monografia edvaldo rocha

62
6 APRESENTAÇÃO O gosto pela literatura sempre esteve presente na minha vida, pois, mesmo tendo feito um segundo grau técnico, nunca deixei de lado o prazer de desfrutar da leitura de um bom livro. Tal atitude reforçou a afinidade com as disciplinas ditas humanas, que no ensino médio são a Geografia, a Historia e, mais recentemente, a Sociologia e a Filosofia. Em 2001, lendo um dos livros propostos para o vestibular, no caso O amanuense Belmiro, de Ciro dos Anjos, impressionei-me com a história que trazia como cenário a cidade de Belo Horizonte. À época não imaginava um interesse maior para este fato. Eu me lembrava de ter lido outros livros de autores mineiros que se utilizavam do mesmo recurso, mas este me chamou mais a atenção. No segundo semestre de 2008 comecei a pensar em um tema para a monografia de bacharelado e essas lembranças retornaram, trazendo-me a idéia de utilizar o intercâmbio entre a Literatura e a Geografia. Outro fator que talvez tenha contribuído para tal escolha foi observar a facilidade com que alguns dos professores deste

Upload: rednei1837

Post on 18-Jun-2015

480 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Monografia edvaldo rocha

6

APRESENTAÇÃO

O gosto pela literatura sempre esteve presente na minha vida, pois, mesmo tendo feito um

segundo grau técnico, nunca deixei de lado o prazer de desfrutar da leitura de um bom livro.

Tal atitude reforçou a afinidade com as disciplinas ditas humanas, que no ensino médio são a

Geografia, a Historia e, mais recentemente, a Sociologia e a Filosofia.

Em 2001, lendo um dos livros propostos para o vestibular, no caso O amanuense Belmiro, de

Ciro dos Anjos, impressionei-me com a história que trazia como cenário a cidade de Belo

Horizonte. À época não imaginava um interesse maior para este fato. Eu me lembrava de ter

lido outros livros de autores mineiros que se utilizavam do mesmo recurso, mas este me

chamou mais a atenção.

No segundo semestre de 2008 comecei a pensar em um tema para a monografia de

bacharelado e essas lembranças retornaram, trazendo-me a idéia de utilizar o intercâmbio

entre a Literatura e a Geografia.

Outro fator que talvez tenha contribuído para tal escolha foi observar a facilidade com que

alguns dos professores deste Instituto (IGC) transitam por outras áreas do conhecimento,

fortalecendo assim a próprio ensino de geografia e nos influenciando.

Para fins de melhor entendimento este estudo será apresentado em uma introdução e três

capítulos.

O primeiro capitulo apresenta um cunho teórico conceitual, no qual se foram inseridos

conceitos gerais e técnicos sobre a cidade, que permitirão melhor compreensão do texto, nos

capítulos seguintes.

Page 2: Monografia edvaldo rocha

7

O segundo capitulo já apresenta idéias e fundamentos da literatura e aponta a ferramenta de

analise da mesma. Constando também de apontamentos sobre o imaginário e sua influencia

no concreto, ou seja na percepção da cidade, o capitulo ao seu final traz uma contribuição de

um autor da literatura universal, e sua interpretação do que é cidade.

O terceiro capitulo procurará enfocar a importância do imaginário na compreensão e

conseqüente, contribuição na produção do espaço nas cidades, são apresentadas textos

literários nos quais se comprovam tal afirmativa.o capitulo se encerra com a analise do texto

de Cyro dos anjos, O Amanuense Belmiro, e sua contribuição na compreensão da cidade de

Belo Horizonte nos idos da década de 1930.

Page 3: Monografia edvaldo rocha

8

INTRODUÇÃO

A escrita literária, como arte, certamente é uma das formas de registro e conhecimento dos

fenômenos, qualquer que seja o objeto de estudo das muitas áreas do conhecimento. Trata-se

do principal pilar para a compreensão e a acumulação cultural. Não que a transmissão oral dos

conhecimentos não seja possível de se realizar, mas seu registro seria muito mais volátil se

comparada ao registro gráfico, material, que permite a literatura, em sua forma escrita.

Quantos pesquisadores não obtiveram suas idéias lendo um texto ou mesmo um romance, sem

que a princípio existisse qualquer relação com sua área de estudos. As lembranças e as idéias

não seguem necessariamente um padrão, pois são subjetivas e seletivas. No cotidiano os

indivíduos tendem a perder partes significativas do que lhes é apresentado e transmitido.

Desta forma, a escrita, por meio da literatura, torna-se guardiã desses conhecimentos.

Pensando desta forma, surge a pergunta: até que ponto pode a ciência se valer dos registros

feitos pela literatura? Quanto se pode confiar em termos de correspondência com a realidade,

no que é transmitido por tais registros? O presente trabalho pretende encontrar algumas destas

respostas, analisando a contribuição da literatura para a geografia no entendimento do

processo de produção das cidades. O trabalho finalizara com uma analise da contribuição do

livro, O Amanuense Belmiro de Cyro dos Anjos na contribuição da compreensão da cidade de

Belo Horizonte na década de 30 do século 20.

No caso da literatura brasileira, desde o final do Século XIX, período em que surge a cidade

de Belo Horizonte, são enfocados relatos não de lugares imaginários, mas de lugares reais,

onde personagens fictícios vivem e se relacionam. Assim se pode, por exemplo a partir de

textos como O cortiço, de Aloísio de Azevedo, conhecer parte do que era a vida,

principalmente nos lugares mais pobres da cidade do Rio de Janeiro do século XIX, por meio

de um relato rico de uma sociedade ainda escravista e bastante preconceituosa.

Page 4: Monografia edvaldo rocha

9

Assim, dentre os escritores brasileiros, mesmo se valendo apenas de recursos literários, são

encontradas informações muito úteis, pois ao contar suas histórias, os autores permitem-nos

recriar, mesmo que em nossas mentes, lugares que já não existem ou que se tornaram já muito

modificados. Tais relatos podem conter informações perdidas e não registradas pela literatura

técnica das ciências humanas, entre elas certamente as da própria Geografia.

Em Minas Gerais, escritores como Roberto Drumond, Fernando Sabino e Ciro dos Anjos nos

permitiram ver, por exemplo, uma Belo Horizonte ora antiga e glamorosa, outras horas

moderna e dinâmica. Por exemplo, quando se lê uma historia como a do livro O Amanuense

Belmiro, de Cyro dos Anjos, que se passa na década de 1930, tanto no âmbito físico como

social existe nestes escritos uma serie de registros que certamente não se encontram nos dados

oficiais. Em outros instantes vemos em textos como os de Roberto Drumond, Ontem à Noite

era 6ª feira e Hitler manda lembranças, uma Belo Horizonte bastante semelhante à que

vemos em nossos dias, com personagens que muito se assemelham os que conhecemos na

vida real.

Assim, o presente trabalho pretende descobrir através da literatura, a maneira como esta Belo

Horizonte é descrita por escritores que não são geógrafos, e de que modo contribuem ou

contribuíram para registrar parte da memória desta cidade.

Justificativas:

As fontes de pesquisa sobre as cidades seguem normalmente um caminho muito institucional,

levando a respostas incompletas ou que possuam apenas um lado. Quando se pretende ir além

destas respostas, qual o caminho a seguir?

A proposta para o presente trabalho seria de descobrir, na literatura elementos que permita

torná-la como fonte alternativa, e que acrescentem algo de novo, para a compreensão da

Page 5: Monografia edvaldo rocha

10

mesma. Assim faz-se necessário um resgate dos fatos ou registros que foram ignorados ou

deixados de lado por não serem técnicos.

Apontamentos metodológicos:

Para realizar este trabalho fez-se necessário a leitura de uma bibliografia que irá além da

literatura técnica da Geografia, pois tenciono aqui ir além desta disciplina.

A bibliografia sugerida consta de textos que caracterizam e mostram o processo de produção

da cidade, que sendo a base teórica do trabalho. Os autores sugeridos trazem textos que

permitem uma discussão com autores da literatura convencional.

Page 6: Monografia edvaldo rocha

11

CAPITULO I: DA GEOGRAFIA À CIDADE

1.1. Definição e origem

O que seria a cidade? Perguntar o que seria a cidade seria repetir uma pergunta que,

certamente, foi feita diversas vezes. Mesmo sendo algo complexo de se responder, cada

campo do conhecimento responderia, logicamente, baseado em seus próprios fundamentos, o

que nos levaria a um emaranhado de respostas, cada uma com suas justificativas e análises. A

resposta poderia também ser baseada em outros aspectos que não abordaria o conhecimento

científico, talvez por um citadino, um componente anônimo da multidão ou mesmo por um

literato.

Então a cidade, podendo ser explicada de tantas formas, por pessoas de classes e níveis

variados, de instrução e mesmo por setores científicos tão diversos, exige para sua

compreensão próxima do ideal, uma delimitação ou um recorte metodológico apropriado de

seu estudo. Para tanto, neste capítulo foi feita uma breve revisão teórica da cidade, dentro do

campo das ciências geográficas. Entretanto, preparando para uma abordagem futura, na qual

será analisada a contribuição de outra área do conhecimento, neste caso a literatura, torna-se

ainda necessário indicar uma delimitação mais especifica. Então desde já determina-se que

não serão abordados aspectos físicos, ate mesmo por se mostrarem pouco compatível com a

literatura universal, que será parte importante na composição do tema proposto.

Em uma análise epistemológica, vê-se que o estudo das cidades está incluso na geografia

humana, caso esta segmentação seja aceita e como se faz necessário para esta investigação.

Entretanto outras subdivisões possíveis, como no caso as abordagens econômicas, sociais,

antropológicas, culturais certamente serão contempladas, uma vez que análises anteriores

mostram que a literatura universal se vale destas em suas obras.

Assim abordaremos a cidade dentro do que é aceito e discutido na geografia humana, com

uma abordagem ampla dentro desta subdivisão.

Page 7: Monografia edvaldo rocha

12

Contudo, a geografia pode se basear na literatura para, como dizem alguns geógrafos, “fazer a

leitura do mundo”. Esta expressão diz de forma direta o que seria não apenas uma frase vazia,

mas sim uma realidade. Como o interesse deste trabalho é fazer uma análise da influência das

obras literárias na denudação da produção do espaço e, mais especificamente nas cidades,

torna-se necessário entender como tais relações são re-produzidas, tendo-se em mente que as

ciências não são neutras como pensavam os positivistas. Isto torna a tarefa um pouco mais

complexa do que a simples análise de textos literários. Assim faz-se necessário compreender

o que os teóricos chamam de cidade.

Para Mumford (2004), a cidade nasce não para os vivos, pois a primeira idéia de fixação parte

da necrópole, ou seja, os primeiros a ganharem uma moradia própria são os mortos, antes

mesmo de se prenderem à terra. Os homens, muito por razões religiosas, já se preocupavam

em como alojar os que tinham partido. Talvez por medo de uma vida pós-morte, ou mesmo

pelo temor de que aqueles indivíduos voltassem à vida e atormenta-se a existência dos que

ainda permaneciam vivos.

No entanto Rolnik (1994) acredita que os primeiros “embriões” das cidades, seriam as

zigurates, uma espécie de templo encontrado nas planícies mesopotâmicas. Estas construções

datam de aproximadamente 3000 anos antes da era cristã. Baseando-se nesta afirmativa pode-

se concluir que a idéia mais antiga e também mais próxima do que pode ser chamado de

cidade, seria de aproximadamente 5 mil anos. Concordante em parte com esta idéia, Benévolo

(1991) também aponta o oriente próximo como sendo o berço das cidades, alem de indicar

uma datação idêntica, ou seja, aproximadamente 5 mil anos.

Entretanto os autores indicam posicionamento um pouco diferente com relação aos motivos

que levaram ao surgimento das cidades, Rolnik (1994) considera que a origem da cidade pode

ser confundir com a origem do binômio diferença social/centralização do poder. Ou seja, para

a mesma a cidade torna-se possível quando passa a existir uma divisão certamente técnica e

social do trabalho, ao mesmo tempo em que também acontece a centralização do poder.

Assim a organização da cidade acontecerá juntamente com a ordenação do território, ou seja,

a implantação do poder.

Já Benévolo (1991) acredita que a cidade surge da necessidade natural imposta pelo

crescimento físico, de certa forma o autor acredita que a estrutura nasce antes mesmo das

relações sociais e que estas vem para uma posterior ocupação. De certa forma, o autor afirma

Page 8: Monografia edvaldo rocha

13

que o planejamento precede a necessidade que as relações sociais e econômicas trariam de um

espaço apropriado, o trecho a seguir explana bem a idéia apresentada.

Em certos casos, a invenção urbana antecipa os desenvolvimentos do corpo social: os monumentos do Campo dos Milagres, em Pisa – catedral, batistério e cemitério – foram construídos nesta posição periférica, porque talvez devessem transformar-se no centro de um novo organismo urbano ampliado rumo ao norte: mas a ampliação nunca ocorreu, porque o poder de Pisa já terminava no século XIII.....” (BENEVOLO 1991 p. 16).

Apesar do trecho não indicar o nascimento de uma cidade, ele exemplifica bem a necessidade

de expansão, mesmo que a afirmação diga o contrário. A própria decisão de se construir ou

mesmo ampliar a estrutura física, parte de decisões ou mesmo de acordos ou necessidades que

circulam pelo âmbito político, daí a deduzir uma influência das relações de produção social

torna-se apenas um salto dedutivo muito próximo da realidade.

Muito contrário a tal idéia, Lefebvre (1999) afirma que a cidade é o centro da prática social, é

nela que se torna possível a práxis, onde a vida social levará à consciência e esta à mudança

do indivíduo e, consequentemente, à mudança da sociedade. As estruturas são o resultado da

produção que estes executam na realidade. No trecho abaixo o autor explica melhor como tal

processo ocorre.

A filosofia desce do céu para a terra, o pensamento materialista ascende da terra para o céu. Ele parte dos homens na sua atividade real. Não é a consciência que determina a vida (social), mas a vida que determina a consciência. (LEFEBVRE, 1999, p.45)

O autor afirma que a libertação do homem só será possível quando este tomar consciência de

suas necessidades e que a cidade concentra todos os instrumentos da produtividade, além de

concentrar também a população e, com essa, a grande parte da produção social. Lefebvre

mostra uma idéia totalmente contrária a de Benévolo, e talvez até mesmo diferente da

apresentada por Rolnik, pois, na visão deste, a cidade é um resultado total da acumulação

social do trabalho. Na verdade a estrutura física é apenas a parte visível e vazia de relações

mais complexas.

Page 9: Monografia edvaldo rocha

14

1.2. A cidade e seu desenvolvimento na história.

Caso fosse possível traçar uma linha indicando pontos onde a cidade se apresentasse mais ou

menos desenvolvida, seria certamente este um estudo digno das ciências exatas, ou mesmo

um belo trabalho quantitativo. No entanto partindo de afirmações feitas neste mesmo trabalho,

aceita-se que a cidade é produto das relações sociais, políticas e econômicas, relações que

provêem do homem e que naturalmente apresenta atitudes não padronizadas. Assim a história

não poderá ser considerada uma gradação progressiva da cidade, pois cada modelo é resultado

de seu contexto histórico.

Para Lefebvre (1991), a cidade ocorre em períodos históricos bastante diferenciados e assim

bem anterior a era moderna e capitalista. Seguindo ao longo da história ela assume funções e

características diferentes: hora ligado ao sistema de produção como no caso das antigas

cidades orientais e gregas – e ambos os casos cumprindo uma função tipicamente política-,

ora cumprindo funções comerciais, artesanal e bancária como nas cidades medievais,e

principalmente, servindo como oposição à feudalidade.

Segundo Lefebvre (2008), a cidade era vista como complementar a produção, sendo

considerada uma unidade de consumo, mas a cidade vai além da função de proteção e abrigo

para ser uma centralidade na era capitalista, passando a produzir e (re) produzir relações

sócio espaciais, fenômeno percebido no que o autor chama de cotidianidade, o que certamente

será encontrado nas estruturas e super estruturas da sociedade.

A cidade que precede a cidade dos mortos, ou seja, a cidade dos” vivos”, em contradição ao

que diz Mumford (1998), nasce da necessidade de proteção de organização das atividades

surgidas após o sedentarismo humano. Surge como complemento a aldeia, ou seja, é a

acumulação do excedente produzido pelos homens e desta forma ainda ligada a outras

atividades agrícolas e de pecuária o que também tornaram possível sua existência.

Page 10: Monografia edvaldo rocha

15

A polis grega ou romana é uma espécie de cidade política, Lefebvre (1991), a denomina de

cidade arcaica e a associa a posse de escravos. Seu sistema de produção não permitia relações

sócio produtivas mais complexas, o que impedia um maior avanço, mantendo como

característica principal a representação política, e de certa forma berço de idéias jurídicas. Em

contrapartida, a cidade que substitui o modelo antigo, ou seja, a cidade que nasce em pleno

modo de produção feudal, encontrava desprovida de uma função política. Entretanto,

Lefebvre (1991), aponta a cidade medieval como comercial, artesanal e bancária, integrando

os mercadores que ate então eram quase nômades. Munford (1961), indica os antigos

mosteiros como ponto inicial destas cidades, uma vez que eram nestes que se guardavam o

conhecimento acumulado de períodos anteriores.

No plano estrutural, Rolnik (1994) diz que as cidades medievais obedeciam traçados pré

estabelecidos naturalmente e se formavam a partir da ocupação, uma vez que se encontram

fora das muralhas dos feudos, e mesmo neste, a terra era comercial, então estas cidades

cresciam de acordo com a ocupação feitas pelos seus moradores. Concordante com esta

Benévolo (1991) dizia que as cidades neste período eram verdadeiros emaranhados de

estradas e praças, onde os atuais arquitetos se debruçam a procura de significados técnicos

que possam encontrar uma eficiência técnica efetiva.

Entretanto Mumford, (1965), aponta que em uma fase posterior, ou seja, no barroco, quando

houvesse interesse na organização física do espaço, demais interesses tornavam-se

secundários. Desta forma, a construção do aparato urbano, tais como a marcação de uma

avenida ou a manutenção geométrica das construções, sobrepunham aos interesses sociais. O

que confirma que a manutenção da técnica, prevalece não apenas em períodos modernos, mas

também em períodos mais pretéritos.

Como comentado anteriormente a cidade medieval, que surgem ante o declínio do

feudalismo, torna-se possível, com a centralização do poder do estado que valendo-se de tais

condições, cria entre as cidades uma figura até então desconhecida à capital, que passa a ter

maior importância sobre as demais cidades. Para Momford (1965) a fase anterior a

industrialização, que ocorrera ainda no modelo de cidade medieval foi uma espécie de fase de

Page 11: Monografia edvaldo rocha

16

transição, que naturalmente levou ao modelo industrial. Este modelo deu a cidade nova

dinâmica deixando para trás as restrições medievais e demolindo as “muralhas urbanas”.

As cidades na era industrial seguiram uma história à parte, adquirindo mais funções e

diversificando ainda mais suas características, perde-se então a função única e tornando centro

da vida social e política. Para Lefebvre (1999) a cidade torna-se também lugar onde se

acumula os conhecimentos técnicos e as obras (obras de arte, monumentos). Entretanto o

mesmo considera que a cidade é, ela própria, uma obra.

A própria cidade é uma obra, e esta característica na direção do dinheiro, na direção do comércio, na direção das trocas, na direção dos produtos. Com efeito, a obra é valor de uso e o produto é valor de troca. O uso principal da cidade, isto é, das ruas e das praças dos edifícios e dos monumentos é a festa...” (LEFEBVRE 1991p.4)

Nesta citação, o autor mostra o quanto é complexo definir a cidade após iniciado o processo

de industrialização, pois além de agregar suas funções e atividades que não existiam nos

modelos anteriores, medieval e clássico, novos agentes surgem com produtos e objetivos bem

diferenciados. A própria definição se torna semelhante ao que se constrói, esta cidade será não

apenas o fomento para a construção do imaginário do citadino, mas também ela, poderá ser

projetada com influência deste imaginário.

A mudança trazida pela cidade industrial e capitalista faz com que a mobilidade das riquezas,

nela produzida, assuma dimensões inimagináveis, o que faz com que novas divisões surjam,

tais como a divisão técnica, a social e a política. Ante estas novas relações, surge uma “rede

de cidades”, o que não elimina nem a rivalidade nem a concorrência entre as mesmas.

Também Benévolo (1991), acredita que a cidade industrial, a qual chama de cidade burguesa,

é diferente de tudo que tenha surgido anteriormente, pois, ela assim envolve não apenas novas

funções, mas uma quantidade muito superior de habitantes, os quais passa a transformá-la em

uma velocidade ali então inimaginável, aliada a isto, surgem um complexo aparato urbano,

Page 12: Monografia edvaldo rocha

17

composto de estradas e estruturas físicas. Os serviços tornam-se variados e, de certa forma,

mais difíceis de serem supervisionados e mesmo controlados.

Surgem novas oportunidades e conseqüentemente novos riscos, obrigando a uso de novos

instrumentos de gestão. Assim Benevolo (1991), acredita ter surgido a necessidade do

planejamento urbano.

Então, o processo de planejamento e execução de obras públicas torna-se traçado de

transposição puramente técnica, como pode ser observado nos casos das cidades planejadas,

como Belo Horizonte e Goiânia, pois generalizar sobre algo que se desconhece é uma prática

comum não só para quem comanda, planeja, mas legitimado pela maioria que são tornados

meros coadjuvantes na produção do espaço.

1.3. A cidade: planejamento e controle

Como produto da acumulação social do trabalho, a cidade é também produto do processo de

dominação, em seu processo de produção e ou “desprodução” ela será diretamente atingida. A

complexidade da cidade atual permite que políticas de contenção e mesmo orientação sejam

constantes na cotidianidade. Pensar uma cidade com dimensões reduzidas às cidades antigas,

feudais, onde a força militar de uns poucos aliada a vontade direta de seu dirigente, protegido

por muralhas se fazia real, seria insano para a cidade moderna.

Mesmo sabendo que a importância do lugar é essencial para os seres humanos, verdadeiros

interessados na cidade como habitat, na realidade, prevalecerá na produção das cidades os

caminhos da técnica e do planejamento, frustrando assim a idéia do prazer e instituindo o

Page 13: Monografia edvaldo rocha

18

território, dando oportunidade ao econômico, ou seja, a produção é gerenciada pela lógica

formal.

Mas para planejar ou gerenciar uma cidade se faz necessário entende-la e entender cidades

não é tarefa simples, descrever cidades é tentar comprimir um enorme emaranhado de

relações em representações simples: são sentimentos, sofrimentos e desejos representados por

curvas e armações. Desta forma, fica claro que a cidade não são muros, nem estátuas ou

edifícios modernos; estas coisas simplesmente representam um trabalho ou acumulação de

atividades realizadas para se chegar nesse estágio.

Surgem então analogias, às vezes usadas para melhor compreensão do que é a cidade, ora

tentam vê-la como um organismo (biológico) que evolui, outras como objetos inanimados

como um imã, o que explicaria sua expansão, ou seja através da indução e do campo

magnético desta, levando a construção indireta em seu entorno.

Jacobs (2000) apresenta uma idéia que confronta de certa forma com o planejamento urbano

típico, acreditando que intervenções no espaço das cidades da forma que são feitas mais

atrapalham do que resolvem, enquanto em casos onde o fracasso é eminente, a resposta

apresenta-se muito positiva. O planejamento do espaço urbano, ou seja, da cidade, muitas

vezes traz consigo a segregação espacial, atuando diretamente na escolha do habitat.

Trazendo para um exemplo próprio, percebe-se que o mesmo acontece quando se tenta criar

uma cidade, sendo mais específico a cidade de Belo Horizonte. Um breve recuo histórico a

sua origem, percebe-se que a pretensão era fazer um sítio urbano com limites sociais – com

sua expressão física no território – muito específicos, ou seja, nos limites da Av. do Contorno,

para uma população de apenas 100 mil habitantes. Poucos anos depois, o projeto já não era

compatível com a concentração urbana e a periferia se estendia muito além do planejado e em

poucas décadas sua população já era muito maior do que o imaginado.

Page 14: Monografia edvaldo rocha

19

Entretanto, Benévolo (1991), contrariando a idéia anterior, acredita que o planejamento

sobrepõem as complexidades do corpo social, mesmo considerando que o crescimento da

cidade depende de seu desenvolvimento, pensa que as intervenções são de suma importância

para o avanço do urbano.

Porém, mesmo com a prevalência das representações mais instituídas quanto à cidade e ao

urbano, como na geografia, observa-se que esses se realizam como movimento mais amplo, o

requer a consideração de uma noção que vá além da dicotomia entre projetos – quase sempre

representados e circunscritos às representações do planejamento – e os resultados, estes em

muito considerados como problemas resultantes da insuficiência do planejamento. Na busca

por uma noção que supere a fragmentação na visibilidade e compreensão da urbanização,

entre os autores que referenciam esta pesquisa encontra-se a noção de produção:

“... a produção não se limita à atividade que fabrica coisas para trocá-las. Existem as obras e os produtos. A produção em sentido amplo (produção do ser humano por ele mesmo) implica e compreende a produção das idéias, das representações, da linguagem. Intimamente misturada ‘à atividade material e ao comércio material dos homens, ela é a linguagem da vida real’. Os homens produzem as representações, as idéias, mas são ‘os homens reais, ativos’. (...) Assim, a produção não deixa nada fora dela, nada do que é humano.” (LEFÈBVRE, 1999, p.44; grifos do autor)

Vê-se aí a possibilidade de compreensão do urbano por meio do estudo das representações

várias dos homens – no caso específico de Belo Horizonte –, como a literatura – um registro

bastante encontrado quanto a essa cidade. Assim, o próximo capitulo iniciará uma da

discussão teórica quanto à literatura, pois a literatura universal será usada para apontamentos

de novas fontes de informação para entendimento das cidades.

Page 15: Monografia edvaldo rocha

20

CAPITULO 2 – DA LITERATURA À CIDADE: A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO OU DO

IMAGINÁRIO À CONSTRUÇÃO.

A percepção das coisas ou dos lugares depende muito dos nossos desejos. Vemos recortes do

que nos interessa, enxergamos partes ou características que se assemelham às nossas

vontades. Às vezes os lugares passam a ser recortes pessoais de nossas observações, e criam

assim conceitos pré-estabelecidos, que acabam sendo utilizado por nossas mentes em

percepções posteriores. Normalmente, são nestes momentos que fazemos registro oral ou

escrito de nossas idéias, o que pode vir a se tornar fomento para a literatura.

Assim, faz-se necessário o entendimento do que é literatura, mesmo que de forma superficial,

uma vez que assim como outros ramos do conhecimento ou mesmo das artes, fechar um

conceito torna-se uma tarefa muito complicada, pois envolveria intensos debates já

registrados e inúmeros outros a surgir. A idéia de aceitar a literatura apenas como arte não

facilitaria e também não tornaria mais fácil sua compreensão, uma vez que também a arte, não

possui um conceito fechado. É nesta linha de pensamento que Oliveira (2008), aponta a

dificuldade de se classificar não apenas a arte como também a literatura, o que segundo a

mesma já provocou inúmeras discussões. A citação abaixo apresenta melhor parte da

justificativa da autora.

Incluída nesse universo, a Literatura, cuja definição de qualquer forma sempre desafiou seus estudiosos, esbarra na mesma dificuldade de conceituação. Mais escorregadio se torna esse terreno após o advento dos estudos culturais. À semelhança dos pesquisadores da arte, os adeptos mais fervorosos dessa corrente crítica esquivam-se a formular critérios de valor ou a admitir a especificidade do texto literário. A questão pode ser provisoriamente contornada se optarmos por uma solução semelhante à adotada para a conceituação de arte, e recebermos como literatura tudo aquilo que a comunidade interpretativa, através dos mecanismos de publicação e de crítica, tenha rotulado como tal. Bem pode acontecer que o texto assim valida do venha no futuro a integrar o cânone, mais do que nunca sujeito a transformações. (OLIVEIRA, 2008, p.4).

Certamente a literatura possui inúmeros “fins”, sendo essencial não apenas como

entretenimento, mas principalmente como testemunho de culturas ou momentos históricos

pretéritos. Dentro das aplicações possíveis da literatura, o seu uso como forma de construção

Page 16: Monografia edvaldo rocha

21

de uma idéia, onde o indivíduo passa a encontrar alguma forma de contemplação ou de prazer

certamente é uma das mais desenvolvidas e manipuladas na atualidade e provavelmente muito

utilizada no decorrer da história.

Para Chiaretto (2008) apud CANDIDO (2004, p.2), “... a literatura corresponderia a

necessidade de absorver, transformar e modificar a realidade, transmitindo idéias e emoções.”

Em outras palavras, a função da literatura iria muito além do simples entretenimento,

possuindo um significado bastante ampliado.

O uso que se pretende para a literatura neste trabalho vai muito ao encontro da afirmação

descrita acima, pois para entender as cidades através dos textos literários torna-se primordial

extrapolar o uso da literatura, e não apenas o uso artístico e lúdico. Uma vez que a literatura

garante o direito do saber aos seres humanos, o que segundo Chiaretto (2008) é o mesmo que

ser o bastião de defesa das liberdades, servindo quando bem aplicada ao esclarecimento e

sendo contrária ao “arbítrio do poder estatal ou de qualquer sujeito que se impõe como

mestre e senhor”. (CHIARETTO, 2008, p.2)

Aceitando então o uso da literatura como ferramenta para compreensão das relações sociais,

deve-se lembrar que, além de se prestar a este serviço, cabe à mesma documentar e em outros

momentos servir de campo para a atuação do imaginário, onde o individuo transforma a

realidade, enquanto na função anterior ela reproduz a realidade. Seguindo esta linha de

raciocínio, será justamente na execução desta outra, ou seja, na adequação da realidade a uma

forma atrativa do imaginário, que servira a mão contrária do que se disse ate então, ou seja, a

percepção e construção do espaço das cidades, certamente numa escala até mesmo pessoal.

Quando se apropria da citação abaixo e a apresenta em seu texto, Amorim (2001), tenta

explicar sobre a função da literatura. Para ele, apesar de estar no campo do imaginário, se

baseia no real para se estabelecer, ou seja as produções literárias não poderiam partir apenas

do abstrato, sendo necessário mesmo que em partes ou de forma exagerada se baseasse no

real.

Page 17: Monografia edvaldo rocha

22

A arte, e portanto a literatura, é uma transposição do real para o ilusório por meio de uma estilização formal da linguagem , que propõe um tipo arbitrário de ordem para as coisas, os seres, os sentimentos. Nela se combinam um elemento de vinculação à realidade natural ou social, e um elemento de manipulação técnica, indispensável à sua configuração, e implicando em uma atitude de gratuidade.(CANDIDO, 1972:53).Amorim 2001 pg .2

A literatura, segundo Amorim (2001), é a utilização da linguagem não submetida ao poder,

pois esta independe de regras de estruturação para sua compreensão

Assim, construindo o texto de acordo com seus próprios desejos, o escritor consegue que sua criação tenha uma novo valor – passa da simples utilização comunicativa da linguagem à uma utilização artística da mesma – e um novo poder. O poder assumido pela nova linguagem é um poder ligado ao novo valor artístico. A linguagem literária assume aspectos de representação e demonstração. Através dessa linguagem, pode-se refletir sobre a própria língua com liberdade. A linguagem literária permite que as palavras assumam vida própria, com novas significações que não aquelas a elas conferidas usualmente. A linguagem passa a ter “sabor”. Enquanto no discurso científico a linguagem é direta e não permite ambigüidades, na linguagem literária as palavras assumem novos significados e representações. AMORIM, 2001, pag. 1.

2.1-Literatura e método.

Para o presente trabalho, que envolve análise de textos distintos, torna-se necessário o uso de

uma abordagem: a da teoria literária. Esta pode ser entendida não apenas como uma

comparação simples entre obras distintas, mas, uma confrontação, que tem como intuito

elucidar e fundamentar juízes de valores, normalmente inseridos na estrutura textual. Para

Carvalhal (2006), a comparação em literatura (a literatura comparada) é um meio, não um

fim. Portanto, a literatura comparada é uma ferramenta que facilita a interpretação, apontando

de alguma forma uma exploração adequada para obras de estilos e tempos diferenciados.

Page 18: Monografia edvaldo rocha

23

Diante de tais afirmativas torna-se essencial que no presente trabalho se faça uso destes

recursos, pois as fontes a que se pretende utilizar pertencem a momentos históricos também

distintos e de estilos diferentes.

A teoria literária decompõe e analisa o texto, indo além da simples narrativa, para tanto é

necessário uma contextualização, na qual é levada em conta a realidade espacial e temporal

em que a obra é construída, idéia compartilhada por Beluzio (2005), que acredita que os

fatores externos, tornam–se relevantes quando influencia a estrutura interna do texto, que na

verdade são os fatores sócio-históricos significativos, existentes no período no qual a obra foi

idealizada.

No entanto, Candido (1991) acredita que a percepção do mundo na literatura, não é apenas

resultado do que se criou anteriormente, mas resultado da relação bi direcional que a realidade

tem com o registro existente. Ou seja, não apenas o real influencia o imaginário, mas o

registro deste imaginário, outras obras literárias, também podem vir a influenciar as novas

criações. Para tanto, basta se pensar que a cada nova criação artística tem-se a impressão de se

ver um novo mundo. Na verdade o mundo é o mesmo, apenas a percepção de quem o registra

é que mudou. No entanto esta nova percepção pode não ser tão nova apesar do real (espaço)

ser diferente, mas a maneira de se ver, ou seja, o método algumas vezes já foi experimentado.

Fazendo uso da teoria literária, Candido (1991), mostra como tal método – a literatura

comparada – pode servir como ferramenta em análise de textos que em uma apreciação mais

superficial, não se encontrariam relações. Para tanto, o autor analisa o livro O Cortiço de

Aloísio de Azevedo. A obra é apresentada de forma a mostrar a estrutura, onde as relações

dos personagens, suas características psicológicas são apresentadas, além de mostrar uma

estrutura literária, que dificilmente se apresentariam em uma análise superficial. Desta forma,

Candido (1991), desnuda a obra e prova que esta não é original, em relação à estrutura

literária, mas inovador ao descrever o espaço socialmente construído, numa região pobre do

Rio de Janeiro após meados do século XIX. A obra na qual foi retirada a idéia é a do Frances

Francês Emile Zola em sua obra L´Assommoir, também ambientada em um cortiço, porém na

França. Na citação abaixo compreende-se melhor a análise do autor.

Neste ensaio o interesse analítico se volta para um problema de filiação de textos e o de fidelidade ao contexto Aloísio de Azevedo, se inspirou evidentemente, em L´Assommoir, de Emile Zola, para escrever o cortiço, e por muitos aspectos o seu

Page 19: Monografia edvaldo rocha

24

livro é um texto segundo, que o tornou a idéia de descrever a vida de trabalhadores pobres no quadro de um cortiço, mas um bom número de motivos e pormenores mais ou menos importantes. CANDIDO 1991, pag. 112

Entretanto, Candido (1991) não exclui a importância da obra, uma vez que a mesma se pauta

na realidade carioca daquele período, ou seja na segunda metade do século XIX.

2.2- O uso da literatura na compreensão da cidade

Se até o momento foram apresentadas idéias de como extrair informações e referências de

textos literários para a compreensão da geografia no desnudamento das cidades, no entanto

nenhum autor fora da literatura técnica havia sido apresentado, portanto este trecho do

capítulo será dedicado a interpretação das cidades baseado na obra de Ítalo Calvino, As

cidades invisíveis.

A cidade, neste trecho, certamente assumira características mais humanas e menos técnica,

lembrando que o que se encontra transcrito são percepções do autor e, em muitos casos não

passaram pelo crivo critico de planejadores ou analistas sociais. Entretanto, fica claro que

estas visões mesmo desprovidas de um posicionamento técnico, servem de alguma forma para

uma visão próxima do indivíduo comum, pois Calvino consegue decompor em alguns

momentos a cidade de forma que características marcantes e ocultas saltem aos olhos,

mudando uma posterior percepção de seus leitores.

Calvino (2007) transmite bem a idéia de que as cidades, que muitas vezes são lugares,

superficialmente se apresentam por suportes materiais e por sua beleza, mas omite que seu

significado real vai muito além destas coisas. Analisar somente o aparato material, como

Page 20: Monografia edvaldo rocha

25

forma de entender as cidades certamente não seria o correto, faz-se necessário lembrar-se do

poema de Bertold Brecht, transcrito em parte a seguir.

“Quem construiu Tebas, a das sete portas?

Nos livros vem o nome dos reis,

mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilônia, tantas vezes destruída,

quem outras tantas a reconstruiu? Em que casas

da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde

foram os seus pedreiros? A grande Roma

Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem

triunfaram os Césares? A tão cantada Bizâncio

Só tinha palácios

para os seus habitantes? Até a legendária Atlântida

na noite em que o mar a engoliu

viu afogados gritar por seus escravos.” Bertold Brecht, 2009.

Torna-se, desta forma, mais fácil compreender que todo o “aparato físico” das cidades são os

resultados pobres de um processo maior, onde seu próprio desgaste pode representar esforços

de uma sociedade que não para.

A cidade possui camadas invisíveis ao olhar, mas que são importantes para a compreensão do

produto final. De acordo com Calvino (2007), as cidades são ilusórias, produtos de nossas

vontades, ou mesmo resultado do que desejamos. Não se enxerga as mesmas em suas reais

formas, pois sempre se olha de ângulos únicos e muitas vezes com idéias já pré-estabelecidas,

então o que se faz é um recorte individual e sentimental.

Page 21: Monografia edvaldo rocha

26

Só se conhece uma cidade quando o próprio sujeito se perde nela, ao se seguir por caminhos

não marcados. A possibilidade de se encontrar as camadas ocultas são maiores, pois estas

normalmente estão ocultas para olhos desavisados.

As cidades, segundo Calvino (2007), são representações, símbolos que podem ser

apresentados por medidas físicas, espaçamentos e contornos, mas que vista corretamente, é

também uma memória que constitui parte de um conjunto ainda maior. O trecho a seguir diz

com nitidez:

Uma descrição de Zaíra como é atualmente deverá conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito no angulo das ruas, nas grades das janelas, nos corrimões das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalha esfoladuras. (CALVINO, 2007, p. 14-15)

Entretanto, o próprio autor deixa claro que as cidades não podem ser identificadas por padrões

pré-fixados, mas antes por suas exceções. Prova-se assim que elas se produzem por diferentes

ideias.

Apesar das ruínas das cidades servirem como memória de um passado ora glorioso e em

outros momentos de seu fracasso, elas servem apenas para provar fatos perceptíveis do

concreto. Raramente “contam” a verdadeira história de seus construtores, pois estas não

contam a história individual, mas os recortes de uma memória coletiva.

A imagem das cidades é composta por impressões particulares – individuais, grupais, sociais

– de quem as observam, apesar de se apresentarem concretas, com armações materiais com

curvas ornamentais e estruturas, não se mostram igualmente para quem as observa. Calvino

(2007) observa que muitas cidades apresentam-se ricas e bem ornamentadas, mas

normalmente suas maiores peculiaridades estão ligadas a algum aspecto antropológico, como

se as estruturas fossem o corpo e as memórias que as compõem a alma, ou mesmo a mente,

escondendo segredos e características ainda maiores.

Page 22: Monografia edvaldo rocha

27

As divisões e ordenações existentes na sociedade mostram um pouco das condições pré-

estabelecidas para a formação também das cidades. Regras e normas que não são discutidas

nem comentadas, ações e resoluções que servem apenas a uma pequena parte do todo.

Realmente as estruturas de algumas cidades seguem os sonhos, mas apenas de uma fatia do

todo.

Apesar das cidades serem mais idéias e sentimentos, ou seja, muito maiores do que se

apresentam, Calvino (2007) atenta para a maneira com que os homens tentam simplificá-la.

Assim, novamente algo que possui um significado muito mais amplo, passa a ser identificado

por um símbolo simples e muitas vezes ambíguo. Então, mesmo que mais tarde, seu

significado seja apresentado em uma longa narrativa, permanecerá na memória aquela

primeira associação.

Cabem apontamentos de que mesmo nas obras citadas, a cidade é produção (prática social) e

produto (materialidade, concretude em movimento), até para influenciar as impressões, os

olhares, os registros e escritos literários.

CAPITULO 3 – ANÁLISES DOS TEXTOS LITERÁRIOS

3.1-A cidade e o imaginário literário

O vigor da urbanização no século XIX na Europa Ocidental levou às cidades do mundo, ou

melhor, a seus dirigentes fomento para mudanças consideráveis no cenário urbano; a reforma

de Paris, que influenciaram outras reformas no mundo, certamente mexeu com o imaginário

de governantes e artistas do mundo todo.

Page 23: Monografia edvaldo rocha

28

Portanto naquele momento histórico, o modelo de cidade ideal desejado era representado por

Paris. Sabe-se que a reforma hausmaniana, foi exportada para todo o mundo, sendo a cidade

do Rio de Janeiro então capital do Brasil, esta também foi fortemente influenciada por tais

idéias, o cenário sócio cultural talvez não foi tão desenvolvido como o Parisiense, entretanto

era a cidade mais desenvolvida do país.

A reforma Pereira Passos só se realizaria algumas décadas depois, mas a cidade já tinha

grandes surtos de desenvolvimento, mesmo com uma elite agrária e escravocrata com idéias

ainda pouco modernizantes, as idéias vindas de além-mar já se apresentavam no cotidiano da

população. A cidade era não apenas o centro político, como o centro receptor de imigrantes

brasileiros e estrangeiros, que além de contribuírem na nova formação de uma classe

assalariada, trazia consigo fragmentos de suas antigas culturas.

Nesse cenário a literatura teve uma forte representatividade. Segundo Candido (2006), o

romantismo foi o estilo literário que mais influenciou, primeiramente com autores como Jose

de Alencar e Castro Alves, e suas obras nacionalistas, sendo o primeiro responsável pelo

indianismo europeu, que tinha como propósito criar figuras heróicas que representassem o

Brasil, como faziam os europeus. Isso comprova que o imaginário é sem duvida a grande

inspiração para a construção da realidade, ou pelo menos uma tentativa, esta vontade de

alcançar o sobre humano – o fantástico-, certamente permeou a mente de muitos citadinos

naquele período que viam a possibilidade de se alcançar a igualdade junto a outros povos,

desta forma as lendas e mitos tornaram-se fomento para inúmeras possíveis obras concretas.

No entanto, esta relação entre o imaginário e o concreto pode ser considerada uma via de mão

dupla, pois o concreto influencia o imaginário, assim como este pode também servir de base

para sua construção. Indo além, pode-se lembrar do que já inclusive foi relatado neste

trabalho- o imaginário, feito concreto nas obras pode ser também modelo para reconstrução

do mesmo, isto acontece quando uma obra literária serve de inspiração a construção de outra.

Page 24: Monografia edvaldo rocha

29

Para Miceli (2004) o processo de construção literária é influenciado pela origem social e

mesmo geográfica de seus idealizadores, sua cotidianidade certamente influenciara a

construção de seus personagens, e a espacialização de suas historias. O exemplo citado pode

ser do cortiço de Aloísio de Azevedo, que mesmo sendo apontado por Cândido como uma

obra com fortes fundamentações em outros trabalhos, reflete a realidade de um cortiço na

cidade do autor. Tal idéia é compartilhada por Oliveira e Vilela 2008. O literato afirma que,

ao narrar suas historias, utiliza partes que podem ser autobiográficas, o mesmo exemplifica,

citando uma obra de Humberto Campos.

Um levantamento bibliográfico poderia claramente apresentar comprovações de que aspectos,

fatos e mesmo funções que os escritores incluem em suas obras, se fazem ou se faziam

presentes em seu cotidiano. A inspiração desses autores, certamente, seguem de forma mais

aleatória e subjetiva do que a chamada ciência, entretanto extrair idéias da realidade pode ser

mais fácil do que concebê-las de um marco zero. As obras, por mais fantasiosas ou

improváveis que sejam, apresentam alguma ligação com a realidade, se não por uma realidade

concreta, mas por outra obra religiosa, mitológica que normalmente surgem da super

valorização de um feito.

O imaginário literário pode refletir o desejo, mas também as decepções, algumas vezes esta

pode se mostrar ainda mais importantes nas obras do que o sentimento inverso. Um bom

exemplo ocorreu na primeira fase do romantismo no Brasil, os escritores e poetas deste

período escreviam seus trabalhos voltados para si mesmos, retratando seus desejos

impossíveis, dos quais faziam parte amores impossíveis, e feitos improváveis. Tais atitudes os

levaram a uma fuga de realidade, bastante insalubre, desejo de morrer, neste período surgiu a

expressão “mal do século”; esta fase antecedeu ao naturalismo.

O imaginário pode se concretizar, possibilitado pelo pensamento (Lefebvre 1958). O

pensamento, em seu movimento, pode se estancar, ou seja, dar uma pausa que resulta em

obras e produtos como textos, resultados ideológicos e a verdade convencional, como

exemplo pode ser citado todo o produto intelectual, tais como livros, projetos e mesmo

Page 25: Monografia edvaldo rocha

30

ideologias. Entretanto, o pensamento não segue um cadencia linear, sendo improvável que se

encontre um início e fim do mesmo.

3.2-A cidade no ideário literário do século XIX (Paris e Rio de Janeiro)

Como comentado anteriormente, a literatura universal pode conter inúmeras obras que

contenham historias de caráter apenas lúdico ou “contemplativo”, mas que trazem em suas

entrelinhas informações úteis à interpretação da realidade. Por exemplo, a citação abaixo do

livro A cidade e as serras, de Eça de Queiros, traz um recorte de uma parte de Portugal onde o

autor tem a sensibilidade de descrever perfeitamente o espaço, que supostamente seria de uma

propriedade rural. O texto transmite a impressão de que a paisagem descrita encontra-se a

frente do leitor.

No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando por colinas e vales, muros altos de boa pedra, ribeira, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava grão e plantava cepa em tempos Del-rei D. Dinis. (QUEIROZ,1963, p.11)

Pelos detalhes escritos é possível extrair certo volume de pequenas informações que

certamente serviriam de fonte para pesquisadores, que tivessem o propósito de inferir sobre

atividades econômicas ou mesmo características físicas da região citada. Entretanto, na

seqüência, o autor chama para a vida o que seu personagem leva, enfatizando que o mesmo

preferia viver em um palácio em Paris do que naquela propriedade que pertencia a sua

família– mesmo que tivesse sido a da boa situação em que vivia. A citação a seguir esclarece

melhor a afirmação: “Mas o palácio onde jacinto nascera, e onde habitara, era em Paris nos

Campos Elíseos, nº 202” (QUEIROZ, 1963, pag.11), Por uma conclusão bem natura, a idéia

de civilização, para Jacinto não se separava da imagem de cidade, de uma grande cidade

com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente.” (QUEIROZ, 1963, pag.20),

Page 26: Monografia edvaldo rocha

31

esta afirmação indica de certa forma a ligação que o personagem tem com o urbano, o que

pode ser entendido como negação ao rural e elitização do espaço em que vive atualmente a

cidade.

Na literatura brasileira, José de Alencar, outro romancista e talvez um dos primeiros escritores

de folhetins populares, descrevia em suas obras comportamentos e hábitos da sociedade

carioca no século XIX, que mesmo pertencendo a uma categoria menos intelectualizada da

literatura, o obra do autor permite a extração de informações úteis ao estudo sociológico

daquele período, inclusive sendo comentado por Candido (2006) e como na citação abaixo.

Tomemos um exemplo simples: o do romance Senhora, de José de Alencar. Como todo livro desse tipo, ele possui certas dimensões sociais evidentes, cuja indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico: referências a lugares, modas, usos; manifestações de atitudes de grupo ou de classe; expressão de um conceito de vida entre burguês e patriarcal. Apontá-las é tarefa de rotina e não basta para definir, o caráter sociológico de um estudo. (CANDIDO, 2006, p. 16)

Numa fase que na literatura é chamado de “Naturalismo” o escritor Aloísio de Azevedo,

escreve romances que, como apontado anteriormente, mostram na ficção parte da realidade

social de sua época. Este trabalho irá discutir partes de dois de seus romances.

Em O homem e o cortiço, Azevedo, narra a historia de uma jovem que descobre que seu

grande amor de infância, na verdade era seu meio irmão, desta forma o livro gira em torno da

trágica corrosão da sanidade da moça e as tentativas do pai e do médico da jovem, para que

esta tenha uma vida normal. No entanto, as suas frustrações levam-na à loucura, culminando

num final trágico, bem ao estilo naturalista. Em vários momentos o autor cria cenários onde o

espaço é representado, hora negando a cidade e em outros a exaltando. Na citação a seguir o

autor descreve um momento na Paris do século XIX, onde se percebe que o ideário de cidade

para o carioca daquele período seria representando pela “cidade luz” : Lembra-se que a

expressão corresponde à insígnia da Paris desde o iluminismo e perdura até os dias de hoje.

Novamente aparece uma referência às imagens de outros lugares que não no território

Page 27: Monografia edvaldo rocha

32

brasileiro, o que sugere a relevância das obras de literatura quanto aos diferentes lugares e sua

análise, a literatura comparada – como discutida no capítulo anterior.

A semelhança do Rio de Janeiro com outras grandes cidades, foi assim expressa, em outra

obra, pelo autor em destaque:

As multidões assustavam-na com a sua grosseira e ruidosa atividade dos grandes centros de indústria e do comercio; o verminar das avenidas do boulevards, as enchentes de teatro, a concorrência dos passeios públicos, as aglomerações das oficinas e dos armazéns de moda, cheiro de carvão-de-pedra, o vaivém de operários o zunzum dos hotéis, tudo isto lhe fazia mal. (AZEVEDO, 2005, p.49)

A idéia do pai de Magda, personagem do livro O homem, seria de levá-la a uma viagem pela

Europa, para que esta, talvez, pela mudança de ares ou por motivos emocionais, obtivesse

uma recuperação, uma vez que a mesma vem sofrendo de problemas emocionais.

Para Oliveira e Vilela (2008), a cidade do Rio de Janeiro enxerga nos primeiros anos do

século XX, inúmeras transformações resultantes do século anterior, que se apresentou como

um período de grandes mudanças, tanto nos âmbitos sociais, como políticos e culturais

servindo como fomento a frustrações dos escritores e assim refletindo em sua literatura. A

idéia de se atingir uma suposta modernidade era a esperança destes autores, que viam nas

mudanças estruturais uma forma do Brasil sair do atraso cultural e alcançar os padrões

europeus e, mais especificamente, o modelo Francês.

No entanto Lefebvre (2008), diz que a cidade não responde nem às vontades nem às

necessidades de seus ocupantes. O espaço urbanístico responde a um conjunto de normas e

regras dominado pela ordem próxima da vizinhança, ou seja, mesmo que se alcance mudanças

consideráveis, assim mesmo o espaço se moldara conforme seu entorno.

Page 28: Monografia edvaldo rocha

33

Assim, o lugar serve como complemento para as cidades. Caso contrário, o espaço, mesmo

que construído pela lógica funcional, a fim de suprir as necessidades de seus ocupantes não

seria atrativo ao indivíduo, o que prejudicaria a reprodução social. Novamente Aloísio de

Azevedo, através de seus personagens, parece negar a cidade do Rio de Janeiro, ou melhor,

seu centro como um espaço propício a melhora da personagem. No olhar desse, a cidade não

estava facilitando a melhora da doente Magda. Desta vez o conselho parte do médico para o

pai de Magda, pois na visão deste o estado de saúde de Magda se alteraria para melhor, se esta

mudasse de “ares”, certamente mais salubres:

Depois de praguejar contra todo o mundo e ralhar cuidadosamente com o conselheiro, aconselhar a este que levasse a doente para outro arrabalde mais campestre, onde não houvesse igreja perto de casa e onde ela pudesse estar mais em liberdade e mais em movimento. E, logo que se sentisse melhor, convinha despertar-lhe o gosto por qualquer ocupação matinal. Nada de belas artes, nem leituras: exclamava o cirurgião – jardinagem, serviço de horta, jogos de exercício, como brilhar, a caça, a pesca... (AZEVEDO 2005 pag. 57)

Percebe-se pela narrativa que o personagem, ao mesmo tempo que descreve o ideal de lugar

para recuperação de seu paciente, no seu imaginário, elege o campo como sendo melhor que a

cidade. Esta também foi uma idéia que durante muitos anos, esteve ligada ao imaginário

popular brasileiro, podendo ser citado como exemplo a cidade de Belo Horizonte, que durante

muitos anos foi chamada de “cidade jardim”, por possuir um clima supostamente mais

ameno, propício ao bem-estar dos doentes de tuberculose.

Como mais um detalhe importante da obra em foco, e que também pode servir como registro

para a compreensão da cidade do Rio de Janeiro no século XIX, é a apresentação do autor

onde o mesmo, mostra o bairro da Tijuca, fora do centro urbano e o classificando como

bucólico e com características rurais, percebe-se desta forma que a cidade, ainda que a mais

desenvolvida daquele período, no Brasil, tinha, em termos territoriais, o rural bem próximo ou

mesmo ainda inserido nela.

Já em O cortiço, Aloísio de Azevedo experimenta observar a cidade do Rio de Janeiro de

anglos diferentes. Seus personagens estão inseridos em camadas diferenciadas da sociedade

Page 29: Monografia edvaldo rocha

34

carioca do final do século XIX, desta forma ele percebe de forma mais apropriada

determinados aspectos, descrevendo melhor certas relações, que existiam nas camadas menos

favorecidas, ao contrario de Jose de Alencar seu contemporâneo, que em suas historias

apresenta a cidade e a sociedade, daquele período através das camadas mais abastadas.

O cortiço tem o seu dia a dia narrado na história, a descrição do espaço físico é bastante

explorada pelo autor transmitindo ao leitores uma idéia de como a cidade respondendo às

necessidades e mesmo a ganância, cresce de forma desordenada, servindo apenas às

necessidades mais básicas e emergenciais.

Em outros momentos, por interesse, o dono do cortiço, João Romão, passa a alterar a forma e

a dinâmica da construção, retirando o maior lucro de seu empreendimento. No decorrer da

historia a percepção do “rentismo” o ganho monetário que a propriedade da terra pode

propiciar – é perceptível no livro nos momentos onde João Romão altera o tamanho dos

barracos e em outro quando o mesmo resolve substituir o cortiço por uma construção “mais

nobre”. O trecho abaixo mostra parte da transformação do cortiço.

.... E assim como este, notava-se por ultimo na estalagem muitos inquilinos novos, que já não eram gente sem gravata e sem metais. A feroz engrenagem daquela maquina terrível, que nunca parava, ia já lançando os dentes a uma nova camada social que, pouco a pouco, se deixaria arrastar inteira pra dentro...(AZEVEDO, 1981, p.141).

O interesse de um dos seus personagens principais, no caso João Romão, em vários momentos

apresenta-se como agente transformador da cidade, ora empreendendo as construções, criando

ou aumentando seu cortiço, ora tentando galgar nas posições sociais e se mostrando

intolerante com seus inquilinos, mesmo com aqueles a quem explorou para alcançar tais

posições.

Page 30: Monografia edvaldo rocha

35

O trecho a seguir mostra o primeiro instante onde o personagem, privando-se de qualquer

conforto ou luxo para partir de seus lucros fazer novos empreendimentos, no caso a

construção do cortiço.

João Romão não saia nunca a passeio, nem ia a missa aos domingos; tudo que rendia a sua venda e mais a quitanda seguia direitinho para o caixa econômico e daí então para o banco. Santo assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta publica algumas graças de terras situada ao funda da taverna, arrematou-as logo e tratou sem perda de tempo de construir três casinhas de porta e janelas. (AZEVEDO, 1981, p. 15)

Neste período, o personagem João Romão aproveitava da ausência do controle fundiário pelo

Estado e se valendo da esperteza, roubava de construções vizinhas materiais e ferramentas

para então tocar seus novos negócios. Aloísio de Azevedo traça assim parte do que seria a

expansão da cidade do Rio – a produção de sua periferia. No período pré-republicano e

escravista, já com algumas características capitalistas, o autor, apesar de enfatizar o caráter de

seus personagens, trás nas entrelinhas um perfil das relações sociais. O interessante é que, na

obra em foco, o autor mostra a todo o momento que o estado pouco se faz presente, com as

iniciativas nas poucas vezes apenas através do uso da força, inclusive a policial, para manter

uma posição ou atendendo a vontade dos mais abastados.

A grande contribuição da obra de Aloísio de Azevedo é a de conseguir apresentar uma

registro de um período de crescimento da cidade do Rio de Janeiro, ou seja, na segunda

metade do século XIX, de centro receptor de influências e idéias estrangeiras, principalmente

européias, o que fazia com que as transformações de seu espaço girassem em grande

velocidade e que mudavam sua paisagem consideravelmente. A idéia transmitida pelo trecho

abaixo extraído do livro o cortiço, exemplifica bem o crescimento e as transformações pela

qual passavam a cidade.

Entretanto, a rua lá fora povoava-se de um modo admirável. Construía-se mal, porem muito; surgiam chalés e casinhas da noite para o dia; subiam-se alugueis; as propriedades dobravam de valor. Montara-se uma fabrica de massas italianas e outra de velas e os trabalhadores passavam de manhas e as aves Maria, a maior parte deles iam comer a casa de pasto que João Romão arranjara aos fundos de sua varanda. (AZEVEDO, 1981, p. 20)

Page 31: Monografia edvaldo rocha

36

3.3-Belo Horizonte: do produto ao lugar na literatura

Observa-se que Belo Horizonte, como exemplo dessa lógica, nasceu do planejamento

moderno. Seus marcos, seus limites, suas ruas foram previamente estabelecidos, seus

idealizadores acreditavam estar criando a cidade-modelo da recente República. Uma vez que

Ouro Preto não permitia grandes reformulações; sua demarcação física não facilitava a

construção de grandes avenidas ou bulevares como os parisienses, nem a possibilidade de

intervenções grandiosas, devido à existência de ladeiras e becos e de casas em morros.

Mesmos esses que, no entanto, serviram há tempos para os governos. Agora, não

interessavam mais aos planejadores da recente República. Foi necessária a produção de uma

nova cidade, num sítio mais propício à “modernidade”, muito festejada naqueles idos.

O individuo, ou seja, o componente humano, num processo como este, não é visto como se

deveria: normalmente são expropriados ou mesmo expulsos de suas terras, como foi o caso

dos moradores do antigo Curral Del Rei. Os planejadores, afim do sucesso de seus projetos,

reconhecem o espaço apenas como um “vazio a ser preenchido”. As pessoas são vistas como

multidão, como um fluido que deve ser liberado, quando necessário realocado, ou

transportado como o gado ou como objetos inanimados.

Quando Lefebvre (1991) chama o leitor a escolher um dia no inicio do século XX, onde o

mesmo deveria procurar mais fontes de informações sobre o ocorrido naquele dia, certamente

não se encontraria nas fontes convencionais nenhuma noticia de pessoas comuns a não ser que

estivessem envolvidas em algo muito importante. Como a pessoa comum não terá seus dias

contados nos livros de história, tampouco são considerados parte da mesma, normalmente são

considerados integrantes da multidão. A história dos moradores do antigo Curral Del Rei foi

muito pouco registrada. Pouco se encontra sobre a antiga ocupação do vilarejo, anterior à

capital, muito menos de cada morador, sendo esta uma informação oficial, apresentada

inclusive no portal oficial da prefeitura.

Page 32: Monografia edvaldo rocha

37

De onde se pode retirar então as histórias e registros que mostram o cotidiano, a vida real, o

indivíduo? Na verdade seria impossível guardar tais registros na sua totalidade. No entanto, a

literatura, através de suas várias ramificações, faz um registro não oficial de parte destas

memórias e, de certa forma, serve de apoio à história e aos demais segmentos do

conhecimento.

Bergman (1982) apresenta argumentos que embasam tais afirmações, pelo menos no caso da

“Paris de Baudelaire”. Seguindo no caminho inverso da multidão e da burguesia parisiense,

este adentra pelo submundo da cidade, ou seja, pelos lugares do povo e, daí, tenta mostrar a

cidade oculta por grandes obras e atrás do projeto dominante e moderno.

Na Belo Horizonte da década de 30 do século XX, inaugura-se um tempo histórico diferente.

Seus procedimentos são também refeitos por escritores e poetas. Logicamente que estes

relatos serão comuns em outros tempos e, mesmo hoje, é feito por outros literatos, inclusive

com publicações muito recentes. Os escritores mineiros do século XX e, principalmente das

três primeiras décadas daquele século, no decorrer de seus trabalhos acabaram contribuindo

para o registro de parte da memória da cidade. Como dito anteriormente, o fizeram de uma

forma não oficial.

Por exemplo, Ciro dos Anjos (1937) mostra, já nas primeiras linhas de seu livro e através de

seus personagens, a insatisfação dos mesmos com a jovem cidade de Belo Horizonte,

planejada para a função administrativa, se a capital do Estado de Minas Gerais. O autor se

utiliza de um de seus personagens para compará-la a Paris, não pela grandiosidade, mas pela

falta de lugares para a diversão.

Em vários trechos do texto, a cidade é apresentada ora por personagens boêmios e outros

momentos pelo personagem principal, Belmiro, que mesmo não sendo pertencente à classe

mais abastada, também não faz parte da mais humilde.

Page 33: Monografia edvaldo rocha

38

Os personagens de Ciro dos Anjos, mesmo estando nos locais onde se encontram e se

divertem as classes menos abastadas, não praticam as mesmas atividades sociais dessas. Ao

citá-las, o autor mostra-as a certa distância de suas vidas. Mesmo Belmiro, que aparentemente

não era mais detentor de grande fortuna, mantinha-se distante, demonstrando conhecer este

mundo, mas deixando claro que sua esfera era outra.

O trecho:“ .. fiquei rente do cego da sanfona, não sei se ouvindo as suas valsas ou se ouvindo

outras valsas que elas foram acordar na minha escassa memória musical (p. 33), mostra

Belmiro transitando pelas ruas de Belo Horizonte absorto em seus pensamentos, mas o mais

importante é como ele percebe parte do movimento: das ruas, seus integrantes. Mesmo tendo

o pensamento em outros lugares o personagem não deixa de citar o encontro que tem com um

sanfoneiro cego, que lhe reforça as lembranças de um outro tempo. Mesmo tocando um

instrumento musical, o cego não é considerado um artista pelo personagem, que o considera

apenas como um pedinte.

Em outra esquina, logo em seguida, Belmiro encontra outro sanfoneiro e a este chama de

artista, não pelos critérios artísticos do mesmo, mas porque este não se valia da arte para

sobreviver. “Era precisamente por ali que estacionaria outro sanfoneiro que não esmolava

nem era cego e tocava apenas por amor a arte, ou talvez para chorar as mágoas.” (p. 33).

Como nas citações acima percebe-se que, mesmo esmerado no chamado cotidiano, Belmiro

não se sentia parte dele, não se via como proletário ou como integrante das classes menos

abastadas, de seu grupo de amigos e mesmo de vizinhos. Certamente a arte literária imita a

vida, pois assim também eram os escritores mineiros dos anos da década de 1930: apesar de

escreverem e verem a cidade do meio da multidão, como Baudelaire no século anterior,

claramente não eram do povo; apenas transitavam por eles.

De certa forma Bergman (1982), mostra, nas palavras de Baudelaire, e em suas próprias,

como a arte apesar de liberária, também pertence à burguesia,

Page 34: Monografia edvaldo rocha

39

O motivo burguês fundamental, aqui, é o desejo de progresso humano infinito não só na economia mas universalmente suas esferas da políticas e cultura. Baudelaire assinala ao que ele sente como a criatividade inata e a universidade de visão dos burgueses uma vez que eles são impelidos pelo desejo do progresso na indústria e na política, estaria aquém de sua dignidade parar e aceitar a estagnação em arte” (BERGMAN, 1982, p.131).

Assim, a arte também serve à burguesia e ao processo de dominação, mesmo praticando certa

liberdade.

3.3.1.Percepções de Belmiro/Cyro dos Anjos

Belmiro idealiza a cidade ao mesmo tempo em que nega ele idealiza um lugar que possuía o

melhor dos dois, pois percebe na cidade de Belo Horizonte o lugar em que vive, em que se

diverte. Mas, ao mesmo tempo, não é de onde ele tira suas melhores lembranças o prazer esta

num tempo diferente e principalmente num espaço diferente, aparentemente é em Vila

Caraíbas que ele encontra a felicidade:

“inútil tentativa de viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós,

se nos tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou

para trás. Vila Caraíbas, a montanha, o rio, o buritizal, a fazenda, a gameleira solitária

no monte – que viviam em mim , iluminados por um sol festivo em 1910...” ANJOS

pag 96.

Ciro dos anjos remete o personagem Belmiro para o que lhe trazia mais felicidade. Não que

Belo horizonte não fosse o local onde Belmiro gostaria de estar, mas o verdadeiro sentido de

lugar para o personagem é aquele em que ele encontrava a felicidade e onde a paisagem e seus

componentes lhe traziam significado.

Page 35: Monografia edvaldo rocha

40

Entretanto, ele via na cidade uma maneira de mudar, pois via na cidade as oportunidades de

mudanças. Belmiro considerava o meio em que viveu, no caso Vila Caraíba, como influência

negativa para a formação dos indivíduos. Talvez esta seja uma influência sofrida pelo autor,

acreditando que o meio seja o fator determinante na formação do individuo. Idéia semelhante

parece se expressar via “Jeca Tatu” personagem de Monteiro Lobato em Urupês – no caso o

homem rural pobre e doente.

“O que a meus olhos surgiu foi a sombra miserável de um tempo que morreu. O sertão

estraga as mulheres e a pobreza as consome. Mas, a devastação maior lhes causa

porventura a nossa imprudência, querendo cotejar com a realidade as invenções de

uma desenfreada fantasia...” (ANJOS, pag. 97)

Entretanto, o próprio autor nega que o espaço seja o responsável pelos problemas para este é o

tempo em que não é o mesmo por isto a infelicidade de Belmiro e suas irmãs. Mas em trechos

anteriores o autor, através de outros personagens, nega e idealiza a cidade; o que lhe trazia de

conforto maior na cidade era impessoalidade de alguns momentos. Apesar de Belo Horizonte

ainda engatinhar nos idos da década de 1930, já possuía, segundo a obra agora em foco,

multidão onde o cidadão podia se converter em citadino e desaparecer ou se ocultar, num

anonimato inconcebível em Vila Caraíbas.

Os dias de festa coletiva, introduzo o elemento multidão na minha esfera e propondo-me novos espetáculos ou novas sugestões, interrompem o equilíbrio do meu pequeno mundo e nele vem produzir desnivelamento que suscitam mais fundos movimentos interiores.

Neste carnaval de 1935, hoje começado, mais do que nunca me senti de modo tão vivo a impossibilidade de me fundir na massa, de seguir, como célula passiva, seu movimento de translação, de receber e transmitir essas forças misteriosas que atuam, comunicando-se de individuo para individuo e resultando, afinal, numa força uniforme, esmagadora, de força ou ciclone. (ANJOS, 2001, p. 35)

Percebe-se que o fenômeno da multidão, para o autor, permitia o anonimato mas,

contraditoriamente, no momento da festa, aproximava os indivíduos que se viam desprovidos

de preconceitos e de regras morais, se encontrando assim em comunhão, pois a contradição é

Page 36: Monografia edvaldo rocha

41

apenas aparente: o anonimato implica em não precisar ter medo dos julgamentos e

condenações dos familiares, amigos e das instituições, como a Igreja.

A grande contribuição da obra de Ciro dos Anjos está em descrever tão bem as percepções de

um belo-horizontino, no caso de Belmiro que adotou a cidade, pois não nasceu na mesma.

Mas este a vivia em seu cotidiano e a percebia a seu modo. Tais percepções são descobertas

relevantes ao conhecimento de Belo Horizonte, pois não estão descritas em livros ou em

jornais, são registros de um período e de uma cidade. Certamente que o personagem e ao

autor se assemelham, uma vez que, em Ciro dos anjos, tal cidade é mostrada como uma

cidade nova sem os problemas da metrópole: seus moradores ainda se conhecessem e os

vizinhos ainda se encontram nas ruas, têm relações amistosas, preocupam-se uns com os

outros. A contribuição da obra de Cyro dos anjos é justamente esta retratar uma memória da

cidade em um tempo que os registros não eram tão atentos à vida e às expressões dos

citadinos, como ainda não são. Mostra que as relações eram diferentes das praticadas pelos

homens de decisão, os governantes, e os de execução, os engenheiros e os funcionários

públicos. Para os migrantes, entretanto, a capital não era o lugar que estes “novos belo-

horizontinos” idealizavam: o campo ainda esta presente em seu cotidiano.

Page 37: Monografia edvaldo rocha

42

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A pesquisa acadêmica segue um caminho inicialmente planejado, onde o todo se inicia com

uma conversa ou uma idéia. No entanto, tanto a conversa como a idéia seguem caminhos

subjetivos. Assim pensar todo o trajeto que se realiza do início da pesquisa, ou seja, da

primeira idéia, passando pela primeira orientação ate chegar às referências bibliográficas, é

um longo caminho.

Para um aluno de graduação este caminho se torna ainda mais complicado, pois juntamente

com todo o trabalho, ainda tem-se que preocupar com fechamentos de outros compromissos,

mesmo assim faz-se necessário envolvimento, compromisso e muita leitura.

O presente trabalho seguiu uma linha semelhante ao descrito nos parágrafos anteriores

surgindo de uma idéia, a princípio, subjetiva, e bastante pessoal, mas que em seu percurso

mostrou-se trabalhosa e complexa. O planejamento é somente o início do trabalho, predizer

tudo que possa vir a ocorrer seria insanidade e cumpri-lo, sem alterações seria uma distorção

da realidade. Desta forma a conclusão que pode se chegar é que ao se iniciar uma pesquisa,

como esta, tem-se apenas a certeza de que ocorreram imprevistos, mudanças e contratempos.

Compreender a cidade é uma tarefa difícil, mesmo quando se percorre um caminho técnico,

como o praticado pela geografia e demais áreas do conhecimento. Assim, o primeiro passo

seria delimitar, dentro das possibilidades, o que seria a cidade – origem e desenvolvimento ao

longo da historia – para alcançar o objetivo principal que seria apontar, em textos literários, a

contribuição da literatura universal para a compreensão das cidades.

O longo e ardoroso caminho a se percorrer mostrou-se possível, quando se fez necessário

conhecer a literatura, mesmo esta possuindo suas próprias questões, temáticas, ferramentas de

análise etc. Escolher apenas uma e que fosse adequada para a tarefa proposta, fez com que

Page 38: Monografia edvaldo rocha

43

novas idéias surgissem dando novo fôlego à pesquisa. A literatura comparada foi a escolha

mais apropriada, apesar desta por si só já permitir possíveis inúmeros trabalhos acadêmicos

como o apresentado aqui.

Ter um contato com métodos fora de prática científica em que estamos inseridos pode parecer

complexo, pois em determinadas situações, vemo-nos condicionados a um tipo de idéias ou

mesmo a linhas já pré-determinadas. Mas no caso deste trabalho foi muito empolgante, pois

além de ser uma ótima ferramenta para analise de textos literários, a literatura comparada

mostrou-se agradável de ser manuseada, mesmo que superficialmente, além de permitir as

analises de textos bastante distintos.

A consideração do imaginário neste trabalho – uma das palavras mais utilizadas neste trabalho

não seria exagerada, pois é justamente este o fomento de toda a idéia apresentada, o

questionamento se a cidade é produto do imaginário ou se em algum momento está a

influenciá-lo. A conclusão a que se chega é de que esta é uma via de mão dupla e, com uma

possível marginal, “na paralela”, o processo mostra-se dinâmico, pois ora a cidade fornece

atributos que influenciam a idealização de um espaço imaginário ideal e, em outras, os

indivíduos transformam o espaço naquilo que lhes tragam sentido, sendo um bom exemplo o

lugar.

A marginal citada acima corresponderia à idealização derivada de outras obras. Assim como

na literatura, a idealização pode se inspirar em algo que já foi construído, mesmo este não

sendo concreto. Muitas vezes, apenas se apropriando da estrutura do que já existe como, por

exemplo, a relação percebida por Antônio Cândido sobre o livro O Cortiço, de Aloísio de

Azevedo, e a obra de Emile Zola, como citado por este trabalho.

Como relatado anteriormente, predizer o que pode se encontrar na pesquisa é complicado,

entretanto uma afirmativa é certa: a primeira idéia normalmente apenas arranha a superfície

do que pode surgir no decorrer do processo. A crença de que a literatura contribuiria para o

entendimento da geografia sempre existiu e foi o ponto de partida, mas ao findar a pesquisa, a

Page 39: Monografia edvaldo rocha

44

impressão que fica é de que esta contribuição não é apenas exceção, mas regra, pelo menos no

romance.

A relação entre personagem e autores em alguns casos vai além do exercício de produção

textual, o que se percebe é que alguns personagens possuem características muito semelhantes

à de seus idealizadores. Analisando o caso do personagem principal de Cyro dos Anjos,

Belmiro, percebe-se neste uma busca além de seu cotidiano, o personagem parece refletir

angustias e decepções de um indivíduo real, algumas destas características se assemelham

muito as do próprio autor.

No entanto, partes destas características se encaixam em pessoas que conhecemos

normalmente, o que leva a comparações possíveis, por exemplo, mesmo estando em tempos

históricos diferentes é possível identificar um personagem que se pareça com um conhecido,

um vizinho ou mesmo um parente. Esta afirmação se mostra possível pelo processo ao qual se

passa o pensamento, e muito pela seletividade e subjetividade da memória.

Mesmo caso quando se analisa a obra de Aloísio de Azevedo, O cortiço, quando o leitor se

envolve nas narrativas feitas sobre o espaço físico do mesmo, percebe-se características muito

semelhantes com as encontradas neste tipo de ocupação nos dias de hoje, mesmo a historia

tendo sido ambientada no século XIX.

Na medida do “impossível”, talvez devido ao tempo curto, para um trabalho acadêmico como

este, a impressão que se fica ao findá-lo, como documento, não como pesquisa, é de que ainda

existem inúmeros pontos a se explorar, caminhos que devem ser seguidos, mas que por razões

institucionais ficaram na expectativa de investimentos futuros, certamente atendendo não mais

a uma formalidade, mas como uma prazerosa ocupação.

Page 40: Monografia edvaldo rocha

45

REFERÊNCIAS

ADORNO, T.W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro:Zahar, 1985.

AMORIM, Alan Ricardo de. A Literatura em busca de um conceito. 2001, Ano I - Nº 02. Maringá. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br//02_literatura.htm. Acesso em 04 Jul de 2009. .ANJOS, Cyro dos. O amanuense Belmiro. Belo Horizonte:José Olímpio,1937.

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo:Martins, 1962. 254p.

AZEVEDO, Aluísio. O homem. Rio de Janeiro: Martin Claret, 2003. 181 p.

BELÚZIO, Rafael Fava. . Literatura e sociedade: o Brasil do século XIX na poética de Álvares de Azevedo. In: V CONGRESSO DE LETRAS DO CENTRO UNIVERSITÁRIO DE CARATINGA, 2005, Caratinga. Discursos e identidade cultural. Caratinga : UNEC. p.1-10.

BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o arquiteto: método e historia na arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1991. 144p.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Editora Schwarcz, 1986.

BRECHT, Bertolt Poemas, tradução Arnaldo Saraiva. Lisboa: Ed. Presença, 1971.Disponível em http://www.univ-ab.pt/~castilho/noite%20e%20dia.pdf. Acesso em 23 set de 2009.

BÍBLIA. Português.A Bíblia sagrada: contendo o velho e o novo testamento.São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Trad. Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

CÂNDIDO, Antônio. Literatura e sociedade.. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 9. ed 2006.

CANDIDO, Antônio. De cortiço a cortiço. In. NOVOS ESTUDOS CEBRAP, São Paulo: s.n, n 30, p.111- 129, julho 1991.

Page 41: Monografia edvaldo rocha

46

CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada.. São Paulo: Ática, 2006. 94 p.CHIARETTO, M. Literatura e Educação: uma proposta de inclusão social a partir de Antonio Candido. XI Congresso Internacional da ABRALIC, 2008, São Paulo. Interações, Convergências. São Paulo : ABRALIC, 2008. Disponivel em : http://www.abralic.org.br/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/009/MARCELO_CHIARETTO.pdf. Acesso em 12 fev de 2009.

MUNFORD, Lewis. A Cidade na História: suas origens, desenvolvimentos e perspectivas. São Paulo: Martins Fontes, 1982.

LEFEBVRE, Henri. Espaço e Politica. Tradução de Margarida Maria de Andrade e Sergio Martins. Rio de Janeiro, Editora UFMG, 2008.

LEFEBVRE, Henri; MARTINS, Sergio. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. 178 p (Humanitas)

LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal / Lógica Dialética. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 5 ed.,1991.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Moraes, 1991 145p

LEFEBVRE, Henri. Critique de la vie quotidienne. Paris: L'arche, 1958-81. 3 v.

MUMFORD, Lewis. A cidade na historia. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. 2v.

MUMFORD, Lewis. A cultura das cidades. Belo Horizonte: Itatiaia, 1961. 590p.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 510 p.

MICELI, Sergio. Experiência social e imaginário literário nos livros de estréia dos modernistas em São Paulo. Tempo soc. [online]. 2004, vol.16, n.1, pp. 167-207. Disponível em : http://www.scielo.br/scieloOrg/php/reference.php?pid=S0103-20702004000100010&caller=www.scielo.br&lang=en. Acesso em 09 de mar de 2009.

ROLNIK, Raquel. O queée cidade. São Paulo: 1988. 86p.

Page 42: Monografia edvaldo rocha

47

SPOSITO, Maria Encarnação B. Capitalismo e Urbanização. SP. Contexto,1988.

VILELA, Marcos A. Maia ; OLIVEIRA, S. R. S. .. In: XI A cidade do Rio de Janeiro através da ficção científica de Humberto de Campos CONGRESSO INTERNACIONAL da ABRALIC, São Paulo. Tessituras, 2008.