concepÇÕes de escrita e normalizaÇÃo no ensino...
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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 1
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
CONCEPÇÕES DE ESCRITA E NORMALIZAÇÃO NO ENSINO SUPERIOR
RODRIGUES, Márcia Candeia [email protected] (UFCG – CG)
RESUMO
As concepções sobre a escrita permeiam as práticas das quais participamos como usuários nas mais diversas situações sociais, entre elas as que caracterizam os espaços institucionais escolares e acadêmicos. Nestes, a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), através de documentos normativos – as NBRs (Normas Brasileiras de Referência), define e orienta um modo próprio de estruturar, organizar e apresentar o texto escrito que divulga o conhecimento científico, tais como o resumo, o relatório e o artigo científico. Tomando como referência esses documentos, este trabalho, de natureza qualitativa (CHIZZOTTI, 2003), desenvolvido no âmbito do PIBIC (2014-2015), tem como objetivo analisar as concepções ou os discursos sobre a escrita subjacentes nas NBRs 14724/2011 – Trabalho Acadêmico, 6022/2003 – Artigos científicos, 6028/2003 – Resumo e Abstract, 15287/2011 – Projetos de Pesquisa e 10719/2011 – Relatório técnico e/ou científico. Fundamentamos este estudo nas contribuições teórico-metodológicas de Aurebach (1999), em um primeiro momento, e de Ivanič (2004), em um segundo momento, por esta ampliar a compreensão que temos da escrita em seis discursos, a saber: o da habilidade, o da criatividade, o da interação, o do gênero, o da mudança social e o do engajamento sociopolítico. Após análise, os documentos revelam que, embora a normalização do texto escrito sinalizasse o predomínio da habilidade em detrimento de outros discursos sobre a escrita, as NBRs apontam também para a adoção de um discurso sobre a escrita que traz à tona a concepção de gênero textual, da esfera e do propósito comunicativo que cumpre a escrita. Desse modo, podemos afirmar que os documentos comungam de discursos permeáveis entre si e que, de modo semelhante, são recursivos, pois, para a produção do artigo, por exemplo, faz-se necessário consultar a NBR do resumo.
PALAVRAS-CHAVE: Escrita. Normalização. ABNT. NBRs. Discursos.
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INTRODUÇÃO
A normalização está presente em diversas áreas do conhecimento cientifico, o
que nos motivou conhecer como ela se dá e quais de suas normas influenciam a escrita
de textos acadêmicos. De modo amplo, a normalização está vinculada a uma
concepção de técnica a ser empregada nos diversos produtos comerciais e, nas
ciências humanas, nos textos de divulgação científica: o resumo, o artigo científico, o
projeto e o relatório.
Nesse sentido, as normas estão imersas na sociedade desde muito tempo (Déc.
de 40 aproximadamente no Brasil). Eles começaram a se desenvolver principalmente
na indústria, no comércio, nos serviços e nas produções técnico-científicas como meio
de dar maior credibilidade aos produtos (maquinários) através da qualidade gerada
pelas normas técnicas. No Brasil, a normalização está vinculada à ABNT (Associação
Brasileira de Normas Técnicas), uma entidade sem fins lucrativos que tem como
objetivo reger diversas normas técnicas. O ponto de partida para instituição da
Associação foi a 1ª Reunião de Laboratórios de Ensaios de Materiais, realizada em
1937, tendo como objetivo aprimorar pesquisas e concretizar novas tecnologias. Já em
1938 e 1939, ganhava eficácia a ideia de se criar uma Entidade Nacional de
Normalização, concretizada um ano depois, com o nascimento da ABNT. A entidade
cresceu e se projetou em âmbito internacional, tentando alcançar alguns objetivos,
como segue:
A ABNT tem inúmeros objetivos, entre os quais elaborar normas brasileiras e fomentar seu uso nos campos científico, técnico, industrial, comercial, agrícola, de serviços e outros correlatos, além de mantê-las atualizadas (KOTAIT, 1998 In.: ABNT, 2011).
Desse projeto, surgem as NBRs (Normas Brasileiras), uma abreviação adotada
pela ABNT, para os documentos estabelecidos por consenso e aprovados por um
organismo reconhecido, que fornece, para um uso comum e repetitivo, regras,
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diretrizes ou características para os produtos ou processos. Do conjunto das NBRs,
investigamos os documentos a seguir:
Quadro 01 – Normas Brasileiras de Referência
NORMA DESCRIÇÃO
NBR 14724/2011-Trabalhos acadêmicos Esta Norma especifica os princípios gerais
para a elaboração de trabalhos
acadêmicos (teses, dissertações e outros),
visando sua apresentação à instituição
(banca, comissão examinadora de
professores, especialistas designados
e/ou outros).
NBR 6022/2003 – Artigos científicos Informação e documentação - Artigo em
publicação periódica científica impressa -
Apresentação
NBR 6028/2003 – Resumo e Abstract Esta norma estabelece a apresentação do
RESUMO e do ABSTRACT.
NBR15287/2011 – Projeto de Pesquisa Esta Norma especifica os princípios gerais
para a elaboração de projetos de
pesquisa.
NBR 10719/2011 – Relatório técnico
e/ou científico
Esta Norma fixa as condições exigíveis
para a elaboração e a apresentação de
relatórios técnico-científicos. Trata
exclusivamente de aspectos técnicos de
apresentação, não incluindo questões de
direitos autorais.
Fonte: SOUZA, C e RODRIGUES, M. C. Normalização e Estratégias de Aprendizagem da Produção Escrita no Ensino Superior. 2014
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Desse conjunto, compreendemos que essas NBRs orientam a produção do
texto e se alinham, de forma explícita ou não a uma dada concepção de escrita. Nesse
sentido, Aurebach (1999) aponta cinco abordagens sobre o ensino da escrita: a escrita
para a assimilação, a abordagem cognitiva, a escrita como uma prática social, a
abordagem do gênero e a abordagem crítica. Segundo a autora, a escrita pode
propiciar algo além do seu próprio fazer, porque ela pode favorecer a construção da
identidade dos próprios alunos enquanto autores de seus textos e de suas vidas. Ela
também dá ênfase à importância do escrever para o desenvolvimento do aluno, tendo
consciência de que os alunos só desenvolverão sua escrita se escreverem em/para
contextos reais, se lhes forem dadas razões reais para tal, como também indicações
sobre como escrever. A autora também destaca a relevância do contexto social no
qual o aluno vive para se compreender a sua escrita.
O trabalho de Aurebach (1999) é amplamente detalhado por Ivanič (2004) a
partir do reconhecimento de seis discursos ou concepções sobre a escrita: o discurso
da habilidade, o discurso da criatividade, o do processo, o do gênero, o da prática
social e discurso sociopolítico.
À luz dessas considerações, este artigo objetiva analisar as concepções ou os
discursos sobre a escrita subjacentes nas NBRs 14724/2011 – Trabalho Acadêmico,
6022/2003 – Artigos científicos, 6028/2003 – Resumo e Abstract, 15287/2011 –
Projetos de Pesquisa e 10719/2011 – Relatório técnico e/ou científico.
1 Concepções e discursos sobre escrita
Os estudos sobre a escrita caracterizam seu ensino e sua aprendizagem, e
provoca um debate bastante fecundo sistematizado em torno de seis discursos ou
crenças sobre a escrita, como atentam Aurebach (1999) e Ivanič (2004). A partir desses
discursos, Ivanič analisa práticas de ensino da escrita e mostra como elas estão
marcadas por ações típicas, tanto do professor como do aluno, e como elas se
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influenciam mutuamente. Em síntese, os discursos são denominados como: i) discurso
da habilidade, ii) da criatividade, iii) do processo, iv) do gênero, v) da prática social e vi)
do sociopolítico.
O discurso da escrita como habilidade fundamenta-se na crença de que
a escrita consiste na aplicação de um conjunto de padrões linguísticos, ortográficos e
gramaticais para construção de frases e/ou do próprio texto (IVANIČ, 2004). Com esse
enfoque, o contexto de produção e de circulação do texto é irrelevante, uma vez que
esses padrões podem ser transferidos para outros textos, independentes da situação.
O discurso da escrita como criatividade está diretamente relacionado com as
preferências e estilo de quem escreve, ou seja, quem escreve aborda temas que
considera interessantes e/ou inspiradores. Tal discurso enfatiza os níveis textual e
cognitivo da linguagem, e a escrita é tratada como uma atividade cujo valor está em si
mesma, no ato criativo de um autor, sem outras funções sociais além do
entretenimento do leitor (IVANIČ, 2004).
No discurso da escrita como processo, o ato de escrever não está acabado em
si mesmo, mas envolve etapas sucessivas de escrita e revisão do próprio texto. Para
tanto, quem escreve lança mão de inúmeros processos cognitivos que dão forma as
suas ideias iniciais e as avaliam ao longo do processo produtivo, ou seja, esse discurso
privilegia os dois níveis do fenômeno linguístico: o cognitivo e o situacional, pois
pretende dar conta tanto dos processos mentais envolvidos na produção da escrita
como dos processos práticos de instanciação da escrita, como planejamento, rascunho
e revisão (IVANIČ, 2004, ALEIXO E PEREIRA, 2008).
O discurso da escrita como gênero compreende a variação e a vinculação entre
textos e gêneros. Nesse sentido, os textos variam linguisticamente de acordo com os
propósitos e os contextos, e demandam, de quem escreve, não apenas corretamente,
mas escrever aquilo que é linguística e discursivamente adequado aos propósitos do
texto (IVANIČ, 2004).
No discurso da escrita como prática social, a escrita é reconhecida como
integrante das rotinas nas quais fazemos uso de textos/gêneros escritos, ou seja, nesse
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discurso é relevante pensar o “por quem, onde, quando, em que condições, com que
recursos, e para que fins o texto é escrito” (FIGUEIREDO e BONINI, 2006). De acordo
com Ivanič (2004), a crença que enquanto prática social, a escrita comporta a noção de
evento e os discursos sociais. Assim, o texto e os processos de composição estão
imbricados, com uma interação social complexa que constitui o evento comunicativo
no qual estão situados. Portanto, a visão de como as pessoas aprendem implica a
participação nos eventos situados socialmente.
O discurso da escrita como ação política parte do pressuposto de que a escrita
é fruto da capacidade de reconhecer e questionar os discursos que atravessam os
textos escritos e em circulação nas práticas sociais. Escreve-se para alcançar
propósitos e para assumir responsabilidades sobre os discursos assumidos. Esse
discurso está baseado na crença de que a escrita, como toda linguagem, é constituída
por forças socais e relações de poder, que acarretam consequências para a identidade
do escritor (IVANIČ, 2004).
Se determinado sujeito se utiliza de um discurso para escrever, seu texto
apresentará características particulares relativas a esse discurso. Por isso, a autora
defende que discursos diferentes favorecem formas particulares de ação situada, de
modo que também incidam sobre a aprendizagem da escrita e também na formação
da identidade dos sujeitos.
Metodologia
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa insere-se em dois paradigmas: a
pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa. Pesquisar qualitativamente diz respeito
à necessidade de interpretação daquilo que é estudado, mas não se deve abrir mão do
sistematizado – pois a pesquisa qualitativa também exige um método.
Na modalidade de pesquisa qualitativa, está a leitura e interpretação das NBRs
e dos questionários, com a finalidade de perceber quais os discursos sobre a escrita
que perpassam essas normas. A análise das NBRs foi feita a partir da identificação de
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trechos das mesmas que apontam para determinados discursos em particular, daí a
interpretação.
Com base no objetivo aqui descrito, a análise das NBRs foi realizada a partir da
leitura da descrição da seção Apresentação e Regras Gerais contidas em cada um dos
documentos. No escopo, identificamos uma tendência a considerar a escrita dentro do
discurso do gênero, quando a NBR explicita alguns trabalhos acadêmicos e sugere
outros a partir da expressão “outros” e “no que couber”. Vejamos:
Esta Norma especifica os princípios gerais para a elaboração de trabalhos acadêmicos (teses, dissertações e outros), visando sua apresentação à instituição (banca, comissão examinadora de professores, especialistas designados e/ou outros). Esta Norma aplica-se, no que couber, aos trabalhos acadêmicos e similares, intra e extraclasse. (NBR 14 724/2011, p.01, grifo nosso)
Essa norma define quais são esses trabalhos acadêmicos, que podem ser teses,
dissertações e outros. Há o reconhecimento de que são diversos gêneros textuais que
circulam na academia, e que estes servem a propósitos variados e eleitos por
disciplinas, componentes curriculares ou programas de curso da instituição. Nesses
propósitos, reconhecemos também o discurso da escrita como prática social, pois,
como mostra a norma, os trabalhos acadêmicos visam a apresentação à instituição.
Eles existem porque estão dentro de um contexto social, são parte integrante de
determinados contextos, circulam dentro um ambiente – no caso, a academia.
A Norma (14724/2011) abre espaço para as possibilidades de realização da
produção de texto. Isso porque, muitas vezes, os professores e/ou instituições optam
por determinados elementos dentro dos trabalhos acadêmicos que são semelhantes.
Vemos que a própria Norma diz que no que couber, ela se aplicará aos trabalhos
acadêmicos e similares, intra e extraclasse. Portanto, a Norma amplia o seu uso e não
limita a produção do texto a apenas determinados gêneros.
Ela ainda apresenta a estrutura do trabalho acadêmico, que é composta por
uma parte externa (capa e lombada) e uma parte interna. A parte interna é subdividida
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em elementos pré-textuais, elementos textuais e elementos pós-textuais. Os
elementos pré-textuais apresentam elementos obrigatórios, como a folha de
aprovação, por exemplo, e elementos opcionais, como a lista de tabelas, por exemplo.
Analisando os elementos pré-textuais, notamos certa flexibilidade nas regras que
compõem a Norma. Porém, os mitos que circulam entre os alunos sobre as NBRs são
diversos, e entre eles está o fato de que tudo na Norma é obrigatório e será muito
complicado seguir a quantidade exacerbada de regras apresentadas. Mas, vimos que a
própria Norma deixa vários elementos a critério de quem produz o trabalho
acadêmico. Os elementos que são obrigatórios constituem o trabalho e servem para o
reconhecimento do trabalho acadêmico como tal, e não para dificultar a produção.
Em relação aos elementos textuais, a NBR esclarece: “O texto é composto de
uma parte introdutória, que apresenta os objetivos do trabalho e as razões de sua
elaboração; o desenvolvimento, que detalha a pesquisa ou estudo realizado; e uma
parte conclusiva”. (NBR 14 724/2011, p.08). Toda essa estrutura condiz com a
organização do texto e é orientada por um dado gênero acadêmico.
Dizer que o texto é composto de uma parte introdutória não garante que o
aluno saberá que conteúdo, especificamente, constitui essa parte, tampouco garantirá
que ele a desenvolva. Usando como fonte de justificativa esse trecho, notamos que a
Norma não explica exatamente o que vem a ser a introdução, o desenvolvimento e a
conclusão de um trabalho acadêmico, deixando o espaço de produção e escolha do
conteúdo a cargo de seu autor, como prova de que a NBR não ensina a escrever, mas,
sim, a orientá-lo. Nesse sentido, o aluno pode consultar todas as NBRs, deixar seu
trabalho perfeitamente dentro das regras exigidas, mas se ele não souber desenvolver
corretamente o que se propôs a fazer no trabalho, muito pouco valerá toda a sua
organização, pois o texto é, sobretudo avaliado, pelo conteúdo que apresenta. As
normas, nessa direção, apenas auxiliam na apresentação final do conteúdo.
Do mesmo modo que a NBR 14724/2011 referente a trabalhos acadêmicos, a
NBR 6022/2003, referente à produção de artigo científico, sugere que a concepção de
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escrita que a orienta também está orientada pela noção de gênero, vejamos a seguinte
passagem (3.7) em sua definição:
3.7 autor(es) entidade(s): Instituição(ões), organização(ões), empresa(s), comitê(s), comissão(ões), evento(s), entre outros, responsável(eis) por publicações em que não se distingue autoria pessoal. (NBR 6022, p. 2)
A Norma apresenta o que IVANIČ (2004) defende em seus estudos: a escrita
como identificação do sujeito enquanto autor e por isso, responsável pelo que escreve.
É o sujeito autor e, principalmente, responsável pelo que escreve. Entendemos que, ao
considerar essa responsabilidade, o autor deva atentar para as implicações
institucionais de seu trabalho, ou seja, a partir do que escreveu e como escreveu, esse
trabalho poderá ser validado ou negado pela instituição, poderá lhe permitir
oportunidades de estudo, de trabalho ou de inserção social, por exemplo.
Ainda no tópico Definições, essa norma explica o que é legenda e também traz
dentro dessa explicação indicações do discurso do gênero. Legenda é um "texto
explicativo redigido de forma clara, concisa e sem ambiguidade, para descrever uma
ilustração ou tabela" (NBR 6022, p. 2). Ao apresentar como deve ser o uso linguístico
da legenda em artigos científicos, a Norma restringe o modo de escrever uma legenda.
Ela precisa ser escrita de forma clara, concisa e não ter ambiguidades. Ou seja,
pressupõe-se que os textos podem apresentar-se de maneira que dificulte a
compreensão do quem o está lendo. Há, desse modo, uma clara preocupação com o
destinatário do texto e com o julgamento ou avaliação que ele faz do que está sendo
lido, o que resulta em consideráveis sanções ou méritos para o autor do texto e para a
receptividade que o texto tem dentro do conjunto social. Pensamos, pois tanto o
discurso do gênero como o da escrita como prática social, porque todo gênero tem
suas características próprias, assim como circula em determinada esfera e é utilizado
para cumprir determinados propósitos sociais.
A NBR 6028/2003, que se refere à redação e apresentação de resumos,
estabelece em sua definição que esse texto trata-se de uma "apresentação concisa dos
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pontos relevantes de um documento" (NBR 6028/2003, p. 1). Pressupõe-se que o
autor do texto realizará um trabalho de leitura, compreensão e textualização de
informações, fatos ou dados que se encontram desenvolvidos em dado texto e que
serão condensados em uma outra forma textual, a do resumo. Se a apresentação dos
pontos relevantes de um documento (texto-base) não for feita de maneira concisa ela
não se constituirá, portanto, como um resumo, mas como um amontoado de recortes
do texto ou ainda uma minimização do mesmo. Resumo é um gênero e possui suas
características peculiares. De acordo com a Norma 6028/2003, os resumos podem ser
críticos, indicativos ou informativos, podem ter extensão de cinquenta ou cento e
cinquenta palavras, por exemplo, a depender dos objetivos a que propõem etc. É o
gênero servindo aos propósitos comunicativos que lhes cabem.
A NBR 15287/2011, referente ao Projeto de Pesquisa, apresenta o seguinte
prefácio:
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) é o Foro Nacional de Normalização. As Normas Brasileiras, cujo conteúdo é de responsabilidade dos Comitês Brasileiros (ABNT/CB), dos Organismos de Normalização Setorial (ABNT/ONS) e das Comissões de Estudo Especiais (ABNT/CEE), são elaboradas por Comissões de Estudo (CE), formadas por representantes dos setores envolvidos, delas fazendo parte: produtores, consumidores e neutros (universidades, laboratórios e outros). (NBR 15287 – 2011 p. iv)
As instituições são colocadas como sujeitos responsáveis pelo discurso presente
nos documentos, porque se colocam como autoras, portanto responsáveis, assim
como na Norma 6022/2003 já comentada neste trabalho, destacamos o fato da escrita
estar atrelada às instituições, e aos sujeitos que as representam. A escrita é
contextualizada a partir das associações e organizações interessadas no documento e
que se constituem como corresponsáveis por sua elaboração. É importante nos
voltarmos para os que são apontados como pertencentes às comissões de estudo,
esclarecendo que são os produtores, consumidores e neutros. As questões de
responsabilidade nos levam diretamente ao discurso sócio-político de escrita no qual o
sujeito ou instituição é responsável por aquilo que transmite através da escrita.
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Em outro trecho da mesma Norma, encontramos simultaneamente o discurso
da escrita como processo e o discurso sócio-político:
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) chama atenção para a possibilidade de que alguns dos elementos deste documento podem ser objeto de direito de patente. A ABNT não deve ser considerada responsável pela identificação de quaisquer direitos de patentes. (NBR 15287 – 2011 p. iv)
Novamente, a Norma responsabiliza alguém pela realização de trabalho.
Lembremos que esse discurso é socialmente determinado e que as empresas e
instituições assumem fortemente a questão política. No trecho destacado acima, a
constituição textual é vista a partir dos elementos que compõem o texto, ou seja, o
foco é nos constituintes e não no produto. Podemos perceber novamente o discurso
político de escrita, segundo Ivanič, no fato de ser considerada a patente de algum
elemento textual, é considerado o direito de algum sujeito, em contrapartida a
ausência de responsabilidade da Associação.
Assim como a maioria das NBRs que normalizam gêneros (texto), inclusive o
caso já visto e estudado da NBR de trabalhos acadêmicos, a NBR 15287/2011 – Projeto
de Pesquisa também divide o texto em partes constitutivas, dividindo-os em
elementos textuais, pré-textuais e pós-textuais e definindo cada um desses elementos.
A definição dos elementos textuais na NBR em estudo se caracteriza como a mais
extensa dos elementos citados, tendo as seguintes considerações:
O texto deve ser constituído de uma parte introdutória, na qual devem ser expostos o tema do projeto, o problema a ser abordado, a(s) hipótese(s), quando couber(em), bem como o(s) objetivo(s) a ser(em) atingido(s) e a(s) justificativa(s). É necessário que sejam indicados o referencial teórico que o embasa, a metodologia a ser utilizada, assim como os recursos e o cronograma necessários à sua consecução. (NBR 15287 – 2011 p. 5, grifo nosso)
No trecho destacado, são especificados os elementos que devem constituir o
texto: parte introdutória, referencial teórico, metodologia, recursos utilizados e o
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cronograma. Ao elencar tais constituintes a Norma acaba caracterizando um gênero, o
projeto de pesquisa. O texto passa a assumir as características e a forma estrutural que
um projeto de pesquisa deve apresentar. Podemos perceber, a partir dos termos
destacados, o discurso da escrita como gênero (texto), no que diz respeito à
caracterização e identificação de tipos de texto.
Outro discurso que observamos nessa norma, ainda que implicitamente - mais
uma vez, diz respeito à escrita como habilidade. Durante todo o corpo da NBR é
possível encontrar e associar o uso de termos referentes a essas concepções de
escrita. Vejamos alguns termos encontrados na NBR que caracteriza tal discurso:
“...deve ser apresentada conforme 4.1.1 e 4.1.2.”, e “...deve constar em cada capa a
especificação do respectivo volume”. Como citamos anteriormente, Bonini e
Figueiredo (2006) apontam o termo deve como um dos caracterizadores do discurso
da habilidade, já que o mesmo evidenciaria esse caráter de preenchimento de espaços
e indicam de que modo o texto deve ser apresentado.
O relatório acadêmico se concretiza como um dos gêneros mais reconhecidos e
utilizados dentro da academia, tendo em vista sua flexibilidade para abarcar diferentes
áreas do conhecimento. É um que se faz presente desde os cursos de licenciatura e
bacharelado até os cursos de mestrado e doutorado. O fato de ser um gênero de
grande uso acadêmico não exclui seus usos fora da mesma, e a NBR10719/2011
referente a esse gênero não desconsidera tais usos e em seu escopo da NBR declara
que
Esta Norma especifica os princípios gerais para a elaboração e a apresentação de relatório técnico e/ou científico. Conquanto não sejam objeto desta Norma outros tipos de relatórios (administrativos, de atividades, entre outros), é opcional sua aplicação, quando oportuna. Nesse caso, os documentos devem sujeitar-se, tanto quanto possível, ao disposto nesta Norma. (NBR 10719/2011 p.1, grifo nosso)
Como podemos perceber, a norma só comporta os dois tipos de relatório
especificados em seu título (Relatório técnico e/ou científico), porém, não nega a
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existência de outras modalidades do mesmo gênero: relatórios administrativos,
relatórios de atividades e outros. Podemos perceber que o discurso dos gêneros se
sobressai – assim como em outras NBRs já analisadas –, já que a norma considera a
adaptação do gênero dependendo do seu objetivo, ou melhor, o gênero possui
modalidades que podem ser aplicadas em diferentes contextos sociais, como por
exemplo, a acadêmica, o escritório, centros religiosos, entre outros. O contexto social
e o objetivo do escritor são considerados como fundamentais para a escolha e
organização estrutural do gênero.
Partindo para outros pontos da norma referida, podemos salientar as questões
voltadas para a responsabilidade do sujeito autor, a referida NBR traz a seguinte
definição:
3.5 autor pessoa física responsável pela criação do conteúdo intelectual ou artístico de um documento 3.6 autor-entidade instituição, organização, empresa, comitê, comissão, evento, entre outros, responsáveis por publicações em que não se distingue autoria pessoal (NBR 10719/2011 p. 2)
Em ambas as definições de autor, seja autor como pessoa física ou autor
enquanto entidade, é dada aos sujeitos a responsabilidade pelo conteúdo do
documento, ou seja, o sujeito autor, dentro do seu texto, assume uma posição, uma
responsabilidade que nos remete ao discurso sócio-político de escrita de maneira
bastante nítida. A NBR aponta o autor-entidade, esse fato também nos remete a
questões sociais e políticas da escrita, que podem servir para representar órgãos
públicos e privados, de maneira parecida com a que já encontramos em outras NBRs
aqui estudadas. Tal passagem evidencia a concepção de escrita com um caráter social,
representacional dentro da sociedade, levando-nos a refletir ainda mais sobre as
concepções de escrita como uma prática social situada dentro de determinado
contexto e com questões políticas que envolvem responsabilidades e representações
institucionais.
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A NBR10719/2011 Relatório técnico e/ou científico também traz dentro
de sua estrutura a definição para os elementos textuais pré e pós-textuais. Observar
tais pontos se faz relevante para compreendermos como a própria norma considera a
constituição do texto, e a partir dai consigamos identificar a concepção de escrita
utilizada. Vejamos o trecho abaixo com as definições:
3.11 elemento pós-textual parte que sucede o texto e complementa o documento 3.12 elemento pré-textual parte que antecede o texto com informações que ajudam na identificação e utilização do documento 3.13 elemento textual parte em que é exposto o conteúdo do documento (NBR 10719/2011 p. 2)
Podemos perceber, inicialmente, que os elementos pós e pré-textuais não são
considerados parte do texto principal, mas textos que antecedem e sucedem o texto
ao qual acompanham, podemos então apontar o reconhecimento de diferentes
espécies de textos por parte da Norma. Apontar tal reconhecimento nos leva de
encontro às questões de gênero. Ou seja, a norma considera a existência de gêneros,
que podem acompanhar e complementar um determinado texto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise exposta, concluímos que as NBRs sinalizam várias
concepções de escrita e contrariam a ideia de que, enquanto documentos normativos,
a escrita estaria vinculada apenas há uma habilidade para dominar regras de
apresentação final do texto acadêmico. Nesse sentido, são portadoras de uma visão
ampla de escrita, em torno da qual se mistura a necessidade de o aluno demonstrar
domínio da habilidade para usar a língua, seus aspectos ortográficos e gramaticais;
reconhecimento do gênero (resumo, artigo, dissertação, tese) e a finalidade de cada
um dessas produções (ser apresentado a uma banca, por exemplo).
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Em resposta a essa análise, constatamos que os discursos apontados por
IVANIČ (2004) estão presentes nas NBRs, ainda que de modo implícito. Ou seja, é
relevante afirmar, com base em nossa análise, que os discursos são permeáveis, não
são estanques. A presença de um discurso em determinada Norma não nos diz que
outro discurso não estará também presente.
Todavia, escrever não demanda apenas adequação a um gênero e a obediência
a regras gramaticais, mas essa ação precisa, como afirma Aurebach (1999), inscrever-
se em contextos reais, a partir de temas e propósitos reais. Consequentemente,
podemos dizer que a escrita é um processo complexo, envolto de responsabilidades
sociais e éticas sobre o que se escreve, ou seja, em uma sociedade letrada, ao
escrevermos assumimos um lugar de crítica sobre o que afirmamos em dado texto e
recebemos as implicações dessa ação. É válido, portanto, não excluir os discursos, ao
contrário, como afirma IVANIC (2004), o escritor precisa adequar sua escrita aos
propósitos do texto. Todos os discursos estão interligados, eles entremeiam-se e são
todos necessários para uma escrita bem sucedida.
REFERÊNCIAS ALEIXO, C. e PEREIRA, M. L. A. Da intencionalidade na escrita à emergência dos gêneros discursivos. 2008. Disponível em <http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/English/38i.pdf> Acesso em 10/09/2011. AUERBACH, Elsa. The Power of Writing, the Writing of Power: Approaches to adult ESOL writing instruction. Focus on Basics, v. 3, Issue D, 1999. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028. Informação e documentação – Resumo – Procedimento. 2003. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724. Informação e documentação — Trabalhos Acadêmicos – Apresentação. 2011. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520. Informação e documentação – Citações em documentos – Apresentação. 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023. Informação e documentação – Referências – Elaboração. 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022. Informação e documentação – Artigo em publicação periódica científica impressa – Apresentação. 2002.
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Universidade Federal de Campina Grande
Programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino 16
ANAIS ELETRÔNICOS ISSN 235709765
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15287. Informação e documentação – Projeto de Pesquisa – Apresentação. 2011. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10719. Informação e documentação – Relatório técnico e/ou científico – Apresentação. 2011. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6027. Informação e documentação – Sumário – Apresentação. 2012. BONINI, A. & FIGUEIREDO, D. de C. Práticas Discursivas e ensino do texto acadêmico: concepções de alunos de mestrado sobre a escrita. Linguagem em (Dis) curso, Tubarão, v. 6, n. 3, p. 413-446, set./dez. 2006. CHIZZOTTI, A. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios. Revista Portuguesa de Educação. Ano/vol. 16. N. 002. Universidade do Ninho. Braga, Portugal. 2003. IVANIČ, Roz. Writing and identity: the discoursal construction of identity in academic writing. John Benjamins Publishing Co, 1998.