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1 Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização Não amemos com palavras, mas com obras I Dia Mundial dos Pobres - 19 de novembro de 2017 SUBSÍDIO PASTORAL ESQUEMA Apresentação de D. Rino Fisichella, Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização Mensagem do Santo Padre para o I Dia Mundial dos Pobres Homilia do Santo Padre para o Jubileu das pessoas socialmente excluídas Propostas de Lectio Divina 1. A fé sem obras está morta 2. Não amemos com palavras, mas com obras 3. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu Propostas de Vigília de Oração para as comunidades 1. Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade 2. Nós conhecemos e acreditámos no amor de Deus por nós O logótipo do Dia Mundial dos Pobres Propostas pastorais Santos e Beatos da Caridade dos séc. XX e XXI

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Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização

Não amemos com palavras, mas com obras

I Dia Mundial dos Pobres - 19 de novembro de 2017

SUBSÍDIO PASTORAL

ESQUEMA Apresentação de D. Rino Fisichella, Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização Mensagem do Santo Padre para o I Dia Mundial dos Pobres Homilia do Santo Padre para o Jubileu das pessoas socialmente excluídas Propostas de Lectio Divina 1. A fé sem obras está morta 2. Não amemos com palavras, mas com obras 3. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu Propostas de Vigília de Oração para as comunidades 1. Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade 2. Nós conhecemos e acreditámos no amor de Deus por nós O logótipo do Dia Mundial dos Pobres Propostas pastorais Santos e Beatos da Caridade dos séc. XX e XXI

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Apresentação

«Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de

voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados

de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a

fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que

frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e

dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida» (Mensagem para o I Dia Mundial dos

Pobres, n. 3). Esta expressão do Papa Francisco coloca em evidência o seu pensamento,

quando instituiu o Dia Mundial dos Pobres. A Igreja não pode ser uma espectadora passiva

diante do drama da pobreza, nem os cristãos podem contentar-se com uma participação

esporádica e fragmentária para fazer calar a consciência. O momento de uma ação pode ser

sinal de uma verdadeira partilha. De facto, a palavra-chave para entrar nesta Mensagem é

justamente a de uma partilha, que se torna um estilo de vida. O Papa Francisco quis dar o

exemplo paradigmático de São Francisco de Assis, que não se contentou com abraçar o

leproso e dar-lhe esmola, mas compreender que a verdadeira caridade consistia em estar

junto com ele, estar próximo dele, tendo em conta a dor e o sofrimento da doença, bem

como o incómodo da marginalização. A cultura do encontro resolve-se na partilha, em que o

outro já não é um estranho, mas é olhado e tratado como um irmão que precisa de mim.

A Mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres gira à volta do lema e do logótipo que

tentam exprimir, em linguagem simples e direta, a profundidade do conteúdo que se

oferece. O lema ilumina o logótipo e, vice-versa, o logótipo torna concreto e efetivo o

ensinamento do lema. «Não amemos com palavras, mas com obras»: a expressão encontra-

se na Primeira Carta do Apóstolo João e constitui o prelúdio ao texto culminante, em que,

pela primeira e única vez, se revela a própria natureza de Deus. «Deus é amor» (1Jo 4,8) –

afirma o evangelista – e isso foi expresso no envio do Filho para a salvação da humanidade.

Este ensinamento não faz mais que retomar o que João tinha ensinado no seu Evangelho:

«Assim amou Deus o mundo: dando o seu Filho» (Jo 3,16). Neste “dar” exprime-se todo o

amor do Pai que não fica com nada para Si, mas tudo dá até ao fim, sem fim. Esta Palavra é o

Filho na sua existência concreta, que quis sobretudo revelar o seu amor pelos pobres,

elevando-os, como primeiros, à bem-aventurança do seu Reino (Mt 5,3). Deus ama assim:

fazendo com que a sua Palavra se torne vida e ação.

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O logótipo exprime a dupla relação que se estabelece diante do pobre. Ele está à porta

e estende a mão para pedir ajuda. Na porta, todavia, encontra outra pessoa que estende a

mão, porque também ela pede ajuda. São duas mãos estendidas: ambas ajudam. Uma

provoca a sair, a outra a dar apoio. Dois braços que exprimem a solidariedade e que

provocam a não ficar na soleira da porta, mas a ir ao encontro do outro. O pobre pode

entrar em casa, quando, de dentro da casa, se compreendeu que a ajuda é a partilha.

Apresentamos este pequeno instrumento como uma simples ajuda, para que os

sacerdotes e todos os voluntários possam viver mais intensamente estes dias, em

preparação para o Dia Mundial dos Pobres. Tal como o Papa Francisco sugeriu, seja a oração

o fundamento deste compromisso concreto, para fazer emergir o valor cristão da nossa

solidariedade. A caridade – e quem se empenha diante das múltiplas formas de pobreza –

dará voz à fantasia criadora que lhe é própria, para exprimir aos pobres, do melhor modo

possível, a atenção, a proximidade e a partilha.

D. Rino Fisichella

Presidente do Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O I DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII Domingo do Tempo Comum

19 de Novembro de 2017

Não amemos com palavras, mas com obras

1. «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1Jo 3, 18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias, que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1Jo 4, 10.19); e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1Jo 3, 16).Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade.

2. «Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o» (Sl 34/33,7). A Igreja

compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6,3), que assumam o serviço de assistência aos pobres. Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os pobres bem-aventurados e herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt 5,3).

«Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2,45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte, também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à ação concreta a favor dos mais

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necessitados. E o mesmo ensinamento é dado, com igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na sua Carta: «Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2,5-6.14-17).

3. Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este

apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade!

Dentre todos, destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão: «Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos. E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo» (Test 1-3: FF 110). Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida dos cristãos.

Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo Crisóstomo: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez» (Hom. in Matthaeum, 50,3: PG 58).

Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.

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4. Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás dele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt 5,3; Lc 6,20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45).

Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-lo e servi-lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida.

5. Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder

identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!

Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.

Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de abertura, na II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29 de setembro de 1963) e obrigam à opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus.

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6. No termo do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a predileção de Jesus pelos pobres.

Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.

7. Desejo que, na semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres – que este ano será no

dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa.

Neste domingo, se viverem no nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18, 3-5; Heb 13,2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres, que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do Pai.

8. Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar neste Dia, esteja

sempre a oração. Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é «nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum. Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco.

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9. Aos irmãos bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.

Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho.

Vaticano, 13 de junho de 2017, Memória de Santo António de Lisboa

Papa Francisco

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JUBILEU EXTRAORDINÁRIO DA MISERICÓRDIA

Homilia do Papa Francisco por ocasião da Celebração Eucarística

para o Jubileu das pessoas socialmente excluídas

Basílica Vaticana – Domingo 13 de novembro de 2016

«Para vós (...) brilhará o sol da justiça, trazendo a cura nos seus raios» (Ml 3,20). As palavras do profeta Malaquias, que ouvimos na primeira leitura, iluminam a celebração desta jornada jubilar. Encontram-se na última página do último profeta do Antigo Testamento e são dirigidas àqueles que têm confiança no Senhor, que depõem a sua esperança nele, escolhendo-O como bem supremo da vida e recusando-se a viver só para si mesmos e seus interesses. Para eles, pobres de si mas ricos de Deus, brilhará o sol da sua justiça: são os pobres em espírito, a quem Jesus promete o reino dos céus (cf. Mt 5,3) e dos quais Deus, pela boca do profeta Malaquias, declara: «são meus» (Ml 3,17). O profeta contrapõe-nos aos soberbos, àqueles que puseram na sua autossuficiência e nos bens do mundo a segurança da vida. Perante esta página final do Antigo Testamento, surgem questões que interpelam o sentido último da vida: Onde busco eu a minha segurança? No Senhor ou noutras seguranças que não são do agrado de Deus? Qual é a direção da minha vida, para onde olha o meu coração? Para o Senhor da vida ou para as coisas que passam e não saciam?

Idênticas questões aparecem no trecho evangélico de hoje. Jesus encontra-Se em Jerusalém, para a última e mais importante página da sua vida terrena: a sua morte e ressurreição. Está perto do templo, «adornado de belas pedras e de ofertas votivas» (Lc 21,5). As pessoas estão precisamente a comentar as belezas exteriores do templo, quando Jesus diz: «Virá o dia em que de tudo isto que estais a contemplar, não ficará pedra sobre pedra» (Lc 21,6). Acrescenta que haverá conflitos, carestias, convulsões na terra e no céu. Jesus não quer assustar, mas dizer-nos que tudo aquilo que vemos passa inexoravelmente. Mesmo os reinos mais poderosos, os edifícios mais sagrados e as realidades mais firmes do mundo não duram para sempre; mais cedo ou mais tarde, caem.

Na sequência destas afirmações, as pessoas colocam duas questões imediatas ao Mestre: «Quando sucederá isto? E qual será o sinal»? (Lc 21,7). Quando e qual… Sempre somos impelidos pela curiosidade: quer-se saber quando e receber sinais. Esta curiosidade, porém, não agrada a Jesus. Pelo contrário, exorta a não nos deixarmos enganar pelos pregadores apocalípticos. Quem segue Jesus não presta ouvidos aos profetas da desgraça, à futilidade dos horóscopos, às pregações e às previsões que amedrontam, distraindo daquilo que conta. O Senhor convida a distinguir, dentre as muitas vozes que se ouvem, aquilo que vem dele e o que vem do falso espírito. É importante distinguir entre o sábio convite que Deus nos dirige cada dia e o clamor de quem se serve do nome de Deus para assustar, sustentando divisões e medos.

Com firmeza, Jesus convida a não temer perante os cataclismos de cada época, nem mesmo frente às provas mais graves e injustas que acontecem aos seus discípulos. Pede para perseverar no bem e colocar plena confiança em Deus, que não desilude: «Não se perderá um só cabelo da vossa cabeça» (Lc 21,18). Deus não esquece os seus fiéis, a sua propriedade preciosa que somos nós.

Entretanto, hoje, interpela-nos sobre o sentido da nossa existência. Poder-se-ia dizer, com uma imagem, que estas leituras se apresentam como uma «peneira» no meio do fluxo da nossa vida: lembram-nos que, neste mundo, quase tudo passa, como a corrente da água; mas há

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realidades preciosas que permanecem, como uma pedra preciosa numa peneira. E o que é que resta? O que é que tem valor na vida? Quais são as riquezas que não desaparecem? Seguramente duas: o Senhor e o próximo. Estas duas riquezas não desaparecem. Estes são os bens maiores, que havemos de amar. Tudo o resto – o céu, a terra, as coisas mais belas, mesmo esta Basílica – passa; mas não devemos excluir da vida Deus e os outros.

E todavia neste dia jubilar que nos fala de exclusão, imediatamente vêm à mente pessoas concretas; não coisas inúteis, mas pessoas preciosas. A pessoa humana, colocada por Deus no cume da criação, muitas vezes é descartada, porque se prefere as coisas que passam. Isto é inaceitável, porque o ser humano é o bem mais precioso aos olhos de Deus. E é grave que nos habituemos a este descarte; é preciso preocupar-se quando se anestesia a consciência, já não fazendo caso do irmão que sofre ao nosso lado nem dos problemas sérios do mundo, que se reduzem a um refrão já ouvido nos sumários dos telejornais.

Hoje, queridos irmãos e irmãs, é o vosso Jubileu e, com a vossa presença, ajudais-nos a sintonizar no comprimento de onda de Deus, a ver o que Ele vê: Ele não Se detém nas aparências (cf. 1Sam 16,7), mas fixa o seu olhar «nos humildes de coração contrito» (Is 66,2), em tantos pobres Lázaros de hoje. Como nos faz mal fingir que não nos damos conta do Lázaro que é excluído e descartado (cf. Lc 16,19-21)! É afastar o rosto de Deus. É voltar o rosto para o outro lado. Temos um sintoma de esclerose espiritual, quando o interesse se concentra nas coisas a produzir, em vez de ser nas pessoas a amar. Assim nasce a dramática contradição dos nossos tempos: quanto mais crescem o progresso e as possibilidades – e isto é bom – tanto maior é o número daqueles que não lhes podem chegar. É uma grande injustiça que nos deve preocupar muito mais do que saber quando e como será o fim do mundo. Com efeito, não se pode estar tranquilo em casa, enquanto Lázaro jazer à porta; não há paz em casa de quem está bem, quando falta justiça na casa de todos.

Hoje, nas catedrais e santuários de todo o mundo, são fechadas as Portas da Misericórdia. Peçamos a graça de não fechar os olhos perante Deus que nos olha e o próximo que nos interpela. Abramos os olhos a Deus, purificando a visão do coração das representações enganadoras e pavorosas, do deus da força e dos castigos, projeção da soberba e dos medos humanos. Olhemos com confiança para o Deus da misericórdia, com a certeza de que «o amor jamais passará» (1Cor 13,8). Renovemos a esperança da vida verdadeira a que somos chamados, aquela que não passará e que nos espera em comunhão com o Senhor e com os outros, numa alegria que durará sempre e sem fim.

E abramos os olhos perante o próximo, sobretudo o irmão esquecido e excluído, o «Lázaro» que jaz à nossa porta. Para ele está apontada a lupa da Igreja; que o Senhor nos livre de a voltarmos para nós. Afaste-nos das quimeras que nos distraem, dos interesses e dos privilégios, do apego ao poder e à glória, da sedução do espírito do mundo. De modo particular a nossa Mãe Igreja «olha para toda a humanidade que sofre e chora, pois ela sabe que esta lhe pertence, por direito evangélico» (Paulo VI, Discurso no início da II Sessão do Concílio Vaticano II, 29 de setembro de 1963); por direito e também por dever evangélico, porque é nossa tarefa cuidar da verdadeira riqueza que são os pobres, como bem no-lo recorda uma antiga tradição referente ao mártir romano São Lourenço. Este, antes de suportar um martírio atroz por amor do Senhor, distribuiu os bens da comunidade aos pobres, por ele designados como verdadeiros tesouros da Igreja. À luz destas reflexões, gostaria que hoje fosse o «dia dos pobres». Que o Senhor nos conceda a graça de olhar sem medo para aquilo que conta, dirigir o coração para Ele e para os nossos verdadeiros tesouros.

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Primeira proposta de Lectio Divina

A fé sem obras está morta

… é escutada

«Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu àqueles que O amam? Vós, porém, desprezais o pobre. Não são os ricos que vos oprimem e arrastam aos tribunais? […] De que serve a alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Poderá essa fé obter-lhe a salvação? Se um irmão ou uma irmã não tiverem que vestir e lhes faltar o alimento de cada dia, e um de vós lhe disser: “Ide em paz; aquecei-vos bem e saciai-vos”, sem lhes dar o necessário para o corpo, de que lhes servem as vossas palavras? Assim também a fé sem obras está completamente morta». (Tg 2,5-6.14-17)

... é meditada

O postulado do apóstolo Paulo sobre a fé, segundo o qual acreditar significa aderir a Jesus, à força da sua ressurreição, em comunhão com os seus sofrimentos para se conformar plenamente com Ele (cf. Fl 3,10-11), leva a pensar que confessar a fé é uma relação. A fé é uma relação com Jesus: uma condição discipular que exige abertura, docilidade e discernimento do seu Evangelho. Compete, então, ao discípulo revisitar este anúncio na sua vida, entender como é que ele se declina a partir dos ensinamentos do Mestre. De facto, é necessário olhar para Ele, fixar os olhos em Jesus «autor e consumador da fé» (Heb 12,2). A partir desta relação deduz-se um dado particularmente significativo: anunciando a proximidade do Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15), Jesus coloca em evidência a centralidade do pobre.

Recebida a unção da Palavra de Deus (cf. Lc 4,16-30), Ele mostra ternura e benevolência para com todos, mas de modo particular para com os que vivem em condições de marginalização e de pobreza: aquele que Ele define como pequeninos do Reino. Isto dá a entender que a atenção aos pobres é, no seu ensinamento, uma evidente predileção em consonância com a revelação bíblica. Basta pensar no modo como Deus toma conta do seu povo, humilhado e oprimido (cf. Dt 26,7), e nas múltiplas instruções acerca da caridade para com os necessitados (cf. Sl 82,1-8; Pr 3,28; Sir 4,1-10; Is 58,7.9-10), para compreender que a solidariedade constitui um aspeto importante no testemunho da fé. O interesse de Deus pelos pobres, qual pai misericordioso e bom, e o facto de os contar entre os seus amigos prediletos levam a intuir uma prioridade que, para o discípulo, se deve tornar uma escolha de vida: parecer-se com Deus nas suas opções fundamentais, reveladas pelo estilo de acolhimento do Mestre e sancionadas por um aviso explícito: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25,40). A frase revela uma escolha precisa de Deus, que é solicitude máxima em relação aos pobres. Os que acreditam nele não podem evitá-la. Esta atenção, de facto, ajuda a verificar a autenticidade

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da adesão de cada um a Deus. Não se pode acreditar nele sem ter assimilado este critério que é fundamental no anúncio cristão.

Segundo Tg 2,5, Deus faz esta escolha preferencial, mostrando uma nova forma de salvar a humanidade: «O que é louco para o mundo é que Deus escolheu para confundir os sábios; e o que é fraco para o mundo é que Deus escolheu para confundir o que é forte. O que é vil e desprezível, o que não é nada, é que Deus escolheu para reduzir a nada o que é alguma coisa» (1Cor 1,27-28). A loucura deste anúncio, que é uma pedra de tropeço, está mesmo em acolher em primeiro lugar os pobres, deixando que uma tal abertura se torne estilo de vida crente. Ao cuidar dos que passam necessidade, é necessário envolver-se afetivamente, segundo aquele compromisso reconhecível em Jesus, o qual livremente aceitou assimilar em Si a carne do pecado (cf. Rm 8,3), ou seja, a condição de fraqueza e de miséria da humanidade. A solidariedade, sem esta modalidade do envolvimento, é pura esmola. Ainda que seja útil fazer o bem, ajudando quem passa necessidade, é preciso dar vida ao compromisso de Jesus, à luz da predileção de Deus pelos pobres. Esta atenção comporta em si uma escolha de fé: dar espaço ao outro na vida de cada um. A caridade, impelida pela relação com Jesus, atesta o modo como Deus salvou a humanidade (cf. 2Cor 5,21). A generatividade do bem passa, de facto, através de um ato simples e gratuito, reconhecível desde a criação: Deus retira-Se para dar espaço ao homem. Mesmo a incarnação do Verbo pode ser compreendida nesta perspetiva. Jesus acerca-se dos pobres e dos necessitados, mostrando que a solidariedade é, antes de mais, deixar espaço ao outro: «Apresentaram-lhe muitos possessos; e Ele, com a sua palavra, expulsou os espíritos e curou todos os que estavam doentes, para que se cumprisse o que foi dito pelo profeta Isaías: “Ele tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores”» (Mt 8,16-17). A partilha não é somente participação em algo, supérfluo ou não, com quem está na indigência, mas é vontade generosa de se retirar para dar espaço, isto é, para permitir que o outro encontre um modo de recomeçar, resgatando-se da sua marginalização. Esta escolha de Deus, que faz parte do seu plano redentor, faz dos pobres os seus privilegiados: «Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu àqueles que O amam?» (Tg 2,5). Trata-se de uma predileção muito particular, que tem o seu fundamento na fé dos pobres, a tal ponto que eles são designados entre os que herdam as promessas do Reino (cf. Rm 8,16-17.28-29). O que se entende por fé dos pobres? A expressão parece colocar em relevo uma típica atitude daqueles que, em estado de necessidade, invocam a Deus. A partir, antes de mais, do seu estado de indigência, que os obriga a pedir esmola, a fazer depender de outrem a sua subsistência. Está claro que uma tal dependência se dirige sobretudo a Deus que em todos opera «o querer e o agir segundo o seu desígnio de amor» (Fl 2,3). Na sua miséria, o pobre não pode senão confiar-se a Deus. É uma questão inelutável de sobrevivência.

A esta atitude segue-se outra mais original, que se entrevê no uso de uma ação verbal, transmitida coerentemente pela tradição evangélica. Trata-se do verbo «evangelizar» (euagghelízesthai) que, em grego, tem um valor reflexivo. A expressão, «aos pobres é anunciado o Evangelho» (Mt 11,5; Lc 7,22), deixa entender o privilégio de quem está na marginalidade: os pobres seriam, de facto, guardiães da força do Evangelho (cf. Rm 1,16). Por isso, Deus teria escolhido, no seu plano de salvação, que pudéssemos encontrar-nos consigo nos pobres, cuja existência é templo da sua glorificação: morada santificada da qual sobressaem as maravilhas da sua proximidade (1Pd 2,9). Com a sua fé, os pobres tornam-se o lugar onde é possível encontrar-se com Deus e aprender a acreditar nele. Existe um modo para que a escolha dos pobres se torne herança do testemunho do discípulo: a escuta da

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Palavra de Deus. A exortação explícita de Tg 2,5, «Escutai», tem a força de um imperativo categórico, claramente motivada por um grande incumprimento: «Vós, porém, desprezais o pobre» (v. 6). Para o autor, a falta de atenção às necessidades dos pobres, ou seja, à sua alimentação quotidiana (cf. v. 15) e aos meios indispensáveis à subsistência (cf. v. 16), indica que a escolha de Deus corre o risco de estar seriamente comprometida. Não é possível confessar a fé nele sem O reconhecer em quem O conserva e transporta na verdade da revelação. Isto é claramente expresso pelo uso do verbo grego atimázein (não honrar, desprezar), cujo sentido deixa entender que a honra não dada ao pobre é a mesma que se dá a Deus (cf. Ap 5,13).

A escuta da Palavra de Deus consente, então, que se proceda a uma transposição: a veneração dos pobres, através de uma gestualidade que é proximidade e apoio nas suas indigências, é adoração a Deus na sua magnificência. Reitera-o com força o autor: «A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo» (Tg 1,27). Aqui fica claro um aspeto: a fé do discípulo, que se manifesta no culto prestado a Deus (thrēskeía = culto, adoração), conserva-se pura na medida em que atende às necessidades dos pobres. Uma atenção deste género, contudo, precisa de ser substancialmente alimentada: essa lei perfeita que coloca o discípulo na disposição de agir na liberdade do Evangelho (cf. 1,25), ou seja, nesse estado de libertação de preconceitos que favorece uma atitude de solidariedade sem condições. A Palavra de Deus, realmente assimilada, purifica a sensibilidade do discípulo, tornando-o semelhante a Jesus, cujos sentimentos tendem a fazer os outros felizes, com a doação da sua vida (cf. Fl 2,1-5). A confissão de fé manifesta-se, portanto, na prática das obras: uma cooperação harmoniosa que certifica a veracidade da escolha que o discípulo faz de Deus. O termo grego érgon (obra), no plural, tem subentendido um duplo aspeto: o desejo de relançar a existência de quem é pobre e a coragem de revisitar a própria existência, seguindo o ideal de uma vida essencial, justamente de acordo com o Evangelho (cf. Mt 10,9; Lc 9,57-62). É o apelo à pobreza no testemunho da fé. A solidariedade, que corresponde ao princípio segundo o qual, diante do mundo, Deus escolheu os pobres como seus amigos requer que se repense o modo como cada um deve gerir a própria vida. Não é possível partilhar a pobreza dos outros, sem que o discípulo tenha em mira uma vida mais sóbria. É o que enuncia Basílio de Cesareia, no De avaritia (hom. VI,7): «Açambarcaste para ti os bens que recebeste para distribuir a todos. Quem despe um homem das duas vestes é chamado salteador; e quem não veste um homem nu, podendo fazê-lo, que outro nome merece? Ao faminto pertence o pão que escondes; do homem nu é o manto que conservas nos teus armários; do descalço são as sandálias que ganham mofo em tua casa; do pobre o dinheiro que guardas no cofre. Deste modo, cometes tanta injustiça quantos são os pobres que terias podido ajudar».

Esta admoestação encontra eco num passo da Evangelii gaudium, no n. 189, segundo o qual a solidariedade é critério de essencialidade para atingir o bem comum: «A posse privada dos bens justifica-se para cuidar deles e aumentá-los de modo a servirem melhor o bem comum, pelo que a solidariedade deve ser vivida como a decisão de devolver ao pobre o que lhe corresponde». Trata-se de um modo novo, expressamente evangélico, de conceber a relação com os pobres. A atenção para com eles, que tem a sua fonte primeira no amor de Deus (cf. 1Jo 4,19), impõe uma mudança de vida que diz respeito à posse dos bens. Quando se lê, em Tg 2,17, que a fé sem obras é morta, talvez em paralelo com Gl 5,6, «a fé atua pela caridade», está a afirmar-se o valor implícito que tem a vida sóbria na relação com os pobres. Somente quem tem em vista a essencialidade pode compreender

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afetivamente o pobre, com a consciência de que a caridade é renúncia a algo seu, que efetivamente pertence aos que vivem na miséria, causada pela mesquinhez de uma humanidade retorcida sobre si mesma.

… é rezada Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia. Erravam na solidão do deserto, sem caminho para cidade onde habitar. Devorados pela fome e pela sede sentiam desfalecer-lhes a vida. Na sua angústia invocaram o Senhor e Ele salvou-os da aflição. Conduziu-os por caminho direito, até uma cidade onde habitassem. Graças ao Senhor pela sua misericórdia, pelos seus prodígios em favor dos homens. Porque Ele deu de beber aos que tinham sede e saciou os que tinham fome. Na sua angústia invocaram o Senhor, e Ele salvou-os da aflição. Tirou-os das trevas e da sombra da morte, despedaçou as suas cadeias. Graças ao Senhor pela sua misericórdia, pelos seus prodígios em favor dos homens. Ali estabeleceu os que tinham fome e fundaram uma cidade para habitar. Semearam campos, plantaram vinhas, que produziram abundantes frutos. Abençoou-os e multiplicaram-se e não deixou diminuir os seus rebanhos. Levantou da miséria o indigente e multiplicou as famílias como um rebanho. À vista disto alegram-se os justos e toda a maldade tem de fechar a boca.

(do Salmo 107, Deus salva o homem de todo o perigo)

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Oração Nós Vos agradecemos, Senhor, porque, no vosso Filho feito homem, quereis partilhar com cada homem e mulher o vosso amor. Com a misericórdia que brota do coração da Trindade, colocais em movimento as nossas vidas, para que sejam ricas em obras de misericórdia e de compaixão para com os irmãos e irmãs necessitados. Fazei com que Igreja, a exemplo das primeiras comunidades cristãs, seja ainda capaz de partilhar: capaz de reconhecer no rosto dos irmãos e irmãs mais fracos o rosto do vosso Filho, crucificado e ressuscitado; capaz de partir o pão e o tempo com quem estende as mãos, pedindo a nossa solidariedade. Nós vo-lo pedimos, por Maria, Estrela da Nova Evangelização, Ela que nada pediu para si, mas acolheu o vosso Dom e deu, aos irmãos que se tornaram seus filhos, a vossa bênção. Amen.

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Segunda proposta de Lectio Divina

A fé sem obras está morta

… é escutada

«Nós sabemos que passámos da morte para a vida, porque amamos os nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte. Todo aquele que odeia o seu irmão é homicida e vós sabeis que nenhum homicida tem a vida eterna permanecendo em si. Nisto conhecemos o amor: Ele deu a sua vida por nós e nós devemos também dar a vida pelos nossos irmãos. Se alguém possui bens deste mundo e, ao ver o seu irmão passar necessidade, lhe fecha o coração, como pode estar nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus; porque se o nosso coração nos acusar, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. Caríssimos, se o coração não nos condena, temos confiança diante de Deus, e recebemos dele tudo o que pedirmos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que lhe é agradável. E este é o seu mandamento: que acreditemos no Nome de seu Filho, Jesus Cristo e que nos amemos uns aos outros, conforme o mandamento que Ele nos deu. Aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. Nisto reconhecemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu». (1Jo 3,13-24)

… é meditada

Como recorda o Papa Francisco, foi o «discípulo amado» que nos transmitiu este mandamento: «Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade» (1Jo 3,18).

Foi ele que, mais que qualquer outro apóstolo, foi tocado pelo convite de Jesus a amar como Ele nos amou. Segundo a tradição patrística, João repetia, até à hora da morte, como se de uma cantilena se tratasse, sempre a mesma frase de Jesus: «Amai-vos uns ao outros».

João não “inventa” um Jesus seu, mas, no mais profundo de si mesmo, é fiel ao seu Mestre e Senhor. O Evangelho de João talvez seja ainda mais fiel ao Jesus histórico que os próprios Evangelhos Sinóticos, não apenas pelo conhecimento dos lugares, dos tempos e das pessoas, mas mais ainda por esta penetração no coração de Jesus. De facto, para Jesus é o coração que conta, esse coração que não pode deixar de se manifestar em palavras e obras. Quando a Carta de João chega até ao ponto de sintetizar todo o mistério da fé nas palavras, «Deus é amor», mostra que compreensão plena de Deus nos foi oferecida no encontro com Jesus. No fundo, nos escritos joaninos, existem somente duas virtudes e dois pecados. A primeira virtude é acreditar em Jesus e a segunda é amar os irmãos, ao passo que os dois pecados são radicalmente antitéticos em relação a elas: não aceitar Jesus como Filho do Pai e odiar os homens.

Está tudo dito aqui. É por isso que também o v. 3,18 o repete, chamando-nos «filhinhos». João chama «filhinhos» a todos. Ele sente a sua paternidade: é ele que, como anunciador do Evangelho de Jesus, gerou os seus discípulos para uma vida nova no Espírito;

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na Carta, o termo “filhinhos” inclui tanto os pais como os filhos, tanto os idosos como os jovens.

A paternidade do evangelista depende, por sua vez, de uma paternidade bem maior, a do Pai que nos deu o seu Filho e, nele, fez de todos nós seus filhos. João deseja partilhar connosco a alegria de ter encontrado o amor de Deus, de ter pousado a sua cabeça no peito de Jesus: sem esta partilha, a sua alegria não seria plena. O termo “filhinhos” complementa o termo “irmãos”. Somos filhos do Pai e, por isso, devemos amar-nos como irmãos. Vale a pena recordar que a casa em que os pais educam os seus filhos é justamente a primeira escola de caridade, vivida não com palavras, mas com obras. Vivendo juntos, dividindo entre si os espaços e o tempo, sabendo partilhar tanto os momentos de festa como os de doença, os irmãos aprendem a crescer juntos.

É por esta razão que, para João, as duas virtudes e os dois pecados se correspondem entre si, porque cada relação verdadeira com Deus implica o amor pelo irmão; e todo o amor verdadeiro pelo irmão é também amor para com Deus que o criou e o ama. Não cuidar do irmão, não lhe matar a fome, não lhe matar a sede, não proteger a sua dignidade, não o ajudar a progredir mediante a educação e a escola, e mais ainda odiar o irmão, significaria não acreditar no verdadeiro Deus. Quem despreza o homem e não o serve, no fundo acha que Deus não é o Criador e que o seu perdão não é capaz de salvar. Quem despreza a criatura, despreza o Criador que a desejou.

Mas também o contrário é verdade: cada vez que nos aproximamos de uma criatura, desejamos não apenas que possa sobreviver nesta terra, mas desejamos-lhe alegria e vida, que se encontre com Deus e alcance a vida eterna. Só quem não ama não está interessado em Deus. Quem ama o irmão deseja que este possa vencer a morte. Epicuro estava bastante errado, quando dizia que a morte não era um problema. Para quem ama, efetivamente, o problema não consiste na sua morte, mas na morte do outro; é o desejo que o amigo, o irmão, a amada, o pobre vivam.

É por isso que, quando contrapõe as «palavras» às «obras e em verdade», João não pretende opor a pregação do Evangelho ao amor. É antes a expressão «amar com palavras e com a língua» que indica a falsidade de quem profere palavras mentirosas que não encontram qualquer correspondência na vida. «Amar com obras e em verdade» requer, pelo contrário, que tanto os gestos como as palavras sejam expressões desse amor que nos leva a ver no irmão aquele que é amado por Deus, aquele que é filho de Deus, aquele que está carregado de dignidade e de bem.

O evangelista recorda-nos, de modo particular, aqueles encontros pessoais nos quais Jesus manifestou o seu amor. Dos noivos de Caná à samaritana, do cego de nascença a Lázaro, do homem da piscina de Siloé ao próprio João que, na última ceia, pousou a sua cabeça no peito de Jesus: Jesus para sempre para se encontrar com cada homem e mulher, com cada pobre no corpo ou no espírito. Na Evangelii gaudium, o Papa recorda que é exatamente esta atenção pessoal, este desejo de encontro, este colóquio de coração para coração, a estabelecer uma radical diferença entre quaisquer interpretações ideológicas da pobreza e a caridade cristã. O homem é importante aos olhos de Jesus e dos seus discípulos, independentemente daquilo que se possa fazer por ele. Um moribundo, ao qual não se pode valer de modo algum do ponto de vista da cura, continua, no entanto, a ser um irmão, juntamente com o qual se deve viver os últimos momentos da vida. O Dia dos Pobres convida-nos a este encontro, a sentar-se na mesma mesa para partilhar o alimento da terra e o do céu.

«Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade».

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… é rezada

«Basta a caridade? É suficiente o amor para levantar o mundo e para vencer as inumeráveis dificuldades da mais variada índole, que se opõem ao desenvolvimento transformador e regenerador da sociedade, tal como no-las apresentam a história, a etnografia, a política, a organização da vida pública hoje? Diante do mito moderno da eficácia temporal, estamos seguros que a caridade não é ilusão, não é alienação?

Temos de responder que sim e que não. Sim, a caridade é necessária e suficiente, enquanto princípio propulsor do grande fenómeno inovador do mundo defeituoso em que vivemos. Não, a caridade não basta, se se ficar pela pura teoria, verbal e sentimental (cf. Mt 7,21), e não se não se faz acompanhar por outras virtudes, sendo primeira a justiça, que é a medida mais pequena da caridade, e por outros coeficientes que tornem prática, operativa e concreta a ação inspirada pela própria caridade, no campo especificamente variado das realidades humanas e temporais».

(Da homilia de Paulo VI, para o “dia do desenvolvimento”, na peregrinação apostólica a Bogotá, 23 de agosto de 1968)

«É claro que nem todos se podem dedicar aos estudos. Por isso é que Cristo nos deu

uma lei que, pela sua brevidade, é acessível a todos e ninguém tem o direito de ignorar: essa lei é a lei do amor divino… Sem a caridade, todo o resto não é suficiente… E, se entre os bem-aventurados, há alguma diferença, ela só depende do seu grau de amor e não das outras virtudes. Muitos levaram uma vida de maior abstinência que os apóstolos; mesmo assim, estes ultrapassam qualquer outro na bem-aventurança, por causa do ardor da sua caridade».

(De São Tomás de Aquino, De decem præceptis)

«A caridade é a alma da fé, torna-a viva. Sem o amor, a fé morre». (De Santo António de Lisboa, Semones Dominicales et Festivi II)

«Uma vez que as minhas imensas aspirações constituíam para mim um martírio, fui às

cartas de São Paulo, para encontrar finalmente uma resposta para mim. Os meus olhos caíram por acaso nos capítulos 12 e 13 da Primeira Carta aos Coríntios; e li, no primeiro, que não podem ser todos ao mesmo tempo apóstolos, profetas e doutores e que a Igreja é composta de vários membros e que o olho não pode ser contemporaneamente a mão.

Uma resposta certamente clara, mas não a ponto de apagar os meus desejos e de me dar paz. Prossegui com a leitura e não perdi a coragem. Encontrei assim uma frase que me deu alívio: “Aspirai aos carismas mais elevados. E eu mostrar-vos-ei um caminho melhor que todos os outros” (1Cor 12,31). O apóstolo declara, de facto, que todos os dons mais perfeitos não valem nada sem a caridade e que a caridade é a via excelente para conduzir a Deus com segurança. Enfim, eu tinha encontrado a paz.

Considerando o corpo místico da Igreja, não me reconheci em nenhum dos membros descritos por São Paulo, melhor, queria reconhecer-me em todos. A caridade deu-me a chave da minha vocação. Compreendi que se a Igreja tem um corpo, composto por vários membros, mas que, neste corpo, não pode faltar o mais necessário, o mais nobre de todos. Compreendi que a Igreja tem um coração e que esse coração arde de amor. Compreendi que só o Amor leva os membros da Igreja a agir, que, se o Amor viesse a extinguir-se, os apóstolos deixariam de anunciar o Evangelho, os mártires negar-se-iam a derramar o seu

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sangue. Compreendi e conheci que o amor abrange todas as vocações, que o amor é tudo, que abrange todos os tempos e todos os lugares; numa palavra, compreendi que o amor é eterno!

Então, na minha alegria e em êxtase, gritei: “Ó Jesus, meu Amor, finalmente, encontrei a minha vocação. A minha vocação é o amor! Sim, achei o meu lugar na Igreja e esse lugar, meu Deus, foste Tu que mo deste. No Coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor. E assim serei tudo e o meu sonho será realizado!”».

(Da “Autobiografia” de Santa Teresa do Menino Jesus)

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Terceira proposta de Lectio Divina

A fé sem obras está morta

… é escutada

A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor: ouçam e alegrem-se os humildes. Enaltecei comigo ao Senhor e exaltemos juntos o seu nome. Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade. Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias. O Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o Senhor é bom: feliz o homem que nele se refugia.

(do Salmo 33)

«Então os soldados do governador levaram Jesus para o pretório e reuniram à volta d’Ele toda a coorte. Tiraram-lhe a roupa e envolveram-no num manto vermelho. Teceram uma coroa de espinhos e puseram-lha na cabeça e colocaram uma cana na sua mão direita. Ajoelhando diante dele e escarneciam dele, dizendo: “Salve, rei dos judeus!”. Depois, cuspiam-lhe no rosto e, pegando na cana, batiam-lhe com ela na cabeça. Depois de terem escarnecido dele, tiraram-lhe o manto, vestiram-lhe as suas roupas e levaram-no para ser crucificado. Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no para levar a cruz de Jesus. Chegados a um lugar chamado Gólgota, que quer dizer lugar do Calvário, deram-lhe a beber vinho misturado com fel. Mas Jesus, depois de o provar, não quis beber. Depois de O terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, e ficaram ali sentados a guardá-lo. Por cima da sua cabeça puseram um letreiro, indicando a causa da sua condenação: “Este é Jesus, o rei dos judeus”. Foram crucificados com Ele dois salteadores, um à direita e outro à esquerda. Os que passavam insultavam-no e abanavam a cabeça, dizendo: “Tu, que destruías o templo e o reedificavas em três dias, salva-te a Ti mesmo; se és Filho de Deus, desce da cruz”. Os príncipes dos sacerdotes, juntamente com os escribas e os anciãos, também troçavam dele, dizendo: «Salvou os outros e não pode salvar-se a Si mesmo! Se é o rei de Israel, desça agora da cruz e

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acreditaremos nele. Confiou em Deus: Ele que O livre agora, se O ama, porque disse: Eu sou Filho de Deus”. Até os salteadores crucificados com Ele O insultavam. Desde o meio-dia até às três horas da tarde, as trevas envolveram toda a terra. E, pelas três horas da tarde, Jesus clamou com voz forte: “Eli, Eli, lemá sabactáni?”, que quer dizer: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?”. Alguns dos presentes, ouvindo isto, disseram: “Está a chamar por Elias”. Um deles correu a tomar uma esponja, embebeu-a em vinagre, pô-la na ponta duma cana e deu-lhe a beber. Mas os outros disseram: “Deixa lá. Vejamos se Elias vem salvá-lo”. E Jesus, clamando outra vez com voz forte, expirou». (Mt 27,27-50)

… é meditada

Jesus aceita ser despojado das suas vestes mais que uma vez: primeiro, no Pretório, pelos soldados, durante o processo; depois, antes de ser crucificado. Jesus fica nu como o mais pobre da terra. É despojado de tudo, porque é o pobre por excelência, sem direitos. Para o Apóstolo Paulo, a pobreza de Cristo torna-se o modelo da pobreza cristã: «Despojou-se a Si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (Fl 2,7). É por esta atitude de acolhimento da máxima pobreza por parte do Filho de Deus que nós podemos contemplar com humildade e sinceridade Cristo Rei e Senhor da história. Escreve o Papa Francisco na Mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres, no n. 7: «A realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa». A Páscoa representa o cumprimento da revelação do amor e da predileção do Pai pelos pobres. Se a morte do Filho de Deus na cruz mostra o ponto máximo da sua solidariedade com os homens, a ressurreição coloca em evidência de forma inequívoca a aprovação do Pai em relação à oferta do Filho e à sua obediência incondicional. No Evangelho de João, esta obediência oblativa do Filho ao Pai pela salvação dos homens é expressa mediante estas palavras: «Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim» (Jo 13,1).

A morte de Jesus, crucificado como um pobre, mostra que o amor divino encontra o caminho para ser solidário com todos os pobres da terra. Uma vez que Deus ama o homem tal como ele é, na sua realidade, Ele fez-Se pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2Cor 8,9). Diz o bispo Santo Agostinho: «Quem poderá algum dia conhecer todos os tesouros da sabedoria e da ciência, que Cristo encerra em Si, escondidos na pobreza da sua carne? Por nós, sendo rico, Ele fez-Se pobre, para que nós nos tornássemos ricos por meio da sua pobreza (cf. 2Cor 8,9). Quando assumiu a mortalidade do homem e sofreu a morte, Ele mostrou-Se a nós na pobreza da condição humana: não perdeu, porém, as suas riquezas, como se Lhe tivessem sido extorquidas, mas prometeu que seriam reveladas no futuro. Que imensa riqueza que reserva para quem O teme e oferece plenamente a quem nele espera! Os nossos conhecimentos são, por ora, imperfeitos e incompletos, enquanto não chega o que é perfeito e completo. Mas foi justamente para nos tornar capazes disto que Ele, que é igual ao Pai e semelhante a nós na forma de servo, nos reconfigura à semelhança de Deus. Tendo-Se tornado filho do homem, Ele, Único Filho de Deus, transforma em Filhos de Deus muitos filhos dos homens. Depois de nos ter alimentado

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através da forma visível de servo, torna-nos livres, aptos para contemplar a forma de Deus» (Disc. 194,3-4).

Ele mesmo, Jesus, por loucura, torna-Se pobre, solidário com os pobres, convidando todos os que nele creem a tornar-se pobres e a estar ao lado dos pobres. A opção preferencial de Cristo, pobre e nu sobre cruz, redefine, neste sentido e deste modo, a imagem de Deus e a imagem do homem, não só porque Deus Se coloca do lado dos pobres, mas também porque assinala a compreensão definitiva de quem é Deus. Escreve o Papa Francisco na Mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres, no n. 1: «O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus… Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus… e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida. Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a ponto de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade».

No grito de Jesus na cruz, «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?», descobrimos que a pobreza de Cristo exprime a forma mais alta e coerente de fidelidade à vontade do Pai; pobreza que se torna obediência por amor até ao fim, e obediência que exprime em plenitude a oblação do Filho pela salvação da humanidade. A Igreja contempla este itinerário de abaixamento no ‘lugar’ cimeiro da vida cristã que é a liturgia, quando a comunidade dos crentes reza: «Na cruz, (Jesus) abaixou-Se até à pobreza extrema da condição humana e Tu, Pai, revelaste um amor desconhecido aos nossos olhos, um amor disposto a dar-se sem pedir nada em troca» (Rito do Matrimónio, Bênção nupcial IV). Mas o grito do Messias na cruz exprime também a revelação que, para o homem crente, se torna em compreensão da fonte da solidariedade de Jesus com os pobres, a qual brota da sua experiência única da paternidade de Deus.

Trata-se de uma experiência da paternidade de Deus que tende a instaurar entre os homens a libertação das discriminações, na medida em que cada homem tem Deus por Pai e, portanto, cada homem é irmão do homem. O estilo de pobreza de Jesus e a evangelização dos pobres são dois latejos pulsantes que se encontram no coração do Evangelho; exprimem a escolha de vida do Mestre, ponto de referência para os discípulos, em vista de um seguimento que seja coerente e fiel. Além disso, a pobreza que os discípulos são chamados a viver e à qual são chamados a prestar atenção, exprime, tal como para Jesus, um novo estilo de relação com Deus Pai, que Jesus exprimiu com as suas palavras, as suas escolhas e as suas ações. É uma pobreza que reflete a mudança de vida e da forma de se relacionar com as coisas e com os outros, que a vinda do Reino provoca na história. No princípio e na base das Bem-aventuranças, Jesus começa a dizer: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos Céus» (Mt 5,3). Escreve o Papa Francisco na Mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres, no n. 4: «Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás dele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus… Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude

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do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais…». Já no Antigo Testamento, e mais precisamente no livro do Deuteronómio, se dava ao crente israelita uma indicação concomitantemente existencial e moral: «Deixará de haver pobres entre vós» (15,4). Desta expressão fazem eco as palavras do livro dos Atos dos Apóstolos: «Quando tinham acabado de orar, o lugar em que se encontravam reunidos estremeceu, e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a anunciar a palavra de Deus com desassombro. A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum. Com grande poder, os Apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e uma grande graça operava em todos eles. Entre eles não havia ninguém necessitado, pois todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, traziam o produto da venda e depositavam-no aos pés dos Apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um de acordo com a sua necessidade» (4,31-35). No texto, a escolha da comunidade a favor da partilha dos bens é antecedida por uma referência que tem como ponto de força a oração da primitiva comunidade cristã, a presença do Espírito Santo e o testemunho que os discípulos dão da ressurreição de Jesus. Efetivamente, a força de uma partilha dos bens e da vida de forma tão radical, no texto parece ser consequência de um encontro e de uma presença real de Cristo ressuscitado na comunidade, tão forte e determinante, diante da qual nada parece impossível. A fé e o encontro com Cristo ressuscitado abre o coração dos discípulos a uma necessária partilha dos bens, a fim que ninguém entre eles passe necessidade (cf. At 4,34). E é nesta fonte de encontro com Aquele que é o Primeiro e o Último, Aquele que vive (cf. Ap 1,17-18) que nasceram «homens e mulheres que ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres, aproximando-se deles, encontrando-os, fixando-os nos olhos, abraçando-os». O Papa Francisco pede aos crentes que façam uma espécie de avaliação destes verbos, como se eles fossem o instrumento para um exame de consciência e para uma avaliação do caminho de fé de cada um e de toda a comunidade cristã. Deste modo, a atenção aos pobres e a intervenção a seu favor não são um puro ideal, mas assumem uma forma concreta de atitude e de atenção por parte dos crentes, que, deste modo, permanecem no sulco da Tradição da Igreja que, desde o início da sua existência, colocou nos primeiros lugares do seu ser a atenção e o cuidado dos pobres. Neste sentido, realiza-se a promessa da Palavra de Deus, contida no salmo: «Este pobre clamou e o Senhor o ouviu» (Sl 33,7). Da mesma forma que o Pai ouviu o grito do Filho, pobre e nu sobre a cruz, também continua a ouvir o clamor de cada pobre da terra, através da comunidade dos crentes, que a toda a hora dão ouvidos ao clamor do pobre, escutam-no, acolhem-no, socorrem-no quais bons samaritanos. Comenta o bispo Santo Agostinho: «Ele não te escuta porque és rico. Se por acaso clamavas e não eras atendido, olha porquê: “Este pobre clamou e o Senhor o ouviu”. Dá voz ao grito da miséria e o Senhor escutar-te-á. Como fazer? Ainda que tenhas algumas posses, não confies por isso nas tuas forças; convence-te que és infeliz, que és um indigente, que sempre serás pobre, enquanto não possuíres Aquele que faz de ti rico» (Comentário aos Salmos, 33/2,11).

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… é rezada

Ouvi, Senhor, a minha oração e chegue até Vós o meu clamor. Não escondais o vosso rosto no dia da minha aflição. Inclinai para mim o vosso ouvido; no dia em que chamar por Vós, respondei-me sem demora. Porque os meus dias se desvanecem como fumo e meus ossos ardem como fogo. O meu coração está consumido e ressequido como feno, até de comer o pão me esqueço. Na violência dos meus gemidos, os ossos colaram-se-me à pele. Tornei-me semelhante ao pelicano do deserto; sou como a coruja nas ruínas. Passo as noites acordado e gemendo, como ave solitária no telhado. Insultam-me continuamente os meus inimigos no seu furor lançam imprecações contra mim. Em vez de pão como cinza, misturo a minha bebida com lágrimas, porque na vossa indignação e na vossa ira, Vós me erguestes para me precipitar. Os meus dias são como a sombra que declina e eu definho como a erva seca. Mas Vós, Senhor, permaneceis para sempre, o vosso nome será lembrado de geração em geração. Levantai-Vos e compadecei-Vos de Sião, já é tempo de serdes propício: chegou o momento oportuno. Os vossos servos têm amor às suas pedras e sentem pena das suas ruínas. Os povos temerão, Senhor, o vosso nome, todos os reis da terra, a vossa glória, quando o Senhor reconstruir Sião e manifestar a sua glória. Ele atende a súplica do infeliz e não despreza a sua oração. Escrevam-se estas coisas para as gerações vindouras, e o povo que se há de formar louvará o Senhor. O Senhor debruçou-Se do alto da sua morada; lá do céu, olha para a terra,

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para ouvir os gemidos dos cativos, para libertar os condenados à morte. Para ser proclamado em Sião o nome do Senhor, e em Jerusalém o seu louvor, quando se reunirem todos os reinos, para servirem o Senhor.

(Do Salmo 102) A minha alma glorifica ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva: de hoje em diante me chamarão bem-aventurada todas as gerações. O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas: Santo é o seu nome. A sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que O temem. Manifestou o poder do seu braço e dispersou os soberbos. Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes. Aos famintos encheu de bens e aos ricos despediu de mãos vazias. Acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, como tinha prometido a nossos pais, a Abraão e à sua descendência para sempre.

(Lc 1,46-51) Deus fiel, Pai de misericórdia, é verdadeiramente nosso dever, é nossa salvação dar-Vos graças sempre e em toda a parte: Porque nos destes o vosso Filho, Jesus Cristo, como nosso Senhor e Redentor. Ele foi sempre misericordioso para com os pobres e humildes, os doentes e os pecadores e aproximou-se dos oprimidos e dos aflitos. Com a sua ação e a sua palavra, anunciou ao mundo que sois Pai e olhais com solicitude por todos os vossos filhos.

(Oração eucarística V/D, Prefácio) Quem é Jesus para mim? É o Verbo feito carne, o Pão da Vida. É a vítima que Se oferece na cruz pelos nossos pecados. É o sacrifício que se oferece na Santa Missa

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pelos pecados do mundo e pelos meus próprios pecados. É a palavra que devo dizer. É a luz que devo acender. É a vida que devo viver. É o amor que deve ser amado. É a alegria que deve ser partilhada. É o sacrifício que devemos oferecer. É a paz que devemos semear. É o Pão de Vida que devemos comer. É o faminto que devemos alimentar. É o sedento que devemos saciar. É o nu que devemos vestir. É o sem-abrigo a quem que devemos dar reparo. É o solitário a quem devemos fazer companhia. É o inesperado que devemos acolher. É o leproso a quem devemos lavar as feridas. É o mendigo que devemos socorrer. É o alcoólico que devemos escutar. É o deficiente que devemos proteger. É o recém-nascido que devemos acolher. É o cego que devemos guiar. É o mudo por quem devemos falar. É o aleijado que devemos ajudar a caminhar. É a prostituta que devemos afastar do perigo e encher da nossa amizade. É o recluso que devemos visitar. É o idoso que devemos servir. Jesus é o meu Deus. Jesus é o meu Esposo. Jesus é a minha Vida. Jesus é o meu único Amor. Jesus é tudo para mim. Jesus, para mim, é o único.

(Santa Teresa de Calcutá)

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Propostas de vigília de oração para as comunidades

Primeira vigília de oração

Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade

Lava-pés P Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. T Amen. P O Senhor Jesus, que passou pelo mundo fazendo o bem, esteja convosco. [Ou, se for um bispo a presidir: A paz esteja convosco.] T Bendito seja Deus, que nos reuniu no amor de Cristo. P Deus, que é caridade, querendo fazer de nós participantes do seu imenso amor, mandou o seu Filho para socorrer os homens cansados e oprimidos pela doença e por toda a espécie de aflição. Ele envolveu-nos com um amor tão grande, a ponto de considerar que o que se faz ao mais pequeno dos seus irmãos a Ele era feito, e proclamou que os obreiros de misericórdia são benditos de seu Pai e herdeiros da vida eterna. Ele, o Filho Unigénito, Senhor do céu e da terra, assumiu a condição de servo, até ao ponto de Se despojar a Si mesmo do seu privilégio de ser como Deus e de depor as suas vestes, para se inclinar a lavar os pés aos Apóstolos. Escutemos as palavras do Apóstolo Paulo, que nos convida a seguir Jesus, tendo no coração os mesmos sentimentos que estavam em Jesus. L Escutai, irmãos, a Palavra do Senhor, da Epístola do Apóstolo São Paulo aos Filipenses (2,3-11)

Irmãos, não façais nada por rivalidade nem por vanglória; mas, com humildade, considerai os outros superiores a vós mesmos, sem olhar cada um aos seus próprios interesses, mas aos interesses dos outros. Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo Jesus. Ele, que era de condição divina, não Se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio. Assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens.

Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais, obedecendo até à morte, e morte de cruz. Por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem, no céu, na terra e nos abismos, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai. Breve pausa de silêncio.

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P Com os mesmos sentimentos de Cristo Jesus, mostramos que somos servos uns dos outros, lavando os pés uns aos outros: participemos com fé neste gesto humilde e pobre, que nos recorda a atitude de serviço e de solidariedade que, todos os dias, devemos ter para com os nossos irmãos necessitados. Quem preside lava os pés à primeira pessoa e dá-lhe o abraço da paz; esta, por sua vez, repete o gesto com quem estiver ao seu lado, e assim sucessivamente. Durante o rito do lava-pés, cantam-se alguns cânticos sobre a caridade.

Oração do Pai-Nosso P Irmãos e irmãs, depois de ter realizado este gesto de humildade e de partilha, conscientes da necessidade de superar toda a espécie de egoísmo para chegar à alegria do acolhimento recíproco, invoquemos a ajuda do Pai celestial, com as palavras que o Senhor nos colocou nos lábios: T Pai nosso, que estais nos céus… P Oremos. Ó Deus, auxílio dos indigentes e conforto dos pobres, que, a exemplo do vosso Filho, Jesus Cristo, nos chamais a amar os irmãos, não com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade, infundi em nós a vossa caridade misericordiosa, para que possamos responder com generosidade às necessidades de quem bate à porta do nosso coração. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. T. Amen.

Liturgia da Palavra L Leitura da Primeira Epístola do Apóstolo São João (3,18-24)

Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade. Deste modo saberemos que somos da verdade e tranquilizaremos o nosso coração diante de Deus; porque se o nosso coração nos acusar, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. Caríssimos, se o coração não nos condena, temos confiança diante de Deus, e recebemos dele tudo o que pedirmos, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que lhe é agradável. E este é o seu mandamento: que acreditemos no Nome de seu Filho, Jesus Cristo e que nos amemos uns aos outros, conforme o mandamento que Ele nos deu. Aquele que guarda os seus mandamentos permanece em Deus e Deus nele. Nisto reconhecemos que Ele permanece em nós: pelo Espírito que nos deu. Palavra do Senhor.

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T Graças a Deus. Silêncio para reflexão pessoal Salmo responsorial (do Salmo 33) Refrão: O pobre clamou e o Senhor o ouviu. A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor: escutem e alegrem-se os humildes. Refrão Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as suas angústias. Refrão A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal, para apagar da terra a sua memória. Os justos clamaram e o Senhor os ouviu, livrou-os de todas as angústias. Refrão O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado e salva os de ânimo abatido. O Senhor defende a vida dos seus servos, não serão castigados os que nele se refugiam. Refrão T Aleluia, aleluia. Tudo o que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes, diz o Senhor. T Aleluia. P Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (25,31-46)

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Quando o Filho do homem vier na sua glória com todos os seus Anjos, sentar-Se-á no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão na sua presença, e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos; e colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai; recebei como herança o reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes; não tinha roupa e Me vestistes; estive doente e viestes visitar-Me; estava na prisão e fostes ver-Me’. Então os justos Lhe dirão: ‘Senhor, quando é que Te vimos com fome e Te demos de comer, ou com sede e Te demos de beber? Quando é que Te vimos peregrino e Te recolhemos, ou sem roupa e Te vestimos? Quando é que Te vimos doente ou na prisão e Te fomos ver?’. E o Rei lhes responderá: ‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais

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pequeninos, a Mim o fizestes’. Dirá então aos que estiverem à sua esquerda: ‘Afastai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o Diabo e os seus anjos. Porque tive fome e não Me destes de comer; tive sede e não Me destes de beber; era peregrino e não Me recolhestes; estava sem roupa e não Me vestistes; estive doente e na prisão e não Me fostes visitar’. Então também eles Lhe hão de perguntar: ‘Senhor, quando é que Te vimos com fome ou com sede, peregrino ou sem roupa, doente ou na prisão, e não Te prestámos assistência?’. E Ele lhes responderá: ‘Em verdade vos digo: Quantas vezes o deixastes de fazer a um dos meus irmãos mais pequeninos, também a Mim o deixastes de fazer’. Estes irão para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna». Palavra da Salvação. T Glória a Vós, Senhor. Quem preside profere a homilia.

Exposição da Santíssima Eucaristia e Adoração Enquanto se expõe o Santíssimo Sacramento, canta-se um cântico de adoração, observando-se, depois, um tempo de silêncio para adoração e oração pessoal.

Leituras de meditação Do tratado sobre os deveres, de Santo Ambrósio, bispo (Livro II, capítulo XXVIII,136-138.140-141: PL 16, 139-142) «São estes os tesouros da Igreja»

A misericórdia leva-nos sobretudo a ter compaixão das adversidades dos outros, a prestar auxílio às necessidades dos outros, conforme as nossas possibilidades e, por vezes, para além delas. Com efeito, é melhor ser fiadores em processos ou suportar a impopularidade por misericórdia, do que ser insensíveis.

A Igreja tem ouro, não para o conservar, mas para o distribuir, para fazer face às necessidades. Será preciso conservar o que não é útil? Estaremos a ignorar quanto ouro e prata os Assírios roubaram ao templo do Senhor? Se não houver outros meios, não será melhor que os bispos mandem fundir os vasos sagrados para dar de comer aos pobres, em vez de vir um inimigo sacrílego profaná-los e roubá-los? Não diria o Senhor: «Por que permitiste que tantos pobres morressem à fome? E certamente tinhas ouro, de modo que poderias ter-lhes distribuído alimentos. Por que é que tantos prisioneiros foram postos à venda e, por não terem sido resgatados, morreram às mãos dos inimigos? Teria sido melhor que tu salvasses corpos de pessoas vivas em vez de vasos de metal».

Não se poderia responder a estas perguntas. Talvez pudesses dizer: «Preocupei-me que pudesse faltar o ornamento ao templo de Deus». Ter-te-ia respondido: «Os sacramentos não precisam de ouro, nem vale pelo ouro o que não se compra com o ouro». O ornamento dos sacramentos é resgatar os prisioneiros. E vasos verdadeiramente preciosos são os que libertam as almas da morte. O verdadeiro tesouro do Senhor é o que realiza aquilo que realizou o seu próprio sangue. Então reconhece-se o cálice do Senhor, quando em ambas as

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situações obtém o resgate, de modo que o cálice resgate do inimigo aqueles que, pelo sangue, resgatou do pecado. Como é belo dizer-se: «Foi Cristo que os resgatou!». É este o ouro que é motivo de louvor! É este o ouro que serve! É este o ouro de Cristo que liberta da morte! É este o ouro, por meio do qual se resgata a pudicícia e se preserva a castidade!

Foi este o ouro que o mártir São Lourenço conservou para o Senhor. De facto, prometeu a quem lhe perguntava pelos tesouros da Igreja, que havia de lhos mostrar. No dia seguinte, levou os pobres. Quando lhe perguntaram onde estavam os tesouros que tinha prometido mostrar-lhes, apontou para os pobres, dizendo: «São estes os tesouros da Igreja». E, na verdade, são tesouros aqueles em quem está Cristo, em que está a fé em Cristo. Por fim, diz o Apóstolo: «Transportamos este tesouro em vasos de barro». Que tesouros tem Cristo, que sejam mais preciosos que aqueles em quem disse que Se encontrava? De facto, é assim que está escrito: «Tive fome e destes-Me de comer; tive sede e destes-Me de beber; era peregrino e Me recolhestes». E mais abaixo: «O que fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes». Que tesouros tem Jesus, que sejam mais preciosos que aqueles em quem Se compraz mostrar-Se?

Foram estes os tesouros que mostrou Lourenço e venceu, porque nem sequer o perseguidor lhos pôde roubar. Joaquim, que durante o assédio guardava o ouro, em vez de o distribuir para obter alimentos, ficou despojado do ouro e foi levado como escravo. Lourenço, que tinha preferido distribuir aos pobres o ouro da Igreja, em vez de o colocar de parte para o perseguidor, obteve, por singular perspicácia da sua previdência, a rica coroa do martírio. Ou: Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (Sermão 389,4: PL 39,1704) «É Cristo que recebe o que dais aos pobres»

Meus irmãos, se temos bens que se pode dar aos pobres e não os damos, teremos que os deixar aqui quando morrermos, ou talvez venhamos a perdê-los ainda em vida Quanta gente que perdeu repentinamente todos os seus bens que escondia com tanto cuidado! Basta um assalto dos inimigos, para os ricos perderem todos os tesouros. Não se pode pedir aos invasores que os respeitem, porque colocaram de parte para os filhos.

Escutemos o conselho que Nosso Senhor Jesus Cristo deu àquele rico que lhe perguntava como alcançar a vida eterna. Não lhe disse para deitar fora os bens temporais para obter os eternos. Não lho disse porque viu que ele amava os seus bens. Disse-lhe antes que os transferisse para um lugar, onde os não viesse a perder. Ele amava os seus tesouros, as suas riquezas, as suas terras, todos os bens que possuía nesta terra. O que ele possuía e amava estava na terra; aqui poderia perdê-lo, acabando por perder-se também a si mesmo. Por isso, Jesus dá-lhe o conselho de os transferir para o céu. Possuindo os bens aqui, poderia perdê-los e, com eles, perder-se também a si mesmo. Mas possuindo os bens no céu, não os perderia e ele próprio poderia segui-los onde eles estivessem.

É este, então, o conselho de Jesus: «Dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu». Não quer que o jovem fique sem bens: no céu poderia tranquilamente gozar dos seus bens, ao passo que possuí-los na terra só lhe traria preocupações. Portanto, a exortação para proceder à transferência não implica a perda, mas a conservação dos bens, dos verdadeiros bens. «Terás um tesouro no céu», diz-lhe; e acrescenta: «Vem e segue-Me» (cf. Mt 19,16-21). Ele mesmo o fará chegar ao seu tesouro. Portanto, seguir o seu conselho não é uma

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perda, mas um ganho. Estejam os homens vigilantes, sabendo já, pelo menos pela experiência, o que devem recear. Poupem-se a esse medo, transferindo os seus tesouros para o céu. Algo de semelhante se passa com o trigo; poderá parecer absurdo enterrar os grãos de trigo na terra, onde há humidade e a semente apodrece, de tal modo que parece que se vai perder o fruto das canseiras. Mas quem não tem experiência age de acordo com o conselho de um amigo que saiba o que se passa com o trigo na terra. Vós escutais o conselho de um amigo acerca do trigo, mas não o do Senhor acerca do vosso coração. Recusando-vos a transferir o vosso coração da terra para o alto, fazeis com que ele se perca, sepultado na terra, na qual, porém, temos medo de enterrar os grãos de trigo.

O conselho que o Senhor nos dá em relação ao nosso tesouro diz respeito também ao coração, porque Ele diz: «Onde estiver o teu tesouro, estará também o teu coração» (Mt 6,21). É um convite a elevar o nosso coração para o céu, para que não apodreça na terra. É um conselho de Alguém que quer que sejamos salvos e não condenados. Estando assim as coisas, muito terão que se arrepender os que não seguiram este conselho, e agora consideram que bem poderiam ter possuído no céu os bens que perderam na terra. O inimigo que invadiu as suas casas não poderia invadir o céu. Foi assassinado o servo que guardava o tesouro, mas poderia ser assassinado o Senhor, Nosso Salvador, no lugar onde nenhum brigante pode chegar, onde a ferrugem não os corrói. Muitos são os que, deste modo, chegam a reconhecer que deveriam ter guardado os seus tesouros no lugar onde, não muito depois, poderiam chegar eles próprios.

Lamentam-se de não ter escutado o Senhor, de ter desprezado a admoestação do Pai, de ter sido necessário sofrer a invasão dos inimigos. Foi devido a esta experiência que muitos se arrependeram. Certa pessoa, um homem não rico, mas, apesar das suas modestas posses, fecundo pela abundância da sua caridade, tendo vendido um terreno por cem denários, mandou repartir uma parte dessa soma pelos pobres. E assim se fez. Mas nesse momento o antigo inimigo, ou seja, o diabo, interveio com a intenção de o levar a arrepender-se da sua boa ação e de lhe estragar através da murmuração o que ele tinha feito por obediência a este conselho: o diabo enviou um ladrão para lhe roubar tudo o que tinha ficado, depois de subtraída a parte que dera aos pobres. O diabo esperava que ele proferisse uma blasfémia, mas o que proferiu foi uma exclamação de louvor. Esperava que ele vacilasse no bem, mas ainda o reforçou. O inimigo queria, certamente, que se arrependesse: e ele arrependeu-se, sim, mas de não ter dado tudo. Tinha, de facto perdido – assim dizia – o que não tinha dado aos pobres, porque não o tinha colocado no lugar ao qual nenhum ladrão tem acesso.

Portanto, não devemos hesitar em seguir um conselho tão bom, se o conselho for este que dissemos, de transferir os nossos bens para o lugar de onde nunca mais os perderemos. Os pobres a quem ajudamos são os nossos estafetas, que efetuam por nós esta transferência da terra para o céu. Entregamo-lo ao estafeta e ele encarrega-se de levar para o céu o que lhe é dado. Talvez alguém observe que o pobre consome o que lhe damos, comendo-o. Mas respondemos que, justamente porque não o conserva para si, mas o consome alimentando-se, efetua o transporte de que estamos a falar. Não se esqueça o que está escrito: «Vinde, benditos de meu Pai: recebei o reino. Tive fome e destes-Me de comer». E depois: «Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25,34.35.36). Se não desprezaste o mendigo que estava à tua frente, vê agora a quem chegou o que deste: «Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes» É Cristo que recebe o que deste. É Ele que recebe aquilo que

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te deu para que pudesses dar. Quem o recebeu foi Ele que, no fim de tudo, se nos dará a Si próprio. Ou: Das “Cartas e conferências espirituais” de São Vicente de Paulo, presbítero (Carta 2546: Correspondance, entretiens, documents, Paris 1922-1925, 7) «Servir a Cristo nos pobres»

A nossa atitude para com os pobres não se deve regular pela sua aparência externa nem sequer pelas suas qualidades interiores. Devemos considerá-los, antes de mais, à luz da fé. O Filho de Deus quis ser pobre e ser representado pelos pobres. Na sua paixão, quase perdeu o aspeto de homem; apareceu como um louco para os gentios e um escândalo para os judeus. Todavia, apresentou-Se a estes como evangelizador dos pobres: «Enviou-Me para evangelizar os pobres» (Lc 4,18). Também nós devemos ter os mesmos sentimentos de Cristo e imitar o que Ele fez: cuidar dos pobres, consolá-los, socorrê-los e recomendá-los.

Cristo quis nascer pobre, chamar para a sua companhia discípulos pobres, servir os pobres e identificar-Se com os pobres, a ponto de dizer que o bem ou o mal feito a eles o tomaria como feito a Si mesmo. Deus ama os pobres e, por conseguinte, ama também aqueles que os amam. Na verdade, quando alguém tem especial afeto por uma pessoa, estende também este afeto aos seus amigos e servos. Por isso, temos razão para esperar que, por causa do nosso amor dos pobres, também nós seremos amados por Deus.

Quando os visitamos, procuremos compreender a sua pobreza e infelicidade para sofrer com eles e ter os sentimentos de que fala o Apóstolo, quando diz: «Fiz me tudo para todos» (1Cor 9,22). Esforcemo-nos por sentir profundamente as preocupações e misérias do nosso próximo; peçamos a Deus que nos dê o espírito de misericórdia e compaixão e que conserve sempre em nossos corações estes sentimentos.

O serviço dos pobres deve ser preferido a todos os outros e deve ser prestado sem demora. Se durante o tempo de oração tiverdes de levar um medicamento ou qualquer auxílio a um pobre, ide tranquilamente, oferecendo a Deus essa boa obra como prolongamento da oração.

E não tenhais nenhum escrúpulo ou remorso de consciência se, para prestar serviço aos pobres, tivestes de deixar a oração. De facto, não se trata de deixar a Deus, se é por amor de Deus que deixamos a oração: servir um pobre é também servir a Deus. A caridade é a máxima norma, e tudo deve tender para ela; é uma grande senhora: devemos cumprir o que ela manda. Todos os que amarem os pobres em vida não terão qualquer medo diante da morte. Renovemos, portanto, o nosso espírito de serviço aos pobres, principalmente para com os mais abandonados. São esses os nossos senhores e protetores. Ou: Da Carta Encíclica Deus caritas est, do Papa Bento XVI (25 de dezembro de 2005, n. 31) «O perfil específico da ação caritativa da Igreja»

O aumento de organizações diversificadas, que se dedicam ao homem em suas várias necessidades, explica-se fundamentalmente pelo facto de o imperativo do amor ao próximo ter sido inscrito pelo Criador na própria natureza do homem. Mas, o referido aumento é efeito também da presença, no mundo, do cristianismo, que não cessa de despertar e tornar

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eficaz este imperativo, muitas vezes profundamente obscurecido no decurso da história. […] Por isso, é muito importante que a atividade caritativa da Igreja mantenha todo o seu esplendor e não se dissolva na organização assistencial comum, tornando-se uma simples variante da mesma. Mas, então quais são os elementos constitutivos que formam a essência da caridade cristã e eclesial?

a) Segundo o modelo oferecido pela parábola do bom Samaritano, a caridade cristã é,

em primeiro lugar, simplesmente a resposta àquilo que, numa determinada situação, constitui a necessidade imediata: os famintos devem ser saciados, os nus vestidos, os doentes tratados para se curarem, os presos visitados, etc. As organizações caritativas da Igreja, a começar pela Cáritas (diocesana, nacional e internacional), devem fazer o possível para colocar à disposição os correlativos meios e sobretudo os homens e mulheres que assumam tais tarefas. […] A competência profissional é uma primeira e fundamental necessidade, mas por si só não basta. É que se trata de seres humanos, e estes necessitam sempre de algo mais que um tratamento apenas tecnicamente correto: têm necessidade de humanidade, precisam da atenção do coração. Todos os que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se por não se limitarem a executar habilidosamente a ação conveniente naquele momento, mas dedicam-se ao outro com as atenções sugeridas pelo coração, de modo que ele sinta a sua riqueza de humanidade […].

b) A ação caritativa cristã deve ser independente de partidos e ideologias. Não é um

meio para mudar o mundo de maneira ideológica, nem está ao serviço de estratégias mundanas, mas é atualização aqui e agora daquele amor de que o homem sempre tem necessidade […]. Só se contribui para um mundo melhor, fazendo o bem agora e pessoalmente, com paixão e em todo o lado onde for possível, independentemente de estratégias e programas de partido. O programa do cristão – o programa do bom Samaritano, o programa de Jesus – é «um coração que vê». Este coração vê onde há necessidade de amor, e atua em consequência. Obviamente, quando a ação caritativa é assumida pela Igreja como iniciativa comunitária, à espontaneidade do indivíduo há que acrescentar também a programação, a previdência, a colaboração com outras instituições idênticas.

c) Além disso, a caridade não deve ser um meio em função daquilo que hoje é indicado

como proselitismo. O amor é gratuito; não é realizado para alcançar outros fins. Isto, porém, não significa que a ação caritativa deva, por assim dizer, deixar Deus e Cristo de lado. Sempre está em jogo o homem todo. Muitas vezes é precisamente a ausência de Deus a raiz mais profunda do sofrimento. Quem realiza a caridade em nome da Igreja, nunca procurará impor aos outros a fé da Igreja. Sabe que o amor, na sua pureza e gratuidade, é o melhor testemunho do Deus em que acreditamos e pelo qual somos impelidos a amar. O cristão sabe quando é tempo de falar de Deus e quando é justo não o fazer, deixando falar somente o amor. Sabe que Deus é amor (cf. 1Jo 4,8) e torna-Se presente precisamente nos momentos em que nada mais se faz a não ser amar. Sabe que o vilipêndio do amor é vilipêndio de Deus e do homem, é a tentativa de prescindir de Deus. Consequentemente, a melhor defesa de Deus e do homem consiste precisamente no amor. Ou: Da Exortação apostólica Evangelii gaudium, do Papa Francisco

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(24 de novembro de 2013, nn. 197-199) «O lugar privilegiado dos pobres no Povo de Deus» No coração de Deus, ocupam lugar preferencial os pobres, tanto que até Ele mesmo «Se fez pobre» (2Cor 8,9). Todo o caminho da nossa redenção está assinalado pelos pobres. Esta salvação veio a nós, através do «sim» duma jovem humilde, duma pequena povoação perdida na periferia dum grande império. O Salvador nasceu num presépio, entre animais, como sucedia com os filhos dos mais pobres; foi apresentado no Templo, juntamente com dois pombinhos, a oferta de quem não podia permitir-se pagar um cordeiro (cf. Lc 2,24; Lv 5,7); cresceu num lar de simples trabalhadores, e trabalhou com suas mãos para ganhar o pão. Quando começou a anunciar o Reino, seguiam-no multidões de deserdados, pondo assim em evidência o que Ele mesmo dissera: «O Espírito do Senhor está sobre Mim, porque Me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres» (Lc 4,18). A quantos sentiam o peso do sofrimento, acabrunhados pela pobreza, assegurou que Deus os tinha no âmago do seu coração: «Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus» (Lc 6,20); e com eles Se identificou: «Tive fome e destes-Me de comer», ensinando que a misericórdia para com eles é a chave do Céu (cf. Mt 25,34-40). Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológica, política ou filosófica. É a eles que Deus «manifesta a sua misericórdia antes de mais» em primeiro lugar. Esta preferência divina tem consequências na vida de fé de todos os cristãos, chamados a possuírem «os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus» (Fl 2,5). Inspirada por tal preferência, a Igreja fez uma opção pelos pobres, entendida como uma «forma especial de primado na prática da caridade cristã, testemunhada por toda a Tradição da Igreja». Como ensinava Bento XVI, esta opção «está implícita na fé cristológica naquele Deus que Se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza». Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar. Além de participar do sensus fidei, nas suas próprias dores conhecem Cristo sofredor. É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja. Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles. O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou em programas de promoção e assistência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo mas, antes de mais, uma atenção prestada ao outro «considerando-o como um só consigo mesmo». Esta atenção de amor é o início duma verdadeira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo procurar efetivamente o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua bondade própria, com o seu modo de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: «Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça». Quando amado, o pobre «é estimado como de alto valor», e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos. Somente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará possível que «os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como “em casa”. Não seria este estilo a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino?» Sem

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a opção preferencial pelos pobres, «o anúncio do Evangelho – e este anúncio é a primeira caridade – corre o risco de não ser compreendido ou de se afogar naquele mar de palavras que a atual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta». Silêncio para reflexão pessoal.

Oração litânica L Senhor, o Amor é paciente: T dai-nos a paciência necessária para enfrentar um dia depois do outro. L Senhor, o Amor é benigno: T ajudai-nos a desejar sempre o bem dos irmãos antes do nosso. L Senhor, o Amor não é invejoso: T ensinai-nos a alegrar-nos com o sucesso de todos. L Senhor, o Amor não é altivo: T fazei-nos recordar que não devemos lançar à cara do irmão aquilo que fazemos por ele. L Senhor, o Amor não é orgulhoso: T dai-nos a coragem de reconhecer que erramos. L Senhor, o Amor não falta ao respeito: T fazei que possamos ver o vosso rosto no rosto do irmão. L Senhor, o Amor não procura o próprio interesse: T fazei correr sobre a nossa vida o vento da gratuidade. L Senhor, o Amor não se irrita: T afastai de nós os gestos e as palavras que magoam. L Senhor, o Amor não guarda ressentimento: T reconciliai-nos no perdão que esquece as culpas. L Senhor, o Amor não se alegra com a injustiça: T abri o nosso coração às necessidades de quem está ao nosso lado. L Senhor, o Amor alegra-se com a verdade: T guiai os nossos passos para Vós, que sois o Caminho, a Verdade e a Vida. L Senhor, o Amor tudo cobre: T ajudai-nos a cobrir de amor os dias que passaremos juntos. L Senhor, o Amor tudo crê: T ajudai-nos a acreditar que o Amor move montanhas. L Senhor, o Amor tudo espera: T ajudai-nos a esperar no Amor para além de toda a esperança. L Senhor, ensinai-nos a não nos amarmos a nós mesmos, a não amarmos somente os que nos são caros, a não amarmos apenas aqueles de quem gostamos. Senhor, ensinai-nos a pensar nos outros, a amar os que ninguém ama. Senhor, fazei-nos sofrer com a dor alheia.

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Senhor, dai-nos a graça de compreender que, em cada instante da nossa vida, da nossa vida feliz e por Vós protegida, há milhões de seres humanos que são vossos filhos e nossos irmãos, que morrem de fome sem terem merecido morrer de fome, que morrem de frio sem terem merecido morrer de frio. Senhor, tende piedade de todos os pobres do mundo. E não permitais mais, Senhor, que sejamos felizes sozinhos. Fazei-nos sentir a angústia da miséria universal e libertai-nos do nosso egoísmo.

(Raoul Foullereau)

Pode cantar-se um cântico de adoração. Depois do cântico, faz-se uma breve pausa de silêncio para oração pessoal.

Bênção Eucarística De joelhos, canta-se o hino eucarístico:

Tantum ergo Sacramentum veneremur cernui: et antiquum documentum novo cedat ritui; præstet fides supplementum sensuum defectui. Genitori Genitoque laus et jubilatio, salus, honor, virtus quoque sit et benedictio; Procedenti ab utroque compar sit laudatio. Amen.

Veneremos, adoremos a presença do Senhor, nossa luz e pão da Vida, cante a alma o seu louvor. Adoremos no sacrário Deus oculto por amor. Dêmos glória ao Pai do Céu, infinita majestade. Glória ao Filho e ao Santo Espírito, em espírito e verdade. Veneremos, adoremos a Santíssima Trindade. Amen.

P Oremos. Senhor Jesus Cristo, que neste admirável sacramento nos deixastes o memorial da vossa paixão, concedei-nos a graça

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de venerar de tal modo os mistérios do vosso Corpo e Sangue, que sintamos continuamente os frutos da vossa redenção. Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo. T Amen. Quem preside dá a bênção com o Santíssimo Sacramento. Invocações Um leitor entoa e a assembleia repete: 1. Bendito seja Deus. 2. Bendito o seu santo Nome. 3. Bendito Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 4. Bendito o Nome de Jesus. 5. Bendito o seu Sacratíssimo Coração. 6. Bendito o seu Preciosíssimo Sangue. 7. Bendito Jesus no Santíssimo Sacramento do Altar. 8. Bendito o Espírito Santo Paráclito. 9. Bendita a excelsa Mãe de Deus, Maria Santíssima. 10. Bendita a sua santa e Imaculada Conceição. 11. Bendita a sua gloriosa Assunção. 12. Bendito o Nome de Maria, Virgem e Mãe. 13. Bendito São José, seu castíssimo Esposo. 14. Bendito Deus nos seus Anjos e nos seus Santos. Amen. Enquanto se repõe o Santíssimo Sacramento no sacrário, canta-se um cântico. Antífona mariana Salve, Regina, Mater misericordiæ, vita, dulcedo et spes nostra, salve. Ad te clamamus exsules filii Hevæ. Ad te suspiramus gementes et flentes in hac lacrimarum valle. Eia ergo, advocata nostra, illos tuos misericordes oculos ad nos converte. Et Iesum, benedictum fructum ventris tui, nobis post hoc exsilium ostende. O clemens, o pia, o dulcis Virgo Maria!

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Propostas de vigília de oração para as comunidades

Segunda vigília de oração

Nós conhecemos e acreditámos no amor de Deus por nós

O espaço litúrgico está a meia-luz. No centro do espaço litúrgico está colocado um grande crucifixo, bem iluminado. Antes de dar início à procissão de entrada, uma voz off lê o trecho da Primeira Carta de São João, ao som de uma música instrumental de fundo. Voz off «Filhinhos, nisto conhecemos o amor: Ele deu a sua vida por nós e nós devemos também dar a vida pelos nossos irmãos. Se alguém possui bens deste mundo e, ao ver o seu irmão passar necessidade, lhe fecha o coração, como pode estar nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras e com a língua, mas com obras e em verdade». (1Jo 3,16-18) Faz-se uma breve pausa de silêncio. Acende-se todas as luzes do espaço litúrgico e dá-se início à procissão de entrada. Cântico Saudação P Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. T Amen. P Deus, Uno e Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, que ama e conduz a história com a ação da sua graça, esteja convosco. Ou, se for um bispo a presidir: A paz esteja convosco. T Bendito seja Deus, que nos reuniu no amor de Cristo. L Da Mensagem do Papa Francisco para o I Dia Mundial dos Pobres (n. 6) No termo do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. […] Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. P Caríssimos, o Papa Francisco convidou-nos, deste modo, a rezar; fá-lo-emos nesta vigília, para aprender do Senhor Jesus a tocar com a mão na sua carne nos pobres. Faz-se uma pausa de silêncio.

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P Oremos. Deus, fonte de comunhão, ninguém tem nada para dar aos irmãos, se antes não entrar em comunhão convosco: dai-nos o vosso Espírito, vínculo de unidade perfeita, para que nos transforme numa nova humanidade, livre e unida no vosso amor. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. T Amen. M Podemos sentar-nos.

1. Foi Ele que nos amou

Palavra de Deus

L Escutai, irmãos, a Palavra do Senhor, da Primeira Carta do Apóstolo São João (4,10-16)

Caríssimos, nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e nos enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amou tanto, também nós devemos amar-nos uns aos outros. A Deus ninguém jamais O viu. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e em nós o seu amor é perfeito. Nisto conhecemos que estamos nele e Ele em nós: porque nos deu o seu Espírito. E nós vimos e damos testemunho de que o Pai enviou o seu Filho como Salvador do mundo. Se alguém confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus. Nós conhecemos o amor de Deus por nós e acreditamos no seu amor. Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele.

Ensinamento da Igreja

L Da Mensagem do Papa Francisco para o I Dia Mundial dos Pobres (n. 1) A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias, que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Gesto: PERFUME Ao som de uma música instrumental de fundo, alguém traz para o centro da assembleia uma âmbula com perfume de nardo, que se coloca ao lado do crucifixo. M Levantemo-nos.

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Alguns jovens vão para a frente do presidente, que lhes entrega umas pequenas âmbulas de perfume, dizendo: P Amai como Cristo nos amou e o vosso coração exalará o seu perfume. Ao som de música instrumental de fundo, os jovens, depois de terem regressado ao seu lugar, passam o perfume uns aos outros, derramando-o nas mãos. Terminado este gesto, quem preside diz a seguinte oração: P Deus omnipotente, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, Vós nos libertastes do pecado e nos fizestes renascer pela água e pelo Espírito Santo, unindo-nos ao vosso povo: consagrai-nos com o óleo da salvação, para que, inseridos em Cristo, sacerdote, profeta e rei, sejamos bom perfume de Cristo, para o que o mundo acredite em Vós. Por Cristo, nosso Senhor. T Amen. M Podemos sentar-nos.

2. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu

Palavra de Deus

L Escutai, irmãos, a Palavra do Senhor, da Carta do Apóstolo São Tiago (2,5-6.14-17) Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o

mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Salmo Responsorial (Do Salmo 33) T O pobre clamou e o Senhor o ouviu. L1 A toda a hora bendirei o Senhor, o seu louvor estará sempre na minha boca. A minha alma gloria-se no Senhor:

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ouçam e alegrem-se os humildes. Enaltecei comigo ao Senhor e exaltemos juntos o seu nome. Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade. Refrão L2 Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias. O Anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Saboreai e vede como o Senhor é bom: feliz o homem que nele se refugia. Refrão L3 Temei o Senhor, vós os seus fiéis, porque nada falta aos que O temem. Os poderosos empobrecem e passam fome, aos que procuram o Senhor não faltará riqueza alguma. Vinde, filhos, escutai-me: vou ensinar-vos o temor do Senhor. Qual é o homem que ama a vida, que deseja longos dias de felicidade? Refrão L4 Guarda do mal a tua língua e da mentira os teus lábios. Evita o mal e faz o bem, procura a paz e segue os seus passos. Os olhos do Senhor estão voltados para os justos e os seus ouvidos atentos aos seus rogos. A face do Senhor volta-se contra os que fazem o mal, para apagar da terra a sua memória. Refrão L5 Os justos clamaram e o Senhor os ouviu, livrou-os de todas as suas angústias. O Senhor está perto dos que têm o coração atribulado e salva os de ânimo abatido. Muitas são as tribulações do justo, mas de todas elas o livra o Senhor. Guarda todos os seus ossos, nem um só lhe será quebrado. Refrão L6 A maldade leva o ímpio à morte, os inimigos do justo serão castigados. O Senhor defende a vida dos seus servos, não serão castigados os que nele se refugiam. Refrão

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Gesto: PÃO São levadas para o centro do presbitério alguns cestos de pão, que são apresentados à assembleia. Quem preside diz: P O Papa Francisco recorda-nos na sua mensagem: «Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é “nosso”, e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum». M Levantemo-nos. Quem preside pronuncia a oração de bênção: P Bendito sejais, Senhor, nosso Deus, Rei do mundo, que na vossa bondade alimentais o mundo inteiro com benevolência, piedade e misericórdia. «Vós dais o alimento a todo o ser vivo: é eterna a vossa bondade». Pela vossa grande bondade, nunca nos faltou o alimento. Por amor do vosso grande Nome, nunca venha a faltar-nos. Porque Vós a todos alimentais, usais de bondade para com todos e preparais o alimento para todas as criaturas que trouxestes à vida. Seja sempre bendito o vosso Nome na boca de todo o ser vivo, no tempo e na eternidade, como está escrito: «Comerás e ficarás saciado e bendirás o Senhor, teu Deus, que te deu esta terra excelente». Bendito sejais, Senhor, pela terra e pelo alimento. T Bendito sejais, Senhor, que dais o alimento a todo o ser vivo. Os cestos do pão são colocados aos pés do altar até ao fim da vigília. M Podemos sentar-nos.

3. Tocar a carne de Cristo com a mão

Ensinamento da Igreja

L Da Mensagem do Papa Francisco para o I Dia Mundial dos Pobres (n. 3) Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Pedido comunitário de perdão

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P Elevemos um clamor de oração ao Senhor, suplicando que tenha piedade de nós e nos manifeste a sua misericórdia, porque gerámos e ignorámos situações de pobreza. Supliquemos: T Kyrie, Kyrie eleison. L Pelos rostos marcados pelo sofrimento, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela marginalização, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela opressão, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela violência, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pelas torturas, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela prisão, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela guerra, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela privação de liberdade, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela privação de dignidade, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela ignorância, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pelo analfabetismo, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela emergência sanitária, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela falta de trabalho, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pelo exílio, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela miséria, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos marcados pela migração forçada, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos de mulheres, homens e crianças, explorados por vis interesses, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos esmagados pelas lógicas perversas de poder, nós Vos suplicamos. R/ L Pelos rostos esmagados pelas lógicas perversas do dinheiro, nós Vos suplicamos. R/ Gesto: MÃOS Enquanto se canta um cântico penitencial, sobe-se ao presbitério para fazer um gesto de veneração aos pés do crucifixo com as mãos. Cântico Depois deste gesto, o presidente convida à saudação da paz. P Senhor Jesus Cristo, que dissestes aos vossos Apóstolos: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz», não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja, e dai-lhe a união e a paz, segundo a vossa vontade. Vós que sois Deus com o Pai na unidade do Espírito Santo. T Amen. P A paz, que é um dom do Senhor, esteja sempre convosco. T O amor de Cristo nos uniu. P No amor daquele que nos amou, saudai-vos uns aos outros. Oração do Pai Nosso

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P «Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos» (Papa Francisco). Por isso, rezemos juntos, cantando: Pai nosso… Bênção P Oremos. Pai, Vós sois um Deus humilde e bom, um Deus que escolhe os pequenos e os fracos, para confundir os grandes e os poderosos; Vós estais sempre atento ao destino dos justos: permiti que Vos cantemos, porque, no vosso Filho, Vos revelastes como libertador dos pobres. Concedei-nos que também nós estejamos atentos ao modo como Vos comportais na história e à forma como quereis que a vossa obra de libertação seja continuada entre os pobres de todo o mundo. Por Cristo, nosso Senhor. T Amen. P O Senhor esteja convosco. T Ele está no meio de nós. P Deus de toda a consolação dirija na sua paz os dias da vossa vida e vos conceda abundantemente as suas bênçãos. T Amen. P O Senhor vos livre de todos os perigos e confirme no seu amor os vossos corações. T Amen. P Para que, enriquecidos com o dom da fé, esperança e caridade, pratiqueis boas obras na vida presente e alcanceis os seus frutos na vida eterna. T Amen. P Abençoe-vos Deus todo-poderoso, Pai, Filho + e Espírito Santo. T Amen. P Ide em paz para amar e servir o Senhor. T Graças a Deus. Cântico No final da vigília, à saída, será distribuído o pão benzido durante a vigília, para ser consumido em fraternidade com a comunidade.

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O logótipo do Dia Mundial dos Pobres

A dimensão da reciprocidade é correspondida pelo logótipo do Dia Mundial dos Pobres. É visível uma porta aberta e, à entrada, duas pessoas que se encontram. Ambas estendem a mão: uma porque pede ajuda, a outra porque pensa em oferecer ajuda. Na verdade, é difícil compreender qual dos dois é o verdadeiro pobre. Melhor, ambos são pobres. Quem estende a mão para entrar está a pedir partilha; quem estende a mão para ajudar é convidado a sair para partilhar. São duas mãos estendidas que se encontram, em que cada uma delas oferece algo. Dois braços que são expressão de solidariedade e que se provocam um ao outro, para que ninguém fique no limiar da porta, mas que ambos vão ao encontro um do outro. O pobre pode entrar em casa, quando quem está dentro tiver compreendido que a ajuda é partilha. Neste contexto, tornam-se ainda mais expressivas as palavras que o Papa Francisco escreve na Mensagem: «Benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem “se” nem “mas”, nem “talvez”: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus» (n. 5).

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Propostas pastorais

Ideias para a valorização do Dia Mundial dos Pobres

Cada Diocese (e comunidade religiosa) poderia organizar-se para fazer chegar contemporaneamente a todos os lugares de sofrimento e de marginalidade uma mensagem de paz e de proximidade, de modo a fazer sentir no mesmo momento a unidade da Igreja através da centralidade dos pobres. De modo particular, a lugares como cantinas, casas de acolhimento, prisões, hospitais, lares de idosos, comunidades terapêuticas, etc., de modo que, neste dia, no mesmo momento, a palavra do Papa possa chegar a todos.

Neste dia, cada comunidade religiosa adota uma iniciativa do tipo das que se seguem: levar compras a famílias necessitadas; oferecer uma refeição aos pobres; comprar utensílios necessários a idosos que não são autossuficientes; dar um meio de transporte a uma casa de família; contribuir para o fundo da Cáritas para as famílias; etc.

Neste dia, cada Diocese escolhe uma obra simbólica para os pobres, que vai realizando ao longo do ano, e da qual informa o Santo Padre em tempo oportuno.

Objetivos

“Serei eu, porventura, guarda do meu irmão?”

Dar-se conta da presença dos pobres ao nosso lado, que não são os últimos, os excluídos, os diferentes, mas são, entre nós, testemunhas da proximidade do Reino de Deus que nos interpela. Conhecer o outro, não apenas para o respeitar nas suas diferenças, mas para nos deixarmos interpelar por ele. Quem são os “pobres” hoje? E onde estão, perto de mim e no território em que vivo? Conhecer a pobreza para descortinar modalidades de partilha; e criar relações. Favorecer uma cultura que considere os bens como “dons” que devem ser redistribuídos para estabelecer a justiça económica. Diante das injustiças do mundo, da iníqua distribuição dos recursos, da ascensão do lucro individual ao mais alto nível da escala de valores, o cristão não pode ficar calado. Do mesmo modo que não pode ficar calado diante dos modelos do desperdício, do consumismo, do açambarcamento insaciável, do desaproveitamento dos recursos ambientais. Da mesma forma, também não pode ficar calado diante de algumas escolhas económicas que escravizam os povos e reduzem nações inteiras à mais extrema necessidade.

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Propostas

“O Senhor levou-me até eles e usei de misericórdia para com eles” As propostas podem estruturar-se em dois horizontes: um cultural e outro pastoral “de misericórdia”. Horizonte cultural:

encontros preparatórios, a fim de colocar no centro deste Dia o encontro com rostos de pobres, que nos convidam a sair para ir ao seu encontro, e a fim de os acompanharmos do “limiar” ou da “margem” da porta, a que não raro os confinamos, para dentro – para o coração – da comunidade (ver logótipo);

conhecer os pobres e as novas formas de pobreza (económica, social, humana), através de encontros com os responsáveis de associações que trabalham nestes âmbitos, no território em que a comunidade eclesial vive;

conhecer, através de testemunhos e encontros com os pobres, as histórias dos pobres, as suas verdadeiras vidas, partilhadas num clima fraterno, sem criar pietismos nem “fenómenos de barracada”.

propor encontros com representantes da economia de comunhão, da economia civil, da justiça económica;

promover encontros com instituições locais que, nos seus empreendimentos, colocam em prática uma economia de comunhão ou de solidariedade.

Horizonte pastoral “de misericórdia”:

ir com representantes de associações aos lugares físicos onde os pobres vivem ou às sedes das associações que os acolhem, para compreender quais são as suas necessidades, e de que modo e em que âmbito se poderá construir relações humanas que promovam as pessoas e a sua dignidade;

criar laços de conhecimento/confiança com os pobres do território, procurando inseri-los e envolvê-los cada vez na vida da comunidade;

individuar eventuais oportunidades para lhes oferecer instrumentos úteis para um maior envolvimento na vida eclesial e social.

A semana de preparação para o Dia Mundial dos Pobres pode ser ocasião propícia para lançar sementes cujos frutos, com o tempo, irão amadurecendo. Ela pode ser o início de um percurso que não pode continuar a ser adiado, que nos permita de responder de uma maneira diferente à pergunta que Deus fez a Caim: «Onde está o teu irmão?» (cf. Gn 4,1-16), cuidando dos nossos irmãos, pessoalmente ou como comunidades eclesiais.

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Santos e Beatos da Caridade dos séc. XX e XXI

São Luís Guanella (1842-1915) «… praticar a caridade é praticá-la para com Deus, cujos filhos prediletos são os pobres» Santa Teresa de Calcutá (1917-1998) «Deus criou-nos para amar e para ser amados» São Maximiliano Maria Kolbe (1894-1941) «Somente o amor cria; o ódio destrói» Santo Afonso Maria Fusco (1839-1910) «Gostaria que até a minha sombra pudesse fazer o bem!» São Filipe Smaldone (1848-1923) «O amor deve incitar a uma ação com um raio mais alargado, em campos mais vastos e difíceis» Santa Júlia Salzano (1846-1929) «Amar e fazer com que Cristo seja conhecido» Santo Alberto Chmielowski (1845-1916) «É preciso ser bons como o pão… que cada pessoa pode tomar para saciar a sua fome» São Luís Orione (1872-1940) «A nossa caridade não fecha as portas» Santa Catarina Maria Drexel (1858-1955) «Se queremos servir bem a Deus e ao nosso próximo, devemos manifestar a nossa alegria na serviço que fazemos a Deus e aos irmãos» Santa Maria Elisabeth Hesselblad (1870-1957) «Ide para o céu com as mãos cheias de amor» Santa Henriqueta Alfieri (1891-1951) «A caridade é um fogo que, ardendo, gosta de se expandir» Santo Alberto Hurtado (1901-1952) «O destino do meu próximo mais pobre diz-me respeito, porque sou seu irmão» Beato Luís da Consolata (1922-1977) «Sinto que sou um pobre; mais, se os pobres são os meus patrões sinto-me com sorte, por ser empregado deles»

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Beato Óscar Arnulfo Romero (1917-1980) «Queremos homens que saibam dizer “sim” à justiça e “não” à injustiça, e saibam usar o precioso bem da vida» Beato Engelmar Uzeitig (1911-1945) «O amor duplica as nossas forças, torna-nos fantasiosos, contentes e livres» Beato Odoardo Focherini (1907-1944) «Eu faço o que posso; quando não consigo, consegue Deus. Uma vez que trabalho para Ele, ele está comprometido em ajudar-me» Beato Vladimir Ghika (1873-1954) «O pobre vê Cristo vir ao seu encontro sob as espécies de quem o socorre; o benfeitor vê aparecer no pobre Cristo sofredor, sobre o qual ele se inclina» Beato John Sullivan (1861-1933) Era muito amado e procurado como um pai pelos pobres e sofredores Beato Stanley Aplas Rother (1935-1981) «Rezai por nós, para que possamos ser sinal do amor de Cristo para o nosso povo» Beata Hildegarda Burjan (1883-1933) Via o Rosto de Jesus nos pobres e sofredores e era sedenta de justiça

Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa