movimento dos trabalhadores rurais sem terra … · praticamente eliminada a mortalidade infantil...

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR) GT 07 - Movimentos Sociais, Acesso à Terra e Ruralidades MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO ESTADO DO PARÁ: condições, dilemas e conquistasTatiane da Silva Pereira Universidade Federal do Pará/UFPA; Cristiane Freitas da Silva Universidade Federal do Pará/UFPA.

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7º Encontro Anual da ANDHEP - Direitos Humanos, Democracia e Diversidade

23 a 25 de maio de 2012, UFPR, Curitiba (PR)

GT 07 - Movimentos Sociais, Acesso à Terra e Ruralidades

“MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO ESTADO DO

PARÁ: condições, dilemas e conquistas”

Tatiane da Silva Pereira – Universidade Federal do Pará/UFPA;

Cristiane Freitas da Silva – Universidade Federal do Pará/UFPA.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO ESTADO DO

PARÁ: condições, dilemas e conquistas

Resumo: O presente artigo tem como objetivo fazer uma explanação acerca da

trajetória do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra – MST no Estado do

Pará na luta pela reforma agrária, em que todos tenham acesso a terra para morar,

trabalhar e para poder retirar dela seu sustento com dignidade. Propõe-se discutir,

mediante a história e dados estatísticos, o contexto em que o MST se organiza no

Estado, suas lutas, conquistas, bem como os desafios para a garantia dos direitos

preconizados na Constituição Federal de 1988 e legislações específicas. Além disso,

abordaremos o descaso e a criminalização que o Movimento sofre por parte do

governo, da elite e da mídia, considerando o conflito fundiário fruto do sistema

capitalista.

Palavras-chave: MST, Reforma Agrária, Estado do Pará.

Abstract: This article aims to make an explanation about the trajectory of the

Movement of Landless Rural Workers - MST in State of Pará in the struggle for

agrarian reform, in which everyone has access to land to live, work and draw their

sustenance from it with dignity. It is proposed discuss, by the history and too statistics

data, the context in which the MST is organized in the State, their struggles,

achievements and challenges to guarantee the rights envisaged in the 1988 Federal

Constitution and specific laws. In addition, we discuss the neglect and criminality that

the movement suffers by government, by elite and by media, considering that the

agrarian conflict is product of the capitalist system.

Keywords: MST, Agrarian Reform, State of Pará.

1- INTRODUÇÃO

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST foi criado

formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que se

realizou de 21 a 24 de janeiro de 1984, em Cascavel, no Estado do Paraná. Os

trabalhadores rurais lutavam pela democracia da terra e da sociedade, e fundaram

este movimento com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar pela reforma

agrária e lutar por mudanças sociais no país.

Atualmente o movimento está organizado em 24 Estados nas cinco regiões do

país, o qual propõe a construção de assentamentos visando o desenvolvimento de

comunidades que se auto-organizem em espaços democráticos, em que todos tenham

acesso à terra para que possam morar, trabalhar e consequentemente produzir para

garantir sua subsistência.

Na década de 1990 o MST chegou ao Estado do Pará, realizando suas primeiras

ocupações na região de Carajás. Mas, é a partir de 1992, com a conquista do

assentamento Rio Branco e em 1995 com o assentamento Palmares, que as

ocupações do movimento apresentaram característica própria de um movimento de

caráter nacional. Em 1996 ocorreu o Massacre de Eldorado de Carajás, com a morte

de 19 trabalhadores rurais, o que fere ainda o movimento e a sociedade por não ter

sido aplicada uma punição justa, admissível pela sociedade. Visto que, o Pará é

considerado o Estado mais violento do Brasil em relação à questão dos conflitos no

campo, frequentemente associados com injustiça social e com a impunidade dos

infratores.

Apenas nos últimos anos foram assassinados trabalhadores rurais, lideranças

sindicais, advogados, religiosos, entre outros atores envolvidos nessa luta. Sendo que,

o maior causador da violência é o próprio modelo econômico adotado pelo governo

federal, ou seja, o Estado a serviço do capital no sistema capitalista, que gera a

exclusão social, bem como a desapropriação das terras pelas famílias que lutam por

uma vida digna com acesso a saúde, educação, assistência, terra para habitar e

produzir, entre outros.

As políticas de desenvolvimento implementadas pelo Estado capitalista

constituem-se produto das contradições resultantes das relações entre classes sociais

antagônicas, que se manifestam nos modos de ocupação territorial, reagindo às

transformações sofridas.

Este movimento ainda enfrenta a desqualificação e a forte criminalização por

parte da mídia tendenciosa e da elite regional que sente seus interesses ameaçados

pela reivindicação do MST por pregar ideais socialistas, e não a concentração de

riqueza apenas para a minoria detentora de poder político e econômico.

O surgimento do MST na região também está relacionado à migração e à

implantação de diversos projetos pelos governos, esta população que veio com o

objetivo de conseguir emprego, terra e ouro, foram os primeiros integrantes do MST no

Pará. E, no desenvolvimento da luta pela terra, o movimento contou com diversos

aliados, dentre eles: Sindicatos dos Trabalhadores Rurais - STRs; Comissão Pastoral

da Terra - CPT; partidos políticos, sobretudo de esquerda; a Sociedade Paraense para

a Defesa dos Direitos Humanos- SDDH, dentre outros.

O MST é um movimento com base na Constituição Federal de 1988, visto que

luta para garantir a lei da reforma agrária, preconizados nos artigos 184 e 186 da

mesma, os quais determinam que, se um imóvel rural é improdutivo e não cumpre a

função social, suas terras devem ser destinadas para fins de reforma agrária, mas,

apesar de estar garantido na Constituição Federal, o governo, na maioria dos casos,

se esquiva da responsabilidade de atender essa função.

Dessa forma, o MST não espera pelo governo, parte para a iniciativa social de

ocupar a terra como forma de pressionar a garantia dos projetos de assentamentos,

pelo governo. Assim, só há desapropriação, quando há primeiro a ocupação. E, após a

desapropriação da terra as famílias continuam organizadas no MST, pois a luta

continua pela garantia de Políticas Públicas nos assentamentos, especialmente nas

áreas de educação e saúde, assegurando melhores condições de vida no campo.

E neste sentido, nosso artigo se propõe a discutir, mediante a história e dados

estatísticos, sobre a luta e os entraves do MST no Pará, e sua correlação com o

sistema vigente, bem como a necessidade da implantação urgente de políticas que

amparem este povo humilde que está tendo seus direitos violados, contando com o

descaso e a criminalização do governo, da elite e da mídia tendenciosa; assim,

salientamos que algo precisa ser feito, que este tema precisa ser mais amplamente

abordado, discutido e problematizado, quebrando a onda que tenta silenciar o

Movimento e revelando a complexidade da questão agrária no Pará.

2- UMA BREVE DA ANÁLISE DA ORIGEM DO MOVIMENTO DOS

TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

A história do Brasil é marcada por reivindicações, lutas e movimentos sociais

contra as formas de dominação, exploração e exclusão social. Haja vista que o

capitalismo representa o governo de classe pelo capital e limita o poder do povo em

seu significado político, submetendo a vontade popular aos imperativos da

acumulação e do lucro.

No capitalismo há uma completa separação entre a apropriação privada e os

deveres públicos, o que resulta no desenvolvimento de uma nova esfera de poder que

se dedica inteiramente aos fins dos interesses privados e não aos interesses sociais.

Dessa forma, os movimentos sociais são cenários possíveis para as ações

revolucionárias, que buscam transformações e propõem severos questionamentos dos

modos de organizações sociais.

Nessa perspectiva, BARBOSA (1981) afirma que “somente o homem é capaz de

agir transformando”, pois no fundamental, continua a perpetuar as políticas sócio-

econômicas neoliberais ditadas pelo grande capital.

Na análise de GOHN (2003), os movimentos sociais são o pulsar da sociedade,

expressando as energias de resistência às explorações e potencializando as forças

sociais, antes dispersas, através de suas práticas propositivas. Como se intui, os

movimentos sociais são territórios de experimentação e que, através de sua

possibilidade e amplitude de atuação, podemos identificar o nível democrático de cada

realidade. É a reação resultante de um conflito, a qual propõe mudanças na vida

social. Em função da insatisfação com alguma situação, apoiam alterações que

possam dar conta desses impasses.

No Brasil a reconstrução da democracia tem exigido, há trinta anos, enormes

sacrifícios dos trabalhadores. Desde a reconstrução de suas organizações, destruídas

por duas décadas de repressão da ditadura militar, até a invenção de novas formas de

movimentos e de lutas capazes de responder ao desafio de enfrentar uma das

sociedades mais desiguais do mundo.

Foi justamente no contexto ditatorial experimentado no país, que trabalhadores

rurais decidem resistir ao sistema imposto. O processo de urbanização ocorrido em

meados do século XX e os atrativos dos centros urbanos, bem como o processo de

mecanização da agricultura, levaram ao êxodo rural e à conseqüente favelização das

grandes cidades. Aumentou, assim, a concentração fundiária e o pequeno agricultor,

que não migrou, teve suas dificuldades ampliadas.

Essa contradição cada vez mais profunda entre a democracia e o capitalismo é

um dos cernes de atuação e reivindicação dos diversos movimentos sociais que lutam

pela garantia de direitos que são abruptamente negados na lógica do sistema

capitalista, como é o caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Na luta pelo acesso e permanência na terra estão envolvidos vários movimentos

sociais, tais como: indígenas, quilombolas e trabalhadores rurais. No entanto a nossa

análise tem como foco o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

Este movimento surgiu oficialmente em 1984 durante o primeiro encontro de

trabalhadores rurais que protagonizavam a luta pela democracia da terra e da

sociedade, que ocorreu no município de Cascavel, no Estado do Paraná. Foi

organizado nacionalmente no ano seguinte, momento em que se realizou o 1º

Congresso Nacional dos Sem Terra, realizado de 29 a 31 de janeiro de 1985, no

mesmo Estado, no município de Curitiba, com a representação de 23 estados

brasileiros.

O Movimento dos Sem-Terra “é o que apresenta maior grau de articulação

interna entre os movimentos de luta pela terra e, por isto, revela maior

homogeneidade nas formas de luta em seus vários conflitos particulares”

(GRZYBOWSKI ,1991, p.22).

O MST é um movimento social que luta não só pela reforma agrária, pelo direito

ao acesso e permanência na terra, mas também por crédito, moradia, assistência

técnica, escolas, atendimento à saúde e outras necessidades da família sem-terra

que, assim como para todos os brasileiros, precisam ser supridas. A bandeira de luta

do MST não é apenas pela Reforma Agrária, mas também por uma transformação

social.

Segundo publicação da Secretaria Nacional do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra (2010),

Uma das principais conquistas do MST é manter o tema da reforma agrária na pauta de discussão da sociedade e do Estado. No campo social, os resultados nas áreas conquistadas são significativos: foi praticamente eliminada a mortalidade infantil nos assentamentos, e não existe mais a fome. É incomparável a produtividade, número de

empregos e instalação de infra-estrutura de uma área antes e depois de se transformar em assentamento. Acima de tudo, foi conquistada a dignidade da cidadania, porque quando a cerca do latifúndio é rompida, também se rompe a cerca do “voto de curral”, do coronelismo e da dominação política. (MST, 2010, p. 11)

Essas conquistas só são obtidas por meio de lutas coletivas, propondo colocar

na agenda política brasileira a questão da Reforma Agrária em busca de um novo

projeto de desenvolvimento para o campo e para a sociedade. No entanto, em meio a

essa luta do MST no País muitos trabalhadores perdem a vida. No Estado do Pará não

é diferente, sendo este marcado pelo maior massacre da historiado MST, bem como

pela violência cotidiana no campo.

3- A REALIDADE DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA NO PARÁ

Para compreender o nascimento do MST no Estado do Pará, é necessário

analisar o contexto histórico-político no qual emergiu.

A mecanização da agricultura, a criação de grandes empresas rurais, a exclusão

da maioria das pequenas e médias propriedades incentivada pelos governos militares

a partir da década de 60, tinha como principal objetivo a exportação da produção

agrícola. Esse processo de desenvolvimento provocou nas décadas de 70 e 80 o

grande êxodo rural, em que a população camponesa começou a se movimentar.

Chegaram ao Pará em busca de terra para morar e trabalhar, vindos então do

Nordeste, Sul e Sudeste do País.

Somou-se ao processo migratório a implantação de grandes projetos, que ainda

hoje continua, no Estado do Pará, tais como: a construção da barragem da usina

hidroelétrica de Tucuruí, a construção da hidroelétrica de Belo Monte, a criação do

Programa Grande Carajás, a abertura da Transamazônica, entre outros. Foi nesse

contexto que os trabalhadores começaram a resistir e se organizar contra a

intensificação da concentração fundiária, e conseqüentemente a desigualdade social e

a concentração de renda.

Ao retratar o MST no Estado do Pará, percebe-se que a diversidade de relações

sociais é enfática, uma vez que se somam à composição dos movimentos ex-

garimpeiros da Serra Pelada ou seus filhos e ex-empregados da empresa de

construção das barragens da hidrelétrica de Tucuruí e das empreiteiras

subcontratadas da CVRD para a construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC)

(COELHO, 1999, p. 516), bem como os trabalhadores extrativistas da castanha.

Destaca-se a luta dos trabalhadores sem-terra, diferenciando-se a dos

posseiros, que se amplia à medida de sua

(...) reinserção nas condições de trabalho e de reprodução social, das quais foram excluídos, no processo desigual de desenvolvimento do capitalismo. Suas lutas são pela conquista da terra, pela reforma agrária e pela transformação da sociedade (FERNANDES, 2000, p.45).

Nesta perspectiva, quando se questiona o modelo de desenvolvimento e a

estrutura de propriedade da terra e luta contra o modo de produção capitalista,

pulando a cerca da legalidade e desafia a justiça brasileira, Martins mostra que a luta

dos sem-terra extrapola as lutas dos assalariados e dos posseiros (MARTINS, 1984,

p.88).

Nos finais da década de 80, o MST começa a chegar no Estado do Pará.

Precisamente em 1989, as primeiras atividades de articulação foram realizadas por

lideranças sindicais da Região, ligadas à CUT, que haviam participado dos Encontros

Nacionais (Cascavel, 1º Encontro Nacional - 1984, e em Curitiba, 1º Congresso -

1985), como forma de fortalecer o movimento camponês na Região. Nesse momento,

o apoio da Comissão Pastoral da Terra - CPT foi muito importante no processo de

intensificação da resistência camponesa, cuja referência é uma continuidade, desde a

gênese do MST no Brasil e sua fundação, em 1984 (FERNANDES, 2000, p.201).

A primeira ocupação do MST no Estado do Pará foi realizada em 1990, na

Fazenda Ingá, no Sul do Estado, no município de Conceição do Araguaia. No entanto,

se apresentou com característica própria de um movimento de caráter nacional

somente com a segunda ocupação, a partir de 1992, da fazenda Rio Branco, no

município de Parauapebas, marcado por intenso conflito com a Companhia Vale do

Rio Doce, resultando na conquista do primeiro assentamento. A conquista do segundo

assentamento, em 1995, denominado assentamento Palmares, na mesma Região,

demarca a consolidação do MST no Pará.

Quadro 1- Acampamentos e Assentamentos do MST no Estado do Pará:

localização, área, nº de famílias, ano de ocupação e de criação dos Projetos de

Assentamento.

Total geral de famílias acampadas e assentadas: 4.812

Fonte: MST/Pará. Abril de 2004.

Figura 1: Localização dos Assentamentos do MST-PA

Fonte: IBGE

O Pará é um dos Estados brasileiros que lidera o ranking em violência no campo

relacionado à questão dos conflitos agrários, geralmente ligados à injustiça social e à

impunidade dos infratores.

Nessa ótica, o Estado foi palco do Massacre de Eldorados dos Carajás. E tudo

começou no dia 10 de abril de 1996, quando aproximadamente duas mil pessoas

iniciaram nova marcha para Belém. Quando chegaram na "curva do S", em 16 de abril,

no Município de Eldorado dos Carajás, os sem-terra decidiram bloquear a rodovia PA

150 a fim de pressionar o governo à abrir negociação. O Governador Almir Gabriel

enviou um comandante da Polícia Militar-PM de Parauapebas para negociar com o

MST, acordando-se que enviaria alimentos e 50 ônibus para que os sem-terra fossem

até Marabá para negociações com o superintendente do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Às onze horas do dia 17 de abril, o MST foi

informado pelo comandante que o acordo não seria cumprido. Portanto, decidem

bloquear novamente a rodovia. Às 16 horas, chegaram dois batalhões da PM: um

vindo de Marabá e outro, de Parauapebas, munidos de armas pesadas, como

metralhadoras. O massacre ocorreu e teve como triste resultado desse episódio 19

sem-terra mortos e 69 feridos. Até hoje, ninguém foi punido pelo crime, o que fere

ainda o movimento e a sociedade por não ter sido aplicada uma punição justa.

Além de tudo o MST neste episódio, assim como em tantos outros na sua

realidade enfrentou e enfrenta a criminalização por parte de vários setores, a exemplo

da mídia, que no massacre de Eldorado dos Carajás vinculou notícias tendenciosas, a

fim de mascarar a realidade a favor da elite e do governo.

A criminalização de movimentos sociais é um método de repressão e

desmoralização utilizado contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutam pela

reforma agrária no Brasil. O Poder Judiciário brasileiro muitas vezes enquadra o MST

no direito criminal e pouco leva em consideração o fato de que suas ações são

reivindicações previstas na Constituição Federal - como é o caso da luta pelo acesso à

terra.

Houve avanços desde então, como a criação da Secretaria da Regional Belém

do MST, em 1998, com o apoio de diversas pessoas, entidades e de igrejas, o que

facilitou a implantação do MST na região e, a partir desse acampamento, várias

mobilizações aconteceram em conjunto com os diversos setores dos movimentos

sociais: Grito dos Excluídos, Marcha Estadual pelos dois anos de massacre de

Eldorado, ocupações do INCRA, uma greve de fome de 36 militantes para pressionar

o INCRA Nacional a abrir negociação em Marabá.

Apenas nos últimos anos foram mais de 800 assassinatos de atores envolvidos

em conflitos fundiários, entre eles: trabalhadores rurais, lideranças sindicais,

advogados e religiosos.

Em relação aos conflitos no campo, envolvendo o MST no Estado do Pará, a

Comissão Pastoral da Terra, em seu caderno “Conflitos no campo Brasil 2010”

apresenta os dados de famílias envolvidas, a localidade, a data, a categoria e o nome

do conflito. Mostrando que o número de conflitos na região é significativo, números

estes que possivelmente se expressarão em novos índices de violência no campo. Ver

a tabela a seguir.

Tabela 1: Conflitos no campo

Fonte: CPT, 2010

Esses números demonstram a necessidade da conquista da reforma agrária, do

acesso a terra com condições dignas de moradia, assistência, saúde, educação,

preconizados pela Constituição Federal de 1988.

Apesar das situações conflituosas, o crescimento de famílias assentadas é

evidente, e só é possível com a construção de um projeto de vida, através da

mobilização e organização, força e coragem coletiva.

A garantia destas conquistas só é possível com a construção em cada uma das

pessoas dos princípios éticos de solidariedade, da democracia, da necessidade de

organização das massas populares em direção à busca da cidadania.

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em todas as regiões do país, os sem-terra estão obrigados a enfrentar

cotidianamente o poder latifundiário, que reúne capangas, milícias armadas e um

arsenal militar. Para se manter no campo e reivindicar o direito à terra por meio da

reforma agrária, os trabalhadores rurais sem terra têm de se confrontar com a violenta

reação da oligarquia agrária e com o Estado. E na região Amazônica, em particular no

Pará, dado às suas assimetrias, como foi exposto, esta questão se acirra e

complexifica.

A luta dos trabalhadores rurais pela conquista da terra tem um componente

básico fundamental: a necessidade de sobrevivência. Dirigentes sindicais, religiosos,

advogados, ambientalistas, parlamentares e outros defensores comprometidos com os

direitos humanos, tem lutado arduamente pela equidade no campo. E em face às

ameaças, agressões, perseguições e mortes sofridas pelos mesmos ao longo da

história, um outro elemento essencial foi acrescentado ao ideário de tais sujeitos: o

desejo de justiça. A necessidade de ver triunfar o reino da igualdade e da equidade

mobiliza o afã desses trabalhadores em busca de algo que lhes possa garantir o

direito à vida ou ainda o direito a uma existência digna. Isto porque a violência

perpetrada pela estrutura hierarquizada da nossa sociedade, representada no campo

pela concentração fundiária, condena à miséria e à indigência um imenso contingente

de indivíduos despossuídos dos instrumentos essenciais à conquista da dignidade: a

liberdade, a igualdade, a fraternidade.

Os Relatórios da CPT, do MST, os documentos-denúncia das entidades que

lutam em defesa dos direitos humanos e os boletins de ocorrência, atestam que os

crimes praticados pelo poder do latifúndio estão longe de ser combatidos,

solucionados e seus responsáveis devidamente condenados. Ademais, a questão

agrária no Brasil traduz não apenas a cruel desigualdade da nossa estrutura social,

mas a certeza de que a paz no campo não pode ser atingida se os mínimos princípios

de justiça continuarem a ser desrespeitados, isto é, se a igualdade perante a lei

(isonomia) for sempre minada pelo poder político-econômico dos proprietários rurais,

enfim se a justiça continuar a se fazer ausente na vida e na luta do trabalhador rural.

Para tanto, o Governo tem grande importância neste processo, e cabe à ele a

formulação e implementação de políticas sociais re-distributivas e políticas públicas

eficientes, que resultem na diminuição da pobreza, distribuição de riqueza e terra, uma

vez que a omissão do Governo acaba fortalecendo a impunidade, gerando mais

violência, concentração de renda e terra, consequentemente violações dos direitos

preconizados na Constituição Federal.

5- REFERÊNCIAS

BARBOSA, Mário da costa. O Serviço Social como Práxis. In: Serviço Social e

Sociedade. São Paulo. Editora Cortez. 3ª Ed.1981.

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil (1988). Brasília, DF:

Senado Federal.

COELHO, Maria Célia Nunes. A Polêmica Ocupação dos Sem-Terra na Região do

Carajás. In: Ximenes, Tereza (org.). Desenvolvimento Sustentável na Amazônia.

Belém: Universidade Federal do Pará/Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. 1999.

p.495-530.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Relatório Conflitos no Campo Brasil. In:

http://www.cptnac.com.br (1997-2011).

FERNANDES, Bernardo Mançano. A Formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ:

Vozes, 2000.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Localização

dos assentamentos do MST-PA. Disponível no site www.ibge.gov.br. Acesso em

01/05/2012

GRZYBOWSKI, Cândido. Caminhos e Descaminhos dos Movimentos Sociais no

Campo. Petrópolis: Editora Vozes / FASE, 1991.

GONH, M. G. (Org.) Movimentos sociais no início do século XXI: antigos e novos

atores sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

MARTINS, José de Souza. A Militarização da Questão Agrária. Petrópolis: Vozes,

1984.

Secretaria Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. MST: Lutas e

Conquistas. 2º Ed. 2010