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  • 8/12/2019 VARIAE SOCIOLINGUSTICA

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    A o nal desta aula, voc dever ser capazde:

    perceber que a variao lingustica semanifesta de diversas formas;

    identi car os tipos de variao;

    reconhecer que a variao um princpio

    natural de qualquer lngua.

    2aula

    O

    b j e t i v o s

    VARIAO SOCIOLINGUSTICA: TIPOS

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    AULA 2VARIAO SOCIOLINGUSTICA: TIPOS

    1 INTRODUO

    Voc aprendeu, na aula anterior, que a Sociolingustica,enquanto disciplina, tem como meta compreender e relacionarheterogeneidade lingustica com heterogeneidade social, pois seupressuposto bsico que a variao lingustica um fenmeno naturale que a lngua in uenciada pelos usos sociais que os falantes fazemdela. Nesta aula, estudar os diferentes tipos de variao, com opropsito de que voc compreenda que uma lngua, em particular oportugus brasileiro, no e no pode ser preconizada como sendouniforme.

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    Lingustica II: sociolingustica

    46 Mdulo 2 I Volume 5 EAD

    Variao sociolingustica: Tipos

    2 TIPOS DE VARIAO LINGUSTICA

    Basicamente voc encontra, nos textos especializados, osseguintes tipos de variao: diatpica; diastrtica; diacrnica;

    sincrnica; diafsica e diamsica. Como dizem Ilari e Basso (2006,p. 152), essas expresses so primeira vista estranhas, masum pouco de etimologia mostrar ao leitor que elas so, no fundo,bastante transparentes. Vamos ento conhec-las!

    2.1 Variao diatpica

    A variao diatpica (do grego di = atravs de; topos =

    lugar) se caracteriza pelas diferenas que se observam na dimensodo espao geogr co, ou seja, a lngua falada em diferentes lugares:numa mesma regio, num mesmo estado, num mesmo pas, ou empases diferentes. Vamos, agora, estudar dois casos! Voc, certamente, sabe reconhecer um gacho, um paulista,um carioca, um baiano, um mineiro... pela forma como falam. Estoucerta? Poderemos ilustrar essa variao regional com inmeros casosque afetam os diferentes nveis de uma lngua.

    De ordem lexical: voc j ouviu falar em macaxeira , aipim ,mandioca , castelinha e po-de-pobre ? E abbora e jerimum ? Anans ,aberas e abacaxi ? Tangerina , mexerica , bergamota , mandarina ? Jouviu expresses do tipo: esto mangando de mim ; esto zombandode mim ; esto zoando de mim ? Todos esses casos so variaes queguram no lxico de falantes de diferentes regies do Brasil.

    De ordem fontico/fonolgica: vamos recorrer a dois casosbastante conhecidos: a realizao varivel do /r/ e a realizaovarivel dos fonemas /t/ e /d/. A propsito do /r/ em nal de slaba,por exemplo, em porta , mar , fora , um falante do interior de SoPaulo o realiza diferentemente da maioria dos brasileiros. Com

    relao ao /t/ e o /d/, no Sul e em algumas regies doNordeste do Brasil, inclusive no interior da Bahia, elesso pronunciados em palavras como leite , dente ,

    pede , rede , em sua forma dental ; j, em quase todoterritrio brasileiro, ele pronunciado em sua forma

    africada : [leitchi]; [dentchi]; [pedchi]; [redchi].De ordem morfossinttica: voc sabe que, para expressar a

    segunda pessoa do singular, o portugus dispe de duas formaspronominais: tu e voc . No entanto, deve saber que o tu estrestrito a algumas regies espec cas do Brasil, por exemplo, a

    Figura: UAB/UESC

    ATENO

    Em termos fonticos, den-tal o som produzido coma ponta da lngua contra aparte posterior dos dentesincisivos superiores, comono caso de [t]; e africada o som produzido por umbloqueio completo corren-te de ar dentro da cavidadeoral, em sua parte inicial, euma obstruo na parte -nal de sua articulao, comono caso de [tch] (MASSI-NI-CLAGLIARI; CAGLIARI(2001)). Na disciplina de fo-ntica e fonologia voc tercontato com essas e vriasoutras classi caes.

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    regio Sul, mais especi camente Rio Grande do Sul. De modo geral,a forma mais usada o voc , tanto para a segunda quanto para aterceira pessoa do singular. Em se tratando do tu , vale dizer ainda queele mais recorrente com a forma verbal correspondente terceirapessoa: tu vai e no tu vais ; tu e no tu s . Voc sabia disso? Bem, os fatos demonstrados aqui ilustram a variao dentrode um mesmo territrio: Brasil. Agora, ilustraremos a variao queocorre entre dois territrios diferentes: Brasil e Portugal.

    Obviamente, so muitas as diferenasque ocorrem entre esses dois espaos.Voc j viu um portugus conversando?Com certeza deve ter percebido inmeraspeculiaridades que o diferenciam de umfalante brasileiro. Uma das mais marcantes a de natureza lexical. Por exemplo, sealgum te pedir uma cerveja de presso ,uma pastilha elstica , uma tira-cpsulas ,uma arca frigor ca , saberia reconhecer quese tratam, respectivamente, de: um chope ,um chiclete , um abridor de garrafas , umfreezer ? Se algum te perguntar se conheceo professor reformado ou se sabe onde esto atendedor automtico , ser que saberiaresponder? Acredito que no. Professorreformado corresponde a professoraposentado e atendedor automtico , secretria eletrnica . Diferentes, no?!!!Veja, na gura abaixo, mais um caso devariao lexical:

    SAIBA MAIS

    Para saber mais sobre avariao do tu e voc,leia o artigo de MODESTO,A. T. T., Formas de trata-mento no portugus brasi-

    leiro: a alternncia tu/vocna cidade de Santos-SP ,no site : http://www.letra-magna.com/xerxesartigo.pdf

    SAIBA MAIS

    PE PE e PB PB

    Feito um burro Teimoso comouma mulaQue nem a mulher

    do piolho

    Como umagralha

    Falar peloscotovelos

    Mais que o homemda cobra

    A troco de reza Comprar por umapechincha Por uma micharia

    Pescar ummarido

    Arranjar ummarido Fisgar um marido

    Pela medidagrande Apanhar

    Como um cachorrosem dono

    Conforme Valente (2002), apud Ilari e Basso (2006, p. 159), nemtodas as diferenas entre o PE e o PB resultam do fato de que

    essas duas variedades tm repertrios de palavras distintas. Hpalavras ou expresses que existem tanto numa como na outra,e a possibilidade de variao decorre das chamadas diferenasde colocao. O quadro abaixo ilustra algumas delas:

    Segundo esses autores, o papel dos dicionaristas indicar essas diferenas.

    F i g

    u r a :

    U A B / U E S C

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    Lingustica II: sociolingustica

    48 Mdulo 2 I Volume 5 EAD

    Variao sociolingustica: Tipos

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    2.2 Variao diastrtica

    Variao diastrtica (do grego dia = atravs de;stratum = estrato, camada) corresponde s diferentes

    formas produzidas por falantes de diferentes classes sociais.Ilustraremos aqui variaes que se manifestam na fala deindivduos com diferentes escolaridades, bem como de algunscasos que caracterizam a chamada variedade no-padro.

    Para o primeiro caso, recorremos ao estudo de Vazzata-Dias (2000), que revela a relao direta entre o aumento dosanos de escolarizao e o favorecimento da marca explcitade plural no predicativo/particpio passivo no portugus faladono Brasil: o nvel de escolaridade colegial (ensino mdio), ao

    contrrio do primrio (fundamental I) e do ginsio (fundamentalII), favorece mais a forma de prestgio.

    Para ilustrar o segundo caso, recorremos a letras de duasmsicas que retratam os chamados dialetos caipiras: umade Adoniran Barbosa, Samba do Arnesto, e a outra Couro deboi, de Teddy Vieira e Palmeira, que j foi gravada nas vozesde Tonico, Sergio Reis e outros:

    Samba do Arnesto

    O Arnesto nos convidoPrum samba ele mora no Brs

    Nis fumo mas no encontremoningum

    Nis vortemo cuma baita de umareiva

    Da outra veiz nis num vai mais

    No outro dia encontremo co ArnestoQue pidiu descurpa mas nis no

    aceitemusIsso no se faz Arnesto

    Nis no se importaMas voc devia ter ponhado um

    recado na porta

    Um recado ansim i:i turma, num deu pra esperAduvido que isso no faz m

    Num tem importnciaNum faz m

    Assinado em cruiz porque num seiEscrev Arnesto

    Estamos falando aqui de variaes dotipo:

    a) Eles so rebeldes X Eles sorebelde .

    b) Meus pais so d escendentes XMeus pais so descendente .

    c) Os presos foram mandados ...X Os presos foram mandado ...

    Veja a tabela (cf. Vazzata-Dias, 2000)com os nmeros correspondentes in uncia da varivel escolaridade naescolha da variante presena de marcade plural:

    Fator escolaridade %

    Primrio 21

    Ginsio 36

    Colegial 64

    Como voc pode perceber, o colegial(ensino mdio) favorece em 64% aregra considerada correta. No entanto,o uso no categrico: ou seja, mesmoos falantes mais escolarizados tambmusam a forma tida como no-correta:34%.

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    Couro de boi

    Conheo um velho ditado desde os tempos dos zagais,um pai trata deis o, deis o num trata um pai,

    sentindo o peso dos anos, sem pod mais trabai,um vio peo estradeiro, com seu o foi mor,o rapaiz era casado, e a mui deu de impric,

    voc mande o vio imbora, se no quis que eu v,o rapaiz corao duro, com o veinho foi fal:

    para o senhor se mud, meu pai eu vim lhe pedi,hoje aqui da minha casa, o sinh tem que sa,leva esse couro de boi, que eu acabei de curti,pra lhe servi de cuberta aonde o sinh durmi.

    O pobre vio calado, pegou o couro e saiu,seu neto de oito ano, que aquela cena assistiu,

    correu atrais do av, seu palito sacudiu.Metade daquele couro, chorando ele pediu,

    o veinho comovido, pra no v o neto chorando,cortou o couro no meio, e pro netinho foi dando.O menino chegou em casa, seu pai foi lhe perguntandopra que voc qu este couro, que seu av ia levando.

    Disse o menino ao po, um dia vou me casaro senhor vai c veio e comigo vem mor

    pode ser que acontea, de nois no se cumbinessa metade do couro, vou dar pro senhor lev.

    Como voc pode notar, h vrios traos tpicos da fala no-

    padro em ambas as msicas. Com esses traos, a imagem do caipira projetada. Temos, ento, ilustrada a fala no mbito diastrtico.

    2.3 Variao diacrnica

    A variao diacrnica (do grego di = atravs de; khrnos =tempo) aquela que se veri ca ao longo do tempo. Para entend-la,vamos falar um pouco da histria do portugus que voc fala hoje.

    Como voc sabe, o portugus, assim como o espanhol,o italiano e o francs, por exemplo, se originou do latim, a lnguada civilizao que teve como centro a Roma antiga. Do latim aoportugus da poca da colonizao, muito tempo se passou e muitasforam as transformaes. Daquele portugus ao portugus que vocfala e convive hoje, tambm no foi diferente: muitas mudanas seprocessaram nos vrios nveis da lngua. Para ilustrar algumas dessasmudanas, vamos recorrer a alguns fatos. O primeiro se refere a umatransformao do latim para o portugus; os outros se referem atransformaes que se processaram no mbito do prprio portugus. Os artigos de nidos e os clticos de terceira pessoa, ( o,a, os, as ), que voc conhece hoje, nasceram de um pronomedemonstrativo, mais especi camente, ille , em sua forma acusativa,

    VOC SABIA?

    Voc sabia que as lnguasromnicas surgiram do la-tim vulgar? No foi nem dolatim literrio nem do latimda Igreja Catlica. Mas o queseria vulgar? Seria a formade aprendizado espontneoe inconsciente, no ambien-te em que as pessoas socriadas, portanto, a formaverncula. Conforme Ilari eBasso (2006, p. 17), o latimvulgar foi uma variedade delatim principalmente falada,a mesma que os soldados e

    comerciantes romanos le-varam s regies conquista-das durante a formao doImprio, que foi passada degerao em gerao sem serensinada formalmente. Coma fragmentao do Imprioe com as in uncias das in-vases brbaras, o que eratido como territrio lingusti-co nico se transformou nummosaico de falares locais,dos quais alguns ganharamprojeo e se transformaramnas lnguas romnicas queconhecemos hoje: alm dasque j mencionamos, so ln-guas romnicas: o romeno, osardo, o reto-romnico, o oc-citano, o catalo e o galego.

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    50 Mdulo 2 I Volume 5 EAD

    Variao sociolingustica: Tipos

    como voc pode observar na reconstruo abaixo:

    Masculino singular: llu > elo > lo > o.Feminino singular: lla > ela > la > a .

    Masculino plural: llos > elos > los > os .

    Feminino plural: llas > elas > las > as .

    Conforme Tarallo (1994), essa reconstruo se explica daseguinte forma: o /i/ se fechou em /e/; as consoantes geminadas /ll/foram simpli cadas; o /e/ inicial cairia posteriormente; e o /l/, agorainicial, seguindo a evoluo fontica normal das consoantes, durantea passagem do latim ao portugus, teria sofrido queda; originando,assim, as formas que temos hoje: /o/, /a/, /os/, /as/.

    Voc j sabe que, para representar o objeto direto, aqueleexigido por um verbo transitivo direto, a lngua nos pe disposiodiferentes formas, como as que apresentamos a seguir:

    a) Joo viu Maria.b) Joo a viu.c) Joo viu ela .d) Joo viu .

    A propsito de (d), construo com o objeto nulo (apagado),Cyrino (1990a), apud Cyrino (1993), mostra a sua frequncia emdiferentes sculos, como ilustra a tabela 1 abaixo:

    Tabela 1 : frequncia do objeto nulo

    Sculos Objetos nulos (%)

    Primeira metade sc. XVIII 14,2

    Primeira metade sc. XIX 41,6Segunda metade sc. XIX 23,2

    Primeira metade sc. XX 69,5

    Segunda metade sc. XX 81,1

    Como voc pode perceber, o uso dessa variante aumenta com opassar dos sculos. Segundo a autora, esse aumento decorrente daperda dos clticos no portugus do Brasil. A propsito, Tarallo (1983),apud Cyrino (1993), foi o primeiro a apontar a mudana a partir decinco momentos histricos, como se pode notar na tabela 2 abaixo:

    Tabela 2 : frequncia dos clticos

    Sculos Clticos (%)Primeira metade sc. XVIII 89,2Segunda metade sc. XVIII 96,2Primeira metade sc. XIX 83,7Segunda metade sc. XIX 60,2Corpus sincrnico (1982) 18,0

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    SAIBA MAISVoc percebe que, do sculo XVIII ao sculo XX, houve umamudana muito grande em relao ao uso do cltico: enquanto ele eraa forma quase que preferida dos falantes na segunda metade do sculoXVIII (96,2%), no sculo XX, por sua vez, ele pouco recorrente

    (18,0%). Ao seu desaparecimento est associado o surgimento doobjeto nulo, como viu na primeira tabela, bem como o surgimento dopronome tnico, como ilustra a tabela 3 abaixo, tambm de Cyrino(1990), apud Galves (1993):

    Tabela 3 : frequncia do cltico e do pronome tnico

    Sculos Cltico Tnico

    1 met. XVIII 100% 0%

    1 met. XIX 100% 0%

    2 met. XIX 91,3% 8,6%

    1 met. XX 81,6% 18,3%

    2 met. XX 47,3% 52,6%

    Voc nota que o cltico, categoricamente, era a forma preferidainicialmente. O tnico, por sua vez, comea a surgir na segundametade do sculo XIX e vai aumentando, progressivamente, nossculos seguintes.

    Percebe como as pesquisas diacrnicas contribuem para aconstatao das mudanas que se processam no interior das lnguas?Da a importncia de se considerar o tempo na constatao dasvariaes.

    Para conhecer outros fe-nmenos estudados nu-ma perspectiva diacrni-ca, recomendo a leiturado livro de ROBERTS, I.;

    KATO, M. A. (Orgs.). Por-tugus brasileiro : umaviagem diacrnica. Cam-pinas: Unicamp, 1993.Tambm sugiro a leiturado livro de TARALLO, F.Tempos lingsticos :itinerrio histrico da ln-gua portuguesa. 2. ed.So Paulo: tica, 1994.

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    importante que que claro que no s a lngua que falamoshoje resultado de muitas mudanas que ocorreram emdiferentes pocas. Na lngua que falamos hoje, recorremos amuitas palavras e construes que so de cronologias diferentes.E o mais interessante que a histria nos permite explicarfatos que, para a maioria dos falantes, so desconhecidos. Porexemplo, a transformao de proparoxtona em paroxtona:rvore > arvre ; crrego > corgo ; f sforo > f osfro ; nibus >oimbus ; msica > musga . Reconhece essas variaes? Paramuitos, as transformaes correspondem ao chamado portugusno-padro, o portugus falado por pessoas que no conhecema forma de prestgio. Agora, o curioso que esse tipo detransformao muito comum quando se compara o latim com ochamado portugus padro. Veja alguns casos, conforme Bagno(2008):

    Latim Portugus padroPerculu perigo

    Vermculu vermelhoPpulu povoFbula falaHmine homempera obra

    Mirculu milagrePuperre pobreTgula telhaVride verde

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    Variao sociolingustica: Tipos

    2.4 Variao sincrnica

    Diferentemente da variao diacrnica, a sincrnica (do gregosyn - = juntamente e - chrnos = tempo) se processa num dado

    momento do tempo. So inmeras as pesquisas que abordam essetipo de variao no portugus brasileiro. Recorremos, aqui, a duaspesquisas realizadas recentemente, no mbito Itabuna e regio:Andrade (2007) e Oliveira (2008).

    Andrade (2007) pesquisou o uso varivel de para mim e paraeu em oraes reduzidas de in nitivo, como as que seguem abaixo:

    a) Esse gravador pra mim gravar.b) Este livro de Cincias para eu estudar.c) Sa de l pra mudar de escola.

    Construes como essas no lhe so estranhas. Estou certa?Pois , elas ocorrem com bastante frequncia no portugus doBrasil. Em sua pesquisa, Andrade investigou falantes da regio deItabuna-BA e constatou: construo como a primeira, preposio +mim , ocorreu em 44,3% dos casos; preposio + eu , em 22,9%;e preposio + , 32,8%. Como voc pode observar, a formapreconizada pelas gramticas tradicionais a menos recorrente. E,

    mesmo assim, veri ca-se a preferncia pela construo em que apreposio aparece contrada: pra eu (71,4%); peu (14,3%); preu (7,2%); e para eu (7,1%).

    Oliveira (2008) investigou a realizao varivel da concordnciaverbal em textos escritos. Analisou construes do tipo:

    a) Os jovens e crianas esto descobrindo a sexualidade mais cedo.b) As crianas e adolescente est se desenvolvendo mais cedo.

    Ela analisou 30 redaes de alunos do ensino fundamental emdio e constatou: a realizao explcita da concordncia ocorreuem 61,5% dos casos e a no-explcita, em 38,5%. Os resultadoscon rmam a in uncia da escola quanto ao uso da regra formal.

    2.5 Variao diafsica

    Tambm denominada de variao estilstica, a variao

    diafsica (do grego di = atravs de; phsis = expresso, modo defalar) registrada nos usos diferenciados que o indivduo faz da lnguaconforme a situao/contexto em que ele se encontra. Certamente,

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    LEITURA RECOMENDADA

    voc j vivenciou esse tipo de experincia, no ? s prestarateno como as pessoas falam em casa, na mesa de um bar, numencontro com os amigos, com o chefe, numa conferncia... Quandoescreve, voc tambm registra esse tipo de variao: um bilhetedeixado na porta da geladeira diferente de um relatrio enviado aseu chefe, de um e-mail enviado a um colega, de uma resenha a serencaminhada ao professor... Cada situao exige de voc um controlemaior ou menor, tanto do seu comportamento em geral quanto doseu comportamento verbal.

    Trata-se, portanto, do monitoramento estilstico que vai dograu mnimo ao grau mximo (BAGNO, 2007, p. 45). Conforme oautor, cada pessoa, independentemente de seu grau de instruo,classe social, idade etc. varia o seu modo prprio de falar, podendo

    ser mais ou menos consciente, dependendo da situao em que est.Os termos usados para designar esse tipo de variao so estilo ou

    registro. As guras abaixo ilustram um desses casos:

    Para exempli car esse tipo de variao na modalidade escrita,vamos usar os exemplos apresentados por Bagno (2007, p. 110-111).As frases que se seguem foram retiradas dos fragmentos de textosapresentados pelo autor, todos coletados da Internet:

    a) Hoje aconteceu os treinamentos o ciais...b) Chegou os blocos de papel...c) A que ponto chegou os polticos do Brasil...d) A classe mdia acabou, s sobrou os concursados...e) No lugar da mata entrou os pastos e as monoculturas...

    Voc saberia dizer qual regra est sendo violada nessesexemplos? a mesma que se veri ca nos exemplos abaixo:

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    54 Mdulo 2 I Volume 5 EAD

    Variao sociolingustica: Tipos

    f) Faz-se necessrio duas abordagens para que se abranja atotalidade da situao (Dissertao de Mestrado em Lingstica,2005, Universidade de Braslia).

    g) Ao contrrio do que ocorre com os pidgins e crioulos , em que

    o normal a relexi cao da lngua dominada, na qual subsiste no entanto os aspectos morfossintticos [...] (Dissertao demestrado em Lingstica, 2005, Universidade de Braslia).

    h) Num pas onde existe mais de 100 lnguas alm da o cial inconcebvel perpetuar a idia que s a lngua normativa acorreta (Texto produzido por professora de portugus do DistritoFederal).

    E a, sabe qual a regra? Se pensou na concordncia verbal,acertou! Como voc v, a falta de concordncia do verbo com o sujeito

    posposto ocorre desde situaes menos formais (como nos textosda Internet) at as mais formais (como nos textos produzidos porpessoas tidas como cultas, conhecedoras da modalidade de prestgio).Para muitos, a concordncia do verbo com o sujeito posposto passa aser uma regra invisvel, tornando a construo, sem a aplicao daregra, bastante natural para muitos falantes do portugus brasileiro.

    No entanto, mesmo com a in uncia dessa variante, aregra prevista na norma-padro ainda permanece viva e forte naconscincia de muita gente, como ilustram as frases abaixo, retiradasdos fragmentos de textos apresentados por Bagno (p. 115):

    i) Chegaram os sem- oresta...j) Acabaram os roubos de automveis...k) Saram os custos de produo...l) A taxa acabou, mas sobraram as dvidas de pessoas...m) (...) s mulheres restavam os trabalhos domsticos e o cuidado

    dos lhos.

    Entendeu como se caracteriza a variao diafsica? So osusos monitorados (de maneira mais consciente ou menos consciente)que os falantes fazem da lngua conforme a situao em que seencontram.

    2.6 Variao diamsica

    Variao diamsica (do grego di = atravs de e msos =

    meio) aquela que se observa entre a lngua falada e a lngua escrita.Por exemplo, quando voc escreve um texto, pode apag-lo, corrigi-lo, modi c-lo, reescrev-lo quantas vezes quiser. J com o texto

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    falado, o mesmo no acontece. Voc no tem como apagar o quedisse, por exemplo. O que pode fazer reapresentar a ideia numprocesso de correes, acrscimos e reformulaes, con gurandoestruturas que basicamente se diferenciam daquelas tidas como bemacabadas pelos gramticos.

    Vamos ver como isso se con gura, contrastando os dois textosabaixo (cf. FAVEROet al ., 2002). O primeiro corresponde a um trechode fala retirado de textos do projeto NURC/SP:

    DESCRIO DE UM MUSEU

    Bom... eu, eu fui a a a Paris e visitei o Louvre... e estiveno Louvre eu acho que umas eu passei uma semana s emParis mas eu fui umas quatro vezes ao Louvre... porque

    realmente o que a gente v no Louvre indescritvel...e aquilo que a gente est costumado a ver em livrose lbuns sobre obras clebres... ter oportunidade dever l e e examinar... d assim uma sensao umaemoo at inenarrvel porque completamente indescritvel... entendeu? Eu fui tambm a a ao Museudo Prado... fui algumas vezes no Museu do Prado emem em na capital da Espanha... l em Madri e na Itliatambm tive oportunidade de conhecer bonitos museus...principalmente em Florena...

    Agora, o segundo texto uma reformulao escrita do primeiro:

    DESCRIO DE UM MUSEU

    Quando fui a Paris, visitei o Louvre por quatro vezes,embora a minha permanncia na capital francesa tenhasido de uma semana. A justi cativa para tantas visitasest no que se tem para admirar naquele museu. algo indescritvel. Sente-se uma emoo inenarrvelquando se tem a oportunidade de examinar de pertoaquelas obras clebres cujo contato sempre foi atravsde livros ou lbuns de Histria da Arte. Conheo outrosmuseus da Europa. Na Espanha, mais precisamentena capital Madri, estive no Museu do Prado. J naItlia pude apreciar bonitos museus, principalmenteem Florena.

    Percebeu as diferenas entre os dois textos? Elasso bastante visveis, no so? Pois , temos a a chamadavariao diamsica.

    Agora que j conheceu as variaes e asclassi caes apresentadas a elas, vamos s atividades!

    ATENO

    A propsito desse tipo de variao,no podemos deixar de falar aquidos gneros textuais, outro fatorque determina essa variao. Voc jdeve ter estudado que, a depender

    do gnero, os textos, falados ouescritos, apresentam estruturas,vocabulrios e gramtica prprios.Exempli cando: pense nos textos daInternet, num site , num e-mail , numcha t... cada um apresenta estrutura/forma e linguagens espec cas,marcadas pela natureza do veculoem questo. Um exemplo maisprtico ainda este texto da EAD quevoc est tendo contato. Com suaforma e linguagens adaptadas, essetipo de texto est sendo produzidopara atender a uma situaoespec ca, a aula no-presencial,que, com certeza, se diferencia daaula tradicional/presencial.

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    l) Obra de Santa Ingrcia: ______________________________________________m) Perer, caixa de fsforo: ____________________________________________n) Por honra da rma: _________________________________________________o) Roer beira de penico: ________________________________________________p) T na jante: _______________________________________________________

    4. Agora, dever fazer um levantamento de, no mximo, dez expresses que vocconhece e ouve em sua regio.

    5. Para demonstrar a variao diastrtica, apresente, pelo menos, uma letra de msica(moda de viola, ou msica sertaneja, ou msica raiz) que retrata o dialeto caipira.

    6. Observe os dados:

    Portugus culto Portugus no-culto

    Eu estudo Eu estudoTu estudas Voc/ C estuda

    Ele(a) estuda Ele(a) estudaNs estudamos Ns / a gente estuda

    Vs estudais Vocs / Cs estudaEle(a)s estudam Ele(a)s estuda

    6.1. Analise diacronicamente as formas (gr cas e acsticas), apontado as diferenas esemelhanas.

    7 Compare os dados abaixo:

    7.1 Numa anlise sincrnica, aponte as semelhanas e as diferenas que se observamnas formas do paradigma pronominal e verbal.

    8. Veja as explicaes e depois diga se so diacrnicas (D) ou sincrnicas (S):

    a) Pr um verbo da 2 conjugao, porque no portugus arcaico o in nitivo era poer .

    b) Pr um verbo da 2 conjugao porque sua vogal temtica e , como comprovamas formas atuais pudesse, puser, pe ...

    c) Forma-se o plural de notvel pela troca do l por is: notvel/notveis .

    latim francs portugus

    Grafa Cera cire cera

    Som [kera] [sir] [ser]

    Grafa Costa Cote Costa

    Som [kosta] [kot] [kosta]

    Grafa Carus Cher Caro

    Som [karus] [xer] [caru]

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    Lingustica II: sociolingustica

    58 Mdulo 2 I Volume 5 EAD

    Variao sociolingustica: Tipos

    d) O plural amveis provm da forma latina amabiles : amabiles>amvavies>avavees>amveis .

    e) O plural de lobo forma-se pelo acrscimo de s ao singular.f) O plural dos nomes terminados em o apresenta trs possibilidades: gro/

    gros, po/pes, leo/lees .g) Gra(n)os> gros; pa(n)es> pes>leo(n)es> lees .h) Tauru>touro; vacca>vaca; libru>livro; mensa>mesa.i) O pronome a gente concorre com o pronome ns , atualmente.

    j) No sculo XVIII, os clticos eram usados do que atualmente.k) Do sculo XVIII ao sculo XXI, o objeto nulo foi aumentando gradativamente.

    9. Para ilustrar a variao diafsica, voc dever buscar em textos da Internet, depreferncia mais informal, dez casos que ilustrem a variao da concordncia emestruturas com a ordem inversa do sujeito, ou seja, quando ele aparece posposto aoverbo. Devero ser: cinco casos com a marcao explcita (como manda a regra) e

    cinco casos sem a marcao. Dever indicar as fontes dos textos.

    RESUMINDO

    Nesta aula, voc viu que:

    A variao lingustica se manifesta de diversas formas. Os tipos de variao, conforme os textos especializados, so: diatpica;

    diastrtica; diacrnica; sincrnica; diafsica e diamsica. Cada um dos tipos revela particularidades que caracterizam a vida de

    uma lngua.

    LEITURA RECOMENDADA

    Fonte: http://www.parabolaeditorial.com.br

    Para complementar esta nossa aula, bem comoauxiliar na compreenso de outros tpicos quesero estudados em aulas posteriores, em particulara prxima, voc dever ler o texto de MarcosBagno, em anexo: Mas o que mesmo variaolingstica ?, publicado em: Nada na lngua poracaso : por uma pedagogia da variao lingstica.So Paulo: Parbola Editorial, 2007. Nesse livro,o autor, alm de discutir conceitos bsicos daSociolingustica, apresenta atividades prticaspara abordar a variao lingustica em sala deaula. Vale a pena l-lo por completo!

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    R E F E R N C I A S

    ALKMIM, T. Sociolingstica.In : MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.).Introduo lingstica : domnios e fronteiras . So Paulo: Cortez,2001, p. 21- 47.

    ANDRADE, R. L. L.O uso varivel de para mim e para eu emoraes reduzidas de infnitivo : um estudo sociolingstico.Monogra a de Especializao, FACSUL, Itabuna-BA, 2007. BAGNO, M.A lngua de Eullia : novela sociolingstica. 12. ed. SoPaulo: Contexto, 2008.

    BAGNO, M.Nada na lngua por acaso : por uma pedagogia davariao lingstica. So Paulo: Parbola Editorial, 2007.

    BELINE, R. A variao lingstica.In : FIORIN, J. L. (Org.). Introduo lingstic a: objetos tericos. 2. ed. So Paulo: Contexto, 2003, p.

    121-140.CAMACHO. R. G. Sociolingstica.In : MUSSALIM, F.; BENTES, A. C.(Orgs.). Introduo lingstica: domnios e fronteiras. So Paulo:Cortez, 2001, p.49-75.

    CEZARIO, M. M.; VOTRE, S. Sociolingstica.In : MARTELOTA, MrioEduardo (Org.). Manual de lingstica . So Paulo: Contexto, 2008,p. 141-155.

    CYRINO, S. M. L. Observaes sobre a mudana diacrnica noportugus do Brasil: objeto nulo e clticos. In : ROBERTS, I.; KATO,M. A. (Orgs.). Portugus brasileiro: uma viagem diacrnica.Campinas: Unicamp, 1993, p. 163-184.

    DICIONRIO ORAL LINGSTICO DA MICRROREGIO DEIREC. Irec: UNEB.

    DUBOIS, J. et al . Dicionrio de lingstica . Traduo de Barros etal . So Paulo: Cultrix, 1997.

    ELIA, S.Sociolingstica . Rio de Janeiro: Padro, 1987.

    FAVERO, L.et al . Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino delngua materna. 3. ed. So Paulo: Cortez, 2002.

    GALVES, C. C. O enfraquecimento da concordncia no portugusbrasileiro: In : ROBERTS, I.; KATO, M. A. (Org.). Portugusbrasileiro: uma viagem diacrnica. Campinas: Unicamp, 1993, p.387- 408.

    ILARI, R.; BASSO, R.O portugus da gente : a lngua que estudamos,a lngua que falamos. So Paulo: Contexto, 2006.

    MASSINI-CLAGLIARI, G.; CAGLIARI, l. C. Fontica.In : MUSSALIM,F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introduo lingstica: domnios efronteiras. So Paulo: Cortez, 2001, p.105-146.

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    Suas anotaes

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