neologismo feminino: criaÇÃo lexical em comunidades … · 2020. 6. 15. · (camacho, 2013, p....

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Edição nº 29 – 1º semestre de 2020 Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020 NEOLOGISMO FEMININO: CRIAÇÃO LEXICAL EM COMUNIDADES DO FACEBOOK Stiélic Leão Prestes Nobre PG/UEMS Resumo: De natureza sociolinguística, a epistemologia utilizada neste artigo toma como estudo as acepções neológicas na língua portuguesa. Desse modo, em decorrência dos fatores sociais em comunidades virtuais, o objeto se estrutura na estreita relação entre o léxico e a sociedade. Assim, a problemática se passa em responder se fatores extralinguísticos, isto é, temáticas adotadas nas comunidades de fala, corroboram ou determinam a ampliação lexical. Nessa conjuntura, o objetivo é observar e descrever as formas de ampliação e renovação lexical, bem como, avaliar como os fatores extralinguísticos colaboram para a promoção dos fenômenos neológicos. Desse modo, o estudo de cunho quali-quantitativo utiliza como fonte de extração os neologismos selecionados a partir de publicações e comentários divulgados em textos escritos, redigidos pelos falantes do universo feminino, detectados em comunidade exclusiva para mulheres da rede social do Faceboock, Clube das Poderosas, sob a temática de entretenimento, analisada entre os meses de janeiro e maio de 2020. Como conclusão investigativa, na projeção de chegada aos estudos, os dados apontam que o fator social desempenha papel primordial na ampliação do léxico, sobretudo nos fenômenos da produção, fluxo quantitativo e tipologia neológica. Palavras-chave: neologismo; formação de palavras; comunidades virtuais. FEMALE NEOLOGISM: LEXICAL CREATION IN FACEBOOK COMMUNITIES Abstract: From a sociolinguistic nature, the epistemology used in this article takes as a study the neological meanings in the Portuguese language. Thus, due to social factors in virtual communities, the object is structured in the close relationship between the lexicon and society. Thus, the problem is to answer whether extralinguistic factors, that is, themes adopted in the speech communities, corroborate or determine the lexical expansion. In this context, the objective is to observe and describe the forms of lexical expansion and renewal, as well as to evaluate how extralinguistic factors collaborate for the promotion of neological phenomena. In this way, the qualitative and quantitative study uses as a source of extraction the neologisms selected from publications and comments published in written texts by the speakers of the female universe, detected in an exclusive community for women from the social network of Facebook, "Clube das Poderosas", under the theme of entertainment, analyzed between the months of January and May 2020. As an investigative conclusion, in the projection of arrival at the studies, the data indicate that the social factor plays a primordial role in the expansion of the lexicon, especially in the phenomena of production, quantitative flow and neological typology. Keywords: neologism; word formation; virtual communities. Introdução A intenção do presente artigo é discutir a ampliação e renovação lexical da língua portuguesa a partir dos neologismos identificados em textos na modalidade escrita, no perfil feminino dos falantes, localizados em uma comunidade do Facebook, composta exclusivamente por mulheres, Clube das Poderosas, na abordagem temática do entretenimento.

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  • Edição nº 29 – 1º semestre de 2020

    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    NEOLOGISMO FEMININO: CRIAÇÃO LEXICAL EM COMUNIDADES DO

    FACEBOOK

    Stiélic Leão Prestes Nobre – PG/UEMS

    Resumo: De natureza sociolinguística, a epistemologia utilizada neste artigo toma como estudo as

    acepções neológicas na língua portuguesa. Desse modo, em decorrência dos fatores sociais em

    comunidades virtuais, o objeto se estrutura na estreita relação entre o léxico e a sociedade. Assim, a

    problemática se passa em responder se fatores extralinguísticos, isto é, temáticas adotadas nas

    comunidades de fala, corroboram ou determinam a ampliação lexical. Nessa conjuntura, o objetivo é

    observar e descrever as formas de ampliação e renovação lexical, bem como, avaliar como os fatores

    extralinguísticos colaboram para a promoção dos fenômenos neológicos. Desse modo, o estudo de cunho

    quali-quantitativo utiliza como fonte de extração os neologismos selecionados a partir de publicações e

    comentários divulgados em textos escritos, redigidos pelos falantes do universo feminino, detectados em

    comunidade exclusiva para mulheres da rede social do Faceboock, Clube das Poderosas, sob a temática

    de entretenimento, analisada entre os meses de janeiro e maio de 2020. Como conclusão investigativa, na

    projeção de chegada aos estudos, os dados apontam que o fator social desempenha papel primordial na

    ampliação do léxico, sobretudo nos fenômenos da produção, fluxo quantitativo e tipologia neológica.

    Palavras-chave: neologismo; formação de palavras; comunidades virtuais.

    FEMALE NEOLOGISM: LEXICAL CREATION IN FACEBOOK COMMUNITIES

    Abstract: From a sociolinguistic nature, the epistemology used in this article takes as a study the

    neological meanings in the Portuguese language. Thus, due to social factors in virtual communities, the

    object is structured in the close relationship between the lexicon and society. Thus, the problem is to

    answer whether extralinguistic factors, that is, themes adopted in the speech communities, corroborate or

    determine the lexical expansion. In this context, the objective is to observe and describe the forms of

    lexical expansion and renewal, as well as to evaluate how extralinguistic factors collaborate for the

    promotion of neological phenomena. In this way, the qualitative and quantitative study uses as a source

    of extraction the neologisms selected from publications and comments published in written texts by the

    speakers of the female universe, detected in an exclusive community for women from the social network of

    Facebook, "Clube das Poderosas", under the theme of entertainment, analyzed between the months of

    January and May 2020. As an investigative conclusion, in the projection of arrival at the studies, the data

    indicate that the social factor plays a primordial role in the expansion of the lexicon, especially in the

    phenomena of production, quantitative flow and neological typology.

    Keywords: neologism; word formation; virtual communities.

    Introdução

    A intenção do presente artigo é discutir a ampliação e renovação lexical da

    língua portuguesa a partir dos neologismos identificados em textos na modalidade

    escrita, no perfil feminino dos falantes, localizados em uma comunidade do Facebook,

    composta exclusivamente por mulheres, Clube das Poderosas, na abordagem temática

    do entretenimento.

  • Edição nº 29 – 1º semestre de 2020

    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    De natureza sociolinguística, o estudo desta pesquisa de cunho quali-

    quantitativo é embasado em grande escala pelo trabalho pioneiro de William Labov

    ([1978] 2008), que vislumbra a abordagem social da língua, isto é, Teoria da Variação e

    Mudança, que

    incrementou nas últimas três décadas, uma nova compreensão da

    natureza ao mesmo tempo variável e mutável da linguagem. Ativou

    também o reconhecimento do caráter regular e sistemático da

    heterogeneidade mediante um conjunto de estudos empíricos, de

    natureza quantitativa com foco na língua em uso no contexto social

    (CAMACHO, 2013, p. 19).

    Nesse contexto, esta pesquisa sociolinguística tem como escopo os estudos da

    língua em seus aspectos sociais e heterogêneos, por compreender que o ambiente lexical

    não está dissociado do ambiente social, isso implica em “compreender os complexos

    padrões de interação entre língua, cultura e sociedade” (MOURA, 2007, p. 11).

    Nessa percepção, no contexto sociolinguístico, que compreende a língua como

    instituição social ou elemento social da linguagem, podendo retomar sempre que

    necessário, utilizando-se da correlação imprescindível entre língua e sociedade, Tarallo

    (1985) aconselha: “[m]unicie-se desta relação e tire dela todo o proveito teórico e

    metodológico possível!” (TARALLO, 1985, p. 6).

    Desse modo, a epistemologia utilizada nesta investigação toma como objeto de

    pesquisa a estreita relação entre o léxico e a sociedade, nos parâmetros dos saberes da

    ampliação lexical da língua portuguesa, analisados a partir dos elementos neológicos

    identificados no comportamento lexical dos falantes, registrados nos textos escritos,

    produzidos pelo público feminino, especificamente na comunidade do Facebook, Clube

    das Poderosas.

    Assim, de cunho sociolinguístico, o objetivo desta pesquisa é avaliar e

    descrever como os fatores extralinguísticos (temática abordada na comunidade de fala)

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    corroboram de maneira favorável ou desfavorável para os fenômenos neológicos da

    língua portuguesa.

    Assim, a fim de estabelecer uma correspondência ao objetivo geral ou melhor

    delimitá-lo, definimos os objetivos específicos:

    (i) refletir acerca dos impactos que as temáticas abordadas nos ambientes de

    comunicação exercem sobre a ampliação/renovação lexical da língua

    veiculada;

    (ii) pensar sobre os ambientes propícios e incentivadores à expansão lexical;

    (iii) debater sobre o que a língua diz a respeito da sociedade e o que a

    sociedade permite compreender a respeito da língua;

    (iv) expor o panorama comparativo acerca da produção neológica entre as

    comunidades analisadas;

    (v) apresentar e socializar o resultado desta pesquisa.

    (vi)

    Desse modo, considerando a relevância da pesquisa sob diferentes

    perspectivas, compreende-se que há mais de três décadas, estudiosos têm se debruçado

    sobre pesquisas e elaborações teóricas acerca das questões linguísticas e conceitos

    neológicos, com apontamentos científicos sistematizados. Assim, evidenciar a busca

    pelas acepções da neologia parece tornar mínima a importância dos interesses

    investigativos deste estudo. No entanto, não estamos tratando de conceitos linguísticos,

    apenas, mas considerações neológicos compreendidas a partir de um material

    sociolinguístico que representa características específicas de identidade linguística,

    particulares da comunidade estudada.

    Mediante tal perspectiva, torna-se imperioso reafirmar a busca pelos estudos

    neológicos em comunidades virtuais, sobretudo, analisar as concepções da ampliação do

    léxico por panoramas extralinguísticos. Assim, prosseguindo na busca pelo

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    conhecimento sociolinguístico da ampliação lexical, adentramos aos estudos do

    neologismo no português brasileiro.

    Acepções Neológicas: A Vivacidade da Língua

    Neste item, abordaremos os estudos dos neologismos, mais especificamente, os

    estudos neológicos da língua portuguesa. Portanto, relacionando-se ao objeto de estudo

    desta investigação, as acepções neológicas devem ser compreendidas não apenas como

    processo de criatividade linguística, mas como processo da ampliação lexical

    considerando as características dos ambientes de interação comunicativa e o falante.

    Neologia no campo social

    Na medida em que a sociedade evolui, a língua acompanha a mesma dinâmica,

    ou seja, pelo léxico é possível perceber as mudanças culturais e históricas da língua.

    Para Bechara (2009, p. 351),

    [a]s múltiplas atividades dos falantes no comércio da vida em

    sociedade favorecem a criação de palavras para atender às

    necessidades culturais, científicas e da comunicação de um modo

    geral. As palavras que vêm ao encontro dessas necessidades

    renovadoras chamam-se neologismos, que têm, do lado oposto ao

    movimento criador, os arcaísmos, representados por palavras e

    expressões que, por diversas razões, saem de uso e acabam esquecidas

    por uma comunidade linguística, embora permaneçam em

    comunidades mais conservadoras, ou lembrados em formações deles

    originados.

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    Desse modo, o neologismo tem significado ainda mais amplo uma vez que

    representa o retrato social dos falantes ou a época histórica de uma língua. Assim, os

    neologismos descrevem o desenvolvimento da língua e todos os processos de criação

    pertinente a esse desenvolvimento. Além disso, o neologismo acompanha e delineia as

    inovações de uma sociedade. Assim, ao estudarmos as concepções neológicas, não

    estamos apenas analisando os processos de formação de novas palavras, mas estudamos

    também a evolução de uma sociedade.

    Estudos neológicos

    Aos estudos que versam os mecanismos da ampliação lexical, a neologia e

    neologismo tratam especificamente do acervo lexical que se renova constantemente.

    Para Alves (2007), a neologia é o processo de criação lexical e o neologismo é o

    produto resultante desse processo.

    Por base de composição grega, a neologia e o neologismo têm “neo”, com

    significação de “novo” e “logos”, com significado de “noção” (CORREIA e

    ALMEIDA, 2012, p. 17). Desse modo, compreende-se que a renovação lexical está

    relacionada, sobretudo, à nova palavra ou novo sentido destinado à palavra já existente.

    Nessa perspectiva, o neologismo e a neologia apesar de indissociáveis, apresentam

    conceitos distintos, como confirma Barbosa (1996):

    A oposição entre processo e produto pode-se fazer corresponder a

    distinção entre neologia e neologismo: se neologia é o processo que

    pode ser definido em termos de uma tipologia, o neologismo é o

    produto que, depois que passar por aquele processo, pertence a uma

    tipologia de neologia (BARBOSA, 1996, p. 78).

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    Assim, considerando a distinção entre os termos, nos próximos parágrafos,

    trataremos das definições específicas de cada nomenclatura, nas suas diversas acepções

    da renovação lexical.

    Neologia

    Tradicionalmente, para Correia e Almeida (2012), a neologia é compreendida

    por dois conceitos distintos: renovação e estudo.

    A capacidade de renovação representa os mecanismos de reiteração pela

    inserção de novas unidades no léxico, isto é, a capacidade que o falante tem de ampliar

    o léxico de sua língua de origem, agregando novas unidades lexicais ao acervo

    linguístico.

    O estudo da ampliação lexical está relacionado às especificadas do trabalho

    de observação, coleta de dados, registro e análise das palavras incorporadas ao léxico,

    ou seja, novas unidades lexicais inseridas no contexto linguístico em que a língua foi

    estudada.

    No entanto, quando pensamos em estudos neológicos, conjecturamos que o

    processo é algo novo, porém, “[o] conceito de neologia, no entanto, é muito anterior ao

    aparecimento do termo, pois acompanha o desenvolvimento do acervo lexical de todas

    as línguas” (ALVES 1996, p. 12).

    Nessa linha de raciocínio, considerando a relação entre a evolução do léxico,

    juntamente à evolução neológica, Carvalho (1983) conceitua Neologia como

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    [...] estudo da criação da palavra ou conjunto da palavra ou conjunto

    de palavras, de sua produção e aparecimento, num momento dado da

    história da língua. Isto conduz evidentemente à análise do contexto

    sociolinguístico. Mas para que o uso do neologismo se torne efetivo,

    é preciso que, além das pressões sociais, o sistema linguístico esteja

    apto a absorvê-lo (CARVALHO, 1983, p. 23).

    Complementando, Guilbert (1975) afirma que o conceito de neologia está

    relacionado a todos os fenômenos de inovação da língua, produzidos a partir de regras

    de produção do sistema lexical. Para Correia e Almeida (2012) a neologia tem relação

    com a capacidade de renovação do léxico, por meio da criação e da incorporação de

    unidades novas, os chamados neologismos.

    Desses estudos, Correia Almeida e Almeida (2012) estabelecem três vertentes

    distintas à renovação linguística. Para as autoras, a neologia pode ser representada por

    três tipos:

    (a) neologia denominativa: resultante da necessidade de nomear

    novas realidades (objetos, conceitos), anteriormente existentes;

    (b) neologia estilística: correspondente à procura de uma maior

    expressividade do discurso, para traduzir ideias não originais de uma

    maneira nova, ou para exprimir de modo inédito uma certa visão de

    mundo;

    (c) neologia de língua: que são unidades lexicais do discurso que, por

    não se distinguirem das restantes unidades lexicais da língua (elas

    correspondem apenas à atualização da competência derivacional dos

    falantes), não despertam qualquer sentimento de novidade do falante

    (CORREIA ALMEIDA E ALMEIDA, 2012, p. 18).

    Desse modo, observa-se que a ampliação lexical, acepções da neologia,

    abrange características pontuais do neologismo, especificidades que abordaremos no

    próximo tópico.

    Neologismo

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    Facilmente um falante reconhece a existência de uma nova unidade lexical, no

    entanto, definir o conceito de neologismo requer um empenho um pouco mais

    acentuado.

    Os neologismos não significam apenas ampliação ou alteração dos mecanismos

    linguísticos de uma língua. O conceito de neologismo aplica-se aos novos fenômenos

    que descrevem uma língua, como afirmam Correia e Almeida (2012),

    Dessa definição, decorre que os neologismos podem constituir

    palavras formalmente novas, palavras preexistentes que adquirem um

    novo significado, ou ainda, palavras que passam a ocorrer em registros

    linguísticos nos quais não costumavam ocorrer (CORREIA e

    ALMEIDA, 2012, pp. 24-25).

    Assim, o momento em que a palavra é criada e a percepção de novidade podem

    determinar a característica neológica de uma palavra. Desse modo, em outro período da

    história, a mesma palavra poderá ser mencionada no repertório linguístico e novamente

    poderá ser sentida como nova pelos usuários que nunca tivessem acesso àquela unidade

    lexical.

    Basílio (2004) diz que no momento e por intermédio do próprio ato da

    comunicação, novas palavras surgem automaticamente ao repertório linguístico do

    falante, ou seja, as palavras são criadas a partir dos contextos sociais em decorrência da

    necessidade do falante.

    Sentimento de novidade

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    De caráter inédito, no instante da sua criação, uma palavra de imediato não é

    reconhecida como neológica, ou seja, nesse momento, a nova palavra se passa no

    período enunciativo, na fase de reconhecimento por parte dos falantes. Esse processo de

    consideração é identificado como critério psicológico (GUILBERT, 1975) ou

    sentimento de novidade (CORREIA E ALMEIDA, 2012).

    A esse respeito, Carvalho (1983) explica que,

    [h]istoricamente, toda palavra foi um dia nova, isto é, a partir de certo

    momento é que passou a fazer parte de uma comunidade. O

    reconhecimento do estado de uma língua implica no reconhecimento

    intuitivo do caráter de novidade de certas palavras. Algumas

    pertencem à fala, mas ainda não à língua, porque têm condição

    provisória (CARVALHO, 1983, p. 24).

    Nesse contexto da ampliação lexical é necessário observar o juízo de valor que

    a palavra “nova” acarreta, ou seja, quando o falante encontra uma unidade lexical que

    parece ser nova, surgem algumas dúvidas.

    Sobre essa reflexão, Biderman (2001) descreve dois tipos de novidade, a

    novidade que se passa na estrutura formal da palavra ou semântica. Assim, “[p]erante

    uma unidade lexical que é sentida como nova, uma questão que importa ressaltar é a

    seguinte: em que essa unidade lexical é nova? “[...] [P]odemos verificar que os

    neologismos podem sê-lo em vários níveis, isto é, podem apresentar tipos de novidade

    distintos [...]” (CORREIA e ALMEIDA, 2012, p. 24), que é a novidade formal e a

    novidade semântica.

    Período “probatório do léxico” e processo de desneologização

  • Edição nº 29 – 1º semestre de 2020

    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    Durante a comunicação linguística algumas palavras passam pelo discurso,

    porém, nem todas pertencem à língua (CARVALHO, 2012). Isso quer dizer que, a partir

    dessa dinâmica e a depender da aceitação do usuário, a palavra pode ou não ser

    dicionarizada, que é o período pós-criação da palavra, ou seja, a nova unidade lexical

    passa pela condição provisória ou validação por parte dos falantes.

    Para Alves (2007), o fato da palavra ser nova não garante que ela se tornará um

    elemento do idioma. O neologismo passa a ter estabilidade quando é reconhecido pelo

    menos por um grupo de indivíduos, após o “período probatório”, ou seja, “[s]ó

    conseguimos comprovar uma mudança quando adotada por vários falantes salvo em

    raros casos. E quase sempre impossível descobrir quem e quando iniciou uma inovação”

    (CARVALHO 2006, p. 196). Após essa etapa, existe a possibilidade do neologismo ser

    agregado ao dicionário.

    Sobre a dicionarização de novos termos, isto é, a inserção dos neologismos aos

    dicionários, Alves (1994) diz que

    [n]ão basta a criação do neologismo para que ele se torne membro

    integrante do acervo lexical de uma língua. É, na verdade a

    comunidade linguística, pelo uso do elemento neológico ou pela sua

    não difusão, que decide sobre a integração dessa nova formação o

    idioma (ALVES, 1994, p. 84).

    Ainda, Biderman (2001b) diz que as palavras surgem nas línguas e

    desaparecem do convívio social. Acerca dessa probabilidade de nascimento de itens

    lexicais é chamada de produtividade lexical.

    As mudanças sociais e culturais acarretam alterações nos usos

    vocabulares; daí resulta que unidades ou setores completos do Léxico

    podem ser marginalizados, entrar em desuso e vir a desaparecer.

    Inversamente, porém, podem ser ressuscitados termos que voltam à

    circulação, geralmente com novas conotações. Enfim, novos

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    vocábulos, ou novas significações de vocábulos já existentes, surgem

    para enriquecer o Léxico (BIDERMAN, 2001b, p. 178).

    Dito de outro modo, Correia e Almeida (2012) esclarecem que nesse contexto,

    nem todas as palavras criadas serão registradas nos dicionários, visto que muitas

    palavras são produzidas para atender necessidades específicas do momento da fala, isto

    é, são construções efêmeras para atender um demanda pontual e momentânea. Daí o

    motivo de muitos registros lexicais desaparecem com a mesma agilidade com que foram

    criados.

    A esse respeito, Rocha (2008) diz que

    nem toda formação nova se torna institucionalizada, ou seja,

    conhecida de uma comunidade linguística. Há certas criações que

    chamamos de formações esporádicas, [...] que nascem de uma

    discussão com um amigo, por exemplo, ou da pena de um escritor.

    Uma formação esporádica tem uma experiência efêmera (ROCHA,

    2008, p. 39).

    Desse modo, se a nova palavra – o neologismo – se torna uso comum entre os

    falantes, essa palavra se desprende da função neológica, agregando-se às obras

    lexicográficas e, por conseguinte, se torna parte do sistema linguístico.

    Numa perspectiva diacrônica, caso a palavra não desapareça, a unidade integra-

    se à norma, deixando de representar um ruído e ocorre a etapa de desneologização

    (CARVALHO,1987). No entanto, esse movimento de criação e fixação da nova palavra

    ao repertório linguístico não acontece de forma abrupta. Na medida em que o uso da

    palavra se torna constante, o sentimento de novidade perde força. “É por isso que toda

    língua possui um dicionário, que, além de registrar palavras antigas, acolhe também as

    novas formações que se “congelam” em um idioma, como resultado do acionamento das

    regras morfológicas” (ROCHA, 2008. p. 39).

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    Para tratarmos especificamente dos processos de formação desta investigação,

    faz-se necessário apresentarmos os processos metodológicos da pesquisa, como

    veremos no próximo item.

    Especificações e Metodologia da Pesquisa

    Este estudo toma como parâmetro investigativo o falante em contexto de uso

    da fala, que representa características pessoais de uso da língua, que serve à

    coletividade, constituindo a primeira via de transformação lexical.

    Nessa vertente, ocorre um ponto importante de discussão que é a qualidade dos

    textos que o falante lança mão quando está em comunicação linguística. Para esta

    pesquisa, de caráter sociolinguístico, é justamente nesse contexto que abarcamos nossos

    estudos.

    Liberdade de expressão linguística

    Devido a inesgotável produção comunicativa no que diz respeito aos textos

    diagnosticados nos ambientes virtuais, a qualidade desses escritos pode limitar ou

    delimitar o corpus da pesquisa, como esclarecem Correia e Almeida (2012),

    É preciso não esquecer que, nos dias que correm, a internet é uma

    fonte inesgotável de texto escrito (algum de pouca qualidade, é certo,

    mas, se a perspectiva dominante do trabalho a desenvolver não for

    normativa, a “qualidade” pode não ser um aspecto muito relevante,

    além de materiais com “erros” constituem, como é sabido, excelentes

  • Edição nº 29 – 1º semestre de 2020

    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    pontos de partida para o ensino-aprendizagem de diferentes aspectos

    da língua) (CORREIA e ALMEIDA, 2012, p. 26).

    Assim, por se tratar de uma investigação que olha para a língua em seu

    contexto social e heterogêneo de uso, a intenção foi apropriar-se dessa rica e

    diversificada produção linguística, na proposta de estabelecer conexão aos fenômenos

    neológicos que se estabelecem nesses contextos variados, denominado por Tarallo

    (1985) como “caos” linguístico. É uma espécie de campo de guerra, em que variáveis

    maneiras de representar a mesma coisa se enfrentam em um duelo sangrento de honra,

    como uma arena de disputa frequente por estabilidade e domínio, subsistência e

    coexistência.

    Na produção lexical, sobretudo, na atmosfera virtual, percebe-se na fala dos

    participantes relativa1 liberdade e despreocupação com as expressões linguísticas. No

    entanto, essa despreocupação acontece em menor grau nas comunidades tidas como

    “abertas”. A esse cuidado de expressão da fala, Bortoni-Ricardo (2004) chama de

    linguagem monitorada ou monitoração linguística.

    Em linhas gerais, esses conceitos dizem respeito ao monitoramento que o

    falante lança mão ao comunicar-se linguisticamente em determinado grupo social,

    sendo mais ou menos cuidadoso durante a expressão linguística, fator que ocorre com

    menor frequência nos grupos tidos como “fechados”, as conhecidas comunidades

    privadas. Desse modo, “[...] o falante vai sentir-se desobrigado de proceder a uma

    vigilante monitoração e pode usar estilos mais coloquiais” (BORTONI-RICARDO,

    2004, p. 73), configurando-se um ambiente vasto e propício à ampliação lexical.

    Partindo dessa discussão, para aprofundar os estudos desta investigação, nos

    apoiamos exatamente nesse espaço “fechado”, visto que, toda e qualquer manifestação

    linguística torna-se um objeto riquíssimo de pesquisa.

    1 Usamos o termo “relativo”, visto que por se tratar de ambientes virtuais, é grande a vulnerabilidade na

    segurança e sigilo das postagens.

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    Nesse contexto, no nível da fala e em textos escritos, 20 neologismos foram

    extraídos por um corte sincrônico durante o primeiro semestre de 2020, entre os meses

    de janeiro e maio.

    A partir da leitura das publicações e comentários identificados no portal

    selecionado, as unidades lexicais sentidas como novas, pelo sentimento de novidade

    (CORREIA e ALMEIDA, 2012), foram extraídas manualmente na extensão temporal

    estabelecida.

    No que se segue, à guisa de ilustração concreta da pesquisa neológica da língua

    portuguesa, em comunidades virtuais, os possíveis neologismos, isto é, todas as palavras

    sentidas como novas foram inseridos à Ficha de Registro de Possibilidade Neológica,

    estruturada e organizada para atender a esse fim.

    Critério de exclusão/existência e critério lexicográfico

    Com a organização dos possíveis neologismos incorporados às Fichas de

    Registro de Possibilidades Neológicas, após a conclusão do corpus de extração,

    objetivando verificar o caráter neológico das palavras identificadas, todas as unidade

    lexicais foram submetidas ao critério de exclusão (CORREIA E ALMEIDA, 2012) ou

    critério de existência (ROCHA, 2008).

    Assim, cada palavra foi comparada ao corpus de exclusão, ou seja, o possível

    neologismo foi sujeitado ao dicionário, seguindo alguns critérios descritos por Correia e

    Almeida (2012):

    i. verificar se a unidade está registrada;

    ii. verificar se a categoria morfossintática é a mesma registrada;

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    iii. verificar se o significado detectado corresponde ao registrado;

    iv. verificar se as combinatórias correspondem às registradas;

    v. verificar os diferentes aspectos da unidade lexical.

    Desse modo, o critério lexicográfico serviu como fonte de certificação dos

    possíveis neologismos, a partir da inserção das palavras registradas nos dicionários

    gerais da língua em análise, qual seja: Caldas Aulete Dicionário da Língua Portuguesa,

    Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e Michaelis Dicionário Brasileiro

    da Língua Portuguesa.

    Após a recolha e o registro dos neologismos, importa comparar os

    resultados obtidos com o corpus de exclusão definido. Para cada

    unidade deve-se verificar se a sua forma está registrada, se a categoria

    morfossintática é a mesma que se encontra registrada no dicionário, se

    o significado detectado corresponde ao(s) registrado(s)

    lexicograficamente, se as combinatórias da palavra correspondem às

    registradas; enfim, importa verificar os diferentes aspectos da unidade

    lexical que podem constituir novidade (CORREIA e ALMEIDA,

    2012, p. 28).

    Assim, apenas as unidades que não registraram-se ao crivo lexicográfico,

    foram consideradas como neológicas. Nas páginas que seguem, trataremos da descrição

    mais detalhada de cada um desses processos.

    Descrição e Análise Dos Dados

    De maneira essencial, neste espaço da pesquisa, faremos a descrição e análise

    dos dados detectados a partir da identificação neológica, retirada da comunidade do

    Facebook, Clube das Poderosas, na esfera do entretenimento, a fim de perceber a

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    influência que os fatores extralinguísticos exercem sobre a expansão lexical, nos

    espaços de interação social do falante.

    Desse modo, no propósito de facilitar a compreensão, os neologismos foram

    inseridos em uma ficha de análise neológica, como descrito no item anterior, que foi

    organizada para discriminar as características do processo de formação de expansão do

    léxico.

    Assim, para estudarmos a produtividade lexical, foi adotado o aspecto

    morfológico, fazendo fronteira com a semântica e a sociolinguística. No

    desenvolvimento da pesquisa, 20 (vinte) neologismos foram registrados, contudo, para

    este documento, como parâmetro de amostra, abordaremos alguns exemplos, como

    veremos nos próximos parágrafos.

    Registro e descrição neológica na comunidade virtual Clube das Poderosas

    FICHA-RESUMO DE DESCRIÇÃO NEOLÓGICA

    Corpora: Comunidade Facebook Corpus: Cube das Poderosas

    Âmbito Temático: entretenimento Extração: janeiro a maio/2020

    Ord.

    Neologismo

    Correspondente

    Nov.

    C.G.

    Neol. Neologismo

    Form.

    Den. Fonol.

    Marginal Estil. Semân.

    Sem. Líng. Sintát.

    Emp.

    1. Cabrunco homem de pênis avantajado

    form. sub. estil. - gíria

    2. Neiva do céu pênis pequeno sem. sub. estil. semân. -

    3. Mulesta pênis avantajado form. sub. estil. - gíria

    4. Nenis neném form. sub. estil. - abreviação

    5. Safadenha safadinha form. adj. estil. fonol. -

    6. Séquiçu sexo form. sub. estil. fonol. -

    7. Serpenis pênis form. sub. estil. - cruz. voc.

    8. Sol das 10 homossexual sem. sub. estil. semân. -

    9. Tabs ânus form. sub. estil. - abreviação

    10. X as vezes sem. adv. estil. semân. -

    Fonte: https://www.facebook.com/groups/659322547926043/

    Tipo de novidade: formal e semântica

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    Perante uma palavra tida como nova, ocorre o processo de estranhamento por

    parte do falante. Esse processo é conceituado por Correia e Almeida (2012) como

    sentimento de novidade, caracterizado em novidade formal e semântica. Assim, as

    palavras tidas como novas passam por um processo de construção, de acordo com as

    regras de produção do sistema lexical.

    A novidade formal constitui uma palavra nova, nas esferas do significante e

    do significado, isto é, palavras que ainda não foram agregadas à língua. A novidade

    semântica relaciona-se a um novo sentido dado à palavra já existente. Nesse contexto,

    apenas o significado é alterado, porém, a forma permanece a mesma, isto é, a palavra

    tida como nova é existencial em sua forma, porém recebe um novo sentido, uma nova

    conotação.

    Na comunidade estudada, foram diagnosticadas as duas novidades, sendo a

    novidade formal representada em 35% dos casos, podendo ser observada nos exemplos:

    [cabrunco > homem de pênis pequeno]; [nenis > neném]. Já a novidade semântica é

    responsável por 65% dos neologismos localizamos, como é possível verificar nas

    representações: [sol das 10 > homossexual]; [x > às vezes].

    Classe gramatical

    O indicativo abaixo representa a distribuição de novos registros de acordo com

    as quatro classes abertas do português, isto é, as quatro possibilidades que permitem a

    formação de novas unidades lexicais: substantivo, adjetivo, verbo e advérbio. Contudo,

    nas produções analisadas, o verbo não foi localizado. O adjetivo foi identificado em

    apenas um caso, configurando 5% dos neologismos: [safadenha > safadinha]. Do

    mesmo modo ocorreu com os advérbios, apontando apenas uma palavra: [x > às vezes].

    Já os substantivos, assumem a grande parte dos registros.

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    Os dados revelam que 90% das palavras novas são substantivos, isto é, o

    falante necessita criar novas unidades lexicais que atribuem nomes aos seres, ações,

    objetos, características, sentimento, estados, observados no cotidiano sociolinguístico,

    como vemos: [cabrunco > homem de pênis avantajado]; [Neiva do céu > pênis

    pequeno]; [nenis > neném]; [mulesta > pênis avantajado]; [séquiçu > sexo]; [serpenis >

    pênis]; [Sol das 10 > homossexual]; [tabs > ânus].

    Tipo de neologia

    Como vimos anteriormente, a neologia pode ser caracterizada em neologia

    denominativa, neologia estilística e neologia de língua, contudo, a neologia que

    somente fixará à língua é aquela que for de fato necessária, ou seja, “unidades de

    discurso, passando para o sistema da língua apenas aquelas formações que assumem um

    caráter permanente e estável, isto é, normalmente aquelas que resultam de uma

    necessidade do sistema, sobretudo as de caráter denominativo” (CORREIA;

    ALMEIDA, 2012, p. 20).

    Na pesquisa, apenas uma neologia foi evidenciada, representando 100% das

    palavras registradas, que foi a neologia estilística. Esses dados indicam que o falante

    procura por maior expressividade no discurso, na tentativa de traduzir uma nova

    maneira de se exprimir as ideias.

    Formação neológica

    O fenômeno da ampliação lexical se estabelece em bases distintas de expansão,

    visto que cada língua possui mecanismos próprios de construção. Na língua portuguesa,

    a construção da inovação lexical (os neologismos) normalmente se estabelece

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    basicamente em três pilares mais produtivos: construção, atribuição e importação.

    Os mecanismos de construção e atribuição ocorrem na esfera da língua de

    origem, ou seja, a construção se ocupa das regras da própria língua para estabelecer sua

    estrutura. Na atribuição, novos significados são agregados às palavras que já existem

    na íngua. No caso da importação, a formação ocorre por meio de palavras oriundas de

    outras línguas, isto é, estruturas existenciais fora do sistema linguístico.

    Nessa perspectiva, os processos de formação neológica apresentam-se em

    quatro tipologias de formação, assim como descritos por Guilbert (1975) e Alves

    (2007):

    I. Neologismos fonológicos é a criação de um item lexical em que o significante

    seja inédito, sem base em nenhuma palavra já existente na língua.

    II. Neologismo sintáticos são aqueles gerados pela combinação de elementos

    existentes na língua e sua combinação pode estar no nível frasal, alterando a

    categoria lexical do item.

    III. Neologismos semânticos são criados sem a operação de mudanças formais no

    léxico já existente. Uma palavra passa a receber um novo significado na língua

    sem prejudicar os outros.

    IV. Neologismo por empréstimos possuem palavras ou elementos de línguas

    estrangeiras.

    Na investigação, não foram identificados neologismos sintagmáticos e

    neologismos por empréstimos. Desse modo, constaram apenas neologismos

    fonológicos, com 10%, neologismo semântico, com 65% e formações “marginais”,

    representando 25% dos casos.

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    Neologismos fonológicos

    Apesar de rara, a neologia fonológica, por vezes, pode ser usada na intenção de

    alterar o item lexical, porém, essa alteração não modifica o significado lexical, isto é,

    não abala a compreensão do leitor, uma vez que a mudança se passa no campo do

    significante.

    A esse respeito Alves, (2007, p. 12) descreve alguns exemplos:

    a) substantivo turma > tchurma;

    b) verbo beber e comer > bebemorar;

    c) substantivo show > xou da Xuxa.

    Nos textos estudados, apenas dois casos foram identificados como neologismo

    fonológico: [safadenha > safadinha]; [séquiçu > sexo].

    Neologismo: safadenha

    Texto:

    Dia dos namorados chegando ... hora de inovar no “séquiçu”, pra dar aquela apimentada na

    relação...

    [imagem]

    Significado: [Formal] adj. fem. - safadinha.

    Definição: Diminutivo de safada.

    Referência: [Formal] adj. fem.- safada.

    Feminino de safado. O mesmo que: devassa, tirada, arrastada, desavergonhada, desbotada,

    descarada, irada, obscena.

    [Regionalismo: Nordeste] Diz-se da criança inquieta ou traquinas. Etimologia: particípio de

    safar.

    Neologismos semânticos

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    Os neologismos semânticos decorrem da criação de novos sentidos,

    significados novos para um significante preexistente, que já é utilizado entre os falantes.

    Esse fenômeno representou grande parte dos neologismos identificados, compondo

    mais da metade dos casos identificados. Vejamos o exemplo:

    Neologismo: Neiva do céu

    Texto:

    Dança da mãozinha

    [imagem]

    Não vejo graça, com certeza é Neiva do céu, tentei enxergar alguma coisita aí e não vi

    nada...

    Significado: [Formal] sub. masc.- pênis pequeno.

    Definição:

    Pênis - [Anatomia] Órgão genital/sexual presente nos indivíduos do sexo masculino.

    [Zoologia] Órgão masculino de função copuladora presente num animal invertebrado.

    Etimologia: latim - penis.is.

    Pequeno - De reduzido porte, de pouca extensão, de baixa estatura, franzino. Cuja estatura

    está abaixo da média: criança muito pequena. Etimologia: latim - pitinnus.

    Referência: [Formal] Vocativo - Neiva do céu.

    Expressão conhecida na internet e fora dela após vazamento de um áudio em que uma

    mulher conta à sua amiga sobre um encontro mal sucedido que teve com um homem.

    Processos “marginais” de formação

    Além dos processos de formação de palavras mais comuns: derivação e

    composição, que corresponde aos neologismos sintagmáticos, ocorre ainda, “Outros

    processos” (BASILIO, 2004), “Tipos especiais” (BECHARA, 2009), dentre outras

    nomenclaturas. Já Gonçalves (2016) reconhece como processos “marginais” de

    formação de palavras.

    Apesar do nome, “esses mecanismos nada tenham de marginais: são tão

    importantes quanto os canônicos processos de composição e derivação, altamente

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    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    produtivos no atual estágio da língua e sistematizáveis (não são foras-da-lei)”

    (GONÇALVES, 2016, p. 9). Esses processos foram evidenciados em 25% dos casos,

    totalizando 5 (cinco) palavras neológicas: dois casos de gírias, dois de abreviação e um

    caso de cruzamento vocabular:

    Neologismo: cabrunco

    Texto:

    “Eu assisto toy boy pq gosto da história”

    A história:

    #toyboynetflixbrasil

    [imagem]

    - Ohhhh Cabrunco...

    Significado: [Formal] sub. masc. – homem de pênis avantajado.

    Definição:

    Homem – sub. masc. Indivíduo dotado de inteligência e linguagem articulada, bípede,

    bímano, classificado como mamífero da família dos primatas, com a característica da

    posição ereta e da considerável dimensão e peso do crânio. Espécie humana; humanidade: a

    evolução social do homem. Pessoa do sexo masculino. Esposo, marido, companheiro. A

    criatura humana sob o ponto de vista moral: todo homem é passível de aperfeiçoamento.

    Etimologia: latim - homo.inis.

    Pênis – subs. masc. - [Anatomia] Órgão genital/sexual presente nos indivíduos do sexo

    masculino. Etimologia: latim - penis.is.

    Avantajado – adj. Diz-se do que é superior a, excede, leva vantagem sobre.

    Referência: [Formal] sub. fem. masc. – cabrunco.

    [Brasil] Alguém de má aparência; algo desproporcional. Que demonstra admiração diante

    de alguma coisa extremamente bonita ou muito feia. Etimologia: questionável.

    Considerações Finais

    O que emerge a partir da análise dos dados observados é que, os fenômenos da

    ampliação lexical e a interação comunicativa entre os falantes é delimitada a partir das

    abordagens desenvolvidas nos ambientes de fala, ou seja, compreende-se que para

    ocorrer a criatividade, isto é, ampliação do acervo lexical, é necessário que o falante

    esteja inserido em um ambiente de descontração e bem-estar. As atitudes

    comportamentais e linguísticas advêm da interação social entre os participantes. A partir

    da influência mútua e comunicativa, os falantes passam a adotar atitudes semelhantes

    entre si.

  • Edição nº 29 – 1º semestre de 2020

    Artigo recebido até 15/01/2020 Artigo aprovado até 15/02/2020

    A interferência de fatores sociais e extralinguísticos interferem fortemente nos

    fenômenos da ampliação lexical, especialmente no fluxo de produção neológica e nos

    processos de formação dos neologismos, além da intensidade comunicativa entre os

    usuários da língua. Desse modo, as temáticas existentes nas comunicadas de fala

    influenciam significativamente na produtividade da ampliação lexical, fatores que

    conversam com as hipóteses definidas inicialmente nesta pesquisa.

    Dito de outro modo, as temáticas abordadas nas comunidades de fala

    influenciam quantitativamente não apenas no número de neologismos produzidos, mas

    pode representar a identidade sociolinguística desses falantes. Assim, o contexto social

    é fator determinante, não apenas como representatividade da criatividade linguística,

    mas atua como protagonista de representatividade sociolinguística.

    Desse modo, como projeções de chegada aos estudos desta pesquisa, tem-se a

    proposição de que o fator social desempenha papel primordial na ampliação do léxico,

    acepções pelas quais promovem práticas que possibilitem estudar o léxico por outros

    olhares, como constatação de que os estudos neológicos não se restringem apenas ao

    viés comunicativo, mas aos espaços onde o falante atua, que é heterogêneo,

    principalmente com advento da evolução na atmosfera científica e tecnológica.

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