new a interaÇÃo entre famÍlia e escola · 2008. 12. 14. · sobre as mudanças nos padrões...
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A INTERAÇÃO ENTRE FAMÍLIA E ESCOLA
MARTINS, Maria Silvinha Cararo 1
RESUMO: O presente artigo traz os resultados de pesquisa teórica e de campo desenvolvida durante o período de estudos do PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) em 2008. O estudo aborda o relacionamento da família com a escola, mais especificamente da interação que possa ser promovida no ambiente educacional. Fundamenta sua análise em autores como Ariès (1981) e Engels (2002) por considerar que a configuração da família deve ser entendida em seu contexto histórico e social. Por meio de entrevista semi estruturada, foram coletadas informações com alunos e equipe pedagógica da escola no qual se desenvolveu a pesquisa que permitiram à pesquisadora uma visão da configuração do grupo família da escola pesquisada e, ainda, da forma como alunos e equipe pedagógica vêem o processo de interação família e escola. Conclui que a interação, com a família dos alunos, torna-se fator fundamental para a promoção de uma educação integral e humana que ultrapasse as necessidades materiais e de uma cidadania, apenas, produtiva. ABSTRACT The present article brings the results of a theoretical and a field research that was developed during the period of studies of PDE - Program of Educational Development of The State Department of Parana Education (SEED) in 2008. The study shows the family relationship with the school, more specifically the interaction which can be promoted in the educational atmosphere. Its analysis was based on authors such as Ariès (1981) and Engels (2002) . They consider that the configuration of the family should be understood in its historical and social context. Through a semi structural interview was collected information from students and school pedagogic team in which the research was developed. So this way it allowed the researcher a vision of the family group configuration of researched school. Also the researcher could observe how students and pedagogic team could see the process of family and school interaction. That research concludes that the interaction with the students' family has become a fundamental factor in the promotion of an integral and human education, and it overcomes the material needs and it also builds a productive citizenship.
1 Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, graduado em geografia e Gestão Escolar, atua como professora da Rede Pública estadual de ensino do Paraná, e em Cursos de Pós-graduação.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este artigo é o resultado de um trabalho de pesquisa e aplicação, voltado
aos estudos do relacionamento da família com a escola, mais especificamente da
interação que possa ser promovida dentro dos ambientes educacionais,
desenvolvido por meio do PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, da
Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), em parceria com a
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
O PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional – com uma política
educacional inovadora de Formação Continuada das professoras e professores
da rede pública estadual propõe um conjunto de atividades organicamente
articuladas, definidas a partir das necessidades da Educação Básica, e que busca
no Ensino Superior a contribuição solidária e compatível com o nível de qualidade
desejado para a educação pública no Estado do Paraná.
Para tanto, o presente estudo foi desenvolvido no ano de 2008, na
Educação Básica, com a prática voltada à equipe pedagógica, da Escola Estadual
professor Bento Munhoz da Rocha Netto, pertencente ao município de Paranavaí.
As atividades foram desenvolvidas no período de Agosto a Dezembro de 2008.
O objetivo do presente texto é analisar o processo de interação família e
escola no contexto atual. Para isso o presente estudo traz os resultados de
pesquisa de campo desenvolvida com alunos e equipe pedagógica da escola
quanto ao relacionamento entre família escola e, também, quanto à configuração
social e econômica das famílias da comunidade escolar em questão.
Para alcançar o objetivo proposto o presente texto está estruturado em
quatro partes. Na primeira ressaltamos a importância do tema família e escola e o
sentido da interação entre ambas, que ora propomos. Na segunda, discorre-se
sobre as mudanças nos padrões familiares, com base nos estudos de Airès
(1981) que destaca as modificações familiares da Idade Média e Engels (2002)
que explica os diversos tipos de família e a forma como a família moderna
reorganiza-se sob os novos padrões do desenvolvimento da sociedade capitalista.
A forma contemporânea de organização familiar brasileira é trazida, na terceira
parte do texto, com dados do IBGE de 2000 e 2006. Por último, analisamos, por
meio de entrevista semi estruturada, a configuração social, econômica e familiar
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da escola pesquisada e o entendimento, por parte de alunos e equipe
pedagógica, da importância da interação família e escola.
PORQUE FALAR EM INTERAÇÃO
O relacionamento entre a família e escola é, na atualidade, uma das
maiores preocupações no campo educacional. Família e escola, duas instâncias
imprescindíveis para o desenvolvimento do homem, devem ser pensadas de
forma a garantir, entre ambas, o diálogo harmônico e produtivo possibilitando,
assim, ações práticas que contribuam para a construção do aluno e filho que é o
objetivo central em comum dessas duas instâncias.
Entendemos que a interação, com a família dos alunos, torna-se fator
fundamental para que alcancemos uma educação integral e humana que
ultrapasse as necessidades materiais e de uma cidadania, apenas, produtiva.
Concordamos com Paro (2007) quando explicita que a baixa qualidade da
escola é fruto da não construção o homem humanizado, esse o verdadeiro
sentido que a educação cidadã deveria ter não o simples preparar para o
trabalho.
É importante destacar que quando falamos em interação entre família e
escola não nos referimos à antiga forma de colaboração dos pais na escola, nem
nos projetos de cunho liberal do tipo “dia dos pais na Escola” no qual os pais são
chamados para assumir trabalhos de responsabilidade do Estado. Ou, ainda,
projetos de empresas privadas pensados fora da realidade da escola e da família,
que aclamam os pais através dos meios de comunicação para serem “Amigos da
Escola”, se efetivando em forma de ajuda voluntária na escola, deixando a
imagem de uma escola que precisa da comunidade externa a ela para fazer seu
trabalho.
Os projetos do “Dia Nacional da Família na Escola” e “Amigos da Escola”, a
nosso ver, sugerem que o processo de conhecimento que ocorre na instituição
escolar fique, embora não exclusivamente, a mercê de um voluntariado
convocado a participar sem pagamento2 (neste sentido como caridade) e sem um
2 O projeto “Amigos da Escola”, na proposição da utilização do voluntário, legitima-se na Lei do Voluntariado de número 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, a qual regulamenta o trabalho
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planejamento político prévio por parte do Estado. Assim são convidadas todas as
pessoas que tem algo a oferecer a educação escolar, desde a participação no
processo de alfabetização do aluno até a limpeza ou pintura do prédio escolar. O
fundamento desta atitude está pautado no apelo ao sentimento de cidadania dos
voluntários.
De acordo com Soares (2003) a convocação das famílias para atuarem
como voluntariado caracteriza-se pela perda de um projeto político planejado e o
esvaecer da direção de política pública.
Uma outra forma de interação, que consideramos como relação, pois a
ação é realizada somente por uma das partes, em sua maioria a escola, é aquela
que os pais estão presentes no interior da escola, mas que não há movimento
que favoreça a interação, é uma forma na qual, o professor ou equipe pedagógica
são mensageiros das más notícias, gerando um clima de medo no relacionamento
entre os pais, ou responsáveis pelo aluno, professores e equipe pedagógica.
Reconhecemos que um movimento de interação entre família e escola, vai
resultar na premissa apresentada por Paro (2007), dizendo que, quando os pais
participam em eventos ou encontros na escola eles passam a entender os
esforços dos professores e da escola em um todo, e com isto a imagem social da
escola melhora, há reconhecimento profissional do professor e os pais passam a
ser mais presentes na vida do filho.
Partimos do pressuposto de que esta participação deva ser realizada sob
uma concepção interacionista, observando a forma de abordagem no qual haja
realmente a interação e não somente de relação ou integração. Estas duas
últimas formas de abordagem partem de ações externas ao indivíduo em sua
maioria não envolve a participação dos pais, os parâmetros e paradigmas que a
escola carrega são colocados como modelos únicos e verdadeiros.
No entanto, para interagir com as famílias a escola pode desenvolver uma
concepção interacionista de mediação que pressupõe duas ou mais pessoas
envolvidas, oportunizando crescimento mútuo. Neste envolvimento, deve-se
considerar as realidades sociais de todos os envolvidos, trabalhando com dados
significativos, investigados, pesquisados e orientados, tendo por finalidade a voluntário como atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública ou instituição sem fins lucrativos, não gerando vínculo empregatício nem obrigação de natureza trabalhista
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criação de ambientes que favoreçam a interação como troca de cooperação pela
ação.
A definição da palavra interação pode ser observada por Ferreira (2002,
p.395) da seguinte forma “Ação que se exerce mutuamente entre duas ou mais
coisas, ou duas ou mais pessoas; ação recíproca”.
Propiciar a interação entre família e escola, é resgatar vínculos positivos
para juntos tratarem de questões que condizem com as duas instâncias.
Neste caminhar devemos entender que a realidade que medeia estas
relações é social e historicamente construída, visto que o homem se constrói
incorporando experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos por outras
gerações. Neste processo, ele se humaniza a medida que, ao se relacionar com o
outro, desenvolve o seu potencial de entendimento, alterando também o potencial
de quem se relaciona com ele. É neste processo de humanização que a
interdependência entre os seres humanos é promovida, tanto para a produção de
bens como para produzir conhecimentos, valores e costumes.
Nas propostas de trabalho para a interação com a família do aluno, a escola
deverá ter como referência a perspectiva histórica e social, que ambas estão
envoltas. Entendemos que são as bases produtivas de uma sociedade que irão
determinar as suas formas políticas e jurídicas, bem como todo o conjunto de
idéias existentes em uma sociedade, como sustenta Marx (1998, p. 24):
(...) a produção de idéias, de representação e da consciência está em primeiro lugar direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens; é a linguagem da vida real (...) Não é a consciência que determina a vida, mas sim a vida que determina a consciência.
Considerando, que os fatos históricos não devem ser transpostos
mecanicamente de uma época para outra, mas sim, com entendimento de sua
complexa dinâmica, no qual encontramos avanços e retrocessos que ampliarão
nossa visão global do seu conjunto, ao desenvolver uma proposta de trabalho
com a família a clareza dessa constituição histórica da organização familiar e das
transformações que ocorreram e ocorrem ao longo do tempo são premissas
necessárias, pois essas mudanças interferem nos padrões tradicionais de
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comportamento, de sexualidade, de consumo, de educação e de relações
pessoais.
AS MUDANÇAS NOS PADRÕES FAMILIARES
Nos dias atuais já não é correto pensarmos em um tipo de família único,
constituído de pai, mãe e filhos. Diferentes abordagens teóricas evidenciam que a
família tem sofrido modificações em sua forma de convivência através dos
tempos. É pautado no trabalho de Ariès (1981) que observaremos como a família
compreendeu modificações de significados à medida que o sentimento desta
família se transformava. Pelos estudos de Engels (2002), seguiremos observando
como a família se modificou à medida que se transformava a unidade de
produção; e, através do censo demográfico realizado no Brasil no ano de 2000,
observaremos as novas formatações da organização familiar na sociedade
brasileira.
Consideramos que abordar o tema família é ter pela frente um grande
desafio, tamanha a amplitude desse assunto. Encontramos uma vasta quantidade
de pesquisas neste campo, realizadas por autores de diferentes campos do saber
- como a antropologia, a sociologia, a psicologia, a filosofia, a literatura, dentre
outros. Segundo Canevacci (1976), foi L. H. Morgan o primeiro pesquisador que,
através da antropologia, trouxe importante contribuição para o entendimento
sobre a evolução histórica da família ou sobre sua autotransformação, rompendo
com as idéias milenares sobre a eternidade das formas familiais.
O conceito básico subjacente às teorias de evolução sócio-cultural é de que as sociedades humanas, no curso de longos períodos, experimentaram processos simultâneos e mutuamente complementares de autotransformação, um deles responsável pela diversificação e o outro pela homogeneização das culturas (CANEVACCI, 1976, p.17).
Para refletir sobre algumas mudanças significativas na organização da
família nuclear, iniciaremos nos apoiando nos estudos de Ariès (1981), que, em
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suas pesquisas, partindo do final da Idade Média, percorreu a história das
transformações que envolveram a família até o século XIX.
Em seu trabalho, Ariès pesquisou, minuciosamente, na arte, no folclore e
na pedagogia, a ordenação da família nuclear conjugal e doméstica, podendo, em
suas análises, afirmar que o surgimento e o progresso dessa organização familiar
acontecia à medida que se transformava seu modo de se relacionar com a
infância. Esse fato é relevante se considerarmos que a sociedade tradicional
pesquisada por Ariès desconhecia o sentimento de infância, o qual é próprio da
sociedade moderna. De acordo com Ariès, as crianças, na arte medieval, eram
representadas como adultos em miniatura, pois das características físicas infantis
era mantido somente o tamanho. A fisionomia infantil não se mostrava nas
poucas representações de imagens de crianças registradas nas artes.
Pode-se observar, ainda, que a família tinha a presença das crianças sem
distingui-las. Elas viviam misturadas aos adultos em seus trabalhos ou lazeres,
tomavam parte nos “jogos de azar”, que nesse período não provocavam nenhuma
reprovação moral, uma vez que contribuíam para a aprendizagem.
Se os jogos de azar não provocavam nenhuma reprovação moral, não havia razão pára proibi-los às crianças: daí as inúmeras cenas de crianças jogando cartas, dados, gamão etc., que a arte conservou até nossos dias. (ARIÈS,1981, p. 61)
Por conseguinte, a preocupação com o encaminhamento específico para
estas crianças não existia. O retrato de crianças, até o século XIV, fica limitado a
representar o menino Jesus. Essa iconografia religiosa da criança transformou-se
lentamente até chegar a uma iconografia leiga, nos séculos XV e XVI, porém as
crianças eram representadas sem exclusividade. O sentimento de criança
“engraçadinha”, que seria a diversão para as pessoas com as quais convive, vai
sendo criado, numa demonstração de como a criança já começava a ser
percebida com maiores atenções.
Um avanço significativo na percepção da infância é o
... fato de que a criança se tornou uma das personagens mais freqüentes dessas pinturas anedóticas: a criança com sua família; a criança com seus companheiros de jogos, muitas vezes adultos;
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a criança na multidão, mas ‘ressaltada’ no colo de sua mãe ou segura pela mão... (ARIÈS,1981, p. 21)
Vemos que a criança, apesar de ainda viver entre adultos e como adulto, já
é ressaltada na sua condição física da infância; no entanto a transmissão de
valores não era assegurada nem controlada pela família. As crianças cresciam
misturadas com os adultos, aprendendo um ofício, trabalhando. Referindo-se a
isso, Ariès (1981, p. 157) afirma que “não havia lugar para a escola, nessa
transmissão [de valores e de conhecimentos para prática de um ofício] através da
aprendizagem direta de uma geração para outra”. Neste período,
as crianças eram freqüentemente negligenciadas, tratadas brutalmente e até mortas; muitos adultos tratavam-se mutuamente com suspeita e hostilidade; o afeto era baixo e raro. [...] A falta de uma única figura materna nos primeiros dois anos de vida, a perda constante de parentes e amigos próximo, irmãos, pais, amas e amigos devido a mortes prematuras, o aprisionamento físico do infante em fraldas apertadas nos primeiros meses e a deliberada quebra da vontade infantil, tudo contribui para um “entorpecimento psíquico”, que criou muitos adultos, cujas respostas aos outros eram, no melhor dos casos, de indiferença calculada e, no pior, uma mistura de suspeita e honestidade, tirania e submissão, alienação e violência. (STONE apud ZILBERMAN, 2003, p.36)
O sentimento da infância vai se desenvolvendo com sutileza. A
manutenção de uma ampla relação que existia entre a família medieval e a
sociedade, no sentido de que não se valorizavam os limites da individualidade,
não se conserva por muito tempo, pois a modificação dos costumes e os novos
progressos voltados à construção de uma intimidade vão superar a formatação da
família medieval, trazendo uma forma de vida familiar com modelo mais próximo
dos dias atuais.
A família medieval, que se mantinha unida pelo trabalho e pela
propriedade, exercendo a função de centro de segurança, passou por um
processo de transformação imposto pelas novas forças produtivas que se
estabeleciam na sociedade industrial. A primeira revolução industrial, que ocorreu
na Inglaterra entre fins do século XVII e início do século XVIII, além do
significativo desenvolvimento da produção, influiu também nas formas de
relacionamento entre os homens, cujos padrões econômicos e sociais vão ser
substituídos, refletindo-se no comportamento dos indivíduos. Para Ariès (1981), a
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família dos senhores passa a ser uma família mais íntima, com um
relacionamento de maior proximidade entre pais e filhos, dentro de uma
consciência de uma nova classe familiar. Ele afirma que esta família “postulava
zonas de intimidade física e moral que não existiam antes” (p. 184).
Ariès observa como esta reorganização social deixou a casa com mais
espaço para as intimidades, pois a família foi reduzida aos pais e as crianças, que
podem desenvolver um relacionamento mais afetivo e íntimo. As cartas escritas
pelo general Martange à sua mulher, entre os anos de 1760 e 1780, demonstram
a mudança significativa no recolhimento do lar, quando este relata: “Anseio por
encontrar contigo em nosso pobre lar, e gostaria de não ter nenhuma outra
preocupação além de arrumar teu quarto e tornar nossa estada cômoda e
agradável” (apud Ariès, 1981, p.186).
A Família moderna
A sociedade industrial torna as relações sociais mais individualizadas, com
maiores envolvimentos entre pais e filhos, e a casa não se encontrava mais
aberta para toda sociedade, como no século XVII, desenvolvendo o que Ariès
denomina “sentimento de família”. A família moderna passou a apresentar
características novas, e seus membros se recolhem com prazer a seus lares.
Essas transformações atuaram de forma decisiva na mudança do papel
econômico e social da mulher, que perde sua função puramente maternal. A
família assume uma vida profissional e uma particular, restringindo as relações
sociais, que antes eram extensas, e a casa perde seu caráter público. Assim, com
a convivência mais íntima, a família tende a perder o sentimento solidário que
existia entre ela e a comunidade.
Outrossim, a família, em sua condição urbana, trabalhando nas fábricas
burguesas, não é mais o centro de instrução e educação, de divertimento e lazer,
da vida religiosa e moral, pois na ordenação produtiva burguesa a família perde o
sentido de célula mestra. O Estado moderno encontra na família nuclear uma
estrutura que favorece o desenvolvimento do Estado burguês, como afirma Marx
e Engels (1998, p. 24): “O modo de produção da vida material condiciona o
desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral”.
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Com o modo de produção burguês nasce um novo tipo de organização
familiar moderna, passando a ser restrita, com menos filhos, visto que a família
recebe despesas adicionais que não havia antes: aluguéis, diversão, vestimentas,
transportes e outras exigências da vida citadina.
Na ordenação burguesa do século XIX, o sustentáculo para a sobrevivência
da classe trabalhadora era o trabalho nas fábricas. Marx (1996) observa que os
membros das famílias, agora individualizados, iam para a fábrica desenvolver
partes do trabalho, mas sob condições impostas pela produção moderna da
maquinaria. As mulheres e crianças eram forçadas a vender barato seu trabalho.
Aumentou muito o número de trabalhadores porque os homens foram substituídos no trabalho pelas mulheres e sobre tudo porque os adultos foram substituídos por crianças. Três meninas com 13 anos de idade e salário de 6 a 8 xelins por semana substituem um homem adulto com salário de 18 a 45 xelins (MARX, 1996, p. 451).
A situação da classe trabalhadora, sobretudo na Inglaterra do século XVII,
era calamitosa, visto que as indústrias exploravam excessivamente a força de
trabalho em favor da produção, contribuindo para um maior lucro dos proprietários
dos meios de produção.
(...) as 2, 3 e 4 horas da manhã, as crianças de 9 e 10 anos são arrancadas de camas imundas e obrigadas a trabalhar até às 10, 11 ou 12 horas da noite, para ganhar o indispensável à mera subsistência. Com isso, seus membros definham, sua estatura se atrofia, sua face se tornam lívidas, seu ser mergulha num torpor pétrico, horripilante de se contemplar. (MARX, 1996, p.275-276)
A família que vai sustentar a força de trabalho nas indústrias passará por
mudanças na forma de relacionamento entre seus membros. A mulher, que é
levada ao campo de trabalho deixa os filhos sem assistência em casa, quando
não os leva para o trabalho na fábrica também. O tempo para convivência entre
as pessoas que participam da família se restringe muito. Com a força de trabalho
da mulher explorada pelos baixos salários, os problemas da família se
encadeiam, conforme demonstra Marx, ao se referir à situação da classe operária
e de sua família na Inglaterra em 1861,
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(...) pondo-se de lado circunstâncias locais, as altas taxas de mortalidade decorrem principalmente de trabalharem as mães fora de casa. Daí serem as crianças abandonadas e mal cuidadas. Esse desleixo se revela na alimentação inadequada e insuficiente e no emprego de narcóticos; além disso, as mães, desnaturadamente se tornam estranhas a seus próprios filhos, e intencionalmente os deixam morrer de fome ou os envenenam. (MARX, 1996, P. 453-454)
Diante desta situação, Tocqueville (1994), nas primeiras décadas do século
XIX, interpreta determinados aspectos dessa nova família afirmando que, em
busca da democracia e liberdade, o pai de família perde sua autoridade sobre o
filho, quando esse, terminado o período da infância, toma a condução de sua
vida, apoderando-se da liberdade concedida e “traçando sozinho seu caminho”.
Assim, a democracia cria o homem individual, e
... o braço do governo vai procurar cada homem em particular no meio da multidão, para curvá-lo isoladamente às leis comuns, não é necessário que exista semelhante intermediário; o pai, aos olhos da lei, é apenas um cidadão mais velho e mais rico do que o filho (TOCQUEVILLE, 1994, p.447).
Neste sentido Goode (1970) afirma que no momento em que os pais
levavam os filhos para as fábricas, eles (os pais) ainda podiam supervisioná-los, e
deste modo exercer a autoridade paterna. Mais tarde a autoridade paterna iria
diminuir à medida que tipos mais novos de maquinaria fossem introduzidos. Desta
forma o sistema de produção fabril enfraqueceu a organização familiar tradicional
da classe trabalhadora.
É importante observarmos que as mudanças de organizações familiares
sempre ocorreram dentro de um processo histórico, a família se reorganiza, e
para Engels (2002) ela condiciona a ordem social em que vive.
Históricas, organização e reorganizações familiares
Para Engels (2002), as sociedades denominadas “primitivas” ou “em
desenvolvimento” viviam em um momento histórico em que a produção era
limitada, as famílias eram formadas por laços de parentesco amplos, sendo esta
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forma de parentesco que substanciava as obrigações do indivíduo para com o seu
grupo. Com o desenvolvimento do modo de produção, essa família antiga vai
perder seu caráter público e reduzir o seu grupo de parentesco, formando a
família patriarcal. Conforme afirma Engels (2002, p. 10),
A ordem social em que vivem os homens de uma determinada época ou de um determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família do outro.
Sabemos que a família, em seu percurso histórico, passou por várias
formas de organização, diferentes da patriarcal, e estas formas muitas vezes são
ignoradas ou omitidas pela ordem vigente. Para compreensão dos diversos tipos
de família constituídos desde os primórdios da humanidade, os estudos
realizados por Engels sobre o processo de desenvolvimento da humanidade do
Estado selvagem e da barbárie até o começo da civilização são de grande valia,
Por ora, podemos generalizar a classificação de Morgan da forma seguinte: Estado Selvagem – Período em que predominam a apropriação de produtos da natureza, prontos para serem utilizados: as produções artificiais do homem são, sobretudo, destinadas a facilitar essas apropriações.Barbárie – Período em que aparece a criação de gado e agricultura e se aprende a incrementar a produção da natureza por meio do trabalho humano. Civilização – Período em que o homem continua aprendendo a elaborar os produtos naturais, período da indústria propriamente dita e da arte (ENGELS, 2002, p. 35-36).
Através dos estudos de Engels é possível notar que em diferentes estágios
das sociedades predominaram diversas formas de organização familiar. A história
revela a presença de uma série de famílias extremamente diferentes das
consideradas válidas nos dias atuais. As pesquisas de Engels rompem com a
visão conservadora de família no momento em que mostra arranjos poligâmicos
em conjunto com a poliandria, constituindo famílias imensas, nas quais a
paternidade e maternidade eram coletivas, bem como a responsabilidade para
com a prole e com os cuidados de sua educação. Engels (2002) afirma que,
segundo Morgan, o processo de convívio e relacionamento entre homem e mulher
resulta na formação de alguns tipos de família:
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- Família consangüínea : para o autor, esta é a primeira etapa da
família, na qual o grupo conjugal era definido por gerações. Todos
os membros do grupo de uma mesma geração eram marido e
mulher entre si. Com a evolução este tipo de família desapareceu.
- Família punaluana : esta forma se apresenta quando há a exclusão
do casamento entre pais e filhos e em seguida entre os irmãos, e
depois, entre os primos de segundo e terceiro graus. Esta mudança
foi considerada pelo autor como lenta, porém foram os primeiros
passos para que se desenvolvessem novos núcleos familiares. Um
grupo de irmãs saía para casar com um grupo de homens, sendo
excluídos deste os seus irmãos; os quais formariam outro grupo que
se casariam com outro grupo de irmãs. Os filhos desta união
representavam-se no grupo da seguinte forma:
Os filhos das irmãs de minha mãe são também filhos desta, assim como os filhos dos irmãos de meu pai o são também deste; e todos eles são irmãs e irmãos meus. Mas os filhos dos irmãos de minha mãe são sobrinhos e sobrinhas desta, assim como os filhos das irmãs de meu pai são sobrinhos e sobrinhas deste; e todos são meus primos e primas (ENGELS, 2002, p.49).
Do interior desta forma de organização do parentesco é que será
formada uma gens3, ou seja, um grupo fechado de parentes
consangüíneos, tendo como tronco comum uma mãe, pois os
homens da família não tinham como ter certeza da paternidade,
assim somente os descendentes das filhas formavam uma gens.
- Família sindiásmica : quando ainda o casamento era realizado por
grupos, já existia a união por pares. Isto se dava porque no grupo
um homem poderia ter uma mulher especial entre as outras e a
3 Gens – palavra que procede do latim, genus, que significa linhagem ou descendência. Morgan usa para designar um grupo consangüíneo, que constrói uma descendência comum. No caso da família punaluana, a gens estava em sua forma primitiva, compondo-se de todas as pessoas, que pelo matrimônio punaluano, e de acordo com as concepções que nele necessariamente dominam forma a descendência reconhecida de uma determinada antepassada, fundadora da gens.
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mulher também poderia ter o esposo preferido. A família sindiásmica
vai surgir quando, com o crescimento da gens, os grupos de irmãos
se ampliavam, e ficava difícil o casamento por grupos; desta forma,
eles eram forçados a consolidar a união por pares. Com a mudança
da forma de organizar a família vão se transformando também os
costumes. Uma mudança significativa era a cobrança da fidelidade
conjugal da mulher. Já ao homem era conservado o direito de ser
poligâmico ou de cometer ato de infidelidade. Contudo, afirma
Engels (2002, p. 57) que “as tribos que haviam adotado o regime
das gens estavam chamadas, pois, a predominar sobre as mais
atrasadas, ou arrastá-las com seu exemplo”. Este fato é explicado
por Engels (2002) pelos princípios da eugenia, ou seja, pela seleção
positiva da raça. Segundo ele, a união entre as gens não
consangüíneas produz uma raça mais forte, tanto física como
mentalmente. No matrimônio sindiásmico a mulher adquire o direito
de não manter relações sexuais, libertando-se da obrigatoriedade de
fazer sexo com todos os membros do grupo. Porém, significativas
transformações ocorriam o âmbito familiar, que já se encontrava
reduzido a um homem e uma mulher. A explicação dessas
transformações é posta por Engels (2002, p. 65) da seguinte forma:
“Se não tivessem entrado em jogo novas forças impulsionadoras da
ordem social, não teria havido qualquer razão para que da família
sindiásmica surgisse outra forma de família”. Nesta fase de
mudança no Velho Mundo, a famílias empregavam sua força de
trabalho em suas propriedades particulares, introduzindo a criação
de gado, o preparo dos metais, feitio de tecidos e a implantação do
cultivo agrícola. Ao pai cabia prover à alimentação e aos
instrumentos para o trabalho da família, logo ele era o proprietário.
Desta forma a família vai se submeter ao poder do pai, servindo com
trabalhos na agricultura. Este tipo de família vai favorecer a
passagem da família sindiásmica, para a família monogâmica.
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- Família monogâmica : esta família apresenta uma união conjugal,
mais sólida, onde a fidelidade feminina continua sendo exigida e a
infidelidade do homem tolerada. A mulher casta, mãe dos filhos e
propriedade do pai, demonstra como essa forma de família
monogâmica surge com formas de opressão e escravidão, como
afirma Engels (2002, p. 75),
a existência da escravidão junto à monogamia, à presença de jovens e belas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem, é o que imprime desde a origem um caráter específico á monogamia – que é monogamia só para a mulher, e não para o homem. E, na atualidade, conserva-se esse caráter.
Segundo este autor, a forma de união monogâmica não tinha relação com
laços afetivos, tinha caráter econômico. Nela, a superioridade do pai de família
assegurava a paternidade dos filhos e esta assegurava o direito da herança. Ao
mesmo tempo em que a monogamia assinalava um desenvolvimento, ela fazia
retroceder a própria condição humana ao estado de escravidão, e isto
possibilitava o acúmulo de riquezas. Assim os registros da história confirmam que
a família vai se reformatando no ritmo da organização de produção da vida.
Dando um salto na história, é possível afirmar que as transformações
sociais e culturais, nas últimas décadas do século XX, levam a família patriarcal
ao enfraquecimento, alterando a idéia do homem como único provedor do grupo
conjugal, bem como o paulatino desaparecimento da família nuclear, cujos
integrantes – marido, esposa e filhos - viviam juntos e felizes até que a morte os
separasse. É o que tentaremos exemplificar a seguir, com o caso da família na
sociedade brasileira. É possível afirmar ainda que a família moderna monogâmica
contribui para o desenvolvimento da propriedade privada, dando início ao espaço
público distinto do espaço privado, que está posto na concepção do capitalismo.
A ORGANIZAÇÃO FAMILIAR CONTEMPORÂNEA
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As diversas configurações da família, observadas em diferentes épocas,
demonstram que a família é dinâmica em seus arranjos. Portanto, na atualidade
os papéis assumidos por seus membros já não são os mesmos. A forma de
família nuclear já não é a única configuração desta, pois uma heterogeneidade de
formas ou arranjos vai se apresentando.
Observando na síntese dos Indicadores sociais divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), no ano 2007, que entre os anos de
1995 e 2005, constata-se na região Sudeste, uma mudança na estrutura familiar,
no qual o percentual de casais com filhos caiu de 56,6% para 48,5%. Destaca-se,
também, o crescimento de 35% de famílias chefiadas por mulheres, mesmo nas
famílias nas quais o cônjuge se fazia presente.
Podemos reconhecer, portanto, um novo padrão de organização familiar.
Para Garbar & Theodore (2000, p. 135-136), esse tipo de relação é denominada
de monoparental e se demonstra atualmente no campo familiar com os seguintes
arranjos:
- Mãe sozinha com filho de pai desconhecido; - Mãe que conhece bem o pai, mas este recusa -se a reconhecer o filho;
- Família monoparental voluntária: uma mulher ou um homem escolhe alguém para ter um filho, mas não quer viver com ele ou com ela;
- Viúvas ou viúvos: a criança conhece melhor, ou não, seu pai ou mãe que faleceu.
- União livre com duas residências; - Adoção: algumas pessoas sós decidem adotar uma ou mais crianças;
- Pais divorciados ou separados: as crianças têm dois pais vivos. Vivem seu dia-a-dia com um e vêem o outro, com menor ou maior regularidade.
Para Garbar & Theodore (2000), outros arranjos familiares se configuram,
quando pais divorciados ou separados recompõem suas famílias e “novos pais”
se apresentam. A criança receberá dois “novos pais”: um, o novo cônjuge daquele
com quem a criança mora, e o novo cônjuge, da parte que não convive com ela,
sendo que este novo cônjuge conviverá ocasionalmente com ela. A situação fica
mais complexa quando os dois novos pais têm cada um seus próprios filhos, pois
a integração desta família requer uma relação afetiva, e esta relação com alguém
17
que não se conhece, ou com que não se convivia antes, é sempre um
procedimento que requer tempo para a sua construção.
A respeito da superação das dificuldades no relacionamento entre os
“novos pais” e “novos filhos” Garbar & Theodore (2000, p. 178) afirmam que “as
coisas serão mais simples se os pais adotarem um tom convival em família,
falando das coisas difíceis de serem exprimidas”. Neste cenário do ciclo evolutivo
do sistema familiar, Garbar & Theodore (2000) reconhecem novas formas de
configurações familiares, desenhando-se as chamadas famílias reconstituídas ou
recasadas.
Por ser esta família o local onde se realizam as experiências de afetos,
como, o prazer, a dor e o medo e muitas outras emoções que contribuem para
aprendizados significativos na sociedade atual, e por se considerar que as
experiências construídas pelo sujeito, em todos os seus círculos sociais,
contribuirão diretamente para a sua formação enquanto adulto, fazendo-o capaz
de tomar decisões, relacionar-se, trabalhar, escolher um cônjuge, etc., devemos
questionar: qual a forma de família que se apresenta na atualidade?
Situações diferenciadas se apresentam como podemos observar na síntese do
IBGE (2006), que no Brasil 18,5 milhões de mulheres assumem a chefia das
famílias, em 1996 esse número era de 10,3 milhões, apresentando assim uma
variação de 79%.
Devemos considerar que este é um condicionante que interfere na forma
de relacionamento, entre pais e filhos, na organização de família tipo nuclear, pois
as mulheres que assumem a sustentação e manutenção financeira da família vão
para o campo do trabalho por necessidade, assumindo assim uma dupla função:
de mãe, com responsabilidades na condução do lar; e de trabalhadora, no
mercado de trabalho. Referindo-se a este contexto da mulher trabalhadora,
Goode (1970, p. 180) afirma que “O industrialismo moderno tem oferecido maior
liberdade econômica às mulheres, mas não as tem libertado de suas tarefas
domésticas. [...] O status principal das mulheres em todas as sociedades é o de
dona de casa e de mãe”.
Esta nova organização de família onde a mulher se destaca como
provedora do sustento econômico da família, ao invés do homem como pai e
provedor da família é abordada por Soares (2003, p. 80) como um processo de
18
feminização da pobreza, visto que esta situação ocorre sobre tudo nas classes
sociais de menor poder aquisitivo.
constata-se que a quarta parte de todas as famílias do mundo é chefiada por mulheres e muitas outras dependem da renda da mulher, mesmo quando o homem está presente. Nos estratos mais pobres, sobretudo, nota-se a maior presença da mulher no sustento á família ou ao domicílio.
Ao assumir novas responsabilidades, a mulher aumenta sua participação
no mercado de trabalho, o que nem sempre reflete melhores condições de vida,
pois na maioria das vezes é realizada pela necessidade de sustento da família,
não representando desta forma uma maior independência da mulher.
As estatísticas do IBGE (2006) atestam que as mulheres, na faixa etária de
25 a 49 anos de idade, estão inseridas em atividades remuneradas no campo de
trabalho, coincidindo que nesta idade estas se encontram em tempo propício para
procriar. Segundo dados do IBG (2006) os filhos menores, são encontrados nesta
faixa etária de mulheres.
Certifica-se que além de mãe, provedora do sustento familiar a mulher não
compartilhou com outros membros da família a responsabilidade dos afazeres
domésticos sendo alto o índice de 94,0% das mulheres se ocupam e respondem
por esses trabalhos.
Reforçando esta idéia, constatamos que aumentou o número de famílias
em que as mulheres assumem o comando do lar, indo para o campo de trabalho,
buscando dividir o curto espaço de tempo que têm após sua jornada de trabalho,
entre os afazeres domésticos e cuidados com filhos. Para estas famílias, não
cabe mais o mito da família apoiada na manutenção do arranjo de família nuclear:
pai, mãe, filhos coabitando em domicílio conjugal, sendo o pai provedor do
sustento e a mãe cuidadora do lar.
Por conseguinte, compreender essa nova configuração da família e as
diferentes possibilidades de convivência de seus membros é considerar a
dialética do movimento social. Pois “... a família não apenas depende da realidade
social em suas sucessivas concretizações históricas como também é socialmente
mediatizada até em suas estruturas mais íntimas”, como afirmam Adorno &
Horkheimer (apud Canevacci, 1976, p. 213)
19
Entendemos que as transformações na configuração do grupo familiar,
pode não se constituir em impedimento para sua participação na vida escolar de
seus filhos. O que é necessário destacar é que ao solicitar a participação da
família na escola devemos levar em conta as transformações socioeconômicas e
em decorrência a transformação nas necessidades e organização do grupo
familiar.
Voltar o olhar para as questões da família, ouvindo as mesmas,
conhecendo-as e valorizando seus conhecimentos ouvindo suas explicações,
interpretando com cuidado suas dúvidas, é abrir possibilidades de interação entre
escola e família. Para que a interação aconteça é necessário o diálogo entre as
duas instâncias, onde as duas se liberte de conceitos prévios e caminhem para
uma forma mais humanizada com uma relação horizontal.
ASSIM... A ORGANIZAÇÃO PARA OUVIR A FAMÍLIA
A princípio as pesquisas bibliográficas, foram realizadas e contribuíram
para nos fundamentarmos historicamente no tema em questão.
No entanto a pesquisa de campo, por meio de entrevista, foi o momento em
que a práxis da interação já se fazia e nos permitiu ouvir e nos aproximarmos das
intimidades das famílias dos alunos com a finalidade de entendermos os padrões
apresentados pelas famílias, o qual serviria como norte para nossa proposta de
trabalho para a interação entre a escola e esta.
Destarte, foram divididos dois grupos de seis alunos em cada momento, as
respostas foram registradas em questionário.
Para tanto o grupo pesquisado seguiu os seguintes critérios:
1- Três alunos de 5ª série do Ensino Fundamental II
2- Três alunos de 6ª série do ensino Fundamental II
3- Três alunos de 7ª série do ensino Fundamental II
4- Três alunos de 8ª série do ensino Fundamental II
20
Admitimos que essa seleção possibilita representar as famílias dos alunos
do Colégio Estadual Professor Bento Munhoz da Rocha Neto. EFM. O apanhado
dos alunos em sala foi realizado pela pesquisadora que solicitou alunos, sem se
ater a gênero, mas por critério de distribuição espacial em sala de aula ou seja, um
aluno que senta na frente, outro do meio e um do fundo da sala de aula.
Pensamos que esta distribuição física pode demonstrar o grau de envolvimento e
participação nas aulas
Para montar o grupo, foi escolhido o período vespertino, por ser o período
de maior heterogeneidade de representações de classes sociais na escola.
A questão central do nosso trabalho família foi propulsor dos temas
abordados nas questões que foram respondidas pelos alunos sem identificação
dos mesmos.
Em seguida consideramos pertinente ouvir a Equipe Pedagógica, com
questões próprias sobre como, o relacionamento com as famílias dos alunos
acontecem no interior da Escola. Para esse processo buscamos as três
Pedagogas que trabalham no turno vespertino da Escola.
Como suporte para leituras das entrevistas realizadas tomamos como
referencial o Projeto Político Pedagógico a Escola, que apresenta no marco
situacional, um perfil geral da comunidade escolar, pontuando que em sua grande
maioria os alunos residem em bairros próximos a escola, sendo bairros no qual
residem a classe trabalhadora, e que a família deve ser envolvida na participação
da escola.
Os apanhados dos dados da pesquisa foram calculados e discorremos
sobre a as questões levantadas.
Analisando os padrões das famílias - via aluno
É pertinente lembrar que a família é o primeiro e principal lugar de
referência da criança. Independente de sua configuração é na família que os
afetos e as relações sociais são apreendidos. A vida em família servirá de
referencial para a criança entender o significado da vida, o conjunto de valores e
21
critérios de orientação da conduta. Quando os pais acompanham seus filhos,
abrem possibilidades para enfrentarem positivamente limites, conflitos e desafios,
adquirindo maturidade para prosseguir. Essa subjetividade referente à família foi
apresentada na pesquisa quando os alunos responderam o significado de família
para eles
Dos alunos pesquisados 83% responderam a essa positividade da família
quando definiram o lugar de família com adjetivos “paz, amor alegria, carinho,
felicidade, amor, respeito, compartilhamento...” os outros 17% mostraram a
família de forma mais estrutural. E ainda consideramos que mesmo este tipo de
resposta não representa indiferença ou negatividade dos laços afetivos.
Sabemos que a família nuclear monogâmica, na esfera das relações
privadas passa por interferências que não dependem somente do sentimento ou
quereres de seus membros, mas está mediatizada pelo social complexo em uma
sociedade capitalista. Será esse o fator que nos impede de vermos com clareza a
intimidade e ligação do aluno com sua família? Muitas vezes temos a sensação
que os alunos não valorizam suas famílias, quando no processo de convivência
com outros grupos ou até mesmo no interior da família quando eles apresentam
condutas que os adultos não aprovam.
Na relação escola e família o centro do interesse está voltado para o
desenvolvimento integral do aluno. No entanto existe uma forma de conflito entre
estas duas instâncias ao buscar na família motivos quanto à educação moral e
cultural dos filhos. Adorno & Horkheimer (apud Canevacci, 1976, p. 220),
levantaram essa questão:
“A família cumpre cada vez menos a sua função de instituto de instrução e de educação. Ouve-se dizer constantemente, na Alemanha de hoje, inclusive a respeito de filhos de família dos estratos superiores da sociedade, que “não levam consigo nada” de casa.”
Mesmo considerando o tempo e realidades diferentes em que este autores
falaram, podemos pensar em nossa sociedade atual, que exige mudanças
radicais nas formas de relacionamento e formas organizacionais da vida familiar,
e que ao se formatar de formas diferenciadas ainda pede uma autoridade que
antes era delegada ao patriarca provedor e autoridade na família, logo nossa
22
sociedade “moderna” ainda não substituiu satisfatoriamente a ação econômica e
educacional do pai.
Para esses autores a autoridade do pai vai ser substituída por poderes
coletivos, como o da classe escolar, ou de outras formas coletivas, o jovem
sempre procurará se submeter a qualquer forma de autoridade.
A pesquisa desenvolvida no turno vespertino do Colégio Estadual Professor
Bento Munhoz da Rocha Neto, demonstrou que 17% das famílias são
monoparentais, como o reconhecido por um novo padrão de organização familiar,
apresentado anteriormente em nosso trabalho citando as características
apontadas por Garbar & Theodore (2000).
No entanto 58% das famílias apresentam-se combinando a tríade de pai,
mãe e filhos consangüíneos, 25% são a tríade pais filhos e madrasta ou mãe
filhos e padrasto, totalizando um índice de 83% das famílias na forma de
organização nuclear.
Portanto, nesta comunidade escolar, as famílias com forma de organização
nuclear se apresentam significativamente. Esta informação aparentemente
favorece a proposição de trabalhos estruturados com as famílias dessa
comunidade escolar, pois, em sua estrutura há mais elementos humanos para
responder na educação familiar e para o encaminhamento dos filhos. No entanto,
devemos considerar a realidade de tempos de trabalho e ocupação destas
famílias, visto terem a dura tarefa de atenderem as transformações e se
manterem empregadas, o que significa o sustento da família em um modo
neoliberal de produção.
Destarte voltaremos nossas análises para o campo sócio econômico no
qual poderemos obter referenciais para analisarmos o fator das ocupações das
famílias no campo do trabalho.
Os tempos e compromissos da família
Quanto à situação de tempo de trabalho da mãe, fora do lar, dos onze
alunos que tem a presença feminina na organização familiar, 64% dos alunos
responderam que a mãe trabalha em tempo integral e regularmente, 18% afirmam
23
que a mãe trabalha meio expediente ou em tempo semi- integral, e os outros 18%
as mães não trabalham fora do lar.
Quando foi perguntado a estes alunos sobre quem é responsável por ele,
58% indicaram pai e mãe, considerando como madrastas e padrastos, 25%
indicaram somente as mães e 17% indicaram somente os pais.
Em outro questionamento quando perguntado a quem a escola deveria se
dirigir para chamar a comparecer na escola quando necessário para participar de
eventos, reuniões ou assuntos particulares, 73%, dos alunos respondem que
devem se dirigir à mãe.
Não é o caso aqui de discutirmos a questão de gênero, porém não
podemos negar que ao solicitar o comparecimento da mãe na escola, reforça a
leitura que há uma manutenção da realidade de mãe que, mesmo com a
presença do pai, assume o papel de produtora e reprodutora, ou seja, que
participa no campo de trabalho fora do lar, que ajuda no provento do lar, que
dirige as atividades domésticas e procria. Essas tarefas adicionadas para a mãe
atual dificultam tanto nas orientações, ensinamentos e conduta do filho em casa,
como nas comunidades que o mesmo participa.
Por outro lado, temos como resultado das ocupações dos pais, em que
onze dos alunos que tem a presença masculina 99,0% responderam que o pai
trabalha regularmente e 1% desenvolve trabalhos eventuais. Desses onze alunos,
99% afirmam que o pai trabalha em expediente integral. Desta forma, o pai
também passa o dia todo, distante do filho. Esta condição, de pai e mãe
trabalhadores fora do lar, indica que os filhos ora estão na escola ou em casa,
sozinhos.
No interior da escola
Um dos propósitos das entrevistas com a equipe pedagógica da escola era
obter informações a respeito do relacionamento da escola com os pais e como
isso se efetiva no interior da escola. O que conseguimos suscitar nas entrevistas
foi que o contato com a família se restringe a reuniões de entrega de boletins,
solicitações por indisciplina ou baixo rendimento escolar. Em conformidade com o
que já pontuamos aqui, agindo assim, os professores e a equipe pedagógica
24
desenvolvem somente o papel de mensageiros das más notícias, gerando um
clima de medo no relacionamento entre ambos. Logo esta forma de contato não
pode ser considerada interação. Esses encontros pela solicitação individual de
determinado representante da família são, segundo relato da equipe, registrados
em relatórios e fichas individuais dos alunos. O atendimento a pais ou
responsáveis por alunos, durante o período de aula, é intenso no entanto a equipe
não tem controle sobre quantas famílias foram atendidas em determinados
períodos.
A partir da entrevista tornou-se evidente que uma forma de interação com a
família do aluno, considerada e relatada pela equipe pedagógica, foi a realização
da festa junina como momento onde a comunidade como um todo comparece.
Esta forma de promoção, realizada pelas escolas é um momento de
relacionamento entre a comunidade, no entanto, entendemos que esse evento
não permite um espaço para reflexão e diálogo. Ressaltamos que em festas como
essa apenas há um ajuntamento de pessoas no qual a referência da comunidade
escolar se esvai.
No contexto da investigação procuramos examinar se as pedagogas
consideravam importante o fato do professor e a equipe pedagógica conhecerem
as famílias dos alunos. A resposta foi unânime em que a participação da família é
positiva para facilitar o encaminhamento de trabalhos com os alunos, refletindo
em seu desempenho e aprendizagem.
Neste processo de entrevista e análise constatamos que existe uma
disposição significativa por parte da equipe pedagógica em aceitar a interação
com a família do aluno. Assim consideramos que dentre tantas questões
urgentes, a escola deve ter um ponto de parada, no qual esse encontro entre a
família e a escola possa acontecer.
Enfim...
Ficou claro para nós que 100% dos pais haviam sido solicitados a
comparecer na escola, no mínimo três vezes, atendendo a reunião de entrega de
25
notas, e os responsáveis haviam comparecido pelo no mínimo uma vez, 25% dos
pais dos alunos foram chamados por indisciplinas dos filhos na escola. E 17% já
compareceram na escola para conduzir questões referentes à saúde dos filhos.
Quando perguntado aos alunos se consideram importante a participação
dos pais na escola, 97% afirmaram que sim, entre os argumentos destacamos
algumas afirmativas: é importante os pais conhecerem os professores; é uma
forma de atenção com o filho; porque é melhor pro desenvolvimento dos alunos; é
bom ver os pais conversando com os professores; é um modo de saber dos filhos,
entre outras... Apenas 3% afirmam que não é correto os pais terem que se
ausentar do trabalho para resolverem situações de indisciplina dos filhos. Essa
parcela se refere ao contato de família e escola somente como um momento para
resolver conflito de indisciplina dos alunos. Logo a preferência ao não
comparecimento dos pais na escola.
No entanto o posicionamento de 97% dos alunos deixa explicita uma
positividade quanto à interação dos pais com o corpo escolar.
O relacionamento entre a família e a escola também é solicitado no marco
operacional do Projeto Político Pedagógico da escola pesquisada, que apresenta
a proposição de que o contato entre a escola e os pais, seja promovido na
concepção de uma gestão democrática.
Nesta caminhada buscando analisar e entender como a escola e a família
se relacionam, consideramos pertinente ouvir a equipe Pedagógica, da escola,
por ser esta a que mais diretamente pode fomentar a interação com a família do
aluno.
As informações fornecidas a Equipe Pedagógica reforçou a informação de
que os pais foram convidados para reunião técnica de entrega de boletins e festa
junina, sendo que a festa junina não foi lembrada pelos alunos ou pode não ter
sido considerada como momento de interação família escola.
A pesquisa evidenciou que não existe na escola uma proposta
sistematizada para interação com a família do aluno, a única forma de contato
acontece quando os pais são chamados por causa de notas baixas e de
indisciplina em sala de aula. E, ainda, quando esses são chamados, nem sempre
o problema se resolve, havendo necessidade de alguns pais serem chamados
várias vezes.
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A aproximação com a família é reconhecida como necessária pela Equipe
Pedagógica considerando importante que, juntamente com os professores,
conheçam a família do aluno, por favorecer o rendimento escolar ou bem estar do
aluno. Atualmente na escola o conhecimento da família do aluno é feito pelo perfil
sócio econômico apresentado de forma sucinta no Projeto Político Pedagógico.
A concepção de família apresentada pela Equipe Pedagógica segue uma
estrutura de membros com variedade de formas de organização desta família.
Essa forma de entender a família na atualidade revela que a equipe tem clareza
da realidade social em que as famílias, neste caso particular, estão envoltas.
Entendemos que são muitas as atribuições da equipe da gestão escolar
(pedagogos e direção). Muitas tarefas, algumas, inclusive, de ordem burocrática,
a serem desempenhadas pela equipe pedagógica exigem um tempo considerável
de trabalho desses profissionais. Soma-se a isso, problemas, que são externos à
escola, mas que nela refletem e nela buscam-se soluções, como drogas e
violência. No fazer do dia-a-dia sobra pouco tempo para organizar de forma
sistematizada um trabalho que alcance os alunos e suas famílias, trazendo esses
últimos para um processo de conhecimento e interação com a escola. A riqueza
do trabalho que ora finalizamos está, exatamente em, tendo com base a teoria,
refletir sobre as questões do fazer cotidiano.
Realizadas estas observações e refletindo sobre elas, esperamos que o
desenvolvimento de ações voltadas sobre esse tema, de grande interesse de
todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem, possam se desenvolver
no ambiente escolar. Esperamos que haja um despertar para os benefícios, que
um maior conhecimento sobre a vida das famílias e, conseqüentemente, do aluno
contribui para uma maior aproximação entre professores, alunos, equipe
Pedagógica e funcionários. Ressaltamos que não existe uma receita, uma regra
que seguida por todos conduzirá ao sucesso. Cada escola, cada comunidade
deve construir seu caminho, a interação se dará de forma única em cada lugar.
Destarte, todos teremos ganhos positivos em torno de um bem comum, a
educação de qualidade para a formação integral do homem.
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