new são paulo 2018tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3763/5/edvaldo... · 2018. 12. 20. ·...
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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM DIREITO POLIacuteTICO E ECONOcircMICO
FACULDADE DE DIREITO
Edvaldo Araujo dos Santos
IDEOLOGIA E DINAcircMICA DO DIREITO
Satildeo Paulo
2018
Edvaldo Araujo dos Santos
IDEOLOGIA E DINAcircMICA DO DIREITO
Tese de doutorado do programa de poacutes-graduaccedilatildeo stricto sensu em Direito Poliacuteticoe Econocircmico da Universidade PresbiterianaMackenzie como requisito parcial agraveaprovaccedilatildeo
Orientador Professor Doutor Gilberto Bercovici
Satildeo Paulo
2018
10485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577
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Agradecimentos
Ao Professor Gilberto Bercovici por me receber como seu orientando
Ao Professor Alysson por tudo quanto foi possiacutevel nessa longa caminhada
Ao CAPES por possibilitar o desenvolvimento da pesquisa realizada Meus sinceros
agradecimentos
A Carina minha esposa sem duacutevida a melhor parte de mim por todo apoio carinho
e compreensatildeo meus sinceros agradecimentos
Aos meus irmatildeos Edson e ldquoNinhardquo natildeo haacute maior honra nesse mundo do que poder
chamaacute-los de irmatildeos
Em especial aos meus pais Juacutelio (In memorian) e Olga (In memorian) Obrigado por
tudo que fizeram por mim Minha uacutenica tristeza eacute natildeo tecirc-los mais por perto Esse trabalho eacute
dedicado a memoacuteria de vocecircs
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Meu objetivo eacute simples Eacute a compreensatildeo completa do universo por que ele eacute assim e porque existe
Stephen Hawking
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
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Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
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atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
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reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
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1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
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tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
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evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
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Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
34
que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
35
Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
37
exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
38
fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
40
Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
41
politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
53
isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
54
pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
55
aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
56
materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
57
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
58
21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
59
poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
60
plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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66
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Edvaldo Araujo dos Santos
IDEOLOGIA E DINAcircMICA DO DIREITO
Tese de doutorado do programa de poacutes-graduaccedilatildeo stricto sensu em Direito Poliacuteticoe Econocircmico da Universidade PresbiterianaMackenzie como requisito parcial agraveaprovaccedilatildeo
Orientador Professor Doutor Gilberto Bercovici
Satildeo Paulo
2018
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Agradecimentos
Ao Professor Gilberto Bercovici por me receber como seu orientando
Ao Professor Alysson por tudo quanto foi possiacutevel nessa longa caminhada
Ao CAPES por possibilitar o desenvolvimento da pesquisa realizada Meus sinceros
agradecimentos
A Carina minha esposa sem duacutevida a melhor parte de mim por todo apoio carinho
e compreensatildeo meus sinceros agradecimentos
Aos meus irmatildeos Edson e ldquoNinhardquo natildeo haacute maior honra nesse mundo do que poder
chamaacute-los de irmatildeos
Em especial aos meus pais Juacutelio (In memorian) e Olga (In memorian) Obrigado por
tudo que fizeram por mim Minha uacutenica tristeza eacute natildeo tecirc-los mais por perto Esse trabalho eacute
dedicado a memoacuteria de vocecircs
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Meu objetivo eacute simples Eacute a compreensatildeo completa do universo por que ele eacute assim e porque existe
Stephen Hawking
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
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atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
16
se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
28
forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
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indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
10485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577
1048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048577A Olga Araujo dos Santos (in Memorian)
Agradecimentos
Ao Professor Gilberto Bercovici por me receber como seu orientando
Ao Professor Alysson por tudo quanto foi possiacutevel nessa longa caminhada
Ao CAPES por possibilitar o desenvolvimento da pesquisa realizada Meus sinceros
agradecimentos
A Carina minha esposa sem duacutevida a melhor parte de mim por todo apoio carinho
e compreensatildeo meus sinceros agradecimentos
Aos meus irmatildeos Edson e ldquoNinhardquo natildeo haacute maior honra nesse mundo do que poder
chamaacute-los de irmatildeos
Em especial aos meus pais Juacutelio (In memorian) e Olga (In memorian) Obrigado por
tudo que fizeram por mim Minha uacutenica tristeza eacute natildeo tecirc-los mais por perto Esse trabalho eacute
dedicado a memoacuteria de vocecircs
104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577
104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577
Meu objetivo eacute simples Eacute a compreensatildeo completa do universo por que ele eacute assim e porque existe
Stephen Hawking
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
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Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
26
possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
27
Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
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de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
35
Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
37
exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Agradecimentos
Ao Professor Gilberto Bercovici por me receber como seu orientando
Ao Professor Alysson por tudo quanto foi possiacutevel nessa longa caminhada
Ao CAPES por possibilitar o desenvolvimento da pesquisa realizada Meus sinceros
agradecimentos
A Carina minha esposa sem duacutevida a melhor parte de mim por todo apoio carinho
e compreensatildeo meus sinceros agradecimentos
Aos meus irmatildeos Edson e ldquoNinhardquo natildeo haacute maior honra nesse mundo do que poder
chamaacute-los de irmatildeos
Em especial aos meus pais Juacutelio (In memorian) e Olga (In memorian) Obrigado por
tudo que fizeram por mim Minha uacutenica tristeza eacute natildeo tecirc-los mais por perto Esse trabalho eacute
dedicado a memoacuteria de vocecircs
104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577
104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857810485781048578104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577104857710485771048577
Meu objetivo eacute simples Eacute a compreensatildeo completa do universo por que ele eacute assim e porque existe
Stephen Hawking
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
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Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
27
Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
37
exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Meu objetivo eacute simples Eacute a compreensatildeo completa do universo por que ele eacute assim e porque existe
Stephen Hawking
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
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forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
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de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Resumo
A ideologia percorre todo o caminho da nossa sociedade incluindo-se o direito Pormais que a doutrina tradicional tenda a ver o direito como uma instacircncia quaseseparada da sociedade natildeo eacute O direito estaacute adstrito a ideologia que monta nossomomento a ideologia capitalista nessa se cria e nela eacute retro criado alimentando esendo alimentado pelas mesmas bases que constroem nossa sociedade sendoassim natildeo eacute neutro natildeo tem funccedilatildeo apenas de pacificaccedilatildeo social e natildeo pode servisto fora do escopo social que o cerca A presente pesquisa busca pela anaacutelisematerialista histoacuterica reposicionar a questatildeo do direito e a estrutura que o cercaPara tanto seratildeo analisadas questotildees centrais da leitura marxista claacutessica eanalisado em conjunto com o novo posicionamento do marxismo bem como outrosautores que a cercam buscando estabelecer um diaacutelogo entre essas linhas quepermita o reposicionamento do direito e da dinacircmica juriacutedica
Palavras-chave Direito Marxismo Estado Capitalismo
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
28
forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
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indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Abstract
Ideology runs the whole path of our society including the right As much as traditionaldoctrine tends to see law as an almost separate instance of society it is not Theright is attached ideology riding our time the capitalist ideology that is created and itis retro created feeding and being fed by the same bases that build our society so itis not neutral is not only due to social peace and it can not be seen outside thesocial scope that surrounds it The present research seeks through historicalmaterialist analysis to reposition the right question and the structure that surroundsit In order to do so the central questions of the classical Marxist reading will beanalyzed and analyzed together with the new positioning of Marxism as well as otherauthors that surround it seeking to establish a dialogue between these lines thatallows the repositioning of the law and the juridical dynamicKeywords Law Marxism State Capitalism
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
16
se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
28
forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
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indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
Iacutendice
Introduccedilatildeo9
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo12
11 Novo marxismo21
111 Pachukanis24
112 Derivacionismo29
113 Politicismo32
114 Economicistas37
115 Tangentes ao novo marxismo45
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo48
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan57
21 Lacan e o objeto a e Althusser58
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica60
3 Conclusatildeo63
Referecircncias bibliograacuteficas64
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
16
se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
28
forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
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indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
9
Introduccedilatildeo
Eacute correto dizer que o Direito constroacutei e ao mesmo tempo eacute constituiacutedo
por objetos e questotildees que vatildeo muito aleacutem do que as teorias convencionais tentam
defini-lo Dentre as caracteriacutesticas da norma juriacutedica elenca-se o seu poder
educativo O que seria o poder educativo da norma senatildeo um conteuacutedo que tenta
definir que tal comportamento natildeo eacute adequado agrave sociedade e assim tentar mudaacute-lo
a forccedila Em algumas situaccedilotildees esse caraacuteter do que se deseja para sociedade eacute
evidente em outros nem tanto
Ao transportarmos esse pensamento para normas que por exemplo
estruturam a participaccedilatildeo popular nas eleiccedilotildees veremos que a norma ldquodefinerdquo o que
eacute e como deve ser a democracia sendo certo que qualquer coisa fora do que a
norma prevecirc poderaacute ser taxado ateacute mesmo como crime De qualquer forma isso
engessa a participaccedilatildeo popular na poliacutetica brasileira
Observe-se que por exemplo natildeo haacute possibilidade hoje de a populaccedilatildeo
sem intermediaacuterios definir a aprovaccedilatildeo de uma lei Mesmo leis que satildeo propostas
pelo povo devem ser aprovadas por seus representantes o que em si eacute um
contrassenso A partir disso de como estaacute montada a participaccedilatildeo popular na
poliacutetica as pessoas ldquoaprendemrdquo seus papeacuteis na nossa sociedade e tambeacutem
retroalimentam esse sistema na medida em que consciente ou inconscientemente
manteacutem seus termos e reforccedilam como o sistema estaacute posto
Isso em outras palavras define os contornos do que chamamos de
democracia brasileira
Como pano de fundo dessa histoacuteria tem-se a seguinte questatildeo quem foi
ou o que foi que definiu que ldquodemocraciardquo deva funcionar desta forma
Haacute evidente conteuacutedo ideoloacutegico que remonta agrave construccedilatildeo das normas
Quer se dizer com isso que longe da neutralidade que as teorias claacutessicas tentam
atribuir agrave norma juriacutedica e ao direito natildeo soacute na forma como tambeacutem em seu bojo haacute
conteuacutedo de ideologia de classe que ajuda a formaacute-las Mais ainda esse conteuacutedo
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
28
forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
29
possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
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indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
10
atinge em cheio as pessoas que vivem sob essas normas e passam a definir os
pontos de partidas e as formas que se daratildeo os relacionamentos com as normas
conteuacutedo regulado ainda que seja na tentativa de negaacute-los e por fim esse
movimento retorna ao sistema retroalimentando-o
Em outras palavras eacute possiacutevel dizer que o direito afeta o psiquecirc das
pessoas que por sua vez afeta o direito ainda que operando em suas bases preacute
definidas
Aqui buscar-se-aacute fazer uma anaacutelise sobre a relaccedilatildeo da subjetividade e o
Direito a abrangecircncia da ideologia que constroacutei a norma juriacutedica e como essa norma
juriacutedica interfere no sujeito a essa interaccedilatildeo chamaremos de dinacircmica do direito
De maneira diversa da comumente encontrada na Teoria Geral do Direito
daacute-se o nome de dinacircmica do direito ao relacionamento natildeo somente entre as
normas juriacutedicas mas tambeacutem entre elas o objeto regulado e os sujeitos afetados A
visatildeo de dinacircmica do direito como o relacionamento entre normas juriacutedicas somente
parte de um pressuposto estritamente legalista que reconhece a norma juriacutedica
imediatamente como direito deixando os demais objetos distantes dessa construccedilatildeo
Direito antes de tudo eacute uma relaccedilatildeo social um constructo alicerccedilar da estrutura do
mundo capitalista que possui mais de um objeto em sua dinacircmica
De forma semelhante natildeo se busca um esgotamento do tema ideologia
No debate marxista a ideologia possui duas grandes posiccedilotildees teoacutericas que apesar
da existecircncia de outras hipoacuteteses satildeo as que mais capturam atenccedilatildeo satildeo elas a
concepccedilatildeo de ideologia ligada agrave consciecircncia de classe possuindo certa neutralidade
a outra por sua vez considera a ideologia praacutetica material No desenvolver do
trabalho salvo quando a ideia for explicar e delimitar o escopo das teorias marxistas
a ideologia seraacute tida como praacutetica material Isso seraacute melhor explicado na primeira
parte do trabalho ao se analisar as teorias marxistas no tempo que as delimita
Prosseguindo-se com a delimitaccedilatildeo do tema direito natildeo seraacute analisado
em seu contexto estritamente legalista As normas e as leis postas formam conjuntos
importantes do direito mas natildeo o esgota antes direito eacute relaccedilatildeo social uma forma
social especiacutefica a seu tempo e a partir da qual as demais relaccedilotildees sociais satildeo
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
16
se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
17
apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
30
forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
32
de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
34
que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
35
Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
37
exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
38
fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
40
Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
41
politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
53
isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
54
pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
55
aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
56
materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
57
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
58
21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
59
poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
60
plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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66
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ZIZEK S A visatildeo em paralaxe In Contragolpes Seleccedilatildeo de Artigos da New
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
11
reguladas Direito eacute norma eacute ralaccedilatildeo social eacute poder Direito eacute estruturante e
estrutura Direito e ideologia constroem-se mutuamente natildeo estatildeo automaticamente
identificados um ao outro Dizer isso conecta-o a concepccedilatildeo de ideologia que se
usaraacute como predominante Isso porque caso se interpretasse imediatamente o
direito como ideologia poder-se-ia chegar a concepccedilatildeo de um direito de classe
neutro preenchido pelo conteuacutedo dado pela classe dominante
Delimitada as questotildees centrais passamos agrave seguinte proposiccedilatildeo as
praacuteticas materiais constituem-se a partir do corpo social Assim se existem
determinaccedilotildees preacutevias que moldam as decisotildees dos indiviacuteduos a reciacuteproca como os
indiviacuteduos afetam esse conjunto natildeo pode simplesmente ser descartada Se por um
lado os indiviacuteduos natildeo tecircm controle sobre formas sociais por outro sem a accedilatildeo
desses indiviacuteduos natildeo haveria que se falar em praacutetica material Onde fica a margem
entre voluntarismo e automaccedilatildeo completa das engrenagens sociais Nossas teorias
datildeo conta desta intersecccedilatildeo
Para o correto desenvolvimento da pesquisa eacute necessaacuterio delimitar o
campo em que a discussatildeo teoacuterica se daraacute de modo que dizer que a pesquisa seraacute
feita a partir de apreensatildeo materialista histoacuterica embora real natildeo responde a primeira
preocupaccedilatildeo teoacuterica Desta forma o primeiro capiacutetulo seraacute destinado agrave anaacutelise das
vertentes marxistas a fim de que se possa dentro destas identificar as que estatildeo em
sintonia com o conhecimento acumulado e as que se utilizam de instrumentos que jaacute
estatildeo superados no campo teoacuterico
Adiante o subjetivo seraacute colocado em pauta considerando-se que o
marxismo trabalha muito melhor como ciecircncia social que em relaccedilatildeo ao sujeito
buscar-se-aacute em outras vertentes respostas para as perguntas que surgiratildeo
Por fim verificar-se-aacute a hipoacutetese de unificaccedilatildeo das teorias sobre o tema
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
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tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
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evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
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Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
17
apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
18
ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
19
As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
20
Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
21
postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
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forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
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de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
33
marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
34
que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
57
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
58
21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
59
poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
60
plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
12
1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
O primeiro passo a ser dado na presente eacute pesquisa eacute a fixaccedilatildeo do
horizonte teoacuterico a ser utilizado diferente meacutetodo poderia resultar em uma
leitura imprecisa a partir de um paradigma que nos remetesse a outros
momentos histoacutericos e poliacuteticos
Nesse sentido Alysson Leandro Mascaro (1976 -) citando Ingo Elbe
(1972 -) (MASCARO 2017) identifica o que eacute o horizonte do novo marxismo Tal
leitura natildeo se baseia apenas em uma ideia de ordens cronoloacutegicas mas sim
relativas ao oque os grandes expoentes da filosofia marxista apresentam ao
mundo no sentido que alguns conceitos trazidos em momentos anteriores
podem ter influecircncia direta na conformaccedilatildeo do pensamento marxista
contemporacircneo assim como ser o lastro dessas ideias
Desta forma deve-se questionar os conceitos e verificar em sua
significacircncia o que acrescentam ou que rumo seguem na tradiccedilatildeo marxista A
separaccedilatildeo das correntes desse pensamento filosoacutefico reflete os horizontes em
que o pensamento se fixa
Assim Elbe aloca no que chama de marxismo tradicional filoacutesofos
como Engels (1820-1895) Kautsky Bernstein Lafargue Mehring Bebel
Plechanow Lenin Trotzki Rosa Luxemburgo Bucharin M Adler e Hilferding
Sua segunda classificaccedilatildeo eacute do marxismo ocidental que tem nomes como
Lukaacutecs Korsch Bloch Lefebvre escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praxis iuguslavo escola de Budapeste Markus Kofier Sartre
Por fim aloca na classificaccedilatildeo de novo marxismo pensadores como
Vorreiter Rubin Paschukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Reichelt D Wolf
Kittsteiner Heinrich dentre outros
A cada um desses grupos para aleacutem das caracteriacutesticas temporais e
territoriais que na maioria das vezes une os pensadores haacute uma afinidade por
assunto abordado e pela forma como o abordam por aquilo que os pensadores
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
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se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
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apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
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ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
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forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
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de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
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Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
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pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
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aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
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materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
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2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
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21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
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poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
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plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
-
13
tecircm como cerne do seu pensamento assim o primeiro grupo que compotildeem o
marxismo tradicional toma como referecircncia pelo ponto de vista de Elbe as
doutrinas materialistas histoacutericas com uma cosmovisatildeo fechada que dialoga
com o a evoluccedilatildeo da natureza e da histoacuteria1
No que remonta ao segundo grupo do marxismo ocidental a
classificaccedilatildeo se daacute em outra perspectiva aqui Elbe adiciona filoacutesofos como
Lukacs Krosch Bloch Lefebvre Escola de Frankfurt Gramsci Kosik Grupo
Praacutexis iugoslavo Sartre entre outros nesta categoria define que a tradiccedilatildeo
marxista toma como referecircncia inicial o trabalho humanista que serviraacute de base
interpretativa para o trabalho materialista que se seguiraacute2
Por fim chegamos ao novo marxismo que para o citado autor tem
nomes como Rubin Pachukanis Althusser Ranciegravere Backhaus Hirsch entre
outros3 e que nos quais podemos incluir John Holloway e a chamada teoria
criacutetica do valor4 com esses a referecircncia eacute que tais leituras estatildeo mais proacuteximas
das descobertas teoacutericas de Marx em O Capital no campo da criacutetica e da
economia poliacutetica5
Tem-se ateacute aqui o que nos ajuda a formar um quadro dos aspectos
teoacutericos que norteiam os marxismos Por um lado haacute uma questatildeo de
aglutinaccedilatildeo no tempo de determinados assuntos e nesse caso natildeo eacute de se
surpreender o fasciacutenio e a importacircncia que alguns temas externos agrave filosofia
alcanccedilam no desenvolvimento teoacuterico dos marxismos Nessa toada a teoria da
1 - Engels Anti-Duumlhring Ludwing Feuerbach Rezension zur KrpOuml 1859 ua Marx Kapital bd 1 -Kapitel 247 Vorwort zu KrpOuml 1859 Manifest (ME) hellip Lehrsaumltze der materialistischenGeschichtsauffassung sind Zentrum des kongenialen Marx-Engelsschen Werkshellip geschlosseneproletarische Weltanschauung und lehre der Evolution von Natur und Geschichte (ELBE 2010p 29)2 - Marx Thesen uumlber Feuerbach Oumlkonom - phil Manuskripte 1844 Zur Juden-frage DeutscheIdeologie (ME) uahellip humanistisches Fruumlhwerk als Deutungsrahmen fuumlr szientistischesSpaumltwerkrsquo hellip kritisch-revolutionaumlre Theorie gesellschaftlicher Praxis (ELBE 2010 p loc cit)3 - (ELBE 2010 p loc cit)4 - John Holloway (1947-) eacute autor de importante teoria contemporacircnea que assim como a teoriacriacutetica do valor serviraacute para lastrear o pensamento que se pretende analisar na presentepesquisa ambos seratildeo melhores desenvolvidos no decorrer da pesquisa ainda neste capiacutetulo5 - ldquoA partir da deacutecada de 1960 comeccedilam a surgir leituras marxistas mais proacuteximas dasdescobertas conceituais de Marx em O Capital no campo da criacutetica da economia poliacutetica combases filosoacuteficas mais rigorosas e aleacutem disso forjando novas compreensotildees teoacutericas vinculadasa avanccedilos cientiacuteficos e metodoloacutegicos como os da psicanaacuteliserdquo (MASCARO 2018 p 589)
14
evoluccedilatildeo das espeacutecies apresentada por Charles Darwin (1809-1882) em
momento contemporacircneo agraves descobertas de Marx e Engels foi decisiva na
filosofia de Engels ao mesmo tempo que veio acompanhada de uma falta de
desenvolvimento teoacuterico necessaacuterio para aglutinar ciecircncias ldquodurasrdquo agrave filosofia ndash
que seraacute melhor delineado agrave frente
Haacute por outro lado questionamentos filosoacuteficos que apesar de
precocemente realizados repercutem de maneira mais contundente ateacute os dias
de hoje como eacute o caso do pensamento de Evgeni Pachukanis (1891 ndash 1937)
Como se veraacute agrave frente suas ideias se espalharam no espectro teoacuterico marxista
e ainda que natildeo bem exploradas em sua eacutepoca por questotildees poliacuteticas serviram
de alicerce para uma nova leitura em especiacutefico sobre o direito Essa leitura
natildeo pode ser desconsiderada e acaba por ajudar a aperfeiccediloar nosso horizonte
porque consegue expor de forma radical conceitos que satildeo base para as
teorias mais atuais do marxismo desvendando os alicerces da sociedade
contemporacircnea Estado e direito
Eacute importante frisar que a decisatildeo pelos caminhos adotados por Elbe
natildeo eacute arbitraacuteria Os grupos satildeo em verdade alocados a partir de rigorosa
anaacutelise teoacuterica Ao observarmos os textos de Friedrich Engels podemos
encontrar uma tentativa de aplicaccedilatildeo cientiacutefica da filosofia fazendo uma espeacutecie
de paralelo com os primoacuterdios da teoria da evoluccedilatildeo de Darwin
A comparaccedilatildeo com os animais mostra-nos que essa explicaccedilatildeo deorigem da liacutengua a partir do trabalho e pelo trabalho eacute a uacutenica acertadaO pouco que os animais inclusive os mais desenvolvidos tecircm quecomunicar uns aos outros pode ser transmitido sem o concurso dapalavra articulada Nem um animal em estado selvagem sente-seprejudicado por sua incapacidade de falar ou de compreender alinguagem humana Mas a situaccedilatildeo muda por completo quando oanimal foi domesticado pelo homem O contato com o homemdesenvolveu no catildeo um ouvido tatildeo sensiacutevel agrave linguagem articulada queesses animais podem dentro dos limites de suas representaccedilotildeeschegar compreender qualquer idioma Aleacutem disso podem chegar aadquirir sentidos antes desconhecidos por eles como o apego pelohomem sentido de gratidatildeo etchellip
15
Primeiro trabalho e depois dele e com ele a palavra articulada foramos dois estiacutemulos principais sob cuja influecircncia o ceacuterebro do macacofoi-se transformando gradualmente em ceacuterebro humanohellip
Aqui a ideia de evoluccedilatildeo das espeacutecies aparece claramente
orientando a conclusatildeo e a articulaccedilatildeo com a filosofia que se seguiraacute
Resumindo soacute o que podem fazer os animais eacute utilizar a natureza emodificaacute-la pelo mero fato de sua presenccedila nela O homem aocontraacuterio modifica a natureza e obriga a servi-lhe domina-a E aiacute estaacuteem uacuteltima anaacutelise a diferenccedila essencial entre homens e demaisanimais diferenccedila que mais uma vez resulta do trabalhohellip
Haacute um salto da vida dos animas para o desenvolvimento do trabalho
humano que acaba por desembocar na distribuiccedilatildeo de riquezas quase como
uma forma natural de ldquodesenvolvimentordquo da sociedade O autor prossegue
Com o atual modo de produccedilatildeo e no que se refere tanto agravesconsequecircncias naturais como agraves consequecircncias sociais dos atosrealizados pelos homens o que interessa prioritariamente satildeo apenasos primeiros resultados os mais palpaacuteveis E logo ateacute se manifestaestranheza pelo fato de as consequecircncias remotas das accedilotildees queperseguiam esses fins serem muito diferentes e na maioria dos casosateacute diretamente opostas de a harmonia entre a oferta e a procuraconverter-se em seu antiacutepoda como nos demonstra o curso de cadaum desses ciclos industriais de dez anos e como puderam converter-se disso os que com o ldquocrackrdquo viveram na Alemanha um pequenopreluacutedio de a propriedade privada baseada no trabalho proacuteprioconverter-se necessariamente ao desenvolver-se na ausecircncia daposse de toda propriedade pelos trabalhadores enquanto toda ariqueza se concentra mais e mais nas matildeos dos que natildeo trabalham6
O excerto trazido permite que olhemos com uma lupa para os a
formaccedilatildeo do pensamento de Engels O cientificismo denunciado corresponde a
uma aproximaccedilatildeo pouco criteriosa com as ciecircncias naturais em especial com a
teoria da evoluccedilatildeo Eacute certo dizer que mesmo se separarmos somente a teoria
da evoluccedilatildeo das espeacutecies essa teve um denso desenvolvimento de seu
surgimento para os dias atuais As novas descobertas cientiacuteficas permitiram que
se observasse melhor detalhes que inicialmente se passou ao largo chegando-
6 - (ENGELS 1999 p passim)
16
se nos dias atuais ao desenvolvimento do ramo da ciecircncia que se chama de
neoevolucionismo7
O proacuteprio desenvolvimento da teoria evolucionista aponta o motivo
pelo qual a assunccedilatildeo pelas ciecircncias sociais de conceitos de outros ramos da
ciecircncia se mostra perigoso Se hoje eacute discutiacutevel pelos bioacutelogos os motivos que
remontam agrave evoluccedilatildeo das espeacutecies o que se diraacute da apropriaccedilatildeo por exemplo
da filosofia de um conceito bioloacutegico como a seleccedilatildeo natural8
Tal perspectiva busca igualmente quando trata de aspectos sociais
humanos demonstrar um fio condutor evolutivo teleoloacutegico que pretende
7 - A teoria (neo)evolucionista ou teoria sinteacutetica da evoluccedilatildeo compreende a ideia original deDarwin da evoluccedilatildeo das espeacutecies incorporando e confrontando com os resultados trazidos pelaevoluccedilatildeo tecnoloacutegica e cientiacutefica que seguiu aos estudos do citado pesquisador Darwinconstruiu a tese da evoluccedilatildeo das espeacutecies a partir de sua adaptaccedilatildeo ao meio A teoria sinteacuteticada evoluccedilatildeo poreacutem natildeo eacute paciacutefica no sentido de que haacute fileiras de pesquisadores que seguemfirmemente os passos de Darwin fixando o aspecto evolutivo agrave adaptaccedilatildeo agrave seleccedilatildeo naturaloutros todavia consideram que outros fatores podem interferir no processo nesse sentidoldquoEntretanto o neo-evolucionismo natildeo eacute uma teoria consensual Existe no miacutenimo umapolarizaccedilatildeo entre aqueles que crecircem que a seleccedilatildeo natural eacute o uacutenico ou o mais importantemecanismo causal e direcional e aqueles que crecircem que a evoluccedilatildeo estaraacute sempre encobertapor misteacuterios e que a mente humana jamais teraacute capacidade para explicar a histoacuteria da vida naTerra por inteiro Embora esse quadro seja declaradamente esquemaacutetico eacute possiacutevel preenchecirc-locolocando Richard Dawkins e Daniel Dennett de um lado e Stephen Jay Gould RichardLewontin e Noam Chomsky do outro (Dennett 1998)rdquo (WAIZBORT 2001 p 634)8 - Embora seja tentadora a ideia de ldquoreduzirrdquo questotildees das ciecircncias sociais a conceitos deoutros ramos das ciecircncias da natureza tal aproximaccedilatildeo deve permanecer relegada ao passadoNatildeo haacute consenso na proacutepria biologia sobre a abrangecircncia e interaccedilatildeo entre seleccedilatildeo natural einterferecircncia de outros fatores externos nem em como a proacutepria transformaccedilatildeo do corpointerfere na evoluccedilatildeo ldquoO ceacuterebro humano cresceu cerca de trecircs vezes em pouco mais de 15milhotildees de anos eacutepoca em que a linhagem que veio dar na nossa espeacutecie divergiufilogeneticamente do tronco comum homem macaco Um milhatildeo (106) de geraccedilotildees a princiacutepiorepresenta um tempo relativamente muito curto para que qualquer mudanccedila profunda possaocorrer em uma espeacutecie Natildeo estou querendo em absoluto sugerir que haja alguma forccedilasobrenatural intervindo na emergecircncia do homem sobre a Terra Existem vaacuterias explicaccedilotildeesreligiosas miacuteticas filosoacuteficas literaacuterias cientiacuteficas para a origem do homem no planeta Ainterpretaccedilatildeo que quero indicar aqui eacute que as ideacuteias os memes sob as mais variadas formaspodem ter contribuiacutedo para guiar a evoluccedilatildeo do ceacuterebro humano o que significa dizer que oceacuterebro humano cresceu para acompanhar o que se pode chamar de evoluccedilatildeo cultural(Blackmore 1999 pp 67-81) Natildeo ouso estabelecer aqui uma relaccedilatildeo de causalidade linearcomo lsquoa cultura causou o crescimento do ceacuterebrorsquo Curiosamente invertendo o sujeito e opredicado dessa frase ela tambeacutem parece verdadeira A questatildeo eacute que a relaccedilatildeo entre oceacuterebro e a cultura assim como entre esses e a linguagem eacute bastante intrincada e natildeo deixouimpressotildees nos registros foacutesseis Estou defendendo entatildeo que natildeo pode haver umacompreensatildeo mais profunda da histoacuteria e da crise do presente se natildeo olharmos ao mesmotempo para o nosso passado cultural e para nosso passado bioloacutegico evolutivordquo Ibid p 647
17
apresentar um final para um comeccedilo dado um produto definido de um apanhado
de situaccedilotildees dispostas na sociedade Isso pode ser apreendido em Engels
quando trata do socialismo juriacutedico9
A aproximaccedilatildeo do conceito evolutivo da biologia com as ciecircncias
sociais como aqui demonstrado trazem por um lado uma naturalizaccedilatildeo de
circunstacircncias sociais e por outro simplificaccedilatildeo de ideias relativizado-as
Assim o movimento operaacuterio tende inexoravelmente a um mundo transformado
e livre do trabalho alienado o capitalismo tende inevitavelmente agrave sua ruiacutena
Se uma anaacutelise profunda do sistema capitalista de produccedilatildeo eacute capaz
de nos fazer perceber que eacute verdade que ele tende ao fim10 tambeacutem eacute verdade
que esse fim natildeo eacute inevitaacutevel11 de tal sorte que o movimento histoacuterico previsto
por essa corrente do pensamento natildeo resultou em uma sociedade emancipada
e o capitalismo foi capaz de se reinventar e criar perspectivas para forma de
exploraccedilatildeo a partir de si mesmo
Quer se demonstrar ateacute aqui que em que pese a criteriosa anaacutelise do
processo histoacuterico a apropriaccedilatildeo pelas ciecircncias sociais das ciecircncias duras natildeo
pode ser feita sem levarmos em conta especifidades que somente estatildeo
presentes nessas O proacuteprio conceito de evoluccedilatildeo das espeacutecies natildeo comporta a
9 - Pode-se perceber claramente essa linha evolutivateleoloacutegica em ldquoO direito juriacutedico queapenas reflete as condiccedilotildees econocircmicas de determinada sociedade ocupa posiccedilatildeo muitosecundaacuteria nas pesquisas teoacutericas de Marx ao contraacuterio aparecem em primeiro plano alegitimidade histoacuterica as situaccedilotildees especiacuteficas os modos de apropriaccedilatildeo as classes sociais dedeterminadas eacutepocas cujo exame interessa fundamentalmente aos que veem na histoacuteria umdesenvolvimento contiacutenuo apesar de muitas vezes contraditoacuterio e natildeo simples caos [Wust] deloucura e brutalidade como a via o seacuteculo XVIII Marx compreende a inevitabilidade histoacuterica eem consequecircncia a legitimidade dos antigos senhores de escravos dos senhores feudaismedievais etc como alavancas do desenvolvimento humano em um periacuteodo histoacuterico delimitadodo mesmo modo reconhece tambeacutem a legitimidade histoacuterica temporaacuteria da exploraccedilatildeo daapropriaccedilatildeo do produto do trabalho por outros mas demonstra igualmente natildeo apenas que essalegitimidade histoacuterica jaacute desapareceu mas tambeacutem que a continuidade da exploraccedilatildeo sobqualquer forma ao inveacutes de promover o desenvolvimento social dificulta-o cada vez mais eimplica choques crescentemente violentosrdquo (ENGELS 2012 p 34) - grifos nossos10 - De uma forma ou de outra o fim chegaraacute Seja porque o sistema capitalista eacute temporal natildeonasceu com a humanidade e natildeo necessariamente terminaraacute com ela tomando-se comoreferecircncia aqui a ideia de siacutentese hegeliana (MASCARO 2018 p 245) seja porque a buscadesenfreada pelo lucro na sociedade capitalista levaraacute ao exaurimento dos recursos do planetatendendo a um fim na proacutepria histoacuteria humana 11 - Tal perspectiva ficaraacute mais clara quando da anaacutelise do ldquonovo marxismordquo
18
ideia de inevitabilidade no sentido de que a evoluccedilatildeo ocorreraacute
independentemente do que a cerca mas sim de adaptaccedilatildeo que age no sentido
de que os que natildeo se adaptam morrem A anaacutelise do processo histoacuterico tambeacutem
natildeo pode ser lida de forma teleoloacutegica antes eacute preciso esmiuccedilar o que nos
cerca a fim de se fazer compreender a realidade que nos constitui nossas
formas sociais Eacute justamente a falta de precisatildeo quanto a formaccedilatildeo do ser social
que leva esse primeiro grupo do marxismo tradicional a ser notado hoje em dia
como aspecto superado do marxismo
O segundo grupo destacado por Elbe eacute o assim chamado marxismo
ocidental possui outras caracteriacutesticas que lhe satildeo peculiares Se natildeo
abandonam a anaacutelise materialista histoacuterica de mundo a partir de uma
aproximaccedilatildeo com as ciecircncias naturais adotam conceitos humanistas como
chave para interpretaccedilatildeo deste
Ao observarmos o segundo grupo temos os marxistas ocidentais
assim nominados para se separarem dos marxistas tradicionais ndash primeiro
grupo Trouxeram criacuteticas aos marxistas da primeira fase e uma nova forma de
pensar o mundo Como dito Elbe vecirc nessa linha de pensamento um ponto de
partida humanista que pode ser percebido a partir da anaacutelise do ponto central da
teoria de alguns de seus autores como por exemplo Gyoumlrgy Lukaacutecs (1885-
1971)
A dominaccedilatildeo pelo Estado em face de sua ligaccedilatildeo com as condiccedilotildeeseconocircmicas aparece aos homens como forccedilas naturais e necessaacuteriassuperiores e insuperaacuteveis natildeo restando alternativa senatildeo a submissatildeovoluntaacuteria Perceba-se que Lukaacutecs sem negar a base econocircmica dadominaccedilatildeo estatal potildee a questatildeo ideoloacutegica como essencial Tantodominados quanto dominadores devem acreditar que a ordem socialpresente eacute a uacutenica possiacutevel E quando os dominados deixam de ver aordem social presente como a uacutenica possiacutevel eacute sinal de que acontradiccedilatildeo entre os fundamentos econocircmicos da sociedade e adominaccedilatildeo estatal jaacute se faz sentir em suas consciecircncias Assim opoder estatal antes plenamente capaz de impor-se com violecircncia agraveoposiccedilatildeo de indiviacuteduos e grupos vecirc-se diante da necessidadeinsustentaacutevel de opor-se a ldquotodos os casos particulares do seufuncionamentordquo Para Lukaacutecs esta crise eacute o sinal de que estaacute dado ofato da revoluccedilatildeo
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As transformaccedilotildees na ordem social soacute se daratildeo agrave medida que ascontradiccedilotildees econocircmicas elevarem-se agrave consciecircncia dos homens Porisso Lukaacutecs diraacute que ldquoa revoluccedilatildeo na ordem de produccedilatildeo eacute opressuposto necessaacuteriordquo jaacute que ldquoa transformaccedilatildeo em sirdquo passa pelaldquoreforma da consciecircnciardquo ou pela emancipaccedilatildeo intelectual e emocionalldquodo poder e da ordem existenterdquo Para Lukaacutecs ldquoessa reforma daconsciecircncia eacute o proacuteprio processo revolucionaacuterio pois a conscientizaccedilatildeosoacute pode realizar-se lentamente no proletariado apoacutes graves e longascrisesrdquo
Chegamos ao ponto essencial Se a transformaccedilatildeo da consciecircncia eacute aproacutepria revoluccedilatildeo a luta contra o domiacutenio estatal natildeo eacute uma luta desimples ldquooposiccedilatildeordquo ao poder do Estado Trata-se isto sim de umanegaccedilatildeo da natildeo aceitaccedilatildeo da ordem existente em todos os seusfundamentos ainda que sob a influecircncia da poliacutetica do Estadocapitalista A atitude de ldquooposiccedilatildeordquo nada mais eacute do que a aceitaccedilatildeo daordem vigente como inalteraacutevel e cuja luta limitar-se-ia ldquoa conseguirpara a classe operaacuteria tanto quanto for possiacutevel dentro do domiacutenioexistenterdquo Para os marxistas revolucionaacuterios ao contraacuterio daqueles aquem Lukaacutecs chama de ldquooportunistas pseudomarxistasrdquo o Estado eacute umfator de poder que deve ser combatido e natildeo uma instituiccedilatildeo acimadas classes cujo domiacutenio eacute o objeto principal da luta de classes(ALMEIDA 2006 p 94ndash96)
A transformaccedilatildeo da consciecircncia a que Lukaacutecs se refere natildeo pode ser
encarada do ponto de vista individual e sim daqueles que entende opondo-se
ao Estado nessa luta De qualquer forma a transformaccedilatildeo da consciecircncia como
sendo a revoluccedilatildeo em si indica que a chave para a transformaccedilatildeo da sociedade
estaacute nas pessoas e de alguma forma a seu alcance O Estado aqui passa a ser
analisado como uma fonte de domiacutenio e poder natildeo uma mera escolha de
direccedilatildeo da sociedade mas um elemento de dominaccedilatildeo com caracteriacutesticas
particulares
O poder do Estado eacute essencialmente ideoloacutegico e natildeo a base naturalda sociedade Natildeo que Lukaacutecs desconsidere o poder real do Estadodemonstrado sob a forma da violecircncia aplicada a casos particularesmas eacute justamente por considerar este poder como ldquorealrdquo e natildeo umpoder abstrato transcendental e eterno que para ele se torna possiacutevelopor a este poder o poder do proletariado Portanto o uacutenico obstaacuteculoagrave mudanccedila das condiccedilotildees sociais eacute de natureza ideoloacutegica visto queldquoamplas massas do proletariado ainda vivenciam o Estado o direito e aeconomia da burguesia como o uacutenico meio possiacutevel de suaexistecircnciardquoIbid 102
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Um instrumento de dominaccedilatildeo essencialmente ideoloacutegico Um
constructo social com poder (uso de violecircncia estatal) real poreacutem natildeo eacute fato
dado de qualquer sociedade nem tampouco fruto de uma evoluccedilatildeo tendente a
sua formaccedilatildeo eacute forma de domiacutenio que tem seu alicerce em sua natureza
ideoloacutegica que continua ser aceito e vivenciado pelas massas do proletariado o
grupo que pode se opor e combater o Estado natildeo o faz porque veem no Estado
a uacutenica forma possiacutevel de sociabilidade
Eacute de se observar que todas as perguntas e respostas quando essas
existem que surgem desse pensamento comeccedilam e terminam nas pessoas
como surge esse Estado ideoloacutegico e contra o proletariado O que o manteacutem
como instrumento de poder em detrimento do que poderia ser mais consistente
ao conjunto social Se ele eacute forma de dominaccedilatildeo e age contra os grupos sociais
de maior representatividade numeacuterica porque continua-se a permitir esse
domiacutenio Eacute correto falar em permissatildeo ou o domiacutenio eacute simplesmente imposto
Haacute um limite de onde esse domiacutenio chega e onde o corpo social permite que ele
interaja ou a proacutepria violecircncia estatal tem participaccedilatildeo nesse contexto ajudando
a recriar essa perspectiva
Apesar das criacuteticas bem postadas quanto ao marxismo tradicional
porque consegue se desprender parcialmente e responder alguns problemas
que satildeo centrais na linha de pensamento do primeiro grupo como a questatildeo da
neutralidade do Estado o segundo grupo ainda natildeo se desvencilha totalmente
de alguns problemas do primeiro grupo contudo eacute possiacutevel dizer que houve
significativo avanccedilo na forma de leitura de mundo O Estado deixa de ser visto
como neutro e passa a ser ideoloacutegico a transformaccedilatildeo eacute a transformaccedilatildeo da
consciecircncia os grupos para seguirem com as transformaccedilotildees sociais precisam
se opor ao que estaacute constituiacutedo e ao mesmo tempo manteacutem-se alinhados a
algumas dessas formas de sociabilidade nem sequer cogitando outra forma de
organizaccedilatildeo social Eacute dizer contudo que o humanismo natildeo eacute capaz de
responder a todas questotildees porque haacute algumas questotildees centrais que estatildeo
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postas agraves costas da sociedade12 escapando do espectro de visatildeo que comeccedila e
termina nos grupos sociais Tais pontos satildeo centrais na forma como o
desenvolvimento social se daraacute e natildeo satildeo trazidos para o centro na visatildeo
humanista
Ateacute aqui eacute possiacutevel dizer que importantes passos foram dados no
sentido do aperfeiccediloamento da leitura marxista poreacutem deixando algumas
questotildees cruciais de lado sendo o enfrentamento dessas questotildees que traratildeo
uma nova perspectiva sobre o marxismo daiacute a importacircncia do papel do novo
marxismo
12 - ldquoA minha investigaccedilatildeo desembocou no resultado de que tanto relaccedilotildees juriacutedicas como asformas de Estado natildeo podem ser compreendidas por si mesmas nem pela chamada evoluccedilatildeogeral do espiacuterito humano mas se baseiam pelo contraacuterio nas condiccedilotildees materiais da vida cujoconjunto Hegel resume seguindo o precedente dos ingleses e franceses do seacuteculo XVIIIresume sob o nome desociedade civil e que a anatomia da sociedade civil precisa serprocurada na economia poliacutetica Em Bruxelas para onde me transferi em virtude de uma ordemde expulsatildeo do Sr Guizot tive a ocasiatildeo de prosseguir meus estudos de economia poliacuteticainiciados em Paris O resultado geral a que cheguei e que uma vez obtido serviu de fiocondutor aos meus estudos pode resumir-se assim na produccedilatildeo social da sua vida os homenscontraem determinadas relaccedilotildees necessaacuterias e independentes da sua vontade relaccedilotildees deproduccedilatildeo que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forccedilasprodutivas materiais O conjunto dessas relaccedilotildees de produccedilatildeo forma a estrutura econocircmica dasociedade a base real sobre a qual se levanta a superestrutura juriacutedica e poliacutetica e agrave qualcorrespondem determinadas formas da consciecircncia social O modo de produccedilatildeo da vida materialcondiciona o processo da vida social poliacutetica e espiritual em geral Natildeo eacute a consciecircncia dohomem que determina o seu ser mas pelo contraacuterio o seu ser social eacute que determina a suaconsciecircnciardquo (MARX [sd] p 301)
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11 Novo marxismo
Em linhas gerais pode-se dizer que a corrente chamada por Elbe de
novo marxismo tem como pano de fundo um conceito estruturante da sociedade
quer se dizer com isso que a ideia evolucionista de revoluccedilatildeo observada nas
linhas dedicadas a Engels eacute abandonada a medida que se caminha para o
amadurecimento dos conceitos das relaccedilotildees sociais Se por um lado os
marxistas ocidentais foram felizes nas criacuteticas feitas agraves correntes preteacuteritas no
sentido de preencher o vazio que uma leitura transtemporal tem por outro lado
que eles mesmos natildeo chegaram ao fundo da questatildeo porque centraram seu
fogo em conceitos que comeccedilam e terminam a subjetividade do coletivo
Natildeo eacute dizer que exista um ponto meacutedio entre os dois grupos que os
equilibre pelo contraacuterio eacute que haacute um outro fator que se natildeo for notado pode
fazer parecer com que certas estruturas sociais como o Estado sejam um dado
universal atemporal e neutro enquanto outras questotildees passam a natildeo
conseguir abandonar o plano da vontade dos desejos dos indiviacuteduos
A questatildeo trazida a cerca das obras de Marx ldquopreferidasrdquo pelas trecircs
fases do pensamento marxista tem mais relaccedilatildeo com como essas obras se
relacionam com o mundo exterior que com algum tipo especiacutefico de corte
temporal que se pretenda fazer Com isso quer-se dizer que o pensamento de
Marx sofreu mutaccedilotildees e que essas mutaccedilotildees ao longo do tempo fizeram com
que certos conceitos fossem aperfeiccediloados ou reajustados de acordo com
aquilo que se apreendeu no tempo
Assim Louis Althusser (1918-1990) diraacute sobre o jovem Marx
Creio que eacute necessaacuterio ateacute os fundamentos para compreender apossibilidade e o sentido do traccedilo mais marcante desse meacutetodo oecletismo Quando se escava a superfiacutecie do ecletismo encontra-sesempre a menos que se trate das formas absolutamente despidas depensamento essa teleologia teoacuterica e essa auto-inteligibilidade daideologia como tal Ora natildeo se pode deixar de pensar ao ler certosartigos da coletacircnea que eles ainda permanecem contaminados e ateacutenos seus esforccedilos para dela se libertar pela loacutegica impliacutecita dessaconcepccedilatildeo Tudo se passa de fato como se a histoacuteria dodesenvolvimento teoacuterico do jovem Marx exigisse reduccedilatildeo dos seus
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pensamentos a seus ldquoelementosrdquo em geral agrupados em duasrubricas os elementos materialistas e os elementos idealistas e comose a comparaccedilatildeo desses elementos a confrontaccedilatildeo de sua massapudesse decidir do sentido do texto examinado (ALTHUSSER 1979p 45)
Determinadas concepccedilotildees permeiam o pensamento do jovem Marx e
Essas concepccedilotildees ldquoidealistasrdquo quando generalizados e usados como base
interpretativa da realidade apreendida leva a conceitos que se fecham em si
mesmo imanentes agrave perspectiva adotada e a medida que se afasta de tais
caracteriacutesticas ganha-se robustez no conteuacutedo estudado
Eacute essa segunda proposiccedilatildeo que Marx exprime quando declara que ldquoomeacutetodo cientiacutefico corretordquo consiste em partir do abstrato para produzir oconcreto no pensamento Eacute preciso apreender o sentido preciso dessatese para evitar cair nas ilusotildees ideoloacutegicas agraves quais essas mesmaspalavras satildeo com muita frequumlecircncia demasiado associadas isto eacutepara natildeo supor que o abstrato designaria a proacutepria teoria (ciecircncia)enquanto o concreto designaria o real as realidades concretasrdquo cujapraacutetica teoacuterica produz o conhecimento para natildeo confundir doisconcretos diferentes o concreto-pensamento que eacute um conhecimento eo concreto-realidade que eacute o seu objeto O processo que produz oconcreto-conhecimento se passa totalmente na praacutetica teoacuterica refere-se entenda-se bem ao concreto-real mas esse concreto-real ldquosubsisteapoacutes como antes em sua independecircncia no exterior do pensamentordquo(Marx) sem que jamais possa ser confundido com esse outroldquoconcretordquo que eacute o seu conhecimentohellip Essa confusatildeo eacuteprecisamente a de Feuerbach partilhada por Marx em seu periacuteodofeuerbachiano natildeo somente alimentava os lugares comuns de umaideologia de consumo corrente como tambeacutem arriscava-se adesencaminhar os que se deixavam levar pelas ldquoevidecircnciasrdquo das suasvirtudes de protesto agraves vezes generosas em impasses teoacutericos semrecursos A critica que em uacuteltima anaacutelise opotildee-se a abstraccedilatildeo quepertence agrave teoria agrave ciecircncia ao concreto que seria o proacuteprio real eacute umacriacutetica ainda ideoloacutegica porque nega a realidade da praacutetica cientiacutefica avalidade de suas abstraccedilotildees e finalmente a realidade desse ldquoconcretordquoteoacuterico que eacute um conhecimento Ibid p 162-163
O caminho trilhado por Marx portanto passou por uma fase inicial
onde absorveu conceitos de suas principais referecircncias e os usou como base de
sua teoria Com o tempo e a continuidade de seu percurso conseguiu caminhar
com suas proacuteprias pernas e se afastar dos conhecimentos meramente
ideoloacutegicos Dessa forma atingiu sua fase de maturaccedilatildeo e desenvolveu seu
principal trabalho ldquoO capitalrdquo natildeo por outro motivo Elbe considera que a partir
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da leitura preferida dos estudiosos pertencentes ao primeiro e segundo grupos
as obras da juventude de Marx acabam por desenvolver em sua essecircncia
conceitos ideoloacutegicos
Na esteira do caminho da maturidade de Marx aparece o terceiro
grupo ldquoo novo marxismordquo tal percurso incluiacute o fim do humanismo marxista13
Para que se possa fazer uma anaacutelise mais precisa do novo marxismo
eacute preciso analisar seus autores mais importantes no contexto da presente
pesquisa
111 Pachukanis
A principal contribuiccedilatildeo teoacuterica trazida por Pachukanis ocorreu na
aacuterea do direito14 Seu caminho se deu no desenvolvimento do pensamento
marxista indo encontrar o aacutetomo formador do direito utilizando-se de um
conceito que depois foi chamado pela teoria da derivaccedilatildeo de forma social
Diraacute Alysson Leandro B Mascaro
Como exponenciaccedilatildeo de interaccedilotildees materiais concretas a noccedilatildeo deforma social sempre adveacutem de relaccedilotildees especiacuteficas historicamente Aforma natildeo eacute um constructo eterno ou atemporal Pelo contraacuteriorepresenta uma objetivaccedilatildeo de determinadas operaccedilotildees mensuraccedilotildeestalhes e valores dentro das estruturas histoacutericas do todo socialPortanto em sociedades capitalistas pela forma-valor referenciam-seos atos econocircmicos e a constituiccedilatildeo dos proacuteprios sujeitos de direitoque assim o satildeo porque justamente portam valor e o fazem circular Aforma social natildeo eacute uma forma inflexiacutevel e imutaacutevel na medida em quese faz e eacute refeita numa rede de relaccedilotildees sociais
13 - Ao rejeitar a essecircncia do proacuteprio homem como fundamento teoacuterico Marx rejeita todo ecircssesistema orgacircnico de postulados Ele busca as categorias filosoacuteficas do sujeito empirismoessecircncia ideal etc de todos os domiacutenios em que eles reinam Natildeo somente da EconomiaPoliacutetica (rejeiccedilatildeo do homo oeconomicus isto eacute do indiviacuteduo tendo faculdades e necessidadesdefinidas enquanto sujeito da Economia claacutessica) natildeo soacute da histoacuteria (rejeiccedilatildeo do atomismosocial e do idealismo poliacutetico-eacutetico) natildeo soacute da moral (rejeiccedilatildeo da ideacuteia moral kantiana) comotambeacutem da proacutepria filosofia pois o materialismo de Marx excluiacute o empirismo do sujeito (e seuinverso o sujeito transcendental) e o idealismo do conceito (e seu inverso o empirismo doconceito)(ALTHUSSER 1979 p 201ndash202)14 - Sendo sua principal obra ldquoA teoria geral do direito e marxismordquo(PACHUKANIS 1977)
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As interaccedilotildees sociais capitalistas forjam formas que satildeo especiacuteficas enecessaacuterias agraves suas estruturas distintas de todas as demais ateacute entatildeohavidas A relaccedilatildeo de troca entre sujeitos de direito se estabelece comocircuito pleno nas sociedades totalmente regidas pela mercadoria Ascoisas tornam-se na plenitude dessa sociabilidade bens passiacuteveis detroca Se sociedades do passado possuiacuteam circuitos parciais de trocaque natildeo estruturavam o todo social o capitalismo estabelece umavinculaccedilatildeo necessaacuteria de todas as relaccedilotildees sociais agrave troca Emespecial o trabalho passa a ser assalariado isto eacute estruturado a partirde seu valor como mercadoria Quando as relaccedilotildees de produccedilatildeoassumem tal forma mercantil entatildeo o circuito das trocas erige-se comoforma social especiacutefica e plena a forma-valor(MASCARO 2013 p 20)
Eacute possiacutevel observar o grande salto teoacuterico que se horizonta no novo
marxismo porque de um lado busca superar a questatildeo do marxismo humanista
com isso desligando-se da tradiccedilatildeo marxista com vieacutes ideoloacutegico de outro lado
e justamente por abandonar esse vieacutes ideoloacutegico passa a analisar as questotildees
que subjazem agrave nossa contemporaneidade
As formas sociais natildeo satildeo dadas ao acaso tatildeo pouco formada de
conteuacutedo meramente ideoloacutegico satildeo como demonstradas ateacute aqui reificaccedilotildees
de relaccedilotildees sociais que de alguma forma ganham certa autonomia frente as
pessoas Eacute dizer que independentemente do credo que se tenha das ideias que
se carregue haacute determinados conteuacutedos que compotildeem as pessoas na
sociedade capitalista O que constitui um indiviacuteduo como homem Isso eacute um
constructo social que antecede a existecircncia do proacuteprio indiviacuteduo que o indiviacuteduo
por sua vontade natildeo eacute capaz de transformar e que gera uma seacuterie de
consequecircncias (positivas ou negativas) a cada indiviacuteduo
Natildeo soacute estruturas que constituem indiviacuteduos satildeo formas sociais pelo
contraacuterio haacute nos nossos dias as mais diversas formas sociais talvez duas das
mais importantes sejam o Estado e o direito
O Estado no sistema capitalista da mesma forma que o indiviacuteduo
constituiacutedo homem antecede esse indiviacuteduo e a ele se impotildee Nacionalidade
direitos civis direitos sociais todas as garantias possiacuteveis em um ambiente
capitalista e ainda todas as formas de limitaccedilotildees impostas seja ela violecircncia
estatal seja no que diz respeito a imposto ou limitaccedilatildeo na forma como eacute
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possiacutevel exercer seus direitos todo esse conjunto antecede e estaacute fora das
matildeos dos indiviacuteduos Por mais que se possa alterar o meio como algumas
dessas possa atingir os indiviacuteduos como por exemplo alterando-se a forma de
arrecadaccedilatildeo de impostos aumentando ou diminuindo penalidades natildeo se
altera no fim o tipo de domiacutenio exercido pelo Estado face aos indiviacuteduos o
poder que se erige como externo e maior que os indiviacuteduos natildeo eacute afetado pela
circunstacircncia de seu conteuacutedo ser modificado Era justamente esse ponto em
que Lukaacutecs tocou quando disse que a populaccedilatildeo natildeo consegue imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo pelo Estado no texto jaacute citado
Deve ser ressaltado contudo que diferentemente do que pontuado
por Lukaacutecs natildeo se trata aqui de ldquoimaginarrdquo uma forma de vivecircncia que natildeo seja
o Estado trata-se antes de uma forma social preestabelecida Independe do
entendimento que os indiviacuteduos tenham dela para que continue a se constituir
sobre eles
Seguindo nesse horizonte existem outras formas sociais que moldam
a nossa vida em sociedade tal qual a forma-Estado algumas formas sociais
estatildeo tatildeo intrinsecamente ligadas agrave nossa sociabilidade que eacute praticamente
indissociaacutevel dela o direito eacute um desses exemplos
Direito e Estado estatildeo conectados a ponto de se poder dizer que natildeo
existe direito sem Estado e vice-versa15 Quando analisando o direito
15 - A forma Estado e a forma direito satildeo especiacuteficas do capitalismo Ainda que seja bem comumo uso de expressotildees como direito romano suas caracteriacutesticas natildeo permitem que se entendaser do mesmo tipo que o direito que conhecemos Isso porque o direito no capitalismo tem ospeacutes fincados na liberdade de contratar e na igualdade formal caracteriacutesticas que natildeo existiam deforma universal generalizada em Roma Isso leva a consideraccedilatildeo de que natildeo havia umainstacircncia superior e externa a todos que tinha como principal funccedilatildeo fazer garantir a igualdadeformal de todas as pessoas Muitos de seus criteacuterios eram dados por circunstacircncias aleatoacuteriasde maneira que remeter a direito em periacuteodos anteriores ao capitalismo configura-se erro queiguala condiccedilotildees que natildeo satildeo iguais veja o que diz Maacutercio Naves ldquoTemos reunidos oselementos suficientes para apreender o conceito de direito em Marx Vimos que em sua obra dematuridade especialmente em O capital ele estabelece viacutenculos entre a forma juriacutedica e a trocade mercadorias vimos que as formas de abstraccedilatildeo rdquoobjetivardquo geram as formas da abstraccedilatildeoldquosubjetivardquo vimos que todo esse processo eacute comandado pela presenccedila da equivalecircncia quepossibilita o surgimento de uma unidade de medida comum e vimos que o homem eacute umaequivalecircncia vivahellip Assim podemos formular essa sentenccedila resolutamente anti-normativista soacute haacute direito em umarelaccedilatildeo de equivalecircncia na qual os homens estatildeo reduzidos a uma mesma unidade comum de
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Pachukanis seguiu os mesmos passos de Marx em sua fase de maturidade
busca chegar naquilo que eacute o aacutetomo do direito o ponto em que reduzindo-se
mais o que se alcanccedilaraacute natildeo eacute mais direito
A concepccedilatildeo teoacuterica de Pachukanis se organiza portanto em torno danoccedilatildeo de sujeito de direito ldquoToda relaccedilatildeo juriacutedica eacute uma relaccedilatildeo entresujeitos O sujeito eacute o aacutetomo da teoria juriacutedica o elemento maissimples que natildeo pode ser decompostordquo (Vsiakoe iuriditcheskoeotnochenie estrsquo otnochenie mejdu subrsquoekatami Subrsquoest ndash eto atomiuriditcheskoi teorii prosteichii nerazlojimyi dalee element) Oprocedimento de Pachukanis ao procurar identificar o elemento maisabstrato e mais ldquopurordquo do tecido social juriacutedico eacute similar ao de Marxquando este inicia a sua anaacutelise de O capital pelo exame damercadoria Em ambos os casos trata-se de identificar o elemento queconcentra em si a especificidade de relaccedilotildees sociais determinadas ecuja forma permite revelar tal especificidade
Assim Pachukanis pode afirmar que soacute no modo de produccedilatildeocapitalista eacute que os indiviacuteduos adquirem o estatuto universal desujeitos A forma-sujeito de que se reveste o homem surge como acondiccedilatildeo de existecircncia da liberdade e da igualdade que se faznecessaacuteria para que se constitua uma esfera geral de trocas mercantise consequentemente para que se constitua a figura do proprietaacuterioprivado desses bens objetos da circulaccedilatildeo Eacute na esfera da circulaccedilatildeodas mercadorias como um elemento dela derivado que opera paratornar possiacutevel a troca mercantil que nasce a forma juriacutedica do sujeito(NAVES 2000 p 65)
Marx procurou verificar a especificidade do capitalismo e encontrou
na forma-mercadoria Pachukanis procurou a especificidade do direito e a
encontrou na forma-sujeito Eacute importante ressaltar que por mais que em suas
franjas o conteuacutedo dessas formas possam ser mutaacuteveis a depender da
sociedade que estaacute observado a sua forma natildeo muda nem seu conteuacutedo
central O desenvolvimento do sistema capitalista de produccedilatildeo teve como efeito
transformar os sujeitos em sujeitos de direito A coletividade que ateacute aquele
momento poderia estar submetida seja pela forccedila seja pelo status passa de
medida em decorrecircncia de sua subordinaccedilatildeo real ao capitalToda relaccedilatildeo em que a equivalecircncia natildeo existe ou se encontra em posiccedilatildeo subordinada eacute umarelaccedilatildeo de natureza natildeo juriacutedica uma relaccedilatildeo de poder que como jaacute notamos pode semanifestar como moralidade ou misticismo religioso Como nos mostra Jacques Michael paraMarx algo pode ser chamado de direito sem que seja e esse foi o caso do ldquodireitordquo antigomesmo quando ele era afetado por relaccedilotildees de trocardquo (NAVES 2014 p 86ndash88)
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forma generalizada a ter direitos e deveres em conformidade com a lei passa a
ser detentora de subjetividade juriacutedica passa a ter direito a contratar livremente
e vender livremente aquilo que no mais das vezes eacute tudo que dispotildee sua forccedila
de trabalho
Eacute correto dizer pois que o Estado e direito estatildeo indissociavelmente
ligados ao sistema capitalista de produccedilatildeo e que tecircm na forma de mercadoria e
na forma sujeito de direito reciprocamente as suas menores e indivisiacuteveis
fraccedilotildees Mais ainda eacute possiacutevel afirmar que por mais que se use uma
pluralidade de nomenclaturas de maneira indiscriminada o que antecedeu o
Estado capitalista e agrave forma sujeito de direito natildeo satildeo nem Estado nem direito
Nesses natildeo existia aquilo que os constituiria como tais Caso concluamos que a
generalizaccedilatildeo do trabalho assalariado leva a uma transformaccedilatildeo na sociedade
que por sua vez se generalizada aos indiviacuteduos ndash transformando-os em
proprietaacuterios individuais ndash acaba por transformar sujeito em sujeito de direito
pessoas em contratantes em potencial capazes de vender ou comprar
livremente a depender de sua vontade teremos que a inexistecircncia dessas
circunstacircncias em momentos preteacuteritos ao capitalismo levaraacute agrave necessidade de
observar que qualquer coisa semelhante a Estado e a direito natildeo teraacute em si as
condiccedilotildees miacutenimas de formaccedilatildeo daquilo que hoje chamamos direito e Estado
As questotildees de fundo do grupo denominado novo marxismo trazem
em si essas caracteriacutesticas buscam se afastar de conceitos que sejam
meramente idealistas utilizando-se para isso da teacutecnica de apreensatildeo da
realidade o materialismo histoacuterico Ao fazer isso e procurarem na realidade
social quais seriam as menores fraccedilotildees que a compotildee chega-se agrave forma de
mercadoria que serviraacute de base interpretativa de mundo Ao replicar esses
passos com vistas ao direito Pachukanis chegou ao aacutetomo do direito a forma
social sujeito de direito
Naqueles que estatildeo encaixados como novo marxismo essas
caracteriacutesticas permeiam o ambiente poreacutem o grupo natildeo eacute homogecircneo eacute
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possiacutevel destacar pelo menos trecircs subgrupos de destaque a teoria da
derivaccedilatildeo os politicistas e os economicistas
A grande diferenccedila de visatildeo entre os politicistas e os economicistas
estaacute na persistecircncia ou natildeo da luta de classes A teoria da derivaccedilatildeo de certa
forma eacute um ponto meacutedio entre esses dois conceitos
112 Derivacionismo
O derivacionismo ou debate da derivaccedilatildeo do Estado16 eacute teoria que
trata da especificidade do Estado capitalista Ela tem origem por volta da deacutecada
de 1960 e desenvolve-se a partir de ampla discussatildeo no que Caldas chama de
ldquodebate britacircnico-alematildeordquo
Seguindo o caminho trilhado por Marx17 em sua maturidade autores
derivacionistas vatildeo buscar identificar qual o aacutetomo do Estado capitalista a partir
se suas mais profundas engrenagens e verificando sua forma de funcionamento
A teoria materialista do Estado diferencia o ldquoEstadordquo de outras formashistoacutericas de dominaccedilatildeo poliacutetica Sob o termo Estado compreende-seo rdquoEstado modernordquo implantado como aparelho centralizado de forccedilacom o desenvolvimento do capitalismo e da sociedade burguesa e ndashpara citar Max Weber - ldquoreivindicando com ecircxito [hellip] o monopoacutelio da
16 - No Brasil muitos estudiosos da Teoria do Estado se limitaram a reproduzir (e criticar) avisatildeo sovieacutetica como a uacutenica teoria marxista do Estado e do direito Na Europa diferentementea partir da deacutecada de 1960 sugiram teorias diferentes inclusive contraacuterias agrave doutrina sovieacuteticaDentre elas destaca-se a de Evgeni Pachukanis jurista sovieacutetico que foi condenado pelo regimestalinista na deacutecada de 1930 justamente por ter um pensamento sobre o Estado e o direito quese opunha agrave doutrina oficial da Uniatildeo Sovieacutetica que perduraria ateacute o final da existecircncia dessepaiacutes na deacutecada de 1990Joachim Hirsch por sua vez integrou o debate britacircnico-alematildeo mais fecundo a respeito dateoria do Estado na Europa a partir da deacutecada de 1960 conhecido como o ldquodebate da derivaccedilatildeodo Estadordquo (CALDAS 2018 p 21 24)17 - ldquoA teoria da derivaccedilatildeo a exemplo do pensamento de poulantzano mas discordando dosmeacutetodos e ideais deste pensador pretende seguir os passos formulados por Marx segundo oqual as formas poliacuteticas poderiam ser entendidas apenas por meio da anatomia da sociedadecivil Entretanto no caso da teoria da derivaccedilatildeo isso significa natildeo adotar como ponto de partidacategorias puramente poliacuteticas (como fez Poulantzas) mas sim categorias econocircmicas (valormais-valia acumulaccedilatildeo capital etc) marxianas derivando destas a forma e funccedilatildeo do Estado(CALDAS 2013 p 65)
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forccedila fiacutesica legitimadardquo sobre um territoacuterio delimitado e sobre osindiviacuteduos que ali vivem - (HIRSCH 2010 p 2223)
A sociedade capitalista eacute caracterizada pelo fato de que a relaccedilatildeosocial dos indiviacuteduos natildeo eacute estabelecida por eles mesmos de maneiradireta e consciente mas por processos que se operam atraacutes delesexatamente atraveacutes da produccedilatildeo privada e parcelizada e da troca demercadorias Sua sociabilidade lhes aparece sob uma formaldquocoisificadardquo com o aspecto de dinheiro e capital isto eacute ela surge paraeles de modo alienado e ldquofetichizadordquo como aparecircncia de coisas Odinheiro eacute assim natildeo um simples meio teacutecnico de pagamento e detroca como se supotildeem nas ciecircncias econocircmicas mas a expressatildeoobjetiva e coisificada de uma relaccedilatildeo social especiacutefica No capitalismoos indiviacuteduos natildeo podem nem escolher livremente as suas relaccedilotildeesmuacutetuas tampouco dominar as condiccedilotildees sociais de sua existecircnciaatraveacutes de sua accedilatildeo direta Sua relaccedilatildeo social se exterioriza bem maisem formas sociais coisificadas exteriores e opostas a eles Ibid 2627
As formas sociais satildeo formas fetichizadas de relaccedilotildees sociais assim
com o passar do tempo as relaccedilotildees sociais passam a ter a aparecircncia de
existecircncia ou seja ganham certa independecircncia em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos e
grupos sociais mais ainda de alguma forma toma-se a relaccedilatildeo fetichizada
como a proacutepria coisa
Estado direito dinheiro etc satildeo formas de relaccedilotildees entre as
pessoas No capitalismo o Estado por exemplo possui autonomia relativa o
Estado necessariamente precisa ser exterior e superior aos indiviacuteduos isolados
para que se mantenha igualdade formal soacute eacute possiacutevel garantir se for por um
terceiro capaz de obrigar os envolvidos em qualquer relaccedilatildeo se esse terceiro
deixar de ser capaz de obrigar as pessoas envolvidas nas disputas sociais
cessa sua capacidade de igualaacute-los
O processo de solidificaccedilatildeo das formas sociais eacute um processo de
fetichizaccedilatildeo18 eacute um processo de separaccedilatildeo Fetiche porque ao olharmos para
18 - Vamos reter entatildeo o Estado da sociedade capitalista natildeo eacute nem o instrumento criadoconscientemente pela classe dominante nem a corporificaccedilatildeo de uma ldquovontade popularrdquodemocraacutetica tampouco eacute um sujeito ativo autocircnomo Ele eacute bem mais uma relaccedilatildeo social entreindiviacuteduos grupos e classes a ldquocondensaccedilatildeo material de uma relaccedilatildeo social de forccedilardquo Materialporque essa relaccedilatildeo assume uma forma marcada por mecanismos burocraacuteticos e poliacuteticosproacuteprios nos sistemas das instituiccedilotildees organizaccedilotildees e aparelhos poliacuteticos A aparelhagem doEstado tem uma consistecircncia e uma estabilidade e por isso eacute mais do que expressatildeo direta de
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nossa sociedade as formas sociais satildeo preestabelecidas agraves pessoas quando
algueacutem nasce jaacute estaacute imerso em um conjunto de formas sociais que o cerca
Estado direito dinheiro por exemplo estatildeo presentes antes que seus novos
cidadatildeos nasccedilam e estaratildeo presentes depois que essas pessoas morrerem
Ainda que eventualmente e por algum motivo que parece bastante distante
esse Estado deixe de existir natildeo eacute a leitura que se faz dele tende-se a acreditar
que ele jamais vaacute terminar ou deixar de existir Isso na verdade eacute o que Lukaacutecs
quis dizer ao mencionar que as pessoas sequer conseguem imaginar outra
forma de sociabilidade que natildeo a do Estado
Essa percepccedilatildeo de Lukaacutecs continua real a partir de uma anaacutelise
materialista do Estado capitalista contudo seu meacutetodo e seu paradigma teoacuterico
o forccedilavam no sentido inverso saber que as pessoas natildeo imaginam outra forma
de sociabilidade que natildeo a do Estado natildeo tem o condatildeo de alterar ou explicar
as bases em que o Estado se fixa Lukaacutecs satisfatoriamente explica o efeito
mas natildeo conseguiu atingir a causa O problema como apontado por ele
permanece no campo do idealismo poreacutem a perspectiva que agora se adota
demonstra que por mais que algumas leituras tenham vieacutes idealista natildeo eacute
possiacutevel simplesmente abandonaacute-las quer se dizer com isso que uma releitura
uma relaccedilatildeo social de forccedila Mudanccedilas nas relaccedilotildees de forccedila sempre produzem efeitos nointerior do Estado mas ao mesmo tempo a estrutura existente do aparelho estatal reage sobreeles O Estado expressa em sua concreta estrutura organizativa relaccedilotildees sociais de forccedila mastambeacutem simultaneamente as forma e estabiliza(HIRSCH 2010 p 3637) Resumindo a forma poliacutetica capitalista natildeo pode ser confundida com o aparelho estatalconcreto pois esse eacute apenas a expressatildeo institucional de estruturas sociais existentes atraacutesdele As determinaccedilotildees formais capitalistas ndash econocircmicas e poliacuteticas ndash atravessam todas asaacutereas sociais marcam entatildeo tanto as burocracias do Estado como o sistema partidaacuterio asassociaccedilotildees de interesses e a miacutedia as instituiccedilotildees econocircmicas e ateacute a famiacutelia Assim oconjunto complexo envolvendo ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo constitui um sistema dependente umdo outro e ao mesmo tempo forma uma relaccedilatildeo contraditoacuteria englobando as instituiccedilotildeesexistentes ldquoEstadordquo e ldquosociedade civilrdquo natildeo formam uma oposiccedilatildeo simples mas uma unidadecontraditoacuteria condicionada Assim a forma poliacutetica ndash concretizada institucionalmente no aparelhodo Estado - depende da forma dinheiro e da forma capital estando ao mesmo tempo emcontradiccedilatildeo com elas O dinheiro necessita da garantia oferecida pelo aparelho de coerccedilatildeoestatal ou seja ele deve ser controlado e regulado pelo Estado Mas ele natildeo eacute criado peloEstado surge da estrutura e da dinacircmica do processo de valorizaccedilatildeo do capital mediado pelatroca mercantil Isso coloca limites definidos para a poliacutetica monetaacuteria estatal Caso natildeo seconsiga a estabilidade do valor da moeda surgindo processos inflacionaacuterios a proacutepria formadinheiro eacute a longo prazo colocada em questatildeo Ibid 46
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de seus conceitos desbastando aquilo que se manteacutem no plano idealista pode
levar a descobertas interessantes sendo para homenageaacute-la seja para que se
lhes critique
A questatildeo que envolve Lukaacutecs pode parecer simples poreacutem seraacute ela
responsaacutevel por levar a outro importante ponto no que se refere ao novo
marxismo Lukaacutecs identificou um problema relevante que as pessoas o
proletariado natildeo conseguem se imaginar em outra forma de sociabilidade que
natildeo o Estado Sem entrar novamente nos misteacuterios de sua teoria nela natildeo eacute
possiacutevel observar condiccedilotildees que formulam a proposiccedilatildeo do que eacute do que forma
esse fetiche capitalista Sem se saber como algo comeccedila tambeacutem natildeo eacute
possiacutevel prever como termina
Natildeo haacute indiacutecios miacutenimos que apontem para que lado seguir e seraacute
justamente sobre a questatildeo que o politicismo e a criacutetica do valor vatildeo se
debruccedilar se existe ou natildeo uma luta de classes nos dias de hoje
113 Politicismo
Mascaro divide o curso do marxismo contemporacircneo em trecircs partes19
a primeira consiste na ldquocentralrdquo que de alguma forma concatena as outras
duas seria a jaacute vista teoria da derivaccedilatildeo Entatildeo de um lado teriacuteamos o
politicismo que pretende resolver as grandes questotildees atacando pelo aspecto
poliacutetico e do outro lado teriacuteamos os economicistas que abandonam a luta
poliacutetica e veem que as grandes questotildees independem da vontadeaccedilatildeo das
pessoas
Nessa linha um dos principais autores politicistas eacute John Holloway O
autor compocircs o debate derivacionista em conjunto com Hirsch e outros autores
sendo uma obra de criaccedilatildeo coletiva organizada por ele e por Sol Picciotto
(1942-) um dos mais importantes marcos teoacutericos da vertente do novo
19 - (MASCARO 2018)
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marxismo20 No que concerne ao politicismo a grande aposta para resoluccedilatildeo
das grandes questotildees estaacute na resoluccedilatildeo da luta de classes21 Holloway propotildee
que a transformaccedilatildeo social radical a revoluccedilatildeo natildeo pode mais ser vista nos
moldes em que foi analisada no comeccedilo do seacuteculo XX As tentativas de tomada
do poder estatal falharam no sentido que natildeo conseguiram ser aquilo que se
planejava O Estado natildeo eacute elemento neutro logo sua tomada e controle por um
grupo diferente do que estaacute no poder natildeo leva a construccedilatildeo dos objetivos desse
grupo e sim a reproduccedilatildeo daquilo que conteacutem o Estado capitalista ou seja no
limite a luta pela tomada do Estado pela classe trabalhadora e sua manutenccedilatildeo
leva a perpetuaccedilatildeo de formas de dominaccedilatildeo de classe que se desenvolvem a
partir do Estado
Isso porque o Estado deriva de uma forma capitalista e sua existecircncia
dela depende A forma de mercadoria que eacute o aacutetomo do capitalismo tambeacutem eacute a
forma a partir da qual o Estado se constitui Sendo o Estado entendido como o
terceiro que iguala os demais participantes de qualquer tipo de contrato
necessaacuterio que exista igualdade formal entre os contratantes Eacute necessaacuterio que
diante desse Estado todos tenham menor forccedila que caso seja necessaacuterio
consiga coagi-los a adotar determinadas atitudes
A igualdade formal adveacutem da forma de mercadoria Eacute quando as
pessoas passam a ser vistas como possuidoras de bens vendaacuteveis que existe a
necessidade de todas elas serem igualadas A separaccedilatildeo do Estado sustenta
essa igualdade formal assim como eacute sustentada por ela Natildeo existe Estado em
20 - A obra concentra alguns dos mais importantes autores do debate derivacionista e uma dasmais importantes contribuiccedilotildees de Holloway para ele (HOLLOWAY PICCIOTTO 1978)21 - Outra maneira de expressar a nossa diferenccedila com o a anaacutelise feita pelo Grupo Krisis [economicistas] eacute dizer que eles enxergam a crise do trabalho como colapso que indica anecessidade de revoluccedilatildeo mas natildeo entendem sendo simultaneamente e imediatamente apotencial irrupccedilatildeo de uma atividade diferente de um fazer humano existindo e natildeo existindo natildeoapenas no mas tambeacutem contra-e-mais-aleacutem-do-trabalho Apesar de sua criacutetica do marxismoortodoxo como sendo a teoria do trabalho eles seguem a loacutegica daquela tradiccedilatildeo ao fazer umaseparaccedilatildeo entre capital e classes e consequentemente entre crise e luta Segundo essa loacutegicaa crise do capital apenas fornece uma oportunidade para a mudanccedila revolucionaacuteria ou aponta anecessidade da mudanccedila revolucionaacuteria natildeo se entende o impulso para a mudanccedila comosubstacircncia da crise Considerar o fazer (ou trabalho concreto) como a crise do trabalho abstratoeacute considerar o impulso para a mudanccedila como sendo nuacutecleo da crise a crise entatildeo natildeo eacutecolapso mas potencial de irrupccedilatildeo (HOLLOWAY 2013 p 188189)
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que a sociabilidade natildeo se decirc entre iguais da mesma forma o Estado eacute
responsaacutevel por manter essa igualdade formal
Vale dizer que com igualdade formal quer se dizer somente que
cada indiviacuteduo eacute capaz de comprar e vender coisas no mercado nem que seja o
uacutenico produto que possua a sua forccedila de trabalho Natildeo se quer dizer contudo
que exista qualquer forma de igualdade real Natildeo se iguala os desiguais Quem
deteacutem os meios de produccedilatildeo o capital continua detendo o controle sobre a
maior parte dos recursos bem como direta ou indiretamente direcionando o
rumo que os trabalhadores tomaratildeo Trata-se apenas da possibilidade de
qualquer pessoa poder ldquolivrementerdquo vender no mercado aquilo que eacute possuidor
da mesma forma a impossibilidade de vender-se qualquer outra coisa natildeo
prejudica a capacidade de venda livre das mercadorias que possui Nenhuma
dessas questotildees reais afeta o funcionamento da maacutequina capitalista
Holloway propotildee que para que seja solucionada a questatildeo da
revoluccedilatildeo eacute preciso que as fraturas sejam criadas e expandidas no capitalismo
Essas fraturas segundo o autor sempre satildeo criadas por movimentos
que satildeo anticapitalistas na maior parte das vezes reabsorvidas pelo sistema e
encerradas em si mesma Poreacutem a expansatildeo dessas fraturas para ele eacute o
caminho que levaraacute a um futuro natildeo-capitalista a um futuro em um ambiente
com situaccedilatildeo diversa da que existe hoje
Essa transformaccedilatildeo social natildeo passaria pela tomada do Estado e
sim romperia o sistema de baixo para cima quando ela acontecesse o Estado
em si natildeo faria mais sentido ateacute porque natildeo sustentaria nem estaria mais
sustentado em uma situaccedilatildeo de venda do direito a compra e venda do seu poder
de compra do trabalho
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Satildeo fraturas anticapitalistas aquelas em que as pessoas retomem o
seu fazer O fazer para o autor se opotildee ao trabalho alienado22 vendido no
mercado
O trabalho em Holloway se apresenta em duas possibilidades distintaso trabalho alienado e o trabalho natildeo-alienado tratado por Marx comotrabalho concreto e por Holloway por simplesmente fazer ficandomais uma vez clara a ideia de natildeo identificaccedilatildeo e de natildeo classificaccedilatildeoque acompanha o autor Ao denominar de fazer jaacute exclui qualquerconcepccedilatildeo preestabelecida de trabalho fazer traz em si caracteriacutesticasmais geneacutericas e mais abrangentes do que qualquer expressatildeo detrabalho possa ter (SANTOS 2015 p 47)
Assim situaccedilotildees que sejam capazes de reencontrar o fazer em
substituiccedilatildeo ao trabalho alienado seriam formadoras das fraturas no
capitalismo Ocorre que quase sempre esse fazer eacute em um segundo momento
reabsorvido pelo capitalismo se algueacutem faz um bolo porque gosta isso eacute um
fazer se algueacutem faz um bolo e o coloca a venda esse bolo passa entatildeo a natildeo
ser mais que uma mercadoria que a despeito de sua qualidade teraacute que
concorrer com outras mercadorias no mercado a fim de ser vendido desta
forma submetendo-se agraves suas regras23
Tais colocaccedilotildees satildeo necessaacuterias para que se reposicione a luta de
classes na visatildeo do autor Se no iniacutecio do seacuteculo XX essa luta de classes era
vista como uma luta que passava necessariamente pela retomada do Estado
para Holloway ela passa a ser tratada como a luta pela retomada do fazer que
22 - Essa alienaccedilatildeo do trabalho eacute dada no mesmo sentido de Marx uma reificaccedilatildeo do trabalhoautomatizando o trabalho e que por fim acaba por afastar o trabalhador do trabalho produzidocoisificando-o como uma accedilatildeo automaacutetica e que natildeo lhe pertence passa ser propriedadedaquele que deteacutem o domiacutenio sobre os meios de produccedilatildeo23 - ldquoI bake a cake I enjoy baking it I enjoy eating it I enjoy sharing it with my friends and amproud of the cake I have made Then I decide that I will try to make a living by baking cakes Ibake cakes and sell them on the market Gradually the cake becomes a means to gaining anincome sufficient to allow me to live I have to produce the cake at a certain speed and in acertain way so that I can keep the price low enough to sell it Enjoyment is no longer part of theprocess After a while I realise that I am not earning enough money and think that since thecake-making is i n any case merely a means to an end a way of earning money I might as wellmake something else that will sell better My doing has become completely indifferent to itscontent there has been a complete abstraction from its concrete characteristics The object Iproduce is now so completely alienated from me that I do not care whether it is a cake or a ratpoison as long as it sellsrdquo (HOLLOWAY 2010 p 9293)
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nesses termos deve se expandir juntar-se a outros fazeres retomados e entatildeo
isso seraacute o alargamento nas fraturas feitas no capitalismo e a junccedilatildeo dessas
fraturas que levaraacute a ruptura com a ordem atual caso essa luta fosse
posicionada como no comeccedilo do seacuteculo XX com a disputa pela tomada do
Estado resultaria de forma semelhante naquilo que ocorreu com a replicaccedilatildeo
de dominaccedilatildeo do tipo capitalista e com a manutenccedilatildeo do sustento do trabalho
abstrato Desta forma a luta de classes eacute menos uma questatildeo de destino no
sentido de se ter como objetivo a tomada do estado pela classe trabalhadora e
mais uma questatildeo de caminho com a construccedilatildeo dia a dia ponto a ponto para
fora do sistema capitalista
Holloway natildeo soacute reposiciona a luta de classes como deixa digamos
assim em segundo plano questotildees econocircmicas e estruturantes se dizemos
que o capitalismo se solidificou quando o trabalho foi tornado uma mercadoria
estabelecendo como um de seus alicerces a igualdade formal e se por sua vez
essa igualdade formal eacute sustentada e retroalimentada pelo Estado ateacute que
ponto eacute preciso afirmar que a saiacuteda do capitalismo passa pela atuaccedilatildeo social
criando fendas no sistema que natildeo necessariamente tem qualquer ligaccedilatildeo com
o seu nuacutecleo baacutesico
Diversos tipos de sociabilidade vieram antes do sistema capitalista ou
coexistem com o sistema capitalista natildeo eacute dizer que nenhuma situaccedilatildeo de
igualdade formal existiu antes do capitalismo poderia se falar em liberdade de
contratantes entre dois proprietaacuterios de escravos que os trocassem por
exemplo ou que nenhuma relaccedilatildeo que natildeo seja tipicamente capitalista natildeo
exista nos dias de hoje mas eacute dizer que essas relaccedilotildees anteriores natildeo foram
capazes de formar (ou transformar) o sistema soacute com a generalizaccedilatildeo do
trabalho do tipo assalariado que o mundo viu surgir uma relaccedilatildeo do tipo
capitalista Ocorre que no mais das vezes essas relaccedilotildees tendem com o
tempo a serem anexadas ao sistema capitalista ou viverem agrave margem deste
sem contar que o maior inimigo dessa visatildeo das fraturas no capitalismo seja a
concentraccedilatildeo do poder coercitivo nas matildeos do Estado Um dos principais
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exemplos utilizados por Holloway24 eacute o grupo Zapatista que comumente satildeo
tidos por criminosos
Curiosamente e de certa forma contrariamente agraves questotildees
pontuadas por Holloway os Zapatistas agora apoiam uma candidata agrave
presidecircncia do Meacutexico25 Apesar de dizerem que natildeo possuem interesse nas
eleiccedilotildees o que ocorre caso ganhem Poderiacuteamos ver uma espeacutecie de
cooptaccedilatildeo do movimento poliacutetico pelo aparelho estatal Ainda que natildeo ganhem
o que significa a busca pela briga institucional Se Holloway diz que importa
mais o caminho que o resultado porque o resultado eacute construiacutedo quando se
caminha eacute de questionar o que na praacutetica significa essa entrada na disputa pela
presidecircncia
De qualquer forma essa seraacute a grande divergecircncia encontrada no
que diz respeito aos politicistas e os economicistas
114 Economicistas
Ao analisar ldquoMudar o mundo sem tomar o poder Roswitha Scholz
(1959 -) diraacute que
ldquoA teoria da dissociaccedilatildeo e do valor natildeo pode estar de acordo no querespeita ao culto de Kant quanto agrave problemaacutetica da ldquocoisa em sirdquo quecontinua em grande forccedila apesar de todas as criacuteticas nem com Adornonem tatildeo pouco com Lukaacutecs Tal culto pode ser consideradocompreensiacutevel perante o fortalecer das tendecircncias positivistas nostempos de Lukaacutecs nos anos vinte do seacuteculo passado ainda maisagravadas no debate do positivismo nos anos sessenta No entanto eacutede registrar que estas correntes de pensamento representamessencialmente um desenvolvimento de Kant o pensamento desteconstitui a preacute-condiccedilatildeo daquelas mas a ldquocoisa em sirdquo de Kant aindaque faccedila alusatildeo ao problema do natildeo-idecircntico sendo um conceito
24 - Assim o foco da revoluccedilatildeo no objetivo de conquistar o poder estatal implica a abstraccedilatildeo doEstado das relaccedilotildees sociais de que eacute parte Conceitualmente se separa o Estado do complexo derelaccedilotildees sociais queo rodeiam e se eleva-o como se fosse um ator autocircnomo Atribui-se-lhe autonomia se natildeo nosentido absoluto da teoria reformista (ou liberal) pelo menos no sentido de que eacute consideradocomo parcialmente autocircnomo quanto agraves relaccedilotildees sociais capitalistas que o rodeiam (HOLLOWAY2012)
25 - (KURZ 2003 acessado em 04062018)
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fundamental eacute ainda assim um tema lateral O seu pensamento eacute eleproacuteprio uma variante das dicotomias claacutessicas como as que seexpressam no problema de forma-conteuacutedo espiacuterito-mateacuteria mulher-homem e que poderia ser decifrado e criticado como correspondendoagrave forma fundamental na teoria da dissociaccedilatildeo e do valor que jaacute selimita sempre a si mesma A dissociaccedilatildeo do feminino natildeo eacutesimplesmente o natildeo-idecircntico (mais uma vez ontologizado) mas sim amaneira como momentos do feminino satildeo tornados utilizaacuteveisprecisamente atraveacutes da exclusatildeo Isto quer dizer que o natildeo-idecircnticopor seu lado deve ser concebido como o Excluiacutedo da totalidadeconcreta de certo modo material e por isso mesmo jaacute sempre tambeacutemcomo o Incluiacutedo porque co-constitutivo Por isso trata-se tambeacutem depocircr em questatildeo os conceitos marxistas anteriores
Por outras palavras Holloway tenta traduzir o pensamento de Adornoprecisamente no Jargatildeo da Autenticidade por este justamentedetestado completamente no sentido do Zero ou Um da loacutegica daidentidade os quais jaacute correspondem sempre a esta loacutegica no sentidode oposiccedilatildeo aparente Tambeacutem Lukaacutecs apesar de ter tido em vista dealgum modo o ldquoresto natildeo reificaacutevelrdquo acaba em uacuteltima instacircncia por serreduzido unilateralmente ao sabichatildeo intelectual orientado pelo partidoObviamente por maioria de razatildeo Adorno eacute viacutetima do ressentimentoanti-intelectual de Holloway Em Holloway exactamente ao contraacuterio dePostone a resistecircncia (virada contra Adorno) natildeo vem dascontradiccedilotildees imanentes de estruturas objectivas e da sua dinacircmicamas (por maioria da razatildeo contra Adorno) de uma dimensatildeoontologizada do ldquofazerrdquo do quotidiano e da praacutexis dimensatildeo que nofundo natildeo deve ter nada a ver com o capitalismo
E continuaraacute dizendo
O ldquonatildeo-idecircnticordquo em Adorno natildeo eacute pura e simplesmente ldquoo que estaacuteforardquo sem mais Pelo contraacuterio ele por sua vez corresponde muitomais ao niacutevel das forccedilas produtivas ou seja a uma determinadaconfiguraccedilatildeo da ldquototalidade substancialrdquo na eacutepoca fordista Palavras-chave aqui satildeo as jaacute referidas expansatildeo da actividade do Estadomaior aplicaccedilatildeo da ciecircncia agrave produccedilatildeo processos de racionalizaccedilatildeo eburocratizaccedilatildeo integraccedilatildeo da classe trabalhadora no sentido dedireitos de participaccedilatildeo constituiccedilatildeo das novas classes meacutedias natildeoem uacuteltimo lugar tendo como pano de fundo o deslocamento doparadigma da produccedilatildeo para o paradigma do consumo a que se ligavauma diferenciaccedilatildeo dos estilos de vida e dos universos de vida nosplanos socioculturais e soacutecio-histoacutericos da totalidade Postone concebeeste contexto principalmente no plano das categorias econocircmicasainda que agrave semelhanccedila de Lukaacutecs pretenda entendecirc-las num sentidoabrangente (por exemplo elas satildeo simultaneamente formas depensar)
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Perante o pano de fundo destes desenvolvimentos natildeo apenaseconocircmicos tambeacutem natildeo eacute de admirar a explosatildeo de teorias poacutes-modernas e poacutes-estruturalistas da diferenccedila nos uacuteltimos anos Opensamento da diferenccedila do ambivalente do contraditoacuterio de certomodo do natildeo-idecircntico tornou-se de facto programa contudo semrecorrer de modo nenhum agrave forma constitutiva fundamental nem agravetotalidade social concreta A constelaccedilatildeo das diferenccedilas era agora umobjecto esfarrapado com o fundamento teoacuterico geral da cultura dasociedade da linguagem e do discurso quase como substituto datotalidade (SCHOLZ 2009 visualizado em 04062018)
Fora a grande carga emocional na confecccedilatildeo de criacutetica a Holloway agrave
ldquofalta da totalidade concretardquo eacute a que mais atinge a Holloway se natildeo no sentido
que os economicistas ou criacutetica do valor (que tem esse nome porque procura
exaurir a interpretaccedilatildeo acerca do fetichismo da mercadoria de Marx) pretendem
mas no sentido descrito acima de se analisar como a teoria das fraturas no
capitalismo natildeo responde agraves questotildees da totalidade Se substituirmos a questatildeo
suscitada pela pergunta como a teoria de Holloway a partir das fraturas no
capital pode atingir o todo capitalista e transformaacute-lo teremos o centro dessa
criacutetica em anaacutelise
A questatildeo que envolve os economicistas natildeo eacute uma negativa a critica
de Holloway mas sim sua verificaccedilatildeo de que a luta de classes natildeo tem mais
sentido nos dias de hoje
Nesse sentido Robert Kurz (1973-2012) disse
Na terceira revoluccedilatildeo industrial esta contradiccedilatildeo agrava-se O capitaldestroacutei a sua proacutepria base num movimento de tenaz Por um ladoaumentam as aacutereas que aparecem na reproduccedilatildeo do capital total comocustos mortos Por outro lado a revoluccedilatildeo micro-electrocircnica faz comque encolha como nunca o nuacutecleo de produccedilatildeo de capital da produccedilatildeoindustrial A marginalizaccedilatildeo do proletariado fabril eacute idecircntica agrave crisecapitalista fundamental de novo tipo Eacute verdade que atraveacutes deprivatizaccedilatildeo os sectores puacuteblicos secundaacuterios podem sertransformados formalmente em capital comercial embora uma vez quedesta forma o seu caraacutecter economicamente derivado natildeo muda elessatildeo ao mesmo tempo reduzidos e directamente destruiacutedos Ao natildeopoder manter o grau de entrelaccedilamento atingido o capital dissocializaa sociedade O resultado eacute uma sociologia de crise de desempregadosem grande escala e beneficiaacuterios de rendimento miacutenimo garantido deestabelecidos fictiacutecios e empresas de miseacuteria de matildees solteiras ejobhopers flexibilizados etc ateacute para laacute da queda do Terceiro Mundona economia de subsistecircncia primitiva e na economia de pilhagem
40
Nesta crise revela-se tambeacutem o caraacutecter da concorrecircncia que jaacute estaacuteinerente ao proacuteprio conceito de capital Natildeo soacute concorre o trabalhocontra o capital mas igualmente trabalho contra trabalho capital contracapital ramo contra ramo naccedilatildeo contra naccedilatildeo e actualmente tambeacutemlocalizaccedilatildeo contra localizaccedilatildeo bloco econocircmico contra blocoeconoacutemico homem contra mulher indiviacuteduo contra indiviacuteduo ateacutecrianccedila contra crianccedila A luta de classes estaacute dissolvida como parteintegrante deste sistema da concorrecircncia universal e tem-se reveladocomo mero caso especial desta que de modo algum conseguetranscender o capital Pelo contraacuterio num baixo niacutevel dedesenvolvimento ela foi directamente a sua forma de movimentoimanente quando ainda se tratava de reconhecer os proletaacuterios fabriscomo sujeitos civis neste sistema Para poder concorrer tem de se agirnas mesmas formas comuns O capital e o trabalho satildeo no fundodiferentes estados de agregaccedilatildeo de uma mesma substacircncia social Otrabalho eacute capital vivo e o capital eacute trabalho morto A nova crise poreacutemconsiste precisamente no facto de que atraveacutes do desenvolvimentocapitalista a proacutepria substacircncia do trabalho abstracto eacute derretidacomo base de produccedilatildeo de capital
Assim a noccedilatildeo da luta de classes perde a sua luminiscecircnciametafiacutesica aparentemente transcendente Os novos movimentos jaacutenatildeo podem definir-se a si proacuteprios objectivistica e formalmenteatraveacutes de uma ontologia do trabalho abstracto e atraveacutes da suaposiccedilatildeo no processo produtivo Eles podem definir-se apenas peloconteuacutedo atraveacutes daquilo que querem Nomeadamente o que queremimpedir a destruiccedilatildeo da reproduccedilatildeo social atraveacutes da falsaobjectividade dos constrangimentos formais capitalistas E o quequerem ganhar como futuro o emprego racional comum das forccedilasprodutivas alcanccediladas de acordo com as suas necessidades em vezde conforme os criteacuterios doidos da loacutegica capitalista A sua comunidadejaacute soacute pode ser a comunidade da fixaccedilatildeo emancipatoacuteria do objectivo enatildeo a comunidade de uma objectivaccedilatildeo definida pela proacutepria relaccedilatildeodo capital A teoria ainda tem de encontrar um conceito para aquilo quea praacutetica jaacute estaacute a executar tacteando no escuro Soacute entatildeo os novosmovimentos podem tornar-se radicalmente criacuteticos de capitalismo deuma maneira tambeacutem nova para laacute do velho mito da luta de classes(KURZ 2003 visualizado em 04062018)
Ao falar do movimento para laacute da Luta de classes Kurz estaacute
apontando para o fato de que em sua visatildeo a luta de classes existe natildeo como
um fator decisivo para o fim do capitalismo mas sim como um caso especial
deste natildeo tendo portanto um potencial transformador como outros filoacutesofos
entenderam no comeccedilo do seacuteculo XX e como tambeacutem eacute interpretada pelos
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politicistas muito embora a maneira como esses veem a luta de classes seja
substancialmente diferente do que foi primeiramente analisado no iniacutecio do
seacuteculo XX
Inexistindo a luta de classes no sentido fundamental de potencial
transformador para fora do sistema capitalista natildeo se pretende dizer que o
capitalismo seria eterno mas sim que o segredo para seu final estaacute em suas
proacuteprias engrenagens Anaacutelises sobre o que seria a ldquouacuteltima criserdquo do capitalismo
pretendem demonstrar que ele natildeo eacute autossustentaacutevel e que seu proacuteprio
funcionamento levaria a seu colapso Parte-se da anaacutelise das uacuteltimas grandes
crises do capitalismo e chega-se a conclusatildeo de que natildeo haacute movimento social
revolucionaacuterio que se conceitue como ldquoluta de classesrdquo capaz de criar essa
ruptura com o sistema atual
Anselm Jappe ao tratar da questatildeo da funccedilatildeo do papel das vamos
chamar assim ldquofraturasrdquo na transformaccedilatildeo social veraacute utilidade em sua
formaccedilatildeo poreacutem natildeo sem deixar de questionar suas limitaccedilotildees para ele haacute
uma negatividade necessaacuteria poreacutem natildeo eacute possiacutevel predizer se essa
negatividade seraacute capaz de seguir ateacute o limite com a superaccedilatildeo do capitalismo
na verdade ela se apresenta como uma forma de resistecircncia
A praacutetica deve ser reinventada mas sem ceder agrave injunccedilatildeo de ldquofazeralguma coisa e imediatamenterdquo e sempre empurra agrave reediccedilatildeo deformas jaacute vistas e jaacute abortadas O verdadeiro problema consiste noconfinamento geral ndash que eacute sobretudo mental ndash nas formas deexistecircncia fetichistas tanto em partidaacuterios quanto em presumidosadversaacuterios do sistema da mercadoria Lutar para romper essas formasancoradas em todas as cabeccedilas retirar do dinheiro e da mercadoriada concorrecircncia e do trabalho do Estado e do ldquodesenvolvimentordquo doprogresso e do crescimento seus ares de inocecircncia e de evidecircncia ndashtudo isso eacute da ordem dessas ldquolutas teoacutericasrdquo que se situam para aleacutemda oposiccedilatildeo petrificada entre ldquoteoriardquo e ldquopraacutexisrdquo Por que a anaacutelise daloacutegica da mercadoria ou do patriarcado seria ldquosomenterdquo teoriaenquanto que qualquer greve por salaacuterios ou qualquer manifestaccedilatildeo deestudantes que manifestem por uma universidade que os preparemelhor para um mercado de trabalho seriam considerados comoldquopraacutexisrdquo ou ldquopoliacuteticardquo
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Antes de agir os homens pensam e sentem e a maneira como agemderiva daquilo que pensam e sentem Mudar a maneira de pensar e desentir dos homens jaacute eacute uma forma de agir de praacutexis Uma vez que haacuteverdadeira clareza pelo menos para uma minoria acerca dos objetivosdo agir a realizaccedilatildeo pode vir muito raacutepido Basta pensar em maio de1968 que chegou aparentemente como uma surpresa mas que forapreparado silenciosamente por minorias clarividentes Emcontrapartida jaacute se viu com frequecircncia ndash e mais do que nunca narevoluccedilatildeo russa ndash aonde podem levar as maiores ocasiotildees de agirquando falta uma verdadeira clareza teoacuterica preliminar Uma carezaque natildeo se desenrola necessariamente nos livros e nos coloacutequios masque deve estar presente nas cabeccedilas Em lugar de identificar a poliacuteticacomo as instituiccedilotildees puacuteblicas da sociedade mercantil pode-seidentificar a poliacutetica com a praacutexis em geral Mas natildeo se pode oporabstratamente essa praacutexis agrave teoria A teoria de que se trata aqui natildeo eacuteaquela que serve agrave praacutexis nem eacute a sua preparaccedilatildeo mas sim parteintegrante dela O fetichismo natildeo eacute um conjunto de falsasrepresentaccedilotildees ele eacute um conjunto das formas ndash tais como dinheiro ndashno qual a vida realmente se desenrola em uma sociedade capitalistaCada progresso na compreensatildeo teoacuterica assim como sua difusatildeo eacuteportanto em si mesmo um ato praacutetico
Eacute claro que isso natildeo eacute suficiente As formas futuras de praacutexis seratildeoseguramente bastante diversificadas e tambeacutem englobaratildeo lutasdefensivas no niacutevel da reproduccedilatildeo material (como aquelas contra aprecarizaccedilatildeo do trabalho e contra a destruiccedilatildeo do estado social) Sepor um lado eacute preciso romper com as ldquopoliacuteticasrdquo que soacute se propotildeem adefender os interesses sob a forma mercantil das categorias sociaisconstituiacutedas pela proacutepria loacutegica fetichista do tipo ldquopoder de comprardquopor outro lado continua sendo necessaacuterio impedir que odesenvolvimento capitalista devaste as bases de sobrevivecircncia degrandes camadas da populaccedilatildeo e gere novas formas de miseacuteria quesatildeo com frequecircncia devidas muito mais a exclusatildeo do que aexploraccedilatildeo ndash com efeito ser explorado se torna quase um privileacutegio emrelaccedilatildeo agrave massa daqueles que foram declarados ldquosupeacuterfluosrdquo porserem ldquonatildeo rentaacuteveisrdquo (ou seja natildeo utilizaacuteveis de uma maneira rentaacutevelna produccedilatildeo mercantil) Mas as reaccedilotildees dos ldquosupeacuterfluosrdquo satildeo muitodiversificadas e podem elas proacuteprias tender a barbaacuterie Ser viacutetima natildeodaacute nenhuma garantia de integridade moral Assim uma verdade impotildee-se mais do que nunca o comportamento dos indiviacuteduos diante dasvicissitudes da vida capitalista natildeo eacute um resultado mecacircnico de sualdquosituaccedilatildeo socialrdquo de seus ldquo interessesrdquo ou de sua proveniecircnciageograacutefica eacutetnica ou religiosa nem de seu gecircnero nem de suasorientaccedilotildees sexuais Diante da queda do capitalismo na barbaacuterie eacuteimpossiacutevel predizer a reaccedilatildeo de algueacutem Isso natildeo tem nada a ver comuma pretensa ldquoindividualizaccedilatildeordquo generalizada cujas maravilhas ossocioacutelogos natildeo param de louvar para natildeo ter que falar daestandardizaccedilatildeo que cresce por traacutes dela Mas as linhas fronteiriccedilas jaacutenatildeo satildeo mais aquelas criadas pelo desenvolvimento capitalista Domesmo modo que a barbaacuterie pode surgir em qualquer parte tanto nasescolas secundaacuterias finlandesas quanto nas favelas africanas tantoentre os bobos quanto entre os habitantes de periferia tanto entre os
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soldados high-tech quanto entre os insurgentes de matildeos vazias aresistecircncia agrave barbaacuterie e o impulso rumo agrave emancipaccedilatildeo social tambeacutempodem nascer por toda parte (embora com mais dificuldade) ateacutemesmo ali onde natildeo se esperava Se nenhuma categoria socialcorrespondeu agraves projeccedilotildees daqueles que procuravam o portador daemancipaccedilatildeo por outro lado sempre surgem de novo oposiccedilotildees agravescondiccedilotildees desumanas da vida sob o capitalismo Essa paisagem cheiade falsos amigos e de ajudas inesperadas constitui o campo de difiacutecilleitura nesse momento onde toda ldquorecomposiccedilatildeo poliacuteticardquo deve tomarposiccedilatildeo desde jaacute(JAPPE 2013 p 96ndash100)
Tais proposiccedilotildees prezam por uma priorizaccedilatildeo das questotildees
econocircmicas em relaccedilatildeo as questotildees poliacuteticas eacute de se dizer que natildeo eacute que
algumas delas natildeo verifiquem a existecircncia da luta de classes mas a observam
como algo que existe ou como caso especial ou como situaccedilatildeo extraordinaacuteria
reaccedilatildeo que natildeo pode estar atrelada ao que se prega de luta de classes tanto
no contexto da necessidade de se executar essa posiccedilatildeo ldquodesde jaacuterdquo quanto no
contexto de se colocar a luta de classes em contradiccedilatildeo do que foi feita no
comeccedilo do seacuteculo XX o que a torna na praacutetica quase inimaginaacutevel Isso
porque natildeo basta ser o afastamento teoacuterico quanto a luta de classes imaginada
no iniacutecio do seacuteculo XX o distanciamento da teoria da luta social dos politicistas
demonstra que os economicistas centram fogo nas questotildees econocircmicas na
reificaccedilatildeo das estruturas capitalistas e na generalizaccedilatildeo radical da forma de
mercadoria
Haacute que se observar que tanto os economicistas quanto os politicistas
observam em suas teorias as formas sociais Holloway concentra-se na
reificaccedilatildeo do trabalho tomando por objeto de transformaccedilatildeo a retomada do
trabalho Jappe toma como ponto de partida a reificaccedilatildeo da forma de mercadoria
e como ela se espalha inclusive no que se refere ao trabalho Todavia os
economicistas vatildeo aleacutem ateacute o ponto de a luta de classes ser absorvida por
essas reificaccedilotildees da forma mercadoria sendo agraves vezes caso especiacutefico dela
em outras vislumbra-se a possibilidade de que seja transposta para aleacutem das
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estruturas capitalistas sem necessariamente que consiga se atingir um vieacutes
transformador e mesmo quando isso se torna possiacutevel o caminho eacute longo e
aacuterduo
Para Holloway o grito de negatividade qualquer accedilatildeo tem potencial
transformador se generalizada quando unindo-se a outros gritos e conseguindo
cavar fendas mais fundas no capitalismo ateacute que esse acabe por se dissolver
Para Jappe alguns desses movimentos podem ter potencial anticapitalista se
conseguirem se manter longe das formas capitalistas natildeo passem pelo Estado
natildeo utilize das estruturas centrais do capitalismo natildeo podendo esse movimento
buscar essa transformaccedilatildeo agora porque isso inevitavelmente levaria a uma
recriaccedilatildeo daquilo que estaacute imediatamente agrave frente Desse modo esse
movimento depende de uma criacutetica que o antecede e que natildeo eacute a criacutetica
tradicional
Vecirc-se claramente que a diferenccedila de leituras em maior ou menor
grau levam a uma visatildeo bem diferente de como tratar o sistema capitalista
sem contudo deixar de se avaliar o peso das formas sociais dessa forma
ambas teorias trazem em si essa criacutetica que surge a partir do comeccedilo da deacutecada
de 1960 Essa leitura veio transformar o marxismo e fazer com que se afaste de
teorias com um conteuacutedo fortemente ideoloacutegico e passe a analisar a questatildeo
daquilo que monta nosso sistema atual mas nem sempre estaacute visiacutevel Sendo
assim ainda cabe uma pergunta onde se posiciona o papel do direito nessas
duas teorias
O direito eacute claramente identificado como uma forma social definida
natildeo autocircnoma que deriva da forma de mercadoria que por sua vez eacute o aacutetomo
da formaccedilatildeo do nosso sistema capitalista Ele tem papel fundamental na
estruturaccedilatildeo social de modo que ao mesmo passo que sustenta o Estado que
por sua vez torna possiacutevel a manutenccedilatildeo de uma igualdade formal tambeacutem eacute
estruturado por esse Estado ao passo que seus conteuacutedos podem ser variaacuteveis
mas sua forma natildeo A separaccedilatildeo entre Estado e indiviacuteduos que sustenta a
igualdade formal jaacute que para que ela exista eacute necessaacuterio um terceiro externo e
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superior que ldquoforcerdquo as partes a ser ldquoiguaisrdquo bem como o sujeito de direito
conceito que transforma as pessoas em detentoras de direitos e obrigaccedilotildees
esses natildeo deixam de existir O conteuacutedo de direitos e obrigaccedilotildees podem ser os
mais variados que vatildeo desde uma boa dose de liberdade o que pode ser
melhor visto em ambientes de capitalismo central ateacute ambientes onde o racismo
seja lei como na Aacutefrica do Sul em tempos de apartheid nada disso mudaraacute o
fato de que o Estado eacute superior agraves partes se impotildee pela lei fazendo uso da
violecircncia estatal e de que as pessoas satildeo portadoras de direitos e obrigaccedilotildees
Com isso quer se mostrar que por mais que exista diferenccedilas
importantes de pensamento sobre conceitos centrais como da luta de classes
que pode fazer tanto que se penda para um lado da balanccedila como para outro
que pode levar agrave radicalizaccedilatildeo do politicismo ou agrave exacerbaccedilatildeo do
economicismo que deixa pouco ou nenhum espaccedilo para a accedilatildeo poliacutetica ou por
fim mesmo que a linha utilizada conjugue os esforccedilos de ambas as partes
como de certa forma propotildeem a teoria da derivaccedilatildeo do Estado o fio condutor
do novo marxismo eacute a visatildeo que parte das formas sociais para chegar onde o
desenvolvimento teoacuterico permite
A presente pesquisa se fixaraacute nessa corrente de pensamento como
base do desenvolvimento do pensamento que se segue deixando-se registrado
contudo o diaacutelogo necessaacuterio com as demais correntes do pensamento atual
natildeo necessariamente da corrente marxista
115 Tangentes ao novo marxismo
A contemporaneidade eacute marcada pela grande quantidade de ldquotudordquo
que nos cerca Eacute no agora que o mundo vive no momento presente haacute menos
filtros mais interaccedilatildeo direta entre as pessoas e aquilo que se realiza Eacute no hoje
que os movimentos sociais se desenvolvem no presente que os artistas fazem
seus trabalhos O que se seguiraacute que sobreviveraacute ao filtro histoacuterico quem teraacute
sua obra repercutindo no tempo e quem seraacute esquecido ou apagado natildeo eacute
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possiacutevel que se verifique enquanto vivemos o momento da criaccedilatildeo Na arte na
filosofia nos movimentos sociais onde quer que seja que se observe o nuacutemero
seraacute aparentemente maior do que entraraacute para histoacuteria Quantos pintores
existiam na eacutepoca do renascimento que natildeo chegaram ao estrelato Quantos
bosquejos criacuteticos ao mundo natildeo foram escritos e nunca chegaram a ser
chamados de filosofia Quantas muacutesicas compostas e ldquodeixadasrdquo em seu
tempo
Natildeo eacute possiacutevel nem honesto intelectualmente tentar prever o que
resistiria a seu tempo poreacutem eacute possiacutevel falar que o nosso momento de filosofia
ldquocriacuteticardquo natildeo escapa ao que foi dito acima Muitos escritos satildeo feitos baseados
na vivecircncia e nas experiecircncias atuais que se tem alguns aparentemente
importantes se natildeo para ser a leitura que passaraacute ao seu tempo mas
certamente marcando sua eacutepoca Eacute certo ainda que nosso tempo eacute marcado
por um acuacutemulo muito maior de informaccedilotildees que eacutepocas mais distantes na
histoacuteria a revoluccedilatildeo tecnoloacutegica trouxe consigo essa situaccedilatildeo da explosatildeo de
informaccedilotildees que vivemos com isso quer se dizer que em que pese seja
possiacutevel que se aumente exponencialmente o nuacutemero de teorias desenvolvidas
por conta das facilidades tecnoloacutegicas isso natildeo se traduz em dizer que um
maior nuacutemero delas sobreviveraacute ao tempo
Assim considerando-se esses fatores faz-se necessaacuteria anaacutelise de
outras vertentes por mais que nossos caminhos se aproximem mais destas ou
daquelas
Ateacute o presente momento foi feita anaacutelise quanto a momentos
histoacutericos do marxismo e sua separaccedilatildeo do momento atual o novo marxismo
Com isso pretendeu-se observar os motivos que levam agrave necessaacuteria separaccedilatildeo
teoacuterica entre os momentos Ainda lastreando esse pensamento e ligando ao
passo seguinte eacute necessaacuterio ressaltar que haacute uma importante diferenccedila de
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visatildeo a depender do prisma que se observa a situaccedilatildeo eacute o que Slavoj Zizek
(1949 - ) chamou de visatildeo do paralaxe26
Os diferentes pontos de partidas (economicismo ou politicismo) levam
a diferentes acepccedilotildees da realidade contemporacircnea sem que necessariamente
uma exclua a outra natildeo eacute uma tentativa de unificaccedilatildeo das teorias de modo a
simplesmente compocirc-las eacute na realidade dizer que eacute improdutivo e impossiacutevel
26 - Paralaxe eacute uma dimensatildeo fiacutesica que representa a variaccedilatildeo de observaccedilatildeo entre dos corposcelestes que devido a distacircncia de onde se observa pode mudar toda a percepccedilatildeo sobre oobjeto Zizek usaraacute dessa metaacutefora para revelar uma grande questatildeo que envolve as diferenccedilasde observaccedilatildeo no marxismo ldquoNo entanto a principal paralaxe marxista natildeo eacute aquela entreeconomia e poliacutetica entre a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo com sua loacutegica de mercadorias e aluta poliacutetica com sua loacutegica de antagonismos de classe Ambas as loacutegicas satildeoldquotranscendentaisrdquo natildeo meramente onto-empiacutericas e as duas satildeo irredutiacuteveis uma agrave outra Eacuteclaro que apontam entre si ndash a luta de classes estaacute inserida no proacuteprio coraccedilatildeo da economiamas tem de permanecer ausente natildeo-tematizada (basta lembrar de como o manuscrito doterceiro volume de O capital abandona de repente as classes) Mas esse mesmo envolvimentomuacutetuo eacute distorcido de modo que impede todo contato direto entre elas Qualquer traduccedilatildeo diretada luta poliacutetica em mero reflexo dos ldquointeressesrdquo econocircmicos estaacute fadada a falhar assim comoqualquer reduccedilatildeo da esfera econocircmica numa sedimentaccedilatildeo ldquoreificadardquo secundaacuteria de umprocesso poliacutetico baacutesico subjacenteNesse sentido a ldquopoliacutetica purardquo de Badiou Ranciegravere e Balibar mais jacobina do que marxistadivide com seu grande adversaacuterio os Estudos Culturais anglosaxotildees a degradaccedilatildeo da esfera daeconomia Ou seja o que pretendem todas as novas teorias francesas (ou de orientaccedilatildeofrancesa) da poliacutetica de Balibar a Laclau e Mouffe passando por Ranciegravere e Badiou eacute ndash usandotermos filosoacuteficos tradicionais ndash a reduccedilatildeo da esfera da economia (da produccedilatildeo material) a umaesfera ldquoocircnticardquo privada de dignidade ldquoontoloacutegicardquo Dentro desse horizonte simplesmente natildeo haacutelugar para a ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo marxista a estrutura do universo das mercadorias e docapital em O capital de Marx natildeo eacute apenas aquela de uma esfera empiacuterica limitada e sim umtipo de sociotranscendental a priori a matriz que gera a totalidade das relaccedilotildees sociais epoliacuteticas A relaccedilatildeo entre economia e poliacutetica eacute em uacuteltima instacircncia aquela do conhecidoparadoxo visual dos ldquodois rostos ou um vasordquo ou se vecircem os rostos ou o vaso nunca as duascoisas ao mesmo tempo eacute preciso optar Do mesmo modo podemos nos concentrar no poliacuteticoreduzindo o domiacutenio da economia ao ldquofornecimento de bensrdquo empiacuterico ou no econocircmicoreduzindo a poliacutetica a um teatro de aparecircncias um fenocircmeno passageiro que desapareceraacute coma chegada de uma sociedade comunista (ou tecnocraacutetica) desenvolvida na qual comoexplicaram Saint-Simon e Engels o ldquogoverno do povordquo daacute lugar ao ldquogoverno das coisasrdquoA criacutetica ldquopoliacuteticardquo do marxismo ndash a alegaccedilatildeo de que quando se reduz a poliacutetica a umaexpressatildeo ldquoformalrdquo de algum processo socioeconocircmico ldquoobjetivordquo subjacente perde-se aabertura e o constitutivo contingencial do proacuteprio campo poliacutetico ndash deveria ser assimcomplementada com seu anverso o campo da economia eacute em sua proacutepria forma irredutiacutevel agravepoliacutetica Eacute essa realidade do econocircmico como forma determinante do social que os ldquopoacutes-marxistas poliacuteticosrdquo franceses deixam de ver quando reduzem a economia a uma das esferassociais positivasA ideacuteia baacutesica da visatildeo em paralaxe eacute portanto que o proacuteprio isolamento produz seu objeto Aldquodemocraciardquo como forma soacute surge quando se isola a textura das relaccedilotildees econocircmicas assimcomo a loacutegica inerente do aparelho poliacutetico de Estado ndash ambas tecircm de ser abstraiacutedas para queas pessoas efetivamente incorporadas aos processos econocircmicos e sujeitas aos aparelhos deEstado sejam reduzidas a agentes eleitorais individuais O mesmo tambeacutem serve para a ldquoloacutegica
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reduzir a poliacutetica agrave economia e vice-versa nas teorias marxistas Toda tentativa
feita desta forma falharaacute por isso que a criacutetica dos economicistas falha em
analisar Holloway assim como a criacutetica de Holloway falha em analisar os
economicistas cada qual busca criticar o outro grupo em suas proacuteprias bases
Ao analisarmos outras caracteriacutesticas da nossa sociedade pelos olhos
de outras vertentes em uma anaacutelise criacutetica poder-se-ia dizer que elas tendem a
uma das duas fronteiras apontadas por Zizek mesmo que natildeo se declarem de
tal forma muito menos com inclinaccedilotildees marxistas
A contemporaneidade tambeacutem eacute o terreno feacutertil onde
simultaneamente ou quase simultaneamente surgem outros pensamentos que
tangenciam essas vertentes marxistas Podemos agrupar essas tentativas em
vertentes identitaacuterias vertentes estruturalistas e vertentes poacutes estruturalistas O
que tem de mais importante a se ressaltar no momento eacute que elas coexistem no
sentido temporal e muitas vezes tambeacutem disputam os mesmos espaccedilos de
ideias Embora esse agrupamento de ideias se decirc de alguma maneira arbitraacuteria
eacute melhor analisar o conjunto do que se seguiraacute pela frente
1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
De maneira direta podemos definir como estruturalismo uma forma
de pensamento compartilhada por algumas ciecircncias sociais que busca explicar o
mundo a partir das estruturas que em tese lhe datildeo forma O poacutes-estruturalismo
da dominaccedilatildeordquo da maneira como todos satildeo controlados ou manipulados pelos aparelhos desujeiccedilatildeo para discernir esses mecanismos de poder eacute preciso abstrair-se natildeo soacute do imaginaacuteriodemocraacutetico (como faz Foucault em suas anaacutelises da microfiacutesica do poder e Lacan em suaanaacutelise do poder no ldquoSeminaacuterio XVIIIrdquo) mas tambeacutem do processo de (re)produccedilatildeo econocircmicaFinalmente a esfera da (re)produccedilatildeo econocircmica tambeacutem soacute surge quando se isolametodologicamente a existecircncia concreta da ideologia poliacutetica e do Estado natildeo surpreende quetantos criacuteticos de Marx se queixem de que falta agrave sua ldquocriacutetica da economia poliacuteticardquo uma teoria dopoder e do Estado Eacute claro que a armadilha a ser evitada aqui eacute a ideacuteia ingecircnua de que se devater em vista a totalidade social da qual a ideologia democraacutetica o exerciacutecio do poder e osprocessos da (re)produccedilatildeo econocircmica satildeo meras partes Quando se tenta manter tudo isso emvista ao mesmo tempo acaba-se natildeo vendo nada ndash seus contornos desaparecem Esseisolamento natildeo eacute um mero procedimento epistemoloacutegico ele responde ao que Marx chamou deldquoabstraccedilatildeo realrdquo ndash uma abstraccedilatildeo do poder e das relaccedilotildees econocircmicas que estaacute inserida naproacutepria realidade do processo democraacutetico e assim por dianterdquo (ZIZEK 2006 p 183184)
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por sua vez natildeo se distingue do estruturalismo por se opor a ele mas sim por
radicalizar suas premissas
Pelo fato de um nuacutemero crescente de historiadores estarem tomandoconsciecircncia dessa ilusatildeo pelo fato de que se torna cada vez maisdifiacutecil aceitar a pretensatildeo de cientificidade da historiografiacontemporacircnea pelo reconhecimento do parentesco entre Histoacuteria eficccedilatildeo a disciplina histoacuterica encontra-se atualmente frente a umaprofunda crise epistemoloacutegica Procurando refletir sobre esta crisemuitos historiadores tecircm buscado estabelecer um diaacutelogo com aFilosofia e a teoria literaacuteria especialmente com referecircncia a autorespoacutes-estruturalistas
Como o proacuteprio nome indica o poacutes-estruturalismo se coloca comotentativa de superaccedilatildeo do estruturalismo uma corrente depensamento na ala humanista da academia que nasceu da linguiacutesticae desabrochou na Franccedila principalmente nos anos 60 Mais do queuma escola o estruturalismo constituiu-se como um conjunto deprinciacutepios identificaacuteveis em diversas aacutereas na Linguiacutestica comSaussure na Antropologia com Leacutevi-Strauss na Psicologia comPiaget e Lacan na Filosofia com Althusser etc Basicamente oestruturalismo e de modo especial o estruturalismo francecircsposicionava-se contra o humanismo e o historicismo caracteriacutesticos daFilosofia existencialista francesa De acordo com os estruturalistas oser humano natildeo estava condenado a ser livre como dizia SartrePelo contraacuterio o comportamento humano seria na oacutetica estruturalistadeterminado por estruturas das quais raramente nos damos contaAutores diferentes eacute claro tendiam a identificar as estruturas em suasproacuteprias aacutereas de atuaccedilatildeo Mas em todo o caso permanecia a ideia deque a iniciativa humana seria limitada pelas estruturas ndash linguiacutesticasmentais econocircmicas etc ndash nas quais nos achamos inseridosSaussure por exemplo estudou a langue isto eacute a liacutengua um conjuntode siacutembolos regidos por uma seacuterie de convenccedilotildees e praticada por umacomunidade linguiacutestica de modo aparentemente natural Leacutevi-Straussdedicou-se agrave anaacutelise das culturas humanas que supostamentedeterminariam o que seus membros podem ou natildeo pensar econsequentemente o que podem ou natildeo fazer Althusser estudou asociedade como um todo estruturado buscando superar noccedilotildeesultrapassadas de causalidade A ideia de homem como um agente livree consciente de transformaccedilatildeo histoacuterica era denunciada pelos teoacutericosestruturalistas como mera ilusatildeo
O poacutes-estruturalismo distingue-se do estruturalismo que o precedeunatildeo propriamente por negar suas premissas mas por levaacute-las agraves suasuacuteltimas consequumlecircncias Se nossos modos de pensar e agir satildeocondicionados por estruturas inconscientes entatildeo a proacutepria abordagemestruturalista em ciecircncias humanas natildeo eacute outra coisa senatildeo umaresposta loacutegica agraves estruturas imanentes agrave cultura ocidentalcontemporacircnea Neste sentido natildeo haveria ponto de vista privilegiado
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natildeo haveria abordagem objetiva e os teoacutericos estruturalistas aoempreenderem anaacutelises pretensamente objetivas das realidadessociais que estudam acabam paradoxalmente criando as condiccedilotildeesque tornam possiacutevel negar a objetividade de suas proacuteprias conclusotildeesDe fato se natildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado porestruturas inconscientes entatildeo a proacutepria hipoacutetese estruturalista de quenatildeo haacute pensamento que natildeo seja determinado por estruturasinconscientes eacute ela proacutepria determinada por estruturas inconscientesO estruturalismo frente agrave criacutetica poacutes-estruturalista poderia ser destemodo comparado ao paradoxo do cretense que jura dizer a verdade aoafirmar que todos os cretenses sempre mentem O poacutes-estruturalismotem conquistado flancos nas mais diversas disciplinas em ciecircnciashumanas mas assim como ocorreu com o estruturalismo que oprecedeu sua recepccedilatildeo no campo da historiografia tem sido marcadapela suspeita e pela reticecircncia E natildeo eacute para menos Sua resposta aoeterno dilema dos historiadores situados a meio caminho entre ciecircnciae arte eacute a de que estes abandonem de uma vez toda pretensatildeo decientificidade e assumam que a Histoacuteria eacute na verdade um gecircneroliteraacuterio Do contraacuterio a ciecircncia histoacuterica estaraacute condenada aperambular eternamente agrave sombra de seu Outro (VASCONCELOSRAGO GIMENES 2014 p 106108)
Entre as leituras estruturalistas podemos destacar Michel Foucault
(1926 ndash 1984) Claude Leacutevi-Strauss (1908-2009) e Jacques Lacan (1901 ndash
1981)
Foucalt busca dentre outras ideias que compotildeem seu pensamento
analisar o poder que atravessa a sociedade de forma que verificaraacute sua
extensatildeo e como interage com as pessoas como se espalha na sociedade e
como esse poder impacta nas mentes e ateacute mesmo no corpo das pessoas o
que chamaraacute de biopoder
Sobre o conhecimento em momento anterior a essa anaacutelise sobre o
poder diraacute que
Eis pois os signos libertos de todo esse fervilhar do mundo onde oRenascimento os havia outrora repartido Estatildeo doravante alojados nointerior da representaccedilatildeo no interstiacutecio da ideacuteia nesse tecircnue espaccediloonde ela joga consigo mesma decompondo-se e recompondo-seQuanto agrave similitude soacute lhe resta agora sair do domiacutenio doconhecimento Eacute o empiacuterico sob sua mais rude forma jaacute natildeo podemosldquoolhaacute-la como fazendo parte da filosofiardquo a menos que seja
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desvanecida na sua inexatidatildeo de semelhanccedila e transformada pelosaber numa relaccedilatildeo de igualdade ou de ordem E todavia para oconhecimento a similitude eacute uma indispensaacutevel moldura Pois umaigualdade ou uma relaccedilatildeo de ordem natildeo pode ser estabelecida entreduas coisas senatildeo quando sua semelhanccedila tenha sido ao menos aocasiatildeo de comparaacute-las Hume colocava a relaccedilatildeo de identidade entreaquelas ldquofilosoacuteficasrdquo que supotildeem a reflexatildeo jaacute a semelhanccedilapertencia para ele agraves relaccedilotildees naturais agravequelas que constrangemnosso espiacuterito segundo uma ldquoforccedila calmardquo mas inevitaacutevel ldquoQue ofiloacutesofo se arrogue a precisatildeo quando queirahellip ouso contudo desafiaacute-loa dar um soacute passo em sua carreira sem a ajuda da semelhanccedila Quese lance um olhar sobre a face metafiacutesica das ciecircncias mesmo asmenos abstratas e que me digam se as induccedilotildees gerais que se tiramdos fatos particulares ou antes se os proacuteprios gecircneros as espeacutecies etodas as noccedilotildees abstratas podem formar-se de outro modo senatildeo pormeio da semelhanccedilardquo Na orla exterior do saber a similitude eacute essaforma somente esboccedilada esse rudimento de relaccedilatildeo que oconhecimento deve recobrir em toda a sua extensatildeo mas queindefinidamente permanece por sob ele agrave maneira de umanecessidade muda e indeleacutevel (FOUCAULT 2000 p 9293)
Vecirc-se que o autor tem um pensamento voltado aos pontos
estruturantes da sociedade ainda que tente delas escapar ou negaacute-las
Contudo o momento da formaccedilatildeo do pensamento de Foucault eacute simultacircneo ao
momento em que comeccedila se desenvolver o pensamento da teoria marxista da
regulaccedilatildeo que seraacute fundamental e decisiva para a formaccedilatildeo do ldquonovo
marxismordquo
Tanto Foucalt quanto a teoria da regulaccedilatildeo francesa analisam coisas
semelhantes em momentos semelhantes a anaacutelise do poder Como se
estrutura e como perpassa pelas pessoas eacute uma questatildeo cara a cada um
desses lados as diferenccedilas de observaccedilatildeo se datildeo mais no sentido de como se
analisa as questotildees mais profundas no sentido daquilo que constroacutei o proacuteprio
poder do que propriamente do objeto analisado Foucault buscou a anaacutelise do
poder e natildeo chegou a concepccedilatildeo mais profunda do que o cria nem por isso sua
anaacutelise de como o poder se espalha na sociedade deixa de ser interessante e
profunda desta feita fica claro que o momento e as situaccedilotildees exploradas satildeo
como se pode bem observar comuns as pessoas que as estudam natildeo deixando
margem para que se tome como paradigma que as questotildees analisadas sejam a
principal divergecircncia entre os diferentes interlocutores
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Embora natildeo se pronunciasse como marxista Foucault carrega
grandes semelhanccedilas bem como algumas diferenccedilas jaacute apresentadas A anaacutelise
que faz do poder coloca as pessoas sujeitas ao poder natildeo soacute Estatal mas
tambeacutem os que perpassam as relaccedilotildees particulares que formam uma rede
(estrutura) e atravessa as pessoas determinando-as de certa forma Esse
poder natildeo estaacute somente contido no Estado e no Direito embora esses sejam
sim dois dos mais importantes na visatildeo do autor Compotildee entatildeo esse caldo
social que figura ali nas franjas da contemporaneidade em conjunto com a
anaacutelise que busca fazer o novo marxismo
Leacutevi-Strauss antropoacutelogo e considerado fundador da antropologia
estruturalista comeccedilou no final da deacutecada de 1940 suas publicaccedilotildees que
redundariam em sua grande inserccedilatildeo na vida acadecircmica Suas obras ganhariam
destaque por romper com conceitos que eram estabelecidos ateacute essa eacutepoca
desenvolveu trabalhos por exemplo estudando indiacutegenas27 e questionando as
bases em que o conhecimento sobre eles se dava ateacute aquele momento rompia
com a visatildeo que dizia cada homem pertencer ao ambiente e meio a que
pertence por conta de sua origem teve nesse historicismo uma referecircncia inicial
que buscou negar durante sua vida
Da mesma forma que Foucault Leacutevi-Strauss tambeacutem rompe com
conceitos de sua eacutepoca e estuda temas que seratildeo objeto de pesquisa do ldquonovo
marxismordquo estaria o homem posto por uma questatildeo natural (de nascimento
origem) no local (local aqui tambeacutem entendido como social) ou seria esse
homem uma construccedilatildeo da sociedade regido por alguma forma de sociabilidade
que define natildeo sua origem mas seu destino Como se define essa situaccedilatildeo e a
quem cabe questionaacute-la se eacute possiacutevel
O mito do ldquohomem selvagemrdquo serviu por muito tempo como
justificativa para agressotildees das mais variadas formas contra os indiacutegenas se
esses natildeo satildeo considerados pessoas se no fim das contas satildeo tidos como
inferiores por aqueles que deteacutem alguma forma de vantagem social sobre eles
27 - (LEVI-STRAUSS 1976)
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isso poderia resultar nos mais variados tipos de exploraccedilatildeo e de agressatildeo
desde a escravidatildeo propriamente dita ateacute outras formas variadas de exploraccedilatildeo
a um povo tido como inferior
Com isso quer se dizer que Leacutevi-Strauss rompe um importante ciclo e
serviu de referecircncia para muitas pessoas que vieram a seguir seja para criticaacute-
lo porque em seus textos ainda eacute possiacutevel verificar alguma coisa de
eurocentrismo mesmo quando fala de modo ineacutedito sobre os indiacutegenas
De qualquer maneira o debate estaacute estabelecido ainda que tenha
ingressado pouco antes do estabelecimento das teorias que redundaram na
formaccedilatildeo do marxismo contemporacircneo seu diaacutelogo eacute diretamente formado
pelos mesmos temas que lhes satildeo comuns de modo que perpassa os mesmos
assuntos e chega a conclusotildees diferentes por motivos semelhantes dos aqui jaacute
levantados sendo assim mostra-se mais uma vez o diaacutelogo entre o
estruturalismo e o marxismo que lhe eacute contemporacircneo
Por fim Lacan procurou revisar a leitura da filosofia e trazecirc-la para a
psicanaacutelise naquilo que foi possiacutevel Revisitou os mais variados filoacutesofos e
pensadores tentando fazer um panorama do pensamento que envolve a filosofia
Sua primeira e mais importante inspiraccedilatildeo foi Sigmund Freud (1856 ndash 1939) por
motivos oacutebvios A princiacutepio Lacan dissecou e modificou muitos mecanismos
freudianos na psicanaacutelise expocircs algumas fraquezas teoacutericas e recolocou seus
conceitos em um novo patamar
Lacan natildeo abandona a tradiccedilatildeo estruturalista porque assenta a
subjetividade humana em fatores dados e preacute-definidos sendo assim a
subjetividade eacute construiacuteda a partir de situaccedilotildees que o indiviacuteduo sozinho pode
desconhecer de modo que essas satildeo capazes ateacute mesmo de defini-lo em um
niacutevel muito especiacutefico que pode sequer chegar a ser exposto em sua superfiacutecie
Lacan traz assim a subjetividade para o campo do estruturalismo
Da mesma forma como os estruturalistas vistos acima Lacan dialoga
com o campo do ldquonovo marxismordquo porque embora natildeo apresente assim sua
mateacuteria no fim trabalha com situaccedilotildees que estatildeo para aleacutem do alcance das
54
pessoas e que acaba por condicionaacute-las As perguntas que ficam quando se
observa de fora o que Lacan propotildee eacute a subjetividade cria ou eacute criada As
pessoas e a sociedade satildeo condicionadas por essas formas ocultas de
pensamento e de criaccedilatildeo de desejos subconscientes ou a sociabilidade
capitalista tem participaccedilatildeo na criaccedilatildeo dessa forma especiacutefica de subjetividade
As perguntas permanecem por hora sem resposta porque o tema seraacute melhor
explorado no capiacutetulo que se seguiraacute
Como adiantado as tendecircncias do poacutes-estruturalismo natildeo estatildeo na
oposiccedilatildeo ao estruturalismo mas sim na radicalizaccedilatildeo de suas ideias Natildeo por
outro motivo algumas vezes o jaacute citado Foucault eacute visto como poacutes-estruturalista
(VASCONCELOS 2014) jaacute que algumas de suas ideias tem essa tendecircncia a
radicalizaccedilatildeo do modelo estruturalista
Outros que podem se encaixar nessa perspectiva satildeo Judith Butler
(1956 - ) e Gilles Deleuze (1925 ndash 1995) Aqui natildeo se pretende esgotar o tema
porque tambeacutem como dito a contemporaneidade eacute um momento onde muitas
reflexotildees simultacircneas surgem e essas se espalham das mais variadas formas
tanto Butler como Deleuze tecircm conceitos que caminham em consonacircncia com
as teorias marxistas que os cercam sem que exista uma ligaccedilatildeo essencial entre
eles
Butler parte da noccedilatildeo de identitarismo para formar o seu conceito
sobre a questatildeo de gecircnero Exploraraacute o assunto mas demonstraraacute que a
existecircncia de normas sociais podem influenciar na formaccedilatildeo do gecircnero
(femininomasculino)
As normas sociais satildeo capazes natildeo apenas de regular determinada
conduta sexual mas aleacutem disso serem capazes de influenciar diretamente na
formaccedilatildeo do gecircnero Tambeacutem vemos em Butler uma subjetividade que estaacute em
certa medida capturada pela sociabilidade que nos cerca Essa sexualidade natildeo
se expotildee e nem se cria livremente faz parte da normatividade do discurso que a
compotildee Tem-se portanto que Bulter tambeacutem caminha no mesmo sentido que
os demais acima expostos natildeo porque explore assuntos que sejam idecircnticos
55
aos capitulados mas sim porque sua exploraccedilatildeo tambeacutem parte da anaacutelise de
certas estruturas que estruturam ou ajudam a estruturar o indiviacuteduo O indiviacuteduo
natildeo estaacute dissociado do meio que vive pelo contraacuterio eacute composto por ele assim
como o compotildee
Deleuze criaraacute nesse cenaacuterio uma teoria sobre a formaccedilatildeo do
desejo que tambeacutem natildeo se constroacutei livremente sua perspectiva parte do ponto
de vista de que o ser natildeo eacute isolado do que o cerca mas sim influenciado e
influenciando os seus arredores Deleuze pretende analisar tambeacutem como a
construccedilatildeo da subjetividade implica no mundo e ateacute que ponto sofre o caminho
reverso sua construccedilatildeo do desejo se daraacute nesses termos
Os pontos comuns e mais importantes ateacute aqui satildeo que devemos
perceber que por mais que existam diferenccedilas teoacutericas importantes sobre os
autores acima citados ateacute pelo seu diferente campo de atuaccedilatildeo todos estatildeo
inseridos mais ou menos em um mesmo momento Ainda que entre alguns
exista uma certa distacircncia temporal seus conceitos atacam situaccedilotildees
semelhantes seja na formaccedilatildeo da subjetividade da identidade sexual da
capacidade de transpor conceitos trans histoacutericos da observaccedilatildeo e anaacutelise da
formaccedilatildeo do poder da atuaccedilatildeo do Estado ou do papel do direito todos esses
autores caminham no sentido de verificar a existecircncia de conceitos que de
alguma forma ditam modificam ou estruturam o comportamento das pessoas
no mais das vezes de forma imperceptiacutevel Conceitos esses que no novo
marxismo satildeo tratados como formas sociais que precedem os indiviacuteduos e tem
fator determinante sobre eles Como no caso do Estado do direito ou do
dinheiro temos ateacute grande dificuldade em imaginar viver sem quaisquer deles
As questotildees poliacuteticas satildeo tratadas quase que inevitavelmente em niacutevel de
Estado pensa-se em como reformar o Estado em como consertar suas
mazelas em como guiar esse Estado para que atenda a necessidade das
pessoas mas eacute ateacute muito difiacutecil conseguir pensar o que seria a sociabilidade
ldquopara forardquo desse Estado Assim como ele o dinheiro e o direito satildeo dados como
fatores preacute-definidos da sociedade O dinheiro eacute na forma capitalista como se
56
materializa a mercantilizaccedilatildeo do trabalho a troca do trabalho pelo dinheiro
iguala os trabalhos diferenciando-os apenas pelo seu valor que dependeraacute das
demandas do mercado e da oferta de matildeo de obra todavia quando essa troca
se daacute de forma generalizada formalmente o trabalho estaacute igualado Seraacute
atraveacutes do dinheiro que os diferentes participantes dessa relaccedilatildeo juriacutedica que se
estabelece pela compra e venda deste conseguiratildeo ter a possibilidade suprir
suas necessidades materiais baacutesicas ou criadas pela proacutepria sociabilidade
capitalista Seraacute pelo direito que essa estabilidade seraacute mantida e o meio pelo
qual as relaccedilotildees entre indiviacuteduos seratildeo tratadas
Diz-se possibilidade de satisfaccedilatildeo de suas necessidades porque a
depender do valor que o trabalho tenha no mercado concorrencial pode ser que
nem as necessidades baacutesicas aqui no sentido de garantias miacutenimas de
sobrevivecircncia sejam satisfeitas Isso de alguma forma seraacute transferido ao
proacuteprio indiviacuteduo como uma falta de capacidade preparaccedilatildeo etc voltando agrave
questatildeo do que constroacutei a subjetividade na sociedade capitalista
O indiviacuteduo natildeo estaacute sozinho e nem se manteacutem soacute por ele natildeo se
constroacutei a partir e exclusivamente de suas vontades antes sofre todo um
processo que o atravessa Antes de nascer jaacute tem caracteriacutesticas que bem
longe da concepccedilatildeo meramente bioloacutegica o constitui A depender do seu sexo
de que famiacutelia nasceraacute em que classe social viraacute o mundo e isso se desenvolve
por toda sua vida pode-se dizer inevitavelmente Esse tipo de relaccedilatildeo se daacute no
nosso tempo e eacute especiacutefica dele natildeo eacute dizer que outros tempos natildeo tiveram
suas formaccedilotildees especiacuteficas e sim cuidar de analisar as nossas de nosso
periacuteodo histoacuterico
Adiante passar-se-aacute a anaacutelise mais proacutexima da formaccedilatildeo da
subjetividade no capitalismo
57
2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
Psicanaacutelise marxismo dividem alguns dos mesmos espaccedilos no que
diz respeito a perspectiva de campo teoacuterico Assim como os movimentos
teoacutericos acima descritos sua caminhada ocorre no mesmo momento que as
descobertas do ldquonovo marxismordquo de modo que o campo explorado teraacute
fundamentaccedilotildees parecidas e resultados que poderatildeo variar de acordo com o
que se analisa e o meacutetodo que se utiliza Entre os momentos que a psicanaacutelise
se desenvolve destaca-se Lacan que buscaraacute aperfeiccediloar as teacutecnicas trazidas
por Freud ao mesmo que pretende levar a filosofia para o coraccedilatildeo de sua
pesquisa para tanto faz uma leitura de diversos momentos filosoacuteficos diferentes
e busca aproximaccedilatildeo com aquilo que considera valioso afastando o que
entende se afastar da leitura necessaacuteria a seu caminho na psicanaacutelise
Logo de saiacuteda Lacan considera a psicanaacutelise como a presenccedila do
sofista nos tempos atuais o sofista era um escravo que vendia seus serviccedilos e
assim procede o psicanalista que estaacute muito mais para o lado do escravo que
do senhor nessa relaccedilatildeo em que Lacan fixa sua visatildeo
No campo do marxismo Althusser seraacute o grande responsaacutevel pela
construccedilatildeo da ideologia aprofundando-se no que chamou de aparelhos
ideoloacutegicos do Estado Embora com oacuteticas diferentes jaacute que Lacan pretende o
avanccedilo e estudo sobre o indiviacuteduo e a construccedilatildeo do sujeito enquanto que a
caminhada de Althusser leva agrave verificaccedilatildeo da criaccedilatildeo e desenvolvimento de
formas sociais o que redundaraacute na reproduccedilatildeo automatizada de uma certa
forma de sociabilidade essas leituras se complementam e podem caminhar
juntas em certo niacutevel a criaccedilatildeo da consciecircncia coletiva reflete no indiviacuteduo e a
reciacuteproca eacute verdadeira sendo assim suas caracteriacutesticas precisam ser
analisadas de forma mais calma
58
21 Lacan e o objeto a e Althusser
O ponto central na teoria de Lacan estaacute centrada sobre a anaacutelise do
objeto da psicanaacutelise que chamou de ldquoobjeto ardquo
O ldquoobjeto ardquo consiste em primeiro momento em uma projeccedilatildeo que se
faz em outro indiviacuteduo quer dizer natildeo o que se vecirc em outro indiviacuteduo mas o
que se espera encontrar nele a partir da projeccedilatildeo feita (COSTA-MOURA
COSTA-MOURA 2011)
Lacan busca a partir dessa reflexatildeo observar o que significa essa
projeccedilatildeo e como ela atinge os indiviacuteduos em que medida seus reflexos satildeo
construtivos ou em que medida sua projeccedilatildeo gera frustraccedilatildeo e mazelas que
incidiratildeo sobre o indiviacuteduo
Em princiacutepio cabe dizer que o ldquoobjeto ardquo tem caraacuteter aprioriacutestico estaacute
posto independentemente do que mais lhe remonte agrave construccedilatildeo da
individualidade Enquanto Freud defendia que a frustraccedilatildeo se dava pelo natildeo
encontrar do outro pela ausecircncia de resposta agraves expectativas Lacan propotildee
que a frustraccedilatildeo se daacute a partir desse reflexo do que se espera encontrar natildeo do
natildeo encontro da ausecircncia do outro
A partir disso jaacute temos algumas perspectivas que satildeo importantes a
criaccedilatildeo de uma certa forma de subjetividade se daacute a partir de uma relaccedilatildeo
aprioriacutestica com um ser exterior essa relaccedilatildeo que natildeo eacute baseada exatamente
no outro mas na projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz desse outro O desenvolvimento
dessa questatildeo seraacute decisiva e fundamental em Lacan e permearaacute toda sua
teoria trazendo uma nova perspectiva sobre a formaccedilatildeo do sujeito
Ao passar pela filosofia marxista Lacan diraacute que a ldquoconsciecircncia
proletaacuteriardquo como resposta agrave questatildeo do porque de sua maior forccedila quando feita
teoria
Ainda que Lenin tenha escrito que A teoria de Marx eacute onipotenteporque eacute verdadeira ele deixa vazia a imensidatildeo da pergunta abertapor sua fala por quecirc supondo-se muda a verdade do materialismo emsuas duas faces que satildeo uma soacute dialeacutetica e histoacuteria por que seu
59
poder aumentaria ao ser feita sua teoria Responder com aconsciecircncia proletaacuteria e com a accedilatildeo do poliacutetico marxista natildeo nosparece suficiente (LACAN 1998 p 884)
O ponto aqui parece-nos de alguma forma mais uma vez voltar-se agrave
questatildeo proposta por Zizek quando disse de sua ldquovisatildeo do paralaxerdquo eacute possiacutevel
afirmar que as grandes diferenccedilas encontradas entre as teorias marxistas e
Lacan que o grande diferencial eacute uma questatildeo de perspectiva
Althusser ao analisar a questatildeo da formaccedilatildeo da ideologia concluiraacute
que os aparelhos ideoloacutegicos do Estado satildeo criadores e difundidores da
ideologia capitalista28 porque a ideologia se cria a partir da praacutetica natildeo o
contraacuterio Com isso satildeo as vivecircncias as experiecircncias que seratildeo responsaacuteveis
pela formulaccedilatildeo do que chamamos ideologia Ela natildeo surge do nada e se vira
para o nada pelo contraacuterio eacute a partir da vivecircncia nessa forma de sociabilidade
que as pessoas passam a tomar como reais certos constructos que residem no
28 - Dissemos ao falar dos aparelhos ideoloacutegicos de Estado e das praacuteticas destes que cada umdeles era a realizaccedilatildeo de uma ideologia (sendo a unidade destas diferentes ideologias regionais- religiosa moral juriacutedica poliacutetica esteacutetica etc - assegurada pela sua subsunccedilatildeo agrave ideologiadominante) Retomamos esta tese uma ideologia existe sempre num aparelho e na sua praacuteticaou suas praacuteticas Esta existecircncia eacute materialEacute claro que a existecircncia material da ideologia num aparelho e nas suas praacuteticas natildeo possui amesma modalidade que a existecircncia material de uma pedra ou de uma espingarda Mas ecorrendo o risco de nos chamarem neo-aristoteacutelicos (note-se que Marx tinha Aristoacuteteles emgrande conta) diremos que laquoa mateacuteria se diz em vaacuterios sentidosraquo ou melhor que ela existe sobdiferentes modalidades todas enraizadas em uacuteltima instacircncia na mateacuteria laquofiacutesicaraquoDito isto vejamos o que se passa nos laquoindiviacuteduosraquo que vivem na ideologia isto eacute numarepresentaccedilatildeo do mundo determinada (religiosa moral etc) cuja deformaccedilatildeo imaginaacuteriadepende da relaccedilatildeo imaginaacuteria destes indiviacuteduos com as suas condiccedilotildees de existecircncia isto eacuteem uacuteltima instacircncia com as relaccedilotildees de produccedilatildeo e de classe (ideologia = relaccedilatildeo imaginaacuteriacom relaccedilotildees reais) Diremos que esta relaccedilatildeo imaginaacuteria eacute em si mesma dotada de umaexistecircncia materialOra verificamos o seguinteUm indiviacuteduo crecirc em Deus ou no Dever ou na Justiccedila etc Esta crenccedila revela (para todos osque vivem numa representaccedilatildeo ideoloacutegica da ideologia que reduz a ideologia a ideias dotadaspor definiccedilatildeo de existecircncia espiritual) das ideias desse mesmo individuo portanto dele comosujeito possuindo uma consciecircncia na qual estatildeo contidas as ideias da sua crenccedila Atraveacutes dodispositivo laquoconceptualraquo perfeitamente ideoloacutegico assim estabelecido (um sujeito dotado de umaconsciecircncia em que forma livremente ou reconhece livremente as ideias em que crecirc) ocomportamento (material) do dito sujeito decorre naturalmenteO indiviacuteduo em questatildeo conduz-se desta ou daquela maneira adopta este ou aquelecomportamento (praacutetico e o que eacute mais participa em certas praacuteticas reguladas que satildeo as doaparelho ideoloacutegico de que laquodependemraquo as ideias que enquanto sujeito escolheu livrementeconscientemente (ALTHUSSER 1974 p 8486)
60
plano ideoloacutegico voltando agrave questatildeo deixada no primeiro capiacutetulo eacute aqui que
encontramos uma nova resposta Porque uma pessoa que vive a exploraccedilatildeo
capitalista eacute ao mesmo tempo explorada e difundidora de sua loacutegica como
pode ser viacutetima e aceitar seus paracircmetros como corretos Como eacute possiacutevel que
um empregado explorado aceite a loacutegica do explorador como verdadeira
Essas respostas natildeo vecircm de uma categoria aprioriacutestica e a-histoacuterica
na verdade elas vecircm da experiecircncia do dia a dia Eacute porque a pessoa vive a
loacutegica mercantil em todos os dias de sua vida que ela passa a ser difundidora
dessa loacutegica e faz parte da loacutegica da mercadoria que as ldquomelhoresrdquo sejam
vendidas mais caras sendo assim o indiviacuteduo passa a ter objetivos a perseguir
tornar-se uma mercadoria cada vez melhor e cada vez mais consistente para
que seja mais bem avaliado e vendido por um melhor preccedilo
Isso natildeo nega a perspectiva trazida por Lacan mas a complementa a
questatildeo que se segue eacute respondida da seguinte forma no plano subjetivo
individual a construccedilatildeo da individualidade se daacute a partir daquilo que Lacan
chamou de ldquoobjeto ardquo projeccedilatildeo que o indiviacuteduo faz sobre os outros mas em
relaccedilatildeo a si mesmo essa subjetividade contudo natildeo eacute jogada ao acaso antes
eacute alimentada pela realidade praacutetica ao mesmo tempo que a alimenta A
construccedilatildeo do sujeito natildeo eacute tambeacutem aleatoacuteria eacute fincada na praacutetica capitalista
em momentos diferentes a consecuccedilatildeo das perspectivas tambeacutem seriam outras
as praacuteticas portanto tem papel fundamental na criaccedilatildeo da subjetividade assim
como as relaccedilotildees com o ldquoobjeto ardquo tambeacutem tem Desta feita eacute possiacutevel verificar
que sim existe um paralaxe nessa concepccedilatildeo que caso se tome um conceito
pelo outro corre-se o risco de interpretaccedilotildees equiacutevocas e tendentes a confusatildeo
teoacuterica entre os conceitos que satildeo distintos
22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
Ateacute aqui temos a formaccedilatildeo do pensamento e como a subjetividade e
suas correlaccedilotildees com a praacutetica capitalista se constroem A formaccedilatildeo do
61
indiviacuteduo natildeo eacute uma formaccedilatildeo aleatoacuteria e tampouco independe totalmente das
relaccedilotildees do indiviacuteduo com seu meio Assim caminha-se no sentido da anaacutelise
concreta da subjetividade juriacutedica Nicole-Edith Thevenin ao analisar a ideologia
althusseriana repara que falta a ela a teorizaccedilatildeo sobre aquilo que entende ter
lugar privilegiado na ideologia do sujeito o direito
ldquoCom o artigo de Althusser lsquoIdeacuteologie et appareils ideacuteoloacutegiques drsquoeacutetatrsquouma primeira pedra foi assentada a delimitaccedilatildeo de um certo campo depesquisa a anaacutelise do funcionamento de toda ideologia comolsquointerpelaccedilatildeorsquo e do conteuacutedo como a forma concreta em que essainterpelaccedilatildeo se daacute Jaacute surgeum conceito o conceito de sujeito mas ainda tomado no interior de umcerto empirismo Empirismo inevitaacutevel na medida que lhefalta precisamente a teorizaccedilatildeo do lugar privilegiado da produccedilatildeo daideologia do sujeito o direito Eacute impressionante aliaacutes ver comoAlthusser nesse artigo assimila o AIE juriacutedico a quaisquer dos outrosAIE enquanto que hoje ele aparece como constitutivo de todaa ideologia portanto dos outros AIErdquo (THEacuteVENIN NAVES 2010 p53)
Seguindo em seu raciociacutenio o que faz com que os indiviacuteduos sejam
interpelados pela ideologia como um ldquosempre jaacuterdquo eacute justamente porque esse
ldquosempre jaacuterdquo faz referecircncia ao sujeito de direito sujeitos com direitos e obrigaccedilotildees
na forma da lei mesmo antes de seu nascimento
Portanto quando Althusser escreve ldquo() a ideologia interpelousempre-jaacute os indiviacuteduos como sujeitos o que equivale a indicar comprecisatildeo que os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute interpelados pela ideologiacomo sujeitos o que nos leva necessariamente a uma uacuteltimaproposiccedilatildeo os indiviacuteduos satildeo sempre-jaacute sujeitosrdquo podemos dizer queesse sempre-jaacute sujeito eacute o sujeito juriacutedico por excelecircncia porque eacute odireito que constitui os indiviacuteduos em sujeitos lhes dando direitos eisso desde sua concepccedilatildeo intrauterina O ldquoparadoxordquo althusserianoparece entatildeodissipado os indiviacuteduos satildeo desde-jaacute sujeitos porque eles satildeo desde-jaacutesujeitos de direito O ldquoNome do Pairdquo evocado por Althusser comoexemplo privilegiado de interpelaccedilatildeo familiar da crianccedila antes de seunascimento ganha todo o seu significado () Devemos perguntar acrianccedila (menino ou menina) que vai nascer mais do que chamada a setornar um ldquosujeito sexualrdquo natildeo eacute chamada muito mais enquantosujeito a jogar um determinado papel social (THEacuteVENIN NAVES2010 p 7172)
62
Tem-se como ponto de partida a forma direito que assim como a
forma Estado e no mais das vezes atraveacutes dela constitui os indiviacuteduos como
sujeitos de direito e antes de quaisquer papeacuteis que possam exercer em
sociedade jaacute possuem direitos na forma que a lei prevecirc mesmo antes de seu
nascimento Estaacute posta a situaccedilatildeo onde nos encontramos no panorama
Se por um lado a especificidade capitalista a forma de mercadoria
cria e subordina nossa materialidade concreta espraiando-se na liberdade formal
e na propriedade privada por outro lado a subjetividade juriacutedica eacute a garantia de
submissatildeo a esses meios Estado e direito se complementam natildeo
necessariamente considerando-se as reacutedeas da legalidade jaacute que esse direito
natildeo pode ser compreendido somente nas raias da legalidade em que pese o
Estado ldquocriarrsquo a legalidade
Tem-se entatildeo que possibilidade pela mudanccedila dos rumos da
sociedade contemporacircnea se daacute em duas diferentes possibilidades a que
concerne e a que natildeo entende cabiacutevel a aplicaccedilatildeo atual da luta de classes e
mesmo entre os que a considera cabiacutevel haacute divergecircncias Natildeo haacute um ponto
comum que permita observar que a luta de classes ultrapasse as formas
capitalistas e nem tampouco de que maneira isso seria feito seja quando
falamos dos politicistas seja quando falamos da teoria da derivaccedilatildeo do Estado
Em contrapartida as vertentes que entendem que a luta de classes
chegou ao ldquofimrdquo tambeacutem natildeo conseguem explicar de maneira satisfatoacuteria como
seraacute essa erosatildeo do capitalismo nem como ele foi capaz de se transformar de
forma a se adaptar agraves sucessivas crises que passou Sendo assim por mais que
as vertentes dialoguem ainda natildeo haacute uma resposta definitiva que aponte qual o
caminho da superaccedilatildeo capitalista necessaacuteria porque o capitalismo natildeo eacute capaz
garantir qualidade de vida aos habitantes da terra
63
3 Conclusatildeo
No fim do seacuteculo XIX os fiacutesicos acreditavam que a fiacutesica tradicional
(naquele momento somente fiacutesica) estava praticamente toda mapeada faltando
apenas dois detalhes para que se pudesse por fim ter-se em matildeos a fiacutesica
ldquodefinitivardquo O primeiro desses detalhes era a luz as ondas luminosas o outro a
radiaccedilatildeo no corpo negro emissatildeo de calor em um corpo que deveria em tese
absorvecirc-lo O primeiro dos problemas quando resolvido deu origem agrave teoria da
relatividade dos corpos que mudou completamente a fiacutesica que era conhecida
O outro problema apresentado quando de sua soluccedilatildeo redundou na fiacutesica
quacircntica que tambeacutem por sua vez redundou na transformaccedilatildeo completa da
fiacutesica conhecida ateacute entatildeo
O Texto de Zizek ldquoa visatildeo do paralaxerdquo ele diz que um dos principais
erros conceituais que se comete ao ler Marx eacute tentar deduzir seus conceitos
poliacuteticos a partir de seus conceitos econocircmicos nem se pode reduzir seus
conceitos econocircmicos a partir dos poliacuteticos ou seja natildeo se pode reduzir a
poliacutetica agrave economia ou vice-versa
Eacute exatamente isso o que se faz nas teorias contemporacircneas do
marxismo onde se tenta explicar as teorias revolucionaacuterias a partir de conceitos
econocircmicos e as teorias revolucionaacuterias (luta de classes) eacute efetivamente um
conceito poliacutetico Da mesma forma se tenta explicar a evoluccedilatildeo do capital a
partir de conceitos poliacuteticos sendo que esta estaacute intrinsecamente ligada agraves
teorias econocircmicas
Hoje na fiacutesica busca-se novamente a unificaccedilatildeo das teorias em uma
ldquoteoria de tudordquo a tentativa atual fica com a teoria das cordas O que se vecirc no
horizonte das leituras marxistas de mundo eacute que essa junccedilatildeo entre econocircmico e
poliacutetico uma teoria que seja capaz de compreender todos os vieses de nosso
mundo seraacute para noacutes o que a teoria das cordas eacute para a fiacutesica nossa teoria de
tudo
64
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- Introduccedilatildeo 9
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo 12
- 11 Novo marxismo 21
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan 57
- 3 Conclusatildeo 63
- Referecircncias bibliograacuteficas 64
-
- Introduccedilatildeo
- 1 Paradigmas filosoacuteficos contemporacircneos em discussatildeo
-
- 11 Novo marxismo
-
- 111 Pachukanis
- 112 Derivacionismo
- 113 Politicismo
- 114 Economicistas
- 115 Tangentes ao novo marxismo
- 1151 Estruturalismo e poacutes-estruturalismo
-
- 2 Psicanaacutelise ideologia e capitalismo nova leitura marxista e Lacan
-
- 21 Lacan e o objeto a e Althusser
- 22 Subjetividade juriacutedica e dinacircmica poliacutetica
-
- 3 Conclusatildeo
- Referecircncias bibliograacuteficas
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