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Nara Carvalho

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O SACI DE PARAITINGA: Histórias e causos do personagem mais

conhecido do Brasil

Nara Carvalho

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NARA LÚCIA CARVALHO SILVA

O SACI DE PARAITINGA: HISTÓRIAS E CAUSOS DO PERSONAGEM MAIS

CONHECIDO DO BRASIL

UNIVERSIDADE DE TAUBATÉTAUBATÉ – SP

2016

Projeto Experimental de caráter profissional, elaborado como Trabalho de Graduação (TG), requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo, sob orientação do Prof. Dr. Robson Bastos da Silva.

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Ficha catalográfica elaborada pelo SIBi – Sistema Integrado de Bibliotecas / UNITAU

S586s Silva, Nara Lúcia Carvalho O saci de Paraitinga: histórias e causos do personagem mais conhecido do Brasil. / Nara Lúcia Carvalho Silva. / - 2016. 120 f.: il. Projeto Experimental (Graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo) – Universidade de Taubaté, Departamento de Comunicação Social, 2016. Orientação: Prof. Dr. Robson Bastos da Silva, Departamento de Comunicação Social. 1. Saci. 2. Folclore. 3. Livro Reportagem. 4. São Luiz do Paraitinga. 5. Cultura. II. Título.

AutorNara Carvalho

OrientaçãoRobson Bastos

RevisãoFagner Pavanetti

Produção Gráfica e DiagramaçãoWillian Amaral - Mercurio Comunicação e Marketing

CapaGuilherme Salles

ImpressãoTachion Gráfica Digital

"As coisas que não existem são as mais bonitas"

- Manoel de Barros

"A natureza só permite aos gênios uma filha: sua obra"

- Monteiro Lobato

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Primeiramente, eu gostaria de agradecer a Deus por ter me dado forças, durante esses quatro anos de faculda-de, para enfrentar os desafios que surgiram e para nun-

ca desistir daquilo que eu sempre almejava. Mesmo não estando presente fisicamente, agradeço a meu pai, que faleceu há sete anos e não pode acompanhar de perto a minha vida acadêmica na faculdade, mas que eu sei que sempre olhou por mim. Não poderia deixar de agradecer à minha mãe, que, mesmo com as dificuldades, me ajudou a estar na faculdade. Ela é uma pessoa que foi pai e mãe ao mesmo tempo e devo muito a ela por isso tudo.

Não posso deixar de agradecer aos amigos que fiz durante a faculdade. Cada trabalho, cada dica, cada conselho e cada mo-mento vividos juntos foram marcantes em minha vida. Claudia, Nayara, Nátalie, Viviane, Renato e Sávio foram uma família cons-truída nesse momento de vida universitária.

Não poderia deixar de lado o jornalista-publicitário Willian Amaral que com suas ideias fez com que esse projeto ganhasse vida. Pensar fora da casinha fez com que esse livro ficasse ainda mais mágico.

E, por último, faço um agradecimento especial aos professo-res, que nos mostraram as maravilhas e também as dificuldades da vida de um jornalista. Com a experiência de mundo e profis-sional nos revelaram que é uma profissão difícil, mas também é prazerosa. Agradeço em especial ao meu orientador Prof. Rob-son Bastos, pelo apoio que me deu em relação a este trabalho. Nos momentos em que eu acreditava que não iria conseguir fa-zer, ele me dava forças para não desistir e ir em frente, que no final tudo daria certo.

Obrigada.

Agradecimentos

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Sumário

Introdução 14

1 - O nascimento 17Monteiro Lobato: um “saciólogo” 20História 22Saci: um ser bom ou mau? 26As lendas: uma visão antropológica 28O Saci longe de terras luizenes 30

2 - Os sacis 33Como caçar um saci? 42Afinal, quantos sacis existem? 43Ligação da personagem com o número 7 44O Saci ligado a questões locais 45Cordel “O Saci e o eucalipto” 47

3 - A lesgislação 57O Saci chega a Assembleia Legislativa 65O Saci em Brasília 66

4 - Sosaci 71Botucatu 75Manifestos e Estatutos 77

5 - Educação 91Educação infantil 102Plano de Educação 106

6 - Festividades 113Carnaval e Futebol 115Hino do Sport Saci 117Festa do Saci 120Opinião sobre a festa 124Pesquisa de Opinião 126

7 - A brasilidade de um ser 131

8 - Causos 141

Considerações Finais 150

Referências 152

Sobre a autora 157

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Dia 31 de outubro é dia de Saci, sim, senhor.

São Luiz do Paraitinga é um lugar mágico: a cida-de é conhecida pelos mais variados aspectos. Na saúde, o mais importante médico sanitarista do

país, Oswaldo Cruz, que sozinho conseguiu combater o mosquito da febre amarela. Pouco viveu em Paraitinga, mas todos sabem de sua importância para a cidade e para o país. Na música, podemos citar Elpídio dos Santos. É difícil encontrar alguém que não conheça suas músicas, essas que foram trilhas dos filmes de Amácio Mazzaropi. No campo da geografia, destaca-se Aziz Ab’saber, um lui-zense com um nome incomum para uma cidade de tan-tas Marias, Josés, Beneditos. O geógrafo é fruto da união de um libanês com uma brasileira. Com todo seu conhe-cimento, estudava os impactos das atividades humanas na natureza. A cidade também é conhecida pelas inúme-ras festas: um calendário de festividades, que acontecem durante todo o ano, sejam as mais conhecidas, como o tradicional Carnaval de marchinhas e a Festa do Divino Espírito Santo, que além de toda a parte religiosa, com as novenas e a procissão no último dia da festa, conta com apresentações culturais, como o jongo, congadas e moçambiques e a distribuição da tradicional refeição conhecida como afogado, feita com macarrão, carnes e batatas; como as de menor expressão midiática, como o

Arraiá do Chi Pul Pul. O nome do evento é uma reprodução do som do foguete de vara e resgata a tradicional festa juni-na do município. Na temporada de Inverno, “Um Friuzinho Esquentadô”, que conta com apresentações musicais. Fato é que quem visita São Luiz do Paraitinga sai da cidade com um sorriso no rosto e a recordação dos momentos de alegria e acolhimento.

Nesse cenário todo, uma personalidade peculiar ganhou destaque há alguns anos. O Saci, personagem de uma per-na só que é nacionalmente conhecido no Brasil, se sente em casa no território luizense. Ele é tão bem tratado que o muni-cípio criou uma lei definindo o dia 31 de outubro como o “dia do Saci”. Essa data foi escolhida em contraposição a da festa norte-americana que é comemorada no mesmo dia, chamada Halloween. Os vereadores que criaram esta lei tinham como justificativa a valorização da cultura brasileira, que é tão rica em seus personagens e contos folclóricos. O que ocorre nes-se caso não é uma desvalorização da tradicional festa de dia das bruxas da cultura estadunidense, mas sim um resgate das histórias antigas que nossos avôs contavam para nossos pais quando estes eram crianças. E quem achar que isso por si só não é algo relevante, cuidado! Se sua comida estragar ou se al-gum objeto seu desaparecer, é obra dele. E sabe-se lá quando ele irá devolver o seu pertence.

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CAPÍTULOO nascimento

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1918

O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

A cidade de São Luiz do Paraitinga, localizada a 180 km de São Pau-lo, é uma das principais cidades do Vale do Paraíba – não pelo seu desenvolvimento econômico e nem pelas suas tecnologias,

mas sim pela sua contribuição cultural. No ano de 2002, tornou-se uma das principais estâncias turísticas do estado de São Paulo. Para que uma cidade receba este título, uma lei deve ser aprovada, e, para entrar nessa categoria, o município precisa ter tradições culturais, patrimônios históricos, artesa-natos, lindas paisagens, centros de cultura e lazer, além de bons serviços de gastronomia. Devido aos seus casarões antigos, em estilo colonial da época dos barões de café, São Luiz do Paraitinga foi tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT), ór-gão de proteção e defesa de patrimônios do estado, e, após a enchente que assolou a cidade no ano de 2010, foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

O nome São Luiz do Paraitinga se deve ao fato de o padroeiro do municí-pio ser São Luis, o bispo de Tolosa. Já a palavra paraitinga é de origem tupi--guarani e significa águas claras. Até chegar ao popular nome conhecido, o município teve outros nomes, mas isso há muitos séculos. No ano de 1769, quando o sargento mor Manoel Antonio de Carvalho fundou a vila, ela se chamou São Luís e Santo Antonio do Paraitinga. Após uma lei provincial em

Monteiro LobatoEm sua obra sobre o Saci para os adultos era um ser que praticava maldades para as pessoas, já para as crianças um garoto gostava de fazer suas brincadeiras.

Créditos: Arquivo histórico Sítio do Pica-pau Amarelo

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

1857, em que deixou de ser denominada vila para se tornar cidade, passou a ser Imperial Cidade de São Luiz do Paraitinga.

Muitos personagens, com o decorrer dos anos, fizeram com que a cidade se tornasse nacionalmente conhecida. Os mais famosos quase todos sabem quem são: Oswaldo Cruz, Elpídio dos Santos, Aziz Ab’Saber. Porém, de 2002 para cá, um personagem que é presença forte no imaginário dos brasileiros passou a ser figura carimbada nas terras luizenses. Estamos falando do Saci, o famoso negri-nho de uma perna só, que faz parte do nosso folclore. Ele também fez com que São Luiz fosse o centro do noticiário brasileiro. Motivo? Uma lei que criou seu dia. Mas isso é assunto para outro capítulo. Respeitável público do sertão das cotias: a partir de agora a relação dessa lenda com o município será explicada – mas primeiro, devemos conhecer melhor esse personagem.

Monteiro Lobato: um “saciólogo”

Muitos acreditam que o criador do Sítio do Picapau Amarelo é, na ver-dade, o inventor do Saci. Porém, para os estudiosos da cultura (como fol-cloristas, antropólogos e sociólogos, entre outros) essa afirmativa não é verdadeira. Lobato nasceu numa época em que o Brasil ainda era um país escravocrata, utilizando mão de obra negra para todo o tipo de trabalhos manuais. Como era ‘tradição’, as amas negras contavam histórias para os filhos de seus senhores. Acredita-se que foi por intermédio desse contato com as escravas que o escritor taubateano, foi inserido no universo dessa personagem. Assim, quando adulto, Monteiro Lobato resolve dar um des-taque maior para a lenda. Solange Barbosa, coordenadora do Centro Cultu-ral Afrobrasileiro e Biblioteca Zumbi dos Palmaress, localizado na cidade de Taubaté, sintetiza bem essa relação do Saci com o jornalista.

— Ele é uma pessoa que nasce antes da abolição, ele nasce seis anos antes da abolição da escravatura; a convivência, a primeira infância dele, é com as negras. A própria história dele, da criação do Pedrinho, o Saci e o Tio Barnabé fazem parte desse momento da infância em que ele conta que tinha um pajem e esse pajem é que fala sobre os segredos da mata. Então insere o saci. A primeira infância dele é forjada pelas amas negras, pelas

suas histórias. E, depois, ele já erudito, já adulto, ele retoma isso. Essa fase erudita citada por Solange se refere à fase em que o taubateano

já possuía certa idade e já era nacionalmente conhecido como escritor e jor-nalista. Quando o livro jornalístico “O Saci Pererê: Resultado de um Inqué-rito” foi lançado, em 1918, o jornalista optou apenas por usar suas iniciais M.L. Isso tem uma razão especial: como esse tipo de material não era de sua autoria, e sim de terceiros, ele preferiu omitir seu nome e fazer o uso de ini-ciais. “O Inquérito” é um conjunto de contos enviados pelas pessoas para o jornal “O Estado de S. Paulo (Estadão)”, em que as pessoas retratavam suas histórias sobre o personagem. Muitos desses contos abordam as diferentes características que a lenda abrange, as travessuras e as peças que ele pregava.

Monteiro Lobato utilizou desa lenda para valorizar a cultura nacional. No período que antecede o livro sobre o Saci, era muito grande no Brasil a influ-ência da cultura estrangeira. Se hoje, para nós, é a cultura norte-americana que tem um destaque muito grande, no início do século passado, Paris era tida como exemplo. Isso acabou se tornando motivo de preocupação para Lobato. E, como era colaborador do Estadão, usava de sua influência como comunicólogo para criticar a valorização do estrangeiro e a desvalorização do nacional.

Se por um lado o que vinha de fora era muito valorizado, as notícias do estrangeiro não eram das melhores. No mesmo período, entre 1917, quan-do Lobato começa sua pesquisa sobre o Saci, e 1918, quando oficialmen-te “O Saci Pererê: Resultado de um Inquérito” é lançado, o mundo vivia as consequências das destruições e barbaridades experimentadas durante a 1ª Guerra Mundial. Por isso, logo no início do livro, Monteiro Lobato (2008) cita que o personagem veio para mudar o foco da carnificina humana que estava acontecendo no exterior:

“Começara mal o ano de 1917. A carniçaria européia, no apo-geu, refletia por cá o clarão dos grandes incendios, os estouros de obuses, a angústia do gás asfixiante e a selvageria dos modos mais civilizados de matar em grande. Quem se afoutasse a abrir uma folha sorvia sangue dos telegramas à seção livre. Um en-gulho. Foi quando surgiu o Saci, e veio com suas diabruras aliviar--nos do pesadelo. Por várias semanas alvoroaste meio mundo, oh

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

infernal maroto, e desviaste a nossa atenção para quadro mais ameno que o trucidar dos povos. Bendito sejas! Estás perdoado de muitas travessuras por haveres interrompido, por um momen-to, em nossa imaginação, a hedionda sessão permanente de hor-ror, aberta pelo sinistro 2 de agosto de 1914, de execrabilíssima memória”. (LOBATO, 2008, p. 27)

Três anos após o lançamento da obra, Lobato lança o livro infantil “O Saci”, em 1921. Essa obra conta a aventura que o menino Pedrinho enfrenta junto com o Saci quando vai passar as férias no Sítio do Picapau Amarelo. Ambos adentram a mata virgem e é lá que o neto de Dona Benta conhece algumas personagens do folclore brasileiro – como a Iara, o Lobisomem e a Cuca. Na aventura, o garoto tem a ajuda do negrinho de uma perna só para quebrar o feitiço que a feiticeira Cuca jogou em sua prima Narizinho.

História

Quando se trata de uma lenda, é difícil especificar qual a sua origem exata, porque, ao decorrer dos anos, novas características podem ser inseri-das ou alteradas. A história do Saci teve origem no sul do país, na região da fronteira com o Paraguai. O personagem é de origem indígena e, de acordo com o documentário “Somos Todos Sacys” (2005), ele era um índio e possuía duas pernas, como qualquer pessoa.

Quando a lenda atravessou os limites geográficos do sul e se expandiu para as demais regiões, novas características lhe foram atribuídas. A cor ne-gra, por exemplo, é uma delas. Fato é que o Saci representa muito bem a população brasileira, especialmente quando pensamos nas três raças pre-dominantes em nosso território: o branco, o índio e o negro.

O site de pesquisa escolar Brasil Escola define o Saci-Pererê como uma lenda do folclore brasileiro que se originou entre tribos indígenas do sul do país. De-talha, ainda, que o personagem possui uma perna só, usa um gorro vermelho e sempre está com um cachimbo na boca. Revela que o personagem era descrito como um curumim endiabrado, com duas pernas, cor morena e uma cauda.

Sofrendo a influência de religiões de matriz africana, a personagem se torna negra, com apenas uma perna, tendo perdido a outra em uma roda de capoeira, e herdou o pito. Da mitologia europeia, ganha o famoso gorro vermelho.

Como dito anteriormente, existem características das três etnias citadas acima que fazem parte do ideário da lenda do Saci. A primeira se refere aos primeiros povos conhecidos a habitarem o Brasil: os nativos indígenas.

ÍndioA origem da lenda é indígena, o que faz pressupor que o Saci seja um

índio. A professora da rede estadual de ensino da cidade de Caçapava, Kátia Rico, comenta que a lenda do Saci pode não ter surgido com os povos indí-genas, mas sim com os padres jesuítas que queriam converter os nativos ao cristianismo. Para tanto, eles ofereciam objetos a esses povos e faziam o uso de histórias e lendas. Para a docente, essa história pode ter surgido com os aldeiamentos. Mas o que seriam esses aldeiamentos? Eram locais em que os índios viviam com os padres jesuítas. Nesses lugares, existiam igrejas e esco-las, por exemplo, para a catequização dos nativos. Agora, se o Saci tem sua origem na cultura indígena, ele possui alguma característica dela. A princi-pal característica está ligada à relação com a natureza. Afinal, quem entende melhor dela senão os índios?

— Ele é uma mistura do índio com o negro. Vou colocar assim, dentro da visão indígena: ele é um ser que vive nas matas. Dentro da história do Saci, ele mora dentro de um bambu, não é assim? Existem vários sacis, não um só. Se a gente for olhar na visão indígena, ele também está protegendo o lugar, ele é um protetor das matas, assim como o curupira.

Como é de conhecimento popular, o Saci faz muitas brincadeiras com as pes-soas. Esconde alguns objetos, estraga a comida, queima o feijão. Agora, na natu-reza, suas travessuras são para que as pessoas não façam nenhum mal para as plantas e animais que lá habitam. Kátia Rico, continuando seu raciocínio, diz que:

— O comparando ao curupira, o Saci assusta para que a pessoa não volte mais naquele lugar para mexer, atacar os animais. Tem pessoas que vão lá para caçar os animais. Então o Saci põe medo. O medo faz com que a pessoa não volte mais naquele lugar para caçar ou pôr fogo na floresta. Tem gente que tem mania de pôr fogo na floresta. Então ele aparece.

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

Os seres divinos da cultura indígena são os animais e fenômenos da natu-reza, como a chuva, o sol, o vento. E, diferente da cultura africana, em que o personagem de uma perna só aparece como um orixá, na indígena, não. Kátia Rico realizou um estudo sobre as tribos indígenas do Vale do Paraíba, porém o seu objeto de estudo acabou se estendendo para as demais tribos do país. E, mesmo o Saci tendo sua origem indígena, ele não é uma história que as pessoas contam para as crianças. Lendas como Curupira e Iara são bem disseminadas.

NegroMuitos podem se perguntar qual é a verdadeira identidade do Saci e, prin-

cipalmente, a origem da lenda. Mais adiante ficará claro o porquê de essas lendas sofrerem alterações. Mas, continuemos a desvendar o personagem. Quando a lenda passa os limites geográficos da região sul do país, o Saci passa a sofrer algumas mudanças, e uma dessas transformações ocorre na cor de sua pele. Para que se entenda como, vamos voltar um pouco no tempo.

O governo-geral português no Brasil por séculos escravizou os negros para trabalharem e produzirem, desde o período do ciclo do açúcar no século XVI, às lavouras de café do século XIX. Os homens geralmente ficavam com os ser-viços mais pesados, enquanto as mulheres eram encarregadas outras ativida-des, entre elas, as domésticas. Algumas dessas mulheres ficavam responsáveis pelos cuidados dos filhos dos seus senhores. Acredita-se que o Saci possa ter adquirido o tom negro de sua pele nesse período histórico do país. Essas amas contavam histórias para os filhos de seus patrões, possivelmente alterando e atribuindo características à lenda. As características que a personagem tem dessa cultura são a cor e o pito, popularmente conhecido como cachimbo. Solange Barbosa, coordenadora do Centro Cultural Afrobrasileiro e Biblioteca Zumbi dos Palmares, nos dá mais detalhes da relação dessa lenda com a cul-tura africana. Solange é uma das pessoas que leu o livro de Lobato sobre o Saci e pelo seu entendimento detalha essa relação:

— Muito das coisas é de um período escravista brasileiro, em que as negras, as negras velhas, as amas, contavam histórias pros filhos dos seus donos, pros filhos de seus senhores. E esse personagem sintetiza o que provavelmente são memórias afetivas, memórias históricas, populares e folclóricas do próprio continente africano e mescladas então com esse novo ambiente que é o Brasil.

Para Solange, o fato de o personagem ser negro e fumar um cachimbo são consequências das lembranças que essas pessoas tinham de sua terra natal. Afinal, estavam a milhares de quilômetros de distância de suas casas. Estavam em um país novo, onde tudo era diferente. Devido às condições de vida em que se encontravam, os negros escravizados tiveram que se adaptar rápido à nova rotina em que viveriam. A coordenadora sintetiza, ainda, mais uma característica do personagem em relação aos negros:

— Ele representa essa pluralidade, essa capacidade que o negro tem se de movimentar. Porque ele é esperto, ele está em todos os lugares e ele é xereta. Então é aquela curiosidade que o negro tem de descobrir novas coisas. O Saci representa muito isso. Ele representa essa ânsia de conhecimento, essa ânsia de estar envolvido em várias coisas e ao mesmo tempo essa capaci-dade que o próprio negro tem de se transmutar, de se amoldar a situações.

Além disso, é importante ressaltar que o personagem se faz presente no universo da cultura negra de outras formas. Nas religiões afrobrasileiras, como umbanda e candomblé, existem algumas entidades que, para eles, são a representação do Saci. Estamos falando do Erê e do Exu-mirim. Pode-se dizer que essas entidades são espíritos de “crianças”. Solange explica quais são as características gerais de ambos e porque o Saci se encaixa na história:

— Erê e Exu mirim são representações infantis e suas atitudes são de criança. Então, o que eles falam é que essas entidades são crianças que fo-ram para outra vida e vivem lá numa situação complexa. As atitudes do Saci são infantis e apesar de haver no universo do próprio Monteiro Lobato, no universo folclórico sacis são de todos os tamanhos e idades. Mas aqueles que representam a relação com o infantil são meninos.

O fato de o personagem ter uma perna só é motivo de curiosidade. Quan-do índio, o Saci tinha as duas pernas. No imaginário contemporâneo, ele tem apenas uma perna. Segundo os causos da história oral, ele perdeu uma de suas pernas enquanto lutava numa roda de capoeira. No documentário “Somos todos Sacys”, de Sylvio Rocha e Rudá K. Andrade, produzido em 2005, outra narrativa é mostrada. Um fazendeiro engravidou uma escrava e havia dito que, quando essa criança nascesse, ele iria dar um tiro de espingarda na perna da criança e jogá-la num formigueiro. Mas essa criança nasceu com apenas uma perna. Esse mesmo fazendeiro engravidou outra negra e havia

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

dito que faria a mesma coisa com esse outro filho. E novamente a criança nasceu com uma perna. Para que sua esposa não descobrisse essa infideli-dade, ele pegou os bebês e os levou até o mato e lá os abandonou. Porém, um bugio encontrou as crianças e as criou como se fossem seus filhos.

— Isso é muito da cultura popular, são as versões que a própria cultura popular dá. A gente não consegue achar uma explicação: o saci é assim por conta disso. É a cultura popular que vai dando as características do moleque – destaca Solange Barbosa.

A produção audiovisual realizada no interior do estado de São Paulo, nas cidades de Botucatu, Silveiras e São Luiz do Paraitinga, pela Confra-ria Produções Artísticas, também aborda depoimentos de pessoas que acreditam no Saci, além da visão de especialistas, reforçando feições diferentes da personagem Brasil afora.

BrancoPor meio da brutal colonização portuguesa e subsequente vinda de outros

povos europeus para o território nacional, o país sofreu forte influência cultu-ral europeia. As maiores influências vieram de Portugal. Dessa influência de países europeus, o Saci conquista seu gorro vermelho, que é a fonte de seus poderes. No período do Império Romano, existia um gorro vermelho conheci-do como piléu. Quem usava essa carapuça era um escravo livre. No continente europeu, existe uma lenda folclórica acerca de uma criatura chamada Trasgo. Esse ser usa um gorro vermelho e também faz travessuras. Em Portugal, existe ainda outra lenda chamada Fradinho da Mão Furada. Outro nome que esta lenda recebe é Diabinho da Mão Furada. Assim como o Saci, ele prega peças nas pessoas e usa um gorrinho vermelho, que também é sua fonte de poderes. Como se percebe, esses dois seres lendários portugueses se assemelham ao nosso Saci, seja pelo gorro ou pelo estilo travesso de ser.

Saci: um ser bom ou mau?

Para muitos que conhecem a lenda, ele será um ser bom, representando apenas uma criança que realiza suas artes. Porém, para outros, será visto como

alguém malvado que faz maldade para as pessoas e para os animais, como sugar o sangue dos cavalos. Essa visão de que ele pode ser bom ou mau depende de como cada pessoa enxerga a lenda. Algumas instituições foram fundamentais para que as pessoas tivessem uma ideia negativa da personagem.

A Igreja Católica se tornou muito poderosa durante a Idade Média e de-pois durante a Idade Moderna, exercendo grande influência sobre a popula-ção.. O que seus dogmas definiam por certo e por errado ninguém poderia discutir. A historiadora Kátia Rico enfatiza melhor essa intervenção:

— Essa maldade é ligada à visão que a Igreja Católica coloca para as pes-soas não acreditarem tanto nessas lendas populares. Porque o saci, às vezes, é visto como um demônio.

No próprio inquérito feito por Monteiro Lobato, em alguns causos, per-cebe-se que as pessoas se referem ao Saci como um demônio, enfatizando que quando a personagem vai embora é possível sentir um forte cheiro de enxofre no ar. Dependendo de onde vinham os relatos documentados por Lobato, até de chifres era dotado o negrinho. A historiadora Kátia Rico vai mais além e explica porque uns consideram o Saci como filho do demônio:

— Se você pegar o período da Idade Média, o demônio é vermelho, tem rabo e tem chifre.

O antropólogo José Mauricio Cardoso do Rego destaca que, atualmente, a religião católica não faz uma intervenção para eliminar os personagens que fazem parte das lendas, o catolicismo popular brasileiro aceita e respei-ta essas tradições. Contudo, o professor da Universidade de Taubaté enfati-za que existem outras religiões que não aceitam a existência dessas lendas, como os cristãos pentecostais e neopentecostais:

— Eles precisam eliminar as figuras das lendas para que o Evangelho seja justificado. O que é um erro tremendo. É como se eles arrancassem a pessoa da raiz, da cultura, eles violentassem, tirando, extirpando da cultura, e colo-cando no lugar dessas tradições elementos que não têm nada a ver.

Para o docente, o Saci não pode ser entendido pela população como as duas coisas simultaneamente, não pode ser bom e mau ao mesmo tempo, pois nossa cultura é fruto de um dualismo mani-queísta que nos impede de enxergar entre os extremos:

— Nós somos maniqueístas, nossa cultura é assim. No maniqueísmo,

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

você só consegue compreender o bem se você entender o mal, se você tiver medo dele. E você só vai entender o mal se souber o que é o bem. E as nossas lendas, o nosso folclore é todo baseado nisso.

Essas histórias foram criadas por seres humanos e essas duas facetas são da natureza humana, o lado bom e o ruim. Os contos africanos, por exem-plo, não retratam uma pessoa sendo boa ou ruim demais o que pode ser considerado uma característica dessas histórias. Solange Barbosa, do Cen-tro Zumbi dos Palmares, lembra que:

— A cultura africana tem essa dualidade de bom/ruim, bom/mau. São facetas da mesma pessoa. Então, a maldade, aquela coisa pesada da mal-dade, ela não passa pelo Saci. Tanto é que são vistas como arte, como coisa de menino arteiro e não como maldade. Que é justamente uma das características dos próprios contos africanos.

A coordenadora associa que, por meio das lendas, se verifica o fato de que tan-to as pessoas quanto as personagens têm diversas facetas, sem que se privilegie – no caso do Saci, especificamente – um lado ou o outro, pois não se reproduz a história de um ser extremamente mau ou de um ser extremamente bom.

As lendas: uma visão antropológica

Desde pequenas, as crianças são ensinadas sobre as lendas e suas perso-nagens. Porém, é difícil compreender por que as pessoas criam essas lendas, qual a importância delas para a sociedade e o que elas podem representar. O antropólogo Maurício do Rego deixa isso um pouco mais claro, ao explicar que a origem de uma lenda é difícil de ser identificada. E eis o “X” da ques-tão.

— Você pode localizá-la geograficamente como um todo. Mas você não tem a localização. Você não tem uma identificação histórico-espacial que você possa usar como elemento identificador desse processo de criação e até mesmo exposição do folclore, da lenda. Não existe isso. É muito rela-tivo. Você localiza a região, mas o espaço propriamente dito você não sabe.

Pode já ter lhe ocorrido de alguém se referir a um personagem folclórico, seja ele o Saci ou não, como um mito ou uma lenda. Tratar o Saci como um

mito é um erro, e adiante será explicado o porquê.— A lenda é passível de ser modificada por cada contador. Cada um conta a

história do jeito que lhe apetece, do jeito que quer. Às vezes, mudando o próprio enredo, às vezes, mudando a configuração da personagem, coisa que no mito não pode acontecer. O mito é contado sempre com o mesmo enredo, com os mesmos personagens, a mesma justificativa. – argumenta o antropólogo.

No Brasil, é difícil encontrar uma pessoa sequer que não conheça gran-des personagens folclóricos como o Saci, a Iara, o Curupira ou o Boto-cor--de-rosa. Muitas vezes conhecemos essas histórias mesmo não pertencendo à região em que ela surgiu ou ganhou importância. A lenda do Boto, por exemplo, é comum da Região Norte do país, mas em outras regiões a perso-nagem também é bastante conhecida.

— Mesmo que seja uma interpretação simples do universo, da realidade, as lendas servem como orientação, tanto para o indivíduo quanto para a co-letividade. Hoje, isso é muito difícil de ser compreendido. Mas, em sociedades afastadas, isoladas, muitas das justificativas grupais se dão por essas lendas. O Saci, ele está localizado de maneira muito particular no cenário cultural brasileiro. Mas é muito difícil você encontrar uma pessoa que não o conheça e qual a representação dele, mesmo que a pessoa more nos grandes centros urbanos. Então, essa orientação é tanto pro indivíduo quanto para o coletivo.

Na avaliação do professor, esses personagens presentes no folclore ser-vem como um enfrentamento da realidade. Por eles, o mundo real se une ao mundo místico.

— O ser humano precisa, na verdade, projetar-se naquilo que é desconhe-cido, ele precisa fazer o enfrentamento do desconhecido. Esse mundo des-conhecido é um mundo que não é material, que não é físico, que não é real. Então a sua criatividade, o seu pensamento acaba formulando a caracteriza-ção de seres que não pertencem a um espaço histórico, físico, mas justificam a sua caminhada. É como se fossem elementos norteadores de um processo civilizatório, de um processo vivencial tanto particular quanto coletivo.

Assim, é possível entender que o Saci é uma personagem que interage entre o mundo real e o mundo supranatural, como se fosse o intermediário entre esses dois mundos. Ele não é do mundo real, mas se você acreditar ou se você interferir na existência dele, ele interfere na sua. Essa é a ponte.

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O Saci de Paraitinga O NASCIMENTO

O Saci longe de terras luizenses

A crendice no Saci não ficou restrita apenas a São Luiz do Paraitin-ga. Em outra cidade do interior também são feitas várias celebrações para a personagem, sendo até mesmo comum encontrar pessoas que tem visto o negrinho de uma perna só. A cidade em questão é Botucatu.

Diferente de São Luiz, a cidade possui 127.328 moradores, segundo o úl-timo censo divulgado pelo IBGE, e as atividades que acontecem durante a realização do Festival Nacional do Saci lembram um pouco as da festa lui-zense, com artesanato, apresentações artísticas, musicais e culturais. Botu-catu é conhecida como a cidade dos criadores de Saci. Os criadores do per-sonagem os mantêm em garrafas e dizem ainda que não é qualquer pessoa que pode enxergá-los.

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O Saci de Paraitinga

Os sacis

CAPÍTULO2

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O Saci de Paraitinga

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

Pererê. Esse tipo de Saci provavelmente é o mais conhecido por grande parte da população. Porém o que muitos desconhecem é que vários são os sacis. Afinal, o personagem carrega consigo heranças de diversas cul-

turas e etnias. Então, nada mais apropriado do que existirem outros por aí.A obra de Monteiro Lobato, “O Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito”

(1918), trouxe uma variedade de definições do personagem. E, entre essa di-versidade, encontram-se os nomes pelos quais o personagem é identificado em diferentes lugares.

Eu tive lendo no seu jornázinho ua istória de Saci Ceperé e van-cês pede informaçãos sobre a respeito do tarsinho. Me descurpe falá na nossa linguage de rocêro, proque eu nunca afrequentei iscóla, ma aprendi assiná meu nome. (LOBATO, 2008, p.53)

Em outra história, o nome Pererê recebe uma nova ‘variação’:

O Saci-cererê ou pererê é pintado com o abdômen muito desenvolvi-do, perneta, tendo em uma das mãos o inseparável cachimbo de barro. Dizem os sertanejos que o Saci tem o tamanho de um macaco, é traves-so como ele e para pular leva-lhe vantagem. (LOBATO, 2008, p.57)

Desenho rudimentar de um saciSaci no piso do Camping do Saci, de propriedade do Zizi Neneco.

FOTO: Nara Carvalho

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

Na cidade de São Luiz, habita um morador que, segundo a definição do próprio, é um especialista em Saci. Seu nome é Benedito Virgílio dos Santos, conhecido pelos luizenses como Ditão Virgílio. De acordo com o morador, exis-tem milhares de sacis, porém, em São Luiz são catalogados três tipos distintos: o Trique, o Pererê e o Saçurá. O luizense explica quais as diferenças entre eles:

— O Trique, mais ou menos 37 cm de altura, o Pererê, 57 cm a forma como ele costuma aparecer, mas pode crescer ou não, é mais ou menos essa faixa aí, e o Saçurá, 77 cm.

O tamanho é a única diferença entre os personagens. Eles têm, sim, suas semelhanças – são todos seres que fazem muitas brincadeiras com as pes-soas, são defensores da natureza, etc. E, como na natureza cada um tem sua ‘missão’, com os sacis isso não é diferente. O próprio Ditão Virgílio explica melhor a relação entre os três.

— Ele (Pererê) vem na cidade para observar e depois orientar o Trique e o Saçurá contra o homem que serra ou corta uma árvore, joga plástico, solta cães atrás dos animais durante a caça, põe fogo no mato. Eles tentam de uma maneira ou de outra impedir que isso ocorra.

Muitas vezes, ao andar na mata, alguns barulhinhos podem ser ouvidos, e logo se pensa que pode ser um passarinho ou algum animal pequeno. Mas esse barulho pode ser feito pelo Saci Trique. Devido ao seu tamanho, ele é difícil de encontrar – é mais fácil ouví-lo do que enxergá-lo. Esse som que o Trique faz indica que pode estar acontecendo uma comunicação entre a pessoa e a personagem da lenda. O Pererê é o que, vez ou outra, resolve dar as caras na cidade. Já ocorreu de algum objeto desaparecer? Se sim, a res-posta pode ser indicar uma brincadeira que o pererê pregou em você. Entre esses três que fazem parte do imaginário luisense, o Pererê é o mais arteiro. Por último, o Saçurá, que vive nas matas, mais especificamente no taquaru-çu, uma espécie de bambu nativo do Brasil. Fica a cabo desse tipo de saci a proteção da fauna e flora de seu habitat.

A personagem cuja imagem temos familiaridade usa uma bermuda e um gorrinho vermelho, porém, o Saçurá não. Isso é explicado pelos próprios moradores, especialmente os da zona rural. O vermelho vivo significa pe-rigo. O próprio Ditão Virgílio diz que, se colocar a mão num sapo vermelho, por exemplo, ele solta uma toxina que pode cegar a pessoa. O cabelo verme-

lho do Saci Saçurá é porque ele ‘pinta’ com colorau urucum. Outra caracte-rística do Saci está em suas mãos. Ele não possui a palma. No vão, existe um buraco onde ele pega uma brasa de fogo e fica brincando, pegando com uma mão e passando para a outra, numa espécie de malabarismo. Ditão Virgílio, inclusive, não acredita muito nessa história de que o Saci tenha herdado o gorro vermelho dos portugueses. E ele cita o porquê:

— O gorro ficou, assim, uma lenda bem legal que, se tirar o gorro, ele perde a força, entra na garrafa. Mas não acredito nessa forma, não. Acre-dito em outras formas dele aparecer. De jogar peneira, caçá-lo. Acredito mais é na coisa da natureza mesmo. Porque na floresta não tem costureira, como que saiu esse gorrinho aí? Aí já vem um pouco dessa invenção, da criatividade do ser humano de falar isso.

Talvez a explicação dada por Virgílio possa explicar a questão da bermu-dinha. Na natureza, ele anda totalmente nu, e, quando vem à cidade, pode ser que ele coloque a vestimenta, como informa o especialista em Saci.

Existe uma curiosidade que tem relação com o nascimento do negrinho de uma perna só e a forma como ele vem ao mundo, aspecto da lenda que não costuma ser tão conhecido: ele é concebido pelo bambu taquaruçu, após sete anos de ‘gestação’. Essa é uma das marcas da história oral sobre a lenda. Nesse bambu, é normal achar gominhos, ou buraquinhos, e dizem que lá existe um Saci. O que pode gerar dúvidas é o modo como a persona-gem chega ao bambu. A obra cinematográfica “Somos Todos Sacys” (2005), por meio de diversas entrevistas com diferentes pessoas, traz novos relatos que ajudam a entender a lenda.

De acordo com as declarações, o bambu estala e assim nasce o saci com gorro vermelho e cachimbo acesso. Outro causo diz que no taquaruçu nas-cem sete sacis de uma única vez e sempre em noites de tempestades.

— A única dúvida que eu tenho é se o saci põe ovo ou se ele põe o em-brião no gomo do taquaruçu. Uns falam que ele bota. Mas eu acho que é muito ligado ao passarinho saci, que existe muito aqui na região. Ou se é um embrião. Porque tem muitas lendas que falam que ele choca o ovo debaixo do braço, mas aí acho que só o diabo, não é saci, pondera Virgílio.

No documentário “Somos Todos Sacys” (2005), uma das entrevistadas relata que saci não possui um sexo definido. Benedito dos Santos Virgílio

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

explica que eles têm, sim, fêmea e macho. Após viver 77 anos, o saci morre e transforma-se num fungo orelha-de-pau. Porém, o especialista em Saci de São Luiz não aceita muito essa afirmação.

— Mas se eles se transformam nisso, são coisas vivas. Depois, ele pode voltar a ser ele de novo. Então eu tenho certa dúvida disso também. Mas, que ele existe muito na natureza, existe, sim. Tem uns que duram menos e outros mais.

Muitas pessoas têm dúvida quanto à perna do saci. Para muitos, ela fica no meio do corpo, para outros, não. Ditão Virgílio informa que ele tem a perna esquerda e conta ainda um caso que vale a pena ser detalhado: sempre que um cavalo aparecer com uma crina toda trançada, o próprio saci terá feito um estribo (objeto usado em cavalarias, em que o cavaleiro coloca o pé) para poder fazer a sua arte. Aliás, a trança feita pela persona-gem é difícil de ser desfeita (apenas cortando), pois é feita de maneira tão complexa que torna quase impossível a tarefa.

Como já foi citado no capítulo anterior, o Saci, quando era um índio, pos-suía duas pernas, mas, a partir do momento em que os negros se apropriam da lenda, ele acaba ficando com apenas uma perna e várias são as histórias ao redor desse caso. No documentário “Somos Todos Sacys” (2005), num dos relatos explicando como isso ocorreu, detalha que um escravo estava cansado de viver nessas condições que os grandes donos de fazenda impu-nham para eles e, para ser livre, corta sua perna. Já em outro relato, é dito que numa roda de capoeira o negro perde seu membro.

A personagem faz diversas brincadeiras com as pessoas. No Sítio do Pica-pau Amarelo (criação de Monteiro Lobato), quem mais ‘sofria’ com isso era a Tia Nastácia. O negrinho sempre arrumava algum jeito para ir lá e tirar o sos-sego da empregada de Dona Benta. Hoje não está lá tão diferente do que foi retratado por Lobato. Maria Cristina Lopes, coordenadora do Museu Mon-teiro Lobato, localizado em Taubaté – SP, relata algumas dessas reinações:

— O Saci gorava os ovos, jogava mosca no feijão, coalhava o leite e escon-dia a agulha da Tia Nastácia.

Na obra infantil “O Saci” (1921), o menino Pedrinho, com muita curiosi-dade sobre o tal negrinho, resolve encontrar o Tio Barnabé e fazer algumas perguntas sobre a personagem. Com toda sua sabedoria de homem vivido, ele relata ao garoto a respeito das brincadeiras que o Saci pode fazer, dizendo que

ele faz quantas reinações puder fazer.

Azeda o leite, quebra a ponta das agulhas, esconde as tesouri-nhas de unha, embaraça os novelos de linha, faz o dedal das cos-tureiras cair nos buracos, bota moscas na sopa, queima o feijão que está no fogo, gora os ovos das ninhadas. Quando encontra um prego, vira ele de ponta pra riba para que espete o pé do pri-meiro que passa. Não contente com isso, também atormenta os cachorros, atropela as galinhas e persegue os cavalos no pasto, chupando o sangue deles. (LOBATO, 2007, p. 22)

Além disso, ele também pode ser considerado responsável pelos milhos das pipocas que não estouram, fenômeno que chamam piruá. De acordo com o imaginário popular, o Saci faz uma espécie de reza para que esse mi-lho não estoure no momento em que o individuo está fazendo pipoca. Por essas e outras atitudes, ele passa a ser considerado como algo mau.

— As mães falavam que, se você não fosse à missa, o saci ia te pegar. Imagine naquele tempo muito religioso. Então já levava o modo de casti-gar a criança para ir na missa falava que ele era do mal: o Saci vai te pegar se você não for na missa.

O fato é que ele é um ser que gosta muito de fazer suas brincadeiras. O que pode acontecer para que ele seja mal visto é certo ‘exagero’ em relação às suas reinações. Essa é a justificativa que Ditão Virgílio tem para explicar o mal pensar das pessoas sobre a lenda.

— Tudo brincadeira, mas sem ter noção que pode até acabar fazendo mal para uma pessoa, mas não com essa intenção de fazer mal. Inclusive, dar um susto, puxar um cipó para você cair, ele faz as artes dele. Ele é um brincalhão. Esconder borracha, caneta, é isso.

O morador do Bairro dos Caetanos, bairro rural localizado no município de São Luiz do Paraitinga, César Augusto, relembra que, quando era criança, sua mãe usava o Saci como desculpa para colocar medo e também evitar que ele pudesse fazer alguma arte.

— Minha mãe falava muitas coisas sobre ele e com isso eu acabava ficando com medo de que ele pudesse fazer alguma coisa para mim. Ela contava que ele

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

chamava as crianças para brincar no mato e fazia elas se perderem. E sempre quando fazia alguma arte ela dizia que ele ia aparecer para mim. Como minha casa ficava longe da escola, eu ficava com medo de voltar sozinho depois.

Quando o Saci esconde algum objeto, existe uma simpatia que faz com que ele devolva o pertence. Para realizar o ritual não é necessário que sejam utilizadas coisas difíceis de serem encontradas. Coisas simples que quase todo mundo pode ter acesso, como um barbante ou palha de milho. A sim-patia funciona assim: a pessoa que deseja reaver seus pertences pega um pedaço de barbante ou palha de milho e vai amarrando, dizendo as palavras: “tô te amarrando, saci, devolve (diz o nome do objeto perdido) pra mim”. Esse ritual deverá ser repetido três vezes, ou seja, nada de fazer mais nós. Fazendo isso, o objeto pode aparecer na hora. Se não ocorrer no momento sete minutos depois ele aparece. Se em sete não aparecer, em setenta e sete minutos o objeto reaparecerá. Quem fez essa simpatia, depois que o objeto perdido aparecer, deve desmanchar os três nós feitos. Se isso não for feito, sete anos de azar o sujeito terá.

Nessa prática, o Saci é amarrado em cada nó que se dá no barbante ou na palha de milho, mas ele não fica com o pertence que ele pegou. Como se sabe, isso é apenas uma brincadeira dele. Mas ele pode demorar a devolver, por isso, essa simpatia é feita para ‘adiantar’ essa entrega. Como o número sete é muito ligado à lenda, muitos podem pensar que sete nós devem ser feitos. Se todos esses nós forem feitos, o Saci estará muito amarrado.

Como caçar um saci?

Alguns curiosos, ou porque gostariam mesmo de ter um Saci, par-tem para uma jornada um pouco difícil de ser realizada: capturar um Saci. A personagem, conhecida por ser um sujeito muito esperto e rápido, pode ser difícil de capturar. Alguns oferecem algo que ele gosta, outros apelam para objetos bentos. Enfim, cada um pode usar uma artimanha para capturar o negrinho. As mais comuns são usar uma peneira e um rosário ou um terço bento. Ditão Virgílio explica como se usa esses ‘recursos’ para pegar um Saci:

— Pega uma peneira de cruzeta e joga em cima do rodamoinho. Depois,

pega uma garrafa dessa mais escura que ele pensa que está saindo e entra na garrafa, pega uma rolha, faz uma cruz e o fecha. Ou, então, com um terço ou esses rosários. Joga o rosário em cima do rodamoinho e laça-o. Tem gen-te que joga a peneira e o rosário para segurar. Mas, de cada mil peneiradas, você pode pegar um Saci, porque o bicho é esperto.

Para realmente garantir que o Saci fique preso, ao colocá-lo na garrafa, de-ve-se retirar a carapuça vermelha, pois dessa forma o saci fica sem seus pode-res. Ele só terá ela de volta após fazer alguns desejos de quem a pegou, e é jus-tamente assim que o Tio Barnabé explica a Pedrinho como capturar um saci.

“É preciso ainda tomar a carapucinha dele e esconder bem escondida. Saci sem carapuça é como cachimbo sem fumo.” (LOBATO, 2007, p. 25)

Ainda segundo os ensinamentos populares, para se pegar um Saci, é pre-ciso esperar por um dia de forte ventania, que tenha um rodamoinho de poeira e folhas. Somente num dia que ofereça essas circunstâncias será pos-sível tentar capturar o ser.

Os apetrechos religiosos, como o terço e o rosário, precisam estar bentos para pegar um Saci. Porém, se ele for batizado, esses objetos não o pegam. Ditão Virgílio dá mais detalhes de como o Saci acaba se batizando:

— Quando morre uma criança, isso vem um pouco da Igreja, ela morre pagã e ela começa a chorar num brejo. A gente chama até o Saci de brejeiro. Em alguns livros, você vai ver Saci brejeiro. Ele fica no brejo chorando. A criança fica chorando no brejo perto da casa e passa um casal, que seja ca-sado mesmo, e fala: eu te batizo em nome do pai, do filho e do espírito santo e aquela criança não chora mais. Cria uma asinha e vai embora. E o saci, aproveitando disso, começa a chorar no lugar da criança para ser batizado.

Virgílio enfatiza que isso é algo muito antigo, que ele ouvia de seus avós, que falavam sobre o Saci batizado. Isso é algo que ele adotou em seus cor-déis . Existe também a informação de que só quem assistiu à missa do galo no natal é quem pode capturá-lo.

Afinal, quantos sacis existem?

No início deste capitulo foram denominados três tipos de Saci que foram

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

catalogados em São Luiz do Paraitinga. Mas, como ele é uma lenda difun-dida em todos o país, podem existir outros tantos. Para Ditão Virgílio, são milhares de negrinhos com uma perna só que andam por aí fazendo suas reinações e deixando muitas pessoas com medo e, algumas, zangadas com ele. A única certeza que se tem nisso tudo é que o Saci Pererê não está sozi-nho neste mundo.

— Tem o Piracuara, que em outros lugares se ouve falar, tem o Poá, que parece um cabrito desmamado e só fica dentro de casa paquerando as me-ninas. E em cada região em que eles aparecem levam um nome. Tem o Cere-rê, de Minas Gerais. Ele aparece muito nas minas de ouro, mexia muito nas matulas dos homens que exploravam o ouro lá.

Ligação da personagem com o número 7

A ligação entre este personagem e o número 7 fica muito evidente quan-do se procura informações a respeito. Desde o seu nascimento e sua existên-cia, este número é forte na mitologia do Saci. Benedito Virgílio dos Santos explica a relação desse número com o Saci e com outros seres.

— A razão é que ele sempre cria no taquaraçu, nasce no sétimo gomo e, depois de sete anos, dá sete cachimbadas, vira sete piruetas e sai pelo mun-do e, aí, sai pelos outros bambuzeiros. O sete é muito ligado a um número cabuloso que é o da mentira, tem várias coisas assim com o sete. Os sete anjos, o sétimo dia. A missa de sétimo dia, sete palmos para ser enterrado e tudo mais, tem tudo a ver. Mas o que pega mais: ele é ligado a um ser da terra que é ligado à lua e a lua tem sete dias cada fase. E isso ajuda muito o Saci, muito ligado a terra, o caipira. Então, ele passa um pouco da mensagem. Por exemplo: se um caipira quer fazer um balaio, geralmente ele escolhe a min-guante, sete dias a minguante para cortar o balaio, porque não vai dar muito caruncho. Se fizer um balaio na cheia, ele não dura muito tempo.

Por ele ser tão ligado ao número sete, alguns atribuem a derrota da seleção brasileira na copa de 2014, sediada aqui no país, como obra do Saci. Afinal, queriam ele como mascote no torneio, mas quem ganhou foi o tatu-bola.

O Saci ligado a questões locais

Quem visita São Luiz percebe que a presença do eucalipto é muito gran-de em relação a outras espécies de árvores. O local sofre com a presença da monocultura do eucalipto, que, em locais como o Distrito de Catuçaba, a destruição acarretada é vigente. Caminhões pesados, por carregarem as toras de eucalipto, estragam as casas do vilarejo e, principalmente, a estrada que dá acesso ao lugarejo se encontra esburacada. Por isso, o Saci foi usado como porta-voz desse tipo de problema.

Ditão Virgílio, que em São Luiz é o especialista em Saci, também escreve cor-déis. Esse tipo de gênero literário é um poema popular muitas vezes impresso em folhetos simples, podendo sua divulgação ser oral, pendurada em cordas para exposição e venda. Os cordéis do luizense tem como personagem princi-pal o Saci, mas ele não está sozinho. Virgílio também insere os demais persona-gens do nosso folclore, como a Mula sem cabeça, o Caipora, o Boi Tatá.

Um de seus trabalhos mais famosos com o cordel surgiu graças ao con-vite de um vereador, que pediu para que Ditão Virgílio o fizesse para que fosse chamada a atenção para essa situação. O vereador chama-se Marcelo Henrique Santos Toledo, conhecido por ser o autor que instaurou o dia 31 de outubro como Dia do Saci. O luizense aceitou e convite e diz que a inspi-ração para escrever o texto veio quando se sentou debaixo de uma árvore de eucalipto e refletiu sobre todo o estrago que essa plantação estava fazendo na natureza local. Não apenas na natureza, mas em locais em que a árvore prejudicava com sua monocultura.

— Eu comecei a notar que os rios já não tinham mais peixes, porque eles banhavam a fazenda inteira com mata mato e aquele veneno corria para os ribeirões. Aquilo secava tudo e ia para o ribeirão e do ribeirão para o rio. E aí fui vendo que a natureza estava morrendo. E também o cheiro do eucalipto, que não é da nossa fauna. Via os pássaros sumindo, as onças desnorteadas.

O escrito foi feito em 2007 e publicado no livreto “Estórias de uma perna só”, na edição nº 19. Ele é composto por 32 estrofes. Ditão relembra o dia em que o poema foi recitado, fazendo com que duas moças ligadas à empresa que extrai o

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

eucalipto de São Luiz para produzir celulose se retirassem da audiência. — Nessa audiência chegou umas moças falando, com apostila, dizendo

que ia ajudar na educação, aquela coisa toda, e fiquei ouvindo. Eu declamei o cordel. As duas, no final do cordel, guardaram todas as apostilas e estavam saindo sem falar nada. Porque, justamente, eu não citei nomes. A questão era essa. Citar um mito nosso, brasileiro, e não citar nenhuma firma, nenhu-ma empresa, porque no meu cordel não tem nenhuma empresa citada. Só falava do impacto do eucalipto na nossa fauna e flora.

O eucalipto é uma planta muito comum na Oceania, principalmente na Austrália. Disso, surgiu a ideia de fazer do Saci, um personagem brasileiro, o porta-voz dos prejuízos que uma planta ‘estrangeira’ estava causando. Foi graças a esse texto que o luizense viajou para diversos lugares para falar so-bre seu cordel. Indo para outras cidades, fazendo palestras em universida-des e, principalmente, recebendo mensagens de lugares que ficam a milha-res de quilômetros de São Luiz.

— E um dia, por acaso, eu não sou muito ligado à internet, tava lá, na primeira página dos Sem Terra e na primeira página das Camposinas, aque-las lá do Rio Grande do Sul até o Paraguai, depois foi pro Maranhão e recebi mensagem até da Amazônia, de todo o lugar do Brasil. Não esperava essa repercussão. Além de viajar e ainda de receber tanta coisa. O cordel viajou mais do que eu (risos). Uma coisa que inclusive o Marcelo (vereador) me falou, que teve um congresso internacional e a primeira coisa que eles leram foi o meu cordel. Quer dizer, tem que estar iluminado para acontecer.

A seguir segue a reprodução das 32 estrofes do cordel, intitulado “O saci e o eucalipto”.

Um dia fui passearLá no reino encantado

E em cima de um cupimEu vi o saci sentado

Com os olhos cheios d’águaQue há pouco tinha chorado

Então lhe pergunteiPor que estava desolado

2Deu um rodamoinhoE ele me respondeu

Olha para as montanhasVeja o que aconteceu

Plantaram uns paus compridosQue depressa cresceram

Todos os bichos foram emboraE alguns até morreram

3É o tal de eucalipto

Planta que não é daquiUma mata silenciosa

Que acabou com tudo aliOs macacos foram embora

Até o mico e o saguiQue saudade do sabiá

Do sanhaço e o bem-te-vi

4Esta planta suga a terra

As nascentes estão secandoNossos rios caudalosos

Devagar vão se acabandoAs fazendas destruídas

Pelas máquinas vão tombando

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

O caipira sem destinoPra cidade está mudando

5As casinhas da fazenda

Também foram derrubadasSó tem árvores no lugar

Quase não serve pra nadaRessecando nossa terraExpulsando a passarada

Não tendo onde criarNão alegra a madrugada

6Os peixes estão morrendoCom o veneno espalhado

Um tal de mata-matoQue seca até a invernada

Dão veneno pras formigasQue nunca é controladoTamanduás e os tatus

Quase foram exterminados

7Já não tem fogão de lenha

Onde fumo ia buscarNão tem mais o galinheiro

Onde eu ia brincarAcabou-se o chiqueiro

Não tem porco pra engordarOs caipiras vão emboraPor não ter onde morar

8Não tem vacas leiteirasNem bezerros a berrar

Mesmo o cavalo alazãoJá não tem o que pastar

O galo já não cantaQuando o dia vai clarear

Se continuar assimO Saci não vai aguentar

9Com a sombra desta árvore

As flores desapareceramA juriti está calada

Não canta na capoeiraJoão-de-barro não faz casa

Pois não tem mais a paineiraO canarinho foi emboraCom o sabiá-laranjeira

10Acabaram-se as algazarras

Das bonitas maritacasAté mesmo garças brancas

Já ficaram muito fracasCom esta falta de águaTambém acabou a paca

O sertão está em silêncioCom a praga que o ataca

11O gavião-carcará

Já não tem o que comerO curiango não canta

Quando chega o escurecerA coruja em desespero

Voou no amanhecerAté mesmo a cascavel

Não está tendo o que fazer

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

12Não tem mais o milharalCrescendo lá na baixada

Por isso o inhambuNão pia mais na palhadaAs rolinhas muito tristes

Já não fazem revoadaTico-tico já não pula

Lá no meio da estrada

13A saracura-três-potes

No brejo não pode morarNaçanica-bico-verde

Não tem inseto pra pegarPois sem água o brejo seca

E não tem nada para darOs bichos morrem de sede

No seu próprio habitat

14No rio não tem mais bagre

Nem traíra nem piabaPois com a falta de frutaVem a fome e tudo acaba

Veneno na enxurradaMatou o pé de goiabaAcabou fruta silvestreE sumiu a jabuticaba

15Também já secou

O Corguinho o lugarMorreram os lambaris

Já não tem o que pescar

Camarão de água doceNão sei onde foi parar

Sapo, perereca e rãPararam de coaxar

16Até a bela siriema

Cantou lá na cachoeiraTentando avisar o homem

Pra parar com essa besteiraEstão matando a naturezaCom uma flecha certeiraEste mal não vai ter cura

Vai durar a vida inteira

17Queimaram os paus podresOnde o pica-pau faz ninhoNo oco dessas madeirasOnde nascia o filhotinho

As mamangavas sumiramForam embora de mansinhoSó tem cheiro de eucalipto

Espalhado no caminho

18Até mesmo as abelhasConseguiram enganar

Dizendo que essa árvoreMuitas flores ia dar

Mas quando os botõesComeçaram a desabrochar

Eles fazem a derrubadaNão deixam nada sobrar

19

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

O pobre do vaga-lumeNão tem luz na escuridão

Pois esses paus compridosFicam distantes do chãoAtrapalhando o seu vôoNesta grande imensidão

Mesmo nos taquarisPode não ter salvação

20Sou Saci estou preocupado

Se acabar o bambuComo é que eu vou criarNo meio do taquaruçu

É lá onde também moraAquele bando de jacuE eles estão sumindoJuntinho com o anu

21Com um veneno forte

Acabaram com o varjãoA baixada só tem pau

Já não planta mais feijãoA nossa mata nativa

Não tem mais brotaçãoCom a sombra dessa árvore

Nada nasce neste chão

22Também a onça-pintadaJaguatirica e suçuarana

Estão morrendo de fomeE ainda levam a fama

Porque o veado-mateiroMorreu por falta de grama

Se você pensa que foi elaAí é que você se engana

23O bem-te-vi já não canta

Na copada do pinheiroE o sanhaço azul

Não senta no pessegueiroA sombra acabou com tudo

Matou o pé de coqueiroTapera de pau-a-pique

Plantaram até no terreiro

24O caipira indo emboraVai acabar sua cultura

Não sou contra o eucaliptoMas sim a monoculturaNão comemos celuloseNem essa madeira duraÉ com sede de dinheiro

Que cometem essa loucura

25Na comida caseira

Não tem frango caipiraO porquinho na panela

Torresmo que se admiraNão tendo mais abobreira

Também não tem cambuquiraNem toucinho no fumeiro

Nem couve rasgada em tira

26Homem da roça apertado

Vai morar na cidade

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O Saci de Paraitinga OS SACIS

E trabalha com eucaliptoContra sua vontade

De vez em quando lembraQue tinha felicidade

Num canto chora escondidoDo sertão sente saudade

27Até o vento é diferente

Mudou a vegetaçãoDiz que é reflorestamento

Mas é uma enganaçãoPorque logo cortam tudo

Pra celulose e carvãoDeixando a nossa terra

Uma grande devastação

28Por enquanto dão emprego

Dizendo que vão ajudarNão passa muito tempo

Pra tudo isso acabarDeixam tudo destruídoE saem pra outro lugarFica pra trás a miséria

E a fome vai se espalhar

29Até mesmo a capelinha

Onde o povo ia rezarFoi fechada a porteira

Para não poderem entrarTentam acabar com a festa

Que é tradição do lugarSe deixarem trocam por pau

Até os santos do altar

30Me chamaram de malvado

Pela minha espertezaGosto de traquinagem

Não sou mau com certezaO que quero é defenderA nossa maior riqueza

Eu sou filho dessa terraBrigo pela natureza

31Vou indo rapidamenteGirando cisco no vento

Se você não pensar em mimAgora neste momento

De pensar que eu já existoPara isto fique atento

Não sou filho da mentiraCriação do pensamento

32Dê um grito de alerta

Peça para o povo ajudarNão deixe o eucaliptoCom o sertão acabarEste deserto verde

Pouco tem e nada dáSou da terra das palmeiras

Onde canta o sabiá

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O Saci de Paraitinga

A legislação

CAPÍTULO3

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

Se nos dias atuais ainda existisse a figura dos jornaleiros que ficavam nas praças públicas das cidades vendendo os jornais e que, aos gritos, cita-vam as notícias mais importantes do dia, com certeza, essa manchete

poderia ter sido pronunciada em voz alta e gerado uma certa ‘indignação’ por parte da população. Muitos poderiam até pensar em dizer “Com tanta coisa mais importante para fazer, um vereador se preocupa em criar um dia para o Saci. Que vergonha”. Pois esse sentimento ocorreu a uma parcela da cidade de São Luiz do Paraitinga. E, provavelmente, até em outros lugares do país.

Em 2003, a Câmara Municipal da Estância Turística de São Luiz recebe das mãos de dois vereadores um projeto de lei municipal instituindo a cria-ção da Semana do Saci, que ocorreria no mês de outubro, sendo denomi-nado o dia 31 do mesmo mês corrente o dia da personagem. A ousadia dos dois representantes do poder público dividiu a cidade. Alguns aprovaram a atitude, outros acharam algo desnecessário. Naquele momento, a cidade luizense esteve em destaque no noticiário vale-paraibano e nacional não pelo seu carnaval, mas, sim, pela Lei do Saci.

Mas, antes que esse projeto fosse proposto, José Donizete tinha outro pla-no em mente. No mesmo ano, ele tinha realizado um projeto que tinha por objetivo instaurar a Semana do Saci, que aconteceria nos sete dias anteriores ao Carnaval, não propriamente no mês de outubro. Segundo Zizi Neneco, ape-

Extra, extra, extra!Cidade do interior de São Paulo aprova lei criando o dia do Saci!

Cartaz da Festa do Saci em São Luiz

Reprodução: SOSACI

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

lido do vereador, a Sosaci já estava presente em São Luiz e eles pediram para Marcelo Toledo fazer um projeto que instaurasse o dia 31 de outubro como Dia do Saci. Zizi destaca que o procuraram para mudar o texto inicial, para que a semana fosse não realizada antes do Carnaval, mas no Dia das Bruxas.

— Quando eles souberam que eu tinha feito um projeto em que a comemoração aconteceria uma semana antes do Carnaval, a dona do Restaurante Sol Nascente (essa empreendedora é ligada ao pessoal da Sosaci) me procurou e perguntou se eu não podia fazer o Dia do Saci jun-tamente com o Dia das Bruxas, que acontece no dia 31 de outubro. Falei que, por mim, tudo bem, que não teria problema.

Depois disso, os vereadores conversaram e, juntos, decidiram criar a lei. Marcelo Toledo é vereador da cidade pelo Partido dos Trabalhadores

(PT). No ano de 2003, a iniciativa pelo Dia do Saci foi de sua autoria. Como José Lopes, conhecido na região como Zizi Neneco, tinha envolvimento com a lenda, Marcelo Toledo o convidou para levarem adiante o projeto. Zizi é dono do Camping do Saci e coordenador do Bloco do Saci. De acordo com Marcelo Toledo, a festa para a personagem já acontecia na cidade, porém, em meses diferentes. A partir do momento em que a lei foi aprovada, a festi-vidade passou a ser realizada todos os anos, em um mês fixo.

O vereador relembra uma conversa que teve com a dona de um restau-rante do município, envolvida essa questão do Saci, sobre esse projeto de lei:

— Eu vou protocolar o projeto, nós vamos votar e eu vou instituir aqui em São Luiz o dia do Saci, já que, como vereador, eu tenho esse poder. Só temos que saber se os vereadores vão aprovar. Instituir o Dia do Saci no Halloween.

Marcelo Toledo revela ainda, na conversa com a proprietária, que a ideia mesmo era provocar, escolhendo a data em que se comemorava o dia das bruxas. O legislador comenta que no ano de 1997, quando iniciou sua car-reira política, as escolas realizavam festas de Halloween. A escola estadual do município fazia uma festa em que caveiras cobertas com algo que represen-tava sangue, fora outros detalhes típicos da famosa festa estrangeira, eram co-muns. Para muitas pessoas da cidade, a única bruxa que participa da Festa do Saci é a Cuca. O vereador é conhecido no município por criar diversas leis de valorização da cultura luizense. Um de seus projetos foi o tombamento a Ca-valhada de São Pedro do Catuçaba como patrimônio cultural do município.

— Eu procuro fazer projetos de lei que sejam de interesse local, da cultu-ra local. Porque nós temos coisas que podem melhorar e serem valorizadas – enfatiza o vereador.

O vereador, no ano de 2003, trabalhava no fórum da cidade e, logo que a notícia sobre a aprovação da lei decretando um dia ao Saci se espalhou, a imprensa correu para São Luiz do Paraitinga para ouvir dos dois responsá-veis o motivo da criação dessa data. Toledo revela que não pôde trabalhar um dia, tamanha a curiosidade dos veículos de imprensa:

— Eu lembro que eu estava indo trabalhar no fórum e tive de sair, por-que, no dia, eu tinha atendido 28 veículos de comunicação, entre rádios de diversos pontos do país, sem mentira nenhuma! Eu concedi entrevistas para rádios do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, por exemplo. Na rádio Difusora em Taubaté, na rádio Aparecida, diversos jornais desses de maior circula-ção. Atendi até jornais de Ilhabela, São Sebastião, porque, quando saiu na Reuters, a coisa ficou assim. Gerou uma repercussão imensa! A prefeitura acabou falando, o Zizi também foi entrevistado.

A repercussão causou diversos tipos de comentário na cidade. O muni-cípio é conhecido pela enorme fé de seu povo, expressa na religiosidade dos moradores que é uma das marcas do luizense. Até mesmo na enchente que assolou a cidade no ano de 2010, deram um jeito de atribuir a culpa do ocor-rido nas ‘costas’ do Saci. Marcelo Henrique Santos Toledo chegou a ouvir de alguns munícipes que essa lei era uma bobagem. Não consideravam isso como alvo sério, era visto como uma brincadeira. Até o presidente america-no à época, George W. Bush, sem querer, acabou entrando na história:

— Umas pessoas falavam: ‘Pô, você fica com esse negócio aqui (Saci no Dia das Bruxas), provocando os homens lá (americanos). Daqui a pouco aquele cara (presidente Bush) manda bombardear o Brasil’. Mas tudo em tom de brincadeira.

Os munícipes Felipe Galhardo e Maria Aparecida eram crianças no ano em que a lei foi decretada; tinham menos de dez anos de idade. Porém, am-bos sabem da existência dessa legislação e cada um expõe sua opinião. Uma de forma favorável, já a outra, nem tanto assim.

— Eu acho a lei muito importante, porque ela dá publicidade à festivi-dade cultural e folclórica que é o Saci. Não somente no período do Carnaval, mas em outras datas, no caso, no dia 31 de outubro, que é o dia do Halloween,

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

em outros municípios e países é feito de outra forma. Aqui a gente tem a nossa própria característica. Então isso é marcante. A lei dá essa segurança para que isso não se perca ao longo do tempo. – frisa Felipe Galhardo.

— Gosto muito de São Luiz e de suas festas, mas, essa Lei do Saci, eu acho ridícula. Mais ridículo foi aprovarem essa lei. São Luiz precisa de tanta coisa e vão aprovar uma lei para o ‘Saci’. Prefeitura gasta dinheiro com tanta bobagem e isso é uma delas. Deve, sim, valorizar a cidade, mas com coisas benéficas, que realmente valorizem São Luiz do Paraitinga. Já basta o carna-val que não é como antes – contrapõe Maria Aparecida.

Se em pequenas ações do nosso dia a dia é difícil tomar decisões que agradem a todos, no ramo da política isso também é uma missão impossível. Afinal, o que pode ser bom para um, para outro pode nunca chegar a ser.

— Nós, que estamos nesse meio político, temos que ter uma estrutura, o emocional tem que está preparado. Porque acham bobeira. Tem um monte de gente que acha essa coisa uma bobeira. Carnaval do Saci, Saci aqui na cidade. Hoje, tem gente que atribui a enchente de São Luiz por mexer com o Saci. Tem gente que fala que não pode mexer com esse tipo de coisa. Mas eu ouvi: o ve-reador em vez de fazer alguma coisa interessante, vai lá instituir o Dia o Saci. Pra que serve essa porcaria? Ouvi de pessoas com mais idade que achavam isso uma besteira, que vereador tinha que fazer outra coisa, destaca Toledo.

Zizi Donizete ressalta que houveram, sim, as críticas, mas que, ao mesmo tempo, o projeto foi bem aceito.

— Então, houve críticas, sim, mas não teve nenhuma contestação, não teve uma coisa maior. Foi só os ti ti ti dos bastidores. Mas o projeto foi à frente e foi aprovado.

Ele ainda completa, informando que o projeto teve o voto positivo de todos os vereadores: nenhum se opôs à ideia.

A lei fez com que a Festa do Saci entrasse no calendário de festas do mu-nicípio. Nessa festa, percebe-se que o público que frequenta o município é formado por pessoas que não moram nas cidades próximas de São Luiz. Muitas das que vêm à cidade durante a comemoração são da cidade de Campinas, interior de São Paulo, por exemplo. Uma curiosidade que talvez muitos não conheçam é que São Luiz é ‘famosa’ por ser uma região em que acontecem festas o ano inteiro, seja na zona urbana ou na rural, em todos os

meses do ano acontece algum festejo. Com isso, a economia luizense gira. Com a Festa do Saci isso não seria diferente. As pousadas ocupam todos os seus leitos, os restaurantes ficam lotados e, no comércio, crescem as vendas.

— Você passa a movimentar a cidade, em vários aspectos. A festa do Saci reforça São Luiz no calendário turístico/cultural das estâncias turísticas. Que é uma marca típica, própria daqui.

Isso se comprova, pois quando a data da festa se aproxima, no final do mês de outubro, e logo depois, no começo de novembro, com o feriado de finados, as pousadas da cidade ficam lotadas. Isso é bom para os donos dos estabele-cimentos, para os donos de restaurante, para os lojistas e para as pessoas que vivem de artesanato. A localidade recebe um público que quer ouvir histórias sobre o Saci e também se divertir com a programação cultural da festa.

Isso se confirma quando Zizi Neneco afirma que, graças à lei, todos, de um modo ou de outro, saem beneficiados.

— Essa ideia do dia do Saci foi muito bem-vinda, porque todo mundo tira proveito dessa festa. Os comerciantes, porque aumenta o fluxo de turistas na cidade, os luizenses, que curtem o bloco do saci, que não tem muita gente... Foi importante essa jogada de marketing do Saci em São Luiz.

São Luiz possui um grupo de pessoas que se dedicam para manter vivas as tradições do nosso folclore. É a Sociedade dos Observadores de Saci, po-pularmente chamada de SOSACI – assunto do próximo capítulo. O mesmo autor da lei do dia da personagem criou uma nova lei declarando os mem-bros da Sociedade como de utilidade pública. Para que um órgão receba esse título, devem ser considerados os serviços que essa entidade oferece para a região na qual ela está situada. Com esse reconhecimento, o governo está autorizado a repassar mensalmente determinada quantia em dinheiro para que o órgão possa promover as atividades na cidade.

O vereador destaca que esse tipo de legislação não é algo impositivo, mas autorizativo. Em outras palavras: se a prefeitura quiser dar esse dinheiro, ela está autorizada a fazer, se não quiser, ela não é obrigada. Mas para isso é sempre levado em conta o caixa da prefeitura, afinal, não é apenas a SOSACI que oferece serviços de utilidade pública no município, Mas esse dinheiro serve como ajuda para que diminuam um pouco os gastos do grupo com relação à realização da festa, por exemplo.

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

Como toda entidade, e isso é algo exigido para que a entidade receba essa subvenção por meio da lei, é necessário que ela tenha CNPJ, um endereço fixo e que preste conta de como o dinheiro está sendo gasto.

Desde 2003, a cidade já tem o dia 31 de outubro como Dia do Saci. O que, talvez, muitos desconheçam é que em outras regiões essa mesma data fes-tiva também faz parte do calendário anual. E isso não ficou restrito apenas ao estado de São Paulo: outro lugar pertencente à Região Sudeste tem a co-memoração determinada por lei. As cidades em questão são: Guaratinguetá, São José do Rio Preto, São Paulo, Botucatu e Vitória – ES. Os anos de criação dos projetos que deram origem às leis são próximos umas das outras, entre 2004, 2005 e 2006. Existe, porém, algo que distingue São Luiz dessas demais localidades: a festa. Nesses outros lugares, é apenas denominado o dia e as escolas fazem comemorações. Já em São Luiz, a personagem tem uma festa que tem início antes do dia 31 e termina nos primeiros dias de novembro.

— Começou aqui em São Luiz. A primeira cidade a decretar no Brasil foi aqui. Aí, eles tomaram como inspiração. Eu cheguei a passar cópia do projeto para professores de universidades. Uma coisa bem simples. Tinha uma justificativa que discutia a questão da valorização do folclore e muita gente acompanhou e gostou da ideia.

Na visão do vereador Toledo, o fato de São Luiz ter criado a festa do Saci e ter criado um dia para a personagem é motivo de orgulho para os luizenses, já que a valorização da cultura nacional é pauta frequente, porém pouco praticada.. É algo corriqueiro, não somente na cidade luizense, a valorização do que vem de fora, envolto na crendice de que o estrangeiro é sempre melhor do que o nosso. Para o político, a forma como o município passou a ser valorizado pela sua cul-tura popular elevou a autoestima dos conterrâneos de Elpídio dos Santos.

— A gente tem uma tendência a pegar essa grande mídia e certos parâ-metros de referência. Às vezes, você pensa que uma coisa é de qualidade sem ser, mas porque, com a cobertura da mídia a respeito, você fica muito entusiasmado. Você não pensa ou reflete. Mas, por outro lado, mesmo que seja uma iniciativa pequena, com o tempo, ela pode estar se transforman-do e promovendo reflexão e questionamentos nas pessoas e aos poucos elas mudam. O povo passou a sentir um pouco mais de necessidade pela valorização da cultura local. Eu lembro que, quando era adolescente, nós

tínhamos um pouco de receio, vergonha de falar que era de São Luiz do Pa-raitinga, porque as pessoas de fora a caracterizaram como uma cidade que não tinha se desenvolvido, uma cidade que não cresceu, não tinha indústria nem fábrica. Depois que São Luiz passou a fazer o Carnaval, melhorou mui-to a autoestima. No início, era um carnavalzinho que as pessoas criticavam, sem muita expressão. Depois, o Carnaval começou a crescer e passou a ser valorizado o que era produzido aqui. Parece que tem de vir pessoas de fora, que gostem de uma certa forma, para que você se senta importante e passe a reconhecer que você tem algo de bom, que você faz algo de bom. O Carnaval teve um pouco dessa conotação. E, quando nós instituímos o Dia do Saci, ou seja, a festa do Saci, acredito que muitas pessoas, pegando carona nisso, passaram também a se interessar, a sentir mais segurança de falar ‘ Eu sou de São Luiz do Paraitinga’.

Marcelo Toledo vai ainda mais além. Para ele, pode-se sentir orgulho por algo que seja de um lugar onde muitos insistem em dizer que seja simples, em que não há desenvolvimento industrial ou tecnológico, como nas áre-as rurais, deixando de se ter um certo preconceito ou se colocando sempre numa posição inferior em relação ao externo. Para ele, as pessoas devem ter confiança de que estão fazendo coisas boas. Seja numa festa gigante como o Carnaval ou numa pequena como a do Saci. Os luizenses devem ter orgulho de tudo de bom que o município tem.

O Saci chega a Assembleia Legislativa

Um ano após São Luiz ter criado o dia do Saci, a personagem ‘viajou’ do interior para a capital, mais exatamente para a Avenida Pedro Álvares Ca-bral, nº 201, em São Paulo – SP. O que aconteceu nesse lugar fez com que todas as 645 cidades pertencentes ao estado de São Paulo soubessem que o dia 31 de outubro é Dia do Saci e não das bruxas. Um deputado da RM Vale levou o assunto para a câmara dos deputados.

Vale destacar uma informação para que não seja gerada uma pequena confusão em relação às leis. Logo acima, foi citado que São Paulo já havia determinado o Dia do Saci. A Câmara Municipal foi quem aprovou essa lei, o

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

autor dela em nada tem relação com a Câmara dos Deputados. A lei estadual é datada de janeiro, enquanto a municipal é de março.

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, os deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei. O responsável pelo projeto foi um deputado do Partido Verde (PV), Padre Afonso Lobato. Segundo Toledo, o deputado entrou em contato com a câmara para que pudesse levar essa ideia ao poder maior do Estado. Como isso seria algo bom para a valorização do folclore nacional, ambos os vereadores luizenses não se opuseram e encaminharam ao político o modelo de projeto deles. Marcelo relembra que teve uma breve conversa com Lobato e ele destacou que, sim, também sofreu algumas críticas por parte das pessoas. Talvez pelo fato dele ser alguém ligado à igreja, que durante anos tentou acabar com as tradições orais dos povos. Isso é algo a ser justificado.

— Ele comentou que sofreu algumas críticas, mas que as rebateu, argu-mentando que isso são mitos do folclore brasileiro, que, praticamente, exis-tem em todo lugar, e começou a haver uma conotação do Saci como guardião da floresta, como tinha o Curumim, esses elementos mitológicos das matas brasileiras como um instrumento de proteção e de defesa da terra nacional.

Essa iniciativa do deputado não foi boa apenas para que a lei fosse aceita no Estado de São Paulo. Por meio desse contato, São Luiz, mais uma vez, reforçou-se como um local que valoriza a cultura popular. Para Toledo, isso ajudou a enaltecer São Luiz no cenário das estâncias turísticas.

O Saci em Brasília

A personagem acabou viajando novamente para outro lugar. Dessa vez, ele chega ao local de maior poder da nossa política, logo abaixo do executivo federal. Dois deputados federais tentaram implantar o dia do Saci para todo o país, porém, não tiveram os mesmos resultados das leis municipais de São Luiz e das demais cidades paulistas e capixaba, além da estadual.

Os legisladores desse projeto de lei em nível nacional foram Angela Gua-dagnin, do Partido dos Trabalhadores (PT), no ano de 2003. Ele foi apresen-tado no dia 12/11/2003. Aldo Rabelo, pelo Partido Comunista do Brasil (PC-doB), apresentou um projeto com o mesmo teor do da deputada petista,

quase um mês depois, em 11/12/2003.Quando exerceu a função de deputada federal, Angela sempre teve seu

trabalho voltado para as cidades do Vale do Paraíba, envolvida especialmen-te com questões relacionadas à cultura. Ela comenta que havia companhei-ros políticos de partido nas cidades da região, como é o caso do vereador luizense Marcelo Toledo, e que, com essa atuação e a discussão com os polí-ticos, a apresentação do projeto foi possível.

A grande influência que as manifestações culturais de massa de outros países estava exercendo na cultura popular foi o motivo para que a deputada apresentasse o projeto.

— Apresentei esse projeto de lei por entender que o folclore brasileiro está se perdendo com o processo de “aculturação” realizado por modelos estrangeiros. Ninguém fala do Saci, mas todo mundo faz festa e comemora o Halloween, inclusive as escolas, mesmo as escolas públicas. O folclore bra-sileiro está se perdendo.

Talvez um dos grandes desafios que então a deputada federal encontrou ao apresentar esse PL era convencer os seus colegas de trabalho. Falar sobre o Dia do Saci para 512 deputados seria algo desafiador, conseguir mostrar a todos eles (ou, pelo menos, boa parte) a importância disso para a cultu-ra brasileira não parecia tarefa fácil. Mas, se numa cidade como São Luiz, com apenas nove vereadores, ele foi aceito, nada seria impossível em Brasí-lia. Porém, não foi bem por esse caminho que a história se desenrolou. Um dos deputados que apoiou a ideia, já que havia feito algo semelhante, era Aldo Rabelo. Já para os demais parlamentares, a proposta era algo excêntri-co: fizeram chacota com o assunto e não o levaram a sério. A experiência de Angela Guadagnin nesse ramo fez com que ela seguisse adiante e soubesse lidar com a adversidade de ideias.

— Como falei, foi considerada ridícula ou mesmo irracional a apresen-tação desse projeto, mas a justificativa era sempre a questão da brasilidade. Das nossas raízes, do nosso folclore, que tem que ser lembrado e comemo-rado para não ser esquecido. Quando se acredita em alguma coisa, não se pode ficar dependendo dos aplausos de todos.

Atualmente, trabalhando como vereadora na cidade de São José dos Campos (SP), a legisladora destaca que São Luiz trouxe a necessidade de se

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O Saci de Paraitinga A LEGISLAÇÃO

discutir o nosso folclore, como também mostrou a importância de que não soframos uma aculturação de outro país e que devemos dar devida impor-tância ao que o Brasil possui. Coloca, ainda, que o fato de São Luiz ter mora-dores que acreditam que o Saci existe faz com que o folclore e nossas raízes culturais não morram. Para terminar seu pensamento, ela diz que se sente feliz pela coragem que os homens públicos de São Luiz tiveram.

— Foi um ato de coragem também do vereador, em apresentar a lei e en-frentar os opositores, que, com certeza, achavam que isso colocava São Luis numa situação de “inferioridade”, porque falar do Saci, ou mesmo comemo-rar o seu dia, era coisa de gente “atrasada”, coisa do interior, coisa do século passado. Mas quando vejo os canais de TV comentarem a figura do Saci e comemorarem o dia 31/10 como o Dia do Saci, relembrando os “causos” da região, me dá orgulho de acreditar, não na existência do Saci, mas na neces-sidade de valorizar nossas raízes e culturas populares como formadoras da nossa identidade cultural. Um povo sem história e sem raízes se perde na própria história. Não pode ser somente comemorado, como o Dia do Índio. Pintar a cara das crianças, mas não se fazer uma discussão real da situação do povo indígena no nosso país.

Porém, fazendo uma breve pesquisa no site da Câmara dos Deputados e procurando pelo projeto, se vê que a situação dele está demarcada como ar-quivado. Segundo a vereadora de São José dos Campos (SP), quando um de-putado não consegue se reeleger, o projeto pode passar para outro político que tenha interesse em levá-lo adiante. Nesse caso, ninguém se interessou, por isso ele vai automaticamente para o arquivo, que, neste caso, ocorreu em 06/03/2008, sob o memorando nº 44/08.

— Acho que, inclusive, não foi apresentado por outro deputado, quando deixei de ser deputada por causa disso.

Já o projeto de Aldo Rabelo consta que sua última circulação foi entre a Mesa Diretora da câmara, mas que foi arquivado no dia 31/01/2007, sob as regras do Regimento Interno da casa de leis federal. Ao que parece indicar, os eleitos pelo povo à época não viram a importância em valorizar a cultura nacional. Talvez isso seja o motivo do arquivamento desses documentos.

Se os parlamentares não abraçam essa ideia, talvez seja responsabilidade da sociedade civil se organizar e fazê-la se tornar realidade.

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O Saci de Paraitinga

Sosaci

CAPÍTULO4

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O Saci de Paraitinga SOSACI

Sociedade dos Observadores de Saci, ou, como é popularmente co-nhecida, Sosaci. Essa entidade surgiu no ano de 2003, no mesmo ano da criação da lei municipal. Um grupo de amigos, de mais ou

menos 16 pessoas, se reuniu em São Luiz do Paraitinga para criar uma en-tidade que valorizasse o folclore brasileiro apesar da grande influência da cultura norte-americana. Esse grupo percebeu que os brasileiros comemo-ravam com grande fervor o dia das bruxas, muito tradicional nos países de língua inglesa, e estavam ignorando suas próprias raízes culturais. O símbo-lo da entidade? O Saci, devido às suas características totalmente brasileiras. E assim eles manteriam vivas as lendas do nosso folclore.

Ver apenas a cultura brasileira ser desvalorizada e não fazer nada para mudar este cenário de nada adianta. Apenas reclamar e não tomar nenhu-ma atitude não servirá como uma mudança. Por isso, esses fundadores re-solveram dar suas “caras a tapa” com a criação da entidade. O professor da Universidade de Taubaté (Unitau) e atualmente presidente da Sosaci, André Luiz da Silva, enfatiza a questão que despertou a ideia de uma reação a essa desvalorização. Em 2003, ele não estava presente na função da Sosaci, mas os ideais da criação motivam a continuidade do trabalho da organização.

— Tomaram como esse símbolo da invasão cultural, do imperialismo cultu-ral, da dominação cultural, que era preciso fazer alguma reação, não ficar pas-

Estátua de Saci no Sítio do Pica-pau AmareloNo Sítio a personagem se relaciona com todos os moradores do local, mas Tia Nastácia é quem mais ‘sofre’ com as travessuras do negrinho de uma perna só.

FOTO: Nayara Batista

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O Saci de Paraitinga SOSACI

sivo, assistindo essa atuação desse império cultural, não só no Halloween, mas em outros elementos também. Mas esse era um fragmento simbólico dessa ex-pressão, dessa invasão cultural, e pensaram em contra-atacar por meio de uma reação. A ideia é de que se cultuam as bruxas do estrangeiro, mas que nós tam-bém temos a nossa, nós temos os nossos mitos, que merecem ser valorizados.

Os fundadores perceberam que os personagens do estrangeiro que esta-vam sendo responsáveis por criar uma verdadeira aculturação em nada se assemelhavam com o povo brasileiro. Eles não têm nenhuma identidade re-lacionável com o brasileiro, independentemente da região. Isso acaba tendo uma lógica: já que cultuam as bruxas do estrangeiro (as norte-americanas), porque não fazerem isso com os mitos e lendas do Brasil? Por que valorizar o externo e desqualificar o que é de origem de nossa própria cultura, exaltan-do o que vem de fora como sendo melhor e menosprezando o que é nosso, no antigo círculo vicioso de um complexo de inferioridade brasileiro que nos acompanha desde a colonização?. Porém, alguns poderiam pensar que isso é uma forma de xenofobia, uma antipatia por algo que seja de outro país. Mas o docente deixa bem claro que essa ideia não se faz presente.

— Sempre a ideia é de trabalhar não no sentido de rechaçar um hábito cultural, porque isso é até impossível de fazer, mas de promover o dialogo. Então não é rechaçar a existência, atacar a existência do Halloween. Mas va-lorizar o que é do brasileiro. Então, em vez de fazer uma festa e comemorar para a bruxa norte-americana, nós fazemos uma festa e comemoramos o folclore brasileiro. Os mitos em geral.

Segundo o presidente da organização, atualmente a Sosaci conta com mais de um mil associados, de várias partes do país, incluindo alguns associados do exterior, como europeus e norte-americanos. Esses associados fazem uma contribuição mensal para a Sosaci e, por meio dessa renda, a festa é custeada e algumas despesas relacionadas ao fato dela ter um CNPJ são pagos.

A cidade de São Luiz foi a escolhida para ser a sede da entidade, pois foi ali onde tudo isso começou. Foi nessa terra onde os turistas que frequentam a cidade se reuniram e criaram a entidade, onde os manifestos que citam os valores da Sosaci foram lidos, além da importância cultural já citada ante-riormente.

— Outra razão é a representação que se tem de São Luiz como um celeiro

de cultura caipira, um dos últimos lugares onde a expressão da cultura caipira é muito forte, e o mito do Saci é associado a essa cultura do interior. Por essa cultura no Sudeste, a cultura caipira, e porque ali também é um lugar onde as pessoas ainda acreditavam, ainda acreditam em Saci, mesmo que declarem que não acreditem na existência. O mito estava muito vivo ali, a terra do Saci.

Quando a entidade nasceu, em julho de 2003, os fundadores decidiram re-alizar algumas ações políticas, e uma delas foi justamente a criação da lei esta-belecendo o dia 31 como dia do Saci nos três âmbitos de governo: municipal, estadual e federal. Como já foi citado no capítulo anterior, nas duas primeiras estâncias a empreitada foi bem-sucedida, apesar de alguns deboches. Mas, em âmbito federal, isso não ocorreu. Para André Luiz, ambos os deputados, Angela Guadagnin e Aldo Rabelo, foram motivo de chacota, inclusive por par-te da empresa, pois muitos viam isso como algo exótico e desnecessário. An-dré destaca que isso é um tema polêmico, já que possivelmente envolve uma elite que rechaça qualquer possibilidade de uma valorização do nacional. Ele é direto ao afirmar se atualmente isso seria possível de se realizar.

— Depois dessa última legislatura que não ia andar mesmo. Porque a câma-ra federal, sobretudo, é constituída de uma maneira bem conservadora hoje, até pela presença da bancada evangélica. Isso dificilmente passaria. O tempo de pas-sar essa lei já foi. Agora, com essa câmara que está aí, é impossível ser aprovado.

Mas se eles não se mobilizam, os grupos reagem. Uma das ideias da en-tidade é que a Sosaci ‘saia’ de São Luiz e viaje para outros lugares. A festa promovida pela Sosaci não fica restrita apenas ao município luizense. Como ela tem associados de todo o Brasil, o membro da entidade pode realizar uma festa semelhante a que acontece em São Luiz em outras cidades. E isso já ocorreu em alguns anos, em lugares como São Paulo, Fortaleza, numa ci-dade do Paraná, em lugares de Minas Gerais, e possivelmente no Espírito Santo, em Vitória, já tenha acontecido uma festividade desse tipo. Isso acon-tece, pois se trata de algo nacional e essa é a proposta.

Botucatu

Na cidade de Botucatu, em São Paulo, existe uma entidade, anterior à

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O Saci de Paraitinga SOSACI

Sosaci, chamada Associação Nacional dos Criadores de Sacis (ACNS), cuja criação data de 1980, em que as pessoas criam sacis e têm uma espécie de registro indicando que ela é uma criadora. Existe alguma semelhança entre ambas? Talvez só a ‘personagem principal’ ser o Saci. André Luiz da Silva relata que a sociedade luizense é um contraponto com a botucatuense. Para eles, a personagem é um ser da natureza e do mundo sobrenatural e devem ficar em seus ‘habitats’, sem interferência do ser humano, ser livres e não criados em cativeiro. A Sosaci faz a observação, sem interferir na existência livre desses personagens (e, além disso, a Sosaci não fica restrita apena ao Saci, abrange as demais personagens do folclore).

A Sosaci tem uma particularidade em relação às demais entidades. No início, houve relutância interna de que a instituição assumisse um caráter jurídico, e isso inclui a questão de ela passar a atender por meio de um CNPJ. A organização se auto rotula como uma Onc (organização não capitalista), e, por isso, ela possui algumas peculiaridades em sua organização e manu-tenção. Uma delas é o fato de que ela não aceita financiamento de alguma empresa que agrida o habitat natural dos seres mitológicos do folclore na-cional. De acordo com o presidente, a entidade já recebeu propostas de fi-nanciamento por parte de uma empresa, mas foi recusada pelo conselho de ética interno devido às implicações que eram causadas ao meio ambiente pela empresa que propôs o financiamento.

No ano de 2005, foi criada a personalidade jurídica da entidade e, com isso, o seu estatuto também foi criado. Um dos princípios é a valorização dos mitos do folclore, a divulgação e a realização de atividades educativas e pedagógicas que valorizem o folclore e a cultura caipira.

A seguir, você confere o estatuto da Sociedade dos Observadores de Saci e os manifestos. Os mesmos podem ser acessados por meio do endereço eletrônico www.sosaci.org.br.

Manifesto do SaciAta de fundação e Carta de princípios

Manifesto do Saci

Um espectro ronda a indústria da cultura. Como já ocorrera du-rante a I Guerra Mundial – quando os chamados “povos civilizados” se matavam entre si nos campos da Europa, como lembra Monteiro Lobato em seu Inquérito, escrito em 1917 –, o espectro do Saci voltou para dar nó na crina das potências que invadem os outros países com uma “indústria cultural” predadora e orquestrada.

O Saci é reconhecido como uma força da resistência cultural a essa invasão. Na figura simpática e travessa do insigne perneta, esbarram hoje, impotentes, os x-men, os pokemon, os raloins e os jogos de guerra, como esbarravam ontem patos assexuados e ratos com orelhas de canguru.

É tempo, pois, do Saci expor abertamente seus objetivos, lançan-do um manifesto e denunciando o verdadeiro espectro: o espectro do imperialismo cultural. Para tanto, outros expoentes do imaginário cultural brasileiro – como o Boitatá, a Iara, o Curupira e o Mapinguari – reuniram-se e redigiram o presente manifesto.

A cultura popular é um elemento essencial à identidade de um povo. As tentativas insidiosas de apagar do imaginário do povo bra-sileiro sua cultura, seus mitos, suas lendas, representam a tentativa de destruir a identidade do nosso país. A história de todas as culturas até hoje existentes é a história de opressores e oprimidos. Hoje, como ontem, o Saci apóia, em qualquer lugar e em qualquer tempo, qual-quer iniciativa no sentido de contestar a arrogância, a prepotência e a destruição de que é portadora a indústria cultural do império.

O Saci não se reivindica como símbolo único e incontestável da cul-tura popular brasileira. O Saci trabalha pela união e pelo entendimento das várias iniciativas culturais que devolvam ao nosso povo a valoriza-ção de sua identidade cultural. O Saci não dissimula suas opiniões e seus objetivos e proclama, abertamente, que estes só podem ser alcançados por um amplo movimento de resistência cultural, denunciando os male-fícios da indústria cultural imperialista. Que ela trema à idéia de uma re-sistência cultural popular. Nesta, o Saci nada tem a perder a não ser seus grilhões. E tem um mundo a ganhar. Sacis de todo o Brasil, unamo-nos!

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O Saci de Paraitinga SOSACI

Manifesto Antropófago revisitado

Qualquer semelhança com o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, que data ano de 1928, não se trata de mera coincidência!

Só o Saci nos une. Sacialmente. Etnicamente. Culturalmente. No ano 449, da deglutição do Bispo Sardinha em Piratininga, e, 75 anos após o lançamento do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, os saciólogos desta terra vão, aos pulos, convergindo em torno da única lei justa do mundo globalizado. O saci resgata nossa identidade, nossas raízes, o xis da questão tupi. Contra todas as catequeses do Império só nos interessa o que não é deles. A lei do saci.

Estamos fatigados de todos os colonialismos travestidos de dra-ma roliudiano. O cinema americano devorando corações e mentes. Demente. No país onde dá status ter casa em Maiami e comprar em sales com 20% off. Estacionar no valet parking e pedir comida de-livery. Por isso fazemos eco ao brado oswaldiano, contra todos os importadores da consciência enlatada. Oswald ainda grita, resquícios do nheengatú ecoando ao longe. Nunca admitimos o nascimento de Jeca Tatu entre nós. Só que o Jeca de Lobato resiste. Ele resiste ao Pato Donald, aos Poquemons, ao Raloim, às bruxas do Bush.

O instinto do Saci. Só Saci. Um Saci contra as histórias do homem que começam no Cabo Canaveral. A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. E os transfusores de sangue. Das veias abertas da América Latina. Antes dos norte-americanos ocu-parem o Brasil, o saci já tinha descoberto a felicidade. Definida pela sacizidade de um antropófago, o próprio Saci. A transfiguração da Abóbora em carne seca. Antropofagia. Absorção do inimigo abóbora.

A nossa independência já foi proclamada no 7 de Setembro, em São Luís do Paraitinga. Expulsamos o imperialismo travestido de glo-balização hegemônica. Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada em Washington e Londres, a realidade sem complexos e sem penitenciárias do saciarcado de Pindorama.

São Luis de Paraitinga, 31 de outubro de 2003, ano da deglutição final da abóbora

Ata de fundação e Carta de princípios

Criada em São Luiz do Paraitinga, a SOSACI é uma ONC (Organiza-ção Não Capitalista) que reúne os interessados em valorizar e difun-dir a tradição oral, a cultura popular e infantil, os mitos e as lendas brasileiras. Seus integrantes acreditam no Saci, na Iara, no Boto, no Curupira, na Cuca, no Boitatá e nos demais entes do folclore nacional.

O objetivo da associação não é caçar nem manter em cativeiro o Saci ou qualquer dos seus parceiros da tradição popular. A meta da SOSACI, como o próprio nome indica, é observar e estudar o insigne perneta e seus companheiros, em suas diversas manifestações, e di-vulgá-los por meio de textos, músicas e outras artimanhas. Busca, ao mesmo tempo, promover e incentivar a leitura e elaboração de obras comprometidas com nossos valores e raízes.

Nesse sentido, pretende instituir o Dia do Saci, em data a ser de-finida. Porque o saci simboliza a resistência aos super-heróis e aos personagens dos filmes e desenhos importados, que infestam o imaginário de nossas crianças e jovens. Ele desafia e enfrenta os es-trangeirismos que corroem o idioma nativo, em detrimento da nossa cultura e autonomia.

A SOSACI não é uma entidade xenófoba. Nem pretende trafegar na contra-mão da história do mundo globalizado. Mas ela tem orgulho de ser brasileira e, ao lado dos povos irmãos da América Latina, rei-vindica reciprocidade na relação com as nações hegemônicas do dito Primeiro Mundo. Ela crê que o repertório mitológico do nosso país é bastante rico, permitindo trocas de mão dupla com os cidadãos da comunidade planetária.

Através de Ata, assinada por seus membros-fundadores, a SOSACI dá o pulo inicial. Aceita novos filiados, desde que se disponham a as-sumir e respeitar os princípios aqui estabelecidos.

São Luiz do Paraitinga, julho de 2003

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O Saci de Paraitinga SOSACI

ESTATUTOASSOCIAÇÃO SOSACI

CAPÍTULO I – DA DENOMINAÇÃO, SEDE, OBJETIVOS E DURAÇÃO

Art. 1º – Sob a denominação “Associação SOSACI”, está constitu-ída uma associação civil sem fins lucrativos, apartidária, libertária e democrática que se rege por este Estatuto.

Art. 2º – A Associação tem sede e foro na cidade de São Luiz do Paraitinga, Estado de São Paulo, República Federativa do Brasil, à rua Coronel Domingues de Castro nº 50, podendo criar núcleos, célu-las e filiais em qualquer parte do país e no exterior.

Art. 3º – A Associação tem por objetivos:I – Promover o desenvolvimento de projetos relacionados à valo-

rização da cultura popular e caipira;a) No que se refere ao aspecto científico-cultural, a SOSACI desen-

volverá projetos e trabalhos relacionados às seguintes áreas:Antropologia;Educação ambiental;Folclore;Educação artística;Sociologia;História.II – Promover e incentivar a leitura e elaboração de obras com-

prometidas com os valores e raízes culturais do povo brasileiro;a) A elaboração e difusão de obras poderão ser feitas pelos se-

guintes meios:Artigos;CD-Roms;Documentários;Exposições;Filmes;Publicações;Livros;Palestras;Redes informatizadas;

Relatórios;Vídeos.III – Valorizar e difundir a tradição oral e infantil, combatendo os

estrangeirismos que corroem o idioma nativo, em detrimento da cul-tura e da autonomia;

IV – Defender os interesses comuns de associados e outras enti-dades associadas e/ou adeptas de objetivos similares;

V – Estimular diferentes formas de intercâmbio, cooperação e so-lidariedade entre ASSOCIADOs e entidades associadas, contribuindo para a divulgação de informações, projetos e eventos;

VI – Promover encontros e foros de debate para o aprofunda-mento de temas relevantes da cultura popular e caipira brasileiras, nos planos regional, nacional e internacional.

Art. 4º – O prazo de duração da Associação é indeterminado.

CAPÍTULO II – DO PATRIMÔNIO SOCIAL

Art. 5º – A Associação obterá recursos financeiros através de contribuições de seus associados, patrocínios, donativos e subven-ções, de órgãos públicos ou privados e de pessoas físicas ou jurídicas.

Art. 6º – Será também fonte de receita da Associação a venda de material de divulgação da SOSACI, bem como a arrecadação em even-tos por ela promovidos;

I – A receita proveniente da venda de material de divulgação da Associação reverterá, inteiramente, para sua sustentação, para a re-alização de seus projetos e objetivos, para a quitação dos custos de despesas relacionadas a eventos por ela realizados e para a promo-ção de futuras atividades e eventos.

II – A Associação não aceitará doações ou contribuições que im-pliquem encargos contrários aos objetivos definidos neste Estatuto.

CAPÍTULO III – DOS ASSOCIADOS E ENTIDADES ASSOCIADAS

Art. 7º – São membros da Associação aqueles que a ela se filia-rem, comprometendo-se a respeitar este Estatuto, os regulamentos e deliberações da Diretoria.

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O Saci de Paraitinga SOSACI

Art. 8º – Os associados serão divididos nas seguintes categorias:I – Associados Fundadores – Os que idealizaram e organizaram a

Associação, assinando seus atos constitutivos;II – Associados Beneméritos – Os que prestaram relevantes ser-

viços à Associação e forem propostos e aprovados pela Diretoria;III – Associados – Todos os que a ela se filiarem.Parágrafo Primeiro: O único critério para a admissão de associa-

dos se traduz no fato de não estar o indivíduo cumprindo pena em vir-tude de sentença penal transitada em julgado, bastando sua inscri-ção em formulário próprio da instituição da SOSACI para lhe garantir o status de associado, ficando reservado à Assembléia Geral o direito de estabelecer outras condições mediante alteração estatutária.

Art. 9º – Para pertencer à Associação, o candidato deve inteirar--se deste Estatuto e aprová-lo.

Art. 10 – São direitos dos associados:I – Ter voz e voto nas assembléias e reuniões da Associação;II – Apresentar propostas de projetos que venham de encontro

aos objetivos desta Associação;Art. 11 – São deveres dos associados:I – Cumprir o Estatuto e as decisões da Diretoria;II – Zelar pelo prestígio da Associação;III – Colaborar sempre, direta ou indiretamente, com as atividades

e eventos promovidos pela SOSACI;IV – Comparecer às Assembléias Gerais Ordinárias e Extraordinárias.Art. 12 – Os associados perdem seus direitos por deixar de cum-

prir uma ou mais das disposições constantes no Art. 11.Parágrafo Primeiro: A exclusão do associado se dará ex officio ou

mediante apresentação formal de queixa, em Assembléia Geral, por motivo de falta grave, em decisão fundamentada, pela maioria abso-luta dos presentes em assembléia especialmente convocada para esse assunto, observados, sempre, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como, no que couber, o precei-tuado no artigo 57 do Código Civil Brasileiro.

Parágrafo Segundo: Por falta grave entender-se-á atos que se cons-tituam ilícitos criminais e/ou cíveis, assim como atos de flagrante imora-lidade, contrários à este estatuto, à lei, à boa moral e aos bons costumes.

CAPÍTULO IV – DAS INSTÂNCIAS DA ASSOCIAÇÃO

Art. 13 – São instâncias permanentes da SOSACI:a) a Assembléia Geral;b) a Diretoria;c) o Conselho Fiscal;d) o Conselho de Ética.e) as Sub-diretorias

SEÇÃO I – DA ASSEMBLÉIA GERALArt. 14 – A Assembléia Geral é a instância soberana da SOSACI.Art. 15 – A Assembléia Geral é constituída pelos membros da Di-

retoria, pelo conjunto dos associados e pelos representantes de en-tidades associadas.

Art. 16 – A Assembléia Geral se reunirá ordinariamente uma vez por ano e, extraordinariamente, sempre que convocada pela Direto-ria, pelo Conselho Fiscal, pelo Conselho de Ética ou ainda por 1/3 (um terço) dos associados.

Art. 17 – Compete à Assembléia Geral:I – Formular as diretrizes de atuação da Associação;II – Definir um programa de trabalho anual;III – Extinguir a Associação, nos termos dos artigos deste Esta-

tuto;IV – Eleger a diretoria;V – Destituir a diretoria;VI – Aprovar as contas;VII – Alterar este Estatuto;VIII – Referendar os membros do Conselho de Ética indicados pela

Diretoria;Parágrafo único: Para as deliberações a que se referem os incisos

V e VII, é exigido o voto concorde de 2/3 dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.

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O Saci de Paraitinga SOSACI

SEÇÃO II – DA DIRETORIAArt. 18 – Compete à Diretoria:I – Estabelecer uma estratégia para a consecução dos objetivos

da Associação e das diretrizes formuladas pela Assembléia Geral;II – Orientar a implementação do programa de trabalho anual de-

finido pela Assembléia Geral Ordinária;III – Elaborar e submeter à Assembléia Geral Ordinária o relatório

de sua gestão;IV – Divulgar os ideais que norteiam os objetivos da SOSACI, con-

tribuindo para a consolidação da valorização da cultura popular e caipira;

V – Contribuir diretamente para a constituição dos foros de deba-tes e encontros previstos neste Estatuto;

VI – Representar a Associação perante entidades nacionais e in-ternacionais;

VII – Deliberar sobre a convocação de Assembléias Gerais Extra-ordinárias e providenciar sua realização;

VIII – Designar os membros que irão compor o Conselho de Ética, observado o disposto neste Estatuto, ad referendum da Assembléia Geral;

IX – Propor à Assembléia Geral acréscimos e alterações para a re-forma do Estatuto da Associação dos Observadores de Saci (SOSACI).

Art. 19 – A Diretoria se reunirá ordinariamente três vezes por ano e, extraordinariamente, sempre que necessário, cabendo ao presiden-te convocá-la.

Parágrafo único – As reuniões extraordinárias da Diretoria deve-rão ser convocadas pelo presidente.

Art. 20 – A Diretoria da SOSACI é constituída por presidente, se-cretário-geral, tesoureiro e quatro diretores responsáveis por área de interesse.

Art. 21 – Compete ao presidente:I – Exercer a representação da SOSACI junto às entidades com-

prometidas com objetivos similares aos desta Associação;II – Convocar e presidir as reuniões da Associação e as Assem-

bléias Gerais;III – Apresentar, anualmente, à Assembléia Geral Ordinária, o rela-

tório da gestão da Diretoria;IV – Movimentar, em conjunto com o tesoureiro, as contas bancá-

rias da Associação.Art. 22 – Compete ao secretário-geral:I – Praticar todos os atos necessários ao funcionamento jurídico-

-institucional da Associação;II – Secretariar as reuniões da Diretoria e das Assembléias Gerais;III – Organizar e manter atualizados os documentos da entidade;IV – Substituir o Presidente em suas ausências ou impedimentos.Art. 23 – Compete ao tesoureiro:I – Gerir os recursos financeiros da SOSACI;II – Manter atualizada a documentação contábil;III – Receber os créditos da Associação, realizar operações finan-

ceiras, quitar débitos e praticar atos de natureza econômica no âmbi-to de sua competência;

IV – Elaborar o balanço anual, o relatório financeiro e apresentá--los à Assembléia Geral;

V – Substituir o secretário-geral em sua ausência ou impedimento.Art. 24 – Compete aos Diretores Responsáveis:I – Convocar e realizar reuniões, em suas áreas respectivas – cria-

ção artística, música, divulgação, infra-estrutura – para a organização de eventos promovidos pela SOSACI e atividades culturais em geral;

II – Compor a Diretoria;III – Emitir parecer sobre entidades que desejem filiar-se à SOSACI

na categoria de associada efetiva;IV – Participar, com direito a voz e voto, das reuniões da Diretoria.

SEÇÃO III – DO CONSELHO FISCALArt. 25 – O Conselho Fiscal é constituído por 03 (três) membros

e, ainda, por primeiro, segundo e terceiro suplentes, eleitos em As-sembléia Geral para um mandato de 04 (quatro) anos, podendo ser reeleitos por igual período.

Art. 26 – Compete ao Conselho Fiscal:I – Exercer sistemática e permanente fiscalização das atividades

da SOSACI, através do exame dos balancetes, do balanço anual e dos livros e documentos a eles referentes;

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O Saci de Paraitinga SOSACI

II – Apresentar à Assembléia Geral Ordinária parecer sobre as operações da Associação, tomando por base o inventário, o balanço e as contas do exercício;

III – Informar, ao Conselho Diretor e à Assembléia Geral, irregula-ridades que apurar;

IV – Solicitar à Diretoria Executiva a convocação extraordinária do Conselho Diretor, se ocorrerem motivos graves e urgentes que, por sua dimensão, possam comprometer a credibilidade da instituição.

SEÇÃO IV – DO CONSELHO DE ÉTICAArt. 27 – O Conselho de Ética se constitui em instância de aconse-

lhamento da SOSACI, tendo ainda o papel de resguardar e preservar seus princípios e objetivos.

Art. 28 – O Conselho de Ética será composto por 07 (sete) mem-bros – todos designados por associados fundadores – cujos nomes serão ratificados pela Diretoria.

I – Na primeira reunião após a eleição, a Diretoria designará os nomes que irão compor o Conselho de Ética.

II – O Conselho de Ética se reunirá sempre que convocado pela Diretoria.

Art. 29 – Compete ao Conselho de Ética:I – Apreciar os casos que afrontem os princípios da SOSACI, por

parte dos associados, no sentido de evitar o seu desvirtuamento;II – Cuidar para que o fortalecimento e valorização da cultura po-

pular e caipira se viabilizem através da ação concreta de seus asso-ciados.

SEÇÃO V – DAS SUB-DIRETORIASArtigo 29-A – A Sub-diretoria de Artes é composta de 02 (dois)

membros indicados pela Diretoria, tendo o mandato coincidente com o da Diretoria que o elege.

Parágrafo Único: Compete à Sub-diretoria de Artes organizar, pro-gramar e zelar por exposições de fotografias, de desenhos e quais-quer outras, bem como oficinas e quaisquer outras atividades de cunho artístico.

Artigo 29-B – A Sub-diretoria de Música é composta de 02 (dois) membros indicados pela Diretoria, tendo o mandato coincidente com o da Diretoria que o elege.

Parágrafo Único: Compete à Sub-diretoria de Música organizar, programar e zelar pela programação musical durante eventos da entidade.

Artigo 29-C – A Sub-diretoria de Literatura é composta de 02 (dois) membros indicados pela Diretoria, tendo o mandato coinciden-te com o da Diretoria que o elege.

Parágrafo Único: Compete à Sub-diretoria de Literatura organizar, programar e zelar pela produção de eventos de cunho literário da entidade, tais como palestras, conferências e debates.

Artigo 29-D – A Sub-diretoria de Eventos é composta de 02 (dois) membros indicados pela Diretoria, tendo o mandato coincidente com o da Diretoria que o elege.

Parágrafo Único: Compete à Sub-diretoria de Eventos programar e organizar os eventos e zelar pela segurança dos participantes dos mesmos.

CAPÍTULO V – DA ELEIÇÃO E DA POSSE

Artigo 30 – Os membros da Diretoria serão eleitos entre os asso-ciados para um mandato de 04 (quatro) anos, podendo ser reeleitos por igual período.

I – Poderão concorrer aos cargos de diretor todos os associados que compõem o quadro efetivo da SOSACI;

II – Os diretores responsáveis serão indicados nominalmente pe-las respectivas áreas de atividade que representam, e referendados por ocasião da Assembléia Geral Ordinária;

III – Os membros que compõem as instâncias da SOSACI poderão ser reeleitos apenas uma vez para os cargos que ocupam.

CAPÍTULO VI – DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 31 – O presidente e o tesoureiro da SOSACI responderão dire-tamente pelas obrigações assumidas durante sua gestão, cabendo

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O Saci de Paraitinga SOSACI

aos demais dirigentes responsabilidade subsidiária.

Art. 32 – Os associados não respondem pelas obrigações contra-ídas pela SOSACI.

Art. 33 – No caso de extinção da SOSACI, seu patrimônio será des-tinado a instituições com objetivos similares cujos princípios se coa-dunem com os da Associação.

Art. 34 – Os casos omissos neste estatuto serão decididos pela Diretoria, ad referendum da Assembleia-Geral.

Art. 35 – Este Estatuto entrará em vigor na data de sua aprova-ção em Assembléia-Geral.

A escolha dos diretores que vão compor a entidade é feita por meio de uma eleição com os associados. Ela ocorre periodicamente a cada quatro anos, e quem está na função pode se candidatar apenas uma vez após ter assumido o cargo. Depois desses dois mandatos, o candidato não pode con-correr novamente, para que seja dada a oportunidade para os demais.

A entidade trabalha basicamente com duas ações: a interação com o pú-blico via internet, pelo site ou pela página do facebook, e as festas promo-vendo o folclore nacional. Se algum associado propor alguma ação ou ati-vidade que divirja do estabelecido, sua ideia tem a chance de ser executada com a chancela da Sosaci. A entidade também presta serviços de assessoria para aqueles que estão desenvolvendo atividades e trabalhos relacionado ao Saci.

— Tem bastante procura por parte de grupos de teatro, de cineastas que vão fazer documentários, para edição de livros. Temos associados que são artistas, cartunistas, escritores, que produzem livros com a temática da mi-tologia brasileira. Outra atividade relevante, mas que não ocorre periodi-camente, é a realização de exposições. A Sosaci tem acervos com material sobre o Saci com cartoons e outros de escultura de Saci que também são requisitados para serem usados e expostos. Além disso, a Sosaci participa de eventos por meio de palestras, de eventos em escolas, realizando contação de histórias, que alguns associados fazem. Basicamente, atividades de pro-moção da cultura e dos mitos brasileiros.

A cidade de São Luiz ainda encontra algumas restrições em relação ao tema Saci. Como já foi citado, a relação da lenda com a cidade nem sempre é um ‘caminho de rosas’. Sempre terá os dois lados da moeda: aqueles que apoiam e aqueles que criticam. André Luiz revela que essa é uma preocupa-ção muito grande em relação aos luizenses. Para o docente e presidente da entidade, a Sosaci não tem um dono, ela é de todos e as atividades que eles realizam na cidade, como a festa, são para o município. Sempre serão pen-sadas para que haja o envolvimento da população.

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Educação

CAPÍTULO5

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O Saci de Paraitinga

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

A escola tem um papel fundamental na vida do ser humano. Por meio dela, todo um conhecimento de mundo é transmitido para os alunos desde a infância. O professor tem papel fundamental na

educação dos estudantes sobre a cultura local e a cultura do seu país, na transmissão de valores e também no desenvolvimento do senso crítico. A educação é capaz de mudar e transformar o mundo.

Por isso, ela tem um papel importante para que a cultura brasileira não se per-ca, como suas lendas e manifestações como dança e teatro. É explicando o valor desses elementos para a identidade de um povo que a cultura poderá se perpetu-ar com o passar dos anos. As lendas têm um papel fundamental para ensinarem valores, como, por exemplo, o respeito. Talvez muitos não imaginem esse valor do conto popular, nem a importância de mantê-los para preservar nosso passado.

As lendas podem ser trabalhadas na escola, mas não somente explicando a história de cada uma delas, fazendo com que as crianças conheçam a sua história por conhecerem. Um único personagem, como o Saci, pode servir de exemplo para muita coisa. No caso específico dessa personagem, o fato de o Saci fumar um cachimbo poderia ser motivo de polêmica na educação infantil, deixando a possibilidade de se ensinar muitas coisas por meio de sua figura de lado para evitar, de alguma forma, “influenciar” as crianças. Di-tão Virgílio, o especialista de Saci de São Luiz, realiza um trabalho que ajuda

Trabalhos feitos por uma criança durante oficina oferecida na Festa do Saci em 2015. Atividades que envolvam o público infantil são comuns na festividade

FOTO: nara Carvalho

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

na perpetuação da figura da personagem. Vários grupos escolares, de várias cidades, quando visitam São Luiz, ouvem as histórias que o morador tem para contar sobre o negrinho de uma perna só. Mas ele faz questão de deixar claro que o Saci fuma, pois o cachimbo é algo de sua natureza e aconselha os alunos sobre esse hábito de fumar.

— “Mas Saci não pode fumar”. Pode, sim. A gente tem que orientar a criançada para não fumar, porque é outra coisa. Dá câncer e outros tantos malefícios. Tem que orientar mesmo as pessoas a não fumarem, mas o Saci, sim. Sem o pito na boca, não é Saci.

Virgílio ainda complementa que ele não realiza nenhum tipo de trabalho nas escolas de São Luiz semelhante ao que é feito com as crianças de ou-tras cidades que visitam o município. Isso, para ele, acaba virando motivo de preocupação, pois esses ‘de fora’ acabam sabendo mais que as próprias crianças luizenses. Mas, por outro lado, ele ainda fica feliz por saber que isso será contado para outras pessoas de outros lugares, que talvez não tivessem a chance de conhecer essas histórias. Isso é uma forma de manter viva a lenda do Saci.

A professora da Universidade de Taubaté (Unitau), Ebe Camargo, desta-ca que as lendas têm um papel fundamental como meio de aprofundar o conhecimento das crianças. Ela complementa, ainda, que as lendas podem servir de base para a educação, não apenas na educação infantil, mas, tam-bém, nas demais escolaridades.

— Eu penso que as lendas têm um papel preponderante na literatura e elas devem ser abordadas pelos professores. Elas são meios de você levar, de repente, valores para as crianças, reflexões, criticidade. Eu penso que as lendas têm esse papel significativo. Nós podemos fazer grande proveito das lendas na educação das crianças, no que concerne aos valores, às crenças.

Para a docente, esse tipo de instrução pode ocorrer pelos mais diversos ramos da arte, entre os quais se pode citar a contação de histórias, encena-ção teatral, danças, músicas, histórias em quadrinhos, desenhos animados. Todas essas ferramentas, que para muitos pais são tidos como momentos de lazer, têm muito a ensinar. A pedagoga segue adiante, complementando que a arte tem papel fundamental na divulgação de valores presentes nas lendas.

O pedagogo Judas Tadeu, morador da cidade de São Luiz, conta que as

lendas podem ser trabalhadas em todas as disciplinas, como educação fí-sica, artes, geografia, história, etc., mas, para que isso seja feito, deve existir um plano de ensino em conjunto que envolva essas disciplinas nesse tipo de atividade. Ele nomeia isso como interdisciplinaridade.

— Eu acho que isso aí é uma coisa interdisciplinar, ou seja, isso aí envolve a língua portuguesa, envolve história, envolve geografia, pode envolver até ciências, envolve música, envolve até a educação física. Então é interdisci-plinar. Só que teria de ter um projeto e não esperar que, de repente, cada professor tivesse a mesma ideia de abordar esse assunto do Saci. Mas que a escola, quando fosse fazer o projeto pedagógico, incluísse essa interdiscipli-naridade dentro do seu projeto pedagógico. Cada escola é obrigada a fazer, no começo de cada ano, o planejamento.

O docente cita como exemplo o que a disciplina de ciências ou de biolo-gia – depende de como cada instituição nomeia a disciplina – poderia reve-lar, porque algumas pessoas nascem com algum tipo de deficiência, quais as possibilidades genéticas disso ocorrer.

Muitos podem se questionar se realmente as lendas têm algo a ensinar, pensando que as crianças devem apenas saber qual é cada personagem e o que eles fazem. O Saci pode, sim, ensinar muita coisa aos pequenos, afinal, por meio dele, pode-se trabalhar a questão da pessoa com deficiência, por ele ser negro, estar falando sobre o preconceito racial. Indo mostrando que essa raça é tão importante quanto o índio, o branco e as demais presentes em nosso país e a importância de entender sua relevância e papel na cons-trução de nossa identidade e cultura.

Por ele, também podemos, segundo Ebe Camargo, desmitificar o precon-ceito em relação aos negros e o valor dos preceitos éticos dos afrodescen-dentes. Ainda que a pauta da inclusão social esteja presente em toda parte hoje, o assunto ainda precisa ser desmistificado para o grande público. As pessoas que têm alguma deficiência ainda sofrem com a falta de respeito das demais pessoas e têm dificuldade de locomoção, pois as cidades não foram planejadas para esse tipo de público. Usando da lenda do Saci, essas questões podem ser abordadas, a exclusão e o preconceito ao negro, a inclu-são social da pessoa com deficiência, para mostrar que esse tipo de limita-ção não a impede de fazer as coisas que outras pessoas fazem.

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

O Saci tem apenas uma perna e faz coisas que uma pessoa com duas pernas faz. Nas histórias que já foram citadas aqui neste livro, estão relatos de que ele anda a cavalo, brinca com as pessoas, esconde seus objetos, brin-ca com as crianças. Na história de Lobato, no livro infantil t (1921), ele leva Pedrinho para conhecer a mata e vive grandes aventuras com o garoto. São simples detalhes que servem para mostrar que nenhuma limitação física é empecilho para aproveitar a vida. E, assim, como em relação aos negros, ele pode ensinar a acabar com esse preconceito.

Com essa forte influência da cultura de outros países, acaba se tornando difícil despertar o interesse dos alunos sobre as lendas e sobre o folclore bra-sileiro. Apenas falar sobre elas não resolve. O professor Judas Tadeu declara que as lendas são vistas como diversão para muitos, o que para uma minoria não é, principalmente para as pessoas mais velhas, pois elas acreditavam que esses seres existiam. O ex-docente cita que uma forma dessas lendas serem resgatadas, por exemplo, seria por meio de entrevistas com pessoas que realmente tivessem algo a mais para abordar.

Uma forma desse contato ser realizado pode se dar por meio de uma comunicação com pessoas mais velhas, principalmente as que moram na zona rural. O professor aposentado cita que o Saci pode ser tratado como um ser glamourizado, ou seja, podem ocorrer algumas distorções de como essa personagem é. Para ele, as pessoas da zona rural acreditam que a per-sonagem existe e que ela faz suas maldades, mas alguém da zona urbana dificilmente levaria isso a sério. Ele relembra quando estudava, dizendo que na sua classe havia pessoas da cidade e da zona urbana e ele percebia que seu amigo tinha medo dessa lenda; já ele, não.

— A visão que as pessoas têm na zona rural do Saci é diferente desse Saci que tem na cidade, que é mais parecido com esse Saci de desenho animado bonzinho, peralta. As pessoas da zona rural, as pessoas mais antigas, eu digo assim, aquelas que conservam, que inclusive acreditam no Saci, o tem como uma espécie de de-mônio do mato, que é uma figura bem diferente do peralta de uma perna só.

Porém, dependendo do contexto em que isso fosse trabalhado, poderia despertar algum medo nos alunos, principalmente quando se lida com a Educação Infantil, aqueles que estão iniciando sua vida escolar. Talvez os es-tudantes maiores não sentissem esse medo, o que não é algo a ser anulado.

A fala de Judas Tadeu se comprova quando observamos que, no ano de 2002, ele realizou seu trabalho de pós-graduação e entrevistou, à época, pessoas com mais de 70 anos e que, hoje, não estão mais neste mundo. Dessas pessoas, que moravam na zona rural, ele ouviu diversas histórias de Saci. Por isso, ele defende a ideia de que esses moradores preservam a verdadeira essência da lenda do Saci.

— São essas pessoas que conservam realmente a verdadeira lenda do Saci. Quando estava fazendo a minha pesquisa para fazer o meu trabalho de pós-graduação, eu entrevistei pessoas de 70 anos para cima. O mais velho, que infelizmente já morreu, há bastante tempo, contou várias histórias de Saci. Ele era uma pessoa extremamente religiosa, irmão do santíssimo. Fazia 60 anos que ele era irmão do santíssimo, nunca faltou numa missa do san-tíssimo, mas ele acreditava piamente na existência do Saci. Ele contou várias histórias para mim, mas não tinha nada a ver com esse Saci glamourizado. Até o que se festeja aqui em São Luiz é um Saci glamourizado.

Muitos acabam enxergando que ter algum contato com essas pessoas mais vividas seja uma perda de tempo, mas, como podemos perceber por esse relato, definitivamente não é. Pela sua experiência de vida, elas têm muita coisa para ensinar. Podem não ter o conhecimento dos livros, mas de vida eles têm de sobra. E, para que essas lendas se mantenham vivas, esse contato é fundamental. Muitas crianças, e, hoje, talvez adolescentes e adul-tos, ouviam as histórias que seus avós contavam quando pequenos. Elas po-dem não acreditar, mas se recordam do que ouviam, e isso é uma forma de manter viva essa história oral. Nos livros, com o tempo, elas podem acabar de perdendo, já que esse material tem certa facilidade em ser descartado e ignorado. Já o conhecimento oral pode ser transmitido e de boca em boca ele se perpetua. O próprio Ditão Virgílio contou que muito do seu conheci-mento de Saci se construiu por causa de seus pais e avós.

Atualmente, as lendas, ainda são abordadas e contadas, ainda que de ma-neira mais tímida, no entanto, não são tão levadas a sério. Mas antigamente não era assim. Ambos os pedagogos confirmam isso, e Ebe Camargo faz uma ressalva. Ela afirma que sua educação se deu na época em que nosso país estava vivendo um regime militar. Nesse período, muito no país era censu-rado: os meios de comunicação, o conteúdo que era ensinado nas escolas, etc. Sociologia e filosofia, matérias que formam o senso crítico do cidadão,

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

foram deixadas de lado. Essas narrativas, porém, não escapariam de passar por essa censura. A docente nos mostra como isso se deu.

— Eu não me lembro, em nenhum momento, das minhas professoras terem se referido ao Saci. Eu fui educada na ditadura militar, de 1965 a 1981. O contro-le, a censura, ela era muito forte, era marcante. E, portanto, os livros didáticos passavam todos por esse crivo de senso. Creio eu hoje, com a compreensão e o entendimento que eu tenho, que isso foi um fator decisivo por parte dos milita-res na escolha dos textos que os alunos deveriam aprender. Então, nós nunca ti-vemos, pelo menos no meu caso, acesso a essas lendas. Eu cheguei a ver lendas, por exemplo, de índios, o Mationã, que é a história de um indígena.

Já o pedagogo luizense destaca que a Educação antes, em vez de traba-lhar com uma valorização da cultura nacional, desempenhava um papel contrário. Tadeu explica melhor como isso se dava.

— Havia um ensino que não só não trabalhava as lendas como pratica-mente procurava destruir o vocabulário típico do caipira. Quantas vezes, quando era criança, era recriminado por chamar o filtro de barro de ‘taia’, como ele é comumente referido por aqui? A talha, que era uma espécie de filtro de barro, mas sem o filtro. Só colocava a água ali e ficava uma água fres-quinha, mas não tinha nenhuma filtragem, nenhum tratamento. E a gente falava ‘a taia’ a professora falava ‘Taia, não, é talha’. Ela fazia bem em falar, porque a finalidade da escola é passar a cultura, vamos dizer assim, o modo correto de se falar o português. Mas, de certa forma, isso vai destruindo o linguajar tradicional do caipira.

Nos dias de hoje, as doutrinas seguidas por cada um podem ser conside-radas uma ‘interferência’ em alguns momentos do nosso dia a dia. Algumas doutrinas, como as religiosas, têm suas regras e seus seguidores cumprem à risca o que muitas vezes os líderes dessas instituições dizem e acabam re-negando outras. Um exemplo que pode ou não acontecer é de alguns pais não entenderem a importância de abordar o folclore nas escolas e achar que isso é uma forma de fazer a cabeça do aluno para que ele pense, no caso das lendas, que esses seres existem, ou que isso funcione como uma forma de propagação de paganismos. Nessa hora, o papel do professor é fundamental para que haja um equilíbrio nessa situação, explicando porque é importante o estudante aprender sobre a cultura de seu país. Isso não deve ser confun-

dido com imposição, de que ele deve fazer uso fruto disso. A professora da Unitau, Ebe Camargo, destaca que, nesse caso, um professor pode proceder para que o aprendizado seja construtivo.

— Eu acho que o papel do professor é um papel reflexivo, crítico, e ele deve conduzir de forma satisfatória esse momento para que a criança, de fato, ou mesmo que se trate de um adolescente ou de um adulto, compre-enda que aquilo é uma lenda, que o professor está abordando em sala de aula para o conhecimento e desenvolvimento do aluno e que isso, de forma alguma, vai alterar as crenças, a religiosidade, a fé em que estão apoiadas essas pessoas. Aquilo ali é simplesmente um meio de se conhecer as raízes de uma cultura, mas não significa que você tenha de aderir àquela lenda e fazer dela o centro da sua vida. Como é que você vai ensinar a criança a ter esse discernimento se você não apresentar as várias facetas da cultura? É muito importante que, de fato, a educação seja multifacetada, eclética, para que cada um possa, depois, fazer as suas próprias opções. Então, nós preci-samos partir da premissa de que a educação precisa ser eclética, ela precisa apresentar o novo, e isso não significa que as pessoas tenham de aderir, isso é muito diferente. Uma coisa é conhecer, outra coisa é aderir aquilo como verdade absoluta.

A especialista, que ministra aulas de filosofia na universidade, contrapõe essa falácia ao expor que, se a pessoa já possui um dogma em sua vida, torna-se difícil de ela fazer um questionamento de mundo e contestar realmente algo.

O fato é que todos concordam que a Educação pode contribuir, e mui-to, para a valorização da cultura. Solange, coordenadora do Centro Cultural Afrobrasileiro e biblioteca Zumbi dos Palmares em Taubaté, é direta quando perguntada sobre o que poderia ser feito para que o brasileiro desse mais valor a sua cultura.

— As escolas. A educação. Os dirigentes de cultura têm de valorizar as manifestações culturais populares de todas as formas. A gente não pode fi-car fechado na semana do folclore. Acho que a escola tem de voltar com a cantiga de roda, a brincadeira. Os meninos não sabem jogar pião, não pulam mais corda e esse universo rural precisa fazer parte da educação, não com aquele olhar de preconceito, mas com aquele olhar de que é o universo rural que é formador da base cultural da sociedade brasileira. E existem as brin-

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

cadeiras, que podem fazer a diferença neste processo.Se, por um lado, as escolas podem manter vivas essas tradições, por ou-

tro, ela também pode deixar que isso morra aos poucos. Infelizmente, em di-versos lugares, as escolas ainda insistem em comemorar o Dia das Bruxas e o folclore, com suas lendas, cantigas e manifestações, acaba sendo deixado de lado. Isso precisa mudar A vereadora Angela Guadagnin fala a respeito disso.

— As escolas apresentam (o folclore) como uma coisa afastada da nossa cultura, que não tem relação nenhuma com nosso povo. É visto como uma coisa pitoresca e jocosa. Já o Halloween é comemorado, tem festa à fanta-sia, brincadeira de pedir doces ou travessuras. Ninguém fala que se alguma coisa desapareceu, com certeza, foi travessura do Saci que escondeu. Isso também poderia ser colocado, de alguma forma, no processo educacional nas escolas.

Educação Infantil

O município, em sua zona urbana, tem uma escola responsável por transmitir os primeiros ensinamentos aos luizenses. A escola infantil EMEIF João Batista Cardoso é responsável pela educação das crianças de três a cin-co anos de idade, mas, no ano de 2016, tem alunos de dois anos e meio. A escolha por demonstrar como essa escola trabalha com as lendas e o folclo-re no município se deve primeiro pelo fato de ela trabalhar essas questões com as crianças, que vão começar a ter seu primeiro contato com as letras e com os números, ou seja, tamanha a importância dessa educação inicial na formação escolar. O segundo motivo é que nessa faixa etária os alunos estão descobrindo o mundo e isso é algo relevante para esse tipo de público, e por ter essa vontade de conhecer cada vez mais coisas, o envolvimento com os conteúdos transmitidos pelos professores é objeto de maior interesse. Não que nas demais classes isso não seja possível de se trabalhar, pelo contrário, pode ser, sim, trabalhado, com atividades elaboradas para cada faixa etária, mas, o mesmo interesse das crianças, esse grupo não tem.

Como já foi citado anteriormente, no começo de mais um ano letivo to-dos os professores se reúnem e criam o seu plano de ensino que os acom-

panhará durante as aulas no ano. Nesse plano, os docentes colocam quais serão os projetos a serem realizados, além da maneira como esses conteú-dos serão trabalhados. Nas escolas da cidade de São Luiz, é feito um plane-jamento que equivale para todas as escolas do município. Isso é feito para que, se um professor for transferido para outra escola, ele tenha como saber que tipo de matéria trabalhar e como ela será desenvolvida naquela escola. Isso unifica a forma a serem trabalhadas as disciplinas, afinal, São Luiz tem muitos núcleos escolares em bairros rurais.

Na escola infantil, que todos conhecem como prézinho, a temática do folclore é trabalhada praticamente durante o ano inteiro. A professora coor-denadora, Maíra Leiaine, que em outras escolas ministrou aulas de arte, co-loca como exemplo as atividades realizadas pela escola, em que trabalham questões como os personagens do nosso folclore e da nossa literatura.

— Eu trabalhei bastante com a Cuca, a Emília, que veio fazer um teatro sobre o zika, integrando com a parte da saúde. Teve os personagens feitos pela professora de arte, os fantoches dos personagens no rolinho de papel higiênico, dedoches.

Essas atividades a que Maíra se refere foram realizadas na Semana Mon-teiro Lobato, que é realizada em abril, mês em que o escritor taubateano nasceu. Depois, as lendas voltam a ser mais trabalhadas no mês de agosto, pois o dia 22 é o Dia do Folclore. Outras atividades devem ser trabalhadas. O Saci é bastante abordado na escola e ele acaba recebendo uma “exclusivida-de” durante o mês de outubro. Nesse mês, em especial, a personagem é mais trabalhada na escola com os alunos. Por isso, Maíra conta que, nos outros meses, eles evitam falar muito da lenda, para que quando chegue ao mês reservado a ele, não se torne algo desgastante aos olhos dos alunos.

Como uma professora de arte, Maíra sempre tem ideias de como essas lendas podem ser transmitidas para as crianças nas mais diversas formas de ensino. Abaixo, ela dá um exemplo de como trabalhar a lenda do Saci com cada faixa etária presente na EMEIF João Batista Cardoso.

— No maternal, eles gostam muito de massinha. Eu traria particularmen-te a massa de biscuit, porque você tem que trabalhar ela. Nessa massinha, você vai ensinar a criança a modelar, fazer a cabeça; depois, você ensina a fazer o copinho, para colocar o chapeuzinho. Poderia trabalhar de diversas formas, mas eu daria massinha e argila no maternal. Na fase 1, você já pode

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

fazer uma dobradura, não aquela dobradura tão elaborada, mas uma dobra-dura de Saci eles conseguem fazer. E, na fase 2, eu faria um teatrinho, porque eles já conseguem se lembrar da fala, já estão mais entusiasmados.

Cada faixa etária representa um nível escolar. O maternal contempla as crianças de dois anos e meio a três, a fase 1, as de quatro anos, e a fase 2, as crianças de cinco anos. No exemplo citado, cada faixa teve uma ativida-de pensada exclusivamente, que varia de acordo com as necessidades de cada criança. No maternal, por exemplo, a atividade é mais simples, pois a criança está começando a aprender. Ela ainda não sabe ler e escrever, e estão passando a conhecer as letras do alfabeto.

Outros tipos de atividades que são ensinadas incluem desenhos, pintu-ras, esculturas, música. Tudo são formas divertidas e alegres de ensinar as crianças, auxiliando para que assimilem melhor os ensinamentos. Por meio dessas ferramentas, o envolvimento das crianças é muito grande e, pelas ta-refas, os pais são envolvidos nesse universo. Claro que essas tarefas não são enviadas todos os dias para serem feitas em casa, já que nem todos os pais têm um tempo disponível para ajudá-los.

São Luiz é uma cidade rica culturalmente e muitos eventos da cidade são retratados na educação infantil. Por isso, alguns pais poderiam reclamar com a direção da escola sobre o tipo de conteúdo que está sendo trabalha-do. Nessas horas, o papel do professor em dar uma explicação que mostre a importância dessas atividades para o pai é muito importante. Maíra Leilaine revela como esse diálogo deve acontecer.

— Sobre o nosso folclore, no geral, sem abranger só o Saci ou a Cuca, em alguns momentos os pais questionam. Por exemplo, na Festa do Divino, quando a gente vai sair: qual é o motivo de sair pra festa? Você vai levar pela parte religiosa ou vai levar pela parte cultural? Eu não posso privar a criança de aprender. Porque é algo que o pai acredita. Eu tenho que ir devagarzinho, com jeito, explicando que faz parte da cultura local, que se não for a escola, que vai ensinar o certo, ele vai aprender fora. Então, que seja aprendido isso da forma correta, por meio dos meios legais, que são a educação. Se ele achar que não for pertinente, que ele venha depois e comunique para a gente.

Esse questionamento colocado pela coordenadora pedagógica sempre tem um cunho voltado para a religião, como no caso da Festa do Divino e do Car-

naval, esse último que muitos consideram como algo realmente sujo e impuro. Por se tratar de crianças, dependendo de como o assunto é abordado, os

pequenos podem ficar com medo das personagens e por isso não quererem participar dos projetos que são incentivados pela escola. Maíra reitera que as crianças hoje em dia já não têm mais medo dessas lendas como as pessoas de antigamente tinham. Hoje, quando se fala da lenda do Saci, por exemplo, o alu-no fala que ele é uma criança que faz muitas artes, não como algo demoníaco e do mal, como os avós desses mesmos estudantes poderiam apontar. Nem a cobra grande, uma lenda luizense que diz que sua cabeça se encontra debaixo da Igreja Matriz e sua cauda na Igreja do Rosário, causa medo nos estudantes.

— No folclore, eu desenhei a cobra grande. E o que acontece: eu coloquei em cima dela a mula cavalgando e um barquinho lá embaixo nas águas do Rio Paraitinga e estava a Cuca, o Saci Pererê e o Curupira. Eles arrancaram minhas personagens, rasgaram e levaram para eles.

Por meio das lendas, pode-se ensinar lições valiosas de comportamentos, que podem ser levados para a vida por esses estudantes. Na escola infantil de São Luiz, qualquer atividade que envolva os personagens folclóricos não será ministrada em vão, ou, como muitos dizem, “ensinadas apenas por en-sinar”. Tudo tem seu valor didático e prático.

No mês da primavera, é trabalhado a lenda da Iara, que vive nos rios, usando-a para abordar a questão da preservação das matas ciliares. O Saci não fica para trás neste ponto.

— O que o Saci faz? Quando ele faz coisa errada, o que acontece? Então, estamos sempre atrás de algum tema que possa gerar uma abordagem didática. Você pode trabalhar, de repente, algumas brincadeiras que podem causar algum prejuízo para as outras pessoas, que podem deixar o outro triste, como esconder material. Então a gente já ensina aqui, por meio do Saci, que tem coisa que deixa o amiguinho triste.

O ano de 2016 é o primeiro em que Maíra Leilaine está trabalhando na Educação Infantil. Nos demais anos, ela trabalhou com estudantes dos en-sinos Fundamental e Médio. Segundo ela, os professores do Ensino Infantil são mais criativos, pois estão todas as aulas com os alunos e conhecem o que cada um gosta e não têm aquele comportamento de que não vai fazer determinada atividade como teriam com os alunos maiores. Para ela, quan-to mais você estimula, mais a criança aprende e quer mais.

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

Plano de Educação

O que fica claro neste capítulo é que não existe um nível escolar para tra-balhar as lendas do folclore, e, principalmente, que elas podem ser trabalha-das de diversas formas e sempre ensinando mais do que apenas sua história e as características das personagens. Por meio de pesquisas na internet, é possível encontrar planos de aula, de forma gratuita, propondo atividades sobre o folclore para serem trabalhadas nas escolas. Um desses sites é a pá-gina online do UOL Educação. A seguir, exibimos um planejamento de aula para o ensino fundamental que trabalha o folclore no geral.

Objetivos

1) Organizar exposição sobre o folclore brasileiro2) Conhecer o conceito de folclore e os elementos mais caracte-

rísticos do folclore brasileiro;3) Reconhecer manifestações folclóricas em diversas áreas da

cultura: artesanato, literatura, música, dança, brinquedos, etc.;4) Aprender as fontes essenciais do folclore brasileiro: as cultu-

ras ibérica/européia, africana e indígena;5) Distinguir o folclore das diversas regiões do país.

Comentário

A partir da segunda metade do século 20, a sociedade brasileira passou por processos de industrialização e urbanização acelerados. Os dois processos concorrem para a criação de uma cultura mais ho-mogênea em todo o país, bem como para fazer desaparecerem ou se modificarem as tradições culturais populares, cuja origem se encon-tra no passado rural do país. Por isso, mais do que nunca é impor-tante apresentá-las às novas gerações e preservá-las. Trata-se de tradições que formam a identidade nacional brasileira.

Ponto de partida

Leitura do texto Folclore: a sabedoria e as tradições do povo, pas-sadas de geração a geração e dos links a ele relacionados, em Cultura brasileira. Os alunos podem ler os textos em casa e discuti-los em sala de aula de modo a esclarecer as dúvidas que tiverem sobre eles.

Estratégias

1) Dividir a classe em grupos e encarregar cada um deles a le-vantar elementos característicos do folclore brasileiros em uma área cultural específica: um grupo se dedica a música, outro a artesanato, outro a literatura, etc. Não se trata somente de falar ou escrever so-bre as manifestações, mas de realizar uma exposição. Então, os alu-nos devem procurar encontrar objetos folclóricos que possam ser expostos;

2) Pesquisar a história dos objetos encontrados: de onde eles se originam, quais suas fontes básicas (ibérica, africana, indígena, mesti-ça...), quem são seus produtores atualmente, etc.

3) Produzir cartazes ou painéis com textos identificando os obje-tos levantados e apresentando as informações essenciais sobre eles, pesquisadas no item anterior.

4) Podem-se privilegiar os elementos do folclore do local onde se realizará a exposição. Mesmo assim, é importante confrontar esses elementos com outros de outras regiões do Brasil. O artesanato em barro, por exemplo, existe em várias regiões brasileiras, mas apre-sentam motivos, formas ou técnicas diferentes conforme a região onde são produzidos.

5) Uma vez realizadas as etapas anteriores, pode-se organizar a exposição. A mostra não deve se restringir à classe que a organizou. Por isso, deve ser realizada preferencialmente em algum local em que ela possa ser visitada por toda a comunidade escolar.

Sugestão

Inezita Barroso é uma grande pesquisadora da chamada “música

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

de raiz” brasileira, aquela que está mais ligada às nossas tradições culturais populares. Os alunos podem acessar, através da Rádio UOL, os seguintes discos da cantora/pesquisadora:

Hoje Lembrando Sou Mais Brasil

Além de Inezita Barroso, a Rádio UOL dispõe em seu acervo de outros discos de qualidade com músicas do folclore brasileiro. Três outras opções são apresentadas abaixo:

Beira-Mar Novo Duas Canções do Folclore Mangueira em Tempo de Folclore

Além delas, é possível realizar pesquisas na própria Rádio UOL.Já o site Nova Escola apresenta um plano de aula focado total-

mente na lenda do Saci, especialmente para alunos de pré-escola.

Objetivo(s)

Conhecer a história do Saci Pererê; Descrever o Saci Pererê; Dan-çar em roda; Desenvolver memória musical de pequenas melodias; Conhecer o instrumento – pandeiro.

Conteúdo(s)

Folclore brasileiro - O saci -; movimentos livres ao som da música; Coreografia em roda.

Ano(s)

Pré-escola

Tempo estimado

30 minutos

Material necessário

Rádio; Pandeiro ou chocalhos; Música Pererê Pererê (autor des-conhecido); Música Pererê Peralta (Carlinhos Brow); Vídeo “Saci - juro que vi – 2009”.

Desenvolvimento

1ª etapa • Contar a história do saci pererê utilizando imagens e so-

norização (enquanto conta a historia do saci pererê faça sons dentro à história utilizando bandinha rítmica, assobios, pequenas melodias, flautas. O diferencial da história sonorizada é o fato das crianças po-derem interagir com os sons, você pode pedir que eles mesmos fa-çam o som da floresta, ou do saci assobiando).

• Ao final da história pergunte a turma como eles acham que é o saci (alto ou pequeno? quantos pés ele tem? qual é a cor preferida dele? como é a voz dele grave ou aguda? se ele fala alto ou bem baixinho?).

2ª etapa • Em roda colocar a música Pererê Peralta do Carlinhos

Brow (essa música foi o tema do Saci no Sitio do Picapau Amarelo), pedir que todos dancem livremente mantendo seu lugar na roda; em alguma parte da música libere eles da roda; e vá dando comandos como bater palmas no ritmo; voltar e sair da roda; girar de mãos da-das. (a música é bem longa é muito bom que eles dancem livremente de forma que acompanhem o ritmo da música, da mesma forma que bater palmas também desenvolve esse senso de ritmo).

• Ao termino dessa atividade, e com todos em roda, diga que colocará a música novamente e que cada um dançara sozinho no cen-tro da roda imitando o Saci dançando. Recoloque a música e deixe que todos dancem.

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O Saci de Paraitinga EDUCAÇÃO

3ª etapa • Com apoio do pandeiro ou chocalho cante a música Pe-

rerê Pererê (o compositor é desconhecido, porém você pode ouvi-la no episódio sobre Saci no Quintal Musical), depois passe cada parte com a turma, está música você pode dividir em três partes, cante ela toda com eles e quando todos já estiverem cantando bem, distribua chocalhos e tambores para todos e dance com eles e cante (caso você não tenho disponível uma bandinha rítmica, só cante com eles andando pela sala como uma apresentação será divertida e cantar enquanto anda é muito importante para aprenderem a controlar a respiração).

4ª etapa No final todos voltam para seus lugares para assistirem o curta

Saci -juro que vi - deve levar uns 10 minutos no total e conta a história do Saci.

Avaliação

• É importante que ao final da aula os alunos saibam recon-tar a história do Saci de forma individual, sobre as coisas que ele faz, porque as pessoas têm medo e que ele é uma história do Brasil;

• Durante a aula é preciso que as crianças consigam fazer as atividades como dançar, cantar, pois a participação nas atividades é muito importante para desenvolverem noções rítmicas, motoras e estimular a afinação (não deixar que cantem gritando, ou muito baixo, buscar que as vozes fiquem homogêneas);

• Que saibam a canção ou pelo menos o refrão da música tocada (Pererê Pererê).

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O Saci de Paraitinga

Festividades

CAPÍTULO6

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

A cidade de São Luiz do Paraitinga se tornou conhecida pela sua cultura popular, por seus casarões coloniais da época dos ba-rões do café. Porém, passou também a ser reconhecida como

uma cidade festiva, onde, praticamente, cada mês se tem uma festa, seja na cidade ou nos bairros rurais. E com o Saci não seria diferente. Ele tem uma festa própria, realizada na última semana do mês de outubro (tendo referência o dia 31). Ele também já ingressou no mundo dos esportes – já existiu um time de futebol chamado Sport Saci. Inclusive, na maior festa da cidade, ele se faz presente, geralmente alegrando luizenses e turistas que lá estão nas noites de domingo. Sim, ele tem um bloco próprio no famoso carnaval luizense. E neste bloco ele não está sozinho.

Carnaval e Futebol

Tanto o bloco quanto o time de futebol são da mesma pessoa, José Donizete Lopes, o Zizi Neneco. O time de futebol não existe mais, mas se alguém quiser jogar uma bola com o Sport Saci, terá autorização do dono. Em um único ano, o Sport Saci teve quatro times atuando em São Luiz: Saci da 1º divisão, Saci da 2ª divisão, Saci veterano e o Saci juvenil. Dentro do

O Bloco do Saci sai nas noites de domingo no

carnaval luizense, e apesar do horário, todas as pessoas

saem fantasiadas de SaciArq

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

camping, Zizi tem um pequeno campo de futebol onde ele já realizou alguns tor-neios. O hino do time foi feito pelo próprio Zizi, juntamente com Ricão Moradei.

Antes de ir para o Bloco do Saci, Zizi foi presidente de um bloco cha-mado Rua Nova, e as músicas desse bloco eram sambas. Numa decisão política da cidade, foi decidido que o carnaval passaria a ser composto apenas por marchinhas, tanto que, nos dias de hoje, nos dias de carnaval, a cidade não toca oficialmente nenhum ritmo que não seja as marchi-nhas luizenses. Mas quem frequenta o carnaval sabe que não é bem isso que ocorre. Como já havia se envolvido e tinha conhecimento de como coordenar um bloco, José Donizete Lopes resolveu criar um bloco de car-naval, mas para isso precisava de um personagem. Como já tinha envol-vimento com a personagem, decidiu que esse bloco seria do Saci. Mas, logo que foi criado, ele demorou a sair juntamente no trio com os demais blocos. Zizi acredita que isso tenha ocorrido por questões políticas.

— O Galvãozinho (Galvão Frade) era o diretor de cultura à época que cuidava do carnaval e de tudo, ele não quis incluir o bloco do saci no calendário cultural e do carnaval. Mesmo assim, nós saímos sem sermos reconhecidos três anos.

Dentro da prefeitura não existe nada que possa caracterizar um bloco para que ele seja oficial. Geralmente, quem está na pasta da secretaria de cultura é quem conversa diretamente com o proprietário do bloco para con-vidá-lo a participar da festa. Com o bloco do Saci também foi dessa forma que ocorreu. Depois de três anos saindo independente, eis que o convite surge para desfilar juntamente com o trio.

Zizi acredita que conseguiram colocar o bloco na programação ofi-cial do carnaval pelo cansaço. Antes, a concentração do bloco era no próprio Camping do Saci. Mas, com o crescimento do carnaval, ficou complicado o bloco sair do camping. Ele passou a sair do mercado. Nessa festividade, as pessoas passam carvão em seus corpos, e pedaços de pano TNT vermelho são distribuídos para que as pessoas amarrem em suas cabeças. Alguns incorporam mesmo a personagem e fazem ca-chimbos, usam bermudas e shorts vermelhos e levam alguns pedaços pequenos de bambus. Os bonecos do bloco são o Saci Zé e a Saci Cida. Segundo José Donizete, eles são casados e tem muitos filhos. Talvez até por isso as crianças não sejam representadas por bonecões.

Antes mesmo de o bloco sair, é distribuído, de forma gratuita, uma bebi-da chamada Xixi do Saci. Ela é feita com pinga, aquela de menor qualidade, batida com maracujá e açúcar. Todos podem beber quantos copos quiserem.

Abaixo segue a reprodução das letras do hino e do bloco.

Hino do Sport – Saci

Vermelho e pretoNós vamos ensacizando

Tocando esta bolaTem saci malandtro

Chacoalha o bambuzeiroE olha pro grotão

Começa o jogoSou saci de coração

Vem lá do matoFutebol moleque

Avança dá um brequeCorta o zagueirão

Vira o jogoLança a pelota

Começa de novoQue beleza é gol

Com uma perna sóO saci dá nóE na cidade

Já virou chodó

Fazendo rodamoinhoLevanta o povão

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

E não tem jeitoO saci é campeão

Autores: Zizi e Ricão Moradei

Bloco do Saci

Pula de lá, pula de lá, pula daliQuem vem chegando

É o bloco do saci

Ô,ô,ô, o Saci chego Ô,ô,ô, o Saci chegô

No bloco do SaciÉ assim que a gente fazDá um pulo para frente

E outro para traz

Vem saci de longeVem saci de todo lado

Nesse carnavalTodo mundo ensacizado

Ô,ô,ô, o Saci chego Ô,ô,ô, o Saci chegô

Autores: Zizi e Ricão Moradei

BIS

BIS

Partituras do Bloco do Saci

Crédito

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

Festa do Saci

A Festa do Saci acontece desde a criação da Sociedade dos Observadores do Saci, já que ela era uma forma de contraponto com o famoso Dia das Bruxas. Muitos denominam a festividade como Festa do Saci e Seus Amigos, engloban-do, de um modo geral, todas as personagens do folclore brasileiro. Muitos acre-ditam que quem é o responsável pela organização da festa é a Sosaci. Porém, a entidade é apenas uma organizadora do evento, pois ela é uma festa municipal, de responsabilidade da prefeitura municipal. A prefeitura ajuda com a parte de infraestrutura e algumas outras coisas, como contratação de artistas. Isso, porém, varia de ano para ano. Nesse caso, a Sosaci entra como apoiadora do evento. A programação é pensada em conjunto entre a diretoria da Sosaci e as secretarias de Cultura e Turismo da cidade de São Luiz do Paraitinga.

O presidente da entidade, André Luiz da Silva, diz que, desde o início da festa, ela teve um propósito e este mesmo é mantido até hoje. E que propó-sito é esse? O próprio docente a destaca a seguir.

— A participação de artistas voluntários, que também se dedicam e par-ticipam da associação como promotores da cultura nacional. Então não co-bram cachê. O que a gente precisa arrecadar de dinheiro, que não é muito, é para pagar as despesas de hospedagem, alimentação, transporte. Basica-mente, esses são os gastos que a Sosaci tem. É uma festa extremamente ba-rata e eficiente, desse ponto de vista do investimento e do retorno.

No ano de 2015, a entidade realizou uma campanha na internet para angariar fundos para a realização da festa. Eles estipularam um valor e André informa que o valor não foi atingido e que no ano de 2016 essa ideia está descartada. Ele afirma que deu muito trabalho e o retorno não foi o esperado. A Associação Comercial de São Luiz, em algumas ocasiões, colaborou com a realização da festa, assim como também já foi feito por parte de alguns comerciantes locais. Essa ajuda varia mui-to de ano para ano, depende de como estão as finanças dos comércios.

Como já foi citado no capítulo sobre a legislação, a entidade é reconhecida como sendo de utilidade pública e está autorizada a receber uma subvenção da prefeitura. Segundo André desde a criação da Sosaci, ela nunca recebeu

esse dinheiro. Se recebesse esse dinheiro pelos serviços prestados ao muni-cípio, por exemplo, essa verba poderia ser usada para a realização da festa, mas a associação nunca recebeu o dinheiro público. Vale relembrar que esta lei não é autoritária, a prefeitura não é obrigada a auxiliar. Ela está autorizada a fazer isso, levando em conta sua condição financeira no momento. O presi-dente da Sosaci faz uma colocação importante sobre este fato.

— Ela nunca recebeu subvenção da prefeitura, ainda não recebeu. Ela tem autorização para receber, mas não recebeu. Primeiro, é a questão de crise. Desde que a lei foi fundada, estamos num processo de crise. E outra, que essa é uma responsabilidade muito grande. Está usando um dinheiro público e você tem que, de fato, dar uma contribuição consistente para o município para receber esse dinheiro. E, na verdade, a Sosaci ainda não en-controu uma estrutura adequada para fazer essa contribuição. “Receber por receber” não está dentro dos princípios do estatuto da Sosaci.

A programação da festa é composta por shows populares, brincadeiras, contação de histórias, além da famosa saciata do bloco do Saci e, ainda, do bolo do Saci. Alguns artistas que se apresentam nas festas são do próprio município e alguns são de outras cidades. Vale destacar que existem ofici-nas, que são oferecidas para adultos e crianças durante a atração. Máscaras, bonecos de argila, origamis. E para quem se interessar, ainda acontecem se-minários sobre a cultura caipira e o folclore. A maioria das atrações acontece no Largo das Mercês, perto da sede da Sociedade dos Observadores de Saci, mas isso não significa que as demais partes da cidade não sejam frequenta-das. Entre uma atração e outra, as pessoas circulam pelo centro histórico.

— A festa tem como princípio trazer shows que se relacionem com a cultura caipira. A proposta é mesmo promover a música regional, a música alternativa.

Abaixo, segue a programação da Festa do Saci do ano de 2015.

30/10 20h30 – Abertura: Banda Marcial Ignácio Gioia Largo das Mercês

22h – Show Musical: Trio Inhengatú Largo das Mercês

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

31/10 10h – Seminário da Cultura Caipira Centro Turístico e Cultural Nelsinho Rodrigues

13h – OficinaMáscaras: Benito CamposBonecos de Argila: Geraldo TartarugaOrigami: Maria do CarmoCabeças e máscaras: Beto Higa Largo das Mercês

15h – Contação de HistóriasGeraldo TartarugaDitão VirgílioTânia LottoLargo das Mercês

18h30 – Teatro Musical PeçaCoisas de Saci - Grupo Tempo de Brincar Largo das Mercês

19h30 – Lançamento do DVD: Varal de Memórias –Grupo Tempo de Brincar Largo das Mercês

20h30 – Concentração do Bloco do Saci Camping do Saci

21h – Saciata Bloco do Saci Largo das Mercês

22h30 – Show Musical: Los Cunhados – A confusão Praça Dr. Oswaldo Cruz

01/11 9h – Passeio Saciclístico 20 km Praça Dr. Oswaldo Cruz

10h – Músicas e Brincadeiras: Maira e Rogério Praça Dr. Oswaldo Cruz

14h – Bolo do Saci Praça Dr. Oswaldo Cruz

14h30 – Show MusicalAs Sianinhas Praça Dr. Oswaldo Cruz

16h – Show MusicalRaiz 40 – Samba de Raiz Largo das Mercês

20h30 – Show MusicalSiba – De Baile Solto Praça Dr. Oswaldo Cruz

Se a festa é do município presumi-se que os principais frequentado-res da festa sejam os luizenses. Na prática não é o que acontece. Para André Luiz da Silva os moradores da cidade participam da festa, porém, em alguns momentos. Ele destaca essa maior participação no bloco e no bolo. As demais acabam sendo deixadas de lado. Vale ressaltar que exis-tem aqueles que participam da festa.

— Particularmente eu vejo como uma frustração porque a festa é do mu-nicípio, a prefeitura nas últimas edições tem investido na festa para cidade, mas é uma festa que comporta os dois públicos. Eu acho que a festa acaba se tornando um atrativo para o turismo, ma ela também tem a preocupação de ser uma festa para o luizense. Como eu falei algumas coisas que tem na festa que é iminentemente para luizense.

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

Por questões culturais da cidade percebe-se muitas vezes que existe um envolvimento diferente entre as pessoas residentes no centro da cidade com os moradores da periferia. Existe uma barreira muito grande entre ambos. Em determinadas situações envolve alguns preconceitos, principalmente em relação com as classes sociais. Para fazer com que todos participem a Sosaci promove atividades nas escolas. Eles enxergam isso como uma forma de participação desses dois públicos distintos.

— Eu fico frustrado como falei por não envolver a população menos abastada da cidade que poderia estar usufruindo da festa, das atividades que são de qualidade. Mas essa relação da população do morro, da periferia da cidade com o centro histórico é complicada em todos os sentidos, em to-dos os momentos da cidade. Não sei se a gente consegue reverter ou superar essa dicotomia, vamos dizer assim, que existe na cidade. Estamos tentando trabalhar nas escolas que é uma forma que a gente viu de contornar essa barreira mesmo. Quase uma barreira cultural que existe da população mais da periferia e daqueles habitantes do centro da cidade.

Todas as festas seguem uma mesma linha de organização. O que pode mudar de uma para outra são os recursos que se tem. Algumas são maiores e outras menores devido ao recurso que se conseguiu para a realização. O importante é que com muito ou pouco o Saci terá sua festa em São Luiz do Paraitinga.

Opinião sobre a festa

Como já foi citada, uma das ações a serem promovidas pela Sosaci seria a Festa do Saci, não englobando apenas a personagem de uma perna só, mas sim os demais personagens do nosso folclore. Como isso se tornou algo novo para o município os moradores levaram um tempo para entender o quanto essa celebração é importante para São Luiz. Não apenas pelo fato de que ela atrai turistas e com isso as pousadas e restaurantes do município ficam com um fluxo grande de pessoas, mas por valorizar o folclore nacio-nal, e principalmente a cultura caipira. São Luiz Do Paraitinga é a cidade das marchinhas, e também é a terra do Saci.

Judas Tadeu não acredita muito de que a festa é para valorizar o Saci. Não aquele da roça como ele colocou como um ser que faz maldades, que as pessoas têm medo. Segundo o professor aposentado comemora-se um Saci glamourizado. Perguntado sobre a importância da festa ele destaca logo que tem uma dúvida sobre isso.

— Não sei se é. Porque veja bem: fizeram essa festa do Saci não por causa do personagem, foi para contrapor ao halloween. O que é o halloween? A origem dessa festa é na Irlanda, que lá eles faziam uma festa que depois foi transferida para os Estados Unidos e lá então se tornou parte da indústria cultural. Como surgiu essa lenda na Irlanda? Surgiu entre um povo que vivia na Irlanda, os cel-tas. Só que o povo que vivia em Portugal, Espanha ali na Península Ibérica tam-bém eram celtas. Eram os celtas que pegavam toda a Península Ibérica, uma parte da França, uma parte do litoral francês, toda a Escócia e toda a Irlanda. Era um povo só. E eu me lembro que quando eu era criança a minha mãe pegava a cambucá e abria olho, abria dente, punha uma vela. E a festa do halloween lá nos EUA as crianças ainda fazem isso. Ou seja, a origem do halloween é comum tanto lá na Irlanda, pois os irlandeses levaram para os Estados Unidos porque eles migraram em grande número para lá como também era comum aqui no Brasil antigamente. Por isso que eu tenho as minhas dúvidas.

Ebe Camargo, professora universitária, possui uma opinião diferente da de Judas Tadeu. Seu pensamento sobre a festa é favorável, tendo como pon-to de partida uma determinada ‘carência’ do brasileiro.

— Nós temos que considerar que a nossa população ela é bastante carente de cultura e eu falo isso com propriedade porque trabalho com a arte, trabalho na universidade com essas questões e vivencio o que as pessoas apresentam e não apresentam de conhecimento. Eu não estou querendo desmerecer as pessoas, é muito diferente disso. Mas o que eu estou dizendo é: falta divulgação, falta conhecimento e de repente essa lei foi instituída, foi promulgada justamente para trazer a tona questões que fundamentam o nosso povo e muitas pessoas não tem a compreen-são para entender isso. Então é de se considerar e se respeitar o gosto de cada um, as preferências de cada um, mas nós não podemos também desmerecer o entendimento e a compreensão de outros. Então se para alguns isto ainda é relevante porque não falar sobre isso.

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

Gostar de comemorar o halloween não deve ser considerado como al-guém que não valoriza a cultura de seu país. Pode existir esse equilíbrio en-tre gostar de algo de outra nacionalidade sem abrir mão da cultura de seu país. É justamente isso que o docente da Universidade de Taubaté, Prof. José Mauricio Cardoso do Rego destaca.

— Não é questão de dominação. Porque na antropologia tem um aspecto interessante que é chamado de aculturação. Então esse processo acontece per-manentemente. Há sempre trocas culturais e aquilo que é bom, aquilo que é produzido, que é colocado no sistema de trocas por outras culturas geralmente é bem-vindo. Só que a pessoa que está recebendo essa cultura não pode abrir mão, abdicar da cultura que é a raiz, que é orientadora do mundo dela. En-tão um exemplo muito legal pra você, que inclusive está ligado ao seu tema: o halloween. Existe algum problema com o halloween? Não. Se toda pessoa que fizesse essa celebração entendesse que a cultura brasileira tem todo um proces-so de identificação folclórica também. Então ele deveria na verdade aproximar os dois lados. Eu gosto do halloween, admiro, porém não abro mão da minha cultura nativa. Então você pode muito bem, uma pessoa sensata pode conciliar os dois mundos: o mundo interno e o mundo externo. Os valores internos e os valores externos. O que é errado é a pessoa abdicar ou anular os valores internos e simplesmente valorizar ou projetar os valores externos.

Pesquisa de Opinião

Em 2015 a Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (Unesp), campus de Guaratinguetá, realizou uma pesquisa de opinião com as pessoas que freqüentaram a Festa do Saci. A pesquisa levou em conta vá-rios aspectos parta conhecer quem é o público que nesta época vai a cidade de São Luiz do Paraitinga para comemorar esta festividade. Essa pesquisa foi feita na modalidade qualitativa e sua amostragem foi de 300 pessoas en-trevistadas.

Alguns dos resultados obtidos pela pesquisa foram:

• Em 2015 o dia de maior movimento na cidade foi no sábado, com

194 pessoas, ou 65,3%;• O local com maior movimentação de turistas foi o Largo das Mercês

com 31,8%;• Pessoas de 30 a 39 anos vão mais a festa representando 26,6%;• Pessoas do sexo feminino é a maioria em relação à ala masculina:

59,6% são mulheres e 40,4% homens;• A escolaridade dos frequentadores da festa são em sua maioria até

universitários que corresponde a 54,1%;• Trabalhadores do setor privado representam 35,8%, enquanto estu-

dantes apenas 7,8%;• A cidade de origem com mais turistas freqüentando a festa é São

Paulo, com 26, 7, seguido de luizenses com 20,3%;• A região de origem também é liderada por pessoas da grande São

Paulo, com 38,3%, seguido de luizenses, 20,9%;• Grande parte das pessoas que vão a São Luiz comemorar a Festa do

Saci são frequentadores assíduos do município, o que representa 36,1%;

Esta pesquisa revela que mesmo a Festa do Saci ter pouca divulgação ela atrai turistas das mais diversas regiões do Estado de São Paulo e traz consigo um público diversificado. Mesmo sendo considerada uma ‘fes-ta barata de ser feita’ ela possui uma programação ampla para adultos e crianças, luizenses e não-luizenses. A pesquisa também informa que quem vai ao município comemorar o dia do Saci recomendaria para que outras pessoas visitassem a cidade e curtissem essa celebração.

Dos 300 entrevistados 95,3% com certeza recomendariam a festa e 91,9% retornaria em outras ocasiões e aqueles que de jeito nenhum recomenda-riam a festa representa apenas 2,7% e que não retornariam 1,0%.

Essa apuração realizada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) serviu para mostrar problemas que podem resolvi-dos e assim melhorar mais ainda a qualidade da festa. Os entrevistados res-ponderam uma pergunta sobre o que mais gostaram e o que menos gosta-ram nessa comemoração. A falta de divulgação foi um dos pontos negativos abordados por quem foi a São Luiz, representa 10%, em seguida vem à or-ganização com 8,9%. Foram colocados como positivos os shows oferecidos

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O Saci de Paraitinga FESTIVIDADES

durante o evento os7 shows representando 12%, seguido da companhia/amizade 7,3%. A cidade também foi citada como algo que os turistas mais gostaram vindo à terceira colocação com 7%.

Em 13 anos de realização da festa a Sosaci pode dizer que está cumprin-do seu papel em divulgar o folclore brasileiro. A iniciativa de colocar o Saci para bater de frente com a bruxa americana não foi algo em vão. O mais im-portante não é chamar a atenção para São Luiz. Claro que isso teve seu lado positivo. O município passou ser ainda mais reconhecido e movimenta a economia local, mas acima de tudo, a cultura popular está sendo resgatada, ela está se disseminando para diversos lugares, muitos até maiores que São Luiz. E isso é muito importante. Isso mantém a cultura caipira viva.

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O Saci de Paraitinga

A brasilidade de um ser

CAPÍTULO7

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O Saci de Paraitinga A BRASILIDADE DE UM SER

Durante a realização desse livro reportagem, alguns entrevistados tiveram que responder a uma pergunta em comum: o Saci repre-senta ou não a sociedade brasileira? E, a partir de agora, você con-

fere o que as fontes deste trabalho de graduação responderam.

Artesanato local

FOTO: Nara Carvalho

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O Saci de Paraitinga A BRASILIDADE DE UM SER

Na verdade, não tenho conhecimento suficiente para chegar a esta afir-mação, mas um negrinho que fuma cachimbo, com uma perna só, com um gorro na cabeça, é uma figura diferente. Africano por ser negro, mas como explicar o português e o índio nesta figura? Não sei dizer. Sei dos casos con-tados nas cozinhas antigas com as babás negras para fazer as crianças fi-carem quietas. Sei dos casos trazidos de outras histórias de “além-mar”, de histórias passadas através das pessoas, como eram contadas antigamente. Não sei dizer. Como estes estudiosos chegaram a esta certeza ou dúvida não consigo atinar.

Angela Guadagnin, vereadora e ex-deputada federal

Sim, é uma mistura de raças. Do gorrinho eu não acredito muito, não. Aquela coisa da liberdade que eles davam lá. Eu acho que ele é mais filho da África e do Brasil. Claro que depois vêm os portugueses e aí eles ouvem a lenda. Então eu acredito que, quando vieram os negros, eles também fa-lavam um pouco de Saci, mas de outra maneira. Eles acabaram juntando com o caipira, que tinha o português. Por isso, eu acho que é uma mistura de raças. Porque, do caipira que é filho de português com índio, e, depois, o negro, junta tudo, gerando a nossa história de Saci, que ficou maravilhosa. É nosso menino. Acabou se transformando no moleque brasileiro.

Ditão Virgílio, especialista em Saci

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O Saci de Paraitinga A BRASILIDADE DE UM SER

Eu não sei dizer para você nesse sentido, mas pelo que eu procurei saber e pelo que eu pesquisei, os índios já conheciam o Saci em tempos anteriores ao do escravagismo. Por exemplo, Saci Pererê. Por que pererê? Perereca é uma palavra tupi. Perereca significa pula, pular. Saci pererê é o que pula, ele tem uma perna só. Perereca também anda pulando. Agora não sei dizer para você de qual cultura ele é realmente originado.

José Donizete Lopes (Zizi Nneneco) , ex vereador de São Luiz e responsável pelo Bloco do Saci

Essa pergunta é difícil de responder, se ele representa o Brasil. Não tinha pensado nisso. E eu vou a falar a verdade, não sei te dizer. Porque não tem só ele de representante do folclore brasileiro. Como eu falei, temos o curupira, cuja presença é muito forte em nosso imaginário, temos a Iara e outros seres das lendas brasileiras. Pode ser que sim, que seja um representante nosso, por que não? Acredito que sim.

Kátia Rico, professora de História

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O Saci de Paraitinga A BRASILIDADE DE UM SER

Sim. O saci é importante. Ele é uma figura importante no folclore brasi-leiro e ele precisa sempre ser preservado, ser conhecido, porque ele revela uma alma brasileira que muitas vezes é desvalorizada, que é o homem do meio rural. O homem do meio rural é formado pelas suas crenças, crendices, religiosidade, cultura, pelo seu saber, pelo fazer e pelos modos, que muitas vezes foram apontados como símbolos de seu suposto atraso, eram desvalo-rizados. E não. É à base da estrutura dessa sociedade brasileira. Esse homem do meio rural, que é formado pela miscigenação de índio, negro, português. Ele precisa ser respeitado. Então o Saci e todo o universo que o envolve: a cuca, o boitatá, a Iara... Todos são importantes.

Solange Barbosa, coordenadora da Biblioteca e Centro Cultural Zum-bi dos Palmares

Representa, porque ele é interiorano, ele é malicioso e o povo brasileiro é extremamente malicioso; ele é negro e a nossa população majoritariamente é parda e negra. As estripulias, fora a malicia dele que já comentei: é a alma do povo brasileiro, ele ridiculariza tudo, brinca com tudo. Ele é um exemplo perfeito da nossa alma, do nosso inconsciente coletivo, mais do que os outros.

José Maurício Cardoso do Rego, professor universitário.

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O Saci de Paraitinga

Causos

CAPÍTULO8

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O Saci de Paraitinga CAUSOS

Inspirando-se na obra de Monteiro Lobato, O Saci Pererê: Resultado de Um Inquérito, foram levantados alguns causos. Os poucos que estão demarcados mostram que a lenda é forte nas cidades do interior. Não

que em cidades grandes elas não possam existir, mas são mais raros. Em pleno século XXI, os causos ainda são (muito bem) lembrados.

O Saci?Foto tirada por um turista e nessa imagem acredita-se que o Saci tenha surgido no momento

Arquivo pessoal: Ditão Virgílio

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O Saci de Paraitinga CAUSOS

André Luiz, presidente da Sociedade dos Observadores de Saci

Ele tem interagido bastante comigo, escondendo meus objetos, arrian-do bateria do meu carro. Ele prega umas peças algumas vezes, mas nada que tenha marcado. Porque já trato como cotidiano. Tão habitual essas coisas que eu já trato como normal. Foi o Saci e daqui a pouco ele devolve. São histórias de objetos que ele esconde, coisas que envolvem algumas estripulias de fazer isso. Quando vou andar de bicicleta, murcha o pneu da bicicleta, essas coisas que ele faz.

Ditão Virgílio, especialista em Saci. Causo 1

Teve um dia em que eu estava aqui, na casa do Oswaldo Cruz, contando a história do rodamoinho, do vento e tal. E no caminho da roça apareceu um ro-damoinho tão diferente, mas tão diferente, que me marcou para o resto da vida. Ele batia no barranco e voltava, vinha e voltava. Não durou um só minuto. Eu fiquei paralisado por meia hora vendo eles brincando no rodamoinho com o barranco. E a turma fala que é um pouco da natureza que bate no barranco, mas era diferente. Marcou muito isso aí. Marcou muito mesmo. E ele dançava, vol-tava. Mas fez um espetáculo para mim. Sabe o que é você ter um espetáculo do Saci só para você? Não é fácil. Porque ele vinha, girava e voltava, ia lá no mesmo lugar. Fiquei paralisado vendo aquilo lá. Não tinha uma coisa pra gravar. Parece que ele apareceu de acordo com a ocasião, para eu não ter nada para gravar. Ele queria aparecer para mim, mostrar para mim o espetáculo.

Causo 2Uma moça veio de São Paulo para me entrevistar e para caçar Saci. Deu

21h30 da noite, lá em casa, ela e mais dois rapazes, o camera man e outro cara lá falou: nós vamos caçar Saci. Eu falei: eu não caço Saci, mas tirando uma com eles. Eu falei: ó, a bateria costuma queimar quando está usando essa malícia que você está usando, pode acontecer de queimar. Ele disse: eu trou-xe outra bateria. Não teve jeito que falasse não. Estava com uma lanterninha na mão, junto com os outros lá. E, de repente, falei: então testa aí. Saímos. E

eu tenho o costume de fazer uma reverência para a mata, pedir uma ordem à mata para entrar. E ela: não precisa tirar chapéu nem nada e não sei o que. Passou uma coruja cantando e queimou a bateria. Aí falei: tá vendo? E puse-ram a outra bateria e o cara com uma lanterninha iluminou. Clareou tudo de novo. Falei: não leva nenhum palito de fósforo nem nada. Pra ver Saci. Daqui a pouco a coruja voltou e queimou de novo. Aí ele foi acender a lanterna e não deu. Saíram, os dois correndo e largaram a moça sozinha comigo, lá no meio do mato. Ela: ei, vocês me largaram aqui! Eu falei calma, isso não tem nada a ver. Tem uma cerca de arama farpado ali embaixo e se você correr você vai se machucar, se arranhar inteira, se arrebentar. Calma. Aí pegaram os apetrechos deles, tripés e tal, enfiaram no carro e combinaram de me encontrar em São Luiz no dia seguinte. Cheguei aqui em São Luiz, eles estavam aqui no canti-nho, almoçando, e quando me viram ela baixou a cabeça. Vocês não vão mais filmar o Saci? “Nós vamos filmar à tarde”, ela disse. A tarde é muito legal aqui em São Luiz. Mas até hoje não apareceram.

Causo 3E outra coincidência. Por isso que eu falo que Saci dá sorte. A Bunge Ferti-

lizante, que é uma multinacional ligada ao agronegócio, fez um concurso de propaganda de adubo. Eu ganhei em primeiro lugar para fazer a propagan-da da Bunge. Eu fui para Itu para gravar. Aí eu falei para eles. Fomos numa fazenda. Fazenda Concórdia, que é de 1620, quando eles tentaram evange-lizar os índios, mas eles não aceitavam. Puseram lá, imagine só: a Bunge fertilizantes contratou uma terceirizada para fazer, cheia da grana, aqueles negócios. Fizeram lá. Quando ligaram, eu falei: costuma queimar a câmera. Responderam: “nossas câmeras aqui são tudo nova”. Ação. Queimou. Daqui a pouco puseram outra e tal. “Isso aí não é nada, é coincidência”, disseram. Ação. Queimou a outra. Falei: pega uma cachaça e um pedaço de fumo e dá para o Saci, porque ele não vai deixar (gravar). Que nada. A terceira quei-mou. Aí eles picaram lá e deram. Aí conseguiram fazer a propaganda.

Causo 4Outra vez também foi com a Paloma, uma doutoranda, que foi lá em casa

e pediu um gomo do taquaruçu com furinho para ela e eu tirei. Daí uma

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O Saci de Paraitinga CAUSOS

semana eu ia pra São Paulo dar uma palestra lá na formatura dela. Quando eu cheguei lá, ela já veio com o taquaruçu na mão. ‘Leva embora. Não quero, ele acompanhou. Ele tá junto. A chave do portão apareceu na cozinha, da cozinha apareceu não sei onde lá. Pelo amor de deus, leva embora’. Primeira coisa que eu fiz, eu pus no carro para depois ir para lá.

Jose Donizete Lopes (Zizi Neneco), ex- vereador e responsável pelo Bloco do Saci.

O Saci que tem lá no sítio corresponde com todos esses casos que o pessoal conta. Meu pai, por exemplo, contava que ele deixava o cavalo amarrado num lugar, quando voltava, estava amarrado em outro. Punha o sal no coxo, porque a cada uma semana tem que levar e por sal no coxo para o gado lamber, punha e saía e ficava olhando. O gado não chegava no sal, porque o Saci não deixava as criações chegarem perto. Acho que enquanto ele não comesse um pouco, ele não deixava os animais comerem. Depois ia embora e o gado ia comer.

Eu vi pela primeira vez quando eu era moleque. Quando estava de férias, eu ia pra roça. Meu pai tirava leite lá, e tal, mandava levar as vacas lá para aquele fundão. Ia eu e o filho do colono lá, o Zé Dito. E numa cachoeirinha que tem até hoje lá, tinha um pocinho em que nadávamos escondido. Se o pai soubesse, a gente apanhava. Então ia lá e nadava escondido. Levava o gado e nadava. Meu pai morreu e demorou uns três ou quatro anos para a gente decidir quem ia ficar com o que. Aí saiu pra mim o fundão da in-vernada. Passava no brejo o Zé Dito, catava um coquinho assim na moita, mas com espinho. O coquinho não tinha nada. Só aperta na boca e saía uma aguinha azeda. O terreno já era meu e eu queria ir e chegar nessa cachoeira e no caminho ver se achava um coquinho desses. Criou mato e eu tive que ir com facão para poder chegar lá. Para minha surpresa, quando eu chego lá, tinha uns dez Sacis tomando banho. Foi um grito só. Voou Saci para todo lado. Eu também virei e corri, já não era mais criança. Aí que eu vim a saber o que incomodava o pai lá era o Saci. Essa foi a primeira vez que eu vi um Saci. Não foi um, foi um bandinho (risos). E quando a gente está pescando lá, ele derruba a latinha de minhoca, dá nó na linha que tá pescando, fica jogando araçá do mato e gravetos na gente. E araçá não dá em árvore grande, é em

pequena. Pega lá de longe e joga na gente. Mas ele não tem muita força, ele não consegue jogar uma pedra na gente, só coisinha leve.

Judas Tadeu de Campos – professor.

Em 2002, o professor Tadeu estava realizando a sua tese para doutorado em educação, cujo título é “Currículo e Cultura: A Formação Caipira” (2002), e um de seus entrevistados era um morador da zona rural que fazia parte da Irmandade do Santíssimo Sacramento, um senhor que, à época, tinha 65 anos e era um “católico fervoroso”, como o professor o descreve. Abaixo, se-gue a reprodução do causo presente na tese do docente. O relata abaixo está descrito exatamente da forma como este morador narrou para Judas Tadeu:

Uma coisa que aconteceu uma vez ali [no caminho do Bairro dos Pimen-tas, perto de uma antiga mina de malacacheta], as pessoas não acreditam em Saci nem nada, ali aconteceu uma coisa com um homem, um tal de Brás Lotero que morava no [fazenda do] Guilherme Veloso. Ele gostava de umas pingas e foi em São Luís por ali. Ele bebeu umas pingas meio bastante. E veio embora por aquele caminho. Chegou prá baixo da casa onde morou o Zé Francisco, tinha uma capela bem na beira do barranco. Ele usava um cabo de relho grande e passava o cabo pelo ombro e segurava do outro lado, no jeito de dar relhada. Chega ali no caminho para baixo do Zé Francisco, ele viu um negrinho na frente dele, que nem gato. Um bichinho preto que andava de pulinho com uma perna só. Ficava sentadinho. E ele [o cavaleiro] foi enfezando. E enfezou. E sentou uma relhada no negrinho. Daí só viu que desandou prá baixo do barranco. Caiu lá e ficou. Pousou lá sem fala nada, sem nada. No outro dia, tinha um homem, um tal de Pedro Lourenço. Era boiadeiro. Ele ia para Minas, comprava boi, cavalada e trazia prá vender. Ti-nha uma irmã que morava no [Bairro do] Oriente, onde papai morava. Ele tinha uma perna encolhida e para montar cavalo ele segurava na cabeça do arreio e pulava em cima do cavalo. Ele foi em São Luís e quando voltou, ou-viu um gemido prá baixo do barranco. Ele ajeitou o cavalo na beira do bar-ranco, olhou e reconheceu o tal de Brás Lotero. Morava antes de chegar na fazenda, que era do Guilherme Veloso. Aí falou pra ele: “O que está fazendo aí? O outro só fazia hmmmm ...” Não falava. Daí como ele não podia socor-

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O Saci de Paraitinga CAUSOS

rer, porque era aleijado, tinha só uma perna boa, pegou o cavalo e veio em-bora. Daí chegou, chamou a mulher de Brás: ‘fala para os seus filhos arranjar uma rede e arrumar companheiros para ir buscar o Brás que está caído lá prá baixo da malacacheta. E ele está sem fala, só geme. E não levanta. ’ Daí o Cândido, que era o irmão mais velho, emprestou uma rede (que era só em fazenda que tinha rede de balançar e as pessoas emprestavam até para car-regar defunto). Daí emprestou uma rede e foram oito pessoas. Puseram ele na rede e trouxeram. Foi 15 dias para ele soltar a fala. A mulher tratando dele com comida na boca, que nem criança. E ele só deitado. Depois que passou 15 dias ele soltou a fala. Daí ele contou o que tinha acontecido. Depois que deu a relhada, não viu mais nada...

Kátia Rico, professora de História.

Eu era criança. Meu tio tinha uma fazenda que era do tempo dos escra-vos, ali para os lados de São Luiz mesmo. E a gente sempre passava as férias lá, e, quando íamos, juntava toda a criançada nas férias de julho para a gente ir para lá. Aí, um dia, chegou um pessoal falando “Olha lá, fizeram uma tran-ça no rabo do cavalo”. Eu tinha uns oito, nove anos de idade. Então correu todo mundo lá para ver. E, de fato, eu vi mesmo. De um dia para o outro tran-çou de uma forma tal, menina, que não tinha como você desmanchar fácil. Porque quem limpa o cavalo tem um escovão que penteia a crina do cavalo e para ele desembaraçar aquilo foi um sufoco para o rapaz. Eu era pequena, então se era verdade eu não sei, ou se foi alguém. Mas como é que você passou a noite inteira fazendo a trança no rabo do cavalo? Muito bem-feita. Para quem foi desmanchar, foi difícil. Então falavam para nós que tinha sido o Saci que tinha feito. A gente quando é criança tem esse mundo imaginário. Se é verdade, eu não sei te dizer, mas que vi, eu vi (risos).

Solange Barbosa, coordenadora do Centro Cultural Afrobrasileiro e Biblio-teca Zumbi dos Palmares.

A minha mãe é do interior, sul de São Paulo. Ela viveu em Itapeva e Soro-caba e ela me contava da surra que ela levou do SSaci. Levou uma surra dele.

Segundo minha mãe, ela deitou em cima do SSaci que estava deitado na cama dela e ele bateu, empurrou, chacoalhou ela. Ela contava aquilo muito vivamente e é uma coisa muito interessante. Minha mãe, minha tia e minha própria vovó, que faziam parte daquele interiorzão. Não discuto.

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Elaborar este livro-reportagem foi a melhor experiência que tive nestes quatro anos de faculdade. Foi fácil, mas ao tempo difícil, pois sobre este assunto se encontram muitas informações; a di-

ficuldade foi saber filtrá-las. E a personagem principal desta obra é uma lenda que, para muitos, existe e para tantos outros, não. Seria impossível ver um Saci para entrevistá-lo. Mas todas as fontes entrevistadas para este trabalho foram bem receptivas e transmitiram todo o seu conhecimento, seja ele de folclore, educação ou política.

Este livro será mais uma ferramenta de valorização da cultura brasileira, da cultura do caipira, daquele homem do interior, que leva uma vida tran-quila, mas que em alguns momentos surge alguém para lhe tirar o sosse-go. São Luiz do Paraitinga não deixará de ser reconhecida como a cidade da marchinha, mas será reconhecida também como a terra do Saci, em que tudo relacionado à lenda nasceu primeiro.

Durante o percurso da realização, algumas dificuldades surgiram. A principal delas era o contato com os políticos criadores das leis estadual e federal. Por questões de tempo para produção e entrega deste material, a entrevista com o Deputado Padre Afonso Lobato não pode ser realizada. O contato com a atual vereadora de São José dos Campos, Angela Guadagnin, ocorreu por e-mail e houve uma colaboração muito grande por parte da po-lítica. Escrever este livro foi algo muito desafiador, mais do que verificar as fontes para este trabalho. O tema folclore exige que a pessoa saiba brincar com o que ele tem a oferecer, não ficando naquela coisa quadradinha, en-gessada. Criatividade poderia ser sinônimo de folclore.

Os causos foram difíceis de serem levantados, já que muitos que acre-

ditam na lenda são pessoas que já faleceram. Mas os poucos que este livro abordou mantêm a lenda mais viva ainda.

Acredito que o jornalista tenha como um de seus papeis importantes a desempenhar na sociedade o de divulgar o folclore brasileiro. Mas essa di-vulgação não deve ser aquela para informar sobre a festa, como no caso de São Luiz, Mas sim para manter viva a nossa cultura popular, que é tão rica no nosso país, mas que infelizmente está deixando de ser vista como algo agre-gador para a construção de nossa identidade social. Nós não somos edu-cadores, mas aprendemos que o texto, do mais simples ao mais complexo, deve ‘ensinar’. Então nada mais justo que fazer a divulgação de algo que não tem dono, algo que é de todos os brasileiros. As pessoas passam, mas essas lendas, que em alguns casos já têm séculos e séculos de existência, mantém--se vivas, graças ao esforço de algumas poucas pessoas. Não temos apenas que informar e denunciar o que acontece. Devemos também engrandecer nossas manifestações culturais.

Meu desejo é que esta obra corra os limites do Vale do Paraíba. Que a lenda seja ainda mais conhecida e objeto de estudo. Abaixo, reproduzo um trecho da Obra O Saci Pererê: Resultado de Um inquérito (1917), que repro-duz meu maior desejo.

Que ele agora corra o país ou biche nas estantes, e amareleça com o tempo, e o roa a traça até que um dia um Livingstone o fareje e extraia dele a lição científica. Nós paramos à porta, bons brasileiros que somos. (LOBATO, 2008, p 368).

Explorem ao máximo este livro. É para isso que ele foi feito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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REFERÊNCIAS

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Nara Carvalho é estudante de Jornalismo na Universidade de Taubaté (UNITAU), natural de Taubaté – SP e vive em São Luiz do Paraitinga – SP, cidade pela qual tem uma paixão enorme. A única coisa que a separa um pouco de São Luiz é o fato de não ter nascido no município, mas isso não a torna menos luizense do que alguém que tenha nascido na cidade. Gosta de futebol e tem um grande amor pela cultura caipira de São Luiz. E uma curio-sidade imensa pela lenda do Saci, tão forte na sua cidade.

Sobre a autora

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