
ram por
meio d
oagen
ciamento
, em tod
a uma va
riedade
de locais
, deuma
interm
inável h
ermenêu
tica e de
uma re
lação
subjetiv
a consig
o mesm
o: um c
onstante
e intens
oauto
-exame,
uma av
aliação
das exp
eriência
s pes-
soais, d
as emoç
ões e do
s sentime
ntos em
relação
aima
gens ps
icológic
as de re
alização
e autono
mia.
Em toda
s essas m
aquinaç
ões do s
er, em to
dos es-
ses hete
rogêneo
s agenci
amentos
, uma sé
rie de te
-mas
é recor
rente: e
scolha,
êxito, a
utodesco
berta,
auto-rea
lização.
Isto é, a
s prática
s contem
porâneas
de subje
tivação c
olocam
em jogo
um ser
que dev
eser a
nexado a
um pro
jeto de i
dentida
de e a um
proje-
to secul
ar de “e
stilo-de-
vida”, n
o qual a
vida e su
ascon
tingênci
as adqu
irem sen
tido na
medida
em que
possam
ser const
ruídas co
mo o pr
oduto d
a escolh
apess
oal. Ser
ia tolo a
firmar q
ue a psi
cologia
e seus
experts s
ão a ori
gem de
todas es
sas máq
uinas de
195
subjetiv
ação – t
rata-se,
antes, d
e uma qu
estão de
como os
agencia
mentos
de paixã
o e praz
er, de tra
-balh
o e con
sumo, d
e guerra
e esport
e, de es
tética e
teologia
, têm dad
o aos seu
s sujeito
s uma fo
rma psi-
cológica
. No livr
o do qua
l esse en
saio foi
extraído
(ROSE,
1996),
comecei
a mapea
r as for
mas pel
asqua
is os mo
dos psic
ológicos
de expli
cação, as
asser-
ções de
verdade
e os sist
emas de
autorid
ade têm
particip
ado na
elaboraç
ão de có
digos m
orais qu
eenfa
tizam um
ideal d
e autono
mia res
ponsáve
l, aomol
dar esse
s código
s em um
a certa d
ireção “
tera-
pêutica”
e ao al
iá-los co
m progr
amas pa
ra regu
laros i
ndivíduo
s em con
sonância
com as r
acionali
da-des
políticas
das dem
ocracias
liberais
avançada
s.EUS
QUE SE
DESFA
ZEMÉ p
ossível
sugerir,
como fiz
no livro
há pou
comen
cionado
(ROSE, 1
996), qu
e uma da
s caracte
rís-ticas
intriga
ntes e p
ossivelm
ente esp
erançosa
s denoss
a atual to
pografia
ética é a
heterog
eneidad
e doterr
itório m
apeado p
elas ma
quinaçõe
s do eu,
a va-
riedade
de atrib
utos da
pessoa q
ue elas i
dentific
amcom
o sendo
de imp
ortância
ética e a
s variad
as for-
mas de
calibrá-la
s e avaliá
-las que
elas pro
põem. É
importa
nte, entr
etanto, r
econhece
r simulta
neamente
que este
territór
io ético
não é u
m espaç
o livre: a
srela
ções das
pessoas
consigo
mesma
s são esta
biliza-
das em
agenciam
entos qu
e variam
de setor
para se
-tor,
operand
o via dife
rentes te
cnologia
s, depen
dendo
da identi
ficação d
a pessoa
– se ajus
tada ou
mal-aju
s-tada
, se hom
em ou m
ulher, se
rico ou
pobre, b
ran-co
ou neg
ro, emp
regado
ou de
sempre
gado,
196
operand
o sob di
ferentes
formas
de auto
ridade n
apris
ão e na
fábrica,
no supe
rmercad
o e no c
abelei-
reiro, no
s quarto
s de dor
mir da c
asa con
jugal e n
osbord
éis das z
onas de
prostitu
ição, no
s novos
terri-
tórios d
a exclus
ão e da
margina
lização q
ue emer
-gem
da frag
mentaçã
o do so
cial. M
as isso
nãosign
ifica dize
r que o e
feito psi
que esti
ve mapea
ndoestá
confina
do a um
a elite c
ultural.
Novos m
odos
de subje
tivação
produzem
novos m
odos de
exclu-
são e no
vas prát
icas par
a reform
ar as pe
ssoas qu
esão
assim exc
luídas: c
omo, po
r exemp
lo, no de
sen-volv
imento
das tecn
ologias
comport
amentai
s tão
amplam
ente util
izadas n
as prátic
as de re
forma qu
ebusc
am “dar
poder”
a seus su
jeitos e r
estaurá-
los ao
status de
cidadão
s dotado
s da cap
acidade
de livre
escolha (
BAISTOW
, 1995).
Os nov
os mode
los psi de
pessoali
dade e o
s regime
s éticos
aos qua
is eles es
tãoliga
dos não
têm qua
lquer ca
ráter po
lítico in
trínse-
co: eles
têm um
a versat
ilidade q
ue lhes
permitem
multipli
car, prol
iferar, se
r traduz
idos e ut
ilizados
sobform
as que n
ão são d
adas por
uma ló
gica inte
rna,seja
de ema
ncipação
, seja de
dominaç
ão.Ent
retanto,
embora
eu tives
se enfatiz
ado a he
te-roge
neidade
dos dob
ramento
s que ag
enciaram
nos-
sas rela
ções co
ntempor
âneas c
onosco
mesmos
,tam
bém ten
tei argum
entar qu
e elas op
eram de a
cor-do
com um
“diagra
ma” com
um, par
tilhado.
Por“dia
grama” re
firo-me à
quilo qu
e Deleuz
e e Guatt
aridesc
revem c
omo “m
áquinas
abstrata
s” – não
algo
que seja
a causa
ou orig
em de t
odas as
máquin
asreai
s que tem
os invest
igado, m
as como
sendo i
ma-nen
tes nelas
. Uma m
áquina
abstrata
é, neste
con-
texto, n
ada mai
s que um
diagram
a de coi
sas que
197
elas têm
em com
um, um
a espécie
de plano
irreal de
projeção
de todo
s os age
nciamen
tos e ma
quinaçõe
shete
rogêneo
s – da me
sma form
a pela qu
al, na an
álisede F
oucault
, a “disc
iplina” e
ra o nom
e de um
a espé-
cie de m
áquina a
bstrata q
ue era im
anente n
a prisão
,na e
scola, n
os quart
éis (MP
1, p. 83
; cf. FOU
CAULT,
1977).
Esse dia
grama, e
sse a pr
iori hist
órico, é
aposi
tividade
aberta p
or nosso
s regime
s contem
po-râne
os de su
bjetivaç
ão, uma
positivi
dade tra
zida à
existênc
ia pelo
saber e
pelas pr
áticas da
s ciência
shum
anas, est
abelecen
do para
elas, ao
mesmo
tem-
po, o pr
óprio im
pério qu
e elas iri
am map
ear, colo
-niza
r, povoar
e conect
ar pelas
redes d
e pensam
entoe aç
ões. Se
podemo
s parafra
sear Mi
chel Fou
cault,
isso “di
agrama”
um ser
que, do
interior
dos disc
ur-sos
que o r
odeiam
e das p
ráticas p
elas qua
is ele é
agenciad
o/monta
do, é ca
pacitado
a saber,
ou obri
-gad
o a sabe
r, aquilo
que está
em sua
positivi
dade –
um ser q
ue pensa
a si mes
mo tant
o como
livre qua
n-to c
omo det
erminad
o pelas p
ositivid
ades esse
nciais
a si mes
mo, qu
e delimi
ta a po
ssibilida
de de su
asprát
icas de
liberdad
e no me
smo mo
mento e
m que
concede
a essas
positivi
dades o
status
de verda
de(cf.
FOUCAU
LT, 1985
b).Esse
ser psic
ológico
está ago
ra coloc
ado na
ori-gem
de toda
s as ativ
idades d
e amar, d
esejar, f
alar,trab
alhar, ad
oecer e m
orrer: a
interior
idade qu
e temsido
dada ao
s human
os por to
dos esse
s projeto
s que
buscam
conhecê
-los e ag
ir sobre
eles a fim
de dizer-
lhes sua
verdade
e tornar p
ossível se
u aperfei
çoamento
e sua fel
icidade. É
esse ser,
cuja inv
enção é t
ão recen
-te, e
mbora tã
o funda
mental à
nossa ex
periênci
a con-
temporâ
nea, que
buscam
os hoje g
overnar
sob o id
eal
198
regulativ
o da libe
rdade – u
m ideal q
ue impõe
tantas
cargas, a
nsiedad
es e div
isões ao
mesmo
tempo q
ueinsp
ira proje
tos de em
ancipaçã
o e no no
me do q
ualviem
os a aut
orizar ta
ntas aut
oridades
para no
s aju-
dar no p
rojeto d
e sermo
s livres d
e qualqu
er autor
i-dad
e menos
a nossa p
rópria. E
mbora n
ão esteja
mos,
sem dúv
ida, nem
na auro
ra de um
a nova e
ra nem
no crepú
sculo de
um tem
po passa
do, pod
emos, ta
l-vez,
começar
a disce
rnir o r
achar de
sse espa
ço de
interior
idade qu
e foi um
a vez seg
uro, o d
esconect
arde a
lgumas d
as linha
s que fo
rmaram
esse diag
rama,
a possib
ilidade d
e que, m
esmo qu
e não po
ssamos
desinven
tar a nós
mesmo
s, possam
os ao m
enos re-
forçar a
questio
nabilida
de das fo
rmas de
ser que
têmsido
inventa
das para
nós e co
meçar a
inventar
a nós
mesmos
de form
a difere
nte.NO
TAS1 Tra
duzi self
por “eu
”, consci
ente da i
mprecis
ão dessa
tradu-
ção, um
a vez qu
e “eu” n
ão tem
a mesm
a conota
ção de
“reflexiv
idade” d
e self (N
. do T.).
2 As refe
rências a
o livro M
il platôs
, de De
leuze e
Guattari
,serã
o abrevi
adas por
MP, seg
uido do
número
do corre
s-pon
dente v
olume da
edição
brasileir
a (N. do
T.).3 No
original
assembl
age, “o a
to ou ef
eito (res
ultado)
de reu-
nir dife
rentes p
artes pa
ra forma
r um nov
o objeto
”, como
na monta
gem de u
ma máq
uina ou
de um c
arro, po
r exem-
plo. Tem
sentido
similar
à palavr
a france
sa agenc
ement,
amplam
ente util
izada po
r Deleuz
e e Guatt
ari, em
Mil pla-
tôs, e qu
e os trad
utores b
rasileiro
s decidi
ram trad
uzir pel
oneo
logismo
(em po
rtuguês)
“agenci
amento”
. O tra
du-tor
de Mil pl
atôs par
a o ingl
ês, por s
ua vez,
decidiu
tra-duz
iragence
ment pr
ecisame
nte por
assemb
lage. As
sim,
assembl
age será
traduzid
a, aqui, p
or “agen
ciamento
”, nes-
se senti
do de m
ontagem
, arranja
mento,
combina
ção. O
199
verboto
assembl
e, por su
a vez, se
rá tradu
zido, co
rrespon
-den
te, por “
agenciar
” ou, em
alguns
casos,
por “m
on-tar”
, “reunir
” ou “co
mbinar”
, nas su
as difere
ntes for
masverb
ais. Ten
ha-se em
mente,
entreta
nto, sua
associa
çãoaas
semblag
e (= age
nciamen
to=mon
tagem) (
N. do T.
).4 Ao
desenvo
lver o a
rgumento
deste e
nsaio e,
em par
ticular,
ao utiliz
ar o trab
alho de
Deleuze
e Guatt
ari, ben
eficiei-m
eeno
rmemen
te da lei
tura da
extensa
meditaçã
o de Eliz
abeth
Grosz s
obre a a
nalítica d
o corpo
(1994).
Embora
me en-
contre e
m desac
ordo com
algumas
de suas
conclus
ões, me
upen
samento
deve m
uito a su
as esclare
cedoras d
iscussõe
s. Otrab
alho de
Deleuze
e Guatt
ari tem
sido tam
bém util
izado
em uma
varieda
de de es
tudos qu
e eu não
pude le
var em
conta aq
ui. Qualq
uer pess
oa que e
steja fam
iliarizad
a com o
trabalho
de Dele
uze reco
nhecerá
imediat
amente
que eu
re-solv
i compree
nder de
maneir
a diferen
te algun
s de seu
s con-
ceitos e
evitar m
uitos ou
tros; po
r exemp
lo, o leit
or não
encontra
rá aqui q
ualquer
“corpo s
em órgã
os” nem
uma re-
dução em
piricista
da probl
emática
do desejo
.5 De
vo enfat
izar outr
a vez, aq
ui, como
fiz em o
utras pa
rtes do
livro do q
ual este e
nsaio fo
i extraíd
o (ROSE
, 1996),
que afir-
mar que
a subjet
ividade
é tecnoló
gica não
significa
alinhar-
secom
as vigor
osas crít
icas sobr
e os efei
tos malign
os da or
demtecn
ológica s
obre a su
bjetivid
ade mai
s estreita
mente as
socia-
das com
os escr
itores da
Escola
de Frank
furt. A t
ecnologi
anão
esmaga
a subjet
ividade
– ela pro
duz a po
ssibilidad
e deque
os huma
nos se re
lacionem
consigo
mesmo
s como
sujei-
tos de c
erto tipo
, bem c
omo as
possibili
dades de
que eles
resistam
ou recu
sem cert
os regim
es de su
bjetivaç
ão.6 Qu
ando es
tava con
cluindo
este ens
aio, tom
ei conhe
cimen-
to da co
letânea d
e Consta
ntin Bou
ndas e D
orothea
Olko-
wski (1
994) so
bre Del
euze, te
ndo-me
benefic
iado, em
particul
ar, do ca
pítulo e
scrito po
r Bound
as (1994
).7 Le
mbro-m
e, aqui, e
m partic
ular, das
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elas qua
is Don-
na Haraw
ay liga o
empree
ndimento
da prima
tologia c
om a
escrita d
a ficção
científic
a, e com
o essa ú
ltima im
agina ou
-tras
formas d
e relaçõ
es entre
as criat
uras (19
89, espe
cial-men
te capítu
lo 16).
8 A refe
rência à
retórica
, aqui, d
everia in
dicar qu
e tampou
codeve
mos col
ocar a fa
la no la
do da na
tureza.
9 Benefi
ciei-me
aqui da
leitura
de um c
apítulo
do estud
o, a
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mente p
ublicado
, de Cel
ia Lury,
sobre a
memória
e a iden
tidade.
Gostaria
de agrad
ecê-la po
r ter-me
permiti
-do c
onsultá-l
o em sua
forma
de rascu
nho.
10 Veja D
eleuze e
Guatta
ri (1994
) para a
lgumas o
bservaçõ
essuge
stivas so
bre o “c
arnalism
o”.11 O
bviamen
te, muito
s dos es
critores
que enf
atizam a
im-port
ância de
“o corp
o” tamb
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am reco
nhecer
isso:
isto é, a
quilo qu
e parece
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plicado
na afirm
ação de
Braidott
i, de que
“o corpo
” “não d
eve ser e
ntendido
nemcom
o uma ca
tegoria b
iológica
nem com
o uma ca
tegoria
sociológ
ica, mas
, em vez
disso, co
mo um
ponto d
e inter-
secção e
ntre o f
ísico, o
simbólic
o e as c
ondiçõe
s sociais
materia
is” (198
4b, p. 1
61).
12 Bordo
cita a p
artir de
um artig
o intitul
ado “Ex
ercises fo
rMen
”, por W
illiamet
te Bridg
e Libera
tion Ne
ws Servi
ce,em
The Rad
ical The
rapist, d
ezembro-
janeiro,
171.
13 Adapt
ei a ling
uagem d
e Deleuz
e para q
ue servis
se aos me
uspróp
rios obje
tivos. A
divisão
quádrup
la de Fou
cault – q
uepod
e, sem d
úvida, se
r remonta
da a Ari
stóteles
– é form
adapor
ontologi
a, ascétic
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logia e t
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ou-caul
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