novas luzes sobre a hipertensão

56

Upload: pesquisa-fapesp

Post on 08-Apr-2016

229 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Pesquisa FAPESP - Ed. 47

TRANSCRIPT

Page 1: Novas luzes sobre a hipertensão
Page 2: Novas luzes sobre a hipertensão
Page 3: Novas luzes sobre a hipertensão

Inovação Tecnológica

8 Seminário na Fiesp e exposição de novos trabalhos atestam a maturidade dos programas de inovação tecnológica da FAPESP, que beneficiam 130 empresas

18 Os pesquisadores do Programa Genoma Humano do Câncer avançam em ritmo acelerado: 45 mil seqüências genéticas já estão identificadas

26 Um grupo de pesquisadores paulistas avança

na determinação das bases genéticas da hipertensão arterial, que abrem caminho para métodos

de prevenção e terapias mais eficientes no futuro­até mesmo com métodos mais apropriados para

resolver os problemas de cada paciente

EDITORIAL 5 MEMORIAS 6 OPINIÃO 7

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8

CIÊNCIA 18 TECNOLOGIA 36 HUMANIDADES 40 LIVROS 44 LANÇAMENTOS 45 HUMOR 46

32 Há quantidades elevadas de mercúrio na bacia do Rio Negro, na Amazônia. Mas, como se descobriu, é um fenômeno natural, sem relação com o ganmpo

36 Unicamp e Rhodia desenvolvem software que substitui programas estrangeiros e de tecnologia fechada para controle de processos químicos industriais

~-~~rn~~~La .. ~

40 Estudo da cerâmica dos índios Asuriní e da cestaria dos Kayapó-Xikrin revela os valores simbólicos da comunidade e leva a novos modelos na pesquisa arqueológica

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 3

;;;

Page 4: Novas luzes sobre a hipertensão

PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO Ã PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

PRESIDENTE

DR. MOHAMED KHEDER ZEYN VICE-PRESIDENTE

PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLOREST STEMPFER

PROF. DR. ANTÓNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES

DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÃVIO FAVA DE MORAES

PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE A. ARRUDA PROF. DR. MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO

PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO PROF. DR. RUY LAURENTI

CONSELHO TÉCNICO-ADMIN ISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO

EQUIPE RESPONSÁVEL

CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA

EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIAS) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)

MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)

DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA MOISÉS DORADO

TÂNIA MARIA DOS SANTOS

COLABORADORES ANA MARIA FlORI MARCOS PIVETTA MAURO BELLESA

MÓNICA TEIXEIRA RODRIGO ARCO E FLEXA

SÍLVIA DE SOUZA ULISSES CAPOZOLI

ENCARTE ESPECIAL EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTÍFICO

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES

FA PESP RUA PIO XI, NO. 1500,CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL (O - li) 838-4000 - FAX: (O - li) 838-4117

ESTE INFORMATIVO ESTÁ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:

hnpJ/www.fapesp.br e-mail: [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

ECONÓMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 · OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

CARTAS

Laranja

No Notícias FAPESP No 45 v1 uma reportagem sobre pesquisas re­ferentes a variedades de laranja co­ordenadas pelo Prof. Luiz Carlos Do­nadio, da Unesp-Jaboticabal. Gostaria de entrar em contato com este pes­quisador, para troca de informações sobre o estudo de frutas cítricas.

PROFA. DRA. JANETE H. Y. VILEGAS Instituto de Química de São Carlos/USP

São Carlos, SP

O e-mail do Prof Luiz Carlos Do­nadio é: nlynnefcav.unesp.br. O tele­fone é (0-16) 323-2500, ramal231.

A revista

Sou aluno do último ano do cur­so de engenharia mecânica da Uni­versidade Federal de Uberlândia e pesquisador de iniciação científica em biomecânica. Tive a feliz oportu­nidade de receber de presente de um colega de pesquisa o exemplar N° 43 do Notícias FAPESP. Como pesqui­sador me senti laureado e motivado a continuar meus trabalhos de pes­quisa rumo a um mestrado com maior dedicação e conhecimento. Um parabéns pela revista, do Con­selho Superior aos colaboradores.

DUANE QUIREZA MURADAS Araguari, MG

Gostaríamos de receber o infor­mativo Notícias FAPESP. Somos o co­legiado de medicina veterinária da Uni­versidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, na Bahia.

SONIA NERES Ilhéus, BA

Estava em Gramado, RS, por oca­sião do Congresso Nacional de Ge­nética (3 a 6 de outubro), onde tive

a oportunidade de conhecer a revis­ta Notícias FAPESP, que estava sen­do distribuída aos congressistas, no Hotel Serrano. Adorei o encarte es­pecial da edição de julho/1999 sobre o Genoma Humano. Sou estudante de graduação da Faculdade de Ciên­cias Biológicas da Universidade Fe­deral de Pelotas.

KARINA AZAMBUJA CARBONA RI Pelotas, RS

Sou aluno de mestrado do curso de Genética e Melhoramento de Plan­tas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), USP, e tra­balho com cultura de tecido em ma­racujá. Estive no 45° Congresso Nacio­nal de Genética, em Gramado, RS, e visitei o estande da FAPESP. Gostaria de ser incluído na lista de assinantes da revista Notícias FAPESP.

HEIKO ROSSMANN Piracicaba, SP

Considerando a já consolidada im­portância da FAPESP, também, para as empresas residentes no Cietec e a crescente interação que se está bus­cando estabelecer entre nossas enti­dades, consideramos imprescindível que nós _e todos os empreendedores que estão instalados no Cietec acom­panhem o "dia-a-dia" da FAPESP. Em função disso, gostaríamos de receber a publicação Notícias FAPESP.

St.RGIO WIGBERTO RI SOLA Gerente do Cietec, São Paulo, SP

Moradores de rua

Gostaria de parabenizar a revista pela reportagem sobre moradores de rua do Japão. Ao mesmo tempo, acres­cento que realizei estudos sobre o mes­mo assunto.

ELAINE PEDREIRA RABINOVICH São Paulo, SP

Page 5: Novas luzes sobre a hipertensão

EDITORIAL

O nascimento de uma revista

Informativo alcança a maturidade e transforma-se

Notícias FAPESP transforma-se, a partir desta edição, na revista Pesquisa FAPESP. O fato marca, primeiro, um novo e im­

portante passo na relação que esta Fundação vem se empenhando em construir com a opinião pú­blica paulista- relação de respeito e de reconheci­mento a seu direito de ser informada sobre o des­tino dos recursos públicos investidos em ciência e tecnologia neste Estado; ao direito de ser também informada sobre o significado das pesquisas financiadas pela FAPESP para a construção do conhecimen-to, a melhoria da qualidade de vida

contribuir para aprofundar seu caráter referencial - e, em conseqüência, estimular a concessão de mais espaço ou tempo da mídia nacional à produ­ção científica brasileira.

A par desse papel, acreditamos que Pesquisa FAPESPterá significado especial para a comunida­de científica nacional. Os pedidos de pesquisadores dos quatro cantos do país para receber o informa­tivo de que ela se origina registraram crescimento

notável nos últimos meses, e descon­fiamos que, com a revista, a tendên­cia deve crescer. Assim, se cerca de 15 mil pesquisadores paulistas cons-

das pessoas, o aprimoramento da so­ciedade ou o desenvolvimento eco­nômico deste país. Sim, a pesquisa científica e tecnológica tem em seu horizonte esses múltiplos alvos.

"Esperamos

estimular

tituíam o público predominante dos 22 mil exemplares do Notícias FAPESP, essa proporção logo po­derá estar superada.

a mídia a Isso, contudo, não esgota nossas expectativas quanto ao papel da re­vista na divulgação científica: esta­mos confiantes de que ela atenderá a necessidades de informação espe­cializada, mas em linguagem clara, de empresários, executivos, profes-

O surgimento da revista assina­la, também, uma possibilidade de apresentação sistemática da pesqui­sa feita em São Paulo a todo o país, ampliando os canais de diálogo in­ter-regional e entre instituições, que podem representar contribuição

conceder mais

espaço à ciência

brasileira"

importante ao desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Desse diálogo faz parte, naturalmen-te, a abertura gradativa da revista a informações sobre a pesquisa feita em outros Estados, com ob­jetivos similares ou complementares aos de proje­tas desenvolvidos em São Paulo.

Entendemos que Pesquisa FAPESP tem um vasto potencial para aproximar mais o mundo da pesquisa da opinião pública paulista, e mesmo nacional, porque está vocacionada para ser uma publicação de referência para a mídia. Há meses, a repercussão crescente do material publicado pelo Notícias FAPESP mostrava que aos poucos ele se transformara em fonte privilegiada de pau­tas, de consultas e de matérias para as editarias de ciência de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV e agências de notícias com sede em São Paulo. O avanço que agora apresentamos em seu projeto editorial, conferindo-lhe uma dimensão inques­tionável de revista de divulgação científica, deve

5 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

. sares, estudantes e profissionais libe­rais de todo o país, de quem também vínhamos recebendo cada vez mais pedidos de inclusão em nossa mala.

Um comentário final: para a equipe de profis­sionais que transformou o modesto boletim de qua­tro páginas e mil exemplares, lançado em agosto de 1995, nesta nova revista de 46 páginas e mais um encarte especial, este é um momento de alegria. Essa equipe confia que está veiculando material jornalístico diversificado e relevante sobre a pro­dução científica e tecnológica paulista, elaborado com rigor profissional, dentro de um projeto grá­fico sóbrio e elegante, desenvolvido por Hélio de Almeida, um dos artistas gráficos reconhecida­mente mais talentosos de São Paulo- daí, por que não?, um certo orgulho profissional. Temperado pela certeza de que há muito ainda por fazer para o aperfeiçoamento desta revista, nova, mas enrai­zada no boletim que a originou. Por isso, com um nome novo - de revista mesmo e não mais de house organ- ela é número 47, e não número 1.

Page 6: Novas luzes sobre a hipertensão

A criação dileta de um governante de visão

Uma imagem inaugural: o governador Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (centro) sanciona, no dia 18 de outubro de 1960, no Salão Vermelho do Palácio dos Campos Elíseos, a lei número 5.918, instituindo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). À sua direita, o secretário da Saúde, Fauze Arape, e à sua esquerda, o advogado Hélio Pereira Bicudo, que secretariou os trabalhos da comissão responsável pela elaboração da lei. Por trás dessa imagem publicada no jornal paulista A Gazeta, danificada pelo tempo . e por condições inadequadas de conservação, mas cujo valor histórico justifica ainda assim sua reprodução nesta seção de Memórias, há uma longa história de luta. Tratava-se de uma luta, liderada por homens com mais visão de futuro, para convencer grande parte de uma elite provinciana e indiferente, senão um tanto avessa à investigação científica, de que o investimento nessa área era vital para o desenvolvimento da sociedade. Adiante dessa imagem, mais que simplesmente a criação de uma agência pública de financiamento à pesquisa, encontra-se a construção de um sólido sistema de produção de ciência e tecnologia no Estado de São Paulo, de que essa agência- a FAPESP-é uma das pedras angulares.

6 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

MEMÓRIAS

No início, essencialmente didático, atendia à formação prática dos futuros engenheiros da Politécnica. Mas em 1926, tr'\nsformado em Laboratório de Ensaios de Materiais

Carvalho Pinto sanciona lei que cria a FAPESP (o nome atual surgiu em 1934),

E isso justifica, sem dúvida, a declaração temperada de modéstia do governador Carvalho Pinto, anos depois desse registro fotográfico: "Se me fosse dado destacar alguma das realizações da minha despretensiosa vida pública, não hesitaria em eleger a FAPESP como uma das mais significativas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país".

O filho independente da Escola Politécnica

Há 100 anos, a partir do Gabinete de Resistência de Materiais, um discreto galpão anexo à Escola Politécnica, então no bairro do Bom Retiro, constituía -se o Instituto de Pesquisas Tecnológicas

mostrou que havia nascido mesmo para servir às indústrias, sobretudo à de construção civil, na época em ritmo febril com a construção dos primeiros arranha-céus da cidade. A história prossegue: a mudança para a Cidade Universitária, a construção de aviões, o apoio à construção de hidrelétricas, os projetos para siderúrgicas e, recentemente, a biotecnologia. Em renovação contínua, o centenário IPT atualiza os laboratórios, redefine as formas de atuação e implanta novas estratégias de parcerias com as indústrias, mantendo a razão de sua existência em seu próximo século.

do Estado de São Paulo, o IPT, que se tornaria um respeitado centro de projetos e de ensaios voltados às necessidades da indústria. Primeiros tempos: o interior do Gabinete de Materiais

Page 7: Novas luzes sobre a hipertensão

OPINIÃO

Luís NASSIF

O jornalismo científico É hora de formar profissionais com ampla visão

A existência de uma economia fechada e a ausência de uma lei de patentes atrasa­ram enormemente o desenvolvimento

tecnológico brasileiro. Do lado da demanda, as empresas brasileiras preferiam adquirir ou sim­plesmente copiar tecnologias estrangeiras. As multinacionais traziam seus pacotes, sem a pre­ocupação de desenvolvimento interno.

Do lado da oferta, grande parte das verbas se destinava à pesquisa pura, ao com-promisso de se publicar um paper no exterior- que muito provavel-mente seria aproveitado por pes-

das têm que participar decididamente do co-fi­nanciamento dessas pesquisas, especialmente quando foram desenvolvidas sob medida para a empresa.

Nesse contexto, a imprensa especializada passa a ter papel fundamental. E não apenas para divul­gar de forma fantástica os avanços da ciência mun­dial, como em muitos programas de televisão. O grande desafio consiste em começar a trabalhar a

questão da ciência profissional e me­todicamente, identificando neces­sidades do lado empresarial, avan­ços do lado acadêmico, colocando ambos em contato. quisadores de outros países para a

produção de patentes. "O desafio Durante muitos anos, tinham acesso à imprensa apenas os cha­mados cientistas de papel- especia­lizados em declarações superficiais, mas que rendiam manchete, e pouco reputados no seu ofício. O bom jornalismo científico passa pela capacidade do jornalista em

Um país pobre, de parcos re­cursos, financiava pesquisas gené­ricas, que eram depositadas gratui­tamente nas prateleiras da grande despensa da ciência mundial. De­pois, americanos, coreanos, japone­ses, ingleses e outros, com mais es­pírito pragmático, se apossavam dos ingredientes, transformando-os em patentes e em instrumentos de de-

é trabalhar

a questão

da ciência

profissional e

metodicamente" . separar a perfumaria do substanti-

senvolvimento de seus países. Aos cientistas brasileiros, os louros; aos de outros países, os resultados.

Hoje o quadro é totalmente diferente. Com a abertura da economia, as empresas nacionais passaram a competir com as estrangeiras de quem copiavam ou compravam a tecnologia. Essa des­vantagem tornou claro para todos a importância do desenvolvimento tecnológico autônomo.

Ao mesmo tempo, o meio acadêmico passou por profundo processo de discussões internas, sobre os objetivos da pesquisa acadêmica. Aca­bou sendo vitoriosa a tese de que a maior parte das pesquisas - especialmente as financiadas com recursos públicos - tem que gerar resulta­dos concretos para o país, na forma de patentes, tecnologia e produtos, aumentando a competi­tividade da economia, a capacidade de gerar emprego e bem-estar social. E as empresas priva-

7 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

vo, em identificar e divulgar as pes­quisas pioneiras, especialmente aquelas que possam interessar ao setor privado. Passa por ajudar a quebrar as barreiras que dificultam

a produção de tecnologia, por abrir a couraça das resistências empresariais aos investimentos tec­nológicos. E, finalmente, por ajudar na implanta­ção de uma verdadeira cultura tecnológica no país, convencendo os governantes da importân­cia a ser conferida ao setor.

Aos candidatos às bolsas de jornalismo cientí­fico da FAPESP, exige-se não apenas o conheci­mento acadêmico e científico, mas a capacidade de entender a economia, o universo interno das empresas, e de identificar, nas pesquisas acadêmi­cas, aquelas capazes de se transformar em paten­tes e produtos.

Luis N ASSIF - é jornalista.

Page 8: Novas luzes sobre a hipertensão

Secretário José Aníbal entre Perez e Landi e com Os ires Silva (dir.), na Fiesp.Ao lado, pôsteres dos programas

INOVAÇÃO

Os novos rumos da pesquisa tecnológica

130 empresas recebem financiamento para projetas inovadores

Inovação Tecnológica (PITE) e Ino­vação Tecnológica em Pequenas Em­presas (PIPE) já beneficiam 130 empresas que mantêm projetos de pesquisa com financiamento da FAPESP. A exposição dos resultados desses dois programas - o primeiro criado em 1995 e o outro, em 1997-

do evento, estiveram presentes o se­cretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres Pontes, o diretor de Ciência e Tecnologia da Fiesp, Osires Silva, o presidente do Conselho Técnico-Ad­ministrativo da FAPESP, o professor Francisco Romeu Landi, e o diretor Aconsolidação de dois progra­

mas de inovação tecnológica da FAPESP está reunindo pesquisa­dores e empresários em trabalhos conjuntos e estimulando a prática de pesquisa nas pequenas empresas do Estado de São Paulo. Elaborados para se transformarem em mecanismos efetivos de transferência tecnológica e desenvolvimento de produtos e sis­temas, os programas Parceria para

foi apresentada pelo pro­fessor José Fernando Pe­rez, diretor científico da Fundação, no seminário A FAPESP e a Inovação Tec­nológica, no dia 27 de ou­tubro, no salão nobre da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ). Na mesa diretora

Inovação Tecnológica

do Departamento de Mi­cro e Pequena Indústria da Fiesp, Ermano Marchetti Moraes. Eles falaram para um auditório lotado por pesquisadores e empresá­rios. Os temas convergiram, principalmente, sobre a im­portância do desenvolvi­mento tecnológico nas em-

8 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Page 9: Novas luzes sobre a hipertensão

presas para tornar mais competitivos os produtos brasileiros nos mercados interno e externo. No seminário tam­bém foram apresentados cinco pai­néis, todos com temas do PITE, e ex­postos 54 pôsteres de pesquisas dos dois programas.

Os trabalhos conjuntos entre pes­quisadores e empresários já resulta­ram, por exemplo, na síntese de um novo pigmento - eficiente e barato -para a indústria de tintas, um novo teste de detecção da cisticercose -uma doença que pode ser fatal - e um software de revisão gramatical para a língua portuguesa. São pes­quisas em que a FAPESP financia de 20% a 70% do projeto, no âmbito do PITE, sempre com a contrapartida da empresa. Quanto maior o risco do projeto, maior é a par­te da FAPESP. "Porém, nos 46 pro­jetas de parceria, 60% dos custos são da empresa e 40% da FAPESP", informa o professor Perez.

Fator essencial: Para as pequenas empresas, o incentivo financeiro é to­tal na fase de pesquisa e desenvolvi­mento do produto. "Estamos dando condições financeiras para que as em­presas façam projetas de inovação tec­nológica, um fato r essencial para o de­senvolvimento de qualquer país': afirma Francisco Antônio Bezerra Coutinho, coordenador-adjunto da área de ciên­cias exatas da FAPESP. "Hoje, o ritmo de inovação tecnológica no mundo é tão acelerado que o Brasil precisa ter capacidade equivalente aos países de­senvolvidos para poder exportar de for­ma competitiva", afirma o empresário José Mindlin, ex-conselheiro da Fun­dação. "Quem não tiver capacidade de inovar fica marginalizado."

A contribuição e o compromisso da FAPESP com o PITE e o PIPE é justamente promover o desenvolvi­mento tecnológico das empresas -com a integração ao meio acadêmico - como forma de enfrentar os efeitos competitivos da globalização e a ne­cessidade de modernização do par­que industrial brasileiro. "Iniciamos o programa de parceria, em 1995,

também para romper uma tradição de incompatibilidade de trabalho en­tre as universidades e o meio empre­sarial, detentores de uma relação dis­tante e cheia de preconceitos", afirma Perez. "Hoje, a união entre universi­dade e empresa está acontecendo em maior amplitude e o meio acadêmico se deu conta de que o esforço tecno­lógico não é um mau comportamen­to para quem pensa em ciência bási­ca", comenta Mindlin.

"A participação explícita de agen­ciamento da FAPESP não é apenas

Revisor foi elaborado por equipe multidisciplinar

>' ô u o ~ "' z §

de consulto ria, mas um esforço de pes­quisa que gera transferência de co­nhecimento para as empresas e enri­quece o ambiente acadêmico", analisa Perez. Ele cita o exemplo da parceria entre o Instituto de Química da Uni­versidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a empresa Serrana de Mineração que desenvolveu um novo pigmento para a indústria de tintas, obtido a partir do fosfato de alumí­nio. Testado e aprovado pelos fabri­cantes, em experimentos piloto, o novo pigmento deve ser produzido pela Serrana a partir do próximo ano.

Círculo virtuoso: Se as indústrias adotarem esse produto como maté-

ria-prima, o Brasil pode economizar mais de US$ 80 milhões, por ano, na importação de óxido de titânio utili­zado, atualmente, na obtenção de tintas de cor branca. A patente é de propriedade da Unicamp, que está re­cebendo R$ 90 mil por ano pela ces­são de licença de uso para a Serrana. Para esse projeto de pesquisa deno­minado Novos pigmentos inorgânicos e híbridos à base de fosfatos, a FAPESP disponibilizou R$ 133 mil enquanto a Serrana investiu R$ 150 mil. "Nesse caso, como em outros, criou-se um círculo virtuoso, onde os pesquisado­res desenvolveram um projeto, trans­feriram conhecimento e a instituição gerou um produto e informação cien­tífica", analisa Perez.

Outro aspecto destacado nesses programas é o caráter multidisci­

plinar de vários projetas. É o caso da elaboração e im­

plementação de um revisor gramatical automático para o português, coor­denado pela pro­fessora Maria das Graças Volpe Nu­

nes, do departa­mento de Ciências da

Computação e Estatística . do Instituto de Física da Universida­de de São Paulo (USP) de São Carlos em convênio com a Itautec-Philco. Participaram pesquisadores da Facul­dade de Letras da Universidade Esta­dual Paulista (Unesp) de Araraquara, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos e do Instituto de Informática da Uni­camp. O software produzido e comer­cializado pela Itautec teve seus direi­tos adquiridos pela Microsoft que o incorporou ao programa Office 2000. Na caixa do produto está a ins­crição de crédito de financiamento da FAPESP.

O programa de Parceria para Ino­vação Tecnológica também expande­se para a área agrícola. O projeto Avaliação agronômica e industrial de variedades cítricas, recém-finalizado, definiu características e ampliou as possibilidades de uso de variedades

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 9

Page 10: Novas luzes sobre a hipertensão

de laranjas para a indústria de suco. O projeto foi coordenado pelo pro­fessor Luiz Carlos Donadio, da Facul­dade de Ciências Agrárias e Veteriná­rias de Jaboticabal, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), que traba­lhou em conjunto com técnicos da empresa Montecitrus Trading.

Campo da saúde: As parcerias de em­presas e instituições acadêmicas tam­bém desenvolveram-se no setor da saúde com a elaboração de um teste

eficaz, simples e barato para detecção da cisticercose, uma doença provoca­da pela larva do parasita Taenia soli­um e transmitida por intermédio da carne de porcos criados em más con­dições de higiene. Para se detectar a forma mais severa da doença, a neu­rocisticercose, são necessários kits de testes caros e importados ou exames de tomografia. O novo teste foi de­senvolvido por um grupo de pesqui­sadores da Faculdade de Ciências Far­macêuticas da USP, coordenado pela professora Adelaide José Vaz, junta­mente com o laboratório Biolab-Mé­rieux. O teste, do tipo Elisa, está em processo de padronização e formata-

I O · OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

ção dos kits na empresa, para uso co­mercial. Até o final do próximo ano, o produto deve estar no mercado.

Para Perez, a eficiência dos pro­gramas de parceria depende do inte­resse da empresa que tem, na univer­sidade, a oportunidade de suprir a sua demanda de pesquisa tecnológi­ca. "Porém, cada vez mais, é preciso estimular a presença de pesquisado­res dentro das empresas", lembra. "Isso serviria para aumentar a com­petitividade e a eficiência do empre-

A detecção da cisticercose ficará mais fácil com o teste elaborado na USP

sário brasileiro, agregando tecnologia ao produto." A falta dessa preocupa­ção por parte das empresas instaladas no Brasil reflete-se na produção de patentes. "A Coréia do Sul, por exem­plo, registrou 2.773 patentes, entre 1996 e 1997, nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo, o Canadá, 2.627, e Taiwan, 1.688, enquanto o Brasil, apenas 68. Desse total, 56 foram da Petrobras", relata o professor Landi. "Patente é, principalmente, um resultado de pesquisa realizada em ambiente em­presarial", afirma o professor Perez.

Ser competitivo: Para Celso Antonio Barbosa, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvi­mento das Empresas Industriais (An-

pei), a patente é uma ferramenta de competição poderosa. "Ela traz a li­derança da empresa no seu setor até que os concorrentes consigam resul­tados semelhantes': afirma Barbosa, que é gerente de tecnologia da Villa­res. Ele acredita que cresce nas em­presas a preocupação pelo desenvol­vimento tecnológico. "Depois dos efeitos da abertura às exportações, no início dos anos 90, e o posterior pro­cesso de ajuste interno nas empresas com foco na diminuição de custos,

hoje, desperta-se para a inovação tec­nológica como forma de desenvolver produtos e ser competitivo", analisa.

"Há muitas formas de estimular a capacitação tecnológica das empre­sas, e nisso os programas da FAPESP são muito importantes, mas também devia-se estimular estágios de em­presários nas universidades e de pro­fessores nas empresas, o que resulta­ria num banco de idéias mais amplo. Outra forma de incentivo seria o es­tímulo às empresas estrangeiras para fazerem pesquisas no Brasil, dando a elas, por exemplo, preferência nas concorrências': comenta Mindlin.

A Anpei estima que cerca de 400 empresas instaladas no Brasil têm la­boratórios ou centros de pesquisas. "O perfil dessas empresas é de médio

Page 11: Novas luzes sobre a hipertensão

e, principalmt:nte, grande porte, po­rém, as pequenas têm tido um cresci­mento incrível nos últimos anos': analisa Barbosa. Certamente, tem con­tribuído para essa performance o mais recente programa de inovação tecno­lógica da FAPESP, o PIPE, voltado pa­ra as empresas industriais de pequeno porte, aquelas com até 100 funcioná­rios. Esse segmento tem aproxima­damente 116 mil empresas apenas no Estado de São Paulo, segundo dados da Fundação Seade. Cada vez mais, elas contribuem para o de­senvolvimento social e eco­nômico, gerando empregos e impostos. Porém, necessi­tam também incorporar tecnologia para criar novos produtos ou inovar os já existentes.

Maior ousadia: Ao contrá­rio do PITE, onde as pesqui­sas são realizadas em maior parte nos laboratórios das universidades ou institutos de pesquisa, o PIPE leva a pesquisa para dentro da pequena empresa, desde que ela tenha um pesqui­sador, que pode ser o pró­prio dono do empreendi­mento. "Esse programa foi

Também no campo da saúde, ou­tro experimento resultou na síntese em laboratório de um hormônio de crescimento para crianças com difi­culdade de desenvolvimento corpó­reo. A proeza é de uma equipe de pesquisadores do Departamento de Bioengenharia do Instituto de Pes­quisas Energéticas e Nucleares (Ipen), coordenada pelo professor Paolo Bartolini. A empresa envolvida, a Hormogen, foi criada pelos próprios pesquisadores. Eles esperam fabricar

Eles vão ganhar, em breve, três modi­ficações. "A mais importante é que a complementação salarial paga pela empresa aos pesquisadores das insti­tuições científicas vai passar a ser in­cluída na conta da contrapartida em­presarial, fato que atualmente não é possível", anuncia Coutinho. Outra modificação é na assinatura da con­clusão do projeto de pesquisa, que ago­ra deverá ter também o nome do res­ponsável pela empresa. Por fim, será exigida uma declaração da empresa

nossa maior ousadia", lem- Recém-nascidos com icterícia terão banhos de lu~ com mais conforto

bra Perez. Em dois anos, 85 empresas tiveram seus projetas apro­vados e estão com pesquisas em an­damento.

Entre aqueles que já apresentam resultados estão o Desenvolvimento de equipamento para fototerapia neo­natal baseado em fibra óptica cor­rugada (modificada mecanicamen­te), um estudo da empresa Komlux, de Campinas, que trabalhou com pesquisadores do Centro de Assis­tência Integral à Saúde da Mulher (Caism), da Unicamp, coordenada pelo médico Fernando Facchini. O resultado da pesquisa permite a fa­bricação de uma manta luminosa de cor· azul produzida com fibras ópti­cas, que elimina os efeitos da icterí­cia- pele amarelada- e proporciona mais conforto aos recém-nascidos.

o produto em escala piloto, no início do próximo ano, a custos menores que os similares importados.

O PIPE foi baseado no Small Bu­siness Inovation Research (Sbir ), dos Estados Unidos. Lá, toda agência de fomento com mais de US$ 100 mi­lhões anuais de orçamento deve, obrigatoriamente, dispor de, pelo menos, 2,5% desse montante para o Sbir. No programa da FAPESP, em dois anos, foram investidos mais de R$ 7 milhões em financiamento ao PIPE. Para obter o fomento, o proje­to necessita da aprovação de pelo menos dois assessores científicos da Fundação.

Embora com resultados apreciá­veis, os programas de inovação tec­nológica estão sempre evoluindo.

expondo sua satisfação ou não com os resultados do projeto de pesquisa.

A perspectiva da FAPESP é au­mentar, nos próximos anos, o núme­ro de projetas dos dois programas. Para isso, a Fundação intensifica a publicação, em jornais de todo o Es­tado, do edital que divulga o PIPE e estabelece duas datas-limite para a apresentação de propostas: 30 de ju­lho e 30 de novembro. Todos os pro­jetas recebidos até essas datas são ana­lisados em conjunto pela FAPESP. Um projeto apresentado, por exem­plo, em lo de agosto passará por análise a partir de 1 o de dezembro. No caso do PITE, aberto a empresas de qualquer porte, a análise é reali­zada logo após a entrega dos proje­tas na Fundação. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • li

Page 12: Novas luzes sobre a hipertensão

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

O governador Mário Covas discursa. À esquerda, Marcovitch e Brito Cruz

POLÍTICAS PÚBLICAS

Parceria para o social Programa integra sistema de pesquisa com a administração pública

Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, em Piracicaba. "Estávamos há dois anos procuran­do alternativas para agregar valores à nossa produção agrícola", diz.Re­sende. O município, segundo ele,

z

~ produz 117 produtos horti­~ frutícolas, ainda vendidos :;)

~ geralmente in natura, para abastecer a região metropo­litana. Seu plano é também criar novos empregos, à me­dida que avance o beneficia­mento dos alimentos.

Na mesma cerimônia de apresentação dos projetas se­lecionados, realizada no dia 7 de outubro no Palácio dos Bandeirantes e presidida pe­lo governador Mário Covas, foi anunciado o edital para a segunda etapa do programa (ver quadro). Compunham a mesa o secretário de Ciên­cia, Tecnologia e Desenvol­vimento Econômico do Es-tado de São Paulo, deputado

José Aníbal, o reitor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch, o presidente da FAPESP, Carlos Hen­rique de Brito Cruz, e o diretor cien­tífico da Fundação, José Fernando Perez.

Em seu pronunciamento, Perez lembrou que a FAPESP tem se em­penhado nos últimos anos na busca de mecanismos efetivos de transferên­cia de conhecimento. Mencionou, em seguida, os programas precurso­res, como o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE),

Oprefeito de Piedade, José Ta­deu de Resende, engenheiro e

administrador de empresas, era um dos administradores municipais que se colocaram ao lado de pesquisado­res e de secretários de Estado para assistir à apresentação oficial dos 61 primeiros projetas do mais recente programa da FAPESP, o de Pesquisas em Políticas Públicas, que procura resolver problemas sociais relevantes do Estado nas áreas da saúde, educa­ção, ambiente e economia, entre ou­tras. É o caso de Piedade, de 41 mil habitantes, a 98 quilômetros da Ca­pital, que vai desenvolver um progra­ma de apoio à agroindústria, abaste­cimento e alimentação no município, em conjunto com pesquisadores da

A segunda etapa

12 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

Os pré-projetas para a segunda etapa do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas podem ser apresen­tados até o dia 29 de fevereiro de 2000.

A FAPESP se propõe a analisar e financiar os trabalhos voltados à produção e sistematização de co­nhecimentos em políticas públicas relevantes, a serem realizados em parceria com instituições, governa­mentais ou não, que se responsabi­lizem pela implementação das pro­postas bem-sucedidas.

A fase 1, com duração de seis

meses e financiamento de até R$ 30 mil, consiste no estudo de viabilida­de e a consolidação da instituição parceira. Os projetas aprovados po­derão se candidatar à etapa seguinte, limitada a dois anos e R$ 200 mil de financiamento, que objetiva a execu­ção do projeto em escala piloto. A Fundação não financiará a fase 3, de implantação das propostas.

O edital da segunda etapa do Pro­grama de Pesquisas em Políticas Pú­blicas, que se encontra disponível na home page da FAPESP, relaciona as

Page 13: Novas luzes sobre a hipertensão

no qual as empresas participam com parte dos investimentos a serem rea­lizados. No Políticas Públicas, do mesmo modo, as entidades parceiras das instituições de pesquisa- prefei­turas, secretarias, fundações e orga­nizações não-governamentais - se comprometem com o desenvolvimen­to e a implantação do projeto, em caso de sucesso.

O diretor científico da FAPESP mostrou a dimensão da primeira eta­pa do Programa de Pesquisas em Po­líticas Públicas (PP). "Superamos as mais otimistas expectativas': obser­vou. A FAPESP recebeu 226 projetos, dos quais 162 foram pré-seleciona­dos e 61 aprovados. Participam dos trabalhos anunciados 18 instituições de pesquisa, estaduais, federais ou particulares, 28 prefeituras, 26 secre­tarias de Estado e 7 organizações não­governamentais. Em relação às áreas, predominam os projetos sobre Am­biente (13), seguidos por Educação (10), Saúde e Administração e Ges­tão (9 cada), Arquivos ( 4), Trabalho, Emprego e Renda (3), Agricultura e Pecuária, Habitação, Patrimônio His­tórico, Urbanismo e Segurança e Jus­tiça (2) e Economia, Crédito e Taxas, Geração de Empresas e Transporte (1 cada).

Brito Cruz, por sua vez, declarou que a FAPESP, que já havia se torna­do uma das poucas agências de fi-

dificuldades mais comuns que leva­ram à desclassificação das propos­tas apresentadas na etapa anterior.

Como se verificou, houve pro­postas cujos objetivos não esta­vam claramente definidos ou com metodologias de trabalho inade­quadas. Verificou-se também, em alguns casos, a pouca relevância das propostas para a política pú­blica. Em relação ao coordenador, nem todos cumpriam o requisito de estarem vinculados a uma ins­tituição de pesquisa do Estado de São Paulo ou demonstravam ex­periência anterior na área de pes­quisa do projeto.

nanciamento do mundo a apoiar pro­jetas de pequenas empresas, torna-se também, por meio do Políticas Pú­blicas, uma das únicas a atender pre­feituras, secretarias de Estado e orga­nizações não-governamentais, que vão desenvolver projetos com insti­tuições de pesquisa. Ele destacou também "o compromisso permanen­te da Fundação com a geração e a disseminação de conhecimento, no tratamento e na resolução dos nu­merosos problemas sociais do Esta­do de São Paulo".

Já o deputado José Aníbal relacio­nou a origem e o destino dos investi­mentos em ciência e tecnologia. A sociedade brasileira, lembrou, desti­na cerca de 30% do que ganha aos governos estaduais e municipais. "É preciso que o retorno à sociedade seja feito de modo mais produtivo, para reduzir os desajustes e a exclu­são social." Entretanto, prosseguiu, "nem sempre as políticas públicas atendem aos anseios da população". Segundo ele, com o Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, em andamento efetivo a partir daquele dia, a FAPESP oferece a possibilidade de aprimorar o modo de operação do setor público, para atender os que precisam de serviços básicos, como educação e saúde. "A FAPESP está cada vez mais sintonizada com a promoção do bem-estar e da justiça social", comentou.

Para o governador de São Paulo, Mário Covas, o fato de a FAPESP es­tar "sustentando o desenvolvimento da pesquisa em políticas públicas mos­tra um avanço, mesmo antes de ini­ciar". Reconhecendo que a ciência e a tecnologia têm uma importância fundamental para o desenvolvimento da nação, Covas comentou que um dia a FAPESP poderá até mesmo con­tribuir para o desenvolvimento de pro­jetas semelhantes em outros Estados. Mais do que presunção, disse ele, esta seria uma forma de reconhecer o es­forço de milhares de pessoas de ou­tras regiões que se transferiram para São Paulo. "O trabalho da FAPESP produzirá enormes benefícios para o país': concluiu. •

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DIVULGAÇÃO

Ciência para todos

FAPESP lança programa de incentivo ao jornalismo científico

Ojornalista deve ser preciso. E ainda mais quando o seu as­

sunto é a ciência. Foi pensando nisso que a FAPESP lançou, em 21 de outu­bro, o Programa José Reis de Incen­tivo ao Jornalismo Científico. Trata-se de uma iniciativa que reúne univer­sidades, empresas de comunicação ou mídia acadêmica e a própria FAPESP com o objetivo de estimular a forma­ção de profissionais

MídiaCiência

especializados no campo do jornalis­mo científico. "O interesse do público por assuntos científicos e tecnológi­cos é crescente. É necessário, portan­to, que a divulgação do conhecimen­to seja feita com qualidade", afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz, pre­sidente da FAPESP, durante o even­to de lançamento do programa.

"O jornalismo científico não é apenas uma técnica. Mas uma arte, que requer múltiplas competências", acrescentou José Fernando Perez, diretor científico da Fundação. A ce­rimônia teve a participação de repre­sentantes das universidades paulis­tas, jornalistas da grande imprensa e de veículos especializados em ciên­cia, mais a diretoria da Fundação. Durante o evento, houve ainda o lançamento do livro Do Laboratório à Sociedade (leia quadro).

A iniciativa do programa vem ao encontro dos três pilares que nor­teiam a atuação da FAPESP: geração,

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 • 13

Page 14: Novas luzes sobre a hipertensão

aplicação e disseminação do conhe­cimento, justificou Perez, acrescen­tando que, embora o Brasil tenha experimentado um grande desenvol­vimento científico nas últimas déca­das, nem sempre as conquistas nesse campo chegam ao grande público. Suprir essa carência é uma necessida­de vital, pois o apoio da população é imprescindível para a continuidade e a ampliação da pesquisa científica, fato comum entre os países altamen­te industrializados.

Esse apoio ganha ainda mais im­portância por ser justamente a socieda­de, por meio do pagamento de impos­tos, que viabiliza o desenvolvimento da ciência. "É o contribuinte que, em última instância, financia a pesquisa. Por isso o público deve ser muito bem informado", apontou Brito Cruz.

O Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico oferecerá bol­sas remuneradas para estudantes de gra­duação e profissionais diplomados em qualquer área e que não tenham vínculo empregatício. O valor corres­ponderá à titulação do candidato, que deverá se submeter a um processo se­letivo. Os bolsistas participarão obri­gatoriamente de cursos de introdução ao jornalismo científico, os quais serão ministrados em instituições acadê­micas, e desenvolverão, sob a super­visão de um pesquisador-orientador, propostas de pesquisa. Elas visam à pro­dução de documentos jornalísticos de divulgação. "Nossa idéia é conciliar a oferta com a procura. Não nos inte­ressa produzir textos que fiquem enga­vetados", disse José Fernando Perez.

O novo programa homenageia o cientista e jornalista José Reis, um dos pioneiros da divulgação científica no Brasil. Carioca, nascido em 1907, José Reis cursou no Rio de Janeiro a Facul­dade Nacional de Medicina. Em São Paulo, para onde se mudou em 1930, trabalhou no Instituto Biológico ele­cionou nas universidades de São Paulo e Mackenzie. Conciliando seu trabalho em microbiologia com a divulgação científica, dirigiu a revista Ciência e Cul­tura e foi redator científico do jornal Folha de São Paulo, no qual até hoje mantém uma coluna semanal. Escre-

14 · OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

veu também livros infanta-juvenis em que procurou romancear a ciência.

Numa entrevista à Sociedade Bra­sileira para o Progresso da Ciência (SBPC), José Reis define a divulgação científica: "É a veiculação em termos simples da ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega. Durante muito tempo, a divulgação se limitou a contar ao público os encantos e os as­pectos interessantes e revolucionários da ciência. Aos poucos, passou a refle­tir também a intensidade dos proble­mas sociais implícitos nessa atividade':

Repercussão positiva: O lançamento do programa recebeu os aplausos da comunidade científica. "É uma inicia­tiva da maior importância, pois aso-

ciedade precisa tomar conhecimento da ciência que é produzida em nossos laboratórios", afirmou Tupã Gomes Correa, diretor da Escola de Comuni­cações e Artes da USP. O professor ain­da destacou outro aspecto positivo: "As novas gerações de jornalistas deverão ser as mais beneficiadas pelo programa':

A repercussão também foi positiva entre os jornalistas que participaram do evento. "O jornalista não precisa ser cientista. Mas deve saber como traba­lhar com a ciência", apontou Almyr Gajardoni, 1 o secretário da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC). Já o jornalista Alberto Dines apontou as vantagens que o programa oferecerá ao leitor. "É comum a gran­de imprensa tratar a ciência como um 'pátio dos milagres', divulgando infor­mações fragmentadas e sem densidade. Por isso a importância de programas que visem a uma melhor formação do jornalista que lida com a ciência", disse Alberto Dines, que é editor do Observatório da Imprensa e um dos fundadores do Laboratório de Jorna­lismo da Unicamp (Labjor). •

Uma amostra da diversidade da pesquisa paulista

Reportagens científicas O livro Do Laboratório à Socie­

dade reúne reportagens sobre os resultados de 20 projetas temáti­cos financiados pela FAPESP. Os textos foram publicados original­mente entre novembro de 1997 e maio de 1999 pelo jornal Notícias FAPESP. O lançamento da obra dá continuidade à série "Resulta­dos de Projetas Temáticos em São Paulo': cujo primeiro volume foi publicado há um ano: Vigor e Inovação na Pesquisa Brasileira.

Do Laboratório à Sociedade to r­na visível ao grande público a va­riedade de assuntos investigados pelos projetas temáticos que têm o apoio da Fundação. Neste volu­me, estão reunidos projetas nas áreas de agricultura e veteriná­ria, fisica, ciência espacial, geociên­cias, engenharia civil, engenharia elétrica, engenharia de materiais, engenharia biomédica, saúde pú­blica, medicina, meio ambiente, teatro, antropologia e educação.

Page 15: Novas luzes sobre a hipertensão

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

lt i~l'"!.'l~ri~11Ui ~ nômico no Desenvolvimento do Agro­~ negócio no Novo Milénio. O presiden­~ te da Fundação, Carlos Henrique de ~ Brito Cruz, destacou que o IAC tem si­~ do um dos principais clientes dos pro­~ gramas de financiamento da FAPESP. ~ Eduardo Bulisani, diretor do IAC, <

r-:!!!!~~~~ ressaltou algumas das realizações mais marcantes da história do instituto: "No caso do café, 95% das plantas doBra­sil passaram pelo instituto em algum momento, como sementes da primei­ra, segunda ou terceira geração. O mes­mo percentual de plantas cítricas tam­bém passou pelo instituto': Soja, tomate, feijão e cana fazem parte de algumas das outras histórias de sucesso do IAC.

Pesquisas do IAC com algodão foram iniciadas em 1912: vanguarda na pesquisa agrícola Novo cenário: Para João Carlos Mei­relles, secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado, o IAC está se qualificando para fazer parte

AGRONEGÓCIO

Os novos desafios da reestruturação do agronegócio no século 21. "Nesse novo cenário, a agricultura não é mais apenas o lo­cus físico de produção de alimentos,

IAC vive revolução permanente para atender demanda da agricultura

Criado há 112 anos e com parti­cipação essencial no desenvol­

vimento agrícola de São Paulo e do país, o Instituto Agronômico, da Se­cretaria de Agricultura e Abasteci­mento do Estado, está passando por grandes transformações estruturais e no seu modelo de atuação, para atender às demandas do mercado globalizado e aos avanços tecnológi­cos no setor agrícola.

O instituto contou com recursos do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP para reformar os sistemas hidráulico, elétrico e telefônico e para a implantação de uma rede de fibra óptica entre seus computadores. Também foram recuperados labora­tórios e casas de vegetação e adquiri­do um pivô central com capacidade para irrigar 70 hectares.

mas a parte essencial de uma cadeia Para marcar essa renovação do que começa na pesquisa científica e

IAC (assim conhecido por estar sedia- termina no consumidor." do em Campinas), a FAPESP, a Acade- O deputado Junji Abe, da Comis-mia de Ciências do Estado de São Pau- são de Agricultura e Pecuária da As-lo e o Instituto de Estudos Avançados sembléia Legislativa do Estado de São da USP realizaram em 20 de outubro Paulo, manifestou que a primeira coi-o seminário O Impacto da Geração. de saque os produtores agrícolas preci-Tecnologia e a Inserção do Instituto Agro- sam é de um canal de ligação mais es-

.---------------. z treito com instituições como o IAC.

João Carlos Meirelles, Brito Cruz, Junji Abe e Eduardo Bulisani

~ Roberto Rodrigues, presidente da Aliança Cooperativa Internacional e

:>

~ diretor da Associação Brasileira de Agribusiness, destacou que as dificul­dades para a agricultura no mundo­falta de terras agricultáveis, escassez de água para irrigação e a impossibi­lidade de que a tecnologia leve a sal­tos significativos de produtividade -não atingem o Brasil.

Para ele, o IAC é o "pai" da tecno­logia agrícola brasileira e para conti­nuar a ter esse papel de destaque terá de se adaptar às novas condições in­ternacionais e de gerenciamento do agronegócio, onde o que importa não é o produto agrícola individual­mente, mas toda a cadeia de agrega­ção de valor ao produto. •

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 IS

Page 16: Novas luzes sobre a hipertensão

Para entender a genômica

A edição de 30 de setembro da revista Nature traz uma advertência sobre a dificuldade que biólogos e cientistas de áreas correlatas vêm tendo de acompanhar os avanços científicos no campo da genética e da genômica, devido à falta de uma nomenclatura comum. Seqüências completas de genes, segundo a revista, podem ser obtidas, em poucas horas, diante de um computador, e os genes, os produtos e as funções de suas proteínas e seus equivalentes em outras espécies (homólogos e ortólogos) estão sendo nomeados, identificados e publicados numa velocidade espantosa. Um efeito colateral disso é, de acordo com a Nature, o crescente caos na nomenclatura. "Uma única proteína é estudada, muitas vezes simultaneamente, por vários laboratórios independentes, cada um usando seu próprio apelido e recusando-se a reconhecer outros nomes ou acatar um único rótulo. Isso causa problemas inevitáveis aos que precisam acompanhar a literatura." Há tentativas para encontrar solução para o problema, mas a velocidade com que os genes estão sendo identificados supera a velocidade de qualquer estratégia de nomeação consolidada em curso. Outras fontes de confusão são os muitos nomes e funções dos genes ou proteínas descritos.

16 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Estudos genéticos: critérios para definir nomenclatura

A sugestão é que, ao descrever um gene ou proteína, os pesquisadores declarem todos os outros nomes e funções a eles associados. E ao submeter um trabalho a qualquer publicação, descrevendo um novo gene com uma função determinada, os autores informem a literatura já existente sobre um orto/ homólogo. Para a Nature, um papel muito importante pode ser realizado pelos que administram bases de dados, já que elas deveriam estar em posição de detectar novas entradas e insistir na conformidade com um sistema de nomenclatura, como condição de registro. Com um processo desse tipo funcionando, as publicações poderiam exigir o registro prévio como condição de publicação. "De sua parte,

Nature vai ser, doravante, mais rigorosa na exigência de que os autores de trabalhos que descrevem a função de uma proteína também declarem todos os outros nomes conhecidos daquela proteína na primeira vez que ela for mencionada no texto", anuncia a publicação.

História da FAPESP

Será no próximo dia 1 o de dezembro, às 18 horas, na sede da FAPESP, o lançamento das publicações FAPESP- Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para uma História da FAPESP­Marcos Documentais, do historiador da Universidade de São Paulo, USP, Shozo Motoyama. O evento será também uma

homenagem da Fundação aos pesquisadores paulistas que marcaram e definiram a história da criação e organização da FAPESP.

Importação de cérebros

Quando esteve recentemente no Brasil, o pesquisador Daniel Nahon, conselheiro do ministro francês da Educação, da Pesquisa e da Tecnologia, Claude Allegre, e novo presidente do Comitê Francês de Avaliação de Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub), disse que seu país vai desenvolver pelos próximos dez anos uma intensa política de atração de estudantes estrangeiros. "Queremos que pelo menos um terço de nossos estudantes sejam estrangeiros. E esperamos atrair muitos brasileiros", comentou durante longa entrevista concedida à Pesquis~ FAPESP e que será publicada na próxima edição da revista. Justificativa para essa política, com certa dose de preocupação: "As universidades francesas têm cada vez menos inscritos em disciplinas científicas fundamentais". A preocupação, ao que tudo indica, não é apenas francesa. A julgar por uma matéria enviada pelo correspondente de O Estado de S. Paulo em Paris, Napoleão Sabóia, publicada no dia 25 de outubro, ela se alastra por vários países europeus e atinge mesmo a maior potência científica

Page 17: Novas luzes sobre a hipertensão

do planeta, os Estados Unidos. Entre outras informações, ele conta que o conselheiro Didier Cunha, despachado por Allegre a Washington para avaliar a situação, declarou após a visita o seguinte: "O colega que assessora o presidente Clinton nas questões de ciência e tecnologia me disse que daqui a cinco anos os americanos não terão mais professores de Matemática e de Física em número suficiente". Contra isso, os Estados Unidos estão tratando de definir uma política para atração de estrangeiros com formação científica, semelhante à que adotaram nos anos 70 e 80 em relação a matemáticos e outros especialistas da lndia.

Desinteresse e desilusão

O correspondente de O Estado informa que, na Alemanha, onde a falta de engenheiros químicos e mecânicos na indústria atinge seu ponto crítico, são justamente os cursos de química industrial e engenharia mecânica os mais evitados pelos estudantes. Eles estão se bandeando em massa para cursos de sociologia, artes, gestão de bens culturais e outros da área de Humanas. Na França, na Universidade Paris-VI, o número de matriculados para o primeiro ciclo de estudos científicos caiu de 57 mil, em 1994, para 20 mil, em 1998. E em 12 universidades na região de Paris, uma pesquisa constatou que nos últimos cinco anos a queda de candidatos para carreiras científicas e técnicas foi

superior a 40%. Problema semelhante foi constatado também na Grã-Bretanha e na Suécia. Qual a razão dessa fuga? O problema foi debatido durante a Semana das Ciências, ocorrida na França em meados de outubro, e arriscou-se uma explicação preliminar baseada em testemunhos de estudantes de toda a Europa que se encontravam por lá: as novas gerações estariam imersas numa certa desilusão quanto às conquistas da ciência. Por quê? Segundo eles, essas conquistas não resolveram o problema do desemprego, não neutralizaram os riscos de catástrofes nucleares e ecológicas e, ao mesmo tempo, a extensão da automação e da poluição industrial a todas as esferas da vida, o surgimento e a propagação de novas doenças tornaram ainda mais frágil a condição humana.

Genoma Cana: além de São Paulo

Paulista de origem, o projeto Genoma Cana

está sendo aberto para especialistas de outros Estados e de outras áreas do conhecimento, além da biologia molecular e da bioinformática. Segundo Paulo Arruda, coordenador de DNA do projeto, químicos, físicos e matemáticos podem aproveitar a base de dados sobre genes da cana-de-açúcar, que cresce sem parar. E pelo menos alguns matemáticos já descobriram isso: alguns deles estão interessados em verificar se há algum modelo que explique a seqüência de nucleotídeos nas moléculas de DNA. "Precisamos de mais cabeças criativas", diz Arruda. A participação de pesquisadores pode ocorrer especialmente na atividade de data mining (prospecção de dados): basta dispor de um computador ligado à Internet e uma senha de acesso à base de dados do projeto. É o caso da pesquisadora Adriana Hemerly, do D~partamento de Bioquímica da UFRJ. Seu grupo estuda os genes envolvidos no controle do ciclo celular e na fixação

Pesquisa da cana: abertura para pesquisadores de outras áreas

de nitrogênio em cana. O projeto Genoma Cana permitiu a identificação de genes que ela tentava isolar da cana há mais de um ano. Outras dezenas de genes envolvidos no ciclo celular e na fixação de nitrogênio já foram identificadas pelo grupo da UFRJ. Segundo Arruda, há também entendimentos com grupos de pesquisa do Plant Genome Initiative, financiado pela National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, para incluir a cana no projeto de construção de um mapa genômico integrado das gramíneas e descobrir os genes que fazem a diferença entre as espécies de milho, arroz, sorgo e cana.

Pequenas empresas

Encerra-se no dia 30 de novembro o prazo para inscrição de novos projetos no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. A inscrição deve ser feita por um pesquisador, ligado, de alguma forma, à empresa. O pesquisador será o responsável pela pesquisa, que deverá resultar no desenvolvimento ou aperfeiçoamento de produto ou processo. Os projetos aprovados receberão financiamento da FAPESP, a fundo perdido. Podem participar empresas sediadas no Estado de São Paulo, que tenham até 100 empregados. Para maiores informações, acessar o endereço eletrônico: http:/ /www.fapesp.br, selecionando, no menu, a opção "Programas Especiais':

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 17

Page 18: Novas luzes sobre a hipertensão

CIÊNCIA

GENÉTICA

Descobertas em ritmo acelerado

Genoma Humano do Câncer chega a 45 mil seqüências

Respira-se contentamento nos corredores do Instituto Ludwig,

onde trabalham os cinco coordenado­res principais do projeto Genoma Hu­mano do Câncer: Andrew Simpson, coordenador de DNA, Emmanuel Dias Neto, coordenador de bibliotecas,

Luis Fernando Lima Reis, à frente dos trabalhos de RNA, Sandra José de Souza, em bioinformática, e Juçara de Carvalho Parra, gerente do proje­to. O discreto entusiasmo do íntimo e bem azeitado grupo de pesquisado­res aparece nos sornsos com que mos-

O mecanismo de expressão do gene

O organismo de todo ser vivo é formado por células. É nelas que ocorrem todos os processos bioquí­micos que levam à produção de ener­gia e ao crescimento e manutenção do organismo. Nos organismos euca­riotos, é o núcleo, uma das estrutu­ras básicas da célula, que governa todas as funções da célula e contém a informação genética, na forma de ácido desoxirribonucléico, DNA. O DNA está contido em estruturas cha­madas cromossomas.

Na descrição construída princi­palmente pela bioquímica das déca­das de 70 e 80, a palavra gene designa, materialmente, determinados trechos das moléculas de DNA. O que dá a um trecho da molécula de DNA o status de gene é o fato de a célula en­contrar ali as informações de que pre­cisa para criar proteínas - os com­postos que animam o movimentado interior da célula. Os cientistas dizem que um gene se expressou quando produziu sua proteína.

Em média, um gene estende-se por 10 mil nucleotídeos- os blocos que formam a molécula de DNA e

18 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

que diferem entre si pela base nitro­genada, apenas quatro: adenina, timi­na, citosina e guanina, designadas por A, T, C, G. Os biólogos moleculares entendem que a informação está na ordem em que se apresentam os nu­cleotídeos do gene, na sua seqüência.

No espaço, a molécula de DNA apresenta-se como uma dupla héli­ce, duas fitas que se mantêm enrola­das uma na outra graças às forças que aproximam e mantêm ligados os As de uma fita com os Ts da outra; e os Cs de uma dos Gs da outra. A regra de formação é conhecida - a cada A liga-se um T, a cada T um A; a cada C um G, a cada G um C. Ao longo de uma cadeia de DNA, os cientistas já sabem relacionar certos conjuntos de bases na seqüência, que se arran­jam de determinada maneira, com o processo de transcrição da informa­ção contida no gene.

Esses arranjos são sinais; cami­nhando sobre a seqüência de bases da esquerda para a direita (sentido 5'-3'), downstream, como se diz no jar­gão, os cientistas sabem, por exem­plo, que o gene "começou" quando

tram os gráficos de produtividade por centro de seqüenciamento. É só olhar: desde julho, mês a mês, todos os cen­tros aumentam consistentemente o vo­lume de produção.

Destaca-se, de agosto para setem­bro, um entre os seis envolvidos no trabalho - é o do professor Marco Antonio Zaga, na Faculdade de Me­dicina de Ribeirão Preto, que, de SOO seqüências em um mês, disparou a produzir 4.200. Destaca-se também um único centro de seqüenciamento - ironicamente, o dos ilustres coorde-

encontram uma região promotora, promoter, reconhecível por apresen­tar um certo arranjo das bases do DNA. O sinal que ela dá é: "Logo adian­te na seqüência vem um gene que de­verá expressar sua proteína': Ainda downstream, para marcar o fim do ge­ne, há uma região terminadora, ter­minator, caracterizada por outro ar­ranjo de sinais.

Na região promotora liga-se o complexo de proteínas e enzimas en­volvidas na transcrição, que inicia e vai regular o processo de cópia do DNA em RNA- o outro tipo de áci­do nucléico, passo intermediário entre o gene e a proteína. A diferen­ça de composição entre oRNA (áci­do ribonucléico) e o DNA, na compo­sição, é a base uracil, U, que substitui a base timina do DNA. Este RNA é chamado de RNA mensageiro por­que carregará a mensagem que a cé­lula vai animar para fabricar a pro­teína. Há genes que expressam não proteínas como seu produto final, mas outros tipos de ácido ribonu­cléico, como o RNA transportador ou o RNA ribossômico.

No caso de organismos procario­tos- cujas células não têm núcleo-, a transcrição do gene em RNA men-

Page 19: Novas luzes sobre a hipertensão

nadores- que diminuiu a produção. A subida de um tem a ver com a queda do outro e não tolda a evidência: os cen­tros de seqüenciamento, em geral, já li­dam bem com os novos seqüenciado­res capilares Megabace 1000 e obtêm deles bom rendimento.

Também é evidente que quem es­tá puxando o bom ritmo de produ­ção do projeto como um todo é o cen­tro de seqüenciamento do professor Zago. O aperfeiçoamento das rotinas criadas e desenvolvidas pelo paraen­se Wilson Araújo Júnior, na Faculda­de de Medicina de Ribeirão Preto, foi o santo que fez o milagre da multipli­cação das seqüências- o crescimento foi de 350% de um mês para o outro.

A performance de Ribeirão Preto mostra que não deverá haver proble­mas para cumprir o cronograma de

sageiro se dá em um só passo. Não é assim (conforme a descoberta de Phil Sharp em 1977) nos organis­mos eucariotos - entre os quais nos encontramos. Neles, há duas etapas: num primeiro passo, a célula gera a partir do gene uma molécula "bru­ta'' de RNA , chamada pré-RNA men­sageiro. Este pré-RNA mensageiro é a transcrição linear de toda a seqüên­cia do gene; ele se tornará um RNA mensageiro "maduro" depois da se­gunda etapa de processamento, que se dá ainda dentro do núcleo: a cé­lula remove partes da molécula do pré-RNA - esta parte do processo chama-se splicing -, acrescenta a ela determinadas seqüências nas extre­midades que lhe conferem maior estabilidade e só então a envia, como RNA maduro, para o citoplas­ma, onde se dará sua tradução em proteína.

Os segmentos removidos da mo­lécula do RNA mensageiro corres­pondem a trechos do gene chamados íntrons; os segmentos que restam se chamam exons. Os íntrons são, então, trechos internos ao gene que não ex­pressam proteína; exons, os que sim, se expressam como proteína. Essa es­trutura de exons e íntrons não exis-

O gene e a sua proteína em organismos eucariotos

I. O DNA. do núcleo, contém os genes que codificam proteínas específicas.

2. Em condições adequadas, esses genes são transcritos e formam o RNA mensageiro.

3. É produzida, então, uma fita longa de pré-RNA transcrito.

\~.J~\~l.:.~l.:.\l.:.'Jlr~.r~. ~~\\l\\. Transcrição I DNA

DNA--RNA ~ . !\ ~~ ~~!\ ,~ r.:!\ ~~ ~ ·~ mmmnmm"utt~!\ , I r ·~ l'!"i!).

L----t+--tt-R~·: ~I 'L'•' 'b~1'·

I Pré-mRNA lllliillihlllhiiihillhliiiillliiihliiiiiiiiiilhiiiiiihii

mRNA I Processado

4. O pré-mRNA é processado - partes são removidas ou acrescentadas -e o mRNA resultante é enviado ao citoplasma.

te nos genes da maior parte dos pro- . cariotos: toda a seqüência do DNA do gene das bactérias, por exemplo, é regularmente usada para coman­dar a formação das proteínas. Uma característica do processo nos eucario­tos é a possibilidade que a célula tem de combinar diferentemente os exons; o que resulta em diferentes moléculas de RNA mensageiro maduro; e, por conseqüência, em diferentes proteí­nas traduzidas no citoplasma.

Este RNA mensageiro é a maté­ria-prima de projetos como o Geno­ma Câncer, projetos de seqüencia­mento de Expressed Sequence Tags: obtém-se dele uma molécula de DNA que só contém, do gene como um todo, os exons escolhidos pela célu­la. Esse tipo de molécula de DNA, sintetizada nos laboratórios, chama-

5. No citoplasma, os ribossomos realizam o processo de tradução do mRNA, que forma a proteína (polipeptídeo) codificada pelo gene.

se complementary DNA - cDNA. Os ESTs, então, são segmentos peque­nos de cDNA- variam de 200 pares de bases a 700 pares de bases.

A EST é uma etiqueta (tag), uma espécie de bandeirinha, que marca um lugar do cromossoma que con­tém as informações para a síntese de proteína- isto é, que é gene. No en­tanto, a técnica tem limitações im­portantes. Entre elas: da maneira co­mo o cDNA é obtido hoje na maior parte dos laboratórios, resulta uma concentração muito grande de amos­tras das extremidades dos genes que se expressam em maior quantidade. Nos bancos de dados de todo o mun­do, há poucas ESTs que marquem o centro de genes pouco expressos. As Orestes da parceria FAPESP/Ludwig vêm preencher esta lacuna.

o ~ <.> z < u o õ2 v;

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 19

Page 20: Novas luzes sobre a hipertensão

produção de seqüências. Já a análise dos dados que estão sendo deposita­dos todos os dias, e sua comparação com os bancos internacionais de DNA, mostra que a tecnologia Orestes cumpre o que prometia ser, no lança­mento do projeto, no final de março. Também as últimas notícias impor­tantes do mundo da genômica refor­çam o acerto e a oportunidade dos projetos que seqüenciam não direta­mente o gene, mas sua transcrição a partir de urna molécula de RNA men­sageiro - como ocorre nesta primeira parceria da FAPESP com um institu­to privado de financiamen­to de pesquisa. Será esta in­formação já elaborada pela célula que vai iluminar os dados da seqüência com­pleta dos 23 cromossomas humanos (ver quadro).

mas nem 10% estão completamente seqüenciados) e devem ser localiza­dos numa cadeia maior - talvez 4 bilhões de nucleotídeos.

Mesmo com o próximo lançamen­to da seqüência completa do genoma humano - o esboço dos 23 cromos­somos, prometido até o final de junho pelos pesquisadores financiados com dinheiro público; ou o genoma fina­lizado, que a Celera afirma que ter­mina até o final de 2000 -,qual a me­lhor estratégia para localizar os genes nas cadeias dos cromossomas e, de­pois, para estudar o que a célula bus-

seqüência ordenada de todas as ba­ses das moléculas de DNA presente no núcleo de cada uma dos trilhões de células do corpo humano- o pro­duto ao qual os biólogos moleculares terão acesso até o final de 2000 - é o começo e não o fim da investigação sobre o patrimônio genético humano.

Nesta altura do desenvolvimento da genética molecular, não há ferra­mentas de bioinformática tão sensí­veis e precisas a ponto de detectar sem erro todos os genes, que são os trechos relevantes da cadeia - aque­les que têm a informação que permi-

As notícias: É Andrew Sim­pson quem descreve o ce­nário. Há muitos indícios de que o número de genes do genoma humano esteja mesmo próximo dos 140 mil, como a Incyte - uma das companhias privadas que dão contribuição signi­ficativa nesta área da pes­quisa de ponta - afirmou na badaladíssima 11 a Con­ferência de Seqüenciamen­to e Análise de Genomas, promovida pela Tigr, em Miami, no final de setembro.

Souza, Juçara, Dias Neto, Simpson e Reis: novas metodologias

O número não era mais surpresa, e corrobora os achados de outro im­portante parceiro privado - a Celera, parceria de Craig Venter e da Perkin Elmer, fabricante de equipamentos. O cientista - que anunciou o tér­mino do seqüenciamento do geno­ma da Drosofila melanogaster na reu­nião de Miami - já percebera que o tamanho da seqüência da mosca se­ria 40% maior do que previsto. Ima­gina-se o mesmo do tamanho do ge­noma humano.

Então, no que toca ao DNA do Homo sapiens, há mais genes do que o previsto (os cientistas já sabem da existência de cerca de 85 mil genes;

20 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

ca de informação neles? A estratégia de ESTs - Expressed Sequence Tags, das quais a tecnologia Orestes, criada prin­cipalmente por Emmanuel Dias Neto e por Andrew Simpson - é um caso particular e um desenvolvimento.

Razões: Randy Scott, cientista e pre­sidente da Incyte, palestrante na conferência, comparou a competi­ção em torno da seqüência completa do DNA humano, e em torno da pri­mazia na obtenção das informações relevantes, não a uma corrida de 100 metros rasos, mas a uma maratona­o que não é uma novidade para es­pecialistas. A observação aponta pa­ra o fato de que o conhecimento da

te a construção das proteínas. Além da questão topológica, há outra: o splicing alternativo.

Os cientistas sabem desde a desco­berta de Phillip Sharp, em 1977 (ver Notícias FAPESP N° 46), que os orga­nismos eucariotos cujas células têm nú­cleo usam a informação bruta conti­da na seqüência de DNA dos genes de muitas maneiras diferentes- ao contrá­rio do que acontece entre as bactérias.

No caso da nossa espécie, estima­tivas apresentadas na mesma confe­rência em Miami indicam a possibi­lidade de cada gene humano "se apresentar", em média, de 50 manei­ras diferentes- quer dizer, ser lido de 20, ou 60, ou 100 combinações de seus

Page 21: Novas luzes sobre a hipertensão

trechos internos, segundo momentos e necessidades diferentes na vida de uma célula.

Mesmo que essa nova estimativa da freqüência de combinações dife­rentes seja alta demais, as diferenças de combinação continuarão impor­tantes. Esses trechos internos ao gene dos organismos superiores, e que se emendam de maneira alternativa para codificar esta ou aquela proteí­na, chamam-se exons; de novo, não há ferramentas refinadas a ponto de localizá-los sem erros significativos diretamente da seqüência; novamen-

Material para exame microscópico de tipos variados de câncer:

de estômago (acima), intestino (à dir.)

e colo de útero (ao /ado)

te, é na estratégia de ESTs que os pes­quisadores depositam as esperanças de fazê-lo com rapidez e precisão. Os cientistas esperam encontrar na di­versidade de combinações mais ex­plicações sobre a biologia do câncer, por exemplo. Daí o interesse de Phil­lip Sharp- Nobel de 1993- em par­ticipar do corpo de consultores do Genoma Câncer paulista.

O andar da carruagem: Até dia o 24 de outubro, os centros já haviam de­positado 35 mil seqüências geradas com a metodologia patenteada pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig. So­madas a elas as 10 mil seqüências produzidas durante o projeto piloto, são 45 mil - quase 10% das 500 mil contratadas, que deverão ser produ­zidas até o fim do projeto, previsto para 2001. Vinte e sete por cento de­las não têm nenhum corresponden-

te nos bancos de dados, são infor­mações novas, que aparecem entre as seqüências brasileiras por causa das peculiaridades da metodologia usada aqui, e que tornam os resulta­dos únicos no mundo da genômica.

À medida que a produção au­menta, aumenta também a possibi­lidade de descoberta de novos genes, relacionados aos tumores dos cân­ceres mais comuns no Brasil. Simp­son gostaria de entrar no ano 2000 com 100 mil seqüências produzidas; se, em um ano, atingir o objetivo de 500 mil, o projeto terá contribuído

com 20% de todas as ESTs geradas internacionalmente. Com uma dife­rença: além de pelo menos um quar­to delas ser completa novidade, a maior parte do que será seqüencia­do aqui virá do centro dos genes, que só a metodologia Orestes alcan­ça. O processo tradicional de obten­ção de ESTs enfrenta a limitação téc­nica de serem, quase sempre, seqüências das extremidades dos ge­nes, menos relevantes para a codifi­cação de proteínas.

O protocolo: Animado com o salto na produção, Simpson já fala em do­brar o objetivo de produção de se-

qüências do projeto. Se as rotinas e os métodos desenvolvidos e consolida­dos em Ribeirão Preto puderem ser adaptados e estendidos aos outros centros de seqüenciamento, a veloci­dade de cruzeiro poderá ser atingida antes de maio do ano que vem, para quando está prevista.

O seqüenciador capilar do centro funciona de dez a doze horas por dia; são cinco "corridas" diárias, de segun­da a sexta, que fornecem a leitura de qualidade, em média, de mais de 90 das 96 amostras processadas de cada vez. O protocolo testado e aperfeiçoa­

do por eles abrevia etapas e gasta menos reagentes -um item importante no cus­teio das plantas genômicas.

Sete laboratórios abas­tecem o centro da Faculda­de de Medicina de Ribeirão Preto - dois a mais do que o padrão dos centros de se­qüenciamento. Estes dois la­boratórios desprenderam­se do Ludwig e integram agora o grupo de Ribeirão. A mudança é uma das ra­zões que explicam a queda, em setembro, na produção do instituto; e não a única que explica a disparada de Ribeirão. Há espaço para a produção crescer bastante, em todos os centros - daí o discreto otimismo reinante.

A continuar tudo indo bem, Simpson poderá botar

em andamento um de seus planos: pedir ao coordenador de bioinformá­tica, Sandro de Souza, e a seu grupo que analisem as seqüências do geno­ma humano disponibilizadas pelos cientistas do Hemisfério Norte à luz das informações vindas das Orestes.

"Você vai ver: vamos achar 50% de erro na anotação dos genes feitas por eles", prevê o coordenador, que acredita numa contribuição signifi­cativa ao conhecimento na área a ser feita pelo projeto que comanda. Para ele, não há outra metodologia capaz de fornecer dados complementares tão importantes a toda a informação que está sendo gerada no mundo. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 21

Page 22: Novas luzes sobre a hipertensão

CIÊNCIA

descoberta dos supercondu­tores. Desde os anos 40, quando foram descobertas, as cerâmicas ferroelétricas, materiais com propriedades elétricas diferenciadas, têm uma participação crescente na indústria eletroeletrôni­ca. Com elas são feitos com­ponentes especiais de uso em radares, telefones e tele-visores, por exemplo.

A tendência tecnológica mundial em preparação de materiais cristalinos é de re­dução do diâmetro e o au­mento do comprimento das fibras, como se elas fossem fios de cabelo. As fibras mo­nocristalinas cada vez mais

Câmara de crescimento de fibras de materiais cerâmicos: matéria-prima para rádios e telefones delgadas que devem sair do

FÍSICA

Os cristais de futuro Grupo de São Carlos desenvolve materiais para indústria eletrônica

AFísica fez história em 1986. Com alarde, era anunciada a

descoberta dos supercondutores, ma­teriais cerâmicos que oferecem uma resistência muito baixa à passagem de corrente elétrica a temperaturas consideradas relativamente altas, próxima a 200 graus Celsius negati­vos. Os autores da descoberta - os físicos Karl Alex Muller, da Suíça, e Johannes Georg Bednorz, da Alema­nha, cujo trabalho precursor seria re­conhecido com o Prêmio Nobel no ano seguinte - fortaleceram o sonho dos pesquisadores de conseguir a su­percondutividade a temperatura am­biente, que traria um enorme impac­to ambiental, ao permitir a redução das perdas de energia. Numa lâmpa­da comum, por exemplo, apenas 30%

22 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

da energia se transforma em luz - a maior parte se perde, na forma de calor.

Em São Carlos, nos laboratórios do Instituto de Física da Universida­de de São Paulo (USP) e no Departa­mento de Física da Universidade fe­deral de São Carlos (UFSCar), um grupo de 20 pesquisadores não está atento apenas à supercondutivida­de e à possibilidade de melhoria das propriedades elétricas dos materiais cerâmicos. Sob a coordenação da físi­ca Yvonne Primerano Mascarenhas, da USP, e com um apoio financeiro de R$ 173.130,00 da FAPESP, desen­volvem o projeto temático Síntese, caracterização e crescimento de fibras monocristalinas de cerâmicas ferroelé­tricas, com objetivos bastante am­plos: investigam desde processos de obtenção do material básico até téc­nicas para o crescimento de fibras com periodicidade atômica regular, chamadas monocristalinas.

A importância desses materiais era conhecida antes mesmo da entre­ga do Nobel aos responsáveis pela

laboratório do físico Anto­nio Carlos Hernandes, tam­bém da USP, podem subs­tituir com vantagens os materiais convencionais, ao se mostrarem competitivas nas aplicações práticas.

Na primeira fase, os especialistas obtiveram fibras monocristalinas de materiais de uso conhecido, como o titanato de estrôncio e o titanato de rutênio. "A segunda fase será caracte­rizada por uma maior abrangência de materiais", conta José Antonio Ei­ras, da UFSCar. Atualmente, a equipe trabalha com materiais mais comple­xos, os niobatos de estrôncio-bário e de estrôncio e chumbo, com os quais obtiveram fibras e resultados novos a respeito das propriedades desses ma­teriais. Impõe-se também o desafio de conseguir uma maior aproxima­ção com a indústria eletrônica, sensi­bilizando-a para as vantagens opera­cionais dos produtos desenvolvidos em laboratório.

A organização: As cerâmicas resul­tam de uma anatomia especial de átomos de oxigênio, que formam es­truturas em forma de sólidos com oito faces regulares, os octaedros. No espaço entre essas estruturas podem alojar-se cátions- átomos ou grupa-

Page 23: Novas luzes sobre a hipertensão

mentos atômicos com falta de elétrons e, por isso, eletricamente positivos.

As propriedades específicas das cerâmicas dependem de situações que vão da maneira como os cátions se distribuem nos espaços entre os octae­dros até o arranjo que assumam essas próprias estruturas. Uma distribui­ção alinhada ou torcida dos octae­dros faz com que o material apresen­te características distintas. É essa organização ou arranjo estru­tural que determina as carac­terísticas finais do material sintetizado. Por essa razão, ades­crição estrutural das cerâmicas é uma parte importante do tra­balho de obtenção do material básico e do desenvolvimento de fibras monocristalinas.

Da formulação à caracteri­zação do produto final, cada pesquisador tem sua área espe­cífica, mas nessa investigação conjunta as experiências e as histórias, como os próprios componentes das cerâmicas, se fundem e na prática é cada vez mais difícil dizer exatamente de quem ou de onde partiu cada uma das questões que vão sen­do investigadas.

Na USP, Yvonne Mascare­nhas, com uma equipe de cinco pesquisadores, cuida dos traba­lhos de cristalografia, a ciência que trata da caracterização da

tivo, não uma superposição de tarefas': avalia Hernandes. Os pesquisadores asseguram que o grupo, com essa com­plementariedade na área de materiais cerâmicos, é o único em atuação na co­munidade acadêmica internacional.

Segundo Eiras, a vantagem desse tipo de colaboração é principalmen­te a possibilidade de cada equipe aprofundar as investigações, uma es­pécie de contribuição verticalizada.

forma e da estrutura dos cris- Yvonne e Einstein: a harmonia do grupo

tais, neste caso, os materiais ce­râmicos. No mesmo prédio, Hernandes, da área de ciência de ma­teriais, trabalha com o desenvolvi­mento de monocristais. Na UFSCar, José Antonio Eiras, do grupo de cerâ­micas ferroelétricas, responde pela obtenção do material cerâmico básico.

O trabalho começou em 1994 com a chegada a São Carlos da química argentina Sílvia Cuffini. Yvonne con­ta que Sílvia, então candidata a um pós-doutorado nessa área, trouxe al­guns problemas relacionados à deter­minação da estrutura cristalina de ru­tenatos, que acabaram levando à montagem da atual equipe. "Temos um trabalho complementar e intera-

Ao mesmo tempo, a interação permi­te uma certa horizontalização, relacio­nada aos objetivos finais. "Uma equi­pe define o trabalho da outra e, por sua vez, tem suas próprias tarefas re­formuladas pelos resultados obtidos nas outras fases da pesquisa", diz ele.

O material obtido por Eiras pode se apresentar na forma de pó ou de um corpo cerâmico. Ao passar pela fase de cristalografia, suas caracterís­ticas estruturais são determinadas. "À primeira vista podem parecer tarefas lineares, livres de dificuldades e de surpresas, mas não é assim", diz Yvonne, sob o olhar complacente do físico alemão Albert Einstein, o cria-

dor da Teoria da Relatividade, que ocupa um enorme pôster atrás de sua mesa de trabalho. A história e as idéias de Einstein- a exemplo da frase "A paz não pode ser obtida pela força, mas conquistada pelo entendimento", im­pressa no cartaz- sintetizam o espíri­to de trabalho da equipe, segundo ela.

Propriedades: O sólido tem basica­mente dois estados distintos: amorfo

e cristalino. Na matéria amor­fa, as propriedades são as mes­mas em qualquer direção. Na cristalina, algumas proprieda­des físicas variam de acordo com a direção adotada. Pro­priedades gerais como peso, calor específico, ponto de fu­são e composição química não variam quanto à direção. Mas as propriedades de transporte, ópticas, térmicas e elétricas, dependem da direção.

A periodicidade da matéria cristalina faz com que as pro­priedades direcionais sejam as mesmas em todas as direções paralelas. Mas pode ocorrer uma repetição simétrica das direções ao longo das quais as propriedades são as mesmas. A cristalografia procura justamen­te entender e descrever essas características dos cristais. Mas não é fácil detalhar as caracte­rísticas cristalográficas, como as pequenas distorções, previ-ne a pesquisadora. Uma das di­ficuldades é que átomos pesa­

dos, como os de ferro, por exemplo, podem difundir nos cristais e influir na estrutura dos materiais cerâmicos, modificando suas propriedades.

A cristalografia, uma área de pes­quisa antiga na qual o Brasil detém uma certa tradição, acabou servindo como ponto de partida para o traba­lho integrado de materiais cerâmicos em São Carlos. Nas últimas décadas, além do avanço teórico, mudou basi­camente o instrumental de pesquisa, diz Yvonne Mascarenhas. Entre 1959 e 1960, quando esteve nos Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Fulbright, rememora, "não havia a

PESQUI SA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 23

Page 24: Novas luzes sobre a hipertensão

facilidade proporcionada pelos com­putadores". Como em outras áreas, os computadores revolucionaram a cristalografia, acentua a pesquisa­dora, apontando para as estruturas cristalinas que o físico cubano Juan Guevara Carrio manipula num computador ao lado. Carrio, que estudou Física em Dresden, na ex­Alemanha Oriental, é um dos pós­doutorandos nessa área no Institu­to de Física.

A economia propiciada pela cons­trução desse equipamento pode ser contabilizada facilmente. Segundo Hernandes, o desenvolvimento do equipamento consumiu recursos de US$ 35 mil, dos quais US$ 20 mil fo­ram aplicados na compra do laser no exterior. Se tivesse sido adquirido no mercado internacional, diz o pesqui­sador, os custos poderiam chegar a US$ 65 mil. Técnicas que não utilizam o laser, ele calcula, demandariam

pneus para automóveis, entre outros usos intensivos. Neste projeto tam­bém houve um resultado importante e inesperado: a obtenção de fibra de um rutenato de estrôncio com pro­priedades supercondutoras, da mes­ma natureza que o descoberto por Muller e Bednorz, mas sem a presen­ça do átomo de cobre. •

PERFIS:

• YVONNE PRIMERANO MASCARENHAS é graduada em Química e Física pela Faculdade de Filosofia da Uni­versidade do Brasil, atual Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez o doutorado em Física na Escola de Engenharia de São Carlos, da Uni­versidade de São Paulo (USP). É pro­fessora titular do Instituto de Física de São Carlos, do qual já foi diretora. • ANTONIO CARLOS HERNANDES, 40 anos, bacharel em Física pela Uni­versidade Estadual de Londrina, com

Hernandes (esquerda), Yvonne e Eiras: da formulação à caracterização das fibras monocristalinas (ao lado)

A equipe de desenvolvimento de monocristais, liderada por Hernandes, desenvolveu um equipamento ali­mentado por um laser de dióxido de carbono com 100 Watts de potência para a obtenção das fibras monocris­talinas, num trabalho que conjuga engenho e arte. O equipamento fun­de materiais a temperaturas entre 1.000 e 2.600 graus Celsius. O que contém o material nestas temperatu­ras é sua própria tensão superficial, o mesmo princípio que impede que um copo cheio d'água apresente uma re­sistência a transbordar até um limite crítico. Hernandes conta que, para agregar os componentes da cerâmica, seria impraticável utilizar os recipien­tes comuns, como os cadinhos, por cau­sa da temperatura elevada e do risco de ameaçar a pureza desejada do ma­terial que está sendo manipulado.

equipamentos que não sairiam por menos de US$ SOO mil.

W''''''' u~~~~~~~~ 1~ ,, 1 ,,,,,~ ,,,,,,,,~ , ,, ,,,,, ~,~

24 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Descobertas inesperadas: Em traba­lhos de pesquisa básica como o con­duzido pelo grupo de São Carlos, a investigação é feita sem que se conhe­çam antecipadamente as característi­cas dos materiais que vão se revelar ao longo do trabalho. Resultados inesperados podem ocorrer a qual­quer momento - é o que os filósofos da ciência chamam de serendipidade, um termo que acabou se consagran­do para se referir a descobertas aci­dentais. A vulcanização da borracha, por exemplo, foi uma serendipidade. Mas este acidente acabou se revelan­do fundamental para a transforma­ção da borracha num material estra­tégico, incorporada na produção de

mestrado e doutorado no Instituto de Física e Química de São Car­los, da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1995. • ]OSÉ ANTONIO EIRAS, 47 anos, é gra­duado em Física pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com mestrado no Instituto de Físi­ca e Química de São Carlos da USP e doutorado em Ciências Naturais no Institut für Allgemeine Metall­kunde and Metallphysik, em Aa­chen, Alemanha. É professor da UFSCar desde 1985. Projeto: Síntese, Caracterização e Crescimento de Fibras Monocristali­nas de Cerâmicas Ferroelétricas Investimento: R$ 173.130,00

Page 25: Novas luzes sobre a hipertensão

CIÊNCIA

Produção de surfactante pu lmonar, no Butantan: agi lidade

Os novos produtos do Butantan

O Instituto Butantan concluiu o desenvolvimento em tem­po relativamente curto e deve iniciar em novembro a pro­dução nacional de dois novos medicamentos, em labora­tórios recém-inaugurados, construídos com financia­mento da FAPESP, da Finan­ciadora de Estudos e Projetas (Finep) e da Fundação Bu­tantan. Um deles é a eritro­poietina, hormônio que in­duz à produção de glóbulos vermelhos, cujo desenvolvi­mento, que custou até dez anos de trabalho em outros países, tomou apenas quatro no Butantan, segundo o dire­tor da instituição, Isaís Raw. O outro, o surfactante pulmo­nar, utilizado em recém-nas­cidos prematuros que pos­sam apresentar dificuldades para expandir os alvéolos pul­monares, foi "um aconteci­mento': "Toda idéia que ja­mais tinha sido aplicada dava certo, logo na primeira vez", diz ele. Construída em um ano, a planta piloto apresen­tou um rendimento surpre­endente, a ponto de permitir, ela própria, o atendimento da

demanda prevista, estimada em 216 mil doses, suficiente para cerca de 54 mil trata­mentos. Raw atribui o resul­tado à integração da equipe do Centro de Biotecnologia, com 25 doutores que se espe­cializaram em áreas comple­mentares, como a produção de vacinas, cultura de células e processos de purificação. "Quando vamos começar um trabalho, metade do caminho já está andado': diz Raw. •

Película de cana-de-açúcar

Uma película elaborada a partir da cana-de-açúcar tem se mostrado eficaz para com­bater infecções e contribuir com a cicatrização de ferimen­tos em animais tratados expe­rimentalmente no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambu­co (UFRPE). O método con­siste na produção da película utilizando o caldo de cana (garapa) em sua aplicação após a limpeza do ferimento. A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Ampa­ro à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). •

A célula virtual

O Laboratório de Imunopa­tologia Keizo Asami (Lika), da Universidade Federal de Per­nambuco (UFPE), criou o pro­jeto Célula Virtual, voltado ao ensino de bioquímica, em es­pecial o ciclo de glicose, um dos quatro módulos já disponíveis no endereço www.lika.ufPe.br/ bioinfo/virtual/vcell.htm, que disponibiliza textos, testes e um software para ensaios virtuais com enzimas. Criado a partir de um acordo entre os governos do Brasil e do Japão, o Lika dedi­ca-se ao estudo de doenças infec­ciosas e parasitárias tropicais. •

Penicilina, a descoberta do século

Médicos britânicos elegeram a descoberta médica deste sé­culo: a penicilina, o primeiro antibiótico desenvolvido no mundo, criada pelo escocês Alexander Fleming, em 1928. Na pesquisa, realizada na Grã-Bretanha c~m mais de 500 médicos de diferentes es­pecialidades, a aspirina foi es­colhida por 13o/o dos cardio­logistas e a quimioterapia por 28o/o dos oncologistas. •

Fleming: reconhecimento

Congresso de Genética

Em Gramado, no Rio Gran­de do Sul, em meio a tempe­raturas baixas, incomuns para esta época do ano, a comuni­dade científica conheceu os primeiros resultados e os des­dobramentos do Programa Genoma-FAPESP, durante o 45° Congresso Nacional de Genética, realizado pela Soci­edade Brasileira de Genética (SBG), no Centro de Con­venções do Hotel Serrano, de 4 a 6 de outubro, com cerca de 2.600 participantes. Os pes­quisadores Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto fize­ram palestras sobre o projeto Genoma Humano do Câncer. Sobre o Genoma Cana falou o seu coordenador, Paulo Ar­ruda, enquanto a pesquisa­dora Ana Maria Camargo fa­lou sobre o projeto Genoma Xylella. A FAPESP complementou as apresentações com o material impresso distribuído num estande de 18 metros quadra­dos, anexo ao Congresso. As conferências, que se soma­ram aos seminários, cursos e mesas-redondas, trataram tam­bém de patentes de genes, te­rapia gênica em tuberculose, animais e plantas transgêni­cas, história da genética de abelhas no Brasil, uso de mar­cadores biológicos, mapea­mento genético comparativo e evolução cromossômica evi­denciada pela citogenética clás­sica e molecular. Apesar do frio, também foi concorrida a Genética na Praça, um encontro aberto entre pesquisadores e estu­dantes de primeiro e segun­do graus, numa rua próxima ao Congresso. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 25

Page 26: Novas luzes sobre a hipertensão

CIÊNCIA

SAÚDE PÚBLICA

Cerco • à matadora • Projeto avança na determinação das bases genéticas

da hipertensão e abre caminho para métodos de prevenção e terapias mais eficientes no futuro

U m grupo de pesquisadores paulistas está avançando de modo promissor na iden-

tificação dos componentes genéticos da hipertensão, que devem permitir, no futuro, a determinação precoce do risco de desenvolvimento de pato­logias e de morte a elas relacionada, em cada paciente que apresente ele­vação em seus níveis de pressão arte­rial. Mais que isso, o conhecimento das bases genéticas da hipertensão promete o desenvolvimento de mé­todos preventivos e de terapias muito mais eficientes do que os adotados hoje para controlar a doença e, o que é muito importante, métodos ade­quados para cada caso - porque as causas e os efeitos da hipertensão va­riam muito de pessoa para pessoa.

O grupo, formado por 11 pesqui­sadores, entre biólogos moleculares, fi­siologistas e médicos clínicos, sob a li­derança do professor Eduardo Moacyr Krieger, chefe da Unidade de Hiper­tensão do Instituto do Coração, o Incor, participa de uma espécie de cerco genético internacional à hiper­tensão, com o projeto Bases fisiológi­cas da hipertensão: estudo integrado. Trata-se de um temático financiado pela FAPESP, que até o momento lhe destinou cerca de US$ 650 mil. De­senvolvido a partir de 1995, o projeto conta, em alguns estudos específicos,

26 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

com a colaboração de pesquisadores do Medical College de Wisconsin, das universidades de Harvard e da Carolina do Norte, e já apresentou al­guns resultados muito concretos à co­munidade científica internacional.

O primeiro deles foi a identifica­ção de cinco regiões cromossômicas em animais de experimentação (ratos), que explicavam em grande parte o aumen­to da pressão arterial nessas cobaias.

A partir desse resultado (publica­do na revista científica Genome Rese­arch, já em 1995), muito sugestivo .de que nessas regiões há genes direta­mente envolvidos com a hipertensão, os pesquisadores iniciaram uma tra­balhosa caçada a esses genes, valen­do-se de múltiplas abordagens. Nesse momento, o cerco está se fechando e o grupo espera responder, dentro de alguns meses, às seguintes perguntas: qual ou quais dessas cinco regiões participam da gênese da hipertensão? Qual a importância relativa de cada uma delas na emergência da hiper­tensão? E em quais cromossomos humanos encontram-se as regiões identificadas nos ratos? - porque se as regiões são muito parecidas (ho­mólogas) entre uma espécie e outra, elas não estão, no entanto, nos mes­mos lugares, ou melhor, nos mesmos cromossomos. Nos ratos, duas delas se encontram no cromossomo 2 e as

Page 27: Novas luzes sobre a hipertensão

outras três estão nos cromossomas 4, 8 e 16. Nos homens, ainda não se sabe e há que procurá-las nos 23 pa­res de cromossomas da espécie.

Encontrar os genes defeituosos é essencial para entender os vários sis­temas de controle da pressão arterial, as razões das diferenças no compor­tamento desses sistemas mesmo em indivíduos igualmente hipertensos e, por fim, para estabelecer as práticas preventivas e terapêuticas mais ade­quadas para cada paciente. Afinal, cor­tar o sal da dieta, prática recomenda­da de forma genérica pelos médicos para todos os hipertensos, "ajuda so­mente 20% deles", diz Krieger, presi­dente da Academia Brasileira de Ciên­cia, entre outros cargos. Há pessoas,

completa ele, em que a hipertensão nada tem a ver com a alimentação. Os genes que apresentam defeitos de que resulta a hipertensão não são ne­cessariamente os mesmos em dois di­ferentes pacientes, ainda que tenham o mesmo nível pressório.

"Não temos a ilusão de explicar a hipertensão por um único defeito ge­nético': diz o professor José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Ge­nética e Cardiologia Molecular do ln­cor e filho do professor Eduardo Moa­cyr Krieger. Coordenador de toda a parte de genética da pesquisa, ele observa que em nenhum problema biológico complexo, ou mais precisa­mente, em nenhuma das doenças complexas que normalmente corres-

pondem a grandes linhas dos progra­mas de saúde pública, caso de diabetes, câncer, asma, aterosclerose, epilepsia e esquizofrenia e outras, encontra-se um único gene responsável pelo mal. O que as explicam são defeitos em vá­rios genes que, sob a influência de dife­rentes fatores ambientais, determinam as manifestações da doença': diz.

Danos cumulativos: A hipertensão, que se caracteriza por uma elevação dos níveis de pressão arterial acima do limite de 140/90 milímetros de mercúrio, ou, como se diz comu­mente no Brasil, acima da medida de 14 por 9 (centímetros de mercú­rio), "é uma matadora silenciosa", define Krieger pai, especialista em

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 27

Page 28: Novas luzes sobre a hipertensão

fisiologia cardiovascular. Por longo tempo, o hipertenso não apresenta sintoma algum e, quando ele final­mente sente alguma coisa estranha, a doença já está em seu estágio mais avançado, já tem um longo tempo de ação e acumulou muitos danos para o organismo.

A par do que representa de amea­ça para cada paciente em particular, porque altera a fisiologia normal do coração, do cérebro e dos rins, tor­nando-se uma causa poderosa de enfarte do miocárdio, de acidente vas-

cular-cerebral ("derrame") e de insu­ficiência renal, a hipertensão é um grave problema de saúde pública. Ela acomete, no Brasil, 20% da popula­ção adulta e nada menos que 50% dos idosos com mais de 60 anos, per­centuais muito similares aos de gran­de parte dos países ocidentais.

Na medida em que sua base gené­tica ainda permanece desconhecida, não se pode falar em cura da hiper­tensão, e sim em controle ou em regu­lação da doença. De fato, os médicos tentam controlá-la reduzindo os níveis da pressão arterial, por meio de alte­ração dos hábitos do paciente e da administração de medicamentos. Nos últimos 20 anos, registrou-se um de­senvolvimento notável dos fármacos

28 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

para controle da pressão e, em conse­qüência, verificou-se uma redução sig­nificativa na ocorrência de derrames, insuficiência renal e enfartes resultan­tes da hipertensão. De qualquer sorte, um grande número de pacientes de­senvolve essas complicações e a hiper­tensão permanece, assim, como um dos maiores fatores de risco da maior causa de morte no mundo atual, ou seja, as doenças cardiovasculares.

Peneira genética: O estudo desenvol­vido no lncor examina também como

(

os fatores ambientais (como estilo de vida, fumo, alimentação, sedentaris­mo e estresse) influenciam e deter­minam a hipertensão. Em outras pala­vras, busca-se estabelecer a natureza de sua interação com os determinan­tes genéticos no desencadeamento da doença e de suas complicações. Mas são mesmo os aspectos genéticos que constituem a parte mais fundamen­tal e excitante da pesquisa. Nesse cam­po, o projeto desdobra-se por duas grandes vertentes.

Na primeira vertente - a que re­sultou na identificação das regiões cromossômicas relacionadas com o aumento da pressão arterial dos ratos -, os pesquisadores trabalham com cru­zamentos e caracterização fenotípica

das cobaias, e com a caracterização dos marcadores moleculares utiliza­dos no processo de procura dos ge­nes. Os marcadores são determina­das moléculas que "engancham" nas regiões cromossômicas alvo do estu­do e por isso mesmo têm um papel informativo ou revelador daquilo que se procura. No caso, para os 21 pares de cromossomas das cobaias, os pesquisadores dispõem de um pai­nel de 336 marcadores, cuja utili­zação tornou-se possível graças à colaboração do lncor com centros

z de pesquisa norte-americanos ~ (Harvard e Medical College de ~ Wisconsin), particularmente o " ~ laboratório do doutor Howard

Jacob, que vem trabalhando in­tensamente no projeto genoma do rato.

O cruzamento entre animais hipertensos e normotensos (com pressão arterial normal) visou à obtenção de netos, isto é, de uma segunda geração de ani­mais cuja carga genética apre­sentasse uma distribuição alea­tória dos genes de cada um dos dois tipos. E nas experiências com essa geração, os pesqui­sadores buscaram determinar com precisão, por meio de mar-cadores moleculares, que re­giões cromossômicas aqueles netos que se tornaram hiper­tensos haviam herdado de seus

avós hipertensos. Dessa forma, obte­ve-se o primeiro resultado significa­tivo do projeto: a identificação das cinco regiões que podem guardar os segredos genéticos da hipertensão.

A partir daí, o grande trabalho nos últimos três anos passou a ser substituir cada uma das regiões iden­tificadas por uma região similar nor­mal, ou seja, "construir" gerações seguidas de animais (processo cha­mado linhagem de ratos congênicos) até chegar ao desenvolvimento de um rato idêntico a seu ancestral hi­pertenso, exceto por uma região cro­mossômica proveniente do ancestral normotenso.

Como se faz isso? Simplificando, quando se cruza um animal norma-

Page 29: Novas luzes sobre a hipertensão

tenso com um hipertenso, obtém-se um descendente cuja carga genética é 50% resultante de um e 50% resul­tante do outro. Num processo de re­trocruzamento, ou seja, tomando esse descendente e fazendo seu cru­zamento com o rato hipertenso, o novo descendente terá 75% da car­ga genética do hipertenso e 25% do normotenso. Repetindo-se sucessiva­mente o mesmo processo, quer dizer sempre tomando representantes de uma nova geração e cruzando-os com o velho hipertenso, em determi­nada altura consegue-se um animal cuja carga genética é 99,9% resultan­te do hipertenso e um quase nada é proveniente do normotenso. Mas é justo nesse "restinho" transferido do normotenso que está uma chave pre-. .

cwsa para se mves-

Uma bomba, um sistema de freios

De maneira muito simplifi­cada, pode-se tentar explicar a pressão arterial assim: quando o coração, que é uma bomba sofis­ticada, ejeta o sangue para os va­sos (no movimento de sístole), e o acumula ali, a pressão arte­rial chega a seu ponto mais alto. No espaço entre este e o próxi­mo batimento, tempo em que o ventrículo está se enchendo com o sangue que retorna das veias (diástole), a pressão arterial che­ga a seu ponto mais baixo. Cu­rioso é que o tempo que a bom-

ba cardíaca leva no processo de enchimento é maior que o tempo gasto na ejeção do sangue (res­pectivamente, dois terços e um terço do tempo entre um bati­mento e outro), mas mesmo as­sim o fluxo sanguíneo na perife­ria do corpo é constante e equilibrado. Para conseguir isso, o organismo conta com a resis­tência das arteríolas e a elastici­dade do sistema arterial, que amortecem as flutuações de des­carga da bomba cardíaca.

tigar de forma mais profunda a relação entre determinada região cromossômi­ca e as manifesta­ções da hipertensão. Porque não se tra­ta de um restinho qualquer, mas de uma determinada região cromossômi­ca que os pesqmsa­dores escolheram a priori e mantiveram presente ao longo de todo o processo de linhagem. Como? "Nesse processo, nas­cem uns 100 ratos por geração. Estabe­lecemos a tipologia genética de todos e escolhemos para os novos cruzamentos

Esquema básico da pressão arterial

São muitos os fatores que interferem no com­plexo equilíbrio des­se sistema, vital para

Pulsação cardíaca Curva da pressão no rmal

o organismo, e que aparentemente está bem quando o limite máximo da pressão sistólica é 14 centíme­tros de mercúrio e, o da diastólica, 9 centí­metros de mercúrio.

Sístole (contração do músculo cardíaco)

.- Pressão sistólica até 14 am/hg

máximo de sangue

Diástole (distensão do músculo cardíaco)

Aorta com volume mínimo de sangue

Pressão diastólica

para mais uns cinco anos", diz José Eduardo Krieger.

Sistemas de controle: A segunda grande vertente dos estudos genéticos da

até 9 am/hg ____!

hipertensão desenvolvi­dos pela equipe de Krie­ger vem utilizando um conjunto de ferramentas analíticas e sintéticas da

sempre os que trazem a região que nos interessa", explica José Eduardo Krieger.

Nesse percurso trabalhoso, os pes­quisadores já estão trabalhando com a décima geração das linhagens refe­rentes a cada uma das cinco regiões de interesse e Krieger comemora agora o fato de, em relação a duas delas, se ter obtido as linhagens desejadas e que começarão a ser investigadas.

Com essa espécie de análise com­binatória em marcha, a esperança dos pesquisadores é estabelecer, den­tro de alguns meses, com rigor expe­rimental, qual ou quais das cinco re­giões cromossômicas estão de fato implicadas com a doença. E, demons­trado isso, começar a caçada dentro de alguns milhões de bases existentes na região dos genes que interessam. "Imaginamos que isso é trabalho

biologia molecular para conhecer melhor os sistemas de controle da pressão arterial. "Acredi­tamos que são alterações nas dife­rentes vias que controlam a pressão que levam o indivíduo a responder inadequadamente aos estímulos ambientais, com o desenvolvimento de patologias", resume José Eduardo Krieger.

Um desses sistemas é o renina-an­giotensina, que participa de maneira

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 29

Page 30: Novas luzes sobre a hipertensão

importante da homeostasia cardio­vascular, ou seja, o equilíbrio normal da função cardiovascular. A angio­tensina é uma substância formada na circulação pela renina secretada pelo rim, e admite-se hoje que é também gerada localmente nos vasos arteriais. Um dos componentes desse sistema é a enzima conversara de angiotensina (ECA), e os pesquisadores do Incor vêm testando, por meio de três abor­dagens diferentes, a hipótese de que ela seja um gene de suscetibilidade cardiovascular.

A primeira abordagem cuida de verificar como o gene liga e desliga nas mais diversas situações fisiológi­cas e patológicas, isto é, como ele é ativado e como é desativado, dimi­nuindo, nesse caso, a síntese da ECA e influenciando, por conseqüência, a produção da substância ativa do sis­tema, a angiotensina II (num esque­ma rápido: o substrato, ou a grande proteína na base de tudo isso é o an­giotensinogênio que, por ação da re­nina, converte-se em angiotensina I e que, por ação da ECA, converte-se em angiotensina II).

Para observar o processo liga-des­liga, os pesquisadores, primeiro, criam uma molécula recombinada, ligando a região promotora do gene da ECA

30 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

ne da ECA que carregam - de zero a quatro cópias (configurando camun­dongos knock-out e knock-in). Veri­fica-se, por exemplo, qual o efeito de um determinado estímulo, como o exercício físico, no desenvolvimento da hipertrofia cardíaca (que está asso­ciada à hipertensão) em cada um dos grupos. A hipótese que está sendo tes­tada é: um maior número de cópias do gene da ECA determina respostas mais graves - maior hipertrofia do múscu­lo cardíaco, enfartes maiores, etc.

(os genes têm sempre uma região co­dificadora e outra promotora ou re­guladora), onde estão suas seqüên­cias regulatórias, a um gene repórter ou gene marcador - o escolhido tem sido a luciferase (encontrada no va­galume, por exemplo), cuja emissão de luz possiblita uma quantificação da atividade que se quer observar. Em seguida, a molécula recombinada é injetada em célula em cultura ou no ventrículo do rato - dessa forma, quando analisam-se as células ou te­cido, uma maior ou menor emissão Esses estudos estão sendo viabili­

~------. z zados graças à colaboração com

de luz é proporcional à atividade da região regulatória do gene sob inves­tigação. Assim identificam-se as se­qüências regulatórias que trabalham no sistema liga-desliga do gene. "Se essa seqüência for identificada, abri­mos caminho para uma melhor com­preensão do funcionamento do gene da ECA e uma oportunidade para o desenvolvimento de terapêuticas mais eficazes'; comenta José Eduardo Kreiger, fugindo de uma conclusão taxativa porque as pesquisas nesse campo ain­da não terminaram.

A segunda abordagem para deci­frar o sistema renina-angiotensina vem trabalhando com um estudo comparativo entre animais idênticos, exceto pelo número de cópias do ge-

~ o laboratório do doutor Oliver f;l

Smithier, na Universidade da :::>

~ Carolina do Norte, que produ-ziu e cedeu os camundongos para o grupo brasileiro.

A terceira abordagem, par­tindo do conhecimento de que na população humana encon­tram-se variantes genéticas fun­cionais que influenciam na ati­vidade da ECA, tenta responder se naquelas pessoas em que esse gene é mais ativo as probabilida­des de aparecimento de compli­cações cardiovasculares são mais elevadas. Essa parte do es­tudo vem sendo feita direta­mente com pacientes do Incor, portadores de diferentes cardio­patias, dentro de um esforço para estratificar variantes gené­ticas e riscos da hipertensão e

outras patologias cardiovasculares. Os estudos fisiológicos feitos no

Incor dentro do grande projeto sobre hipertensão têm confirmado, por testes sofisticados, algumas suspeitas que os especialistas da área já tinham há muito tempo. Um exemplo: a ati­vidade física em ritmo intenso não altera os níveis de pressão e não traz, portanto, benefícios aos hipertensos. O exercício moderado, sim, lhes é be­néfico, porque diminui a atividade simpática- do sistema nervoso autô­nomo, um dos controladores da pressão arterial - para o coração, com repercussões positivas sobre o nível da pressão. Em outras palavras, o exercício moderado melhora a elasticidade das grandes artérias. Re-

Page 31: Novas luzes sobre a hipertensão

gistre-se como curio­sidade que filhos de pacientes hipertensos apresentam desde mui­to cedo, antes de co­meçarem a apresentar pressão alta, um au­mento das atividades simpáticas.

Uma série de tes­tes vem sendo feita no Incor para medição dessa atividade. Um deles é a microneuro­nografia, que consiste na implanta­ção de uma agulha no nervo perone­ro para identificar as descargas do sistema simpático. Um outro teste é mergulhar a mão em água gelada por 1 O segundos. Um terceiro consiste em estudos do endotério, que libera subs­tâncias vasodilatadoras. São exem­plos, segundo José Eduardo Krieger, de como o estudo da fisiologia hu­mana se tornou realidade, porque antes essas técnicas só podiam ser usadas com animais de laboratório.

Com o trabalho percorrendo dife­rentes abordagens, o que José Eduar­do Krieger destaca, no entanto, é que em doenças complexas a informação de um só marcador nunca é suficien-

te. "É por isso que estamos investi­gando simultaneamente nos indiví­duos variantes da ECA e angiotensi­nogênio e, no futuro, esperamos fazer uma análise combinatória que leve em consideração os diferentes componentes do metabolismo de lí­pides e cascata de coagulação sanguí­nea." Segundo o jovem Krieger, isso permitirá uma estratificação da ge­nética de cada indivíduo, uma per­cepção das variantes que podem le­var a determinado fenótipo e, daí, a uma avaliação de risco com precisão. "Só assim teremos uma medicina cada vez mais preventiva e, quando ela precisar ser curativa, o será com grande precisão e eficácia." •

PERFIS

• EDUARDO MOACYR KRIEGER, gaú­cho, fisiologista, 71 anos, é um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão. Presidente da Academia Brasileira de Ciências, dirige a Unidade de Hipertensão do Incor e é professor aposentado, desde 1985, da Medicina da USP de Ribeirão Preto. Krieger é um dos três fundadores e editores da revista Brazilian Journal of Medical and Biological Research. Publicou mais de 120 trabalhos científicos em revistas internacionais. • Jose EDUARDO KRIEGER, 39 anos, é médico formado pela USP de Ri­beirão Preto, PhD em Fisiologia pe­lo Medical College of Wisconsin e pós-doutorado em Biologia Mole­cular nas universidades de Harvard e Stanford. É livre-docente do De­partamento de Clínica Médica da FM-USP e diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do ln cor. Publicou 21 trabalhos cien­tíficos em revistas internacionais. Projeto: Bases Fisiológicas da Hiper­tensão: Estudo Integrado Investimento: US$ 542,4 mil e R$ 236,2 mil

As chances do Brasil na pesquisa mundial A pesquisa sobre hipertensão

já atravessa décadas, mas a deter­minação de todos os genes res­ponsáveis por ela ainda parece distante. Nesse sentido, as duas descobertas mais importantes fo­ram a descrição do angiotensino­gênio como gene implicado com a hipertensão, em 1992, e a iden­tificação, em 1991, de uma região no cromossoma 10 do rato, mais tarde encontrada no cromosso­ma 16 do homem, como locus onde se encontra um gene (tal­vez, genes) também ligado ao problema.

A descoberta de 1992 foi feita pela equipe do francês Pierre

Curvol, do Colege de France. A outra corresponde a resultados obtidos pelo grupo, também francês, de M. Lathrop, do In­serm, em conjunto com as equi­pes de Victor Dzau, da Universi­dade de Harvard, e de Erick Lander, do MIT.

No ambiente de pesqmsa da hipertensão, com especialistas dos Estados Unidos, França, Inglater­ra, Alemanha, Itália, Canadá, Aus­trália e Japão, o Brasil não faz feio. Desenvolve pesquisa qualitativa­mente avançada- falta quantida­de, problema que, os especialistas apostam, será minorado com os resultados do programa Genoma-

FAPESP. Afora o Incor, o grupo de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina investiga as bases gené­ticas da hipertensão. E muitos grupos paulistas e de outros Esta­dos brasileiros fazem pesquisa ex­perimental de aspectos variados da hipertensão. Aliás, vale não es­quecer que o Brasil, em meados dos 60, deu uma contribuição fundamental à pesquisa de doen­ças cardiovasculares: o BPF, fator de potenciação de bradicinina, molécula descoberta por Sérgio Ferreira, que deu origem ao cap­topril, remédio usado no mundo para as mais diversas doenças car­diovasculares.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 31

Page 32: Novas luzes sobre a hipertensão

CIÊNCIA

AMBIENTE

Fim do mistério Há muito mercúrio natural no Rio Negro, sem relação com o garimpo

U ma pesquisa realizada entre setembro de 1995 e janeiro pas­

sado na bacia do Rio Negro, na Ama­zônia, desfaz a conexão tradicional entre contaminação de populações ribeirinhas por mercúrio e atividade garimpeira. O garimpo utiliza o mer­cúrio para amalgamar o ouro, espe­cialmente em baixos teores, e assim viabilizar a atividade, num processo que afeta todo o ecossistema. No Rio Negro e seus afluentes de águas pre­tas, no entanto, a alta concentração deste mineral deve-se a emanações na­turais do solo em interação com com­plexos processos naturais, como a ação fotoquímica da luz solar. O que os pesquisadores definem como efei­to redox inibe a volatilização do mer­cúrio em corpos de água preta, ricos em matéria orgânica e com baixo pH. Essa inibição torna esses corpos d'água ricos em teores de mercúrio, a exemplo do que ocorre em regiões afetadas pela industrialização.

O trabalho Química Aquática do Mercúrio no Rio Negro: Importância da Luz Solar nos Processos Redox, coordena­do pelo professor Wilson de Figueire­do Jardim, do Laboratório de Quími­ca Ambiental do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campi­nas (Unicamp ), com participação de investigadores científicos de outras entidades nacionais, permitiu que um dos pesquisadores, diretamente en­volvido com as investigações, Pedro Sérgio Fadini, obtivesse seu título de doutorado naquela universidade.

Se de um lado a pesquisa, que re­cebeu um auxílio da FAPESP de R$ 36,2 mil, possibilitou novos conheci-

32 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

mentos sobre a dinâ­mica do mercúrio nos 700 mil km2 da bacia do Rio Negro, de outro, estimula investigações complementares. Es­sas pesquisas adicionais devem responder por que populações com alto teor de mercúrio no organismo não de­senvolveram sintomas clássicos dessa intoxi­cação com essas subs­tâncias, como perda de visão periférica e tre­mores no corpo, avalia Jardim, que também foi o orientador da te­se de doutorado.

Amostras de cabelos: As pesquisas envolvendo o mercúrio na bacia do Rio Negro, uma área equivalente a um sexto de toda a Amazônia Legal, tive­ram como ponto de partida um le­vantamento feito no início da década pelo pesquisador Bruce Forsberg, do Instituto Nacional da Pesquisas éia Amazônia (Inpa), de Manaus. O levan­tamento de Forsberg mostrou con­centrações elevadas de mercúrio em amostras de cabelo de populações ri­beirinhas, numa média de 75 miligra­mas por quilo, mas atingindo até 171 miligramas por quilo. A concentração limite em cabelos está estabelecida em 10 miligramas por quilo, segundo a Or­ganização Mundial da Saúde (OMS). A partir de 30 mg/kg, a pessoa come­ça a exibir sintomas da contaminação.

Forsberg e seus colaboradores tam­bém detectaram concentrações eleva­das de mercúrio no organismo de peixes predadores típicos da Amazô­nia, como o tucunaré. Esse trabalho pioneiro foi justificado pela intenção demonstrada pela Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coo-

Rio Negro, no Amazonas: quantidades espantosas de mercúrio, que se acumula

nos peixes e nos moradores da região

gam) de envolver-se com a extração do ouro no Vale do Rio Negro. O de­sejo de Forsberg, neste caso, era montar um banco de dados de refe­rência envolvendo os teores de mer­cúrio distribuídos na região antes da eventual ocorrência dessa ação an­trópica e localizada.

As altas concentrações detectadas por essa primeira pesquisa numa re­gião onde até então o garimpo era re­primido levaram a Unicamp a inte­ressar-se pelo estudo, apoiada pela FAPESP, justifica Jardim. Foi quando começou o trabalho que, ao final de quase quatro anos, reformulou meto­dologias científicas, detectou proces­sos naturais de contenção do mercú­rio em rios de águas pretas como o Negro, estabeleceu novos parâmetros para a discussão da contaminação mercurial, demonstrou o risco de se praticar o garimpo com uso desse metal e também apontou para a ne­cessidade de novas pesquisas, na área médica, capazes de explicar a inibi­ção dos sintomas de intoxicação.

Page 33: Novas luzes sobre a hipertensão

Antes deste trabalho realizado pela Unicamp, aceitava-se a associa­ção única e direta entre garimpo com uso de mercúrio e altas concen­trações desse poluente no ambiente, especialmente no organismo de po­pulações ribeirinhas, pois o mercú­rio tem efeito cumulativo e sua con­centração ocorre principalmente pela cadeia alimentar. A partir do paradoxo determinado pela equipe de Forsberg, os trabalhos conduzi-

dos sob a direção de Jardim mostra­ram que os solos da bacia do Rio Negro - que ao desaguar no Soli­mões, na altura de Manaus, forma o Rio Amazonas- são ricos neste mi­neral. A liberação constante desses estoques naturais, especialmente es­timulada por processos de cheia e vazante da bacia, além da atuação da fotoquímica solar, intensa na re­gião, são os responsáveis pelas eleva­das concentrações de mercúrio na

coluna d'água e conseqüentemente na biota, descobriram os autores deste estudo.

Estoques naturais: Escavações realiza­das a até um metro de profundidade em diferentes pontos da área investi­gada pelo trabalho conduzido por Jardim indicaram teores de mercúrio que, levando em conta a área de 700 mil km2 da bacia do Rio Negro, so­mam uma disponibilidade natural de 126 mil toneladas de mercúrio na re­gião estudada. Esses índices, conside­ram Fadini e Jardim, são incompa­tíveis com o aporte trazido pelo garimpo na Amazônia, estimado en­tre um mínimo de 4,6 a um máximo de 6,7 toneladas/ano.

Medições atmosféricas realizadas também a um metro do solo permi­tiram estabelecer um estoque de mer­cúrio na atmosfera da região de 10,8 toneladas, enquanto um ciclo com­plexo do metal no ambiente, com influência especialmente da radia­ção solar, permitiu estimar uma de­posição anual de 14 toneladas/ano de mercúrio sobre a região. Consi­derando-se ainda o teor do metal presente nas águas do Negro, com uma descarga de 29 mil m3 por se­gundo no Solimões, os pesquisado­res estabeleceram uma exportação anual de mercúrio, apenas pelo Rio Negro, de 4,1 toneladas/ano. Esse total é quase equivalente ao aporte mínimo considerado para a ativida­de garimpeira e assim também não pode ser justificado apenas por essa intervenção humana.

O mercúrio está presente no am­biente a partir de liberações naturais como vulcanismo, volatilização de corpos aquáticos e emanações da crosta terrestre. A forma dominante desse mineral na atmosfera é a gaso­sa, onde, segundo Fadini, é pouco so­lúvel em água. Essa característica, de acordo com o pesquisador, "implica um tempo de residência relativa­mente longo", estimado em um ano. A velocidade com que esse elemento é removido da atmosfera para depo­sitar-se sobre o solo ou nas águas de­pende de vários processos físico-quí-

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 33

Page 34: Novas luzes sobre a hipertensão

Fadini (esq.) e Jardim: estudo das origens e das conseqüências do acúmulo

de mercúrio na bacia do Rio Negro

micos que o confinam no estado ga­soso ou particulado.

Na água, o metal sofre modifica­ções físico-químicas e fotoquímicas provocadas por processos bióticos ou abióticos. E uma das descober­tas interessantes, interpreta Jardim, "foi justamente estabelecer que, nas águas pretas, como é o caso do Rio Negro, um processo físico-químico deflagrado por mecanismos foto­químicos cria uma contenção que inibe a volatilização do mercúrio, impedindo que ele atinja a atmosfe­ra e se espalhe por via aérea". Nas águas claras de rios como o Branco e o Solimões, onde a concentração de matéria orgânica é menor, esse pro­cesso não se manifesta, avaliam os pesquisadores. O resultado disso, é que os corpos de água preta, caso do Rio Negro, são mais ricos em mer­cúrio. Daí a maior contaminação da fauna aquática e da população ribei­rinha local.

As contribuições do ser humano para a concentração de mercúrio no ambiente, localiza Fadini, "começa­ram com a Revolução Industrial, quan­do o metal começou a ser usado para a produção de produtos como lâm­padas, baterias, termômetros, barô­metros e ainda com emprego na pro­dução de pesticidas e tintas".

34 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

utilizados como preservantes em grãos na Europa e América do Nor­te". Esses grãos, consumidos por pássaros e pequenos mamíferos, atingiram predadores maiores como águias, falcões e corujas. Mas a con­taminação não ficou apenas nos animais. Ainda nos anos 60, agricul­tores e seus familiares que consumi­ram grãos tratados com fungicidas à base de metil e etilmercúrio, especi­almente pelo consumo de pão casei­ro, também foram afetados. Apenas no Iraque, os dados demonstram que 6 mil pessoas morreram vítimas desse tipo de intoxicação no início da década de 70.

O ciclo do mercúrio na bacia do Rio Negro

Como resultado desses g acidentes, os governos come-.. ~ çaram a controlar as emis-

APORTE DE GARIMPOS:

DISPOSI ÃOATMOSFÉRICA = 14 tano· l

ESTOQUE ATMOSFÉRICO = 10,8 t

~ sões do mercúrio decorren-"' ·;;;

tes da ação do homem. Com

4,6 a 6,7 t ano· I TEMPO DE RES IST~NC IA NA ATMOSFERA ;::; 0,8 ano

base no levantamento de vá­rios autores, Fadini sustenta que as emissões de mercú-

ESTOQUE NO PRIMEIRO METRO DE SOLOS = 126.000 t

EXPORTAÇÃO FLUVIAL= 4,1t ano· I

O risco ambiental representado pelo mercúrio começou a despertar atenção nos anos 60, especialmente com a contaminação da Baía de Mi­namata, no Japão, onde uma indús­tria, a Chisso, que utilizava esse me­tal como catalisador, atirou com displicência, durante anos, resíduos do metilmercúrio nas águas. Essa é a forma química mais tóxica do mer­cúrio. A intoxicação, que ficou co­nhecida como Doença de Minama­ta, afetou pelo menos 2.252 pessoas, com 1.043 mortes.

Efeitos ambientais: Em seguida ao acidente de Minamata, mostra Fadi­ni em sua tese de doutorado, "segui­ram-se constatações de biomagnifi­cação de fungicidas mercuriais

rio na atmosfera caíram de 10 mil a 30 mil toneladas­ano na década de 70 para apenas 1 mil a 6 mil na dé­cada seguinte. Em casos de intoxicação pelo metilmer­cúrio, as investigações de­monstraram que a vida intra­uterina é a mais sensível, produzindo deformações resultantes do que pode ser

uma interferência dessa substância nos processos de divisão celular. Nas intoxicações severas do feto, de­monstra Fadini, "relatos apontam pa­ra problemas neurológicos graves, inclusive com má formação cefálica".

Aí emerge um segundo paradoxo do mercúrio na região estudada. Se a análise de cabelos de populações ribeirinhas aponta para elevados ín­dices de contaminação, o que expli­ca que eles não tenham desenvol­vidos os sintomas esperados, como perda da visão periférica e tremores semelhantes aos produzidos pela ma­lária? Os pesquisadores entendem que essa resposta só pode ser dada por uma pesquisa complementar. Admitem que alguns casos podem ser simplesmente confundidos com

Page 35: Novas luzes sobre a hipertensão

a malária. Mas aceitam também que isso possa estar relacionado às eleva­das quantidades de selênio, elemen­to presente na castanha-do-pará, que integra a dieta alimentar da po­pulação local. "O selênio pode estar por trás dessa inibição, ou pode es­tar ocorrendo até mesmo um pro­cesso de adaptação por tolerância ao mercúrio", considera Jardim.

Ocupação do solo: O trabalho pio­neiro de Forsberg, segundo Fadini, já encontrou concentrações de mercúrio em peixes do Rio Negro e seus tributários bem maiores que as detectadas em rios de outras re­giões amazônicas. Exemplares cole­tados no Rio Negro demonstraram até 2,63 miligramas de mercúrio por quilo, em oposição ao máximo de 0,71 miligrama por quilo de co­letas feitas em regiões distintas e isentas de garimpo. No Brasil, o li­mite de tolerância estabelecido para o mercúrio é de 0,5 miligrama por quilo. Essas altas taxas de mercúrio em peixes do Rio Negro são seme­lhantes às registradas em áreas anti­gas de garimpo e com problemas crônicos de contaminação por mercúrio, compara Jardim.

O perfil vertical (escavações) da distribuição do mercúrio ao longo dos testemunhos dos sedimentos de lagos estudados sugere que atualmen­te as taxas de acumulação do metal na Amazônia são maiores que no passado. Isto está sendo avaliado em parceria com uma equipe liderada pelo professor Antonio Mozeto, da Universidade Federal de São Carlos, que está realizando trabalhos de da­tação dos sedimentos. As primeiras evidências, no entanto, avalia Fadini, "sugerem que o mercúrio realmente apresenta um ciclo global e que o in­cremento das deposições atmosféri­cas em função da industrialização já detectado em lugares remotos de ou­tras regiões do mundo pode também estar acontecendo na Amazônia':

O pesquisador também não des­carta a possibilidade de que, na Amazônia, a liberação do mercúrio de origem natural possa estar au-

mentando em conseqüência da in­tensificação de usos e ocupação dos solos da região. Assim, do ponto de vista ambiental, o problema deslo­ca-se do garimpo para o desmata­mento, queimada ou criação de pas­tagens de maneira indiscriminada.

Contribuição científica: Os pesqui­sadores avaliam que o trabalho que realizaram traz uma série de contri­buições à percepção da dinâmica ambiental na bacia do Rio Negro. Avaliam, por exemplo, que os teores de mercúrio encontrados sugerem um cuidado para qualquer aparte adicional desse minério na região, o que, em princípio, inibe qualquer ini-

posta é a implantação de um progra­ma de educação ambiental para es­clarecer a população dos riscos de contaminação por mercúrio e da con­veniência de se preferir peixes não predadores, especialmente para con­sumo por mulheres grávidas. A mé­dio e longo prazos, sugere-se um pla­no de gerenciamento da região para determinar o uso e ocupação mais conveniente para o solo e demarcar a intensidade e extensão das ativida-des extrativistas. •

PERFIS:

• WILSON DE FIGUEIREDO JARDIM tem 45 anos, graduou-se em Quí-

Os instrumentos de pesquisa: formas de conter o impacto ambiental

ciativa ligada ao garimpo do ouro. Além disso, as atividades que impli­cam a remoção de cobertura vegetal, queimada de floresta e perturbação das margens do Negro e seu sistema de afluentes, com aumento do asso­reamento, devem ser evitadas.

Os pesquisadores também suge­rem iniciativas e pesquisas comple­mentares capazes de minimizar o impacto dos elevados teores natu­rais de mercúrio no ambiente regio­nal. Neste caso está incluído diag­nóstico mais detalhado da extensão da contaminação pela análise de amostras de cabelo. Eles defendem ainda o incentivo a técnicas agríco­las capazes de estimular uma diver­sidade agrícola para a ampliação da dieta alimentar. Outra iniciativa pro-

mica na Universidade Federal de São Carlos e fez o doutorado na Universidade de Liverpool, Ingla­terra. É professor do Departamen­to de Química Ambiental do Ins­tituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1985. • PEDRO SÉRGIO FADINI graduou-se em Química na Universidade Fe­deral de São Carlos e fez mestrado e doutorado na Unicamp. É pro­fessor do Instituto de Ciências Bio­lógicas e Química da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Projeto: A Química Aquática do Mercúrio no Rio Negro: Importân­cia da Luz Solar nos Projetas Redox Investimento: R$ 36.207,09

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 35

Page 36: Novas luzes sobre a hipertensão

TECNOLOGIA

INFORMÁTICA

Controle cerrado

da Faculdade de Engenharia Quími­ca da Unicamp. Foi um trabalho com­plexo. Para se ter uma idéia de suas características, o valor do software de­senvolvido no projeto é estimado em R$ 1,5 milhão.

Unicamp desenvolve software de controle de processos industriais

A s grandes empresas químicas brasileiras têm um problema

em comum. Para manter a competi­tividade e produzir com baixos cus­tos, otimizar a produtividade e au­mentar a segurança, os processos precisam trabalhar com a maior efi­ciência possível. Sem isso, os custos se elevam e a empresa perde poder de concorrência no mercado. Para tan­to, as plantas são controladas por pro­gramas de computador. Não são soft­wares comuns. Aplicam, por exemplo, várias técnicas de controle avançado e otimização em tempo real. Adap­tam-se a diversas situações e quanti­dades de material.

Normalmente, a estrutura atual das empresas não comportaria man­ter um departamento apenas para de­senvolver e produzir esses softwares. De fato, pelas dificuldades de desen­volvimento, eles são comprados de ter­ceiros. Todos os fornecedores são es­trangeiros e só fornecem o material na forma de pacotes fechados, forne­cendo também o treinamento do pes­soal que vai operar o software, assim como sua manutenção. Os progra­mas desse tipo exigem ajustes perió­dicos. É preciso fazer regularmente uma análise dinâmica, para definir as variáveis mais importantes do sistema. Normalmente, o ajuste dos parâme­tros também fica com o fornecedor do software, o que toma a transferência de tecnologia um processo extrema­mente marginal e de difícil execução.

Resultado: custo muito alto e de­pendência tecnológica. Isso pode es­tar mudando. Um software desse tipo já foi criado na Faculdade de Enge-

36 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

nharia Química da Universidade Es­tadual de Campinas (Unicamp) em um projeto de inovação tecnológica da FAPESP e Rhodia. Ele foi testado e mostrou ser eficiente nas instalações da empresa Rhodia S.A., em Paulínia, operando um reator de hidrogena­ção de fenol. O projeto, que tem o tí­tulo Otimização e Controle Avançado do Reatar de Ciclo-Hexanol da Usina Química de Paulínia - Rhodia, está

O software da parceria Unicamp­Rhodia foi desenvolvido para traba­lhar em reatores trifásicos, como o reator de ciclo-hexanol de Paulínia. Nele, o fenol é convertido em ciclo­hexanol por meio de uma reação de hidrogenação em meio multifásico. O reator é permanentemente alimen­tado por uma corrente de água e ou­tra de reciclo, com catalisador. O con­trole da temperatura é feito por um fluido de refrigeração, pois as reações

Rubens Maciel Filho: formando Recursos Humanos em área de dependência tecnológica

sendo realizado no âmbito do Progra­ma Parceria para Inovação Tecnoló­gica (PITE), da FAPESP. Os investi­mentos na pesquisa totalizam R$ 366,4 mil e ainda um a porte deUS$ 20 mil. A Rhodia S.A. está entrando com R$ 340,6 mil e a FAPESP com o restante.

Área carente: "O desenvolvimento de um software desse nível ajuda a for­mar recursos humanos, na universida­de e na empresa, em uma área bastan­te carente no Brasil, onde há enorme dependência tecnológica", comenta o coordenador do projeto, o professor Rubens Maciel Filho, diretor do La­boratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (Lopca) e do De­partamento de Processos Químicos

liberam calor. É importante que todo o fenol que entra na reação seja conver­tido no produto desejado. Do contrá­rio, a economia e a segurança do pro­cesso ficam comprometidas.

"O processo é multivariável", ex­plica Maciel Filho. A produção de ci­clo-hexanol ocorre num reator de grande porte. O volume de produto processado diariamente pode chegar a algumas dezenas de toneladas. Há diversas variáveis operacionais, que podem ser controladas separada ou simultaneamente. "O processo é for­temente não-linear, com complexos fenômenos de transferência de calor e de massa", prossegue o professor. "Somando-se a isso as características multivariáveis, temos um problema

Page 37: Novas luzes sobre a hipertensão

desafiante e complicado para a imple­mentação de técnicas de controle avan­çado e otimização em tempo real."

Margarina e penicilina: A utilidade do software é especialmente impor­tante na indústria química. Mas suas aplicações não param por aí. Ele pode ser usado em diversas indústrias com processos contínuos de produção. Ma­ciel Filho dá como exemplos os rea­tores de leito fixo para a produção de anidrido maleico; reatores de hidro­genação para a produção de margari­na e creme vegetal; indústrias de cra­queamento ou quebra de moléculas do petróleo, por meio de processos catalíticos ou térmicos; indústrias de produção de etanol; e fabricação de penicilina por processo fermentativo.

O software desenvolvido na Uni­camp tem inclusive algumas vanta­gens com relação aos similares es­trangeiros. Em sua versão adaptativa, é possível encontrar os melhores pa­râmetros do controlador para chegar a finalidades específicas, dentro do processo, sem a necessidade de inter­ferência humana. O acoplamento com algoritmos, conjuntos de regras ex­pressas sob formas matemáticas para a realização de funções com vistas a um objetivo, facilita a análise dinâ­mica. E, como se trata de um softwa­re aberto, o usuário compreende to­dos os procedimentos de cálculos. "Isso possibilita a qualificação do pessoal envolvido no trabalho", des­taca o professor Maciel.

Desde o início dos trabalhos, em fevereiro de 1995, o software passou por seis etapas. Na primeira, foi feita a modelagem dos processos, por meio de modelos matemáticos deter­minísticos. Na segunda, foi feita a va­lidação dos modelos com os dados industriais. Seguiram-se o desenvol­vimento dos algoritmos de controle avançado, o teste de desempenho por simulação e a implementação e teste de desempenho no processo real. A última é o desenvolvimento dos algo­ritmos de otimização, para a busca das condições ótimas de produção. Os relatórios finais de prestação de contas deverão ser entregues em fe-

vereiro. O software está sendo devida­mente preparado para ser registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Modelos mat emáticos: O projeto foi retomado na terceira semana de ou­tubro, depois de uma interrupção que se seguiu ao pré-teste, em maio, na uni­dade da Rhodia em Paulínia. O enge­nheiro Alexandre Tresmondi, da Rho­dia, encarregado da continuação do desenvolvimento do processo, vê várias possibilidades para o futuro, inclusive a automatização de algumas operações hoje feitas manualmente na fábrica. Ele diz que, a partir dos modelos ma­temáticos desenvolvidos pela Unicamp e dos dados industriais, será feito um estudo para a colocação em prática de melhorias no processo e a introdu­ção do controle avançado no reator.

Maciel Filho, por outro lado, in­forma que conhecimentos adquiridos com o projeto do software já levaram a colaborações com outras empresas, como a Copene Petroquímica do Nor­deste, de Camaçari, perto de Salva­dor, e a trabalhos em outros proces­sos na Rhodia. Com a Copene, a maior empresa petroquímica da América do Sul, a parceria envolve a imple­mentação de controles avançados, tes­tes de desempenho, desenvolvimento de modelos matemáticos e acoplar mento com técnicas de otimização pa­ra planejamento de produção em vá-rios processos químicos. •

PERFIL:

• RuBENS MACIEL FILHO, 41 anos, é graduado em engenharia química pela Universidade Federal de São Carlos. Fez mestrado e doutorado na mesma área, respectivamente na Uni­versidade Estadual de Campinas e Universidade de Leeds, na Inglater­ra. É professor titular da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp. Projeto: Otimização e Controle Avan­çado do Reatar de Ciclo-Hexanol da Usina Química de Paulínia- Rhodia Investimento: R$ 25,8 mil e US$ 20 mil, da FAPESP, e R$ 340,6 mil da Rhodia S.A.

TECNOLOGIA

ALIMENTOS

Argila no refino de óleos vegetais

Novo método não utiliza água e reduz impacto ambiental

A s indústrias de óleos vegetais poderão contar em breve com

uma alternativa ao método tradicio­nal empregado na etapa básica do processamento dos grãos, o refino, que dispensa o uso de água e evita a formação de efluentes. Atualmente, usa-se um litro de água para cada dez de óleo. Por dia, correm pelas empre­sas pelo menos 20 toneladas de água de lavagem, que contém sabões e re­síduos de óleo, depois separados por uma centrífuga, com intenso consu­mo de eletricidade. A água pode ser reaproveitada algumas vezes, mas de­pois de perder seu poder de filtragem deve ser descartada e devolvida à na­tureza, devidamente tratada.

Há um ano e meio, o engenheiro químico Daniel Barrera-Arellano, da Faculdade de Engenharia de Alimen-

Barrera-Arellano: testes em planta pi loto, no laboratório

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 37

Page 38: Novas luzes sobre a hipertensão

tos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), perguntou­se se tanta água seria mesmo indispen­sável. Por fim, conseguiu desenvolver um método que a dispensa por com­pleto. Sua pesquisa recém-concluída Refino a Seco de Óleos Vegetais, que contou com um financiamento da FAPESP no valor de R$ 17.383, mos­trou que é tecnicamente viável subs­tituir a água por um tipo de argila co­nhecida como silicato. O resultado é um processo de refino mais simples, de menor impacto ambiental, que em laboratório, segundo o pesquisador, conduz a um óleo que tem se mostra­do idêntico ao processado nas indús­trias, com o processo convencional.

Barrera-Arellano sabe que os re­sultados obtidos, embora satisfatórios, ainda não são suficientes para moti­var novos investimentos do setor que movimentou US$ 4,7 bilhões apenas em exportações no ano passado, se­gundo a Associação Brasileira das In­dústrias de Óleos Vegetais (Abiove). As indústrias do setor devem este ano esmagar cerca de 22 milhões de tone­ladas de soja e produzir cerca de 4

milhões de toneladas de óleo, manten­do o Brasil como segundo maior ex­portador de grãos e de óleo. Dada a dimensão desse mercado, o pesquisa­dor empenha-se no momento na rea­lização de testes de uma planta piloto, construída no próprio laboratório, e na da viabilidade econômica do processo.

As etapas: Inicialmente, o silicato, de preferência o silicato de alumínio, uma espécie de argila natural, sofre um tratamento térmico, para eliminar suas impurezas e melhorar as proprieda­des químicas do produto. Depois, é mergulhado em uma solução, para ser impregnado com hidróxido de sódio (NaOH), a soda cáustica, que mais tarde é liberada no óleo vegetal. O silicato impregnado com hidróxi­do de sódio é então particulado e pul­verizado. Num reator sob vácuo e agitação a 70° Celsius, é adicionado ao óleo degomado, assim chamado porque dele foram extraídas apenas as gomas ou fosfolípides, também chamadas de lecitinas. Essa é a maté-

38 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Estudo com soja vale para girassol, canola e algodão

ria-prima com a qual as refinadoras trabalham.

Barrera-Arellano conta que as par­tículas de silicato impregnadas com hidróxido de sódio reagem com um dos componentes do óleo degomado, os ácidos graxos livres, na primeira eta­pa do refino. Formam-se os compos­tos químicos classificados como sabões, que se ligam ao silicato num processo conhecido como adsorção. Adsorver, lembra o pesquisador, é diferente de absorver. "Uma esponja absorve água, mas quando a esprememos a água sai facilmente, enquanto na adsorção os compostos ficam presos a outro material."

A etapa seguinte é a filtração, que separa o óleo do silicato. Como ainda restam resíduos de sabão no óleo, o processo inclui um cuidado adicio­nal, a clarificação, em que são adicio­nadas ao óleo duas espécies de argila. Uma delas é a argila clarificante, uti­lizada também no processo conven­cional de refino para a retirada de pigmentos. A outra é um adsorvedor de sabões, outra argila industrial co­mercializada no mercado, que retira os resíduos restantes. Em seguida, uma nova filtração separa o óleo das argilas. Por fim, é a vez da desodori­zação do óleo, como no processo con­vencional, com um tratamento tér­mico, sob vácuo, que elimina os

compostos voláteis que provocam o indesejado ranço e assegura um pro­duto muito mais estável, com vida útil prolongada e cheiro suave. Pron­to: aí está o óleo refinado.

As diferenças: O silicato de alumínio termicamente ativado funciona como suporte para o hidróxido de sódio, também utilizado no método conven­cional, mas em uma solução aquosa. Outra diferença: pelas técnicas atuais, os sabões que se formam pela reação do hidróxido de sódio com os ácidos graxos livres do óleo são retirados por meio de uma ou duas lavagens, que consomem dez litros de água para ca­da 100 de óleo a ser refinado. Depois, uma centrífuga separa o óleo da água com sabões. "O refino a seco tem uma filtração a mais, mas elimina as duas lavagens e a centrifugação': diz Barre­ra-Arellano. "Desse modo, não utiliza­mos água e eliminamos os efluentes."

Barrera-Arellano trabalhou com óleo de soja, o ~1ais utilizado como alimento no Brasil. Mas o processo de refino a seco pode ser utilizado para qualquer outro óleo comestível, especialmente os de girassol, canola e algodão, quimicamente similares ao de soja. Os ganhos científicos tam­bém podem ser avaliados facilmente. O pesquisador pretende encaminhar dois pedidos de patente ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), uma sobre a impregnação do silicato com hidróxido de sódio e ou­tro sobre as modificações no proces­so de refino. •

PERFIL

• DAN IEL BARRERA-ARELLANO, enge­nheiro bioquímico, 46 anos, nas­ceu no México, onde graduou-se pelo Instituto Tecnológico e de Es­tudos Superiores de Monterrey. Fez mestrado e doutorado na FEA (Unicamp) e pós-doutorado no Instituto de la Grasa, Sevilla, Espa­nha. É professor da FEA/Unicamp desde 1988. Projeto: Refino a Seco de Óleos Ve­getais Investimento: R$ 17.383,00

Page 39: Novas luzes sobre a hipertensão

Síncrotron faz relatório

O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) edi­tou o Activity Report, um compêndio com 177 traba­lhos científicos realizados desde o início das atividades do laboratório, em julho de 1997. São artigos resumidos, nas áreas de Biologia Mole­cular Estrutural, Ciência dos Materiais, Química, Física, Ciência Ambiental, Geociên­cias e Instrumentação Cien­tífica para Aplicação de Luz Síncrotron. Pesquisadores in­teressados no relatório po­dem solicitar um exemplar pelo e-mail [email protected]. •

Capital da tecnologia

A cidade de São Carlos mos­trou mais uma vez por que possui o slogan "Capital da Tecnologia". Durante o mês de outubro, ela sediou a Ok­tobertech 99, um verdadeiro festival onde são realizados, anualmente, diversos even­tos nas áreas de ciência e tec­nologia, empresas e negócios, educação, cultura e cidadania. A promoção é da Fundação ParTec São Carlos em parceria com mais de 50 instituições. Um dos eventos mais impor­tantes foi a XIII Feira de Alta Tecnologia de São Carlos (Fealtec), realizada entre os dias 13 e 17 de outubro. A FAPESP esteve presente com um estande de 18m' e contou com uma palestra do profes­sor Edgar Zanotto, assessor da Fundação, sobre progra­mas de inovação tecnológica. Outro destaque deste ano foi a inauguração do Centro de

TECNOLOGIA

Livro mostra pesqu isas com luz síncrotron

Modernização Empresarial que vai fornecer infra-estru­tura laboratorial, principal­mente para pequenas empre­sas nas áreas de cerâmica e prototipagem - equipamentos para desenhar e moldar um produto de plástico- com ser­viços de treinamento, design, certificação e plotagem. •

Laboratório de partículas

O Instituto de Pesquisas Tec­nológicas (IPT) inaugurou em outubro o Laboratório de Tecnologia de Partículas (LTP). Oito pesquisadores e dez bolsistas já estão traba­lhando para desenvolver, no país, a transformação mi­croscópica de partículas -substâncias sólidas com or­dem de tamanho entre milí­metro e mícrons - que ne­cessitem de alteração em

caraterísticas como pureza, tamanho, resistência mecâ­nica, porosidade e na forma dos cristais. O LTP também está desenvolvendo pesquisas na área de microencapsula­ção de substâncias biológicas e químicas. Com esse proce­dimento, remédios ou suple­mentos alimentares resistem melhor ao meio ácido do es­tômago e são absorvidos pelo intestino com mais sucesso. Além da microencapsulação, o laboratório estuda métodos de cristalização para sintetizar e purificar materiais para as in­dústrias farmacêutica, biotec­nológica, química e petroquí­mica. "Nossa idéia é dominar a área de conhecimento de tecnologia de partículas para dar suporte às empresas bra­sileiras", afirma Maria Inês Ré, coordenadora do LTP. O novo laboratório faz parte do Agrupamento de Proces­sos Químicos do IPT. Ele

Part ícula cristalizada (esq.) e partícula de cobre

tem 670 m', 370 m' a mais que o anterior chamado de "Operações Unitárias e Pro­cessos Químicos". A adequa­ção e montagem desse espa­ço de 670 m' fez parte do Programa de Infra-Estrutu­ra da FAPESP. O montante gasto foi de R$ 170 mil na adaptação do prédio. •

Registro de parcerias

A cooperação entre institu­tos de pesquisas e empresas privadas está resultando em vários casos de sucesso em to­do o país. Para mostrar a di­mensão desse crescente tipo de parceria, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio do Instituto Euval­do Lodi, e o Serviço Brasilei­ro de Apoio às Micro e Pe­quenas Empresas (Sebrae) elaboraram um cadastro com 198 casos em que empresários e pesquisadores trabalharam lado a lado na confecção de um produto ou um sistema inovador. Do total, foram es­colhidos 58 para compor um livro que descreve os resul­tados das pesquisas e traz os perfis dos institutos e das empresas. Também foram elaborados um CD-Rom com 23 pesquisas e duas fitas de vídeo que mostram a impor­tância da transferência de tecnologia das universidades para as indústrias. Cinco mil kits já foram distribuídos para universidades, institu­tos de pesquisa e associações de empresas de todo o país. O Instituto Euvaldo Lodi es­tá aceitando inscrições de no­vos trabalhos para a edição do próximo ano, no si te www. cni.iel.org.br/programas. •

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 39

Page 40: Novas luzes sobre a hipertensão

HUMANIDADES

Índia Asuriní prepara cerâmica: tarefa exclusiva das mulheres

ETNOARQUEOLOGIA

A tecnologia ditada pelo coração

Índios do Xingu definem seus processos técnicos por razões simbólicas

V amos imaginar que todos os registras tenham desaparecido

e que, daqui a alguns séculos, um ar­queólogo pesquisa as ruínas do local onde se erguia, no fim do século 20, a aldeia dos índios Asuriní, no Rio Xingu, perto de Altamira, no sul do Pará. Provavelmente, ele vai estra­nhar o aparecimento de certo tipo de cerâmica com uma freqüência muito maior entre os restos deixados pelo grupo. Nada demais. As mulheres Asuriní acreditam, piamente, que o mingau de milho que cozinham na época da colheita do cereal, em mar­ço e abril, não fica gostoso se for prepa-

40 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP

rado em panelas velhas. Assim, todos os anos, dedicam-se afanosament~ a preparar novas panelas de barro para garantir o sabor do alimento do grupo, enquanto as panelas do ano anterior são desprezadas e vão parar no lixo. Como esse costume não é aplicado a outros tipos de cerâmica usados pelo Asuriní, não é de se ad­mirar que apareçam muito mais ca­cos de panela-de-fazer-mingau-de­milho entre os restos que o grupo está deixando para o futuro.

Esse tipo de contribuição, capaz de esclarecer aspectos que a simples análise de vestígios materiais não conseguiria resolver, é dada por uma disciplina chamada etnoarqueolo­gia, surgida na década de 1960, quando um grupo de arqueólogos dos Estados Unidos desenvolveu tra­balhos que procuravam estabelecer uma relação mais estreita entre a ar-

queologia e a antropologia. O objeti­vo da etnoarqueologia, em resumo, é obter subsídios para que contextos arqueológicos possam ser interpreta­dos a partir de contextos etnográfi­cos. A disciplina é também um dos recursos usados por Fabíola Andréa Silva, do Departamento de Antropo­logia da Universidade de São Paulo (USP), na tese de doutorado que está terminando, com base em pesquisas sobre a produção de cerâmica dos Asuriní e a fabricação de cestos de palha pelos Kayapó-Xikrin, outro grupo que vive no sul do Pará.

As informações obtidas por Fabío­la na região do Xingu estão servindo para sua tese de doutorado, em fase de conclusão, As tecnologias e seus sig­nificados: um estudo etnoarqueológico de sistemas tecnológicos dos Kayapó­Xikrin e dos Asuriní do Xingu, sob a orientação da professora Lux Vidal,

Page 41: Novas luzes sobre a hipertensão

do Departamento de Antropologia da USP. O objetivo do trabalho, que conta com recursos da FAPESP para auxílio à pesquisa de R$ 10.780,00, é o de debater o papel desempenhado pelas necessidades de adaptação e pe­los aspectos simbólicos na escolha dos processos tecnológicos adotados pelos índios da região.

Além da prática: Tecnologia, no caso, é entendida de uma maneira bem ampla. ''A tecnologia não é apenas uma estratégia de adaptabi­lidade ou de aproveitamento de energia, como se diria no senso co­mum': diz Lux Vidal. "O evolucio­nismo e o economicismo já falaram muito sobre tecnologia e divulga­ram a tese de que a necessidade é a mãe da invenção", prossegue. "Não discordo totalmente disso. Mas a natureza das escolhas tecnológicas e, conseqüentemente, a definição dos estilos tecnológicos são muito diversi­ficadas. Elas passam por esferas que transcendem as razões práticas:'

As duas influências, acha Lux, de­vem ser ponderadas sem que nenhuma exclua ou se mostre totalmente supe­rior à outra. Pesquisas etnológicas como as que são realizadas em socie­dades indígenas têm grande valor, pois todo o processo tecnológico, da esco­lha da matéria-prima aos procedimen­tos de produção, pode ser seguido no local, ao lado de variáveis culturais como a organização social, a divisão do trabalho por sexos, a época do ano em que se realizam as atividades. As­pectos cosmológicos também podem ser levados em conta.

Tudo isso poderá levar a novos modelos, mais adequados, para a pes­quisa arqueológica. E poderá, tam­bém, dar uma grande contribuição para o grande debate que, de acordo com Lux Vidal, ocorre atualmente sobre a tecnologia. "A fronteira entre o orgânico e o mecânico e tecnológi­co está sendo discutida até em termos evolutivos, pois queremos entender o que é o ser humano hoje", comenta. "Estão em pauta questões filosóficas relacionadas com a tecnologia e por isso é natural que se revigore o inte-

resse na história do desenvolvimento tecnológico das sociedades indígenas e na análise da maneira como tecno­logia, meio ambiente e comporta­mento se relacionam nesses grupos:'

Entender o comportamento: Fabíola Andréa Silva destaca que, em etnolo­gia, arqueologia e etnoarqueologia, a discussão teórica não chega a ser mui­to diferenciada. "O interesse geral de todas essas disciplinas é o mesmo,

Tarefa feminina: Entre os Asuriní, fa­zer cerâmica é trabalho de mulher. Até mesmo a extração da argila para a fabricação dos vasilhames é tarefa exclusiva do sexo feminino. Mulheres grávidas e menstruadas não podem participar da extração. O grupo acre­dita que isso estragaria o depósito e, além disso, os vasilhames resultantes seriam danificados durante uma das fases da produção. A fabricação em larga escala do japepaí, a panela usa-

Lux Vida! (à esq.) e Fabíola Silva: passado ilumina presente

entender o comportamento huma­no", afirma. No caso de seu estudo.. havia também o interesse na relação entre o homem e o seu mundo mate­rial. "A diferença entre as disciplinas está na natureza dos dados que cada uma tem à sua disposição para anali­sar", prossegue. "A etnologia tem os grupos vivos e a arqueologia apenas os vestígios materiais. Por isso, prati­ca-se a etnoarqueologia, por meio da qual se tem acesso a aspectos opera­tórios de produção de itens materiais que não podem ser resgatados ape­nas nos contextos arqueológicos."

Na sua pesquisa, Fabíola adotou os princípios metodológicos da chama­da living archaeology. "As observações e registras seguem os pressupostos de uma pesquisa de campo antropológi­ca, mas a orientação e a direção partem do olhar, problemas e estratégias de uma pesquisa arqueológica", explica ela.

da para preparar o mingau de milho, durante a fase da colheita, faz com que esse tipo de cerâmica seja muito mais comum na aldeia que os outros tipos.

Isso, diz Fabíola, pode ajudar na elaboração de propostas arqueológi­cas sobre restos de cerâmica e mesmo estabelecer modelos para explicar o tempo de ocupação de um assenta­mento. "A quantidade de deposição de um determinado item material num sítio pode nem sempre estar as­sociada diretamente com o tempo de ocupação do local", afirma a pesqui­sadora. "Pode ter mais a ver com a in­tensidade e a sazonalidade da produ­ção", acrescenta. A panela japepaí transformou-se, entre os Asuriní, no símbolo do alimento. É o único tipo de cerâmica usado pelo grupo para ir ao fogo e preparar alimentos.

Fabíola acredita que as questões soClals e de gênero envolvidas no

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 41

Page 42: Novas luzes sobre a hipertensão

processo de produção da cerâ­mica apresentam os dados fun­damentais para que seja desen­volvida uma arqueologia do grupo de residência, ou house­hold archaeology, cuja ênfase é a organização do trabalho do­méstico. "Na arqueologia, sem­pre houve uma posição muito centrada no papel do homem, mas o papel da mulher é muito importante na household ar­chaeology", afirma Lux Vidal. Trabalho de cestaria dos Kayapó-Xikrin: "No caso Asuriní, a confecção prerrogativa e obrigação dos homens

da cerâmica pelas mulheres é parte de um conjunto de atividades muito mais amplo", prossegue. "Sua importância está relacionada não apenas com a sobrevivência do grupo doméstico do qual elas fazem parte, mas também à dinâmica da vida so-cial e ritual."

Proibição aos jovens: No caso dos Kayapó-Xikrin, o trabalho de cesta­ria é prerrogativa e obrigação dos homens. Mas não de todos os ho­mens. Os mais jovens não podem me­xer em certas matérias-primas sem autorização expressa e estão proibi­dos de fazer certos produtos. A pena para a desobediência, segundo o grupo, é o envelhecimento precoce, doenças, fadiga dos olhos e, em ca­sos extremos, até mesmo a morte. Quando alguém quer aprender a fa­zer cestos, primeiro simplesmente observa o trabalho de um velho arte­são, sem mexer no material. Só de-

Sinais de pedra Desde que começou a pesqui­

sar os Asuriní na aldeia do Posto Indígena Kuatinemu, na margem direita do Rio Xingu, em 1996, a dou­toranda Fabíola Andréa Silva veri­ficou a presença de vários materiais arqueológicos na região. Entre os mais importantes estão sítios líticos em afloramentos rochosos nas margens do rio. Esses locais exis­tem, inclusive, no porto de de-

42 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

pois irá começar a trabalhar com pa­lha, mas sempre sob a supervisão do mais velho.

Fabíola acredita que as restrições impostas ao aprendizado da técnica refletem relações de poder entre di­versas categorias dentro do grupo, mas só parcialmente. "Quem sabe pode negociar mais facilmente bens e ser­viços': declara. "Mas seria mais ade­quado falar em prestígio social, reco­nhecimento e construção do eu, para si e para os outros, o que é mais fun­damental entre os índios", diz. Lux Vidal tem opinião parecida. "Existe a questão da hierarquia e do poder nessas práticas", afirma. "Mas a rigi­dez de aspectos como interditar o acesso a uma matéria-prima ou à produção de um bem material a l}m sexo ou faixa etária está vinculada a diversos fatores, como a estruturação social, a progressividade do apren­dizado e a preservação dos processos

sembarque, em frente ao posto da Funai, e em locais destinados aos banhos da comunidade.

Os Asuriní chamam as bacias de polimento de Mayra enewa, o banco de Mayra, e os amoladores de machados de Gapypapera, as pegadas dele, referindo-se a May­ra. O nome Mayra significa o an­cestral mítico e criador dos Asu­riní e do gênero humano. Ele também criou os animais e obje­tos culturais e ensinou aos Asuri­ní as técnicas e atividades envolvi-

de produção, entre outras ati­vidades."

Os Kayapó-Xikrin fazem cestos seguindo dois tipos de produção. Um, chamado pelos especialistas de cestaria expe­diente, leva a produtos sim­ples, de confecção rápida, qua­se sempre descartados depois do uso imediato. O outro, a cestaria de curadoria, leva a produtos mais elaborados, de fa­bricação sofisticada, melhores e mais duradouros que os ou­tros. Como no caso das panelas

dos Asuriní, esses registras podem levar a comparações importantes. E, sem dúvida, facilitar o trabalho dos arqueólogos, atuais e futuros. •

PERFIS

o Lux VIDAL é professora do Depar­tamento de Antropologia da Uni­versidade de São Paulo (USP). Obteve o bacharelado no Sarah Lawrence College, no Estado de No­va York, nos Estados Unidos, e espe­cializou-se em Antropologia, com mestrado e doutorado pela USP. o FABfOLA ANDRÉA SILVA tem 35 anos. É doutoranda em Antropo­logia Social no Departamento de Antropologia da USP. Projeto: As Tecnologias e Seus Signi­ficados: Um Estudo Etnoarqueológi­co de Sistemas Tecnológicos dos Ka­yapó-Xikrin e dos Asuriní do Xingu Investimento: R$ 10.780,00

das com sua subsistência. Para os Asuriní atuais, as pedras com as marcas de Mayra caíram do céu, há muito tempo.

Além dos sítios próximos à al­deia, Fabíola encontrou mais sete, num igarapé próximo a uma anti­ga aldeia usada pelo grupo.

Fabíola também encontrou restos de cerâmica que não foi produzida pelos Asuriní num dos sítios líticos, na antiga aldeia e na aldeia atual. A datação dos cacos revelou uma idade de 650 anos.

Page 43: Novas luzes sobre a hipertensão

HUMANIDADES

Por apresentarem uma moral, as fábu las facilitam uma metaleitura

EDUCAÇÃO

Leitores críticos

Por meio de fábulas adolescentes desvendam o espírito do texto

A receita para se fazer um país, segundo Monteiro Lobato, é

simples: basta reunir homens e li­vros. Mas a mistura dos dois ingredi­entes pode ser uma tarefa complexa em tempos modernos, com o vício cô­modo das informações visuais, quan­do poucos lêem e ainda menos en­tendem o que acabaram de ler. Por isso, as professoras Maria Augusta Ri­beiro, do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Univer­sidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e Eliete Marly D'Onófrio resolveram trabalhar o problema a par­tir da perspectiva do leitor no projeto Me­taleitura - Um Objetivo a Atingir, que recebeu da FAPESP auxílio de R$ 10 mil.

"O nosso objetivo foi, a partir de e em conjunto com um grupo de alu­nos de 7" e 8" séries, reconstituir o pro­cesso de leitura, de um nível básico até o domínio do discurso, o entendimen­to crítico do que se leu e dos usos da

linguagem'; explica Maria Augusta. Nas classes seleciona­das,as professoras, semanalmente, ao longo de dois anos, distribuíam textos de fábulas- que, por apresentarem uma moral, faci­litam uma meta­leitura - entre as

Maria Augusta: • preparando leito res

crianças. Em seguida, os alunos eram convidados a fazer associações e a lo­calizar o tema de cada história para, por fim, criarem um novo texto a partir dos elementos levantados na análise do original. "Queríamos que eles apren­dessem a questionar o que liam, trans­formando-os de leitores passivos em críticos, capazes de dialogarem com o discurso e com os seus elementos for­madores, desvendando os sentidos la­tentes de um texto", diz ela.

Níveis de leitura: O desafio da pes­quisa era encontrar estratégias de en­sino que despertassem as crianças do entendimento superficial e mecânico dos textos, mostrando a elas a possi­bilidade de manipular as formas es-

critas e questionar o uso que dela fize­ram outros autores. Antes, foi preciso recuperar o percurso dessa apreen­são, que as pesquisadoras chamaram de níveis de leitura.

Inicialmente, o literal, em que se reconhecem os elementos básicos de uma história. Depois, partiu-se para a leitura contextualizada, a percepção da presença de elementos simbólicos no enredo da fábula. Então, pediu-se uma análise intertextualizada, ou seja, questionando os valores propostos pelo discurso. Por fim, procurou-se levar os alunos ao estágio ideal de leitura, o da metaleitura, em que, seja na recria­ção literária de um original, seja na sua teatralização, a criança se capaci­tava a entender as várias facetas da linguagem e perceber que essa pode ser manipulada como um jogo de po­der e de opressão na sociedade.

"Estamos certas de que o método funciona e pode ser aplicado oficial­mente em outras instituições e em ní­veis mais avançados de escolaridade", diz Maria Augusta. Um dos exemplos que impressionaram as professoras foi a transcriação feita pelos alunos da célebre fábula da menina que faz planos com o que vai ganhar com o leite que carrega, distrai-se e deixa o líquido que embala seus sonhos cair no chão. "Eles recriaram a história com uma garota que, perdida no so­nho de ser bailarina, não vê o trom­badinha que chega e rouba as suas sa­patilhas, destruindo suas chances do futuro", conta Maria Augusta. Sem dúvida, leitores capazes de ir da di­mensão da folha escrita para a reali­dade. Por mais dura que essa seja. •

PERFIL

• MARIA A UGUSTA H.W. RI BEIRO é graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Pau­lo. Fez o mestrado e o doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP. É professora do Instituto de Biociências da Unesp, Rio Claro. Projeto: Metaleitura - Um Objetivo a Atingir Investimento: R$ 10 mil

PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 • 43

Page 44: Novas luzes sobre a hipertensão

LIVROS

OSCAR CESAROTTO

O inconsciente nos manuscritos O que está por trás da obra concluída

k lha em branco sempre foi, para qualquer critor, a prova da verdade. A inspiração, usa volúvel, pode faltar ao encontro mar­

cado, e o escrevinhador sofrer por causa disto. To­davia, quando tudo dá certo, eis ali o texto, pronto para ser lido e relido, rasurado, revisado, formata­do, por fim impresso. Assim realizado, em letras de forma, torna pública uma versão que, doravante, será considerada oficial, ou até definitiva.

Antes, entretanto, estava o manuscrito; depois, também. E nada garante que entre o escrito primevo e o derradeiro exis-ta coincidência total. Talvez o último passe por copidesques competen­tes, alterando o saldo final. Mas o pri­meiro, provavelmente, seria tão-só rabiscado pelo próprio autor, no ze­lo da perfeição almejada. Em todos os casos, algo fica diferente, e a distân­cia entre o original e as reformula­ções abre espaço para olhares irre­quietos e especulações acadêmicas. Este é, em grande medida, o objeti­vo que Philippe Willemart se pro­põe no seu livro, adequadamente titulado Bastidores da Criação Lite­rária (Editora Ilurninuras/FAPESP). A acepção mais comum da palavra bastidor remete ao teatro, nomeando aquilo que está por trás do palco, invisível na cena aberta. Num outro sentido menos corrente, o termo faz referência ao su­porte que permite bordar em cima de um pano. Tra­ta-se, portanto, de um elemento imprescindível para a tarefa, ainda que independente do resultado des­ta. Analogamente, na pintura, junto com os croquis e rascunhos, denomina-se pentimento ao traço ocul­to - a ser coberto pela tinta - que norteará o pincel.

O manuscrito, registro inaugural de' uma escri­tura vindoura, possibilita o acontecimento do pro­cesso; mais tarde, o prelo o torna desnecessário, em­bora permaneça como testemunho perimido de urna inscrição primordial. Fica então como um resto, tal­vez acabando no lixo ou, quem sabe, adquirindo

44 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

inéditos destinos. Dois exemplos são ilustrativos das distintas alternativas: apesar de alguns fragmentos isolados, Sigmund Freud costumava queimar siste­maticamente sua papelada após publicação. Gusta­ve Flaubert, pelo contrário, confiou o Salammbô ímpar à sua sobrinha, que, por sua vez, o legou para a posteridade.

Por estas e outras, não faltam manuscritos de obras-primas que por aí circulam incitando a cu­riosidade da crítica literária genética. Esta especia­

lidade, da qual Willemart faz parte e honra com sua dedicação, leva em conta a discrepância entre o con-teúdo manifesto e o latente, fossem estes os parâmetros psicanalíticos assimilados à versão oficial, por um lado, e ao manuscrito, por outro. No intervalo entre ambos, desfilariam os efeitos de um inconsciente genético, por assim dizer, mostrando, além e aquém de rasuras, rabiscos e gara­tujas, a ação do significante, pari

"""" passu o peso específico da letra. O manuscrito corre o risco de ser

uma espécie em extinção. O com­putador, ameaça privar de prato tex­tos às gerações futuras, graças à te­cla delete. Conseqüências podem

ser previstas: a escrita produzida por meios infor-matizados, bem arrumada e certinha, ganha legiti­midade e verossimilhança em função do seu aca­bamento eficiente. E os manuscritos, escassos, serão valorizados cada vez mais pela sua raridade, atingindo status de fetiche.

Como fazer "boa letra" nunca é suficiente, o trabalho de Willemart destaca a potência e o al­cance de uma leitura cabal. Pois não adianta pre­zar o manuscrito como uma relíquia, porque o trabalho de decifração é sempre profano.

OsCAR CESAROTTO - Psicanalista, doutor em Comunica­ção e Semiótica pela PUC-SP

Page 45: Novas luzes sobre a hipertensão

LANÇAMENTOS

Uma Nova Física, André Koch Torres Assis

Será que Einstein estava mesmo certo ou ainda não sabemos toda a verdade? Pois talvez nem Einstein, ao rever a mecânica clássica, baseada nas leis de Newton, esperasse Uma Nova

Física. André Assis, professor do Instituto de Física da Unicamp, baseado numa lei de Weber e nas idéias de Leibniz, Berkley e Ernst Mach, traz uma nova crítica aos conceitos newtonianos de tempo e espaço absolutos, a chamada Mecânica Relacional. O livro é indicado a todos que, no espírito dos grandes cientistas, são curiosos insaciáveis. (Editora Perspectiva, 176 págs., R$ 22,00)

Idealistas Isolados, Glória Kreinz e Crodowaldo Pavan, org.

Pesquisadores estão analisando os caminhos percorridos pela divulgação científica. Para a sociedade, os cientistas, como os poetas, se isolam nas torres de

marfim dos laboratórios. Essa coletânea de ensaios revê esse retrato, mostrando a divulgação científica em sua relação com a sociedade leiga, na sua configuração histórica e em seu viés prático, vis-à-vis a quantidade de informações apresentadas nos jornais brasileiros. Do Núcleo José Reis, pode ser comprado junto ao órgão (O:xxll 818-4021) por R$ 10,00 e na Edusp por R$ 14,00.

FAPESP UmaHiitõriadePoli~ Ciemffiça c: T ccool6gica

Fapesp, Uma História de Política Científica e Tecnológica Shozo Motoyama, org.

Embora nascida apenas em 1962, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) é o resultado simbólico da luta pela construção de um sistema

de ciência e tecnologia no Brasil desde os anos 20. É esse o espírito desse belo lançamento em dois volumes, que conta não apenas a história da instituição, mas de como o seu surgimento deu novo impulso à pesquisa científica no Estado de São Paulo, inicialmente carente de condições para sua expansão. O volume 2 traz uma importante série de documentos sobre a estruturação da FAPESP.

REVISTAS

Comunicação e Educação

Uma discussão sobre o futuro da ciência e dos meios de comunicação. Em meio a tantos canais de informação, a escola ficou algo esquecida como o veículo primordial de divulgação das novas tecnologias. Possíveis formas

de integrar educação, ciência e os novos meios de comunicação estão presentes nos artigos do número 16 da revista Comunicação e Educação, do curso de Gestão de Processos Comunicacionais da ECA- USP. Entre os vários textos, destacam-se o de Jacques Marcovitch, reitor da USP, e uma entrevista com Armand Mattelart, sobre comunicação e interesse público.

.\'ordt:'ste seco

Estudos Avançados Dossiê Nordeste Seco

Os geógrafos Aziz Ab'Saber, Nilo Bernardes e José Grabois analisam nesta edição (n o 36,

vol. 13, maio-agosto de 1999) a paisagem geográfica e humana do Nordeste brasileiro, destacando propostas que podem

amenizar os efeitos da seca. Publicada pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) , a revista apresenta também trabalhos de quatro poetas atuais (Alcides Villaça, Augusto Massi, Fernando Paixão e Alberto Martins).

_._ __ -·· --

Materiais Research - Revista Brasileira de Materiais

Este número especial da revista ( n° 3, vol. 2, julho de 1999) reúne 20 trabalhos apresentados no 1 o Simpósio Brasileiro de Estruturologia, realizado em Belo Horizonte no ano passado. Há artigos

sobre microestruturas, processos de segmentação de imagens e caracterização de materiais. A revista, em inglês, é editada pelo Departamento de Estrutura de Materiais da Universidade Federal de São Carlos.

PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 45

Page 46: Novas luzes sobre a hipertensão

FINA S

GuiO LACAZ

46 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP

Page 47: Novas luzes sobre a hipertensão
Page 48: Novas luzes sobre a hipertensão
Page 49: Novas luzes sobre a hipertensão

Experiências em

Jornalismo Científico ESPECIAL

A informação decifrada Divulgação de ciência e tecnologia exige, cada vez mais,

profissionais bem fo rmados

L ançado pela FAPESP em outubro deste ano, o Pro­grama José Reis de Jorna­

lismo Científico-MídiaCiência ( objeto de matérias no Notícias FAPESP 45 e nesta Pesquisa FAPESP 47) deverá representar uma contribuição importante para a formação de profissio­nais que lidam com informa­ção sobre ciência e tecnologia, na grande imprensa ou na im-prensa especializada, em novas L--

mídias, como a Internet, ou em estruturas de divulgação de ins­tituições de pesquisa.

Esses profissionais enfren­tam continuamente o desafio de tentar traduzir para a lin­guagem comum as buscas em-preendidas e os resultados obtidos por pesquisadores em campos complexos do conhecimento e, quase sempre, apre­sentados num jargão fechado, irredutível, à primeira vista, a termos usuais. Encaram a exigência de explicar como as conquistas da ciência e da tecnologia, que parecem ocorrer num mundo tão alheio às preocupações cotidianas dos mortais comuns, podem afetar, para o bem ou para o mal, a vida de todos e de cada indivíduo em particular. E devem, na medida do possível, estar sempre lembrando as relações da ciência e da tecnologia com a cultura, com a política e com a economia.

Que a opinião pública deve ser informada sobre o que se passa nos domínios da ciência e da tecnologia é uma questão sobre a qual, há muito tempo, não resta a menor dúvida. Porque a própria noção de democracia, com seu corolário, a cidadania, pressupõe o direito do público de ser bem infor­mado sobre novos dados e decisões que podem afetar sua vida. E, já que a pesquisa em C&T mobiliza grandes somas de recursos públicos, é também a noção de direito do contri-

PESQUISA FAPESP

buinte que exige informação so­bre quanto, em que e para que se investe nessa pesquisa.

Muito mais recente, no en­tanto, é a idéia da necessidade de uma formação específica para profissionais responsáveis pela difusão da informação so­bre C&T. Em princípio, jorna­listas com uma cultura média e gosto pelas coisas da ciência, do mesmo modo que cientistas com habilidade verbal suficien­te para transpor os obstáculos lingüísticos de seu campo em direção à planície da língua co­mum, estariam aptos para rea­lizar a contento esse trabalho. Mas a prática tem demonstra­do que não é bem assim, ante a

complexidade crescente e a extraordinária velocidade do de­senvolvimento científico e tecnológico, que impõe rápidas e profundas mudanças sociais. Daí decorrem os esforços pela melhor formação de profissionais de informação em C&T, iniciados no país, ainda que de forma assistemática e descon­tínua, desde os anos 70, e dentro dos quais o MídiaCiência agora pode se constituir numa nova e produtiva abordagem.

Este encarte oferece um apanhado de experiências do jornalismo científico no país, tanto no desdobramento de sua prática ao longo de algumas décadas quanto nas inicia­tivas de formação de profissionais para essa especialidade do jornalismo. E, para completar, oferece algumas informa­ções sobre a formação de jornalistas científicos no exterior.

Os dados sobre essas experiências certamente serão úteis como marco referencial para pesquisadores e jornalistas que neste momento estão elaborando ou pensando em elaborar propostas de cursos e de pesquisas qualificados para receber o apoio proposto pela FAPESP no MídiaCiência. E, espera­mos, para outros interessados no jornalismo científico.

Page 50: Novas luzes sobre a hipertensão

EXPE RI ~NC I AS EM JO RNA LI SMO C I EN TI F I CO

A lenta conquista do espaço • na 1111prensa

Depois de cinco décadas, a ciência torna-se fonte usual de notícia no país

MARILUCE MOURA

Na virada da primeira para a se­gunda década do século XX, o abismo crescente entre o cien­

tista e o leigo tornou-se tema corrente na imprensa norte-americana. Em 1919, relata Dorothy Nelkin em seu li­vro Selling Science, o New York Times publicou uma série de editoriais sobre a incompreensão do público a respeito dos novos desenvolvimentos na física e sobre as perturbadoras implicações para a democracia que decorriam do fato de

"Havia uma visão

arraigada no país

de que a atividade

científica era

pertinente

apenas aos gênios"

difundiam. Foi nesse contexto que Edwin W. Scripps, um magnata da imprensa, fundador de 30 jornais e de uma agên­cia de notícias, criou, em 1921, o Science Service, a primeira agência de notícias sobre ciência nos Estados Unidos.

Scripps ironicamente considerava que os cientistas eram "tão terrivelmen­te sábios e tão estufados de conhecimen­to" que não compreendiam "por que Deus fez quase todo o resto da humani­dade tão infernalmente estúpido". De qualquer sorte, ele próprio percebia a ciência como base de um modo de vida

apenas um punhado de pessoas poder entender importantes conquistas intelectuais. Segundo Nelkin, a teoria da relativi­dade, de Einstein, tornava-se nesse momento o símbolo da obscuridade, a ponto de Morris Cohen, amigo do cientista, ter afirmado para o Times que o desenvolvimento recente da ciência, envolvendo um maior domínio de técnicas comple­xas, significava, com efeito, "o retorno a uma barreira artifi­cial entre o leigo não iniciado e o especialista':

democrático e, dadas as profundas mudanças sociais e tecno­lógicas do período, apostava que notícias sobre ciência se­riam a partir dali perfeitamente vendáveis. Com essa con­vicção, juntou-se ao respeitado zoólogo William E. Ritter, atraiu a cooperação da Academia Nacional de Ciências e da Associação para o Progresso da Ciência, reuniu alguns des­tacados jornalistas e criou a agência de notícias que deveria traduzir ciência para que se tornasse inteligível "às pessoas comuns". A barreira erguia-se também para os jornalistas. Mas,

mesmo atordoados pela complexidade da ciência, diz Nelkin, eles estavam fascinados com o progresso que ela implicava, com seu potencial económico e com as possibilidades de de­senvolvimento tecnológico que abria- e com essa imagem a

Sem desconsiderar, obviamente, análises bem elaboradas sobre as razões económicas - além de políticas e culturais -que explicam ao extraordinária difusão dos feitos da ciência e da tecnologia norte-americanas para o mundo inteiro, essa

2

Um idealista isolado

Aos 92 anos, José Reis é um sím­bolo vivo do trabalho de divulgação científica no Brasil. O médico carioca, formado pela Faculdade Nacional de Medicina, especializado em microbio­logia e patologia pelo Instituto Os­waldo Cruz do Rio de Janeiro, contra­tado pelo Instituto Biológico de São Paulo em 1929, experimentou suas primeiras possibilidades de explicar problemas científicos para um públi­co não especializado escrevendo fo­lhetos e artigos para seções agrícolas de jornais e, principalmente, colabo-

rações sistemáticas para a revista Chá­caras e Quintais, a partir de 1932. Ele falava então, para granjeiros, das do­enças, das pragas, dos muitos proble­mas e dos cuidados que deviam ser tomados na criação de galinhas. Mas sua atividade regular no jornalismo científico começa, de fato, em abril de 1947, quando ele passa a colaborar com as Folhas (da Manhã, da Tarde e da Noite), e desde então não mais in­terrompe esse trabalho. As Folhas tor­naram-se o poderoso jornal Folha de S. Paulo e lá está, no caderno Mais,

a cada domingo, a coluna Periscópio, do doutor José Reis- um profissional tão respeitado no jornal que se tor­nou seu diretor de redação de 1962 a 1967.

Em seu já longuíssimo tempo de trabalho, José Reis teve garra para ba­talhar, na primeira metade da década de 40, pela criação da FAPESP e, na segunda metade, pela criação da So­ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, da qual foi o primei­ro secretário-geral, em 1948. Fundou e tornou-se o primeiro editor da re­vista Ciência e Cultura da SBPC, em 1949 (até 1954 e, depois, de 1972 a 1985). Em 1958, aposentando-se do

PESQUISA FAPESP

Page 51: Novas luzes sobre a hipertensão

pequena história parece ilustrativa do jornalismo científico nos Estados Unidos. Ajuda, certamente, a formar uma idéia sobre como ele foi ganhando peso e dimensão empresarial na imprensa do país. E fornece uma pista do porquê do for­te sentimento favorável aos investimentos em C&T enraiza­do na opinião pública norte-americana - afinal, há muitas décadas ela vem sendo cultivada neste sentido.

Não há paralelismo possível entre esse quadro e a emer­gência do jornalismo científico no Brasil. Embora já em seu primeiro número, em 4 de janeiro de 1875, O Estado de São Paulo tivesse publicado uma "secção scientífica", só no início da década de 60 o jornalismo científico começa a tomar uma certa configuração no país. Na década seguinte ele se organi­za um pouco mais, para crescer de forma sensível a partir da segunda metade dos anos 80.

Atividade de gênios - Na verdade, a cultura brasileira era "marcada por uma visão arraigada de que a atividade cientí­fica é pertinente apenas aos gênios': como observa o historia­dor de ciência Shozo Motoyama no primeiro capítulo do li­vro FAPESP: uma história de política científica e tecnológica. Nesse ambiente, pouco favorável à utilização da ciência como fonte usual de notícia e, mais ainda, de negócios, só em meados da década de 40 irá aparecer na imprensa um profissional cujo nome ficará ligado às origens do jornalismo científico no país: José Reis. Por muitos anos, ele permanece­rá como um pioneiro solitário em seu campo, escrevendo so­bre ciência em linguagem clara e defendendo as posições avançadas de pesquisadores e intelectuais que, contra toda a oposição política, insistiam na batalha pela montagem de um sistema de ciên­cia e tecnologia no Brasil.

Na verdade, tra­tava-se de uma ba­talha iniciada, ain-

EXPERI ~NC IA S EM JOR N ALISMO C IE N TIFI CO

da que de forma incipiente, nos idos de 1919, mesma época em que a imprensa americana começava a dar bases empre­sariais ao jornalismo científico. Naquele ano, a Sociedade Brasileira de Ciências (atual Academia) manifestava-se em favor da criação de um conselho nacional de pesquisa que permitiria transformar o trabalho dos cientistas em ativida­de sistemática no país. Mas só em 1945 ela encontraria con­dições adequadas para levar mais longe essa luta pela consti­tuição do CNPq- criado, finalmente, em 1951. A Segunda Guerra Mundial terminara, ciência e tecnologia alcançavam um prestígio impressionante no mundo inteiro, adensara-se de certa maneira o pensamento pró-ciência no Brasil com o trabalho dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defe­sa Nacional, formados logo depois de o país ter entrado na guerra, em 1942, e tudo isso forjava um momento histórico favorável à quebra da oposição de grande parte da elite na­cional ao projeto de estruturação de um sistema de ciência e tecnologia com financiamento público regular. Tanto assim que, além do esforço pela criação do CNPq (mais tarde Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno­lógico), em São Paulo, na mesma época, os cientistas conse­guem fazer introduzir na Constituição estadual de 1947 um artigo destinando 0,5% das receitas tributárias do Estado a uma futura fundação de amparo à pesquisa- que, entretan­to, só 15 anos depois se tornará realidade. Longuíssimas se­rão as discussões, as marchas e contramarchas no caminho de construção dessa fundação, cujo projeto original foi apre­sentado por integrantes do Partido Comunista (àquela altu­ra colocado na ilegalidade), à frente Caio Prado Júnior.

O que ocorre é que, a despeito da criação de alguns im­portantes institutos de pesquisa científica, e mesmo tecnológica, no país ainda no fi­nal do século XIX, a despeito da criação da USP e da Universidade do Brasil na déca­da de 30 deste século e a despeito da in­dustrialização que começa a tomar um

em 1979. Tornou-se alvo e nome de ~ um núcleo de estudos sobre divulga­~ ção científica na Escola de Comunica­~ ção e Artes da USP, ei:n 1992. ~ 2 Essa trajetória impressionante < j tem sido cumprida por um homem ~ definido por aqueles que o conhecem ~ mais de perto como extremamente ~ discreto e suave. E que sem nenhuma ~ dúvida mereceria o epíteto que ele,

Instituto Biológico, fundou com outros dois sócios a editora !brasa-Instituição Brasileira de Difu­são Cultural S/ A, para lançar livros­fermentos que trou­xessem idéias novas e provocassem deba­te. Sua atuação na editora estende-se até

José Reis: artigos no mesmo jornal desde 1944 em agosto de 1988, num de seus arti­gos no Mais, atribuiu a cientistas e jornalistas que, há muitos anos, vêm fazendo a divulgação da ciência e da tecnologia e de sua importância para o desenvolvimento econômico, social e político do país: idealistas isolados.

1978. Conquistou prêmios (Prêmio Governador do Estado de Jornalismo Científico, em 1962, Prêmio John R. Reitemeyer de Jornalismo Científico, da Sociedade Pan-Americana de Im-

PESQUISA FAPESP

prensa e União Pan-Americana de Im­prensa, em 1964, Prêmio Kalinga, da Unesco, em 1975) e tornou-se nome do primeiro prêmio nacional de jorna­lismo científico, instituído pelo CNPq,

3

Page 52: Novas luzes sobre a hipertensão

EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTIFICO

rumo também nos anos 30, o ambiente brasileiro vai se manter rarefeito para a produção de C&T por muito tempo -e o que se passa no jornalismo é conseqüência. Em 1941, conforme relato de Motoyama no livro sobre a FAPESP, o empresário Roberto Simonsen, um defensor incansável da industrialização, apresenta na IV Reunião da Associação Bra­sileira de Normas Técnicas, talvez numa provocação à auto­estima nacional, alguns números relativos à ciência e tecno­logia nos EUA, naquele momento: são "mais de 30 bilhões de dólares investidos em pesquisas científicas, 2.200 laborató­rios industriais, 100 universidades em íntima correlação com investigações científicas, 75 associa­ções de classes com órgãos de pesquisa industriais, 600 laboratórios indepen­dentes e outros pertencentes a empre­sas, resultando em nada mais, nada me­nos que 50 mil invenções anuais':

A reação nos anos 70 - Em trabalho apresentado no segundo Congresso Ibe­ro-Americano de Jornalismo Científico, realizado em Madri, em 1977, Marco An­tonio Fillipi, então editor da seção Atua­lidade Científica, no Estado de S. Paulo, traça o seguinte resumo do que seriam os domínios do jornalismo científico bra­sileiro, entre o último quarto do século passado e o final da década de 40: "Sen­sacionalismo era a tônica, a mística im­perava. Ciência e pseudociência se con­fundiam, da mesma forma que ciência e tecnologia. Jornalistas totalmente despre­parados cometiam erros graves. Nenhum interesse havia por parte dos chefes de redação".

Havia, é claro, exceções. Ele lista as seguintes: em sua luta pela criação da USP, no início da dé­cada de 30, O Estado de S. Paulo "abriu espaço à divulgação da ciência, recebendo a colaboração de expressivos nomes da ciência mundial". E, em 1947, José Reis "inicia a publica­ção, pela primeira vez sistemática, de textos de divulgação" na Folha. Em sua visão, até o início da década de 60 o pa­norama não era animador, mas ocorre uma mudança signi­ficativa em 1963, quando O Estado de S. Paulo cria a seção Atualidade Científica, "destinada a dar ampla divulgação de temas científicos nacionais e estrangeiros e criar uma consciência pública para a importância da ciência. Vários cientistas-divulgadores são chamados a colaborar. A seção chega a ocupar 21 colunas". Era um momento, lembra ele, em que a corrida espacial entre Estados Unidos e União So­viética motivava o grande público "e, com ele, os periódi­cos, o rádio e a TV a tratar de assuntos científicos". Essa es­pécie de euforia científica, que provoca a formação de editarias especializadas em muitos veículos, prolonga-se até a chegada do homem à Lua em 1969. Segundo Fillippi, nesses anos a ciência internacional é rotineiramente cober-

4

ta por Visão, Manchete, Veja, Ciência e Vida, Planeta e Ciên­cia em Fascículos.

Num outro trabalho apresentado para o mesmo congresso, a partir de pesquisa efetuada em 25 periódicos de todo o país, Júlio Abramczyk, 67 anos, médico e jornalista da Folha de S. Paulo desde 1960, mostra que apenas quatro publicações bra­sileiras - duas revistas semanais, Veja e Visão, e dois jornais diários, Folha e O Estado de S. Paulo- mantinham, em 1977, editarias de ciência e cobriam rotineiramente a área. Uma curiosidade que ele apresenta é que jornais como O Globo, do Rio, e Zero Hora, de Porto Alegre, que não dispunham de

editores de ciência, publicavam rotinei­ramente uma coluna médica distribuída pela UPI e assinada por F. J. L. Blasinga­me, da Associação Médica Americana.

Os depoimentos dos jornalistas liga­dos a C&T mostram que foi nos anos 70 que os profissionais da área tentaram efetivamente dar uma certa organização à prática do jornalismo científico no Brasil. O conhecido jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando, que viera ao país em 1972 dar um curso de extensão em jornalismo científico na USP (ver página 6), algum tempo depois convi­dou dois jornalistas do Estado de S. Pau­lo e dois da Folha para participar do I Congresso Ibero-Americano de Jornalis­mo Científico, que se realizaria em Cara­cas, em 1974. "Foi lá que Abram Jagle, Andrejus Corocovas, Nesse e eu começa­mos a pensar na formação da Associa­ção Brasileira de Jornalismo Científico", conta Abramczyk.

Em 1977, a ABJC estava formada e no ano seguinte foi registrada, com José

Reis indicado como seu primeiro presidente. Seis meses de­pois, o decano dos jornalistas científicos demitiu-se da presi­dência, por problemas de saúde, e Abramczyk assumiu o car­go, no qual permaneceria por três gestões. "Durante essa época, elaboramos, em 1982, uma bibliografia de referência sobre jornalismo científico, publicada nos anais do I Congresso Bra­sileiro, com ajuda da FAPESP e do CNPq, e chegamos a fazer uma única edição dos Cadernos de Jornalismo Científico': diz.

A ABJC, que começou com pouco mais de meia dúzia de jornalistas, conta hoje com cerca de 350 associados e tem ca­deira cativa no júri do Prêmio José Reis de Divulgação Cien­tífica, promovido desde 1979 pelo CNPq. O esforço de valo­rização do jornalismo científico no Brasil empreendido pela ABJC é inegável. No entanto, entre associados e ex-dirigen­tes da instituição, sobram dúvidas sobre os reais resultados desse trabalho, que em sua avaliação poderiam ser mais pal­páveis se a associação não enfrentasse contínuas crises de identidade. "Como se diz na área de administração, você só cria uma empresa ou uma instituição forte com intuito per­sana, ou seja, com todos aqueles que têm a responsabilidade

PESQUISA FAPESP

Page 53: Novas luzes sobre a hipertensão

de conduzi-la imbuídos dos mesmos objetivos", diz o jorna­lista Roberto Medeiros, presidente da ABJC no começo dos anos 90. O problema da associação, completa, é que às vezes ela é vista como entidade sindical, às vezes praticamente como uma entidade acadêmica, com a responsabilidade de promover cursos, seminários, etc., e outras vezes como uma entidade que deve apenas propugnar a excelência das práti­cas de divulgação científica, num viés claramente saudosista. Para Medeiros, a associação não deve ser isoladamente qual­quer dessas coisas, mas uma instituição pluralista, comprá­ticas e objetivos claros.

Anos depois da criação da ABJC, ou­tras iniciativas já na década de 80 come-

EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTIFICO

tituições brasileiras de pesquisa ou de apoio à pesquisa por essa via. "Por enquanto, as instituições estrangeiras estão muito à frente das nossas nessa forma de disponibilização das informações", diz. Valem ainda como registro do fim da década: a tiragem da Ciência Hoje, depois de ter atingido qua­se 50 mil exemplares, caiu para 15 mil; uma nova revista, Pesquisa FAPESP (originária do informativo Notícias FAPESP) alcança uma tiragem de 22 mil exemplares; no âmbito da grande imprensa, a Superinteressante apresenta uma tiragem de cerca de 350 mil exemplares e a Galileu, de 120 mil exem­plares; e, dentre as revistas semanais, um destaque é obriga-

tório para o grande espaço concedido inicialmente pela Época (tiragem atual em

çam a configurar melhor o campo práti­co do jornalismo científico no Brasil. A SBPC lança em 1982 a revista Ciência Hoje (bimestral, de início, mensal, a par­tir de 1987), com artigos de divulgação da ciência produzida no país, escritos sobretudo por pesquisadores; em 1987, a Editora Abril lança a revista Superinte­ressante, voltada para um público jovem e na qual resultados da ciência universal são apresentados em seu caráter fasci­nante ou curioso; na mesma época o

"Os anos 90 vão encontrar

editorias de ciência em todos

os grandes jornais e revistas"

torno de 900 mil exemplares), da Edito­ra Globo, à editor ia de ciência e tecnolo­gia: cerca de 15 páginas, que caíram para em torno de 12.

Ciência e opinião pública- A despei­to da notória expansão do jornalismo científico no Brasil, o país está a enorme distância da multiplicidade de títulos de livros e revistas, de esquemas de dis­tribuição de informações, de pesquisas

CNPq promove uma total renovação da Revista Brasileira de Tecnologia, título que mantinha desde os anos 60 e que a partir daí, feita por jornalistas, vai mostrar os resultados de pesquisas financiadas pelo Conselho em to­dos os campos do conhecimento; em 1990, a Editora Globo lança a Globo Ciência (atual Galileu), no mesmo veio da Su­perinteressante.

Os anos 90 vão encontrar editorias de ciência organiza­das praticamente em todos os grandes jornais e revistas se­manais da grande imprensa nacional. Em alguns casos, como o da Gazeta Mercantil, a edito ria é de tecnologia, mas abre-se também generosamente a matérias sobre ciência. O espaço concedido à produção científica e tecnológica brasileira é muito variável de veículo para veículo - alguns abrem-se francamente a ela, enquanto outros continuam a manter-se a enorme distância, como se, em face do porte da produção internacional, e norte-americana em particular, a produção brasileira sequer fosse efetivamente fonte de notícia. A déca­da vai também assistir à entrada da ciência internacional e nacional na televisão, em programas especializados como Globo Ciência, mas também nos noticiários normais.

Do chamado outro lado do balcão, organizam-se melhor as assessorias de imprensa de universidades, instituições de pesquisa e agências de fomento à pesquisa. Surgem e cres­cem os informativos, jornais e revistas dessas instituições, que vão contribuir para um processo de alimentação contí­nua da mídia.

A década fecha com a informação científica por via ele­trônica, produzindo alterações no jornalismo científico cujos efeitos são difíceis ainda de avaliar. No entanto, um jornalis­ta como Júlio Abramczyk reclama mais informações das ins-

PESQUISA FAPESP

e sondagens de opinião que a divul­gação científica gera nos Estados Uni­

dos, por exemplo. Mas não há muito o que estranhar: afi­nal, os investimentos em C&T nos EUA estão na altura dos US$ 205 bilhões anuais, enquanto no Brasil não chegam a US$ 10 bilhões.

A sociedade norte-americana tem uma visão extrema­mente positiva de C&T, a que atribui papel central na in­fluência que os EUA exercem sobre o mundo e em seu pró­prio padrão de vida. Assim, uma pesquisa de 1981 sobre o apoio público aos investimentos federais em P&D, patroci­nada pela National Science Foundation e realizada por Jonh D. Miller e Kenneth Prewitt, mostrou que 90% do público que acompanha atentamente ciência acredita que seus benefícios superam largamente os riscos que ela cria. Isso é também verdade para 79% do público apenas interessado no assunto e para 66% do público que não dispensa maior atenção ao tema. O apoio manteve-se intocado na década de 90: um le­vantamento da NSF de 1994 mostrou que 68% da população crê que a ciência resolverá muitos problemas do mundo.

No Brasil, o quadro revelado pela única grande pesquisa de opinião já realizada sobre a imagem que a população ur­bana tem de C&T, em 1987, mostrou que mais da metade dela (52%) acha o país atrasado em pesquisa científica e tec­nológica. Concebida pelo CNPq e pelo Museu de Astrono­mia e Ciências Afins e realizada pelo Instituto Gallup, a pes­quisa informou que 71% dos brasileiros adultos das áreas urbanas tinham algum ou muito interesse por descober­tas científicas. E os cientistas, em sua avaliação, ocupavam o quinto lugar entre os profissionais que mais contribuem para o desenvolvimento do país- atrás dos agricultores, in­dustriais, professores e médicos.

5

Page 54: Novas luzes sobre a hipertensão

EXPERIENCIAS EM JORNALISMO CIENT!FICO

A fortnação de jornalistas científicos no Brasil

É hora de ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica

GRAÇA CALDAS E MONICA MACEDO pesquisa na área, originando disserta­ções de mestrado e teses de doutorado.

A crescente influência da ciência na sociedade tem levado a população brasileira a se interessar, cada vez

mais, pelos resultados da pesquisa cien­tífica e a se preocupar com sua participa­ção na formulação de políticas públicas de Ciência e Tecnologia. As grandes ques­tões são: a quem cabe decidir sobre as áreas prioritárias para investimentos governa­mentais e empresariais? De que maneira a sociedade civil está sendo informada so-

"A formação

nessa área

tem ocorrido

quase sempre

de forma

autodidata"

Já no final da década, em 1978, cria­se uma linha de pesquisa em Comtfi;lica­ção Científica e Tecnológica no Progra­ma de Pós-Graduação em Comunicação Social do Instituto Metodista de Ensino Superior (atual Universidade Metodista de São Paulo). O programa- que inicial­mente funcionava apenas como mestra­do e, a partir de 1995, incorporou tam­bém o doutorado - é a experiência mais

bre a produção científica e tecnológica do país? Como subsidiar a opinião pública com informações para que ela possa participar ativamente desse processo? A quem cabe a formação de uma cultura científica no país?

Os meios de comunicação podem certamente contribuir para isso. Falta, porém, ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica. No Brasil, a formação de jornalistas e divulgadores ocorre quase sempre de forma autodidata, em função da ausência de cursos regulares na área. Entretanto, nas últimas duas décadas, várias iniciativas têm surgido para incentivar a formação de profissionais especializados.

O crescimento desses cursos pode ser creditado, em par­te, à necessidade de os cientistas buscarem respaldo na opi­nião pública para legitimar seu trabalho e conquistar novos investimentos para a pesquisa básica e aplicada. Além disso, a informação científica é de interesse dos meios de comuni­cação, pois desperta a atenção de leitores e espectadores. Cien­tistas e jornalistas começam, então, a entender a necessida­de de uma atuação conjunta para aprimorar a qualidade do jornalismo científico. Nesse sentido, ampliam-se as ocasiões em que sentam, lado a lado, para uma reflexão sobre a prá­tica e os rumos da área.

Cursos de pós-graduação- Os cursos destinados à forma­ção de profissionais especializados em divulgação científica são um fenômeno recente. Ainda assim, é possível localizar na década de 70 algumas experiências pioneiras.

A primeira delas realiza-se em 1972, na Escola de Comu­nicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Trata-se do Curso de Extensão em Jornalismo Científico, mi­nistrado pelo professor e divulgador espanhol Manuel Calvo Hernando, do qual resultou o livro Teoria e prática do jorna­lismo científico. O curso, no entanto, não teve continuidade, apesar de a pós-graduação da ECA ter mantido projetos de

6

duradoura de ensino e pesquisa sobre divulgação científica no país. Nele sur­

gem vários estudos empíricos sobre a divulgação de C&T nos meios de comunicação, além de projetos de pesquisa em con­vênio com instituições internacionais. É o caso do "Projeto Comsalud': patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), que estuda a divulgação de saúde na imprensa, rádio e TV em vários países da América Latina.

Em 1982, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) promove o Curso de Especialização por Tutoria a Distância. Na ocasião, selecionaram-se 30 jor­nalistas do país inteiro, que recebiam textos, por módulos (fí­sica, química, informática, biologia, geologia, etc.). Cada mó­dulo possuía um tutor - cientista experiente na área -, que orientava os trabalhos. Como parte das atividades houve, também, um seminário em Brasília, com patrocínio da Fun­dação Fullbright, que teve a presença de jornalistas interna­cionais, inclusive representantes da National Association of Science Writers. Esta experiência também não teve continui­dade, provavelmente porque em sua concepção pretendia-se que os jornalistas dominassem extensos conteúdos de cada área da ciência, meta difícil de ser atingida.

Poucos anos depois, em 1988, o Núcleo de Política Cientí­fica e Tecnológica da Universidade de Brasília (UnB) desenvol­ve, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), o I Curso de Especialização em Divulgação Científica. O curso teve duração de um semes­tre, com palestras de pesquisadores e jornalistas científicos.

Em 1999, o Laboratório de Estudos Avançados em Jorna­lismo (Labjor) da Unicamp inicia um curso de especialização em Jornalismo Científico voltado a um público misto, de jor­nalistas e pesquisadores. Oferecido em conjunto com o Depar­tamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Ins­tituto de Geociências e com o Departamento de Multimeios

PESQUISA FAPESP

Page 55: Novas luzes sobre a hipertensão

(DMM) do Instituto de Artes da Universidade, o curso é estru­turado em três semestres, com disciplinas teóricas e oficinas de divulgação. Uma de suas atividades é a revista eletrônica Com Ciência (http://www.epub.org.br/comciencia), lançada em agosto deste ano, com reportagens elaboradas pelos alunos.

No âmbito da pós-graduação, vale ainda ressaltar duas experiências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A primeira delas, na Escola de Comunicação (ECO), que ofe­rece em seu mestrado uma área de con-centração em Ciências da Informação,

EXPERIEN C IA S EM JORNALI S M O C I EN TIFI C O

Experiência semelhante aconteceu de setembro de 1981 a fevereiro de 1982, na Universidade Metodista de São Pau­lo, com o apoio do CNPq. Trata-se da Agência Brasileira de Divulgação Científica (ABDC), que, com a participação de alunos de pós-graduação do mestrado em Comunicação Científica e Tecnológica, produziu matérias de divulgação científica para a mídia.

Há que se mencionar, também, a iniciativa do Centro de Divulgação Científica e Cultural da USP/São Carlos, cujo site na Internet

com a linha de pesquisa "Informação, Ciência e Sociedade': que inclui pesquisas sobre a informação científica em diferen­tes contextos sociais, políticos e culturais.

E a segunda, no Departamento de Bioquímica Médica do Instituto de Ciên­cias Biomédicas, que cria, em 1995, uma área de concentração em "Educação, Di­fusão e Gestão em Biociências': aberta a graduados de diferentes áreas, inclusive o jornalismo. Nesse programa, uma das disciplinas ofereceu, em setembro últi-

"Mas os cursos

de divulgação

científica estão

proliferando

em vários

cantos do país"

(http://www.cdcc.sc.usp.br) traz infor­mações sobre eventos, programas edu­cativos, "experimentoteca", minicur­sos, etc.

Extensão - Interessadas em capacitar profissionais para a divulgação científi­ca, algumas instituições têm também oferecido cursos de curta duração, mui­tos dos quais abertos ao público. Há cerca de cinco anos, a Fundação Oswal-

mo, um curso intensivo de divulgação científica a distância, pela Internet, do qual participaram jor­nalistas e pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. Uma síntese dos trabalhos resultantes do curso está sendo publi­cada na forma de jornal eletrônico.

Graduação- Face à crescente demanda dos meios de comu­nicação e à valorização da atividade de divulgação, alguns cursos de graduação em Jornalismo começam a incluir em seu currículo disciplinas de Jornalismo Científico e/ou pro­jetas de pesquisa na área. É o caso da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Metodista de São Paulo (Umesp ), Universi­dade de Mogi das Cruzes (UMC), Universidade do Vale do Paraíba (Univap), Universidade Santa Cecília (Unisanta), en­tre outras.

Na UFPE, por exemplo, os alunos, orientados por profes­sores, elaboram um informativo mensal, por correio eletrôni­co, sobre a produção científica da Universidade. Produzem, ainda, o WebGT (http://www.cac.ufpe.br/virtus/webgt), um site com textos do Grupo de Trabalho em Comunicação e Ciência da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e outros materiais.

Núcleos de pesquisa- Junto a seus programas de forma­ção, algumas universidades brasileiras desenvolvem ativida­des de pesquisa sobre divulgação científica. Na ECA/USP, uma das mais importantes é o Núcleo José Reis de Divulga­ção Científica, que também oferece, periodicamente, cursos como o de "Exercício e Prática da Divulgação Científica': Na mesma universidade, a Agência Universitária de Notícias (AUN) realiza, desde 1971, atividades de divulgação dos con­gressos e trabalhos de pesquisa da Instituição, com a parti­cipação de alunos de graduação em jornalismo.

PESQUISA FAPESP

do Cruz, por exemplo, ofereceu um curso de Biologia Molecular para jor­

nalistas, cujo objetivo era municiá-los com conceitos bási­cos dessa área de conhecimento e promover uma divulga­ção mais competente do tema. No mesmo sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janei­ro (Faperj) ministrou, no início dos anos 90, um curso so­bre ciências para jornalistas.

Em 1997, o Labjor da Unicamp, numa parceria com a Brasmotor S.A. e Multibrás Eletrodomésticos S.A., realizou uma oficina on line de jornalismo científico, a Ojjor Ciência, que teve entre seus participantes funcionários da empresa, re­pórteres, editores e estudantes de jornalismo. Os trabalhos feitos pelos alunos podem ser consultados no site do Observa­tório da Imprensa (http:/ /www2.uol.com.br/observatorio ).

As várias experiências aqui descritas mostram que os cur­sos de divulgação científica, embora ainda sejam poucos, estão proliferando em vários cantos do país. A preocupação com a melhoria da qualidade da cobertura científica nos meios de comu­nicação não se restringe apenas ao âmbito acadêmico. Entida­des profissionais, como a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por exemplo, promovem há anos con­gressos e seminários, reunindo jornalistas e cientistas para re­flexão conjunta sobre a prática da divulgação.

Iniciativas conjuntas entre universidades, entidades pro­fissionais e o incentivo das agências de fomentos, como Ca­pes, CNPq e mais recentemente a FAPESP, poderão não só ampliar como melhorar substancialmente a qualidade do jor­nalismo científico no país.

Graça Caldas e Mônica Macedo são jornalistas, pesquisadoras do Labjor!Unicamp e professoras da área de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp).

7

Page 56: Novas luzes sobre a hipertensão

EX P ER I ~NC I AS E M JO R N ALI S M O C I ENT I F I CO

Apesar da Internet, atnplia-se o aperfeiçoatnento fortnal

Multiplicam-se no exterior os programas de jornalismo cientifico

empregados contratados ou free-lan­

No artigo Como a Internet está mudando o jornalismo científico, publicado no HMS Beagle, com

data de 3 de setembro último, David Whitehouse, editor de ciência do BBC News Online, considera com impecável ironia britânica que, atualmente, para ser um jornalista científico passável, bas­ta ter meia dúzia de marcadores de pá­gina em seu browser na Web. "São eles EurekAlert- que é, obviamente, o prin­cipallugar, na Internet, para jornalistas de ciência; HMS Beagle, é claro; o si te de

"O programa de bolsas do M IT busca jornalistas

experientes, free-lancers ou empregados"

cers, ligados a jornais, serviços eletrôni­cos, revistas, rádio, televisão, produção de textos de livros ou textos na Web. Não estão qualificados profissionais cujo emprego principal é de "relações públicas" ou "informação pública" para qualquer cliente.

No caso de empregados contrata­dos, normalmente eles são licenciados pelo empregador para se dedicar inte­gralmente ao programa. E a maioria

divulgação de Nature; e o site europeu Alpha Galileo. Acrescentem-se a eles algumas ligações para o Departamento de Saúde do Reino Unido e pronto: você é um jornalista de ciência de altos vôos:'

Embora Whitehouse tenha flagrado com seu olho crítico um viés real da atual cobertura jornalística de ciência, man­têm-se no mundo inteiro, ou pelo menos nos países mais de­senvolvidos, possibilidades de formação especializada de profissionais que trabalham ou pretendem trabalhar com di­fusão de informações de ciência e tecnologia. Entre dezenas de programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico espalhados pelos Estados Unidos e Europa, pode-se citar, por exemplo, o famoso Knight Science ]ournalism Fellowship, ini­ciado em 1983 e pelo qual passaram até hoje 162 jornalistas.

O programa propõe aos candidatos passar um ano aca­dêmico (nove meses, de setembro a maio) no MIT, o Insti­tuto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge. Desti­na-se principalmente a jornalistas com experiência mínima de três anos na cobertura de ciência, tecnologia, medicina ou meio ambiente, para o público em geral, mas jornalistas que trabalham há pelo menos cinco anos com outros temas e desejam mudar para a área de C&T também são aceitos. As bolsas, de US$ 35 mil, são concedidas somente a norte­americanos. Os estrangeiros devem custear suas despesas, que, segundo advertência dos responsáveis pelo Knight, são altas mesmo para padrões norte-americanos. Um pequeno apartamento para uma pessoa em Cambridge custa cerca de mil dólares mensais.

O programa do MIT, segundo os termos de sua divulga­ção na Internet, pretende atingir também jornalistas vetera­nos. "Aqueles com muito mais tempo de experiência são al­tamente incentivados a se candidatar." As bolsas do Knight são oferecidas para repórteres, escritores, editores, produ­tores, ilustradores e fotógrafos . Os solicitantes podem ser

8

dos empregadores complementa as bol­sas, pagando a diferença em relação ao

salário normal do jornalista. Em troca, eles têm o direito de pedir aos bolsistas que voltem e permaneçam pelo menos um ano no emprego após a bolsa.

A seleção dos bolsistas é feita por um conselho de jorna­listas e destacados cientistas do corpo docente do MIT. No ano passado foram recebidos 43 pedidos e na avaliação so­braram 12 finalistas.

Investigação na Int ernet- Com paciência para navegar na Internet, pode-se descobrir os detalhes de muitos outros programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico. Há, por exemplo, o mestrado oferecido pela Universidade de Boston (ver http://www.bu.edu), que também é voltado para jornalistas que trabalham com informações de ciência, tecnologia, meio ambiente e saúde para o grande público. O Centro de Jornalismo Científico da Universidade de Mis­souri (http://science.jour.missouri.edu), fundado em 1987, oferece cursos e workshops nas mesmas áreas. A Universida­de da Califórnia, em Santa Cruz (http://www.ucsc.edu), tem também, desde 1982, um programa de pós-graduação em jornalismo científico.

Do outro lado do Atlântico, a British Association (http://britassoc.org.uk) preocupa-se mais em mostrar aos cientistas como a mídia trabalha (programa Media Fellowships) do que em formar jornalistas para a cobertura de ciência. De qualquer sorte, é possível procurar no site iniciativas que sejam de maior interesse dos jornalistas. Já a Universida­de de Salamanca, na Espanha, tem um respeitado mestra­do em Cultura e Comunicação em Ciência e Tecnologia (http://cts.usal.es) , voltado para jornalistas e outros profissi­onais. Sem cair na caricatura esboçada por Whitehouse, é recomendável aos jornalistas científicos algumas pesquisas, inclusive sobre a formação de jornalistas, na Internet.

PESQUISA FAPESP

"' ii; < u z "' "' f-.

"' "'