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Universidade Federal de Campina Grande Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1 ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765 NINGUÉM NASCE PROFESSOR, TORNA-SE PROFESSOR: TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO EM SITUAÇÃO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO PARA A DOCÊNCIA EM LITERATURA NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO Olavo Barreto de Souza (PPGLI/UEPB) [email protected] RESUMO Este trabalho é resultado de uma experiência de estágio supervisionado realizado no ano de 2014, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Raul Córdula, na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba. O texto apresenta, em suas ponderações, elementos concernentes à reflexão sobre a prática docente, sobretudo, do desenvolvimento da persona professor, em meio a uma situação de estágio supervisionado. Para tanto, nos portamos das ponderações teóricas de Zilberman (2009), Cândido (2002), Paulino e Cosson (2009), dentre outros autores, na construção das considerações apresentadas no trabalho sobre a formação de leitores, sobretudo, na perspectiva do letramento literário. Apresentamos, também, o planejamento e a execução de uma sequência didática aplicada em uma turma do 3º ano do ensino médio que versou sobre a metapoesia na literatura moderna e contemporânea, focalizando, dentre outros autores, Manuel Bandeira e Manoel de Barros. Por fim, nas considerações finais, focalizamos a importância deste estágio para a formação inicial docente, além de sua reverberação nas práticas de sala de aula em situações concomitantes de exercício do estágio. Sobretudo, focalizamos neste estudo, a perspectiva de formação do professor de literatura enquanto um sujeito que “torn a- se” docente, ou seja, um caminho que traz consigo a viabilidade de conhecimentos que somados e postos em diálogo constituem subsídios para a formação crítica e reflexiva deste profissional. O texto está estabelecido, sobretudo, em primeira pessoa, pelo fato de estar composto sob gênero memorial de formação. Palavras-chave: Estágio supervisionado em Literatura. Ensino Médio. Formação docente.

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Universidade Federal de Campina Grande

Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1

ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765

NINGUÉM NASCE PROFESSOR, TORNA-SE PROFESSOR: TRAJETÓRIA DE FORMAÇÃO EM SITUAÇÃO DE ESTÁGIO

SUPERVISIONADO PARA A DOCÊNCIA EM LITERATURA NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO

Olavo Barreto de Souza (PPGLI/UEPB) [email protected]

RESUMO

Este trabalho é resultado de uma experiência de estágio supervisionado realizado no ano de 2014, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Raul Córdula, na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba. O texto apresenta, em suas ponderações, elementos concernentes à reflexão sobre a prática docente, sobretudo, do desenvolvimento da persona professor, em meio a uma situação de estágio supervisionado. Para tanto, nos portamos das ponderações teóricas de Zilberman (2009), Cândido (2002), Paulino e Cosson (2009), dentre outros autores, na construção das considerações apresentadas no trabalho sobre a formação de leitores, sobretudo, na perspectiva do letramento literário. Apresentamos, também, o planejamento e a execução de uma sequência didática aplicada em uma turma do 3º ano do ensino médio que versou sobre a metapoesia na literatura moderna e contemporânea, focalizando, dentre outros autores, Manuel Bandeira e Manoel de Barros. Por fim, nas considerações finais, focalizamos a importância deste estágio para a formação inicial docente, além de sua reverberação nas práticas de sala de aula em situações concomitantes de exercício do estágio. Sobretudo, focalizamos neste estudo, a perspectiva de formação do professor de literatura enquanto um sujeito que “torna-se” docente, ou seja, um caminho que traz consigo a viabilidade de conhecimentos que somados e postos em diálogo constituem subsídios para a formação crítica e reflexiva deste profissional. O texto está estabelecido, sobretudo, em primeira pessoa, pelo fato de estar composto sob gênero memorial de formação.

Palavras-chave: Estágio supervisionado em Literatura. Ensino Médio. Formação docente.

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1 APRESENTAÇÃO

Ninguém nasce professor: torna-se professor. Ou seja, é um caminho de

desenvolvimento. Parafraseando Simone de Beauvoir, com sua emblemática fase que

introduz o segundo tomo de O segundo sexo, “Ninguém nasce mulher: torna-se

mulher”, nestas memórias procuro focalizar os meios e fatos que me fizeram

professor. Segundo Beauvoir, uma mulher se forma mediante de várias influências que

vão desde a sua criação, até os modos de se compreender o feminino na sociedade,

suas imagens, seus discursos. Assim também compreendo o ser professor. Enquanto

uma persona - ou seja, um papel desempenhado, um modo de ser delineado por

caracteres procedentes para a profissão docente – o professor torna-se através de um

ideário construído na memória da sociedade vigente. Aquele que está à frente de uma

comunidade e ensina é um papel social construído milenarmente na história da

civilização ocidental . Assumindo deferentes facetas, atualmente encontramos um

modo de ser professor, seguindo os moldes da academia, bem como dos caracteres

que delineiam este papel sócio historicamente.

Nas secções que seguem, incialmente, trato da minha experiência de catequista

e como ela me levou a ser professor. Trato das diferenças entre professor e catequista

focalizando, também, seus pontos de convergência. Após, relato minhas primeiras

experiências com o ensino regular, sobretudo, através da minha atuação em um curso

preparatório para vestibular. Ao passo que relato as memórias, também reflito sobre o

trabalho docente, no que diz respeito as estratégias metodológicas utilizadas e os

efeitos que elas podem trazer. Seguindo essas memórias, relato minhas expectativas

sobre o estágio obrigatório de licenciando em Letras na disciplina da língua portuguesa

para o Ensino Médio. Nessas expectativas focalizo algumas indagações que tive sobre a

minha formação como profissional da educação, além de comentar quais os anseios

que o início deste estágio me favoreceu. A secção que contém as informações tratadas

acima, intitulei “Como um catequista torna-se professor?: experiências de ensino

anteriores ao estágio obrigatório de língua portuguesa e literatura no Ensino Médio”.

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Na segunda grande secção desse memorial, intitulada “Um caminho para torna-

se professor: experiências com o estágio no Ensino Médio”, apresento as discussões

feitas nos encontros que antecederam a nossa prática na escola Raul Córdula, além de

apresentar o planejamento da sequência de aulas de literatura e língua empregadas

por mim e minha parceira de estágio, Silvanna Kelly. Na secção procedente “Tornar-se

professor: do dizer ao fazer”, relato com mais ênfase o planejamento, bem como a

execução das aulas, trazendo também reflexões sobre esses assuntos. Por fim, concluo

na secção intitulada “O caminho para tornar-se professor: nunca acaba, sempre se

renova” colocando minhas considerações finais sobre o estágio realizado, além do meu

exercício como profissional de língua portuguesa em outra escola, além do estágio,

que durante a Prática II, fui convocado para assumir a vaga de uma professora

licenciada por conta de gravidez. Além de relatar os fatos mencionados, nessa secção,

apresento algumas ponderações sobre o fazer docente diante das diferentes

realidades de aprendizagem ao qual o profissional docente é apresentado.

2 COMO UM CATEQUISTA TORNA-SE PROFESSOR?: EXPERIÊNCIAS DE ENSINO

ANTERIORES AO ESTÁGIO OBRIGATÓRIO DE LÍNGUA PORTUGUESA E

LITERATURA NO ENSINO MÉDIO

2.2 Catequista vs. Professor

De fato um catequista é um professor. Mas, aqui, queremos defini-los como

categorias diferentes. Enquanto o catequista ensina com propósitos eminentemente

religiosos, para o seguimento dos preceitos e dogmas de sua fé, um representante

máximo do seu ideal religioso, agente reprodutor das tradições ao qual ele está

voluntariamente disposto; o professor, de modo oposto, é um agente de

transformações do saber. O catequista regula seus aprendizes para um ideal de fé. O

professor modula seus aprendizes para a transformação social de modo pleno. É

importante considerar que catequista e professor são agentes de mudança social.

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Ambos estão compromissados em guiar um sujeito em processo de

aprendizagem para atingir um ideal. E neste caminho que potencializa as metas para

que se concretize a imagem idealizada de sujeito, tanto o professor como o catequista

mobilizam estratégias metodológicas que efetivam os procedimentos para que o

aprendiz seja conduzido a um estágio considerado significativo para o caminho de

educação trilhado. Para o catequista, este estágio representa o desenvolvimento do

crente para tornar-se discípulo e missionário da Igreja1. Para o professor, será o

desenvolvimento do sujeito a ser um cidadão participante e atuante na sociedade ao

qual está inserido2.

Separar o ofício do professor da missão de catequista é algo difícil, pois, ambos

têm como compromisso estabelecer metas para desenvolver competências e

aprimorar habilidades. Enquanto o catequisando é formado para ser um propagador

do Evangelho e dos Ensinos da Igreja; o educando, é instruído para ser reflexivo sobre

a sua realidade, mediante a aprendizagem de conhecimentos das diversas ciências,

incluindo sua bagagem empírica. De modo análogo, o catequisando ao compreender

através da inspiração divina da verdade revelada na Palavra de Deus, torna-se reflexivo

sobre sua realidade. A diferença entre catequisando e educando será, basicamente, a

prática de fé. É para o seguimento de Jesus que a catequese se justifica; enquanto para

a educação laica, o ensino se justifica para a construção de uma sociedade

humanizada. Para cada um desses modelos, o sujeito mediador do processo de ensino

(catequista/professor) segue identidades diferentes com metas distintas — tornar-se

missionário; tornar-se cidadão —, mas com propósitos semelhantes — ser atuante no

mundo —.

Minha experiência com a educação se dá, em princípio, na catequese. Foi como

catequista que tive a oportunidade de compreender, inicialmente, como se constrói

um processo de planejamento, execução e avaliação para o desenvolvimento de

habilidades e competências. Sempre fui engajado na Igreja Católica. Assíduo

1 CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Diretório Nacional de Catequese, 2007. 2 BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997.

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participante de missas e novenas, desde a minha infância, ser Igreja faz parte do meu

cotidiano. De modo pleno, posso afirmar com segurança que se a minha experiência

religiosa for tirada da minha definição de professor, estar-se-ia ocultando parte das

razões que justificam minha escolha profissional. Por que foi na catequese, juntamente

com outros fatores, que descobri que esta era a profissão a qual deveria seguir.

Desde a minha pré-adolescência estive engajado com experiências catequéticas

em diversas instâncias: com crianças, jovens e adultos; bem como fazendo parte da

coordenação de grupos de catequistas, planejando e executando formações desses

sujeitos, avaliando e promovendo mudanças pastorais em diferentes instâncias de

atendimento ao público ao qual deveríamos atender: os paroquianos. Ao passo que

caminhava com a catequese, iniciei também minha participação no movimento eclesial

Renovação Carismática Católica (RCC)3. No âmbito na RCC, o catequista assume outra

identidade: pregador e formador. Neste movimento, por intermédio da minha

experiência com a catequese tornei-me ambos. O pregador é um sujeito atuante,

sobretudo, nos grupos de oração da RCC. É aquele que prega a Palavra, ou seja,

explica, à luz da Teologia Católica e da sua experiência de oração, qual a mensagem

querigmática4 deve ser assumida pala comunidade. O formador é o sujeito que

“forma” os servos dos grupos de oração. Quer dizer, modula como a equipe de serviço

de um grupo de oração deve trabalhar para o funcionamento do movimento, bem

como instiga estudos para o aprofundar a experiência querigmática, através,

sobretudo, dos conhecimentos advindos da Pneumatologia Católica5, da Doutrina

Social da Igreja6, dentre outros estudos pertinentes à experiência com a pessoa do

Espírito Santo. Como pregador já tive experiências diversas de missão: desde pregar

para meu grupo de origem, até ser enviado para pregar em diferentes cidades da

Arquidiocese da Paraíba, e outras dioceses do estado. Como formador, obtive 3 Movimento eclesial católico. 4 Mensagem acerca do primeiro anúncio da Pessoa de Jesus ao crente. No âmbito na RCC, essa mensagem assume os seguintes temas: amor de Deus, pecado, Jesus salvador, fé e conversão, Espírito Santo e Vida em comunidade. 5 É a parte da Teologia que estuda a Pessoa do Espírito Santo. 6 Série de ensinos da Igreja que versam sobre a fé, o homem e a sociedade. Na Doutrina Social encontramos todos os direcionamentos morais que constituem a catolicidade da fé cristã.

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experiências com meu grupo de oração, bem como faço parte da equipe

arquidiocesana de formação da RCC. Neste serviço missionário tive a oportunidade de

formar outros formadores.

Nas linhas acima enfatizei sobre minha trajetória no meio católico, sobretudo,

dando ênfase à minha caminhada como catequista, pregador e formador. Justifico a

colocação desses fatos para que fique elucidado meu contato com outros meios de

escolarização além escola básica. Assistindo as aulas de Política da Educação no Brasil

e Estrutura e Funcionamento do Primeiro e Segundo Graus, ambas ministradas pelo

professor Antônio Berto Machado, tive a compreensão ampla de que não é só a escola

que educa, e o ser professor que o faz, embora sendo uma persona com seu lugar

próprio de atuação, pode também ser assumido nos matizes que formam a imagem de

outros atores sociais, sobretudo aqueles que lidam de modo expressivo no

atendimento, na instrução e na (re)criação de significados sobre o mundo. Tanto o

catequista como o professor são formadores de cosmovisão. Ao ter contato com seus

aprendizes, a influência de seu discurso tem fator decisivo nas futuras condutas que

esses sujeitos poderão assumir. Como catequista ao falar do meu contato íntimo com

a Palavra de Deus nas minhas pregações e formações, já ouvi relatos de que as

explicações que eu dava foram importantes para um determinado momento de

tribulação na fé ao qual o sujeito ouvinte passava. Trazendo isso para essas memórias,

posso perceber a grande influência da voz daquele que está à frente da comunidade

de aprendizes e ensina. É muito comum na experiência de pregador da Palavra ouvir

relatos como esses. Posso dizer, com certeza, que isso não é mérito exclusivo de quem

prega, pois, na minha concepção de fé, é través, sobretudo, do Espírito Santo que a voz

do pregador torna-se meio de cura e libertação. Mas, de fato, existe uma voz que fala,

e esta voz é compósita a um ser que possui uma dada cosmovisão que, quando

comunicada, pode influenciar a atividades diversas, inclusive de resiliência diante das

diversas situações.

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2.3 Experiências com o ensino básico: curso preparatório para vestibular e estágio

no Ensino Fundamental

E esta voz que influencia, como viemos dizendo, é importante para a formação

dos sujeitos. Em se tratado de ser professor, no sentido da escolarização básica,

compreendemos que esta influência recai também em nossas experiências de sala de

aula. Experiências essas que, em minha trajetória, iniciam no quarto período de

graduação em Letras. É importante destacar, sobre minha caminhada docente, que

desde criança fui sempre tratado como “o diferente”. Na comunidade em que cresci,

com práticas culturais de forte oralidade, ser diferente é aquele que lê. O menino

leitor que vivia entre a biblioteca do sindicato dos trabalhadores rurais, à biblioteca da

secretaria de educação, à biblioteca da escola. São três bibliotecas importantes na

minha história de leitor. Ambas pequenas, com acervo bastante precário, mas

decisivas na minha caminhada de leituras iniciais. Essa história de ir em peregrinação

semanal de biblioteca em biblioteca levou fama. E foi justamente por conta disso que

ingressei no ano de 2011 como professor em um curso filantrópico preparatório para

vestibular oferecido por uma instituição vinculada a um banco de fomento às práticas

de cultura e educação no nordeste. Como aluno da escola pública que fui, tinha na

minha mente que tipo de realidade eu iria encontrar. Certamente alunos com muitas

deficiências na escrita e poucas experiências com a leitura. E, na medida do possível,

tentava conciliar o que eu tinha aprendido na universidade com minha prática

docente. O que certamente o curso de licenciatura me ofereceu foi o olhar analítico

sobre a realidade da sala de aula. Seguindo os moldes das disciplinas na graduação em

Letras: PLPT I e II, bem como Linguística III, fiz, por diversas vezes, questionários

diagnósticos. Esses questionários foram importantes para que eu pudesse

compreender quem eram aqueles alunos e o que eles precisavam aprender. E assim

trabalhei nos anos de 2011 e 2012. Cada aula naquele curso preparatório foi decisiva

para que eu tivesse certeza da profissão por mim escolhida. Nessas aulas fiquei

responsável pelas disciplinas Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Para mim, na

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época, achava o trabalho muito pesado. São conhecimentos que se cruzam, mas que

têm, cada um modo de se abordar. Era fácil associar Língua Portuguesa com Redação,

o planejamento era muito próximo, mas Literatura requeria outro planejamento.

Sempre fui muito resistente à interdisciplinaridade. Creio que isso seja fruto da minha

formação na escola básica – inclusive, nas discussões na disciplina Prática de Ensino de

Língua Portuguesa e Literatura (Prática II) pude remodelar meu olhar sobre essa

questão.

Uma preocupação minha desde a gênese do meu trabalho com a educação,

seja no meio religioso, seja na escola básica é sobre a qualidade do meu trabalho.

Quando cursei a disciplina Língua Portuguesa I e Semântica e Pragmática, ambas

ministradas pela professora Sandra Sueli, pude ampliar esta visão. No meio das

explanações feitas por essa professora o tópico “qualidade da educação” sempre

estava à tona. As palavras dela sobre o papel do trabalho do professor como decisivo

para o desenvolvimento do aluno sempre soam quando faço questionários orais sobre

o meu trabalho docente. No final de cada módulo do curso preparatório citado, o

momento da avaliação conjunta era algo sempre imprescindível. Saber se os objetivos

foram alcançados e se minha desenvoltura como professor foi satisfatória foi e é algo

muito importante para que eu possa repensar meu trabalho como docente.

Este curso me proporcionou também a prática de conhecimentos sobre

Literatura adquiridos na graduação. E aqui destaco o papel da disciplina Teoria da

Literatura I e Poesia brasileira I, ambas ministradas pelo professor Hélder Pinheiro;

bem como, Teoria da Literatura II, Literatura Brasileira IV e Literatura Portuguesa I e II,

a primeira ministrada pela professora Rosângela Melo e as demais pelo professor José

Mário. Retirando a Teoria da Literatura II, todas as outras trataram da poesia. Com o

professor Hélder aprendi o tom do texto, a importância da vocalização poética das

palavras. Desde a infância sou leitor de poesia, mas, até conhecer o professor Hélder, a

minha compreensão sobre a voz e o poema era pouca. Pude perceber em suas aulas o

quão importante é a declamação na construção do teor do poema. E isso, assumi nas

minhas aulas. Sempre tive cuidado em dar expressão sinésica e impostação vocal

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quando leio em voz alta. Mas com os ensinos do professor Hélder pude compreender

melhor os efeitos que isso pode trazer para uma leitura significativa do texto literário.

No curso preparatório, tive a incumbência de trabalhar o poema narrativo de João

Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina. Por ter um teor dramático, a própria

estrutura do poema oferece recursos para a sua encenação vocal. Após fazer a leitura

do diálogo entre Severino e a Rezadora7 uma aluna me interpela dizendo que nunca

tinha compreendido e até achava pedante a leitura desta obra do Cabral, mas a minha

leitura lhe proporcionara uma nova visão sobre aquele texto até então indiferenciado.

Além disso, outros textos de teor narrativo lidos no curso preparatório foram

feitos de boas experiências. Seguindo a concepção de Antonio Candido, de uma leitura

colada ao texto, ideias defendidas pelos professores Mário e Rosângela, construí

sequências de aulas sobre os textos narrativos da época selecionados para o

vestibular. Uma experiência interessante se deu com o romance de Marçal Aquino, O

invasor. Quanto a esse livro, tanto lemos como assistimos ao filme. Muitas discussões

foram suscitadas, inclusive sobre temas ao qual o romance sugere, dentre eles a

corrupção.

Seguindo a trajetória da minha história docente, no ano de 2013 este curso foi

encerrado. Mas, naquele ano, curso a disciplina Prática de Ensino de Língua

Portuguesa (Prática I). Na oportunidade, pude aprimorar conhecimentos que estavam

guardados, como a concepção de sequência didática aos moldes de Dolz, Noverraz e

Schneuvwly. Foi também um período de contato com os PCN de língua portuguesa.

Construí em parceria com Silvanna Kelly, minha colega de trabalhos acadêmicos, uma

sequência didática com uma temática, a nosso ver, bastante pertinente para a reflexão

por alunos de diferentes níveis de ensino: a violência. Influenciados pelas nossas

leituras sobre os contos do escritor paraibano Rinaldo de Fernandes, sobretudo, os

contos “O perfume de Roberta” e “Duas margens”8, ambos tematizando a violência,

7MELO NETO, João Cabral de. Morte e vida Severina. In: _____. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p. 54-58. 8 Ambos estão publicados no livro O perfume de Roberta (FERNANDES, 2005). FERNANDES, Rinaldo. O perfume de Roberta. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

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tendo como protagonistas mulheres, propomos à turma da Prática I a referida

temática.

Diante da discussão, ficou decidido o tema da violência, mas, para atender ao

público das séries finais do ensino fundamental, foi incluída à violência na infância.

Desse modo, elegemos outros textos para trabalho didático: os contos “Biruta”, de

Lygia Fagundes Telles9 e “Negrinha”, de Monteiro Lobato10. Nossa proposta inicial foi

trabalhar tanto a escrita quando leitura do gênero conto. No entanto, pela disparidade

do calendário da universidade com o da escola ao qual atuamos, tivemos de mudar o

gênero. Segundo nossas reflexões, o trabalho com o gênero conto seria muito

frutuoso, mas demandaria mais do que 10 aulas, levando em consideração o trabalho

com a leitura, a escrita, a análise linguística e a reescrita. Desse modo, partimos para o

gênero crônica. Como existe uma tênue distinção entre a crônica e o conto, o trabalho

feito até então não fora desperdiçado. Lemos com os alunos “A última crônica”, de

Fernando Sabino11. Desta vez, focalizando, também, a violência simbólica acerca da

situação sócio econômica das personagens.

De fato esta foi a primeira experiência com o ensino regular, embora em uma

situação de estágio. Na oportunidade, pude vivenciar diversas formas de abordagem

com o texto literário, bem como outros gêneros. Como trabalhávamos com uma

temática, fora imprescindível trazer notícias, gráficos e outros textos que a ilustrassem.

Já havia trabalhado com produção de texto na experiência anterior, o curso

preparatório para o vestibular, mas, neste estágio puder atribuir nota ao texto dos

alunos. Sempre, para mim, é muito complicado compor uma nota. Às vezes é mais fácil

compor um conceito. Durante essas experiências trabalhei com alunos de realidades

muito diferentes, desde o aluno que trabalha o dia inteiro e no final da tarde vai ao

curso, bem como alunos que têm uma experiência de leitura restrita a textos de

9 TELLES, Lygia Fagundes. Biruta. In: _____. Venha ver o pôr-do-sol & outros contos. 19ª ed. 7ª impr.

São Paulo: Ática, 2004. 10 LOBATO, Monteiro. Negrinha. In: MARICONI, Ítalo. (org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 11 SABINO, Fernando. Última crônica. In: SANTOS, Joaquim Ferreira. (org.). As cem melhores crônicas brasileiras. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.

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internet, muitas vezes construído de modo inadequado para uma situação formal.

Alguns alunos, por mais estímulo que damos, não atendem às expectativas do

planejamento. Na minha concepção são sujeitos que têm outras prioridades. Escrever

um texto, no mínimo, é algo feito apenas no ambiente escolar, não é uma prática

ampla em seu cotidiano. E aqui estou tratando de textos mais elaborados, não apenas

recados e sms. Temos uma forte cultura da escrita, mas, muitas vezes os alunos da

escola básica não têm os meios mais eficazes de estar imerso nessa cultura como

agentes e não apenas recebedores passivos. E quando esses sujeitos na escola

escrevem textos dentro de uma avaliação, todo esforço empregado é válido. Nisso

quero afirmar que, um aluno que tem acesso a diversidade de bens culturais terá um

produto final escrito diferente de um aluno da zona rural que, no mínimo, escreve uma

lista de compras para fazer a feira semanal. Como professor, não tenho tanta

segurança de que medida devo utilizar na avaliação. Ter um peso universal ou

padronizado para cada aluno é uma tarefa difícil, diante da realidade apresentada.

Deve-se colocar nesta conta o desinteresse por muitos alunos sobre a

instituição escolar. No estágio mencionado, por muitas vezes vi alunos que

frequentavam uma ou duas aulas e não apareciam mais. Certa vez, indaguei a um

aluno o motivo de sua ausência. A resposta foi simples: não gosto da escola. E isso, eu

tenho plena convicção, não era só apenas a opinião daquele aluno. A escola por si é

uma instituição da ordem do conservar e não do inovar. Vivemos em um mundo

conectado às mídias sociais e outros recursos tecnológicos, e aquele aluno em especial

não largava o celular. A escola não dispunha de um projeto de letramento que

fornecesse subsídios para chegar a esse novo público. Desde o início da graduação,

participo de congressos e eventos acadêmicos diversos na área da educação. Sempre

vejo muitas pesquisas sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC),

mas, mesmo assim, essa inovação não está de modo amplo em todas as escolas. Se no

ambiente extraescolar essas tecnologias imperam e são “chamativas”, a escola

enquanto uma instituição fundada no quadro e giz torna-se obsoleta.

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Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 12

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Concluo esta parte afirmando algo que para mim foi e é importante para minha

trajetória docente. Como dito no início meu trabalho com a educação iniciou com a

catequese. Creio que a liberdade que eu tenho na sala de aula e o enfrentamento de

desafios na profissão deve-se, em grande parte, a este trabalho missionário. Muitas

vezes, me pego ministrando aulas como se estivesse em uma pregação. De todo modo,

tento separar a persona professor da persona catequista. Às vezes ocorre o contrário.

Já, por diversas vezes, fui interpelado em eventos católicos de que minha pregação,

muitas vezes se assemelhava a uma aula, por ser muito explanatória, com muitos

dados e explicações teóricas. Eu me considero, realmente, muito teórico. Ou seja,

explicar ou apresentar uma ideia de modo abstrato, trazendo, muitas vezes, a

linguagem técnica da academia. Como professor tento, ao máximo, explicar os termos

técnicos, para que a comunidade de participantes da aula possam compreender o que

é exposto. Sobre isso, nos diversos momentos de ensino apresentados acima, assumi

essa postura. Creio que isso seja importante, pois é um meio de ampliar o vocabulário

e as compreensões dos alunos sobre os diferentes fatos da linguagem, no meio

escolar, ou da teologia, no meio religioso.

3. UM CAMINHO PARA TORNAR-SE PROFESSOR: EXPERIÊNCIAS COM O ESTÁGIO

NO ENSINO MÉDIO

3.1 A literatura no Ensino Médio: formação de leitores e práticas docentes

O estágio (ou Prática) no curso de Letras na UFCG, campus I, acontece sempre

em três partes: (1) aulas teóricas sobre as concepções de ensino de língua e literatura;

(2) planejamento e ministração das aulas em uma escola escolhida antecipadamente;

(3) a feitura de um relatório que rememora a experiência vivenciada. No semestre

2014.1, esta tríade permanece.

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Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 13

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A Prática II inicia com as aulas de literatura rememorando alguns conceitos

sobre a literatura e formação do homem nas proposições de Antonio Candido12. As

concepções de Candido fundamentam uma práxis consolidada também pelas

Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no que diz respeito à formação de

leitores: a literatura tem compromisso com a humanização do homem. É um conceito

que de certo modo pode ser tomado com redundante, pois, não seria o homem um ser

humanizado? No sentido que Candido constrói, a literatura quando humaniza, reflete a

própria experiência do homem. Ou seja, o funcionamento da arte literária se dá

reconhecimento de si no texto de criação artística. É por essa razão que textos de

diferentes épocas são ainda hoje apreciados: por que existe uma experiência de

humanidade que ainda faz sentido para o homem hodierno. Essas ideias suscitaram

muitas discussões nas aulas de literatura, uma vez que existia uma massa significativa

na turma de alunos que enviesaram suas pesquisas de conclusão de curso no campo

dos Estudos Literários.

Pela experiência da professora Aluska com a literatura no Enem, outras

frutuosas discussões vieram a tona, principalmente no que diz respeito à utilização do

texto literário neste exame. Pudemos observar que o Exame negligencia, por muitas

vezes, aquilo que ele próprio coloca como foco, a interpretação do texto em

detrimento às informações de teor escolástico da historiografia literária.

Além dessas discussões, ao tratar do livro didático13 e da interdisciplinaridade14,

pudemos observar diferentes meios de abordagem do texto literário na sala de aula.

Observando o os livros didáticos, pudemos rememorar algumas concepções

problemáticas na didatização dos textos literários, dentre elas, a sua fragmentação.

12 CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. In: CANDIDO, Antonio. Textos de intervenção. São Paulo: Editora 34/Duas Cidades, 2002. 13 PINHEIRO, Hélder. Reflexões sobre o livro didático de literatura. In: BUNZEN, Clecio & MENDONÇA, Márcia. (org.). Português no ensino médio e a formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. 14 JURADO, Shirley & ROJO, Roxane. A leitura no ensino médio: o que dizem os documentos oficiais e o que se faz? In: BUNZEN, Clecio & MENDONÇA, Márcia. (org.). Português no ensino médio e a formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

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Nas abordagens de leitura, pudemos ter acesso a diferentes metodologias para

favorecer a leitura literária na escola básica.

Outra discussão sempre tomada na disciplina, no que diz respeito ao ensino de

literatura, foi a questão do letramento literário, principalmente na concepção de Rildo

Cosson15. Dentre os principais problemas que estão na atualidade dessa questão, está

o acesso ao livro. Só se pode oportunizar uma frutuosa experiência de leitura, se o

aluno tem o livro em mãos. Nessa questão, contribui sempre com minha visão sobre a

qualidade do ensino nas escolas públicas através da biblioteca presentes no ambiente

escolar. Uma escola só poderá ser considerada boa, mediante o acervo de sua

biblioteca, bem como o acesso a esse acervo. Se uma escola não possui bibliotecas,

muito menos um acervo considerável de livros das diversas áreas, e principalmente

literários, como poderemos formar leitores? Só se forma leitores se houver leitura, e

só haverá leitura se houver, no mínimo livros. A questão do letramento literário é

ampla e, nas nossas discussões foram desde o campo teórico de formação dessa

concepção até a aplicabilidade dessa ideia nas nossas práticas de leitores. Afinal, o

professor, antes de tudo, deve ser um hábil leitor, para que possa formar novos

leitores. É, muitas vezes, pela indicação do professor que os alunos vão formando seus

repertórios de leitura, bem como através da influência da comunidade de leitores ao

qual eles estão inseridos. Sobre este ponto, discutimos sobre a literatura dentro e fora

da escola. Pois, o papel da instituição escolar é formar leitores, mesmo que a leitura

seja um elemento que sobressaia os muros do ambiente escolar.

Uma outra questão que suscitou inúmeras discussões foi sobre a seleção dos

textos literários que devem compor as experiências de leitura no ensino médio. Tendo

em vista o público leitor atendido, deve-se levar que gêneros, livros e textos? Aqui

entramos em embate teórico. Muitos defendiam que os best-selers deveriam compor

o cenário das leituras feitas na sala de aula. Particularmente, eu não defendo essa

ideia. Na minha concepção de formação de leitores, a escola tem o compromisso de

15 PAULINO, Graça. & COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, Regina. & RÖSING, Tânia M. K. Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.

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expandir o repertório de leituras. Se o best-seller é lido fora da escola, o professor

deve ampliar o horizonte de leituras oferecendo aquilo que não é comum ao aluno.

Isso é muito importante para formar um repertório de leituras de diferenciados

gêneros literários. Outra questão que entramos em embate teórico foi sobre a

utilização de adaptações de textos clássicos para o público juvenil. Elas são

importantes, mas não podem ser utilizadas como único caminho. Afinal de contas, o

texto literário quando construído no original, é formulado para favorecer uma

experiência estética significativa, algo que não poderá ser feito com uma adaptação. A

dita “facilitação”, por mim é vista como uma espécie de subestimação à capacidade de

vencer leituras mais “difíceis”. Se a leitura desses livros torna-se a exclusividade,

estaremos desfavorecendo a frutuosidade das construções de sentidos que as leituras

no original poderão favorecer.

4. O CAMINHO PARA TORNAR-SE PROFESSOR: NUNCA ACABA, SEMPRE SE

RENOVA

O percurso da Prática II foi acompanhado de diferentes pontos de

convergência/divergência de expectativas. Por um lado, o êxito dos meus alunos no

estágio, por outro a dura realidade de outra realidade ao qual eu passava naquele

momento inicial das aulas: assumia a vaga de uma professa licenciada para cuidar de

sua gravidez. Duas situações diametralmente opostas. No estágio, alunos muito bem

preparados, participativos, instigadores, hábeis leitores; no trabalho assumido, alunos

desmotivados, com raras experiências de leituras, bem como desacreditados do papel

da escola para suas formações. Não posso afirmar que esta segunda descrição era a

imagem completa da realidade. No trabalho, tinha ótimos alunos sim, mas a maioria

eram de alunos perdidos no segundo ano do ensino médio, bem como no primeiro.

Perdidos no sentido mais pleno da palavra. Pois, não tinham compromisso com a

escola, muito menos com seus futuros profissionais. Essa realidade demandou muitas

reflexões, tomando o tempo das minhas viagens da minha cidade de origem,

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Gurinhém/PB, até Campina Grande/PB, onde cursei a graduação e onde estagiava

naquele momento. Como alunos na mesma faixa etária poderiam ser tão diferentes?

Enquanto um poema rendia várias discussões nas aulas do estágio, no trabalho, um

poema rendia muitas reclamações por parte dos alunos. A literatura não era uma

realidade vivida por aqueles alunos. Diferente dos alunos campinenses, eles não

tinham livros em suas carteiras. Nem o livro didático, e as vezes, nem o caderno. No

estágio eu sabia o que fazer, tinha um planejamento, tinham os interlocutores que

ajudaram a repensar o nosso desenvolvimento didático – as professoras orientadoras

e os estagiários –; mas no trabalho, não haviam interlocutores. Praticamente deveria

caminhar só. Isso me levou a perceber que tinha duas oportunidades: testar qual

procedimento didático seria melhor para a realidade; e caminhar na disciplina sem ter

a interferência interlocutores, mesmo eles, em algumas situações sejam necessários. O

estágio, como a professora Aluska sempre tratava, era uma realidade maquiada. Só

uma experiência real, poderá dar a segurança para que o decente assume seu papel

social. Como professor, no ensino regular, pude acompanhar e analisar diferentes

realidades de aprendizagem. Tinha alunos que não sabiam transcrever para o papel

um enunciado dito oralmente, até alunos que faziam relação o poema trabalhado com

outros textos lidos, bem como com a sua vivência. Enquanto o estagiário tem apenas

contato com a realidade da sua turma, o professor tem contato com diversas turmas, e

no meu caso, com cinco turmas, cada uma com realidades de aprendizagem

diferentes. O que concebemos popularmente como “jogo de cintura”, na minha

realidade como professor pude comprovar como se executa. Ter a competência de

conduzir diferentes a realidade ao êxito, ao aprimoramento de habilidades, representa

saber que tipo de estratégia deve ser utilizada para que o produto final seja

relativamente adequado a um aluno que está no final da escolarização básica. Estava

consciente de que algumas turmas, mesmo dando o máximo de si, não chegariam ao

resultado de outras. O avanço significativo de uma turma, transpondo os dados para

comparação de outras poderia ser lido como ponto de melhoria, de aprimoramento.

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O desafio de ensinar, nesta realidade, foi bastante produtivo. Sabendo que os

alunos precisariam de modos diferentes de aprender aquilo que se propusera no

planejamento inicial de quando assumi as turmas, tive que lançar mão de conteúdos e

modos que estavam fora do currículo. Se um uma realidade de ensino uma peça

importante que é o livro didático, praticamente, não existe, deveria eu conceber

outras abordagens que favorecessem o pregresso da disciplina. Senti certa

hostilização, por parte de alguns docentes, que esboçaram indiferença para com este

trabalho. Mas, se meu aluno não atende aos parâmetros curriculares estabelecidos,

então, devo eu observar qual é a melhor forma de contribuir com a aprendizagem

deles. E assim caminhei naquelas turmas.

Terminado o estágio, continuei como professor das turmas relatadas acima.

Este período de diferentes experiências em realidades distintas me levou a formular

algumas compreensões sobre o ensino. Primeiro que é preciso conhecer

escrupulosamente uma realidade antes de a julgá-la. O discurso de uma escola, dos

alunos e dos professores revelam princípios e vivências que contribuíram para que

aquele discurso fosse instaurado. Segundo, que a leitura é uma peça fundamental na

formação de cidadãos, e a escola, enquanto agenciadora dela, muitas vezes a

negligencia. Por fim, por mais que uma realidade se apresente como difícil, existem

modos de convertê-la positivamente. Se um professor é bem formado e procura meios

de solucionar o problema apresentado, ele terá grandes chances de conduzir seus

alunos para o aprimoramento de seus saberes. Na realidade do trabalho tenho visto

alunos se desenvolvendo positivamente a cada aula, não são todos, mas, pelo menos,

ainda existem aqueles que estão determinados a superarem suas barreiras. Além

disso, o professor só pode fazer o que é possível. Dentro de sua experiência existem as

funções que lhe são delegadas, e outras que competem a outros profissionais. Se cada

profissional executa o que lhe é cabível, formaremos uma educação de qualidade que

realmente forme cidadãos humanizados.