manual de sociolinguÍstica conteudistas: prof. dr
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO
FACULDADE DE LETRAS
MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA
CONTEUDISTAS: Prof. Dr. Abdelhak Razky
Profª. Drª. Marilúcia Barros de Oliveira
Abril-2011
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APRESENTAÇÃO
Caros alunos,
Essa disciplina está voltada ao estudo da variação e mudança linguística e se
destina a formar professores que saibam identificar, descrever, reconhecer e refletir
sobre fenômenos variacionistas. Mais além desse objetivo de natureza investigativa, a
disciplina tem como meta, como deveria ser num curso de licenciatura, levar vocês,
futuros professores de língua materna, a refletirem sobre a postura que se deve adotar –
e que se deve levar os alunos a adotarem – diante desses fenômenos, valorizando as
diferentes identidades, aqui entendidas como conjunto de diferenças e peculiaridades
dos indivíduos e dos agrupamentos de indivíduos.
Iniciaremos essa disciplina com a leitura de um texto que aborda
praticamente tudo que iremos discutir durante o curso, mas de forma bem sucinta. Na
verdade, o texto só tangencia pontos que serão explicitados, discutidos nas sete
Atividades que iremos estudar. Que esse texto favoreça em cada um de vocês uma
maior ―amplitude do olhar‖, no sentido de lhes possibilitar enxergar aspectos de língua
e de linguagem vinculados ao ―uso‖, à manifestação efetiva desses em contextos
socioculturais diferenciados. É com esse ―olhar‖ diferenciado, cada vez mais próximo
dos usos efetivos de linguagem, e, concomitantemente, mais distanciados de
preconceitos, que pretendemos tratar a variação linguística, tema dessa disciplina.
Na primeira unidade, estudaremos a relação entre língua e sociedade,
focalizando a diferença e a identidade. Na segunda, abordaremos a teoria da variação e
iniciaremos as orientações para a realização de pesquisa de campo, a fim de que sejam
identificados e descritos fenômenos variacionistas. Na terceira unidade, a discussão será
em torno da variação linguística e suas implicações no ensino de língua materna. Por
sinal, você já sabe como deve se portar diante de um aluno quando esse diz [ka ́ nua] em
vez de canoa? Ou [´na], em vez de jornal? E o que fazer quando os alunos riem
dessas pronúncias? Calma, talvez, neste momento, você ainda não saiba exatamente
como se portar diante dessas situações, principalmente na condição de professor de
língua portuguesa, já que as pessoas exigem que esse profissional use e ensine o
português dito correto, mas, com certeza, ao final da disciplina, você vai poder
responder com segurança a questão. Então, vamos adiante.
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1 OBJETIVOS
1.1 OBJETIVO GERAL
Propiciar o conhecimento de teorias e modelos variacionistas, no sentido de
desenvolver competências relativas à análise de fenômenos variacionistas e a
reflexão sobre a postura do professor diante de variação linguística no ensino-
aprendizagem de língua materna.
1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Conhecer teorias e modelos variacionistas;
utilizar adequadamente os procedimentos investigativos relativos ao estudo
da variação e mudança linguística;
conhecer diferentes modelos de análise da variação linguística;
distinguir variação de mudança linguísticas;
organizar dados coletados de acordo com a orientação sociolinguística;
reconhecer frequências e probabilidades de fenômenos variacionistas;
identificar e descrever fenômenos de variação linguística encontrados na
vida cotidiana dos alunos e refletir sobre suas implicações no ensino de
língua portuguesa;
distinguir erro de variação linguística;
discutir preconceito linguístico.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A disciplina Sociolinguística apresenta carga horária de 68h. Será
desenvolvida na modalidade a distância, com encontros presenciais nos fins de
semana. O curso atenderá alunos dos pólos de Bujaru, Goianésia e Parauapebas. Os
trabalhos serão orientados pelo professor-coordenador da disciplina e por tutores
presenciais e a distância.
A concepção pedagógica do curso pauta-se no conhecimento dos modelos
de análise da variação linguística e na reflexão sobre seu impacto no ensino-
aprendizagem de língua materna, dando-se especial relevo à postura de respeito às
diferenças. Sendo assim, privilegiaremos atividades que impliquem reflexão e
interação dos alunos não só com os tutores, com o professor, mas com o próprio
material didático que visa ao acesso à informação e produção de conhecimentos.
Cabe chamar atenção para os itens DICAS, SAIBA MAIS, PARA REFLETIR,
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RESUMINDO, EXERCITANDO, ANOTE, os quais podem lhes auxiliar a avançar
na compreensão do texto, propiciando melhor entendimento do conteúdo tratado.
Durante o curso se desenvolverão as seguintes atividades:
Leitura do texto-base;
Leitura de textos teóricos e de descrição sociolinguística;
Estudo e análise de fenômenos variacionistas a partir de discussão de textos
escritos e/ou vídeos;
Apresentação de pontos de vista no fórum;
Postagem de atividades que correspondam às ―tarefas‖;
Resolução de exercícios;
Pesquisa de campo;
Apresentação de seminários.
3 PROGRAMA
Etapas CH Data UNIDADE I- RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE
Atividade 01: Diversidade e diversidade linguística no
Brasil/ leitura de texto e assistência de vídeo para reflexão /
comentários sobre os diferentes falares brasileiros.
Atividade 02: Um breve histórico do tratamento dado à
variação e mudança linguística.
15h
Semana 01
UNIDADE II- TEORIA DA VARIAÇÃO
Atividade 03: Teoria e Variação: definindo termos
Atividade 04: Aspectos teórico-metodológicos da teoria da
Variação.
20
horas
Semana 02
UNIDADE II: A PESQUISA VARIACIONISTA NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Atividade 05: Exemplificando a variação no PB.
Atividade 06: Procedimentos da pesquisa variacionista
20
horas
Semana 03
UNIDADE III: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO
DO PORTUGUÊS
A COMPLETAR
13
horas
Semana 04
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5 AVALIAÇÃO
A avaliação será realizada da seguinte forma:
postagem no fórum, observando-se a relevância da contribuição, inclusive
em relação aos questionamentos dos colegas;
participação nos encontros presenciais, observando-se a relevância da
contribuição, inclusive em relação aos questionamentos dos colegas;
resolução e entrega das atividades no prazo estipulado;
qualidade da produção escrita no que diz respeito à pertinência e à
capacidade de reflexão;
registro adequado dos dados coletados;
apresentação de seminário.
O frequência do aluno será avaliada tomando-se por base as informações
fornecidas pelos tutores nos encontros presenciais, e a frequência no fórum.
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UNIDADE I: RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE
Atividade 01
Diversidade e diversidade linguística no Brasil
Objetivos
Ao final desta atividade, você deverá:
compreender a relação entre língua e sociedade;
identificar fenômenos de variação linguística;
discutir conceitos de diferença e identidade;
refletir sobre a postura de cada um da turma diante de fenômenos de
variação linguística;
apontar possíveis fatores condicionadores da variação linguística.
A variação linguística não é um fenômeno recente nas línguas. Antes
mesmo de se propor o estudo sistemático da variação, ela acontecia abundantemente
em vários momentos da história, em diferentes línguas. Os estudos sobre o fenômeno
confirmam que a variação é inerente a todas as línguas.
A relação entre língua e sociedade tem sido tema de vários estudos na
atualidade, mas nem sempre foi assim. Quando se iniciaram os estudos sobre a língua
ou sobre a linguagem, não se deu espaço adequado à influência de fatores sociais
sobre essas ―ações‖ humanas. Atribuía-se a outros condicionadores a variação ou a
mudança linguística. Na verdade, a variação teve espaço nos estudos da linguagem
bem depois do estudo sobre a mudança linguística.
Entretanto, cabe dizer que o estudo sobre a mudança linguística praticado
há séculos não era o mesmo praticado pela sociolinguística variacionista, corrente
que vamos estudar mais detalhadamente aqui. Essa corrente pressupõe que os
condicionadores sociais sejam levados em consideração quando do estudo da língua,
pois para seus adeptos é clara a relação entre língua e sociedade. Por isso, no sentido
de esclarecer os diferentes aspectos destacados no estudo da variação e da mudança
linguística, vamos fazer um breve histórico sobre os diferentes estudos a respeito da
variação linguística, a fim de que você perceba as diferenças entre as abordagens. Em
seguida, trataremos do estudo sociolinguístico que prevê o estudo da língua em
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contexto social, já que concebe que as forças sociais condicionam, como os fatores
estruturais, a variação nas línguas.
Mas antes de fazermos todo esse trajeto que corresponde à próxima
Atividade, vamos desenvolver algumas práticas relativas à Atividade 01 que tratam
do tema Diversidade e diversidade linguística. Essa Atividade apresenta um caráter
diferente das demais. Isso porque é você quem vai desenvolvê-la. Quem sabe,
escrevê-la, por isso essa Unidade vai iniciar com sua perspectiva sobre o conceito de
diferença e identidade, e diversidade linguística ou não.
Ao final da disciplina, retomaremos essa discussão inicial no sentido de
saber se você alteraria ou ampliaria, ou mesmo manteria as impressões apresentadas
nesse primeiro momento.
Para falarmos da relação entre língua e sociedade, precisamos entender que
além da língua, outros hábitos, modos, maneira de vestir, costumes estão ligados à
interferência de fatores sociais. Você vai aprender também que os valores que são
atribuídos a uma dada língua, as diferenças que existem numa língua não levam em
consideração exatamente fatores linguísticos, mas sociais. É assim que a língua ou
variedade linguística considerada ―boa‖ é aquela falada por uma classe favorecida na
sociedade. Geralmente um grupo seleto. Mas isso, como dissemos, não se refere só à
língua. Note, por exemplo, que a moda, em termos gerais, considerada boa, elegante,
também é ditada por um grupo privilegiado. Assim é com a língua.
Aspectos relacionados à diversidade e diversidade linguística, bem como à
diferença e à identidade serão discutidos durante o curso. Antes, no entanto, de
continuar lendo o texto base, convidamos você a fazer a leitura do texto ―Fale que te
direi quem és‖, disponível na Plataforma Modlle. A partir dessa leitura, você poderá
ser despertado para questões que vão enriquecer nosso estudo. Use o conhecimento
de mundo de que dispõe para avaliar cuidadosamente o texto. Reflita, faça
comentários, indique que outros aspectos podem estar presentes no texto. Vamos à
leitura?
Fale que te direi quem és!
Josué Machado publicou instigante artigo sobre a influência
"nefasta" que os tropeços gramaticais do novo presidente da
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República, Luís Inácio Lula da Silva, são suscetíveis de ter nas
salas de aula do país – "Lula e a língua do povo" [EDUCAÇÃO,
São Paulo, 3.2003]
Os "escorregões" de Lula da Silva no exercício do português
padrão – seus "menas", "percas", "acho de que"; a avidez com
que "devora os 's' do plural" etc. – constituem um pretexto para o
autor debater a variedade lingüística com a qual a escola deveria
operar.
No Brasil, nos últimos tempos, a variação linguística na escola
tem sido objeto de complexos debates lingüístico-pedagógicos,
ensejando profunda insegurança sobretudo entre os professores e
futuros professores que atuam em escolas populares.
Há alguns anos, para a grande maioria dos professores de
português, essa questão não existia, predominando a visão de que
a principal função da escola era enquadrar os alunos à variedade
culta da língua nacional.
Com esse pressuposto inquestionável, professores bem
intencionados confundiam comumente a educação com a caça às
formas sintáticas, lexicais e fonéticas desviantes, transformando
as aulas de português em ensino da gramática normativa. A
grande função do professor era corrigir o "português errado".
A ciência ajuda
Novas investigações sobre os fenômenos psico e sócio-
lingüísticos, a psicogênese da escrita e os processos de
aprendizagem, etc. determinaram mudanças profundas na visão
do que deve ser a prática de professores de português nos
diversos níveis de escolaridade.
No citado artigo, Josué Machado alude negativamente ao que
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considera uma "sobrecarga de informações teóricas e
nomenclaturas lingüísticescas" que resultariam "num formidável
caos teórico, capaz de confundir o professor comum".
Para ele, dentre as teorias lingüísticas, apenas a desenvolvida por
Noam Chomsky contribuiria realmente a uma maior eficiência
escolar. Para essa última, todo "falante sabe instintivamente sua
língua e só precisa ser ajudado a desenvolver-se nela por meio de
prática e de exercícios agradáveis".
As grandes questões postas pelo artigo, a exclusividade dada pela
escola à variedade culta do português e a discriminação das
formas lingüísticas populares, não envolvem apenas os processos
de aprendizagem da sintaxe estudados por Chomsky. Também
englobam múltiplos outros componentes de ordem lingüística,
sociológica, histórica, pedagógica, etc.
Língua para uso
De um ponto de vista psicolingüístico, Josué Machado tem razão.
Foi essencial o reconhecimento que todo ser social possui
competência lingüístico-comunicativa e gramática intuitiva,
interior, mesmo sem jamais ter freqüentado a escola. Por si só,
esse reconhecimento põe fim à idéia que a escola deve "ensinar"
a língua materna.
Mas, contrariamente à opinião do autor, a Lingüística pode e
deve contribuir muito mais à prática dos professores de
português. Sobretudo, deve ensejar a compreensão de que a
língua constitui um instrumento de comunicação destinado a
cobrir uma grande diversidade de necessidades humanas –
comunicação racional, afetiva, argumentativa, informativa, etc.
Essa compreensão permitirá que o professor de português não
caia na tentação de transformar as aulas de expressão lingüística
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em lições de ortografia, de gramática normativa ou, o que é pior,
de nomenclatura lingüística e enfatize, ao contrário, o
desenvolvimento da competência textual dos alunos, para o maior
número possível de necessidades comunicativas e discursivas.
Os avanços alcançados nos estudos de Lingüística Social podem
igualmente contribuir – e já contribuem em larga medida – para a
resolução da questão da variação lingüística na sala de aula.
Apesar da tendência da escola e da sociedade de apresentarem a
língua como organismo monolítico e natural, ela é uma
construção social e histórica, com vínculos essenciais com a
formação social de seus locutores.
O essencial e o acessório
O fato que as divisões e conflitos de toda ordem –
socioeconômicos, socioculturais, de gerações, de gênero, etc. –
materializam-se e manifestam-se plenamente na língua, de forma
explícita ou implícita, comprova o seu caráter social e histórico.
É também preciso enfatizar que todos os elementos que
compõem a estrutura das línguas, fazendo delas eficientes
instrumentos de comunicação social, não têm a mesma
importância. Alguns de seus componentes, como os fonemas, têm
papel secundário nos processos de significação, essência da
linguagem e das línguas naturais nas quais se manifesta.
O mesmo pode ser dito das unidades de nível imediatamente
superior, os morfemas, cuja função é indicar modificações de
número, de gênero, de pessoa ou diferenciar palavras
pertencentes a categorias gramaticais diversas – um verbo de um
substantivo, por exemplo. É através de unidades maiores – os
enunciados e as palavras que os compõem – que se dá a
significação dos intercâmbios verbais.
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Portanto, compreende-se que as manifestações mais visíveis da
variação lingüística apareçam precisamente nos fonemas e
morfemas, elementos da língua que interferem menos nos
processos de construção do sentido, não interferindo, assim, no
processo de intercompreensão.
Onde se fixa o estigma
Não atrapalha a comunicação a confusão entre a lateral [l] e a
vibrante [r] em palavras como garfo – galfo; solvente - sorvente;
voltar – vortar; etc. Não dificulta o entendimento a substituição
da fricativa [v] pela oclusiva [b] em vassoura – bassora. O
mesmo pode ser dito da troca do morfema de primeira pessoa do
plural no presente e passado dos verbos de primeira conjugação:
amos – emo, etc.
A repressão, discriminação e correção sistemáticas dessas
variantes justificam-se apenas do ponto de vista – estético – da
variante dominante, e não a partir de critérios lingüístico-
comunicativos. Portanto, não são práticas necessárias nem, o que
é mais grave, inocentes e sem conseqüências.
Em teoria, qualquer criança, locutora de uma variedade de
português não padrão, é perfeitamente capaz de aprender as
variantes fonológicas e morfológicas padrão, como aprenderia
uma língua estrangeira, próxima de sua língua-mãe.
O problema está no enaltecimento das variantes cultas pela
escola, atribuindo-lhes uma natureza que não possuem:
comunicar melhor do que as variantes não padrão; possuir
valores estéticos, identitários e patrióticos, etc. superiores –
como se a troca do [lh] de "filho" por um [i] diminuísse a
brasilidade do locutor.
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O consenso em relação à necessidade para a escola de eleger
como língua de ensino apenas a variedade lingüística praticada
sobretudo pelas camadas econômica, política e culturalmente
dominantes, é também alimentado por julgamentos
preconceituosos e depreciativos emitidos por indivíduos que
gozam de prestígio social, muitas vezes desprovidos de más
intenções.
O papel da escola
Ao estigmatizar variantes lingüísticas não prejudiciais à
comunicação, valorizadas e utilizadas majoritariamente por
comunidades populares, a escola enseja dificuldades de
aprendizagem e contribui para a perda da auto-estima e a
insegurança lingüística dos alunos.
A repressão lingüística é igualmente caminho para a repressão
social e cidadã. Ela contribui para a reprodução das
desigualdades sociais. Um locutor que é levado a desprezar o
falar seu e de sua comunidade, tende a desprezar-se e a sua
comunidade.
A essência da linguagem verbal não está nos elementos fônicos e
mórficos, mas na possibilidade de construção do sentido,
realizada sobretudo através da palavra, do enunciado, do texto, do
discurso, elementos também embutidos das concepções de
mundo dos locutores.
Ao defender a legitimidade e superioridade da variedade
lingüística padrão e rejeitar a prática de um "multilingüismo
nacional", muitos professores, em geral desconhecedores das
conseqüências de suas práticas, contribuem para o
estabelecimento da hegemonia das visões de mundo das elites,
participando aos processos de unificação e uniformização
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ideológica, política e cultural da sociedade.
A prática do xibolete
Não se trata de deixar simplesmente os alunos das classes
populares utilizarem suas variedades lingüísticas, sem introduzi-
los ao uso da chamada norma culta. A função da escola é
sobretudo ajudar a criança a compreender a realidade material,
social e espiritual, com suas contradições e sua variedade, para
que possa atingir sua emancipação individual e coletiva.
Com sua diversidade e suas potencialidades, a língua faz parte da
realidade social, construída pelos seres humanos para os seres
humanos. O ensino da língua materna deve sobretudo ensejar que
as crianças compreendam a estrutura, o funcionamento, as
funções da língua – instrumento de comunicação –, com todas as
suas variedades, sociais, regionais e situacionais.
A escola deve ser espaço emancipatório. Portanto, não pode
utilizar-se de práticas de dominação. Para não fortalecer
interpretações apologéticas sobre a língua e perpetuar a
discriminação social, deve mostrar que todo preconceito
lingüístico apoia-se num preconceito social.
No Antigo Testamento, o livro dos Juízes relata um episódio da
história de duas tribos de Israel, os guileaditas e os efraditas, que
praticavam línguas muito próximas. Em ocasião de uma guerra,
para impedir que seus então inimigos, os efraditas, atravessassem
o rio Jordão, os guileaditas os obrigavam a pronunciarem a
palavra "Xibolet" ('espiga').
Incapazes de expressar-se com perfeição no padrão superior da
língua de Guilead, os efraditas diziam 'Sibolet', pois tinham uma
fricativa sibilante [s] no lugar da fricativa chiada [ch]. Devido a
essa variante fonética, "morreram quarenta e dois mil dos de
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Efraim" [Bíblia sagrada. Lisboa: Sociedade Bíblica de Portugal,
2001: p. 262]. No Brasil de hoje, simples variantes fonéticas
servem também para justificar a discriminação social, e portanto,
a dominação política e econômica, pelas elites, da imensa maioria
das classes trabalhadoras.
Por FLORENCE CARBONI
Ítalo-belga, é doutora em Liguística pela Université Catholique de Louvain,
Bélgica, e professora do Curso de Letras da UPF, RS, Brasil.
PARA REFLETIR
Você concorda com o ponto de vista defendido no texto ―Fale que te direi
quem és‖? Por quê?
O que você entende por prática do xibolete?
Qual a sua avaliação sobre os escorregões que o Presidente Lula apresentou
em alguns discursos?
Você acha que o modo de falar do Presidente o envergonha, afeta sua
credibilidade ou lhe subtrai respeito?
Você ri quando uma pessoa usa uma variante linguística diferente da sua? Em
caso positivo, por que o faz? Considera isso preconceito?
Essas questões não esgotam as possibilidades de reflexão sobre o texto. Pense em
outras questões que poderiam ser exploradas e as apresente à turma para discussão.
Feita a leitura e discussão do texto ―Fale que te direi quem és‖? , passemos ao
vídeo sobre a diversidade linguística no Paraná. Depois da assistência, poste suas
impressões e opiniões no Fórum.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
TARALLO, Fernando. Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2
ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994.
LABOV, William. On the use of the present to explain the pas. In: L. Heilmann (ed.).
Proceedings of the 11th
International Congress of Linguistic, Bologna: II Mulino, 1982.
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LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
COMPLEMENTAR
AGUILERA, Vanderci. Atlas Lingüístico do Paraná. Universidade Federal do Paraná,
1994.
CAMARA JR., J. Matoso. Dicionário de Lingüística e Gramática: referente à língua
portuguesa. 13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996.
HORA, Dermeval. (Org.) Diversidade Lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia, 1997.
p. 131-140.
RESUMINDO: nesta Atividade iniciamos o estudo da relação entre língua e
sociedade. Apresentamos um conjunto de materiais que focalizam a diversidade e a
diversidade linguística. Você aprendeu que as pessoas não falam de forma uniforme
e que as diferenças encontradas nos diferentes falares do Brasil estão diretamente
ligadas à relação que há entre língua e sociedade. Você aprendeu também que as
diferenças estão relacionadas à identidade e que a maneira como as pessoas falam
identificam-nas como pertencentes a determinados grupos. Isso revela também que a
diversidade linguística é uma forma de identificar não apenas o indivíduo que fala,
mas o grupo que esse indivíduo representa quando fala.
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ATIVIDADE 02
UM BREVE HISTÓRICO DO TRATAMENTO DADO À VARIAÇÃO E À MUDANÇA
LINGUÍSTICA
Objetivos:
Ao final desta atividade, você deverá:
compreender as diferentes abordagens dadas ao estudo da variação e da
mudança linguística;
apontar as diferenças entre as diferentes abordagens da variação e da
mudança linguísticas;
apontar pontos fortes e fracos das diferentes abordagens dadas à variação e à
mudança linguísticas;
Como dissemos, a mudança linguística não se constitui objeto recente de
investigação. Há muito, diversos estudiosos da língua se interessaram em estudar esse
fenômeno utilizando-se de olhares diferentes sobre a língua com o fim de saber o que
causava a mudança. Entretanto, a pergunta direta Por que mudam as línguas? – de
resposta fácil, poder-se-ia pensar – é, na verdade, uma pergunta que exige, como diz
Katz (1982), ao discutir o que é significado, não uma resposta direta, simples, mas uma
teoria a respeito da variação e da mudança linguística.
ANOTE: na Unidade II, estudaremos detalhadamente os pressupostos teóricos
metodológicos da Teoria da Variação.
Esse empreendimento teve como precursor, na década de 60, William
Labov (cf. CALVET, 2002). Entretanto, muitos outros autores que escreveram antes de
Labov (1966) levantaram questões pertinentes que ajudam a refletir sobre esse
fenômeno linguístico e a relação entre língua e sociedade. Antes, vamos ver como
outros abordaram o estudo da variação e da mudança linguística.
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Método Histórico-Comparativo
Conforme foi dito anteriormente, foram diversas as perspectivas adotadas
para o estudo da mudança linguística. Os primeiros investimentos no estudo da
mudança tinham como objetivo saber como uma dada língua se desdobrava em outras
línguas, os fenômenos comuns às línguas no sentido de se conhecer os motivos que
faziam com que as línguas variassem. Assim, a evolução e a mudança das línguas, nos
termos dos estudos históricos, foram durante muito tempo objeto de estudo dos
historiadores das línguas. Nesse período, priorizou-se o estudo diacrônico – ou a
descrição de uma língua ao longo de sua história, com as mudanças que sofreu – cujos
seguidores se voltavam sobre dados de línguas antigas. Esses historiadores comparavam
dados a fim de reconstruir a língua-mãe.
A posição Neogramática
No século XVIII, a teoria de Darwin veio trazer status científico ao estudo
da mudança linguística. Para os adeptos dessa perspectiva, ―as línguas não evoluíam
pela aplicação aleatória das regras; mudavam em virtude da ‗lei da selva‘; no final de
cada mudança triunfava a configuração linguística que fosse mais apta e natural”
(MARQUILHAS, 1996, p. 566). São as regularidades fonéticas. Assim, surgem, na
Alemanha, as leis fonéticas paralelas às ciências naturais. Os neogramáticos
acreditavam que essas leis não apresentavam exceção. Ora, não se podia admiti-las
sob pena de que a língua se constituísse um objeto que não poderia ser estudado
cientificamente.
Na perspectiva dos neogramáticos, as mudanças deveriam ser explicadas
levando-se em consideração o aspecto fisiológico e o psicológico. Para eles, a
mudança sonora era mecânica e não admitia exceções. Porém, a analogia poderia se
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constituir a causa da mudança; a tendência a associações realizadas pelas pessoas
seria responsável pelas exceções.
A analogia, grosso modo, seria um processo no qual as formas modificadas
ou criadas tinham como base padrões preexistentes no sistema. Assim, constituía-se
um processo gramatical, mas não fonológico, pois o princípio da regularidade
fonológica não admitia exceções. Por outro lado, a mudança poderia ser reflexo de
desvios constantes quando da articulação de um som. Muito timidamente, esses
estudiosos também lançaram mão do contato entre línguas para explicar algumas
exceções. Os neogramáticos levaram às últimas consequências a defesa à analogia,
utilizando-a abusivamente para explicar as exceções, o que lhes rendeu muitas
críticas.
Abordagem Estruturalista
Segundo os estruturalistas, a mudança é necessária. Para eles, a mudança na
matéria fônica não altera a oposição das unidades distintivas, o que não se constitui de
todo verdade, pois é sabido que algumas formas sofrem transformações e usos que
alteram, inclusive, seu significado. O desequilíbrio é visto como causa da mudança e
essa como busca do equilíbrio. Essa oscilação no sistema, por sua vez, não deveria ser
atribuída a condicionamentos de ordem social.
Estruturalistas como Bloomfield (1933), Hjelmeslev (1971) e Chomsky
(1965), por exemplo, diferenciavam-se em relação às descrições que propunham para a
estrutura linguística, mas eram unânimes no que se refere a conceber seu objeto de
estudo como uma estrutura abstrata. Para os estruturalistas, a interpretação linguística
tinha de se pautar sobre relações internas, fatores estruturais internos. Isso exclui o
estudo do comportamento social, em outras palavras, o estudo da fala.
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Hjelmeslev (1971, p. 30-31) assinalava que a preocupação da linguística
estrutural devia ser pautada nas relações internas da língua:
La linguistique structurale étudie le langage pour en dégager la partie
essentielle, qui est, selon l‘ hypothèse, une entité autonome de dependences
internes (...) La linguistique structurale n‘approche pas du langage du dehors,
mas du dedans. Elle y reste, tout en tenant compte de ses rapports extérieurs.
ANOTE : Isso não significa dizer que a linguística estrutural não teve seu lugar dentro
da linguística variacionista, pois Labov (1976) recorre à linguística estruturalista de
Praga e, posteriormente, à Gramática Gerativa, quando de suas descrições linguísticas.
Geografia Linguística e Difusão Lexical
A visão da Geografia Linguística opunha-se ao pressuposto neogramático de
que as leis fonéticas não apresentam exceções e ao seu caráter gradual. Enquanto os
neogramáticos defendiam o pressuposto de que a mudança fonológica era foneticamente
gradual e lexicalmente abrupta, os defensores da difusão lexical, baseados na ideia de
que cada palavra tinha sua história, acreditavam que a mudança era lexicalmente
gradual e foneticamente abrupta. Para eles, o fato de as palavras terem histórias
diferentes justificava as irregularidades. Assim, um caso de irregularidade poderia ser
explicado pela ocorrência de duas mudanças fonológicas regulares e não pela ação da
analogia.
Os estudos de Dialetologia oficialmente divulgados na França, a partir de
Julles Guilliéron (1918), tiveram por objetivo identificar as formas lexicais
sobreviventes em cada dialeto. Nessas formas encontraram-se motivos para se acreditar
que não só as regularidades fonéticas eram responsáveis pela coexistência de algumas
formas num mesmo dialeto, mas que essa coexistência poderia estar ligada a fatores de
ordem social.
Surge, anos depois, por volta da década de 60, a Sociolinguística, tendo
como um dos precursores William Labov, para quem a mudança num determinado
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sistema linguístico resulta sempre de um período de variação no qual coexistiam formas
que ―lutavam entre si‖.
Como vimos, as diferentes abordagens da variação e da mudança
linguísticas não admitiam a interferência de fatores externos, sociais sobre esses
fenômenos. Ou se admitiam, faziam-no muito timidamente. Não era considerada a
relação entre língua e sociedade. Entretanto, com o advento dos estudos variacionistas, a
abordagem do fenômeno mudou, inclusive a natureza dos dados sobre os quais se
pautava a análise, como veremos mais adiante.
Agora que estudamos as diferentes abordagens dadas ao estudo da variação
e das mudanças linguísticas, passemos ao estudo mais detalhado da abordagem que
considera, impreterivelmente, a relação entre o linguístico e o social. Iniciaremos,
focalizando a complexidade que envolve esse estudo.
Mudança linguística e sua complexidade
A mudança lingüística, diga-se, foi desde muito tempo concebida como uma
transgressão à forma considerada padrão. Marquilhas (1996) faz referência a um mito
brahmana no qual se dizia que o povo usura era privado de linguagem correta, pois
apresentava língua bárbara que não se devia imitar. Usavam as he lavo e he lavar,
variantes das formas sânscritas consideradas padrão he rayo, he rayah, respectivamente.
A mesma autora (op. cit.) atribui a Sócrates um enunciado em que a evolução dos sons é
considerada como afastamento condenável da língua padrão. Esse olhar estigmatizante
sobre a língua pode ser encontrado mesmo em um dos nossos grandes filólogos, a saber,
Melo (1981), que avalia a variação linguística como própria dos incultos que
descaracterizam a língua pura. Como se apenas esses fossem os responsáveis pela
variação e pela mudança na língua.
21
ANOTE: estudos realizados no Brasil com falantes de língua culta revelam que esses
usuários apresentam em sua fala muitas variações linguísticas. Não há quem não cometa
variações na língua. Mesmo o falante mais conhecedor da norma culta, vai usar
variantes ditas não cultas em seu falar.
SAIBA MAIS: para mais detalhes a respeito de estudos sobre língua culta, consulte
Projeto NURC, http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/index.html.
Muitos dos estudos realizados a partir das mudanças que ocorreram no latim
ajudam a compreender melhor as regularidades fonológicas. Entretanto, há que se fazer
referência a outros fatores que contribuem para que a mudança linguística aconteça,
pois mesmo as mudanças mais regulares deixam espaço para as exceções. Nem sempre
a configuração que parece mais simples e natural é adotada pelos falantes de uma
língua. De outra parte, parafraseando Labov (1976), não há nada que comprove que as
formas estigmatizadas, as quais se opõem ao padrão culto, sejam mais fáceis de ser
pronunciadas do que as formas consideradas de prestígio. Isso enfraquece a hipótese
segundo a qual a variação e a mudança linguísticas estariam diretamente relacionadas ao
menor esforço.
A constante oscilação nos sistemas linguísticos e a mudança que neles se
verifica levam a inferir que a língua não é homogênea. As mudanças fonológicas e
fonéticas não são de todo regulares, o que convoca a interferência de outros fatores que
justifiquem tais mudanças. Em alguns casos, há mudanças que se proliferam em uma
determinada forma lexical, podendo-se estender a outras formas muito frequentes e,
posteriormente, mesmo àquelas menos frequentes, afetando, depois de algum tempo,
praticamente todas as formas lexicais nas quais se encontre contexto. Esse princípio foi
formulado por Guilliéron (1918). Para ele, cada palavra tem uma história. Tudo isso
aponta para a complexidade da mudança linguística.
22
Sociolinguística Variacionista
Segundo Labov (1976), as irregularidades linguísticas devem ser estudadas
levando-se em conta as oscilações da estrutura social, dada a relação direta que há entre
língua e sociedade. Esse tipo de procedimento já pode ser encontrado no trabalho desse
autor, publicado em 1966. Trata-se de um estudo em que utilizou os dados de fala de
lojas de departamento nova-iorquinas para descrever a estratificação social do (r),
mostrando, por meio de dados retirados de situações concretas, a relação entre a
estrutura linguística e a estrutura social. Outro estudo que teve grande significado para o
fortalecimento da Sociolinguística foi Sociolinguistics Patterns, cuja primeira
publicação aconteceu em 1972. A partir daí, foram inúmeros os trabalhos que levavam
em consideração a estrutura interna e a externa no estudo da língua.
Um dos pressupostos básicos da Sociolingüística é que toda variação e
mudança linguísticas são motivadas por fatores de natureza linguística e social. Não se
pode, assim, atribuir uma dada variação só à parte interna ou externa dos dados da
língua.
DICA: há alguns fenômenos cuja variação, inicialmente, parece estar diretamente ligada
à estrutura interna, fato que suscita o entendimento de que essa estrutura seria suficiente
para explicar a variação. Mas, como se verá adiante, há uma correlação de forças
internas e externas que motivam e estruturam os diferentes processos de variação.
Segundo Labov (1972), as forças internas e externas alternam sua pressão sobre os
diferentes fenômenos de variação e de mudança linguísticas.
Para Labov (1976), é apenas aparente a desorganização que resulta da
variação linguística, pois as variações e mudanças na língua são sistemáticas,
previsíveis e regulares. Para o autor (op. cit.), o tipo de convivência entre as diferentes
variantes pode indicar em que sentido caminha a mudança, a partir da avaliação da
23
probabilidade correspondente a diferentes grupos sociais. A renda financeira, o gênero,
a idade são alguns dos indicadores da direção da mudança linguística, do seu caráter
estável ou de progressão. Labov (1976) apresenta duas possibilidades por meio das
quais se pode medir o estágio de uma mudança. O autor propõe o estudo em tempo
aparente e em tempo real.
A Sociolinguística guarda, sem dúvida, relação com a Gramática Histórica e
com a Dialetologia, pois está interessada na mudança lingüística. Cabe, entretanto,
ressaltar que, como diz Wetzels (2002), ela não se interessa pelo produto da mudança,
mas pelo próprio processo de variação, que pode resultar em mudança linguística. É
possível, a partir dessa perspectiva, apontar as tendências, ou seja, a direção que segue a
mudança linguística.
Essa problemática amplamente discutida pelos sociolinguistas pode ser,
ainda que timidamente, encontrada no trabalho de Sapir (1921). Esse autor explica que a
mudança linguística pode caminhar em diferentes direções, mas obedece a uma deriva
linguística, ou seja, a variação e a mudança em uma determinada língua não se dão
aleatoriamente, mas seguem determinadas tendências. Essas, do ponto de vista
sociolinguístico, são motivadas linguística e socialmente.
Sapir (1921) não chega a tratar diretamente de fatores de ordem social, mas
tangencia outro ponto importante que é a diversidade motivada pelo espaço geográfico.
Não se pode esquecer que o espaço é também um fator de ordem social, sendo, por sua
vez, um indicador social. A unidade e diversidade dentro de um determinado espaço
geográfico estão ligadas a relações sociais.
Outro autor merece ser citado quando se trata de considerar a língua como
fato social: Meillet (1921). Nas palavras de Calvet (2002), diferentemente de Sausssure
(1921), que também afirmava ser a língua um fato social, Meillet (op. cit.) considerava
24
que se devia levar em consideração, quando do estudo linguístico, a parte externa dos
fatos da língua. Entretanto, sua argumentação, ao defender esse ponto de vista em
termos práticos, não foi muito convincente. Apesar de reconhecer que o estudo da
linguagem deveria levar em consideração o contexto social, ateve seus estudos
principalmente à investigação de línguas mortas para fins de comparação. Isso o fez
distanciar do pressuposto sociolinguístico que prevê o estudo da língua a partir de dados
colhidos de situações concretas. Porém, sua discussão a respeito de se considerar o
contexto social na abordagem linguística foi de suma importância para discussões
posteriores da Sociolinguística.
Vamos parar por aqui, pois o detalhamento sobre a Teoria da Variação e
sobre a Sociolinguística será realizado na Unidade II. Antes, porém, precisamos
entender o que é uma teoria. É por esse tema que iniciaremos a Atividade 03.
BIBLIOGRAFIA
BÁSICA
TARALLO, Fernando. Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2
ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994.
LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
MARQUILHAS, Rita. Mudança Lingüística. In: Introdução à Lingüística Geral e
Portuguesa. FARIAS, Isabel Hub et al. (Org.). Lisboa: Editora Caminho, 1996, p. 563-
588. Série Lingüística.
COMPLEMENTAR
ARAGÃO, Maria do Socorro & MENEZES, Cleusa P. Bezerra. Atlas Lingüístico da
Paraíba: cartas léxicas e fonéticas. Brasília: UFPB/CNPq- Coordenação Editorial,
1985.
LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,
1994.
LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:
Center of Applied Linguistics, 1966.
25
RESUMINDO: nesta Atividade, apresentamos um breve histórico do tratamento dado à
variação e à mudança linguística. Estudamos a abordagem dada aos fenômenos pelo
Método Histórico-Comparativo, pelos Neogramáticos, pelo Estruturalismo, pela
Geografia Linguística e Difusão Lexical, e pela Sociolinguística Variacionista.
Estudamos também a mudança linguística e sua complexidade, mostrando que o estudo
desse fenômeno não é recente, mas antigo e muito complexo. Você também deve ter
aprendido que a variação e a mudança não são concebidas de maneira uniforme. A
depender da abordagem, elas são entendidas de forma diferente. No entanto, há de
comum entre as diferentes abordagens apresentadas o fato de que o objeto da
linguística sempre foi a estrutura interna da língua, excetuando a Sociolinguística,
abordagem que discutiremos mais demoradamente nessa disciplina.
26
UNIDADE II: TEORIA DA VARIAÇÃO
Atividade 03
Teoria e variação: definindo termos
Objetivos:
Ao final desta unidade, você deverá:
entender o conceito de teoria e de teoria linguística;
compreender o conceito de variação em geral e de variação na/da língua;
identificar os mecanismos que regem a variação linguística;
compreender os métodos científicos de uma descrição sociolinguística;
compreender como a Teoria da Variação reavaliou alguns princípios da teoria
estruturalista e gerativista.
1 Teoria e variação : generalidades
Antes de abordarmos a questão da teoria da variação, temos que estudar
esses dois termos: ―teoria‖ e ―variação‖.
1.1 O que é teoria
A palavra "teoria" significa um número de coisas diferentes, dependendo
do contexto. Em matemática e ciências, por exemplo, uma teoria é um conceito
testado e analisável que é usado para explicar um fato. Para estudantes das artes, "a
teoria" refere-se ao aspecto não-prático do seu trabalho, enquanto os leigos a tratam
como ideias não comprovadas, frutos de especulação.
As diferentes interpretações desta palavra podem levar a conflitos, mas o
seu objetivo é geralmente claro dentro de seu contexto.
Em Inglês, a palavra ―teoria‖ data de 1592, quando foi usada para
significar um conceito ou esquema. Na década de 1630, os cientistas usaram a
palavra para descrever uma explicação ou um pensamento baseados em observação
e prova. O termo ―teorizar‖ também emergiu nessa época.
Nas artes, muitos se referem ao trabalho não-prático como teórico. Por
exemplo, um músico que toca a tuba (instrumento musical) consideraria o estudo da
história da música, a matemática da música, e outros, como teoria. A crítica da arte é
27
também um campo da teoria pelo fato de os críticos discutirem a obra de arte, em vez
de produzi-la ativamente. Em decorrência das discussões na crítica da arte, compõe-
se a teoria da arte.
Para leigos, uma teoria é simplesmente uma ideia. Algumas pessoas
usam "teoria" no sentido de "hipótese", ou seja, uma ideia a ser testada. Em outros
momentos, uma ideia pode ser descartada por constituir ―somente uma teoria‖,
tomando-se ―teoria‖ como algo que não pode ser comprovado, como uma ―ideia
vaga‖, não um fato firme ou uma opinião.
SAIBA MAIS: para mais detalhes sobre essa discussão, consulte
http://www.wisegeek.com/topics/theory.htm
ANOTE: Num sentido geral, então, teoria é uma explicação bem substanciada de
algum aspecto do mundo natural; um sistema organizado do conhecimento que se
aplica em várias circunstâncias para explicar fenômenos específicos. É importante
destacar que toda teoria pode incorporar fatos, leis e hipóteses testadas.
1.2. Princípios, axiomas e leis
O desenvolvimento de uma teoria em geral baseia-se em proposições ou
princípios. Existem dois tipos de princípios aqui: princípios teóricos, necessários ao
desenvolvimento de um raciocínio dedutivo, e princípios de ação, essenciais à
implementação de uma prática. Um princípio é uma primeira proposição sobre o que
é ou o que fazer; ele é a regra inicial para uma descrição, uma explicação de uma lei
ou norma.
Se, por exemplo, tomarmos como base a linguística, podemos dizer que
um dos seus princípios fundamentais pode ser: toda língua humana tem uma
gramática (fonética, sintaxe e semântica), única, diferente de qualquer outra. Ou o
contrário: todas as línguas humanas são regidas pelas mesmas regras básicas. Ao
considerar o primeiro desses princípios, o linguista começa a descrever, analisar as
particularidades de uma língua ou línguas, estabelecendo, quando possível,
comparações. Foi assim na linguística histórica ou a linguística puramente
descritiva. Adotando o segundo princípio, o linguista vai tentar descobrir operações
28
universais em cada língua para mostrar como elas se manifestam. Nesse caso,
estaríamos diante de uma linguística explicativa.
O princípio não deixa de ser um tipo de hipótese a ser validada. Em
algumas áreas, como a matemática, prefere-se o termo axioma (veremos adiante
alguns axiomas da sociolinguística).
SAIBA MAIS: para méis detalhes sobre o tema, consulte
http://www.biblioconcept.com/textes/principe.htm.
1.3 Variação
Antes de falarmos da Teoria da Variação em linguística ou variação
linguística, precisamos entender o conceito de variação e, em particular, as causas
comuns e especiais da variação.
A variação tem sua origem em causas comuns e especiais. Imagine
quanto tempo você leva para chegar ao trabalho pela manhã, de carro. Digamos que
você leva 30 minutos em média. Às vezes, esse tempo pode ser mais longo ou mais
curto. Mas enquanto você está dentro de certa variabilidade desse tempo, você não
fica preocupado, pois ela está praticamente dentro do que é possível esperar. Por
exemplo, esse tempo pode variar entre 25 e 35 minutos para mais ou para menos.
Essa variação representa a variação de causa comum. É a variação que está sempre
presente no processo. Esse tipo da variação é consistente e previsível. Você não sabe
quanto tempo leva até o trabalho, mas você sabe que estará entre 25 e 35 minutos
enquanto o processo permanece o mesmo.
Agora, suponha que o pneu do seu carro furasse no caminho, quanto
tempo levaria até seu trabalho? Definitivamente, mais do que os 25 ou 35 minutos
usados na sua variação "normal". Poderia gastar, talvez, uma hora a mais. Isso é uma
causa especial da variação. Algo aconteceu; não era previsto; não fazia parte do
processo normal. As causas especiais não são previsíveis e são esporádicas na
natureza.
Mas você pode estar se perguntando: por que é importante saber o tipo de
variação presente no processo? Pelo simples fato de que a ação que você toma para
29
melhorar o processo depende do tipo de variação que você tem1. Essa discussão vai
nos ser útil, mais a diante, quando nos reportarmos aos fatos da língua, tipos de
variações linguísticas que foram descritas e analisadas e as usarmos para fins
educacionais.
Ora, melhores seriam as tomadas de posições políticas para a
qualificação do ensino da língua, por exemplo, ou para a resolução de problemas
ligados a políticas linguísticas, se fossem levados em conta esses estudos como
veremos adiante. Mas, antes, vamos nos debruçar sobre a questão da variação e sua
relação com a língua e a sociedade. A investigação dessa relação resultou numa
disciplina chamada Socioliguística (termo que apareceu primeiro em 1939, no
trabalho de Thomas Callan Hodson2), que retomou os princípios subjacentes à teoria
linguística e desenvolveu uma teoria da variação – ou teoria da mudança –
linguística.
EXERCITANDO...
Em dupla ou individualmente, responda as seguintes questões, tomando por base as
disciplinas que já cursou ou pesquisa bibliográfica:
1. Quais são as teorias linguísticas que você conhece?
2. Faça uma pesquisa rápida na internet ou na sua biblioteca e cite alguns exemplos
de teorias linguísticas.
3. Quais critérios conferem o título de teoria à linguística?
4. É possível teorizar sobre algo que varia? Por quê?
1 http://www.spcforexcel.com/variation
2 T. C. Hodson and the Origins of British Socio-linguistics by John E. Joseph Sociolinguistics
Symposium 15, Newcastle-upon-Tyne, April 2004
30
Variação na língua: a relação entre língua e sociedade
Nessa secção, abordaremos a questão da diversidade ao redor da língua.
Veremos que para uma teoria da língua obter tal título, precisa levar em consideração
a estrutura externa complexa do falante (fatores sociais, por exemplo) e a estrutura
complexa do produto verbal e não verbal desse falante. Sendo assim, se queremos ter
uma teoria da variação é preciso, antes de tudo, situar o falante nos seus vários
ambientes de interação; acompanhá-lo por meio de vários mecanismos de observação
(técnicas de observação, de pesquisa de campo etc.); situá-lo em relação ao espaço
geográfico, sociológico, psicológico, político etc.; analisar seu produto linguístico
nesse contínuo externo para poder descrever cientificamente a sua fala, a fala do seu
grupo e/ou grupos (comunidade/s) dentro de um formato em que o conceito de
variação é visto como uma riqueza que ultrapassa os conceitos de norma para atingir
o conceito de variabilidade.
Vamos acompanhar esse percurso para alcançarmos o conceito da
variação linguística?
A variação na língua que só foi estudada cientificamente no final do
século 19 e mais intensamente nos meados do século 20, já era objeto de estudo da
biologia (natureza dos seres vivos), da antropologia (cultura do homem e suas
variações). Os biólogos, por exemplo, já estudaram e estudam na natureza as
variações dos insetos, dos animais, das plantas etc. Também estudaram a variação do
homem (homem mulher, jovem/adulto etc.). Os sociolinguistas estendem essa
preocupaçao para a diversidade na fala do homem e seus e seus efeitos sobre os
processo de comunicação. Os antropólogos, além de estudar a variação na cultura
do homem, estudaram as variações em relação às diferentes maneiras de se vestir, de
andar, de cantar, de falar, de se relacionar com o tempo e o espaço.
Os sociolinguistas e os filósofos da língua especializaram-se no estudo da
variação linguística. Veja por exemplo, a afirmação do filosofo Donald Davidson no
seu artigo ―a Segunda Pessoa‖ (1992):
... Todos falamos tão livremente de língua, ou línguas que tendemos a
esquecer que essas coisas não existem no mundo real; o que existe são apenas
pessoas e seus diversos produtos acústicos e escritos e escritos. Esse ponto,
obvio em si mesmo, é, no entanto, fácil de esquecer.
31
Essa citação já nos alerta para o conceito de termos como língua, que
consideramos tão óbvio, mas que é muito complexo, pois só pode ser estudado em
contexto e atrelado a fatores como o espaço temporal, espacial, social, geográfico,
psicológico, econômico e político.
PARA REFLETIR: Outro termo bastante discutido na literatura que tem como tema
o estudo da língua é o termo língua materna, já que é difícil definir o grau de
natividade numa criança que fala duas línguas ao mesmo tempo.
Por que esses e outros conceitos foram questionados no início e,
sobretudo, nos meados do século 20?
Antes tínhamos uma visão unilateral do mundo (totalitária, prescritiva).
Ela foi seguida por uma visão binária (preto VS branco, padrão VS não padrão,
direita VS esquerda) que, posteriormente, foi questionada por uma visão em
construção que é multidimensional (global, contínuo, cidadão do mundo, variação e
diversidade).
Destacam-se entre os resultados dessa última visão, a multidimensional, o
conceito de desenvolvimento sustentável e biodiversidade, ecologia linguística,
direitos linguísticos etc., que são hoje objetos de estudo da Sociolinguística.
Atualmente, na Sociolinguística, podemos falar, por exemplo, de ecologia da língua
que vai além do conceito da variação linguística.
Variação e mudança nas línguas
Não há consenso entre os especialistas sobre o número de línguas
faladas no mundo. Esse número oscila entre 4.000 a 7.000 línguas. Mas você pode se
perguntar: por que não há o consenso?
Voltemos, de novo, à definição de língua que, como dissemos, não é um
construto bem claro e que, fundamentalmente, baseia-se sobre critérios externos ao
sistema linguístico. O fato é que qualquer comunidade pode decidir sobre sua língua
e denominá-la. Assim, os linguistas, apesar de tentarem aplicar critérios de
comparação entre os sistemas que compõem essas línguas, não conseguem impor
suas análises sobre os falantes dessas línguas. Isso revela que fatores sociais,
políticos e econômicos tem mais importância sobre essas decisões do que fatores
meramente mecânicos de descrição pura dos sistemas dessas línguas. Assim,
32
podemos ver que a variação está por toda parte ao redor de uma língua ou grupos de
línguas.
ANOTE: é comum, por exemplo, algum linguista instituir dialetos falados por várias
comunidades linguísticas como integrantes de uma mesma língua, mas essas
comunidades não aceitarem que dividem a mesma língua, afirmando ser seu dialeto
uma língua, o que altera a contabilidade do número de línguas, dentre outros. Há um
caso desses aqui mesmo no Pará, próximo a Marabá.
Comunidade linguística: a definição de comunidade linguística não depende
estritamente do grau de entendimento entre os membros da comunidade, mas as
atitudes dos seus membros para o uso e funções. Uma comunidade linguística é vista
não como um conjunto de indivíduos que falam uma mesma linguagem, que usam as
mesmas formas, mas sim como um grupo de indivíduos que compartilham um
conjunto de atitudes sociais em relação a linguagem.
Hoje, estima-se que as línguas mais faladas do mundo não ultrapassam o
número de 20. Dentre essas línguas estão, por exemplo, o inglês, o chinês, o árabe, o
francês, o português etc. Elas só conseguem impor-se por motivos aquém do sistema,
(a pronúncia, a gramática ou o léxico), mas por motivos, principalmente, políticos,
econômicos, sociais (por exemplo, o desenvolvimento científico e econômico, o
número de faltantes nativos, o grau de presença na imprensa etc.)
Variação nas famílias de línguas
Vimos que existe uma variação no número de línguas faladas no mundo e
o peso de algumas delas no cenário internacional. Podemos também falar de variação
que existe dentro do que passou a ser chamado na literatura linguística de famílias de
línguas.
Podemos, ao consultar livros sobre a história das línguas, ver o quanto o
latim ainda é presente em todas as línguas ditas românicas e como ele é presente em
línguas germânicas também (inglês, alemão etc.). Existe uma variação entre as
línguas latinas como o português, o francês, o italiano, o espanhol etc. Essa variação
diz respeito, primeiro, ao léxico, organização gramatical e fonologia. Podemos
observar essa variação também nas famílias de línguas germânicas (alemão,
inglês...), ou nas famílias de língua semíticas (árabe, hebraico).
33
Variação dentro de uma língua
Na própria evolução de uma língua podemos ter variação:
o inglês de Shakespeare em relação ao Inglês moderno;
o árabe clássico em relação ao árabe moderno;
o inglês britânico, australiano, nigeriano, sul-africano;
o inglês como língua estrangeira (o inglês falado por um francês, brasileiro,
japonês...);
o português do século 16 e o português moderno;
o português do Portugal, Cabo verde, São Tome e Príncipe, Angola.
Variação dentro de um território nacional
Canadá: duas línguas (inglês e francês) co-existem oficialmente gerando
variações dentro de cada uma dessas línguas e nos falantes dessas línguas;
Suécia: 3 línguas oficiais (italiano, o alemão e o francês);
Bélgica: 3 línguas oficiais (o neerlandês, o francês e o alemão);
Espanha: O castelhano, o catalã e o galego, o basco.
Esses e outros exemplos não mencionados aqui demonstram o quanto é
variável a situação das línguas dentro do mesmo território político. Quais são as
conseqüências de contato entre essas línguas do ponto de vista de uso de uma mais
de uma língua por mais de um falante, as influências mútuas dentro do sistema
linguístico de cada uma, a influência política que uma delas possam exercer uma
sobre as outras por razões econômicas, políticas e/ou sociais? Essas e outras
perguntas estão dentro de uma chamada variação macro-sociolinguística que remete
a um termo já utilizado na literatura: a sociologia da língua que compartilha com a
Sociolinguística semelhantes objetivos quando se trata de estudar a variação
linguística e as variações sociais e suas conseqüências sobre a língua e a sociedade.
Variável: o conjunto de fatores linguísticos e não linguísticos.
34
Variação no Brasil
No Brasil existe o português brasileiro ou o brasileiro que convive com
outras línguas que fazem parte da paisagem linguística do Brasil (Línguas indígenas
e línguas de imigrantes e sua diversidade). Estima-se que no Brasil existem 180
línguas além do português e das línguas de outros países (verifiquem, por exemplo,
na internet quais são as populações que compõe o Brasil e quais são as línguas que
eles falam). Os linguísticas no Brasil estão mapeando a diversidade linguística do
país e mostrando o quanto o território brasileiro é rico em sonoridades de famílias de
línguas próximas ou distantes. Os especialistas da variação linguística vem
demonstrando essa diversidade e suas possíveis repercussões sobre o sistema de
ensino e língua materna e de língua estrangeira. Se considerarmos o português falado
no Brasil, podemos rapidamente distinguir os chamados dialetos regionais
(nordestino, mineiro, baiano, sulista etc.) que compõem o mosaico dos falares
brasileiros.
O estudo do português brasileiro tem sido um campo fértil de
investigação sobre a variação linguística no Brasil. Foram primeiramente os
dialetólogos (especialistas em estudar os dialetos e suas ramificações geográficas e
sociais) e, depois, os socioliguistas que trouxeram a maior parte da contribuição
sobre a diversidade do português falado no Brasil.
SAIBA MAIS: consultar na página do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) quantos
atlas linguísticos já foram publicados no Brasil e quantos livros sobre o assunto há
atualmente, acessando http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/WebHome
EXERCITANDO...
1- Qual é a atual situação das línguas indígenas faladas no Brasil?
2- Você saberia apontar as variações fonéticas que caracterizam áreas brasileiras?
Cite exemplos.
3- Quais são as famílias de línguas indígenas faladas no Brasil (ver o site da
Socioambiental).
4- Cita alguns exemplos do léxico que caracterizam algumas cidades brasileiras.
35
Variedade e variação
Utilizamos o termo língua e dialeto tão naturalmente no nosso quotidiano
que achamos que esses conceitos são bem delimitados. De fato, não temos mecanismos
científicos para definir o que é uma língua e o que é um dialeto porque esses conceitos
não estão dentro do sistema linguístico, mas fora dele. Eles só podem ser abordados do
ponto de vista de fatores políticos, sociais e geográficos. Por exemplo, uma das grandes
sociolinguistas da atualidade, Weinreich, popularizou o seguinte aforismo ―a Língua é
um dialeto como o exército é a marinha‖, que ela ouviu de um membro de audiência
numa palestra que ministrava. Isso ilustra muito bem a problemática da definiçao de
Língua e dialeto. Uma língua adquire o status de língua apenas se ela tem uma política
que a sustenta e a defende, senão ela perde esse status, sobretudo, num território onde
duas variedades próximas coexistem e onde apenas uma deve permanecer para o
controle de todas as instituições e os sistemas desse território. Por essa razão, quando
falamos de variação no sentido da presença de mais de um falar num dado território
geográfico, utilizamos o termo variedade. Assim, podemos falar de:
Variedade de origem individual (ideoleto: caraterísticas individuais na fala das
pessoas);
Variedade de origem social (socioleto: o falar dos jovens, de uma categoria
social);
Variedade de origem geográfica (dialeto: o falar de determinada região dentro
um mesmo território nacional; ex.: O dialeto baino, mineiro etc.);
Variedade de origem religiosa/étnica (etnoleto: o falar de um dado grupo
religioso ou étnico);
Variedade ―Padrão‖ que possui uma dimensão simbólica, intelectual, oficial e
que é politicamente chamada de ―língua‖.
Percebemos, então, que dentro de cada variedade existe variação. A
variação está presente em função do tempo (na história da língua), espaço fisico
(geografia), espaço social (classe social etc.) espaço psicológico (as atitudes sobre as
variedades), espaço político (decisões políticas sobre uma dada variedade)
Depois de tudo Isso, você pode ainda se perguntar: porque existe
variação? Ora, diferentemente do que alguns pensam, a língua não é lógica, ela é
36
apenas regular. Se fosse lógica, ela seria artificial (linguagem do computador, por
exemplo). Se fosse lógica não inventaríamos as línguas lógicas.
Porque a língua varia? Ela é viva (mas não é um organismo vivo, ela é
produto dos falantes). Por ser viva precisa crescer, entrar em conflito, vencer e ser
vencida. Pode morrer e, às vezes, depois de morta, ressuscitar, a exemplo do
hebraico moderno.
Outros questionamentos podem surgir em meio a toda essa discussão:
quem é responsável pela mudança? A comunidade, no tempo e no espaço físico e
social.
Dito isso, passemos ao estudo da tipologia da variação.
a) Variação extralinguística
variação histórica (diacrônica, há evolução do português até hoje, por
exemplo);
variação geográfica (diatópica – regional, o português mineiro e baiano);
variação sociocultural (diastrática, variação de acordo com a classe social);
variação de idade (diageracional, variação dos jovem e adultos);
variação de sexo (diagenérica, diferenças entre homens e mulheres);
variação de situação (variação de uso, ligada ao fato de se estar numa sala
de aula ou num mercado popular);
variação de estilo (diafásica: variação relacionada ao uso formal e informal,
por exemplo, ex. o oral e o escrito);
variação de indivíduo (ou grupo) (variação de indivíduo para indivíduo);
variação de escolarização (escolarizados, não escolarizados ou pouco
escolarizados);
variação de profissão ou jargão (jargão do médico, do advogado etc.);
variação de bairro residencial (bairro nobre e bairro de periferia, ou entre
um bairro de periferia e um outro bairro de periferia).
Alguns agrupamentos, no entanto, são possíveis aqui. Por exemplo, a
variação de situação inclui a variação de profissão.
b) Variação intralinguística
37
Variação fonética: a diferença na pronúncia de ditongos (caixa, caxa) no
português brasileiro;
Variação morfossintática: a presença ou ausência da marca do plural (duas
caixa, duas caixas),
Variação lexical (aipim, macaxeira);
EXERCITANDO
1- A variação de idade é importante para o futuro professor de língua. Observe, em
grupo, o léxico dos jovens do seu bairro ou de sua escola e faça uma lista do
vocabulário que mais caracteriza esse grupo.
2- Entreviste um professor ou uma professora sobre o tipo de variação que ela
observa na sua sala de aula e verifique até que ponto o professor tem consciência
da diversidade que caracteriza seu ambiente de trabalho. Socialize seus
resultados no encontro presencial com o tutor e os colegas.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,
1994.
COMPLEMENTAR
LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:
Center of Applied Linguistics, 1966.
BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,
1986, pp.203-238.
38
RESUMINDO: nesta Atividade, apresentamos primeiramente o conceito de teoria e
definimos alguns termos atrelados à teoria e à variação. Você aprendeu sobre alguns
princípios e leis necessários à existência de uma teoria. Estudou a relação entre língua
e sociedade e os diferentes tipos de variação que podemos encontrar nas línguas. Você
aprendeu que pode haver variação e mudança nas línguas e que essa variação pode se
dar entre famílias de línguas, como aconteceu no latim. Também aprendeu que pode
ocorrer variação dentro de uma determinada língua e que pode haver, ainda, variação
dentro de um dado território nacional quando há coexistência de várias línguas num
mesmo território. Por fim, abordamos a variação que ocorre no Brasil, focalizando a
diferença entre variação, diversidade e a variação extralingüística.
39
Atividade 04
Aspectos teórico-metodológicos da teoria da Variação
Objetivos
Ao final dessa unidade, você deverá:
estabelecer diferença entre a abordagem dos diferentes teorias sobre o objeto da
linguística;
compreender a diferença entre variação e mudança;
apontar a diferença entre variável e variantes (linguísticas e sociais);
compreender como a teoria da variação reavaliou alguns princípios da teoria
estruturalista e gerativista;
entender os procedimentos práticos de um trabalho de campo;
distinguir estudo em tempo real de estudo em tempo aparente;
O estudo da variação possibilita a investigação da estrutura e da mudança
linguística e permite fazer uma ponte entre as duas. A Sociolinguística Variacionista
demonstrou que existe uma correlação entre a estrutura da língua e a estrutura social.
A Sociolinguística busca o que não varia dentro da variação, o invariante dentro da
variação. Ela estuda:
o uso quotidiano da língua nas comunidades urbanas;
os pidgins e os crioulos;
a geografia dialetal (estudo dos dialetos urbanos ou geograficamente
distribuídos);
as comunidades minoritárias (línguas indígenas, línguas em perigo),
a política linguística;
as situações de contato de línguas;
a variação linguística, a mudança social e políticas de ensino.
ANOTE: língua de contacto é o nome dado a qualquer língua que é criada, normalmente
de forma espontânea, de uma mistura de outras línguas, e serve de meio de comunicação
entre os falantes de idiomas diferentes. Os pidgins tem normalmente gramáticas
rudimentares e um vocabulário restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São
improvisadas e não são aprendidas de forma nativa. O crioulo é uma designação comum a
várias línguas mistas surgidas a partir do contato entre língua européias e línguas nativas da
África, Ásia ou Américas.(fonte: Wikipedia).
40
Mudança: de acordo com a teoria da variação, toda mudança é acompanhada
necessariamente de variação: a mudança implica a variação. Há mudança quando
uma dada variante vence a batalha entre variantes, assumindo o lugar de outra
variante.
Modelos de descrição da Teoria da Variação
A sociolinguística, como toda ciência, procura validar seu campo de
investigação por meio de modelos de descrição científicos, como apresentamos a
seguir.
4.1.1 Descrições indutivas
A Sociolinguistica integrou a abordagem indutiva (estruturalista) e
dedutiva (gerativista). A Sociolinguística, quando de sua investigação indutiva sobre
a heterogeneidade na língua ou nas línguas, segue essas etapas:
a) Observação: observação objetiva da fala cotidiana, coleta de dados (corpus), e
realização de classificação para identificar os princípios gerais que regem a
relação dentro da língua e fora dela.
b) Hipóteses: elaboração de hipóteses a serem testadas a partir dos dados
coletados.
c) Experimentação: condução de experimentos ou exercícios que permitam testar
as hipóteses levantadas.
d) Formulação de regras: uma vez que o resultado do experimento é consistente
com as hipóteses, o sociolinguista formula regras ou leis; essas regras são
chamadas de regras variáveis, pois tratam de dar conta de uma realidade que não
pode ser vista em termos do errado/certo, mas em termos do que é aceitável pela
comunidade e o contexto de comunicação.
Nessa abordagem indutiva, o sociolinguista vai do específico para o geral
(em linguística geral, partia-se do componente fonético para o sintático, passando-se
pelo fonológico e morfológico).
41
4.1.2 Descrições dedutivas
A descrição dedutiva é uma descrição oposta à indutiva. Parte do geral
para o especifico (gerativistas como Chomsky utilizaram essa descrição, pois partiam
de componentes intuitivos presentes na gramática interna, no cérebro de cada
falante). Para a sociolinguística, esse componente é valido também quando se trata,
por exemplo, de pedir o ponto de vista de um falante sobre sua maneira de falar e
sobre a maneira de falar dos outros. A teoria da variação integrou essa descrição para
poder quantificar as atitudes linguísticas da comunidade linguística a respeito do seu
modo de ver a língua. O respeito à diversidade passa por uma atitude descritiva dos
pontos de vista, concepções, preconceitos, aspirações, dentre outros, dos próprios
falantes autores dos seus discursos e membros ativos dentro de seus respectivos
grupos sociais. Essa descrição é acoplada na sociolinguística a outra descrição que
veremos a seguir.
4.1.3 Descrições probabilísticas
Além de seguir as dimensões de descrição indutiva e dedutiva, a
sociolinguística incorporou os métodos de trabalho da estatística para validar o seu
modelo de descrição e análise. Aqui, estamos na frente do centro dos métodos de
investigação da atualidade, pois tudo o que fazemos hoje é mensurado por agências
que usam cálculo de frequências, cálculo de pesos dos fenômenos estudados.
Podemos ver que, ao nosso redor, tudo é numero; todas as projeções e decisões
econômicas e políticas são baseadas em cálculos estatísticos (ex. eleições, políticas
de ensino etc). Todas as ciências sociais já utilizavam procedimentos estatísticos que,
inicialmente, eram do domínio das ciências naturais e de outras ciências exatas. A
maior contribuição da teoria da variação para os estudos das ciências da linguagem
foi demonstrar que o fato linguístico não é um fato puro, homogêneo, mas um fato
heterogêneo, contrariando o Estruturalismo.
O Estruturalismo europeu e o americano não aceitavam a variação como
componente natural da descrição linguística, pois seu formato de descrição (do
estruturalismo) era baseado em corpus fabricado e não num corpus autêntico da fala
autêntica não apenas de um informante isolado ou ideal (Chomsky), mas de um
grupo de indivíduos que formam uma comunidade. Para descrever a variação,
fenômeno natural de uma comunidade linguística, a Sociolinguística foi a primeira a
42
desenvolver o conceito de regra variável. A regra variável, nesse sentido, é um dado
fenômeno linguístico que apresenta duas ou três formas diferentes para o mesmo
fenômeno sem mudar o sentido (ex. a regra de concordância nominal diz respeito ao
uso da marca de plural ou ausência dessa marca na fala dos brasileiros ou, por
exemplo, a variação no uso do pronome tu e você).
Na teoria da variação, apresentamos a presença/ausência da marca do
plural, respectivamente, –s ou (as casas e as casa), dentro de uma regra que
demonstra quais são os fatores linguísticos e não linguísticos que influenciam a
realização de uma ou outra variante. Para se chegar a fazer um modelo de análise
dessa regra variável, é preciso incorporar um modelo estatístico que mostre não
apenas as frequências de presença ou ausência desse fenômeno em função de fatores
como natureza da sílaba, natureza da palavra que precede o substantivo etc. (fatores
internos ou linguísticos), influência da escolaridade, idade, sexo etc. (fatores externos
ou sociais) que influenciam essa regra variável, mas que aponte probabilidades.
Variante: diferentes maneiras de se dizer a mesma coisa.
Podemos ver, assim, que o uso do método estatístico dá ao modelo da
teoria de variação um caráter robusto, pois indica o peso de cada fator interno ou
externo sobre a realização da regra variável. No Brasil, um dos programas que mais
se destacaram para efetuar essa análise é o pacote de programas VARBRUL
(Variable rule analysis), o programa de análise de regra variável.
4.1.4 Descrição funcionalista
Além dessas abordagens, a teoria da variação integrou ao seu processo
descritivo-analítico o componente funcional. Por exemplo, a tarefa de uma gramática
funcional é, como enfatiza Beaugrande (1993, cap. III. apud. Neves, 2004, p. 03),
―fazer correlações ricas entre forma e significado dentro do contexto global do
discurso‖. Como enfatiza Neves (2004) ―uma teoria da organização gramatical das
línguas naturais procura se integrar a uma teoria global da interação social‖ (Neves,
2004, p. 15). Nesse sentido, uma teoria da variação integra o componente funcional,
43
pois ele se ocupa da estrutura interna da língua, mas, também, da análise da situação
comunicativa.
4.1.5 Descrições genéticas
A Sociolinguística incorporou ainda descrições sobre as análises
históricas e as aproximações entre famílias de línguas ou influências de línguas
majoritárias sobre outras minoritárias, para estudar as diversas situações de contato
de línguas. Por exemplo, muitos trabalhos mostram resultados interessantes sobre o
perfil linguístico das chamadas línguas Pidgin e Crioulo. A Sociolinguística tem
estudado essas situações de contato em vários lugares do mundo e tem contribuído
para a teoria da variação e mudança linguística. Os estudos sobre a história das
línguas tem também lugar importante na descrição sociolinguística. O estudo da
variação não rompeu com a tradição da dialetologia (o estudo comparativo dos
dialetos) e geolinguística (o método da dialetologia para a elaboração de mapas
linguísticos denominados de atlas linguísticos).
EXERCITANDO
1- Procure um artigo sobre a variação linguística no português brasileiro que tome
por base uma análise estatística que utiliza o pacote Varbrul. Tente entender as
tabelas e procure tirar as dúvidas no fórum e no encontro com o tutor.
2- Procure saber o que é um peso relativo e como interpretá-lo. Poste sua resposta
ou dúvida no fórum. A resposta pode estar atrelada à questão 1.
A Teoria da variação e os axiomas da linguística descritiva
Agora que já estudamos aspectos relacionados à Sociolingüística, vamos
elencar alguns princípios da linguística moderna e como a Sociolinguística se
posicionou em relação a eles.
5.1 Língua/fala (Langue-parole) e competência/desempenho
Saussure, apesar de suas novas ideias, estava procurando um sistema
homogêneo que existia na mente coletiva da comunidade (langue).
44
Para Chomsky, a forma pura (competência) é ainda mais abstrata, ela existe no
cérebro de um falante- ouvinte ideal. Assim, ―ser um falante nativo, significa não
apenas adquirir um estado de uma língua, e não apenas saber interpretar a orientação
social ou estilística, mas também saber em que direção vai a mudança‖ (Labov,
1976).
O que é comum a todas estas teorias é que o desempenho na fala é
heterogêneo e desafia a sistematização.
A Teoria da variação não aceita esse postulado redutor segundo o qual a
fala não pode ser sistimetizada. Assim, William Labov, o pesquisador que mais
popularizou a Sociolinguística, não aceito que a performace seja uma manifestaçao
deformada da competência. A fala segue um modelo complexo que, para ser
sistematizado, deve integrar, além do aspecto interno da língua (gramática), seu
aspecto externo (social e psciológico). Desse modo, ser competente numa língua
presume saber quando e como falar, pois sem essa capacidade o ―falante ouvinte
ideal‖, termo utilizado por Chomsky, seria como afirma Dell Hymes (1967b, p.
639). ―um monstro cultural‖.
Mas você deve se perguntar: o que isso quer dizer? Falar não é apenas
uma decisão mecânica que o cérebro toma sem influência do mundo externo. Se o
mundo externo age sobre a maneira de falar, é preciso verificar quais são os fatores
no mundo externo que influenciam o que dizer, quando dizer, e por que dizer.
Quando falamos, não falamos por falar, mas sempre para transmitir algo, mudar algo,
exigir algo, revendicar algo etc. Isso porque, antes de falar, decidimos de uma
maneira consciente e/ou inconsciente responder a perguntas como: com quem eu vou
falar, onde me econtro, quando devo falar, porque eu falo algo, como devo falar, o
que eu devo falar, qual efeito que minha fala terá sobre meu ouvinte etc. Essas
mesmas questões se aplicam à escrita de um texto.
5.2. Sincronia e diacronia
A dicotomia Saussuriana sincronia/diacronia foi uma reação aos estudos
puramente históricos do século 19. A sincronia caracteriza-se pelo estudo da língua
num dado momento da sua história, por exemplo, estudar o fenômeno do léxico dos
adolescentes no presente. Foi um marco do estruturalismo moderno iniciado por
Saussure no início do século XX. Já a diacronia caracteriza-se pelo estudo da
45
evolução da língua num período de tempo relativamente longo a partir de
documentos escritos. Mas recentemente estudo de documentos sonoros que datam do
início da tecnologia de gravação da fala para efeito de comparações históricas etc.
Para a Teoria da variação, essa visão binária hoje é apenas uma
comodidade metodológica, ou seja, o sociolinguista, num dado estudo, procura
evidenciar mais o componente histórico ou o atual, pois o passado explica o presente
e o presente explica o passado. O sociolinguista tenta estudar a língua no chamado
tempo real ao tentar analisar, por exemplo, a fala de uma comunidade que ele
pretende observar por longo tempo; ou pode entrar em contato com participantes de
uma pesquisa linguística que foi feita há 20 anos para verificar mudanças linguísticas
decorrentes desse tempo que pode ser maior ou menor a depender do tempo etc.
O sociolinguista pode também decidir estudar a língua em tempo
aparente. Nessa perspectiva, ele procurará dividir os participantes de sua pesquisa
em faixas etárias separadas que vão dos mais jovens aos mais idosos. Aqui, ele
observará a evolução da fala em dois momentos da história da língua num dado
momento.
5.2.3 Os dados linguísticos (o corpus)
A linguística tem por objetivo criar modelos (teorias, gramáticas) que
refletem aproximadamente os dados reais da língua. O estruturalismo tradicional
afirmava que um informante bem escolhido tem condições de fornecer dados
linguísticos suficientes para a descrição de uma língua. Assim, os estruturalistas
descartaram de sua descrição a variação linguística de dado indivíduo em relação a
outro indivíduo. De fato, a descrição da fala de um informante significa descrever os
hábitos linguísticos de apenas um informante, o idioleto é não o dialeto.
Os gerativistas, ao tentar descrever os dados linguísticos, apegaram-se
mais à questão do ―um falante ouvinte ideal‖, de testes de avaliação de
gramaticalidade e/ou aceitabilidade de sentenças geralmente fabricadas e não
autênticas. A integração da intuição do próprio linguista serviu de método para
descrever a gramática de uma língua. As pesquisas decorrentes dessa corrente teórica
mostraram sua incapacidade em descrever o uso real e autêntico da língua devido ao
fato de que o modelo tinha, e tem ainda, nas suas versões atuais, uma visão limitada
do que é o uso real da língua.
46
Na tentativa de não negar os legados históricos dessas duas correntes que
tratam do mesmo objeto da Teoria da variação, a estrutura da língua, a
Sociolinguística elegeu a comunidade linguística como objeto de estudo. O indivíduo
é parte de um grupo que ele influencia e por ele é influenciado. O indivíduo se move
em contextos diferentes em interações com outros indivíduos que tem características
sociais diferentes, o que faz que sua maneira de falar e sua maneira de agir se
adequarem a situações físicas e psicológicas. Assim, para descrever a língua,
segundo o pressuposto sociolinguístico, é preciso primeiro situar o indivíduo num
contexto maior para poder descrever a fala da comunidade ou as comunidades as
quais ele pertence. Para conseguir fazer essa descrição complexa, a Sociolinguística
integrou o componente estatístico, probabilístico, em sua análise.
Porque a Sociolinguistica utiliza a estatística?
Ao tentar descrever a comunidade, a Sociolinguística se depara com um
problema que as outras teorias sempre ignoraram, a complexidade dos fatores que
fazem com que um indivíduo decida falar algo diferente dependendo da sua situação
em que ele se encontra, por exemplo, falar com um amigo, ou falar numa situação de
entrevista de emprego. Os fatores, então, diversificam-se (idade, sexo, etnia, classe
social, escolaridade etc.) e necessitam de um método não binário (certo, errado), mas
de um método que se inscreve no chamado contínuo que diz que um fenômeno
acontece X vezes num contexto e Y vezes noutro contexto. O método que daria conta
dessa exigência seria o probabilístico.
DICA: No Brasil, temos a cultura (trata-se do único conjunto de programas) de
utilizar o programa Varbrul (Variable ruel analysis), que permite codificar os dados
linguísticos coletados e analisar os pesos dos fatores sociais e linguísticos que
influenciam um dado fenômeno linguístico.
Podemos ver, aqui, um avanço metodológico na abordagem
sociolinguística que tenta conceber a língua no seu aspecto real e contínuo que é,
para o sociolinguista, uma variável determinante quando decide abordar um dado
fenômeno linguístico.
A Teoria da variação tentou, ao longo das investigações sociolingüísticas,
no Brasil, demonstrar a diversidade linguística que caracteriza o português brasileiro.
Vários pesquisadores no Brasil, sejam eles dialetólogos (estudo comparativo dos
47
dialetos) ou sociolinguistas, identificaram os componentes linguísticos (fonéticos,
morofossintaticos e lexicais) que variam no português. Para fazer isso, o método
sempre é o mesmo, identificar primeiro a comunidade linguística a ser estudada (um
grupo étnico, uma aldeia, uma cidade, uma região etc.). Após a seleção do grupo,
identifica-se uma amostra estratificada, ou seja, um número de indivíduos
representantes dessa comunidade e que serviriam como objeto de investigação no
que diz respeito à fala. Essa amostra é, geralmente, constituída levando-se em
consideração grupos de fatores (variáveis) externos ou extralinguísticos (idade, sexo,
escolaridade etc.). Após essa seleção, o pesquisador procede à observação por meio
de técnicas (gravação, questionário, observação, anotações etc.), a fim de coletar os
dados linguísticos que serviriam de corpus para a análise de fenômenos linguísticos
predefinidos, como, por exemplo, o uso ou não da marca de plural.
EXERCITANDO...
1- Quais são as técnicas de trabalho de campo em linguística que você conhece?
2- O que é uma amostra sociolinguística? Como proceder à escolha de uma
amostra sociolinguística?
3- Qual é a importância de se utilizar ferramentas de análise computacional na
sociolinguística?
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,
1994.
COMPLEMENTAR
LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:
Center of Applied Linguistics, 1966.
BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,
1986, pp.203-238.
48
RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou aspectos teórico-metodológicos da
Teoria da variação. Abordamos os modelos de descrição da Teoria da variação,
focalizando diferentes tipos de descrições, tais como: descrições indutivas, dedutivas,
probabilísticas, funcionalistas e genéticas. Nós discutimos também a Teoria da
variação e os axiomas da linguística descritiva. Abordamos os pares língua/fala
(langue-parole), competência/desempenho, sincronia e diacronia, a fim de
compreendermos a diferença de abordagem dada pelo sociolinguísitca à análise da
língua. Finalizamos com o estudo das caracterísitcas dos dados linguísticos (o corpus)
para análise sociolinguística e do tratamento estatístico feito pela sociolinguística
quantitativa.
49
UNIDADE III- A PESQUISA VARIACIONISTA NO PORTUGUÊS
BRALILEIRO
Atividade 05
Exemplificando a variação linguística no português brasileiro
Objetivos
Ao final desta Atividade, você deverá:
conhecer diferentes fenômenos de variação linguística;
identificar a variação linguística nos diferentes níveis da língua;
apontar condicionadores linguísticos e sociais da variação;
relacionar variantes a uma determinada variável e vice-versa.
Apresentamos aqui alguns traços que caracterizam o português falado no
Rio de Janeiro por falantes de classe social e escolaridade baixas. Os exemplos retirados
de uma pesquisa sociolinguística vão mostrar alguns usos da língua portuguesa numa
dada comunidade linguística com características sociais definidas. Aqui, podemos fazer
a diferença entre os tipos de variação linguística que vimos numa seção anterior.
7.1 Fatos morfofonêmicos
a-A síncope nas proparoxítonas
Na lista 1, abaixo, aparece a queda da vogal pós-tônica:
Padrão Popular
cócega cosca
abóbora abobra
xícara xícra
Na lista 2, aparece a queda da vogal pós-tônica. Aqui, pode-se perder a consoante
seguinte:
árvore arvre, arve
óculos oclos, ocos
Petrópolis Pertróplis, petropis
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Na lista 3, pode-se notar a queda da vogal pós-tônica e da consoante que a segue:
lâmpada lempa
sábado sabo
fígado figo
bêbado bebo
almôndega almonda
Na lista 4, temos palavras que não são favoráveis à queda da vogal pós-tônica:
trágico,
prático,
romântico,
elétrico,
cínico,
único,
mágico,
vômito,
hálito,
pálido,
ácido,
úmido,
página,
ótimo,
mínimo,
máximo
Antes de seguirmos com a leitura do texto, você poderia indicar o que há de
comum em todas as elas na sílaba postônica?
A supressão das vogais em 1, 2, 3 e a preservação da mesma em 4 não
são aleatórias. Observe que na
lista 4, o fonema /i/ pós-tônico é responsável pela não redução dessas palavras.
51
lista 1, a queda da vogal pós-tônica cria encontros consonantais existentes
dentro dos padrões silábicos da língua.
lista 3, a supressão apenas da vogal resultaria em padrões silábicos estranhos,
isso porque a queda da consoante aparece como a solução à sincope vocálica.
lista 2, temos uma expansão ainda em andamento da regra aplicada a 3 aos casos
que originalmente seriam de tipo (1).
ANOTE: a presença de [i] na lista 3 não é a única causa do impedimento da síncope.
Note que, em alguns casos, se ocorresse a síncope, teríamos formas ambíguas, como
em cínico que passaria a cinco. Há necessidade de se proceder a estudos que
forneçam informações detalhadas sobre o fenômeno.
No que se refere ao ensino-aprendizagem, a existência dessas regras
linguísticas é de grande utilidade para a construção de exercícios de prática e
assimilação da forma padrão, no sentido de se saber em que contexto linguístico os
dialetos diferem.
PARA REFLETIR: por que os exemplos em dois são chamados de fatos
morfofonêmicos, e não fonêmicos apenas?
b- Redução de ditongos
Há alguns grupos de palavras para as quais é grande a tendência à
redução do ditongo. Por exemplo, os ditongos crescentes (em que a semivogal
precede a vogal).
Lista 5
Padrão Popular
paciência paciença
polícia poliça
edifício ediço
salário salaro
O curioso é que essa redução não é permitida em outros vocábulos.
Lista 6
lábio *labo
52
câmbio *cambo
gêmio *gemo
Na lista 5 a consoante que precede a semivogal [j] tem o traço [+
coronal] alveolar. Na lista 6 isso não ocorre.
c- Ditongos decrescentes
Em relação às semivogais que seguem a vogal, a supressão de ditongos já
avançou muito no Rio de janeiro. Ela não constitui mais uma marca linguística da
fala não padrão.
lista 7
beijo bejo
queijo quejo
peixe pexe
feijão fejão
Aqui, temos algumas possibilidades de interpretação. Apresentamos uma
delas. [e] e [j] são vogais coronais, anteriores, frontais, ou seja, segmentos muito
parecidos. É possível que tenha se aplicado o Princípio de contorno obrigatório
(PCO), que favoreceu a supressão de um dos segmentos parecidos na estrutura. Não
se pode esquecer que [] também apresenta características muito semelhantes a das
vogais mencionadas, o que pode ter intensificado a aplicação do PCO.
ANOTE: o PCO é princípio que aplica quando ocorrem sequências ou estruturas
idênticas ou parecidas, que, em tese, seriam mal formadas. O objetivo do PCO é
desconstruir essas estruturas. Isso se dá por meio de apagamentos, fusão,
dissimilação, dentre outros.
Lista 8
queima
peito
leite
feita
53
azeite
Curiosamente, nesses casos, não há redução do ditongos ou ocorrem
muito esporadicamente.
Lista 9
padeiro
janeiro
beira
Dados estatísticos mostram a redução do ditongo, nesses casos, mesmo
se a consoante não tem o traço [+ alto], isto pode ser um fenômeno de mudança em
progresso entre a lista 7 e 8.
A hipótese da redução do ditongo decrescente diante da consoante [+alto]
se verifica também na lista 10 em comparação com a lista 11.
Lista 10 lista 11
caixa caxa baile
faixa faxa raiva
baixo baxo paiva
paixão paxão
O ditongo [ou] indica também uma tendência de redução diante de
consoantes labiais.
Lista 12
poupa popa
ouve ove
soube sobe
Note que, aqui, também é possível que se aplique o PCO, visto que, além de
haver semelhanças entre [o] e [u], temos consoantes muito parecidas com eles, [p],
[b].
54
d- Supressão de r final
Observe os contextos fonéticos que precedem e sucedem o /r/. Eles
favorecem a interpretação de grau de queda do /r/ final de palavras. Examinemos os
exemplos.
(1) quero rever esse
(2) Quero rever isso
(3) Quero rever o segundo gol
- Em (1) e (2) a vogal seguinte é tônica; no (3) ela é átona.
- Em (1) a vogal seguinte e a precedente ao -r são idênticas. Tais características
podem influir na probabilidade de supressão de -r.
Outro fator é a categoria gramatical. Sebastião Votre afirma que a
supressão da chamada quarta conjugação (-or) é mais baixa do que naqueles da
terceira (-ir), e nesta, por sua vez, a supressão é mais baixa do que naqueles da
primeira e segunda conjugação (-ar e -er).
ANOTE: com relação à conjunção, é preciso dizer que alguns atrelam os verbos que
terminam em –or como quarta conjugação. Outros os classificam mesmo entre os
verbos de segunda conjugação, visto que derivam de verbos pertencentes à segunda
conjugação no latim, como pôr que veio de ponere.
e- Outros fatores de variação fonética
Redução do grupo consonantal -nd para n
(1) jogno, fazeno, ouvi no ===> gerúndio verbais
(2) mundo, bando, síndico ===> outras categorias gramaticais
Supressão de nasalização das vogais átonas finais
(1) home(m), onte (m), faze (m), come (m)
(2) passagem de /l/ a /r/ em grupos consonantais ou supressão desses fonemas (negro >
nego, planta > pranta, clube > crube;
(3) Descoronalização da fricativa /s/ (alveolar) que passa a [h], ou desaparece
completamente; mas passa a ser [mah] ou [ma].
55
6.2 Concordância nominal
A queda de /s/ está também relacionada à regra da concordância nominal.
A pesquisa da Maria Luiza Braga sobre « A concordância de número no Sintagma
Nominal no Triângulo Mineiro (1977) » revela issso. Ela mostrou que a variação de
número no Sintagma Nominal é relacionada a fatores linguísticos internos e fatores
sociais, como a diferença entre classe baixa e classe media.
a) Posição da variável no SN
Note que a posição que o vocábulo ocupa no sintagma nominal interfere na sua
variação:
(1) primeira posição: as perna toda marcada/coisas lindas;
(2) segunda posição: os mesmos direitos/ doze latinha;
(3) terceira posição: as duas palavras/ essas estradas nova/ três colega meu/ essas
bestera toda.
Tomando por base os dados analisados, a autora chegou à conclusão de que
a primeira posição parece favorecer a retenção do <s>. Os resultados estatísticos
monstrão que as outras posições tendem a desfavorecer de forma decrescente a presença
da marca formal do plural.
b) Classe gramatical
(1) As casas
(2) As casa
(3) casas pequenas
(4) casas pequena
DICA: para mais detalhes sobre a concordância nominal no PB, consulte a publicação
de Marta Scherre « Sobre a influência de três variáveis relacionadas na concordância
nominal no Portugês », no livro Padrões Sociolinguísticos. Tempo Brasileiro UFRJ,
1996.
56
c) Condicionamento fonológico
Os determinantes favorecem a retenção do <s>, enquanto substantivos e
adjetivos favorecem sua supressão. A posição do substantivo e adjetivo na segunda
ou terceira posição também interfere sobre a manutenção da marca de plural.
(1) as casas amarela
(2) as casa pequena
Podemos explicar (2) invocando a posição do substantivo no SN. O substantivo
não marcado está na segunda posição e o determinante marcado na primeira posição.
Em (1), a presença da marca do plural na segunda posição pode ser explicada
objetivamente em função do sistema silábico do português, CV (consonante-vogal). O
-s de casas é seguido de uma vogal, formando a estrutura silábica básica: CV
d) Saliência fônica da oposição singular plural (maior ou menor diferença
formal entre as formas de singular e o plural)
O plural « casas » é mais simples do que o plural « ovos » (em ovos temos
diferença entre vogal tônica fechada e aberta: ôvo/ óvos. Outros exemplos são hotéis,
corações). O [s] é mais retido em casas do que em ovos, já que o plural pode ser
indicado pela abertura da vogal em ovos. O plural, nesse vocábulo, é redundante.
4-Estrutura morfossintática
Sentenças interrogativas
a- (O) que eles fizeram?
b- (O) que fizeram eles?
c- Eles fizeram o quê?
d- (O) que é que eles fizeram?
Uso do foi
e- (O) que é que foi que eles fizeram?
f- (O) quê que foi que eles fizeram?
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g- (O) quê que eles fizeram?
Segundo Miriam Lemle, a e b são as mais acordes com a norma gramatical,
não sendo porém empregadas no uso linguístico real. As formas c, d, e são utilizadas
pelos falantes da variedade padrão no uso coloquial cuidado. As formas f e g são de
emprego usual no registro mais distenso possível.
Negação (variação popular)
Não vou mais conversar não
Vou mais conversar não
Relativização
(1)
a- Eu nasci numa cidade one faz muito frio
b- Eu nasci numa cidade que lá faz muito frio
(2)
a- Vai ser preciso trocar a porta cuja a fechadura emperrou.
b- Vai ser preciso trocar a porta que a fechadura dela emperrou
(a) e (b) representam, respectivamente, a forma padrão e a forma não
padrão. Na forma padrão, a oração subordinada adjetiva tem uma posição sintática
vazia, correspondendo à posição original do sintagma anteposto pela relativização. O
dialeto não padrão tem essa posição plenamente preenchida por uma forma anfórica do
nome que é o termo central da construção.
6.3 A concordância verbal
Muitas pesquisas foram desevolvidas a respeito da concordância verbal.
Vamos mencionar a pesquisa feita por Anthony J. Naro e Miriam Lemle sobre o
desempenho linguístico de alunos cariocas do Mobral. Um dos seus objetivos é
analisar os fatores que regem a aplicação da regra variável.
(a) A variável morfológica
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Existe uma correlação entre a probabilidade de emprego da forma verbal
com a marca do plural e o grau de saliência fônica (a oposição entre a forma verbal
do singular e a do plural). Podemos perceber, nos exemplos que seguem, que a
diferença fonética entre o singular e o plural é gradual:
- ele come - eles comem
- ele dá - eles dão
- ele teve - eles tiveram
A hipótese é de que a probabilidade de aplicação da marca do plural é
relacionada à percepção da diferença fonética entre a forma verbal do singular e a do
plural. Os seguintes exemplos servirão de teste:
1- come- comem: a diferença é marcada apenas pela nasalização da
vogal átona final.
2- fala – falam: mudança da qualidade vocálica e nasalização da
vogal átona.
3- faz – fazem: adição de segmento vocálico nasalizado.
4- está – estão: qualidade vocálica e nasalidade.
c) Variável posicional
Essa variável está relacionada à posição do sujeito e do verbo.
1- Aqueles tempos foram muito difíceis
(sujeito imediatamente anteposto ao verbo)
2- Sumiu muitas das minhas coisas
(sujeito posposto ao verbo)
3- Os barracos lá naquele morro não tinham luz
(sujeito anteposto, mas separado do verbo por palavras acentuadas
4- Elas era de menor, e por causa disso não puderam frequentar lá
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(Sujeito oculto)
c- Variável semântica
Parece existir uma correlação entre o caráter definido (referência delimitada) ou
indefinido do sujeito (indefinido = um sujeito plural sem referência exata)
- Sujeito indefinido: (tendência ao emprego do plural)
- Dizem que o companheiro traia ela.
- Aí levaram ela pro pronto-socorro.
- Sujeito definido
- Os garotos ficam furiosos quando eles perde um capítulo.
d- Variável estilística
Um alto grau de formalidade corresponde a um alto grau de emprego das
formas verbais do plural (a formalidade depende da situação da fala).
EXERCITANDO
1. Verifique no You tube exemplos de variação linguística no Brasil, socialize os
links com seus colegas no fórum. O que você percebe de diferente entres os dialetos
que você observou e o seu?
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,
1994.
COMPLEMENTAR
LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:
Center of Applied Linguistics, 1966.
BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,
1986, pp.203-238.
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RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou diferentes fenômenos variacionistas com
base no português brasileiro. Foram abordados alguns fatos morfofonêmicos como, por
exemplo, a síncope nas proparoxítonas, a redução de ditongos decrescentes, a
supressão de <r> final de palavra, a redução do grupo consonantal -nd para n, a
supressão de nasalização das vogais átonas finais. Além do nível morfofonêmico,
abordamos o nível morfosintático. Estudamos a concordância nominal e a
concordância verbal, chegando, inclusive, ao estudo semântico. Você aprendeu a
relevância de alguns fatores para a variação a depender do nível que se avalia como,
por exemplo, a saliência fônica. Por fim, você, agora sabe, que não só fatores
estruturais interferem sobre a variação, mas que fatores sociais, juntamente com os
estruturais são responsáveis pela variação e mudança linguística.
61
Atividade 06
Procedimentos da Pesquisa Variacionista3
Ao final desta atividade, você deverá:
conhecer diferentes instrumentos de coleta de dados linguísticos;
usar adequadamente os procedimentos de coleta de dados da sociolinguística;
observar e descrever, na prática, um fenômeno de variação linguística a partir de
dados do português brasileiro;
Agora que você já estudou diferentes tipos de variação em diferentes níveis,
passemos ao estudo prático de que procedimentos se devem adotar para proceder de
forma adequada a uma pesquisa variacionista. Depois, você irá aplicá-los numa pesquisa
piloto a ser apresentada ainda nessa disciplina.
Nessa seção, veremos como um pesquisador em sociolinguística e/ou em
dialetologia procede para coletar dados que úteis à análise da fala de uma
comunidade.
6.1. Preparando a viagem (para a pesquisa de campo)
1. Escolher a comunidade a ser pesquisada;
2. Procurar se informar sobre a comunidade antes de ir a campo;
3. Definir o perfil dos informantes (ou seja, montar o quadro da amostra);
4. Testar os gravadores, verificar as pilhas e acessórios.
5. Levar gravador (ou o MD), questionários e, em alguns casos, gravuras, textos
para leitura, reália;
6. Levar máquina fotográfica (e filmadora), pilhas e fitas (ou CD);
7. Etiquetar as fitas (ou CD);
8. Levar bloco para anotações, caneta, lápis;
9. Usar roupa e calçado confortáveis e adequados ao lugar, ao clima e ao ambiente
em que se realizará o inquérito;
10. Levar vasilha com água potável, biscoitos, frutas, faca de mesa ou canivete,
papel higiênico, comprimidos para dor de cabeça, indisposição estomacal ou
intestinal, repelente para insetos.
3 Essas orientações foram preparadas pela professora, diretora científica do projeto ALiB, Vanderci
de Andrade Aguilera. Fizemos algumas alterações e adaptações ao texto original, para que ficasse de acordo com o objetivo desta disciplina.
62
6.2. Procedimentos preliminares
1. Procurar sempre alguém da comunidade para apresentá-lo ao informante e pedir-
lhe, se possível, para ficar junto até o informante sentir-se mais tranquilo;
2. Preparar-se muito bem para a aplicação do questionário, lendo-o várias vezes
antes de ir a campo. Nada mais desagradável e contraproducente que ficar
procurando as questões na hora, ou já incluir a resposta na pergunta;
3. Manter o material organizado e pronto para iniciar a gravação para não ter que
ficar procurando o fio, as pilhas, as fichas, o questionário, enquanto o
informante espera paciente ou impacientemente.
4. Ficar atento ao funcionamento do aparelho e à preservação do silêncio no local
do inquérito;
5. Levantar dados sobre a localidade (informações históricas, brasão, cartazes
sobre eventos) e tirar fotos dos locais, dos objetos mais significativos para o
conhecimento da localidade, assim como dos indivíduos que se envolveram com
a pesquisa (sobretudo do informante e de sua família).
DICA: reálias são objetos ou coisas, ou imitação delas, que se podem levar a campo
quando se percebe que a compreensão da descrição que é feita pelo pesquisador
apresenta dificuldades de compreensão. Por exemplo, às vezes, leva-se o pão francês
e o cacete para que o informante faça boa distinção entre os dois. Isso é muito útil
especialmente quando da aplicação do questionário semântico-lexical (QSL).
6.3. Formas de abordagem do Informante e postura do inquiridor
1. Apresentar-se, conhecer a família (se for o caso), iniciar uma conversa informal,
para depois falar dos objetivos da pesquisa;
2. Não se referir à pesquisa diretamente como ―estudo da linguagem‖; mas dizer
que se pretende saber como as pessoas falam, que nomes dão às coisas com que
lidam no dia a dia etc.;
3. Combinar com o informante o melhor horário e local para a entrevista;
4. Procurar um local silencioso (onde haja tomada, se se trata de MD) e
confortável;
5. Certificar-se da voltagem da energia, se se trata de aparelhos elétricos;
63
6. Ficar atento a ruídos externos: animais, carros, panela de pressão, telefone,
crianças;
7. Certificar-se de que o informante escolhido apresenta o perfil desejado
(naturalidade — inclusive dos país — , sexo, idade, grau de escolaridade,
integração social na comunidade a que pertence, bairro em que mora e em que
trabalha). Quanto à naturalidade dos pais, registrar também a dos pais adotivos,
quando for o caso. Evitar informantes que tenham sido criados em ambientes
coletivos (orfanatos, por exemplo), onde tenham recebido influências
linguísticas diversas;
8. Atentar para algum defeito físico do informante ou familiar: surdez, gagueira,
ausência de dentes, problemas de articulação de determinados sons por qualquer
outro motivo;
9. Agir com naturalidade, caso tenha que dispensar o informante.
DICA: no que se refere ao item 9, é importante que o pesquisador faça contato com a
pessoa a ser entrevistada, mesmo que o informante tenha sido indicado por alguém
de sua confiança, a fim de evitar constatar, ao início da entrevista ou, depois, o que é
mais indesejável ainda, que o informante apresenta problemas físicos que
impossibilitam o uso das dados.
6.4. Durante a entrevista
1. Ser amável e atencioso sem ser afetado;
2. Evitar dizer no início da gravação que ―vai entrevistar‖ ou ―está entrevistando‖,
preferindo ―vamos conversar‖, ―estamos conversando‖;
3. Não insistir demais em questões não respondidas adequadamente;
4. Registrar o número das questões não respondidas e voltar a elas no final do
inquérito, quando o informante estiver menos tenso e mais familiarizado com o
questionário. Retomar, no final, essas questões, perguntando ao informante se
ele já se lembrou das respostas;
5. Ter sempre em mente que o informante tem uma história de vida e um
conhecimento de mundo diferente dos seus;
6. Observar quando a questão fere ideologias, princípios religiosos ou tabus.
Conversar, no final, sobre isso, respeitando o modo de pensar do informante;
7. Evitar comentários ou brincadeiras que possam magoar o interlocutor;
8. Passar uma imagem de tranquilidade. Não demonstrar impaciência ou pressa;
64
9. Se o informante demonstrar impaciência, conversar para saber o que o aflige:
horário de trabalho, cansaço, etc.;
10. Ao chegar visitas: interromper a entrevista (pausa), explicando na gravação por
que está interrompendo;
11. Manter sempre o microfone mais próximo do informante do que do inquiridor;
12. Evitar ruídos que prejudiquem a gravação (batidas com a mão na mesa, por
exemplo);
13. Evitar falar mais do que o informante. Se sentir que as vozes se sobrepuseram,
pedir-lhe para repetir, explicando que falou junto;
14. Conversar com o informante sobre a possibilidade de ter que voltar, caso a
gravação apresente problemas.
ANOTE: essas informações estão baseadas nas orientações usadas pelo Projeto
ALiB para a pesquisa de campo.
6.5. Depois da entrevista
1. Ouvir as fitas para se certificar de que a gravação está completa e dentro dos
padrões técnicos pré-determinados (em boa altura, sem a interferência excessiva
de ruídos externos, etc.);
2. Avaliar o desenvolvimento do inquérito, para corrigir problemas, voltar ao
informante ou, se for o caso, realizar um novo inquérito;
6.6. A narrativa
A gravação deve ter em média 30min (trinta minutos) de duração de fala
contínua do informante (mas dependendo do objetivo da pesquisa, é necessário um
tempo maior), assim:
1. Se o objetivo da entrevista for a fala ―natural‖, deve-se sugerir ao informante
falar sobre algum fato ou acontecimento que lhe tenha sido marcante;
2. Se o objetivo da entrevista for observar o controle (monitoração) da fala (pelo
informante), pode-se sugerir temas específicos;
3. A entrevista pode ser feita com dois ou mais informantes conversando entre si
(diálogo monitorado ou interação monitorada).
6.7. Tipos de questionário
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I. Terminológico e socioterminológico:
a) Como são chamadas as pescarias que são feitas perto da costa?
b) E as realizadas em alto mar, que nome recebe?
II. Dialetológico e sociolingüístico (a sociolingüística trabalha mais com
narrativas):
1. Fonético fonológico (QFF):
a) Onde se constrói uma casa? (TERRENO);
b) Como se chama o objeto com que se corta pano? (TESOURA);
c) Quando a água da panela está bem quente, cheia de bolinhas, como é que
se diz que ela está? (FERVENDO).
DICA: no QFF, o objetivo é coletar dados para se analisar um fenômeno fonético-
fonológico. Geralmente, o contexto a ser analisado vem previamente indicado, como
acima, em negrito. Nesses casos, se quer analisar a pronúncia do /r/ prevocálico e
posvocálico e a realização do ditongo.
2. Questionário semântico lexical (QSL):
a) Como se chama aquele morrinho atravessado no asfalto para os carros
diminuírem a velocidade? (LOMBADA, QUEBRA-MOLA,
ONDULAÇÃO);
b) Como se chama o objeto de metal ou plástico que se pega de um lado a
outro da cabeça e serve para prender os cabelos (mímica)? (TRAVESSA,
TIARA, DIADEMA, ARCO);
c) Como se chama a ave de criação parecida com a galinha, de penas pretas
com pintinhas brancas? (GALINHA-D‘ANGOLA, CAPOTE, CATRAI,
GUINÉ, COCAR);
3. Questionário morfossintático (QMS):
a) Você (ou senhor/a) tem filhos / irmãos? Como se chama? O que eles
fazem? (OBSERVAR O USO DE ARTIGO ANTES DE NOME
PRÓPRIO);
b) Se nós dois estamos tomando café e queremos mais uma pessoa na mesa,
dizemos que essa pessoa venha tomar café __________? (CONOSCO,
COM NÓS, COM A GENTE);
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c) O que você (ou senhor/a) fez ontem (de diferente)? (OBSERVAR O
USO DO PRETÉRITO PERFEITO).
4. Questões de pragmática:
a) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um rapaz jovem e ele
não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse rapaz?
b) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de uma mulher jovem e
ela não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção dessa jovem?
c) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um senhor idoso e ele
não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse senhor?
5. Questões metalingüísticas:
a) Como se chama a língua que você (senhor/a) fala?
b) Tem gente que fala diferente aqui em __________? Poderia dar algum
exemplo?
SAIBA MAIS: para ajudar você na coleta de dados, disponibilizamos um trecho de
aplicação de questionário e outro de coleta de narrativa, no Modlle.
EXERCITANDO...
Tal qual aconteceu na disciplina Fonologia do Português, realizaremos uma pesquisa
piloto. Você deve escolher o fenômeno que deseja estudar. Agora, entretanto,
usaremos dados de uma narrativa. Orientações detalhadas sobre a pesquisa estão no
Modlle. Bom trabalho.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos
Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.
LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.
LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,
1994.
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COMPLEMENTAR
LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:
Center of Applied Linguistics, 1966.
BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.
HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,
1986, pp.203-238.
RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou os procedimentos adotados na pesquisa
variacionista. Assim, estudamos diferentes passos que vão desde a preparação para a
viagem que objetiva a realização da pesquisa de campo até o depois da coleta de
dados. Você aprendeu as diferentes formas de abordagem do informante e a postura
adequada do inquiridor quando da coleta de dados. Focalizamos os procedimentos que
se devem adotar antes, durante e depois das entrevistas no sentido de se evitar
inconvenientes. Além de disso, abordamos a coleta de narrativas e apresentamos
trechos de diferentes tipos de questionários usados para a pesquisa dialetológica.