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Informativo 840-STF (03/10/2016) Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de adiamento: RE 441280/RS. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL COMPETÊNCIA Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ. DIREITO ADMINISTRATIVO SERVIDORES PÚBLICOS Inconstitucionalidade de norma estadual que amplie as hipóteses do art. 19 do ADCT da CF/88. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA Inconstitucionalidade de lei que preveja plantão criminal para escritório de prática jurídica da Universidade estadual. DIREITO CIVIL FILIAÇÃO Direito de ter reconhecida a filiação biológica prevalece sobre a presunção legal de paternidade. Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes da CF/88 e cuja lei posteriormente transformou o vínculo em estatutário. Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR COMPETÊNCIA Crime praticado por militar da ativa contra militar na mesma situação durante atividade militar no interior da caserna. DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes da CF/88 e cuja lei posteriormente transformou o vínculo em estatutário.

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Page 1: ÍNDICE ·  · 2016-10-21O art. 19 do ADCT da CF/88 previu que os servidores públicos que estavam em exercício há ... no caso da Lei do Estado de RN, ... seu trânsito em julgado

Informativo 840-STF (03/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Márcio André Lopes Cavalcante Processo excluído deste informativo por não ter sido concluído em virtude de pedido de adiamento: RE 441280/RS.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIA Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Inconstitucionalidade de norma estadual que amplie as hipóteses do art. 19 do ADCT da CF/88. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA Inconstitucionalidade de lei que preveja plantão criminal para escritório de prática jurídica da Universidade

estadual. DIREITO CIVIL

FILIAÇÃO Direito de ter reconhecida a filiação biológica prevalece sobre a presunção legal de paternidade. Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes da CF/88 e cuja lei

posteriormente transformou o vínculo em estatutário. Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ.

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Crime praticado por militar da ativa contra militar na mesma situação durante atividade militar no interior da

caserna.

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes da CF/88 e cuja lei

posteriormente transformou o vínculo em estatutário.

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NOVIDADE LEGISLATIVA

Lei nº 13.344/2016: dispõe sobre o tráfico interno e internacional de pessoas (IMPORTANTE).

DIREITO CONSTITUCIONAL

COMPETÊNCIA Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ

Não cabe mandado de segurança contra ato de deliberação negativa do Conselho Nacional de Justiça, por não se tratar de ato que importe a substituição ou a revisão do ato praticado por outro órgão do Judiciário.

Assim, o STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, o Conselho não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF.

Em razão do exposto, não compete ao STF julgar MS impetrado contra decisão do CNJ que julgou improcedente pedido de cassação de um ato normativo editado por vara judicial.

STF. 2ª Turma. MS 33085/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

DIREITO ADMINISTRATIVO

SERVIDORES PÚBLICOS Inconstitucionalidade de norma estadual que amplie as hipóteses do art. 19 do ADCT da CF/88

O art. 19 do ADCT da CF/88 previu que os servidores públicos que estavam em exercício há pelo menos 5 anos quando a Constituição Federal foi promulgada, deveriam ser considerados estáveis, mesmo não tendo sido admitidos por meio de concurso público. Desse modo, quem ingressou no serviço público, sem concurso, até 05/10/1983 e assim permaneceu, de forma continuada, tornou-se estável com a edição da CF/88.

É inconstitucional Constituição estadual ou lei estadual que amplie a abrangência do art. 19 do ADCT e preveja estabilidade para servidores públicos admitidos sem concurso público mesmo após 05/10/1983 (5 anos antes da CF/88).

STF. Plenário. ADI 1241/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

Imagine a seguinte situação: A Lei 6.697/94, do Estado do Rio Grande do Norte, previu que os servidores da Universidade do Rio Grande do Norte admitidos em caráter temporário, sem concurso público, entre 8 de janeiro de 1987 a 17 de junho de 1993, tornar-se-iam estáveis e permaneceriam nos quadros da Instituição. Essa previsão é compatível com a CF/88? NÃO. O STF julgou procedente ADI para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º e 2º da Lei 6.697/94, do Estado do Rio Grande do Norte, por violarem o princípio da ampla acessibilidade aos cargos públicos por meio de concurso público (art. 37, II, da CF/88).

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Art. 19 do ADCT da CF/88 O ADCT da CF/88 previu que os servidores públicos que estavam em exercício há pelo menos 5 anos quando a Constituição Federal foi promulgada, deveriam ser considerados estáveis mesmo que não tivessem sido admitidos por meio de concurso público. Desse modo, quem ingressou no serviço público, sem concurso, até 05/10/1983 (5 anos antes da CF/88) e assim permaneceu, de forma continuada, tornou-se estável com a edição da CF/88. Trata-se, contudo, de regra excepcional e que somente vigorou para esses casos. Veja a redação do dispositivo:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público. (...) § 2º — O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor. § 3º — O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.

Constituições e leis estaduais tentaram ampliar a abrangência do art. 19 do ADCT Algumas Constituições e leis estaduais, assim como aconteceu com a Lei de RN acima explicada, tentaram ampliar a abrangência do art. 19 do ADCT prevendo a estabilidade para servidores admitidos sem concurso público mesmo que admitidos após o prazo fixado pelo art. 19 do ADCT, ou seja, conferindo estabilidade a quem ingressou mesmo depois de 05/10/1983. O STF, contudo, declarou que tais previsões violam a CF/88:

(...) A exigência de concurso público para a investidura em cargo garante o respeito a vários princípios constitucionais de direito administrativo, entre eles, o da impessoalidade e o da isonomia. O constituinte, todavia, inseriu no art. 19 do ADCT norma transitória criando uma estabilidade excepcional para servidores não concursados da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios que, quando da promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos ininterruptos de serviço público. 2. A jurisprudência desta Corte tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT Federal. (...) STF. Plenário. ADI 100/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 09/09/2004.

Dessa feita, no caso da Lei do Estado de RN, o STF reiterou o entendimento acima exposto. Modulação dos efeitos O STF decidiu, contudo, modular os efeitos da decisão. A Lei 6.697/94, do RN, foi declarada inconstitucional. Logo, como consequência dessa decisão, todos os servidores públicos que estivessem nessa situação deveriam ser exonerados imediatamente. Ocorre que o STF entendeu que isso iria gerar graves consequências para o funcionamento da Administração Pública estadual que, de uma hora para outra, ficaria privada de centenas de servidores. Diante disso, a Corte decidiu que a decisão somente teria eficácia a partir de 12 meses contados da data da publicação da ata de julgamento. Nesse período, haverá tempo hábil para a realização de concurso público, nomeação e posse de novos servidores, evitando-se, assim, prejuízo à prestação do serviço público de ensino superior na URRN. Além disso, o STF ressalvou dos efeitos da decisão os servidores que já estejam aposentados e aqueles que, até a data de publicação da ata do julgamento, tenham preenchido os requisitos para a

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aposentadoria. Em outras palavras, se a pessoa se aposentou (ou reuniu os requisitos para se aposentar com base na Lei 6.697/94), ela terá direito de continuar aposentada (ou se aposentar) mesmo essa lei tendo sido declarada inconstitucional. Onde está prevista a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão? No julgamento de ADI, ADC ou ADPF, o art. 27 da Lei nº 9.868/99 prevê expressamente que o STF poderá modular os efeitos da decisão que julga determinado ato contrário à CF. Em outras palavras, a Lei permite que o STF determine que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade somente valham a partir da decisão proferida (ex nunc) ou, ainda, a partir de determinada data futura (efeitos prospectivos).

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Mesma regra pode ser encontrada no art. 11, da Lei nº 9.882/99.

Regra: efeitos EX TUNC (retroativos)

Excepcionalmente o STF pode, pelo voto de, no mínimo, 8 Ministros (2/3):

* restringir os efeitos da declaração; ou * decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado; ou * de outro momento que venha a ser fixado;

desde que haja razões de: * segurança jurídica ou; * excepcional interesse social.

AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA Inconstitucionalidade de lei que preveja plantão criminal para

escritório de prática jurídica da Universidade estadual

É inconstitucional lei estadual que preveja que o escritório de prática jurídica da Universidade Estadual deverá manter plantão criminal nos finais de semana e feriados para atender pessoas hipossuficientes que sejam presas em flagrante.

Esta lei viola a autonomia administrativa, financeira, didática e científica assegurada às universidades no art. 207 da CF/88 (inconstitucionalidade material).

Além disso, contém vício de iniciativa (inconstitucionalidade formal), na medida em que foi usurpada a iniciativa privativa do Governador.

STF. Plenário. ADI 3792/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

Foi editada uma lei estadual prevendo que o escritório de prática jurídica da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) deveria manter plantão criminal, nos finais de semana e feriados, para atender pessoas hipossuficientes que fossem presas em flagrante. Essa previsão é constitucional? NÃO.

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Autonomia universitária Essa lei viola a autonomia universitária, prevista no art. 207 da CF/88:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

A autonomia universitária é dividida em três dimensões: a) Autonomia didático-científica: consiste na liberdade conferida à Universidade para ensinar, divulgar suas ideias, comunicar seus pensamentos etc. b) Autonomia administrativa: consiste na liberdade para administrar seus assuntos internos e para disciplinar suas relações com os professores, alunos e funcionários. c) Autonomia financeira: trata-se do direito que as Universidades possuem de gerir, dispor e aplicar seus próprios bens e recursos. Essa autonomia não significa, obviamente, independência, atributo que é próprio dos Poderes constituídos. No entanto, a autonomia assegura às Universidades a garantia de que não haverá indevida ingerência no âmago (essência) de suas funções. A determinação imposta pela lei para que o escritório de prática jurídica preste serviço aos finais de semana, para atender hipossuficientes presos em flagrante delito, implica necessariamente a criação ou, ao menos, a modificação das atribuições conferidas ao corpo administrativo do curso de Direito da Universidade. Além disso, como os atendimentos são realizados pelos acadêmicos de Direito matriculados no estágio obrigatório, para atender a Lei, a Universidade teria que alterar as grades curriculares e horárias dos estudantes para que estes pudessem desenvolver essas atividades em regime de plantão, ou seja, aos sábados, domingos e feriados. Assim, a referida lei fere a autonomia administrativa, financeira e didático-científica da instituição, pois não há anuência para criação ou modificação do novo serviço a ser prestado. Tentativa de suprir as deficiências da Defensoria Pública Vale ressaltar, ainda, que o objetivo desta legislação é resolver, ainda que parcialmente, a deficiência do poder público em assegurar aos hipossuficientes o direito à assistência judiciária integral e gratuita, bem como o amplo acesso à justiça. Em outras palavras, com esta Lei busca-se mitigar as deficiências da Defensoria Pública em desempenhar seu dever fundamental (art. 134 da CF/88) impondo essa função a estudantes de universidades estaduais. Desse modo, em vez de fortalecer a Defensoria Pública, o legislador procurou transferir parcela de suas atribuições para a Universidade. Tal instituição tem como objetivo principal as atividades de ensino superior e não pode ser obrigada a desempenhar, por meio de seu corpo de alunos e professores, funções de assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes. Assistência jurídica pelas Universidades é permitida, mas se trata de matéria ligada à sua autonomia Vale ressaltar que o STF não proíbe o exercício do serviço de assistência jurídica gratuita aos necessitados por meio dos escritórios de prática jurídica, o que é uma realidade de relevante valor social. Ressalte-se, no entanto, que se trata de atividade desenvolvida pelos acadêmicos do Curso de Direito em decorrência do estágio curricular obrigatório, e, por isso, diz respeito à autonomia didático-científica da universidade, e não como imposição pelo Estado. Importante também esclarecer que não há impedimento que o Estado-Membro realize convênio com a universidade para viabilizar a prestação de serviço de assistência judiciária aos necessitados. O que não se pode é transferir o exercício prioritário dessa atividade à universidade.

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Inconstitucionalidade formal Além de tudo que já foi exposto, a norma impugnada contém vício de iniciativa (inconstitucionalidade formal), considerando que a iniciativa para propor leis que imponham atribuições para órgãos ou entidades públicas estaduais é privativa do Governador do Estado e, no caso, a lei foi proposta por um Deputado (iniciativa parlamentar). Houve, portanto, violação ao art. 61, § 1º, II, "c", da CF/88, aplicável ao âmbito estadual por força do princípio da simetria:

Art. 61 (...) § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: II - disponham sobre: c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

Em suma: É inconstitucional lei estadual que preveja que o escritório de prática jurídica da Universidade Estadual deverá manter plantão criminal para atender pessoas hipossuficientes que sejam presas em flagrante. Esta lei viola a autonomia administrativa, financeira, didática e científica assegurada às universidades no art. 207 da CF/88 (inconstitucionalidade material). Além disso, contém vício de iniciativa (inconstitucionalidade formal), na medida em que foi usurpada a iniciativa privativa do Governador. STF. Plenário. ADI 3792/RN, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

DIREITO CIVIL

FILIAÇÃO Direito de ter reconhecida a filiação biológica prevalece sobre a presunção legal de paternidade

O filho tem direito de ter reconhecida sua verdadeira filiação.

Assim, mesmo que ele tenha nascido durante a constância do casamento de sua mãe e de seu pai registrais, ele poderá ingressar com ação de investigação de paternidade contra o suposto pai biológico.

A presunção legal de que os filhos nascidos durante o casamento são filhos do marido não pode servir como obstáculo para impedir o indivíduo de buscar a sua verdadeira paternidade.

STF. Plenário. AR 1244 EI/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

Imagine a seguinte situação hipotética (diferente do caso concreto): João e Maria eram casados. Durante um desentendimento no matrimônio, Maria teve um rápido relacionamento extraconjugal com Pedro, ficando grávida dele. Maria e João se reconciliaram e ele, mesmo sabendo que não era o pai do bebê, decidiu registrá-lo como se fosse seu filho, sendo chamado de Vitor. Vitor foi criado normalmente como sendo filho de João. Ocorre que, 25 anos depois, Pedro, que se tornou um rico empresário, faleceu. Maria contou, então, a Vitor que o falecido era seu pai biológico. Diante dessa revelação, Vitor ajuizou ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança contra os herdeiros de Pedro. Na ação, pediu que fosse reconhecido como filho de Pedro e tivesse participação na herança do de cujus.

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Contestação Os herdeiros de Pedro alegaram que o Código Civil prevê que apenas João (o marido) poderia questionar o vínculo de filiação, conforme preconizado pelo art. 1.601:

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Assim, se o marido não questiona a filiação, deve-se presumir que os filhos nascidos durante o casamento são filhos do marido, nos termos do art. 1.597, I, do CC, que prevê a presunção de paternidade do marido (pater is est quem nuptiae demonstrant). Confira:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

Em suma, como o autor nasceu na constância do casamento, caberia privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos filhos nascidos de sua mulher. Essa tese defendida na contestação é aceita pela jurisprudência? NÃO. O filho tem direito de ter reconhecida sua verdadeira filiação. Assim, mesmo que ele tenha nascido durante a constância do casamento de sua mãe e de seu pai registrais, ele poderá ingressar com ação de investigação de paternidade contra o suposto pai biológico. A presunção legal de os filhos nascidos durante o casamento são filhos do marido não pode servir como obstáculo para impedir o indivíduo de buscar a sua verdadeira paternidade. STF. Plenário. AR 1244 EI/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840). Raciocinar em sentido diverso seria contrariar os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana e tornar o processo mero ato de força formalizado em palavras sem forma de Direito e sem objetivo de Justiça. Além disso, o fim de todos os procedimentos judiciais aos quais as partes se submetem é a realização da Justiça, razão pela qual o procedimento, mais do que ser legal, deve ser justo.

FILIAÇÃO Paternidade socioafetiva não exime de responsabilidade o pai biológico

Importante!!!

A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.

Ex: Lucas foi registrado e criado como filho por João; vários anos depois, Lucas descobre que seu pai biológico é Pedro; Lucas poderá buscar o reconhecimento da paternidade biológica de Pedro sem que tenha que perder a filiação socioafetiva que construiu com João; ele terá dois pais; será um caso de pluriparentalidade; o filho terá direitos decorrentes de ambos os vínculos, inclusive no campo sucessório.

STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840).

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NOÇÕES GERAIS SOBRE ADOÇÃO À BRASILEIRA

O que é a chamada “adoção à brasileira”? “Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade. Exemplo Carla tinha um namorado (Bruno), tendo ficado grávida desse rapaz. Ao contar a Bruno sobre a gravidez, este achou que era muito novo para ser pai e “sumiu”, não deixando paradeiro conhecido. Três meses depois, Carla decide se reconciliar com André, seu antigo noivo, que promete à amada que irá se casar com ela e “assumir” o nascituro. No dia em que nasce a criança, André vai até o registro civil de pessoas naturais e, de posse da DNV (declaração de nascido vivo) fornecida pela maternidade, declara que o menor recém-nascido (Vitor) é seu filho e de Carla, sendo o registro de nascimento lavrado nesses termos. Por que recebe esse nome? Essa prática é chamada pejorativamente de “adoção à brasileira” porque é uma espécie de “adoção” realizada sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o “jeitinho brasileiro”. Tecnicamente, contudo, não se trata de adoção, porque não segue o procedimento legal. Consiste, em verdade, em uma perfilhação simulada. A “adoção à brasileira” é permitida? NÃO. Formalmente, esta conduta é até mesmo prevista como crime pelo Código Penal:

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido Art. 242. Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena — reclusão, de dois a seis anos. Parágrafo único — Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena — detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Vale ressaltar, entretanto, que, na prática, dificilmente alguém é condenado ou recebe pena por conta desse delito. Isso porque, no caso concreto, poderá o juiz reconhecer a existência de erro de proibição ou, então, aplicar o perdão judicial previsto no parágrafo único do art. 242 do CP. É preciso, no entanto, que seja investigada a conduta porque, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode ela ter sido utilizada para a consecução de outros ilícitos, como o tráfico internacional de crianças. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CONTRA O PAI BIOLÓGICO SEM ANULAÇÃO DO REGISTRO NO QUAL CONSTA

OUTRO PAI

Voltando ao exemplo dado: Vitor foi criado e educado por André com todo amor e carinho e, perante a família e amigos, Vitor é conhecido como filho de André, sendo poucos os que sabem que não existe vínculo biológico entre eles. Quando o rapaz completou 18 anos, Carla decide contar a ele que André não é seu pai biológico, mas sim Bruno, narrando toda a história vivenciada. Vitor descobre no Facebook que Bruno, seu pai biológico, é um rico empresário, sendo possível observar pelas fotos postadas que ele passa férias em lugares incríveis ao redor do mundo. Enquanto isso, Vitor teve que trancar a faculdade que cursava por não conseguir pagar as mensalidades e, atualmente, trabalha como chapeiro em uma lanchonete do bairro. Vitor procura a Defensoria Pública, explica a situação, afirma que deseja ser reconhecido como filho de Bruno, ter todos os direitos inerentes a essa condição, mas, ao mesmo tempo, ama muito André e não quer deixar de ser seu filho.

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O Defensor Público ajuíza ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos contra Bruno pedindo que ele seja reconhecido como pai biológico de Vitor e que, ao mesmo tempo, André continue também figurando como pai do autor. Em suma, na certidão de nascimento de Vitor constariam dois pais: Bruno e André. Além disso, pede-se a fixação de alimentos a serem pagos por Bruno a fim de que Vitor consiga custear sua faculdade. O réu contestou a ação afirmando que o Direito brasileiro não admite a dupla filiação e que a paternidade socioafetiva deve prevalecer em detrimento da biológica. Assim, como o autor não deseja anular a filiação socioafetiva, não se deve reconhecer a filiação biológica. O pedido formulado pelo autor pode ser acolhido? É possível que o indivíduo busque ser reconhecido como filho biológico de determinado pai e, ao mesmo tempo, continue como filho socioafetivo de outro? É possível que uma pessoa tenha dois pais: um biológico e outro socioafetivo e receba de ambos os direitos relacionados a essa filiação? SIM. A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. STF. Plenário. RE 898060/SC, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21 e 22/09/2016 (Info 840). Dignidade da pessoa humana e proteção dos modelos de família diversos do tradicional A dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da CF/88, é classificada por alguns doutrinadores como sendo um "sobreprincípio", porque atua "sobre" outros princípios. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade. No campo do direito de família, a dignidade da pessoa humana confere ao indivíduo a possibilidade de que ele escolha o formato de família que ele quiser, de acordo com as suas relações afetivas interpessoais, mesmo que elas não estejam previstas em lei. Direito à busca da felicidade O chamado "direito à busca da felicidade" está estritamente ligado à dignidade da pessoa humana. Alguns dizem que ele deriva deste sobreprincípio e outros afirmam que ele é o próprio cerne (núcleo) da dignidade da pessoa humana. A origem histórica do direito à busca da felicidade está em 4 de julho de 1776, na Filadélfia, Pensilvânia, quando foi publicada a declaração de independência dos Estados Unidos da América. Em seu preâmbulo, o documento exibe a seguinte frase atribuída a Thomas Jefferson: “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.” O direito à busca da felicidade faz com que o indivíduo seja o centro do ordenamento jurídico-político que deverá reconhecer que ele tem a capacidade de autodeterminação, de autossuficiência e a liberdade de escolher seus próprios objetivos. O Estado deve atuar para garantir que essas capacidades próprias sejam respeitadas. O Min. Luiz Fux narra que a primeira vez em que a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a força normativa do direito à busca da felicidade foi no caso Meyer v. Nebraska, de 1923 (262 U.S. 390). Havia uma lei do Estado de Nebraska de 1919 que proibia as pessoas de estudaram idiomas estrangeiros. O objetivo da lei, denominada "Siman Act", era perseguir os imigrantes alemães por conta da 1ª guerra mundial. Um professor de alemão chamado Robert T. Meyer questionou a constitucionalidade da lei. A Suprema Corte acolheu o pedido e declarou a lei inconstitucional, afirmando que o direito à busca da felicidade seria uma norma constitucional implícita e que a lei seria inválida porque interferiu na vocação de professores, nas oportunidades dos alunos de adquirirem conhecimento e na prerrogativa dos pais de controlar a educação de seus descendentes. Segundo o Min. Fux, "a lição mais importante a ser extraída do caso é a de que sequer em tempos de guerra, excepcionais por natureza, poderá o indivíduo ser

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reduzido a mero instrumento de consecução da vontade dos governantes". Transportando-se para o Direito de Família, o direito à busca da felicidade funciona como um escudo do ser humano em face das tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. "É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaiate, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na roupa, e não no cliente." Dois exemplos de aplicação do direito à busca da felicidade pela Suprema Corte dos EUA em casos envolvendo direito de família: Loving v. Virginia, de 1967 (388 U.S. 1): uma mulher negra e um homem branco foram condenados a

um ano de prisão por terem se casado em descumprimento ao Racial Integrity Act, de 1924, lei que proibia casamentos entre pessoas de "raças diferentes". A Suprema Corte reverteu a condenação do casal adotando, dentre outros fundamentos, o de que o direito à liberdade de casamento é um dos direitos individuais vitais e essenciais para a busca ordenada da felicidade por homens livres;

Obergefell v. Hodges, de 2015: este foi o julgado por meio do qual a Suprema Corte dos EUA permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Fico decidido que a Constituição reconhece a possibilidade de casamento de casais homoafetivos porque o direito a casar é uma decorrência essencial do direito à busca da felicidade. “A Constituição promete liberdade a todos aqueles sob seu alcance, uma liberdade que inclui certos direitos específicos que permitem a pessoas, dentro de um âmbito legal, definir e expressar sua identidade” (trecho do voto do Justice Anthony Kennedy).

Alguns Ministros do STF, em seus votos, já invocaram o direito à busca da felicidade em temas de direito de família. Confira:

“O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma idéia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.” (RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011)

“Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual.” (ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011)

Em suma, tanto a dignidade humana como o direito à busca da felicidade asseguram que os indivíduos sejam senhores dos seus próprios destinos, condutas e modos de vida, sendo proibido que o Estado, seja por meio de seus governantes, seja por intermédio dos legisladores, imponha modelos obrigatórios de família. Deve-se garantir também que a pessoa seja feliz com suas escolhas existenciais. Isso inclui a proteção e o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional. Não há hierarquia entre a filiação biológica e a afetiva O Direito deve acolher tanto os vínculos de filiação originados da ascendência biológica (filiação biológica) como também aqueles construídos pela relação afetiva (filiação socioafetiva). Atualmente, não cabe estabelecer uma hierarquia entre a filiação afetiva e a biológica, devendo ser reconhecidos ambos os vínculos quando isso for o melhor para os interesses do descendente. Como afirma o Min. Fux:

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"Não cabe à lei agir como o Rei Salomão, na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário." Obs: vale ressaltar que a filiação socioafetiva independe da realização de registro, bastando a consolidação do vínculo afetivo entre as partes ao longo do tempo, como ocorre nos casos de posse do estado de filho. Assim, a "adoção à brasileira" é uma das formas de ocorrer a filiação socioafetiva, mas esta poderá se dar mesmo sem que o pai socioafetivo tenha registrado o filho. Pluriparentalidade O conceito de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado. Nos Estados Unidos, onde os Estados têm competência legislativa em matéria de Direito de Família, a Suprema Corte de Louisiana possui jurisprudência consolidada quanto ao reconhecimento da “dupla paternidade” (dual paternity). Essas decisões da Suprema Corte fizeram com que, em 2005, houvesse uma alteração no Código Civil estadual de Louisiana e passou-se a reconhecer expressamente a possibilidade de dupla paternidade. Com isso, Louisiana se tornou o primeiro Estado norte-americano a permitir legalmente que um filho tenha dois pais, atribuindo-se a ambos as obrigações inerentes à parentalidade. O fato de o legislador no Brasil não prever expressamente a possibilidade de uma pessoa possuir dois pais (um socioafetivo e outro biológico) não pode servir de escusa para se negar proteção a situações de pluriparentalidade. Esta posição, agora adotada pelo STF, já era reconhecida pela doutrina: “Não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (...)” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 6ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 370). Em suma, é juridicamente possível a cumulação de vínculos de filiação derivados da afetividade e da consanguinidade. Paternidade responsável Haveria uma afronta ao princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da CF/88) se fosse permitido que o pai biológico ficasse desobrigado de ser reconhecido como tal pelo simples fato de o filho já ter um pai socioafetivo. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos, não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes

da CF/88 e cuja lei posteriormente transformou o vínculo em estatutário

Tema polêmico!

Compete à Justiça do Trabalho julgar causa relacionada com depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso.

STF. Plenário. CC 7.950/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/09/2016 (Info 839).

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar demandas propostas contra órgãos da Administração Pública, por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes da CF/88, sob regime da CLT, com o objetivo de obter prestações de natureza trabalhista.

STF. Plenário. ARE 906491 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 01/10/2015 (repercussão geral).

Reconhecido que o vínculo atual entre o servidor e a Administração Pública é estatutário, compete à Justiça comum processar e julgar a causa.

É a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista.

STF. Plenário. Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

SITUAÇÃO 1

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 1982, João foi contratado pela Administração Pública estadual, sem concurso público, para atuar na função de auxiliar de serviços gerais de um órgão público. Vale ressaltar que João foi contratado para ocupar um emprego público, sendo seu vínculo jurídico celetista, ou seja, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nessa época, era permitida a vinculação de servidores à Administração Pública sob regime da CLT. Com o advento da Constituição Federal de 1988, João adquiriu estabilidade, nos termos do art. 19 do ADCT:

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Foi editada uma lei estadual transformando o emprego ocupado por João em cargo público, tendo seu regime jurídico mudado de celetista para estatutário. Logo em seguida, João percebeu que a Administração Pública não recolheu as parcelas do FGTS a que ele teria direito. Diante disso, ele procurou um advogado para ajuizar ação contra o Estado-membro pedindo o pagamento das parcelas do FGTS que não foram recolhidas. Surgiu, no entanto, uma dúvida quanto à competência: esta demanda deverá ser proposta na Justiça Estadual (pelo fato de atualmente ele ser servidor estatutário) ou na Justiça do Trabalho (em razão de a verba pleiteada ser trabalhista)? Justiça do Trabalho.

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Por que o STF decidiu assim? O art. 114, I, da CF/88 prevê o seguinte:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

O STF, ao analisar este dispositivo, decidiu que:

Regime celetista: Justiça do Trabalho Regime estatutário: Justiça comum

O art. 114, I, aplica-se apenas para as causas propostas por empregados públicos (regime celetista) contra a Administração Pública. A competência, neste caso, é da Justiça do Trabalho.

O art. 114, I, não se aplica para as causas propostas por servidores públicos estatutários contra a Administração Pública. Se envolver servidores estatutários, a competência não é da Justiça do Trabalho, mas sim da Justiça comum (estadual ou federal).

Veja a ementa do leading case:

(...) O disposto no art. 114, I, da Constituição da República, não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. STF. Plenário. ADI 3395 MC, Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 05/04/2006.

O STF também entende que a Justiça competente para julgar litígios envolvendo servidores temporários (art. 37, IX, da CF/88) e a Administração Pública é a JUSTIÇA COMUM (estadual ou federal). A competência NÃO é da Justiça do Trabalho, ainda que o autor da ação alegue que houve desvirtuamento do vínculo e mesmo que ele formule os seus pedidos baseados na CLT ou na lei do FGTS (STF. Plenário. Rcl 4351 MC-AgR/PE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, julgado em 11/11/2015. Info 807). Caso de João No caso de João, não se alega a existência de vínculo estatutário nem de trabalho temporário. Trata-se de contrato de trabalho celebrado em 1982, época na qual se admitia a vinculação de servidores à Administração Pública sob regime da CLT. A verba pleiteada é de natureza celetista e está relacionada com período anterior à CF/88, de empregado público que ingressou no serviço público sem concurso. Em tais situações, o STF possui diversos precedentes, inclusive um em sede de repercussão geral, afirmando que a competência é da Justiça do Trabalho, mesmo tendo havido alteração por meio de lei para o vínculo estatutário do servidor: Compete à Justiça do Trabalho julgar causa relacionada com depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso. STF. Plenário. CC 7.950/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/09/2016 (Info 839). Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar demandas propostas contra órgãos da Administração Pública, por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes da CF/88, sob regime da CLT, com o objetivo de obter prestações de natureza trabalhista. STF. Plenário. ARE 906491 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 01/10/2015 (repercussão geral).

O Supremo Tribunal Federal decidiu que os precedentes formados na ADI 3.395-MC não se aplicam ao julgamento de ação envolvendo direitos de servidor público contratado sem concurso, pelo regime celetista e anteriormente à atual Constituição. STF. 1ª Turma. Rcl 17654 ED, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 15/03/2016.

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(...) É pacífica a jurisprudência da Corte de que é da Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar o feito em que se discute o direito a verbas remuneratórias relativas ao período em que o servidor mantinha vínculo celetista com a Administração, antes, portanto, da transposição para o regime estatutário em decorrência do regime jurídico único. 2. No caso dos autos, não se discute a existência, a validade ou a eficácia das relações entre servidores e o poder público fundadas em vínculo jurídico-administrativo, mas tão somente o direito ou não da ora agravante ao ressarcimento de verbas pagas aos agravados à época em que esses eram regidos pelo regime celetista. (...) STF. 1ª Turma. RE 649995 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 21/10/2014.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. TRABALHISTA. SERVIDOR CELETISTA. CONTRATO DE TRABALHO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. INOCORRÊNCIA DE MUDANÇA AUTOMÁTICA PARA O REGIME ESTATUTÁRIO. DIREITO AO RECEBIMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA: ARE N. 906.491-RG. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO: SÚMULA N. 284 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. STF. 2ª Turma. ARE 913070 AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/11/2015.

TST O TST possui OJ sobre relativamente semelhante e que é importante conhecer. Confira:

OJ-SDI1-138 Compete à Justiça do Trabalho julgar pedidos de direitos e vantagens previstos na legislação trabalhista referente a período anterior à Lei nº 8.112/90, mesmo que a ação tenha sido ajuizada após a edição da referida lei. A superveniência de regime estatutário em substituição ao celetista, mesmo após a sentença, limita a execução ao período celetista.

Tudo parecia tranquilo e calmo, mas eis que, alguns dias, depois o STF profere uma decisão aparentemente contraditória com a sua jurisprudência e que será explicada na situação 2 logo abaixo: SITUAÇÃO 2

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 1982, Maria foi contratada pela Administração Pública estadual para um emprego público em regime celetista. Em 1990, foi editada uma lei estadual transformando o emprego ocupado por Maria em cargo público, tendo seu regime jurídico mudado de celetista para estatutário. Posteriormente, ela ajuizou ação na Justiça pedindo diferenças remuneratórias decorrentes de reajustes promovidos entre 1987 e 1988, período em que ainda era celetista. Quem será competente para julgar esta ação? Justiça Comum (estadual). Segundo decidiu o STF neste caso concreto: Reconhecido que o vínculo atual entre o servidor e a Administração Pública é estatutário, compete à Justiça comum processar e julgar a causa. É a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista. STF. Plenário. Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

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Se você perceber bem, esta conclusão da Rcl 8909 contraria os precedentes do STF listados na situação 1 e vai de encontro, inclusive, ao que a Corte decidiu no ARE 906491/RG. Por que houve essa contradição entre os julgados? Penso que isso ocorreu por duas razões: 1ª) a composição da Corte não estava completa; 2ª) o Min. Teori Zavascki entendeu que a verba pleiteada pela servidora era de caráter estatutário (e não celetista).

Composição O resultado da votação foi o seguinte:

Competência da Justiça comum: 5 votos Competência da Justiça do Trabalho: 4 votos

Min. Cármen Lúcia Min. Dias Toffoli Min. Teori Zavascki Min. Ricardo Lewandowski Min. Celso de Mello

Min. Marco Aurélio Min. Rosa Weber Min. Luiz Fux Min. Edson Fachin

Ausentes: Ministros Roberto Barroso e Gilmar Mendes. Percebam, portanto, que dois Ministros não participaram da votação e, se tivessem atuado, poderiam ter alterado o resultado do julgamento. Nesse sentido, vale destacar que o Min. Roberto Barroso geralmente tem uma preocupação muito grande em reafirmar os entendimentos da jurisprudência do STF, razão pela qual penso que reafirmaria o que foi decidido no ARE 906491/RG. Posição do Min. Teori Zavascki O Min. Teori Zavascki afirmou que a autora pediu verbas que eram próprias de servidor público estatutário, mesmo sendo referentes a um período em que ela ainda não era servidora estatutária (e sim empregada pública celetista). Diante disso, para o Ministro, nos termos em que a demanda foi proposta, a competência seria da Justiça comum e o juiz deveria julgar o pedido improcedente. No entanto, se o pedido da autora se referisse a verbas celetistas, o Min. Teori teria votado em sentido contrário, ou seja, em favor da competência da Justiça do Trabalho. Logo, o Min. Teori continua entendendo da mesma forma que ele decidiu no ARE 906491/RG. Posição para concursos O tema, como visto, está polêmico. Caso seja cobrado nas provas, penso que será exigida a redação literal daquilo que foi divulgado nos informativos ou nas ementas oficiais. Portanto, memorize essas duas conclusões que, se aparecerem nas provas, estarão corretas:

Compete à Justiça do Trabalho julgar causa relacionada com depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso. STF. Plenário. CC 7.950/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/09/2016 (Info 839).

Reconhecido o vínculo estatutário entre o servidor público e a Administração, compete à Justiça comum processar e julgar a causa. É a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista. STF. Plenário. Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

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COMPETÊNCIA Mandado de segurança contra decisões negativas do CNJ

Não cabe mandado de segurança contra ato de deliberação negativa do Conselho Nacional de Justiça, por não se tratar de ato que importe a substituição ou a revisão do ato praticado por outro órgão do Judiciário.

Assim, o STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, o Conselho não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF.

Em razão do exposto, não compete ao STF julgar MS impetrado contra decisão do CNJ que julgou improcedente pedido de cassação de um ato normativo editado por vara judicial.

STF. 2ª Turma. MS 33085/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

De quem é a competência para julgar mandados de segurança impetrados contra o CNJ e o CNMP? Do STF, nos termos do art. 102, I, “r”, da CF/88. Decisões “negativas” do CNJ ou CNMP Algumas vezes o interessado provoca o CNJ ou o CNMP pedindo a revisão disciplinar de algum ato administrativo praticado por membro do Judiciário ou do MP, mas tais Conselhos rejeitam o pedido e recusam-se a tomar qualquer providência no caso concreto porque alegam que: a) não têm competência para aquela situação; ou b) que o ato atacado não possui qualquer vício ou ilegalidade que mereça ser reparado.

Nessas hipóteses, dizemos que a decisão do CNJ ou CNMP foi “negativa” porque ela nada determina, nada aplica, nada ordena, nada invalida.

Nesses casos, a parte interessada poderá impetrar MS contra o CNJ/CNMP no STF? NÃO. O STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Se a parte impetrar MS neste caso, o STF não irá conhecer da ação. Segundo entende o STF, como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, ele não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF. Na deliberação negativa, o CNJ/CNMP não substitui nem desconstitui qualquer ato administrativo. Assim, se existe algum ato a ser atacado é o originário (e não o do Conselho).

Veja as seguintes ementas que bem explicam esse entendimento do STF:

(...) O pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça que consubstancie recusa de intervir em determinado procedimento, ou, então, que envolva mero reconhecimento de sua incompetência, ou, ainda, que nada determine, que nada imponha, que nada avoque, que nada aplique, que nada ordene, que nada invalide, que nada desconstitua, não faz instaurar, para efeito de controle jurisdicional, a competência originária do Supremo Tribunal Federal. — O Conselho Nacional de Justiça, em tais hipóteses, considerado o próprio conteúdo negativo de suas resoluções (que nada proveem), não supre, não substitui nem revê atos ou omissões eventualmente imputáveis a órgãos judiciários em geral, inviabilizando, desse modo, o acesso ao Supremo Tribunal Federal, que não pode converter-se em instância revisional ordinária dos atos e pronunciamentos administrativos emanados desse órgão de controle do Poder Judiciário. Precedentes. (...) (STF. 2ª Turma. MS 31453 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 28/10/2014).

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(...) A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que as deliberações negativas do Conselho Nacional de Justiça não estão sujeitas a revisão por meio de mandado de segurança impetrado diretamente no Supremo Tribunal Federal. (...) (STF. Plenário. MS 28202 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 24/03/2011).

Neste caso, o que a parte deverá fazer? A parte terá que impugnar na Justiça o ato originário que gerou seu pedido no CNJ/CNMP. Ex.: a parte ingressou com pedido de providência no CNMP contra ato administrativo praticado pelo Procurador-Geral de Justiça. O CNMP entendeu que não cabia sua intervenção no caso, julgando improcedente o pedido. O CNMP proferiu, portanto, uma decisão “negativa”. Contra este pronunciamento do CNMP não cabe MS. Somente restará à parte propor um MS contra o ato do Procurador-Geral de Justiça, ação esta que será de competência do TJ. Resumindo: Não cabe mandado de segurança contra ato de deliberação negativa do Conselho Nacional de Justiça, por não se tratar de ato que importe a substituição ou a revisão do ato praticado por outro órgão do Judiciário. Assim, o STF não tem competência para processar e julgar ações decorrentes de decisões negativas do CNMP e do CNJ. Como o conteúdo da decisão do CNJ/CNMP foi “negativo”, o Conselho não decidiu nada. Se não decidiu nada, não praticou nenhum ato. Se não praticou nenhum ato, não existe ato do CNJ/CNMP a ser atacado no STF. Em razão do exposto, não compete ao STF julgar MS impetrado contra decisão do CNJ que julgou improcedente pedido de cassação de um ato normativo editado por vara judicial. STF. 2ª Turma. MS 33085/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

DIREITO PENAL / PROCESSUAL PENAL MILITAR

COMPETÊNCIA Crime praticado por militar da ativa contra militar na mesma situação

durante atividade militar no interior da caserna

Compete à Justiça Militar julgar crime cujo autor e vítima sejam militares, desde que ambos estejam em serviço e em local sujeito à administração militar.

O mero fato de a vítima e de o agressor serem militares não faz com que a competência seja obrigatoriamente da Justiça Militar. O cometimento de delito por militar contra vítima militar somente será de competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto com o desempenho da atividade militar.

STF. 1ª Turma. HC 135019/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

Competências da Justiça Militar Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88). A lei que prevê os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969).

No art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares, em tempo de paz.

No art. 10 do CPM são definidos os crimes militares em tempo de guerra.

Assim, para verificar se o fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto, de competência da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses previstas nos arts. 9º e 10 do CPM.

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Situação 1. Durante uma festa depois do serviço, João, soldado do Exército, subtraiu R$ 300,00 de Pedro, também soldado, dinheiro que estava na carteira da vítima. Este crime será de competência da Justiça Militar? NÃO. O mero fato de a vítima e de o agressor serem militares não faz com que a competência seja obrigatoriamente da Justiça Militar. A Justiça Militar não é competente para julgar crimes praticados por militares, mas sim para julgar "crimes militares". Crime praticado por militar não é o mesmo que crime militar. Embora o agente e a vítima ostentem a condição de militares, o crime não foi praticado em lugar sujeito à administração militar nem durante o horário de expediente e não há qualquer elemento que comprove a intenção de praticar delito contra a instituição militar. A única circunstância de conexão militar do episódio é a qualidade do réu e da vítima, o que se revela insuficiente para que a competência seja da Justiça Militar.

(...) A orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a condição de militar da vítima e do agressor não é suficiente para atrair a competência da Justiça Militar. (...) STF. 1ª Turma. HC 122302, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/05/2014.

Situação 2. Durante o serviço no quartel, João, soldado do Exército, subtraiu R$ 300,00 de Pedro, também soldado, dinheiro que estava no armário da vítima. Este crime será de competência da Justiça Militar? SIM. Neste caso, o crime foi praticado por militar contra outro militar, estando ambos em serviço e dentro de local sujeito à administração militar. Além disso, o crime de furto, embora crime militar impróprio, atinge não só o patrimônio material da vítima, mas vulnera, sobretudo, a disciplina militar, traduzida na rigorosa observância e no acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar (STF. 2ª Turma. HC 122.537/RJ, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe 29.10.2014). Em suma: Compete à Justiça Militar julgar crime cujo autor e vítima sejam militares, desde que ambos estejam em serviço e em local sujeito à administração militar. O mero fato de a vítima e de o agressor serem militares não faz com que a competência seja obrigatoriamente da Justiça Militar. O cometimento de delito por militar contra vítima militar somente será de competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto com o desempenho da atividade militar. STF. 1ª Turma. HC 135019/SP, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 20/09/2016 (Info 840).

DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

COMPETÊNCIA Ação proposta contra a Administração Pública por servidor que ingressou como celetista antes

da CF/88 e cuja lei posteriormente transformou o vínculo em estatutário

Compete à Justiça do Trabalho julgar causa relacionada com depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso.

STF. Plenário. CC 7.950/RN, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/09/2016 (Info 839).

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Informativo 840-STF (03/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 19

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar demandas propostas contra órgãos da Administração Pública, por servidores que ingressaram em seus quadros, sem concurso público, antes da CF/88, sob regime da CLT, com o objetivo de obter prestações de natureza trabalhista.

STF. Plenário. ARE 906491 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 01/10/2015 (repercussão geral).

Reconhecido que o vínculo atual entre o servidor e a Administração Pública é estatutário, compete à Justiça comum processar e julgar a causa.

É a natureza jurídica do vínculo existente entre o trabalhador e o Poder Público, vigente ao tempo da propositura da ação, que define a competência jurisdicional para a solução da controvérsia, independentemente de o direito pleiteado ter se originado no período celetista.

STF. Plenário. Rcl 8909 AgR/MG, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/09/2016 (Info 840).

Veja comentários em Direito Processual Civil.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) (Promotor MP/AL 2012 FCC) O regime jurídico das empresas públicas que executam atividade de

natureza econômica em sentido estrito admite a estabilidade excepcional de seus empregados, nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. ( )

2) A jurisprudência do STF tem considerado inconstitucionais normas estaduais que ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço público já estabelecida no ADCT Federal ( )

3) Lei estadual poderá instituir plantão criminal nos finais de semana e feriados para atendimento a pessoas carentes a ser exercido pelo escritório de prática jurídica da Universidade Estadual. ( )

4) A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. ( )

5) O pronunciamento do Conselho Nacional de Justiça que consubstancie recusa de intervir em determinado procedimento não faz instaurar, para efeito de controle jurisdicional, a competência originária do Supremo Tribunal Federal. ( )

6) Compete à Justiça Militar julgar crime cujo autor e vítima sejam militares. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. C 5. C 6. E

OUTRAS INFORMAÇÕES

R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 19 a 23 de setembro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL NO ARE N. 957.842-AL

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA (IRPJ) E

CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL). BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DOS CRÉDITOS ESCRITURAIS DA CONTRIBUIÇÃO AO PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL (PIS) E DA CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA

SEGURIDADE SOCIAL (COFINS). MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

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Informativo 840-STF (03/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 20

1. Possui natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à inclusão, na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, dos créditos escriturais apurados no

regime não cumulativo da contribuição ao PIS e da COFINS.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).

3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL NO RE N. 765.320-MS RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO POR TEMPO DETERMINADO PARA

ATENDIMENTO DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. REQUISITOS DE VALIDADE (RE

658.026, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE DE 31/10/2014, TEMA 612). DESCUMPRIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS REFERENTES AO PERÍODO TRABALHADO E, NOS TERMOS DO ART. 19-A DA LEI 8.036/1990, AO

LEVANTAMENTO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO – FGTS.

1. Reafirma-se, para fins de repercussão geral, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do art. 37, IX, da

Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos

salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do art. 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia

do Tempo de Serviço – FGTS.

2. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre

a matéria.

REPERCUSSÃO GERAL NO ARE 723.307-PB

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Constitucional e Previdenciário. 2. Execução contra a Fazenda Pública. Obrigação de fazer. Fracionamento da execução para que uma parte seja paga

antes do trânsito em julgado, por meio de Complemento Positivo, e outra depois do trânsito, mediante Precatório ou RPV. Impossibilidade. 3. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. 4. Reafirmação de jurisprudência. Precedentes. 5. Conhecimento do agravo e provimento do

recurso extraordinário para afastar o fracionamento da execução.

Decisões Publicadas: 3

C L I P P I N G D O D JE 19 a 23 de setembro de 2016

AG.REG. NA PET N. 6.164-DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. COLABORAÇÃO PREMIADA. PEDIDO DE ACESSO AO CONTEÚDO DE DEPOIMENTOS COLHIDOS. DECLARAÇÕES RESGUARDADAS PELO SIGILO NOS TERMOS DA LEI 12.850/2013.

1. O conteúdo dos depoimentos prestados em regime de colaboração premiada está sujeito a regime de sigilo, nos termos da Lei 12.850/2013, que

visa, segundo a lei de regência, a dois objetivos básicos: (a) preservar os direitos assegurados ao colaborador, dentre os quais o de “ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados” (art. 5º, II) e o de “não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação,

nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito” (art. 5º, V, da Lei 12.850/2013); e (b) “garantir o êxito das investigações”

(arts. 7º, § 2º). 2. O sigilo perdura, em princípio, enquanto não “(…) recebida a denúncia” (art. 7º, § 3º) e especialmente no período anterior à formal instauração de

inquérito. Entretanto, instaurado formalmente o inquérito propriamente dito, o acordo de colaboração e os correspondentes depoimentos permanecem

sob sigilo, mas com a ressalva do art. 7º, § 2º da Lei 12.850/2013, a saber: “o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos

elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às

diligências em andamento” (Rcl 22009-AgR, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe de 12.5.2016). 3. Assegurado o acesso do investigado aos elementos de prova carreados na fase de inquérito, o regime de sigilo consagrado na Lei 12.850/2013

guarda perfeita compatibilidade com a Súmula Vinculante 14, que garante ao defensor legalmente constituído “o direito de pleno acesso ao inquérito

(parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em

curso de execução e, por isso mesmo, não documentados no próprio inquérito ou processo judicial” (HC 93.767, Relator(a): Min. CELSO DE

MELLO, Segunda Turma, DJe de 1º.4.2014). 4. É certo, portanto, que a simples especulação jornalística a respeito da existência de acordo de colaboração premiada ou da sua homologação

judicial ou de declarações que teriam sido prestadas pelo colaborador não é causa juridicamente suficiente para a quebra do regime de sigilo,

sobretudo porque poderia comprometer a investigação. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

ACO N. 924-PR

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: CONSTITUCIONAL. CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE MINISTÉRIOS PÚBLICOS. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER A TUTELA

COLETIVA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DOTADOS DE RELEVÂNCIA SOCIAL. POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO PARQUET EM FAVOR DE MUTUÁRIOS EM CONTRATOS DE FINANCIAMENTO PELO SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO.

QUESTÃO PRELIMINAR. ALCANCE DO ARTIGO 102, INCISO I, ALÍNEA F DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DISPOSITIVO

DIRECIONADO PARA ATRIBUIR COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA AO STF EM CASOS DE CONFLITO FEDERATIVO. REVISITAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA ASSENTADA PELA CORTE (ACO 1.109/SP E PET 3.528/BA). MERO CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES QUANTO À

ATUAÇÃO ENTRE DIFERENTES ÓRGÃOS MINISTERIAIS DA FEDERAÇÃO. SITUAÇÃO INSTITUCIONAL E NORMATIVA INCAPAZ

DE COMPROMETER O PACTO FEDERATIVO AFASTA A REGRA QUE ATRIBUI COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA AO STF. NÃO CONHECIMENTO DA AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA E REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (PGR) –

(PRECEDENTE FIXADO PELA ACO 1.394/RN).

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Informativo 840-STF (03/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 21

1. In casu: (i) cuida-se de conflito negativo de atribuições entre diferentes órgãos do ministério público para se definir a legitimidade para a

instauração de Inquérito Civil em investigação de possível superfaturamento na construção de conjuntos habitacionais no Município de

Umuarama/PR; e (ii) há suspeita de que construtoras obtiveram, por intermédio da Caixa Econômica Federal, verbas do Sistema Financeiro de Habitação, em valor superior ao necessário para a construção dos conjuntos habitacionais, excesso esse que teria sido repassado aos mutuários da

CEF.

2. Em sede preliminar, o tema enseja revisitação da jurisprudência assentada por esta Corte (ACO 1.109/SP e, especificamente, PET 3.528/BA), para não conhecer da presente Ação Cível Originária (ACO). Nesses precedentes, firmou-se o entendimento no sentido de que simples existência de

conflito de atribuições entre Ministérios Públicos vinculados a entes federativos diversos não é apta, per si, para promover a configuração de típico

conflito federativo, nos termos da alínea f do Inciso I do art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988). O caso dos autos remete, consectariamente, a mero conflito de atribuições entre órgãos ministeriais vinculados a diferentes entes federativos.

3. Em conclusão, essa situação institucional e normativa é incapaz de comprometer o pacto federativo e, por essa razão, afasta a regra que, em tese,

atribui competência originária ao STF. Ademais, em consonância com o entendimento firmado por este Tribunal no julgamento da ACO 1.394/RN, o caso é de não conhecimento da ação cível originária, com a respectiva remessa dos autos ao Procurador-Geral da República para a oportuna resolução

do conflito de atribuições.

*noticiado no Informativo 707

AG. REG. NO MS N. 26.125-DF

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. URP. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE

DECISÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE ESPECÍFICO DO PLENÁRIO PARA SITUAÇÃO IDÊNTICA. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA.

1. Quando do julgamento do MS 25.430, o Supremo Tribunal Federal assentou, por 10 votos a 1, que as verbas recebidas em virtude de liminar

deferida por este Tribunal não terão que ser devolvidas por ocasião do julgamento final do mandado de segurança, em função dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica e tendo em conta expressiva mudança de jurisprudência relativamente à eventual ofensa à coisa julgada de parcela

vencimental incorporada à remuneração por força de decisão judicial. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

ADI N. 4.509-PA

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DELIBERAÇÃO SOBRE PARCELA REMUNERATÓRIA POR

CONVOCAÇÃO PARA SESSÃO LEGISLATIVA EXTRAORDINÁRIA. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 47/2010 DA CONSTITUIÇÃO DO PARÁ. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL: ART. 57, § 7º, C/C ART. 27, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. A remissão expressa do art. 27, § 2º, da Constituição da República ao seu art. 57, § 7º, estende aos deputados estaduais a proibição de percepção de

qualquer parcela indenizatória por convocação extraordinária. 2. Confirmação da medida cautelar deferida à unanimidade.

3. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 47/2010 da Constituição do Pará.

*noticiado no Informativo 622

HC N. 130.502-RJ

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

PRESO – SAÍDAS TEMPORÁRIAS – CRIVO. Uma vez observada a forma alusiva à saída temporária – gênero –, manifestando-se os órgãos técnicos, o Ministério Público e o Juízo da Vara de Execuções, as subsequentes mostram-se consectário legal, descabendo a burocratização a ponto

de, a cada uma delas, ter-se que formalizar novo processo. A primeira decisão, não vindo o preso a cometer falta grave, respalda as saídas posteriores.

Interpretação teleológica da ordem jurídica em vigor consentânea com a organicidade do Direito e, mais do que isso, com princípio básico da República, a direcionar à preservação da dignidade do homem.

*noticiado no Informativo 831

Acórdãos Publicados: 381

TRANSCRIÇÕES

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais

aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham

despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

OAB e competência jurisdicional

(v. Informativo 837)

RE 595.332/PR*

RELATOR: Ministro Marco Aurélio

EMENTA: COMPETÊNCIA – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – ANUIDADES. Ante a natureza jurídica de autarquia corporativista, cumpre à Justiça Federal, a teor do disposto no artigo 109, inciso I, da Carta da República, processar e julgar ações em que

figure na relação processual quer o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, quer seccional.

Relatório: Adoto, como relatório, as informações prestadas pelo assessor Dr. Alexandre Freire:

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, no julgamento do agravo de instrumento nº 2008.04.00.003786-1/PR, caber à Justiça estadual processar execuções ajuizadas pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB contra inscritos inadimplentes quanto ao

pagamento das anuidades. Consignou que, consoante dispõe a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), a anuidade

devida à Ordem constitui título executivo extrajudicial e a cobrança submete-se ao regime do Código de Processo Civil. Ressaltou o caráter

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Informativo 840-STF (03/10/2016) – Esquematizado por Márcio André Lopes Cavalcante | 22

nacional da advocacia como função essencial à Justiça. Citou o entendimento assentado pelo Supremo a respeito da dimensão nacional do

Poder Judiciário. Afastou possível analogia com as ações de mandado de segurança. Destacou que a competência da Justiça Federal é atraída,

tão somente, caso o Conselho Federal da Ordem dos Advogados figure como autoridade coatora.

O acórdão impugnado encontra-se assim ementado:

EXECUÇÃO FISCAL DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. OAB. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. Se a profissão da advocacia é função essencial à justiça, conforme o art. 133 da Constituição, ela o é a todas as espécies da Justiça

brasileira – estadual, do trabalho, federal, militar. Recorde-se que o STF, recentemente, ressaltou o caráter nacional do Poder Judiciário, de que

as distintas justiças era, em realidade, repartições de competência para melhorar a apreciação dos feitos. Ademais, tal serviço fiscalizatório, essencial à manutenção de uma democracia, e mais essencial à manutenção de um dos Poderes da República – o Judiciário – ele o é nas esferas

da autonomia dos Estados-membros, tanto que a fiscalização, a ordenação dos inscritos e a cobrança das anuidades se fazem no âmbito

estadual. A esfera, pois, de competência de tais feitos é, nos termos da Constituição Federal, da Justiça Estadual.

Os embargos de declaração interpostos foram desprovidos.

No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, a recorrente aponta ofensa ao artigo 109, inciso I,

da Carta Federal. Consoante argui nas razões recursais, afirma ser a Ordem dos Advogados do Brasil prestadora de serviço público federal,

especializado e permanente, mostrando-se impossível qualificá-la como entidade de direito privado. Requer a admissão e provimento do extraordinário, para assentar-se que cumpre à Justiça Federal processar e julgar a ação de execução de título extrajudicial.

Sob o ângulo da repercussão geral, anota que o pressuposto de admissibilidade revela-se no fato de o acórdão recorrido contrariar a

jurisprudência deste Tribunal. Sustenta haver relevância política, social e jurídica, pois a matéria atinente às contribuições e anuidades devidas pelos

inscritos a entidade de classe repercute em toda a categoria profissional.

Não houve apresentação de contrarrazões.

Em 18 de março de 2010, o Supremo concluiu pela repercussão geral do tema, sob os seguintes fundamentos:

COMPETÊNCIA – ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – JUSTIÇA FEDERAL VERSUS ESTADUAL – REPERCUSSÃO GERAL. Surge com repercussão geral a discussão de tema alusivo à competência para julgar ação em que envolvida a Ordem dos Advogados

do Brasil.

O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do recurso, ante a inexistência de pressuposto de de desenvolvimento válido

e regular do processo, porquanto não houve a devida sucessão processual após o falecimento do executado.

Admitiu-se a participação, como terceiro, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

É o relatório.

Voto: Na interposição deste recurso, atendeu-se aos pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por profissional da advocacia credenciado mediante a procuração de folha 59, foi protocolada no prazo legal. Disponibilizado o acórdão atacado em 20 de maio de 2008 (terça-

feira), foi publicado no dia 4 de junho seguinte. Formalizou-se o extraordinário no dia 12 imediato (quinta-feira). Conheço.

O não conhecimento suscitado pela Procuradoria-Geral da República não procede. Até aqui, tem-se acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no qual confirmada a sentença que implicou o deslocamento do processo para a Justiça comum. A questão atinente ao óbito do recorrido –

possível sucessão – não foi analisada pelo Juízo. Há o interesse jurídico do recorrente na continuidade do julgamento do processo, mostrando-se

necessário elucidar-se a competência para apreciá-lo.

A Ordem dos Advogados do Brasil, quer sob o ângulo do Conselho Federal, quer das seccionais, não é associação, pessoa jurídica de direito privado, em relação à qual é vedada a interferência estatal no funcionamento – inciso XVIII do artigo 5º da Carta da República. Consubstancia órgão

de classe, com disciplina legal – Lei nº 8.906/1994 –, cabendo-lhe impor contribuição anual e exercer atividade fiscalizadora e censória. É, por isso

mesmo, autarquia corporativista, o que atrai, a teor do artigo 109, inciso I, do Diploma Maior, a competência da Justiça Federal para exame de ações – seja qual for a natureza – nas quais integre a relação processual. Surge impróprio estabelecer distinção considerados os demais conselhos existentes.

Provejo o recurso interposto para assentar a competência da Justiça Federal, devendo o processo retornar à Quinta Vara Federal de Curitiba

para que enfrente, inclusive, a problemática alusiva ao falecimento do recorrido, analisando possível habilitação de sucessores.

Eis a tese deste voto:

Compete à Justiça Federal processar e julgar ações em que a Ordem dos Advogados do Brasil, quer mediante o Conselho Federal, quer

seccional, figure na relação processual.

É como voto. * acórdão pendente de publicação

Secretaria de Documentação – SDO Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

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