mons fco bastos_abusos e erros sobre a fé à sombra do vaticano ii

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MONS. FRANCISCO BASTOS Doutor em Teoloa , ABUSOS E ERROS SOBRE A FE à SOMBRA DO VATICANO 11 SÃO PAULO 1 9 8 o http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

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  • MONS. FRANCISCO BASTOS Doutor em Teologia

    ,

    ABUSOS E ERROS SOBRE A FE

    SOMBRA DO VATICANO 11

    SO PAULO 1 9 8 o

    http://alexandriacatolica.blogspot.com.br

  • ABUSOS E ERROS SOBRE A F SOMBRA DO VATICANO II

    O Autor foi aluno da Universidade Gregoriana, durante sete anos consecutivos. Defendeu teses para obteno dos ttulos de doutor em Filosofia e Teologia.

    De volta ao Brasil, foi nomeado proco da Consolao, em 1921, tendo encontrado uma divida de mil contos de ris, que foi inteiramente resgatada. Concluiu as obras da Consolao com sua torre e seus sinos. Internamente dotou-a com uma artistica decorao, nela se vendo os valiosos quadros de Benedito Calixto e Oscar Pereira da Silva. Importou de Paris o belo altar-mor, e da Itlia, o grande rgo com centenas de tubos correspondentes aos seus setenta e cinco registros.

    Em 1962, a convite do Cardeal Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, foi a Roma assistir, como observador, o Concilio Vaticano II.

    Foi testemunha dos vrios e, por vezes, acalorados debates acerca de determinados esquemas. POde, ento, observar que o Concilio dividia-se em duas alas perfeitamente caracterizadas: os conservadores e os progressistas. Estes, ao interpretar o aggiornamento de Joo XXIII, no se limitaram a sacudir a poeira, que os quatro sculos ps-tridentinos haviam acumulado sobre a face da Esposa de Cristo, como - sob a influncia de telogos, cujas teses foram refutadas por Pio XII em sua Encclica Humanis Generis - pretenderam redimensionar ou reinterpretar verdades contidas no Depsito da Revelao.

    Dom Geraldo de Proena Sigau, com o fim de defender a verdadeira doutrina, fundou o Coetus internationalis P tnvm (Grupo internacional de Padres) que tinha por objetivo "estudar, /com o auxilio de telogos, os esquemas do Concilio luz da doutrina tradicional da Igreja e dos ensinamentos dos Soberanos Pontfices".

    Esse grupo colocou no apenas uma pedrinha no sapato da poderosa Aliana Europia, mas ergueu contra ela um antemural intransponvel.

    Neste livro o Autor aborda algns dos aspectos dessas vrias questes.

  • Copyright

    MONS. FRANCISCO BASTOS

    CAPA DE:

    NELSON DE MOURA

    COM APROVAAO ECLESIASTICA

    Todos os direitos reservados

    MONS. FRANCISCO BASTOS - So PAULO - 1980

    IMPRESSO NO BRASIL

  • INTRODUAO

    Durante meses e meses, nas Missas celebradas, aos domingos, quando, por 47 anos e meio foi-me dado o munus de reger a Parquia da Consolao, esforcei-me por expor, aos meus ento paroquianos, as principais verdades contidas no Credo, que o 1=erpassar dos sculos no conseguiu envelhecer.

    Essas explicaes, oferecidas ao grande e seleto auditrio, que me dava a honra de vir me ouvir, eram o resultado de constantes consultas aos mais abalizados autores de teologia, assim como aos mais ilustres expoentes das cincias humanas. Era um trabalho penoso que muitas vezes prolongava-se pela noite adentro, roubando-me horas de sono e de merecido repouso.

    Deus quis premiar a minha dedicao em bem servi-lo, no s jazendo com que essas minhas despretensiosas explicaes fossem bem aceitas e absorvidas pelos meus ex-pamquianos, como tambm, a pedidos de muitos deles, pudessem perpetuar-se enfeixadas num livro com o nome de Nossa F. Para meu espanto e no menor admirao, a edio dessa obra, em poucos meses, foi inteiramente esgotada.

    Revendo agora toda a matria contida nesse livro, decorridos tantos anos, verifiquei que algumas delas deveriam permanecer tal como foram ento explanadas, mas, que outras deveriam ceder o lugar s verdades que constituram objeto de rduas controvrsias dentro da aula conciliar do Vaticano 11, por parte dos Padres Conciliares, que, em n mero de 2 .400, nele tomaram parte.

    Os esquemas, sobre os quais se concentrou o fogo das opinies mais divergentes - algumas defendidas com com-

    ...... s-

  • preensivo ardor - foram as seguintes: A Liturgia em geral e a Missa em particular, As Fontes da Revelao, A Igreja-instituio, a Funo suprema do Papa e A colegialidade dos Bispos, A Virgem Maria, O Ecumenismo, O Celibato sacerdotal, O Comunismo.

    O Conclio, que havia sido convocado pelo Papa Joo XXIII com a finalidade restrita de um aggiornamento na ao pastoral da Igreja, pretendeu algumas vezes, penetrar no intransponvel Depsito da F com a veleidade de "reinterpretar" ou "redimensionar" as verdades nele contidas.

    Elementos, que se apresentam como corifeus da "Nova Teologia" - vangloriando-se do mais profundo desprezo que votam Escolstica e Suma Teolgica de Santo Toms de Aquino - conseguiram infiltrar-se na ultrapoderosa Comisso Teolgica do Conclio. Foram eles que, atravs de expresses deliberadamente ambguas, pretenderam impor aos Padres Conciliares o que consideravam como sendo a quintessncia de suas pesquisas exegticas.

    Na primeira parte deste livro, que versar sobre as verdades que mereceram a interveno de vrios Padres Conciliares, ser analisada pormenorizadamente a ao nefasta desenvolvida por esses seguidores da "Nova Teologia".

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  • Primeira Parte

  • A ABERTURA DO CONCLIO VATICANO U

    O Conclio Vaticano li reunia-se, pela primeira vez em sua sesso inaugural, naquela manh de 11 de outubro de 1962, iluminada por um sol tpido, aps uma noite de chuva.

    Achava-me eu numa das terraas existentes sobre as colunatas, com as quais Bernini emoldurara a Praa de So Pedro, a fim de contemplar o rio caudaloso, composto de mitras brancas e capas da mesma cor revestidas pelos 2.400 Padres Conciliares.

    Saindo por detrs das quatro sries de colunatas e imensa procisso branca encaminhava-se para o centro da Praa donde convergia para a grande porta da Baslica, subindo os largos degraus, desaparecendo dentro dela.

    A maioria desses bispos era desconhecida, fora de suas respectivas dioceses. Mas alguns dentre eles figurariam nos anais desse Conclio pelo papel saliente que nele desempenharam, tais como Frings, Ottaviani, Lienart, Meyer, Bea, Suenes, Mximo IV, Saigh, Proena Segaud.

    Atrs, sentado na sedia gestatria, levada aos ombros dos sediari vinha o Soberano Pontfice, Joo XXIII, com a alegria estampada em seu rosto, inclinando-se para abenoar a multido, acolhendo com visvel satisfao as aclamaes e aplausos que dela partiam.

    Assim que a sedia gestatoria, saindo das colunatas, apareceu. na Praa, os grandes sinos do carrilho da Baslica puseram-se a badalar compassadamente e as fanfarras e as bandas militares a atirarem ao ar suas notas festivas, imprimindo ao cenrio propores de indescritvel magnitude.

    Ao aproximar-se da entrada da Baslica, a sedia foi depositada no patamar das escadarias e Joo XXIII, baixo e

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  • gordo, entra a p pela nave central, iluminada pela luz do dia a filtrar-se atravs dos artsticos vitrais, misturando-se com a luz dos enormes lampadrios acesos por sobre as cabeas dos Padres Conciliares, postados de p nos bancos, cobertos de vermelho, dispostos em degraus nas tribunas ao longo da nave.

    A transpirar paz e tranqilidade, com a fisionomia risonha, Joo XXIII, ajoelha-se diante da Confisso de So Pedro para wna breve orao, subindo em seguida para o trono, armado sob o baldaquino de colunas de bronze retorcidas - obra de Bernini.

    Senta-se no trono e o Cardeal Ottaviani tira-lhe a mitra e inicia-se a cerimnia da obedincia. Os Cardeais, um a um, vo subindo os degraus do trono, a ajoelham-se por uns instantes e logo se erguem e abraam o Papa.

    Joo XXIII, recebe ento das mos do cerimonirio algwnas laudas de papel e principia a ler o discurso de abertura do vigsimo primeiro Conclio Ecwnnico.

    Afoitamente fui ficar em baixo do trono a fim de tomar nota dos principais tpicos de seu discurso.

    Comea dizendo estar persuadido que a Igreja ir retirar do Conclio uma energia, um vigor novo e que nenhwn temor o futuro lhe in!!!pira. No compartilha do medo dos profetas de mau agouro, para os quais tudo est perdido como se estivssemos no fim do mundo. Para eles a Histria, a mestra da vida, nada tem para lhes ensinar. E a Histria mostra que, no passado, houve fatos e situaes que atingiram a Igreja por serem verdadeiros escndalos.

    Para que nenhuma dvida pairasse sobre sua ortodoxia, o Papa afirmava: "O principal cuidado do Conclio Ecwnnico o de conservar e expor de maneira mais eficaz a doutrina crist". A Igreja no deveria jamais perder de vista o patrimnio sagrado, recebido dos antepassados. Devia, entretanto, levar em conta os tempos presentes, que deram origem a wna conjuntura nova, abrindo caminho ao apostolado catlico.

    Para examinar, ponto por ponto, os fundamentos da Igreja j estudados e expostos por telogos antigos e modernos, no seria preciso convocar um Conclio Ecwnnico. O que se impunha era wn novo estudo, feito por esp-

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  • ritos serenos e tranqilos, do conjunto da doutrina crist, tomada em sua integridade, tal como resplandece notadamente nas atas do Conclio de Trento e do Conclio Vaticano I.

    Uma coisa, continua o Papa, o depsito da F e outra a maneira de exp-lo. Uma grande pacincia, um exar me cuidadoso so indispensveis, diz o Papa, para que os ensinamentos do Conclio tenham "um carter eminentemente pastoral". O Papa no ignora a existncia de opinies, de doutrinas e de conceitos errados e perigosos. Ele sabe que a Igreja nunca se omitiu, quando foi obrigada a condenar com toda a severidade os erros que foram aparecendo.

    Ele acha, contudo, ser prefervel agora "utilizar o remdio da misericrdia em lugar das armas do rigor e julga mais oportuna, nas circunstncias atuais, expor mais largamente a fora da doutrina da Igreja do que recorrer s condenaes'' .

    Ele est persuadido que os homens, hoje em dia "esto mais profundamente convencidos da eminente dignidade" da pessoa humana, da perfeio para qual devem tender e dos deveres que lhes so impostos.

    "Mais importante ainda, a experincia lhes ensinou que a violncia exercida sobre os outros, o poder das armas, a dominao poltica esto longe de resolver os graves problemas que os angustiam."

    Para concluir, o Papa relembra aos Padres conciliares a obrigao em que se acham de corresponder s inspiraes do Esprito Santo a fim de que eles estejam altura das esperanas do momento e das n ecessidades dos povos. Isso, acrescenta o Papa, "exige de vs paz e serenidade de esprito, concrdia fraternal, temperana de propsitos, sabedoria em todas as deliberaes".

    Os trabalhos do Conclio Vaticano Il iriam comear com a primeira Congregao marcada para o sbado 13 de outubro, s 9 horas.

    Joo XXIII retira-se, levado pela sedia gestatoria, com os Padres conciliares todos de p, esperando o momento de transformar a Praa de So Pedro num imenso cenrio coreogrfico, sarapintado com o vermelho dos Cardeais e com o roxo dos bispos.

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  • AS PRIMEIRAS DECEPOES

    A minha ingnua persuaso levava-me a crer que os 2 . 400 Padres conciliares constituiriam um bloco monoltico diante do qual veriam desvanecer quaisquer manifestaes, que pudessem pr em perigo o Depsito da F, que dos Apstolos chegara at ns.

    Jamais poderia passar-me pela mente a diviso que, desde a primeira sesso do Conclio, comeara a colocar de um lado os chamados progressistas e. de outro lado, os conservadores ou tradicionalistas.

    Em 1960, um dominicano holands, A. H. Maltha, publicou um livro, cujo contedo no passava de uma edio revista e piorada do molernismo.

    O modernismo, que havia sido firme e severamente condenado pelo Santo Padre Pio X, atravs da Encclica Pascedi, comeou a pr suas manguinhas de fora, ali pelos anos de 1930 a 1940.

    Era a "nova teologia" que conseguira penetrar nos seminrios e universidades, e como no podia deixar de ser, foi acolhida calorosamente pelo clero jovem. Este que nunca lera e, muito menos, estudara a Suma Teolgica ou a Escolstica - por ignorarem por completo o latim - consideravam tanto uma como outra verdadeiras velharias que ficariam muito bem num museu de antigilidades.

    A este respeito, Ruy Nunes, no Suplemento Cultural que o jornal O Estado publica todos os domingos, em 5/8/79,escreveu o seguinte elucidativo e brilhante comentrio: "Hoje, estamos a verificar que, no prprio mundo cristo, muitos professores e eclesisticos se afastam do estudo da filosofia e da teologia segundo Santo Toms de

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  • Aquino, o que de lamentar, e j est a produzir efeitos estarrecedores. Primeiro, porque deixam de lado um patrimnio precioso e insubstituvel para correrem atrs do prato de lentilhas cozido por Hegel e Marx. Em segundo lugar, por trocarem a orientao filosfica segura e a prudente indicao da Igreja pela tola aventura de remoer os erros que levaram o mundo beira do precipcio. triste de ver, continua Ruy Nunes, e para lamentar, a auto-suficincia de muitos doutores de espuma que dizem estar superado o pensamento de Santo Toms de Aquino, quando se observa que, na arrasadora maioria dos casos, os espumosos cantores da superao do tomismo nunca leram uma obra de Santo Toms de Aquino, talvez nem sequer uma pgina, limitando-se a sua cincia, a tal respeito, ao esquema, s vezes infiel, de algum simples livro didtico para uso de cursos ligeiros".

    A fim de impedir a propagao desse erro nefasto, o Magistrio da Igreja no tardou a vir condenar essa "nova teologia" por intermdio da Encclica Humani Generis, de Pio XII em 1950. Nessa Encclica, Pio XII reexamina todos os postulados dessa "nova teologia", pondo a descoberto as razes, nas quais e1e se estribava, assim como profligou os erros provindos das caprichosas ilaes da sua Encclica Divino Afflante Spiritu.

    Diante da manifestao do ento Santo Ofcio, condenando nominalmente todos os seus expoentes, impondo-lhes a obrigao de expurgar as ambigidades e as afirmaes que beiravam heresia, que fizeram eles? Ao invs de retificarem o texto, conservaram-no intacto, contentando-se apenas em colocar um apndice, em letras midas, a condenao do Santo Ofcio!

    Qual no foi o meu espanto ao saber que eles haviam sido convidados para fazerem parte do grupo de peritos conciliares e at mesmo de episcopados inteiros.

    Sentindo-se inteiramente reabilitados com esse convite, vindo de to alto, no perderam tempo e, com esforo digno de melhor causa, tudo fizeram para que suas teorias fossem introduzidas nos prprios documentos do Vaticano II.

    Um Conclio, que de acordo com o discurso de abertura de Joo XXIII, deveria ter uma caracterstica essencialmente pastoral, viu-se, de um momento para outro, diante de problemas doutrinais.

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  • Era a ocas1ao esperada pelos inovadores que, introduzidos na poderosa Comisso Teolgica, foram considerados pelos Padres conciliares como detentores do mais profundo saber teolgico. Quando certos documentos, que na aula concistorial recebiam a nota Placed juxta modum, era de se ver, com que habilidade redigiam uma frmula ambgua susceptvel de ser interpretada como ortodoxa e, ao mesmo tempo, como moderna.

    "Todas as teses - escreveu dom L. M. Carli, Bispo de Segni - j derrubadas pela Humani Generis e mantidas fora dos textos conciliares entraram em circulao dentro da Igreja pela 'entrada de servio' das reformas ps-conciliares, sendo levadas ao paroxismo pela assimilao de elementos prprios da discusso da 'cidade terrestre'."

    O jovem clero, tendo nas mos essas teses, publicadas pela revista Concilium - por ele considerada como quinto Evangelho - atirara para um canto os paramentos romanos, por ele considerado rano medieval e passara a celebrar a Missa com a tnica usada pela Igreja Anglicana e alguns chegaram ao ponto de se apresentarem para a celebrao da Missa pura e simplesmente em mangas de camisa, com o espanto e escndalo de todos os fiis.

    Diante dos abusos, introduzidos nas parquias, sob o signo de reformas litrgicas, que mais no so do que inovaes condenveis, Paulo VI, no menos desejoso que seu predecessor de uma renovada, serena e tranqila adeso a todo o ensino da Igreja em sua integridade e exatido, bem como afastar da mesma doutrinas, oinies e conceitos de que devemos precaver e que devemos destruir. (Alocuo de abertura, 11 de outubro de 1962), Paulo VI j acenava em sua primeira Encclica Ecclesiam Suam para a necessidade que a Igreja tem de uma renovao sadia para esconjurar a ameaa do fen6meno modernista que ainda continua vindo tona em vrias tentativas de expresses heterogneas autntica realidade da religio catlica, bem como a necessidade de afastar erros que serpeiam at mesmo no prprio seio da Igreja e em que caem aqueles que possuem uma conscincia parcial da sua natureza e misso, no tomando suficientemente em conta os documentos da revelao divina e os ensinamentos do magistrio institudo pelo prprio Cristo (6 de agosto de 1963).

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  • COMO FOI PREPARADO O CONCLIO VATICANO 11

    Talvez nenhum dos Conclios - dentre os que se realizaram no transcurso destes 20 sculos - foi como o Conclio Vaticano li, favorecido por uma preparao to vasta e to exaustiva.

    Basta que se atente para o fato de que, j em 1959, o Papa Joo XXIII ter constitudo a primeira comisso pr-preparatria, cuja presidncia coube ao competente Cardeal Tardini, ento secretrio de Estado, tendo como secretrio Mons. Felipe que, por ter um conhecimento profundo do latim, dele se utilizava com toda a facilidade e elegncia.

    Reitores de Universidades catlicas, Dees de Faculdades de Teologia, quer de Roma, quer de alhures, foram incumbidos de apresentar uma srie de estudos sobre questes de suma importncia, mas, principalmente, sobre aquelas que, na hora presente, constituam o alvo dos mais contundentes ataques.

    Aps dois anos de constante e acurados estudos por parte dessa Comisso e de outras que se formaram depois desta -, cujo extenuante trabalho s atingiu o fim quando j se chegava s vsperas da abertura do Conclio, setenta e cinco esquemas haviam sido o fruto do laborioso esforo dessas Comisses e peritos em teologia.

    Trs meses antes do Conclio. o Papa decretou que fossem enviadas a todos os Padres do mundo inteiro a primeira srie desses esquemas, intitulados Constitues e Decretos.

    Pouco depois, dezessete bispos holandeses reuniram-se em Hertogenbosch com a finalidade de analizar os esquemas que lhes foram enviados de Roma.

    realmente digno de espanto que a hierarquia holandesa tenha escolhido, por assessor teolgico, precisamente o

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  • Pe. Schillebeeckx - uma vez que no desconheciam ter sido ele nominalmente condenado pelo ento Santo Ofcio por difundir em seus escritos as mesmas idias modernistas que o Santo Pio X as fulminara atravs da Encclica Pascendi, e continuava, com o beneplcito da Hierarquia holandesa, a contaminar com elas seus alunos, que freqentavam o curso de dogma da Universidade Catlica de Nimegue, na qual, desrespeitando as determinaes do Magistrio da Igreja, o conservava como seu professor de dogma.

    Nenhuma admirao, pois, causaria que a hierarquia holandesa, influenciada por to famoso "telogo", repelisse as quatro Constituies dogmticas: "As fontes da Revelao", "A ordem moral crist", "A castidade, casamento, famlia e virgindade", e, s aceitasse o esquema da Liturgia, porque o Pe. Schillebeeckx o considerava como verdadeira obra-prima.

    O mesmo Pe. Schillebeeckx foi designado pela hierarquia holandesa a escrever um longo comentrio a fim de expor as razes pelas quais os bispos holandeses no se conformavam com essas quatro Constituies, que lhes foram enviadas de Roma.

    Um padre capuchinho holands encarregara-se de traduzir para o latim, ingls e francs esse longo comentrio do Pe. Schillebeeckx, cuja impresso contou com 1 . 500 exemplares, que eram colocados nas mos de cada bispo que chegava a Roma.

    Por sua vez os bispos alemes, que j se haviam reunido em Munique - por intermdio do Cardeal Dopfner -convidavam para uma reunio plenria em Fulda, todos os Cardeais, Arcebispos e Bispos dos pases de predominncia protestante - os pases nrdicos, a Holanda, Sua, Inglaterra, Alemanha, aos quais uniram-se os da Blgica, da ustria e da Frana.

    Esta reunio verificou-se com a presena de 4 Cardeais, de 70 Arcebispos e Bispos, representando nada menos que 10 pases.

    Estava assim criada a chamada Aliana Europia, que to decisiva influncia iria exercer em todas as principais questes, apresentadas no transcurso das diversas sesses do Conclio Vaticano II.

    O Pe. Ralph Wiltgen, em seu livro "O Reno desgua no Tibre", p. 79, comentando a ao preponderante exercida

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  • sobre o Conclio por essa Aliana Europia, assim se expressa:

    "A obra realizada pela Aliana Europia, em Fulda, foi por demais impressionante e, lamentvel que todas as conferncias episcopais nacionais ou regionais no houvessem trabalhado com a mesma intensidade e o mesmo propsito."

    "Se o tivessem feito no se encontrariam na obrigao de aceitar com to poucas restries as posies defendidas pela Aliana Europia."

    "O Conclio no seria orientado em uma nica direo e seus resultados seriam o fruto de um esforo teolgico verdadeiramente mundial."

    "As posies dos bispos de lngua alem eram geralmente aceitas pela Aliana Europia e a posio da Aliana Europia era, por sua vez, adotada quase sempre pelo Conclio". "Bastava que um nico telogo conseguisse impor aos bispos suas opinies para que o Conclio as fizessem sua. E esse telogo existia: era o Pe. Karl Rahner, S.J.".

    No princpio, o Pe. Rahner era apenas o telogo do Cardeal Konig.

    "De fato, numerosos membros das hierarquias alems e austracas recorriam s suas luzes e podemos asseverar que foi ele a cabea pensante da Conferncia de Fulda." "No decorrer de uma conversa privada o Cardeal Frings declarou que o Pe. Rahner era "o maior telogo do sculo".

    E quem era, ou ainda , esse to excepcional telogo? um dos que pertencem ao grupo dos Schillebeeckx, Hans Kung et caterva, que, no desejo de "reinterpretar", "redimensionar", as verdades reveladas a fim de p-las ao alcance da mentalidade dos homens de nossos dias, nada mais fizeram que sacudir o p, que recobria as teses modernistas que, como j vimos, foram, .em 1907, condenadas pela Encclica Pascendi do Santo Pio X e que o Papa Pio XII, pela Encclica Humani Generis, sem nomin-los pessoalmente, vai ao fundo donde emanaram as guas venenosas, por eles bebidas e extravasadas em seus livros e escritos, xepletos de erros e at mesmo de heresias.

    Essa poderosa Aliana Europia contou ainda com a :adeso de alguns bispos da Amrica Latina, com os da frica e os da Indonsia, agxadecidos, como se achavam, pelo

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  • auxlio pecunirio, que recebem das duas instituies alemes, arrecadadoras de fundos: a Adveniat e a Miserior.

    "Fortemente unidos pela posio poltica, definida em Munique e em Fulda - continua o Pe. Ralph Wiltgen em seu livro j citado - que podia ser revista nas reunies semanais, realizadas no Collegio della Anima; com um Padre conciliar de lngua alem em cada uma das vrias Comisses; com o Cardeal Fring na presidncia do Conclio e o Cardeal Dopfner pertencendo, ao mesmo tempo, Comisso de Coordenao e dos Moderadores, nenhuma outra conferncia episcopal estava to bem armada para impr a influncia alem em quase todas as decises e declaraes de alguma importncia".

    Assessorados pelo Pe. Rahner, como vimos, podemos facilmente inferir quais as concluses que a Aliana Europia impunha nas mais importantes questes debatidas na aula conciliar.

    "Uma reunio de Padres conciliares, pertencentes a tantas naes - acrescenta o Pe. Ralph Wiltgen na p. 80 de seu livro O Reno desgua no Tibre - no podia deixar de interessar a imprensa, e os jornais se transformavam em eco dos vrios rumores sobre a existncia de uma 'conspirao', 'um ataque' Cria Romana e a alguns de seus membros". "Certos Padres conciliares eram qualificados como 'progressistas' outros de 'tradicionalistas' e outros ainda de 'anti progressistas'.

    "Insinuava-se que a conferncia de Fulda objetivava contrabalanar 'as inclinaes pessoais' do novo Pontifice a respeito da orientao do Conclio, a qual poderia ser desviada do caminho traado por Joo XXIII."

    Diante desses rumores que cada vez ganhavam mais corpo - como pude pessoalmente vericar - o Cardeal Dopfner viu-se na obrigao de ir Roma visitar o Soberano Pontifice, que passava o vero em Castelgandolfo, com a finalidade de desfazer todas as insinuaes, veiculadas pela imprensa de Roma.

    Paulo VI, com sua proverbial habilidade diplomtic, deu ao Cardeal Dopfner a impresso de que no tomava a srio o que a imprensa romana comentava a respeito da ao desenvolvida pela Aliana Europia dentro do Conclio.

    Levado por essa enganosa convico, regressou Alemanha, transmitindo aos bispos alemes a alviareira notcia de que o Papa Paulo VI estava com eles.

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  • A SAlfrA LI71TIRGIA

    Todos ns, que recebemos a formao eclesistica nos Seminrios, regidos pelas normas ditadas pelo Conclio Tridentino, ou fomos para Roma a fim de freqentar as faculdades de Filosofia e de Teologia na Pontifcia Universidade Gregoriana, ao sermos ordenados sacerdotes, tnhamos nas mos o Ritual Romano, que prescrevia no s a forma de benzer uma simples imagem como a de administrar os sacramentos.

    Encontrvamos igualmente o Missal Romano, aprovado por So Pio V, nas igrejas e capelas nas quais celebrvamos, fazendo com que a Missa aqui no Brasil, em nada deferisse da celebrada l no fundo da frica ou da Oceania.

    Os fiis viam nessa uniformidade uma das notas caractersticas da verdadeira Igreja fundada por Cristo: a unidade.

    De acordo com as preferncias de poderosa Aliana Europia, o esquema que, em primeiro lugar, deveria ser examinado na aula do Conclio, seria o da Liturgia.

    O Boletim do Escritrio de Imprensa do Conclio anunciava que, em 22 de outubro de 1962: "Houve vinte intervenes, todas elas objetivando o conjunto do esquema da liturgia; certos oradores defenderam-no e outros o atacaram". :t

    O bispo de Linz (Austria), membro da Aliana Europia, no s aprovava o conjunto do esquema, como procurou atrair a ateno de seus pares para onze passagens do esquema .

    Uma dessas passagens dizia respeito lfngua litrgica. Propwlha ele que fosse restabelecida a exposio do texto

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  • original, mediante o qual as Conferncias Episcopais eram autorizadas a "fixar as condies e determinar as modalidades segundo as quais a lngua verncula pudesse ser utilizada, suposta a aprovao da Santa S".

    Opunha-se tambm que a recitao do Ofcio Divino continuasse a ser feita em latim, segundo a tradio multissecular da Igreja do Ocidente.

    "Os futuros padres fazem hoje seus estudos em colgios ou liceus pblicos, nos quais o ensino do latim insuficiente ou no existe; se, portanto, devessem recitar em latim o Ofcio Divino, nenhum proveito espiritual dele retirariam."

    As razes apresentadas por ele contra a recitao do Brevirio em latim, provam sociedade at que ponto chegou. hoje em dia, a diminuta ou nenhuma formao eclesistica dos futuros ministros de Deus.

    Esses candidatos ao sacerdcio passam o dia preocupados com os empregos que conseguiram e, s noite, que vo freqentar uma faculdade, na qual nem a Escolstica e, muito menos, a Suma Teolgica de Santo Toms de Aquino constituem objeto de estudo. Nada h, pois, a admirar que sem o suporte desses estudos bsicos, extasiem-se diante das teorias de Hegel ou de Marx , sendo facilmente induzidos a confundir "Igreja dos pobres" com ideologias polticas ou scio-econmicas.

    Ao lhes ser confiada a direo de uma parquia ou de encontro de casais ou de jovens, apresentam-se completamente secularizados, sem nenhuma caracterstica que os identifique como sndo padres.

    Ainda h bem pouco tempo, o Santo Padre Joo Paulo li, dirigindo-se aos missionrios cambodgianos, recomendava-lhes que "fossem padres por dentro e por fora, tambm com as vestes eclesisticas para no cederem tentao de nivelar-se com o mundo, mesmo a pretexto de conhec-lo melhor, mas, na realidade com o perigo de ficarem presos em suas redes". a reafirmao de So Paulo ( 1 Cor 4, 1-2) que os homens nos reconheam como ministros de Cristo e a dispensadores dos mistrios de Cristo.

    E esse perigo tanto maior quanto se sabe que no aprenderam, continua o Papa, a dar "o primado vida in-

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  • terior, orao, meditao, ao esprito de pobreza e de sacrcio".

    O Cardeal Montini - que mais tarde subiria ao Sumo Ponticado sob o nome de Paulo VI - declara nada ver no esquema que pudesse ser obstculo ao culto divino e catlico, herdado do passado. Com respeito lngua litrgica, propllllha que as lnguas tradicionais "tais como o latim, deveriam ser mantidas nas partes dos ritos sacramentais e, no verdadeiro sentido da palavra, sacerdotais".

    Uma outra interveno foi feita, mas, desta vez, em francs, pelo patriarca melquita, sua Beatitude Mximo IV. Discorrendo sobre o uso da lngua litrgica, fez ver que Cristo falou o idioma de seus contemporneos e que o primeiro sacrcio fora realizado na lngua que todos falavam: o aramaico, e que a prpria Igreja Romana, pelo menos at a metade do sculo terceiro, usara o grego em sua liturgia e o grego s foi abandonado, quando o latim tomou-se a lngua dos fiis.

    OUtros bispos propunham que fossem suprimidas as oraes prescritas por Leo XIII, ao p do altar e que a Missa terminasse com a bno e o Ite missa est. Propunham, outrossim, que o plpito ou uma estante fosse utilizada para a celebrao da Palavra e o altar reservado unicamente para a celebrao do Sacrfcio e, que, na distribuio da comunhO, fossem pronunciadas apenas as palavras Corus Christi.

    O bispo titular de Abida, Dom Duschak, alemo de origem, insistiu que, pelo menos em terra de misso, fosse adotada, ao lado da forma atual da Missa de rito latino, uma outra, por ele chamada de Ecumnica, estritamente baseada na ltima Ceia, despojada de todas as superestruturas histricas.

    "Em 30 de outubro, dia seguinte ao seu septuagsimo segundo aniversrio - refere o Pe. Ralph Wiltgen - o Cardeal Ottaviani interveio para protestar contra as modicaes radicais que desejavam submeter a Missa". "Estamos querendo suscitar o espanto, at mesmo o escndalo, no povo cristo, introduzindo modificaes num rito to venervel, que foi apreciado durante sculos e que hoje to familiar? No convm tratar o rito da Missa como se fosse um pedao de tecido que a fantasia corta de acordo com a moda".

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  • O Cardeal Ottaviani ainda empunhava o microfone quando foi vtima de uma dolorosa humilhao, por mim presenciada e assim descrita pelo Pe. Ralph Wiltgen: "Fa lando sem texto, em razo de sua cegueira parcial, ultrapassou os dez minutos, concedidos a cada orador. O Cardeal Tisserant, deo dos presidentes do Conclio, mostrou o relgio ao Cardeal Alfrink, que presidia a sesso. Quando o Cardeal Ottaviani j havia falado durante 15 minutos, o Cardeal Alfrink fez soar a campainha. Mas, o orador estava to empolgado com o tema que vinha desenvolvendo, que no ouviu ou deliberadamente no lhe ligou importncia. A um sinal do Cardeal Alfrink um eletricista desligou o microfone. O Cardeal s verificou que lhe haviam emudecido o microfone, quando arranhando-o convenceu-se que lhe haviam cortado a palavra, resignado, voltou para seu lugar. O mais poderoso Cardeal da Cria havia sido reduzido ao silncio, debaixo de uma sonora g.1.rgalhada e de vibrantes aplausos ao gesto do Cardeal Alfrink".

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  • O PRIMADO DE PEDRO E A COLEGIALIDADE

    At s vsperas do Conclio Vaticano li, a palavra colegialidade no aparece em nenhum documento, quer da Santa S, quer nos tratados de teologia mais atualizados.

    O Vaticano I, coerente com os vinte sculos de consenso geral a respeito da ao de Roma sobre as demais Igrejas, considerou Pedro e seus sucessores como detentores dos mais amplos poderes sobre a Igreja universal.

    O dia-a-dia da Igreja de Roma, naquilo que dos primeiros sculos chegara at ns, mostra-nos o Bispo de Roma a desempenhar o duplo papel de centro e de rbitro.

    Entre as muitas citaes que a esse respeito poderiam ser feitas, como a carta de Incio de Antioquia ao Bispo de Roma, o testemunho de Santo Irineu, de Santo Efrem, basta a do Santo Avito de Viena, que assim se expressa: " uma das leis sinodais que em tudo que se refere situao da Igreja, se qualquer dvida vem a surgir, recorremos ao grande bispo da Igreja Romana, assim como os membros se dispem de baixo da cabea".

    Os bispos de Roma sempre se consideram responsveis pelo depsito da F que receberam de Pedro.

    A Prima Clementis a prova mais convincente de que j, nos anos 95 ou 96 o Oriente como o Ocidente, recoheciam que Roma detinha o primado de jurisdio sobre a Igreja universal.

    Se no, como explicar a interveno de Roma na igreja de Corinto com o fim de rer.or os membros do presbitrio, que haviam sido depostos por uma sedio. A igreja de Corinto obedece sem nenhuma contestao e os membros

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  • depostos foram recolocados em seus respectivos postos. Ningum exigiu que Roma apresentasse as credenciais que lhe conferisse o direito de exercer essa interveno.

    Nesse episdio, o que torna mais patente a supremacia de Roma, o fato, de estando ainda vivo, em feso, o apstolo Joo, no ter este intervido, como seria natural que o fizesse na sua qualidade de Apstolo e, sendo maior a relao entre feso e Corinto do que entre Roma e Corinto.

    que o primado de Pedro estava firmemente estruturado em textos bblicos insofismveis. Assim temos, na famosa cena de Cesara de Felipe, narrada por Mt 16,18, Cristo dizendo a Pedro: "tu s Kefas e sobre esta Kefas edificarei a minha Igreja".

    Em Lc 22 a 32, Jesus diz a Pedro: "Rezei para que tua f no desfalea e tu confirmars teus irmos".

    Em Jo 21, 15-17, vemos Simo Pedro levar ao Ressuscitado os peixes que lhe caram na rede. Jesus faz ento a Pedro, por trs vezes, esta mesma pergunta: "Simo tu me amas?". E, quando Pedro, como que recordando de sua trplice negao, responde quase chorando: "Senhor. tu que tudo conheces, tu sabes que eu te amo". Jesus confere-lhe ento o poder de apascentar suas ovelhas e seus cordeiros.

    M. Von Allmen, citado por Lubac, assim conclui: "O primado de Roma me parece biblicamente forte. A espcie de pavor que se apodera de todos ns, telogos da Reforma, quando vemos que no chegamos a sofismar o problema da sucesso apostlica, vem do fato que conscientemente ou no, sentimos que se h sucesso apostlica, existe sem dvida, nesta sucesso uma sucesso especificamente petrina".

    Numerosos Padres conciliares, influenciado pela "Nova Teologia" de Karl Rahner, Hans Kung, Schillebeeckx. foram para o Conclio Vaticano II com o firme propsito de contrabalanar a doutrina do Vaticano I acerca do Primado de Pedro.

    O Conclio Vaticano II, pela constituio Lumen Gentium, declarou solenemente, embora no tenha definido como dogma de f, que, por vontade de Cristo, o Romano Pontfice e os bispos, sucessores dos Apstolos, formam mn

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  • "colgio" ou "corpo", isto , "lUll grupo estvel", composto por aquelas pessoas, que, tendo recebido o sacramento do Episcopado, se acham em comunho hierrquica com o Romano Pontfice e com os outros bispos.

    Esse colgio, "em unio com a sua cabea, o Romano Pontfice, e nunca sem ele, tambm sujeito do poder supremo e pleno sobre a Igreja universal, mas este no pode ser exercido seno com o consentimento do Romano Pontfice". E mais ainda: "O Colgio que existe sempre, nem por isso age permanentemente com ao estritamente colegial ... " Por outras palavras, " s com o consentimento da Cabea que ele age estritamente colegial".

    Ao Juzo do Sumo Pontfice, a quem foi entregue o cuidado de toda a grei de Cristo, compete determinar, de harmonia com as necessidades da Igreja, que variam com os tempos, de que modo convm que esta misso se exera, quer de maneira pessoal, quer de maneira colegial.

    A colegialidade, pois, consiste na exposio clara e precisa da Lumen Gentium que acabamos de citar.

    Houve, entretanto, na aula concistorial, vrios pronunciamentos que distorciam por completo o que a Lumen Gentium expusera.

    Para alguns a colegialidade deveria ser 1Ulla como espcie de senado, constitudo por bispos de diversos pases, com a misso de governar a Igreja universal e no somente o Soberano Pontfice. Os poderes da Cria deveriam serrestritos e que somente os bispos dispuzessem de todas as faculdades. Seria reservado S Apostlica somente os casos em que o bem da Igreja exigisse a sua interveno.

    A palavra colegialidade deu motivo para mltiplas deformaes. Uns, querendo implantar na Igreja 1Ull igualitarismo parecido com o que existe nos pases de regime democrtico. De acordo com esses pronunciamentos o Papa deveria ser eleito, no apenas pelo Colgio Cardinalcio, mas por todos os bispos e, talvez, tambm pelos padres e pelos leigos, no excludas as mulheres; outros, reivindicavam 'Wll individualismo, tal como existe no protestantismo com a negao da Hierarquia de 1Ull modo especial do Papado.

    Quando se discutia na aula conciliar o esquema sobre a colegialidade, o Cardeal Ottaviani interveio para afirmar

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  • que, embora os bispos fossem sucessores dos Apstolos, no o eram do colgio dos Apstolos, pela simples razo deste nunca ter existido. Os Apstolos s agiram colegialmente uma nica vez, quando se reuniram com Pedro, em Jerusalm.

    Essa interveno do grande e respeitvel telogo, Cardeal Ottaviani, veio, de antemo, cortar a pretenso dos que, almejando aplicar com todo o rigor o princpio da colegialidade, chegariam ao ponto de pretender a retratao de fato, do dogma do prmado pontifcio, como tambm a renncia, por parte do Papa, a seus poderes de jurisdio mediata e direta sobre toda a Igreja universal. Numa palavra, consideravam o Papa como uma superestrutura, que deveria desaparecer.

    Eis os extremos, verdadeiramente herticos, a que chegam os cor-ifeus da famigerada "Nova Teologia".

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  • A BEATSSIMA VIRGEM MARIA

    Uma lenda norueguesa conta que, em certo dia, o mar com seus vagalhes revoltos, engulira toda uma pequena aldeia, permanecendo apenas, fora do mar, a torre da igreja local, cujos sinos, em noite de tempestade, badalavam sinistramente.

    Essa lenda a imagem do que acontecera com a hmnanidade, contida em Ado e Eva, que se afundara inteiramente no oceano do pecado original.

    Deus, aps os ter repreendido e castigado, aponta-lhes, no horizonte do futuro mna torre, que se conservaria salva da submerso geral da hmnanidade: a Torre Ebrnea, a Torre de Marfim, a Mulher que esmagaria a cabea da serpente infernal.

    Na plenitude dos tempos, surge Maria, concebida sem pecado que recebe a visita do Arcanjo So Gabriel. O Arcanjo, aps saud-la como possuidora da plenitude da graa, anuncia-lhe que, por obra do Esprito Santo, conceberia um filho que se chamaria Jesus, o Filho do Altssimo, cujo reino no teria mais fim.

    Era a torre, salva do naufrgio geral, que iria concorrer para a salvao de todos os homens, atravs do sacrifcio sangrento de seu Divino Filho.

    L no fundo das catacumbas romanas, as primeiras geraes crists, as que haviam sido doutrinadas pelos apstolos, no se cansavam de repetir em louvor Maria as mesmas palavras do anjo: Ave Maria, cheia de graa, o Senhor contigo. A recitao do rosrio inspirou-se certamente nesse piedoso costmne das primeiras geraes crists.

    Na Igreja, ao sair das catacumbas para viver ao sol do imprio romano, vemos os primeiros cristos a proclama-

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  • rem os mais belos ttulos de Maria, tais como Me da divina graa, Virgem purssima, Virgem concebida sem pecado, Refgio dos pecadores, Consoladora dos aflitos, formavam, pois, uma ladainha que rezavam ou cantavam em procisso, de tal modo que dizer ladainhas era o mesmo que falar de procisso.

    O sculo III nos brinda com uma das mais belas invocaes a Maria: o sub tuum praesidium confugimus Santa Deigenitrix, sob o teu amparo nos acolhemos Santa Me de Deus.

    Muito mais tarde, vamos encontrar So Bernardo a nos exortar que, nas horas tristes como nas horas alegres, "Rest:ice stelam et voca Maria", olha para a estrela e invoca Maria.

    De joelhos diante da imagem de Maria, do seu corao brotam as mais fervorosas preces, que, ainda hoje, dirigimos a Maria: o Memorari pissima virgo Maria, o Salva Regina, lembrai-vos oh! pissima Maria . .. Salve Rainha . ..

    A partir do sculo XIII, os servos de Maria haviam adquirido o costume de cantar as ladainhas aos sbados, ao entardecer, quando no horizonte despontava a primeira estrela, sempre tomada como smbolo de Maria.

    Com todas estas recordaes histricas e mais com a definio do dogma da Imaculada Conceio e o da Assuno de Maria, levada ao cu em corpo e alma, dir-se-ia que, quando o esquema da Beatssima Virgem fosse apresentado na aula conciliar, seria aceita sem restries algumas pelos Padres do Conclio Vaticano II. No foi, contudo, o que se vericou para tristeza de todo o devoto de Maria.

    A poderosa Aliana Europia, formada por bispos, arcebispos e Cardeais, originrios de pases de maioria protestante, assessorados pelo Pe. Karl Rahner, eleito "telogo" dessa Aliana, vira nos ttulos de "Medianeiras de todas as graas" e nosso Corredentora, assim como na fervorosa devoo do povo catlico a Maria, mais um alto muro de separao entre catlicos e protestantes.

    Foi preciso que o sentire cum ecclesia manifestado por sculos de devoo a Maria, se erguesse, na pessoa do prelado do Acre e de Purus, Mons. Grotti, para dirigir aos Padres conciliares estas contundentes perguntas: o Ecumenismo consiste em expor ou ocultar a verdade? O Concilio tem por misso explicar a doutrina catlica ou a de nossos irmos separados?

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  • Ocultar a verdade nos fere e fere os que esto separados de ns. "Isso nos fere porque nos obriga a representar o papel de hipcritas e fere os que esto separados de nsporque damos a entender que eles so fracos e susceptveis de se julgarem ofendidos com a verdade".

    O magistrio infalvel de que se acha revestido o Papa, na pessoa de Paulo VI, no se fez esperar para intervir nessa questo que, muito perto, dizia respeito aos vrios dogmas acerca de Maria, que j haviam sido definidos.

    No s reafirmou todos os ttulos, que haviam sido objetos de debates dentro do Conclio, como acrescentou um outro: o de Me da Igreja.

    A Me da Igreja foi dado a Maria nesta hora conturbada por tantas opinies, heresias e gestos desagregadores.

    Me solcita e carinhosa que no permitiu Igreja que, ao atravessar os sculos e as civilizaes ainda que absorvendo delas os elementos principais, jamais se afastasse da doutrina de seu Divino Filho, que os apstolos nos transmitiram.

    por isso que, nesta hora, Ela vem condenando os que, em seus escritos e livros, pretendem impingir, aos que lem, erros clamorosos e verdadeiras heresias.

    O frade franciscano, Leonardo Boff, por exemplo, em seu livro "Jesus Cristo Libertador", entre muitos erros, ensina que a Igreja deve "desmitologizar a religio fazendo buscar a vontade de Deus no s nos Livros Santos, mas principalmente na vida diria; desmitologizar a linguagem religiosa usando as expresses das experincias comuns que todos fazem; desritualizar a piedade, insistindo que o homem est sempre diante de Deus e no somente quando vai ao templo para rezar; emancipar a mensagem de Deus de sua ligao a uma comunidade religiosa, dirigindo-se a cada homem de boa vontade; secularizar os meios da salvao, fazendo do sacramento do outro o elemento determinante para entrar no Reino de Deus". Jesus Cristo Libertador, p. 111.

    Esse frade que se auto-intitula telogo e que tem a audcia de se erguer contra a doutrina birnilenar, ensinada pela Igreja, no tem lugar em seu seio. Urna Igreja pluralista muito pior do que um cisma, quando no se separa mais o joio do trigo.

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  • A TEOLOGIA DA LIBERTAAO

    Se h dois termos que no podem permanecer juntos - porque ambos se repelem so estes dois: Teologia da libertao.

    Vejamos, pois, o que seja teologia. O Conclio Vaticano li nos d uma esplndida definio do que seja a Teologia na constituio dogmtica Verbum Dei, 24 que assim se expressa: "Sagrada teologia baseia-se na I:alavra de Deus escrita e, juntamente, na Sagrada tradio como seu fundamento perene e, baseado nele, se robustece com toda a segurana e sempre rejuvenesce, examinando luz da F to da a verdade contida no mistrio de Cristo.

    E qual seja a misso do telogo? Vamos ouvir o que a esse respeito nos ensina Paulo VI (A. A. S. 1966, p. 891).

    A misso do telogo " a de conhecer e investigar perfeitamente as verdades da divina Revelao; levar ao conhecimento da comunidade crist e, especialmente, do Magistrio os frutos de seus trabalhos, para que, atravs da doutrina transmitida pela hierarquia da Igreja, se transforme em leis para todo o povo cristo; e, finalmente, prestar seu auxlio para que a verdade definida autoritariamente pelo Magistrio, seja difundida, ilustrada, demonstrada e definida".

    Em concluso, o telogo tem diante de si um vasto campo para nele estudar, analisar e pesquisar tudo o que diz respeito ao Reino de Deus, que, embora no sendo deste mundo "Intra vos est" Lc XVII, Ele est dentro de cada um de ns.

    Todo o esforo teolgico est, portanto, em extrair da Revelao e da Tradio os elementos que possam avivar

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  • em cada wn de ns o Reino dos Cus. o de demonstrar que se o Cristo encarnou-se, pregou e, foi deixando atrs de si wna esteira lwninosa de milagres portentosos; se para lhe matar a fome e a de seus discpulos, muitas vezes, teve que se contentar com algumas espigas de trigo, colhidas ao longo dos caminhos por ele percorridos; se, ao sentar-se beirada do poo de Jac, pediu Samaritana gua para matar a sede; se nwna palavra, padeceu e morreu pregado nwna cruz, foi unicamente para nos libertar da escravido do pecado.

    Ao ver sua Ptria submetida mais negregada escravido, que lhe foi imposta pelo jugo frreo das legies romanas, no insuflou no nimo de seus compatriotas, que organizassem guerrilhas como as de "Che" Guevara ou de Camilo Torres, com o fim de arrebatar a Pilatos ou Herodes o poder que exerciam em nome de Roma; nem aulou a turba-malta para que acabasse com os usurrios, os latifundirios de ento. A nica reforma pela qual ele lutou at sua morte foi a reforma das conscincias .

    O telogo, ignorando ou fingindo ignorar esse procedimento de Cristo, to claramente exposto pelas Sagradas Escrituras, se pusesse a ensinar em seus escritos e em seus livros o contrrio do que Jesus pregara, no passaria de um simples demagogo.

    precisamente o que sucede com os corifeus da pseudo Teologia da libertao. Esquecem-se os pregoeiros dessa libertao que o objeto formal da teologia Deus e no o homem. Esforar-se, pois, para libertar o homem da fome, da guerra, da marginalizao, das doenas hwnanas, agir no como telogo, mas, sim, como wn poltico cuja finalidade consiste em zelar pela boa ordem. pelo bem-estar dos seus concidados.

    Mas, no. Os imbudos pela tal de teologia da Libertao, esquecidos que so ministros ou discpulos de Cristo, chegaram a tal ponto de secularizao, que no hesitaram, com grande escndalo das almas crists, em transformar o recinto sagrado das nossas igrejas em palco de reivindicaes salariais e de comcios com todas as caractersticas de subversivos, como o que se realizou, no h muito, no Santurio de N . Sa. da Penha.

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  • O substrato da ideologia liberalista, vamos encontr-lo nas teses de Marx, com razes profundas no comunismo ateu. Tanto como estes, eles tambm condenam a Igreja, por eles chamada de constantiniana e pregam que ela deve desembaraar-se de toda a superestrutura que os sculos vieram nela acumulando e voltar-se simplicidade das primeiras comunidades crists.

    S assim que a Igreja poder dialogar com o mundo, para o qual nenhuma significao tm os dogmas, os sacramentos, os mistrios, o sobrenatural.

    E, como o mundo est saturado de injustias de toda espcie: "os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres", faz-se mister aceitar a mo estendida dos comunistas para, juntos, incentivando a luta de classe, destruir a atual superestrutura socio-econmica, a fim de que exista uma nica classe: a do homo faber em contraposio ao homo religiosus.

    H uns trinta anos, muito antes do Conclio Vaticano II, era eu ento Proco da Consolao. Havia criado em cada rua da parquia reunies em cada casa ou apartamento para as quais eram convidadas as famlias vizinhas. Para orientar essas reunies formara um grupo, composto de Congregados Marianos, Filhas de Maria e Zeladoras do Apostolado, que recebia um esquema por mim preparado e previamente debatido com os elementos desse grupo, que, por sua vez, o transmitia s famlias reunidas. O esquema versava sobre questes de moral ou de verdades reveladas.

    Todo aquele que, furtivamente, penetrasse nessas reunies com o fim de, por intermdio de uma terminologia ambgua, insinuar os cliches de origem comunista, era imediatamente desmascarado.

    Estas reunies eram precursoras das famosas Comunidades Crists de Base. Estas se apresentam hoje como a nica esperana de transformar o velho tronco de Igreja Institucional no genuno esprito das primitivas comunidades crists.

    Por isso so aceitas, sem restrio alguma por bispos, movimentos apostlicos e, sobretudo pelo clero jovem, como fermento renovador.

    N-ingum observa que estas pequeninas clulas se transformam em igrejinhas paralelas, nas quais os leigos fazem

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  • us vezes do sacerdote, no digo celebrando a Missa, mas um urremedo de Missa, na qual distribuda a comunho.

    nesse campo frtil que a pseudo Teologia da libertao espalha a ciznia da presso destinada a sacudir as estruturas da velha Igreja que no mais corresponde s exigncias do homem de hoje e, que, por isso, deficiente, irrecupervel.

    Se a isto se ajuntar, como de fato acontece na Frana, que essa Igreja Nova, estruturada nas comunidades crists de base, sacode para longe o fardo pesado das leis -onde h amor no h pecado - tais como a confisso auricular, substituda pela cmoda e nem sempre vlida confisso comunitria, tais como a aceitao do magistrio e dos mandamentos, sobretudo do 69 e do 99; se ainda considerar-se que a CCB favorece o princpio protestante do livre exame das Sagradas Escrituras, para que cada indivduo forme o seu credo e a sua moral, diante de tudo o que fica exposto, creio eu, que dever arrefecer-se muto o entusiasmo por essas clebres comunidades de base.

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  • O CELIBATO SACERDOTAL

    Foi naquela inesquecvel noite de Quinta-feira Santa, que, Jesus, ao transubstanciar o po e o vinho em sua carne e no seu sangue, fez de seus discpulos os inigualveis pastores, que, com a palavra, com o exemplo e com sacrifcio da prpria vida, pregaram o Evangelho a todas as criaturas.

    Muitos so os que sentem todo o encanto dessa noite memorvel e, l no fundo de si mesmo, desejariam subir os degraus do altar com o fim de renovar o que ento se passou.

    Mas, para isso, . necessrio possuir o que So Paulo Apstolo afirmou em 1 Cor 7, 4-9: "desejaria que todos vs fossem como eu, mas cada um recebe seu prprio dom . . . ".

    Procedendo de famlias que no possuem recursos para manter seus filhos em colgios, cada vez mais caros e, em faculdades, muitos aproveitam da facilidade com que as dioceses e ordens religiosas proporcionam a meninos, cujos pais afirmam ter seus filhos vocaes para o sacerdcio. So ento recebidos nos seminrios e escolasticados, onde recebem, gratuitamente toda a formao intelectual que os habilita a freqentar o curso de uma faculdade, mas aps, deixam o seminrio.

    Alguns, pela lei da inrcia, chegam ao sacerdcio sem, contudo, possuir o Dom de que So Paulo afirmava ser necessrio para salvaguardar a vocao - diante da primeira tentao que lhes surja, abandonam a Igreja e se casam sem mesmo ter obtido de Roma a licena para serem reduzidos ao estado leigo.

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  • Esta angustiante e delicada questo no deixaria de repercutir dentro da aula conciliar.

    Os bispos da Alemanha, da ustria, da Sua, do Luxemburgo e dos pases nrdicos, reunidos em Innsbruck, reagiram vigorosamente contra a omisso da lei do celibato, que constava no esquema sobre a formao do clero nos seminrios. A conferncia de Innsbruck exigia que o celibato fosse reintroduzido no esquema, sob a forma de declarao sobre o gnero de formao, que deveriam receber os que desejassem ser admitidos ao sacerdcio.

    O arcebispo de Reims, Dom Merty, por sua vez, afirmava: "Tantas vozes confusas se fazem ouvir hoje para atacar o celibato sagrado que se tornou oportuno confirmar a lei do celibato e de explicar a alta significao na vida e no ministrio do sacerdcio".

    O Art. 29 da proposio revista exortava "os que, confiando na graa de Deus, prometeram observar o celibato sagrado, deveriam honrar essa promessa com magnanimidade e entusiasmo. Deveriam perseverar fielmente nesse estado que os unia inseparavelmente ao Cristo ( 1 Cor 7, 32-34) e os tornavam mais livres de se entregarem ao servio da famlia de Deus".

    Houve, contudo, um Padre conciliar, Dom Koop, holands de origem, bispo de Lins, aqui no Brasil, que props se introduzisse na Igreja um clero casado, constitudo pelos melhores homens casados, mas sem modificar a Lei do celibato. Assim que teramos duas espcies de padres: uns casados e outros celibatrios.

    O seu pronunciamento se baseava na estatstica de Dom Kemmer, bispo de Posadas, na Argentina, que profetizava o desaparecimento da Igreja na Amrica Latina, se "no se abrisse a porta possibilidade de se confiar o sacerdcio a leigos idneos, casados pelo menos a cinco anos".

    Firmava-se no precedente aberto por Pio XII, que permitiu que continuassem casados os pastores luteranos, que se haviam convertido ao catolicismo e Joo XXIII e Paulo VI fizeram o mesmo.

    Um grupo de oitenta e um intelectuais do mundo inteiro, homens e mulheres, apoiavam indiretamente a proposio de Dom Koop, difundindo entre os Padres conciliares uma carta reclamando altamente que homens casados pudessem ser ordenados padres e que estes pudessem casar-se.

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  • Dois dias antes que o novo esquema sobre o sacerdcio entrasse em discusso, o Secretrio-geral interrompeu a sesso para anunciar que iria ler a carta do Soberano Pontfice, dirigida ao Cardeal Tisserant.

    Nessa carta o Papa dizia que llie chegara ao conhecimento que alguns Padres conciliares pretendiam levantar na aula conciliar a questo do celibato do clero de rito latino, sem querer limitar a liberdade dos Padres conciliares, desejava expor seu pensamento pessoal.

    "Tratar desse assunto na aula concistorial, seria o mesmo que trat-lo perante a opinio pblica. Considera inoportuna essa interveno em face da delicadeza com que deveria ser abordado diante da imensa importncia que representa para Igreja.

    Decidia que no somente o celibato deveria ser mantido na Igreja latina, mas que sua observncia deveria ser reforada, porque seria graas a ela que os padres poderiam consagrar-se inteiramente ao Cristo todo o seu amor e se dedicar generosamente a servio da Igreja e cura d'alrnas".

    Contrariamente aos maus agouros de Dom Koop e de Dom Kemmer, segundo os quais a Igreja Latina desapareceria por falta de vocaes, Dom Jos Newton, arcebispo de Braslia, afirma que a vocao no est em declnio: "O que preciso um mais criterioso recrutamento, uma formao cada vez mais apurada e uma assistncia espiritual mais acentuada aos sacerdotes; no uma questo de fechar seminrios, mas de aperfeio-los" (Paulistnea, n .o 83, p. 78 ) .

    O que o Brasil e toda a Amrica Latina necessita e, com urgncia, de padres que sejam bons pastores, que se dediquem todos os minutos de seu dia a viverem dentro de suas igrejas a orientar, a aconselhar, a resolver casos muitas vezes dolorosos sanados com uma palavra sbia e pela bno de Deus. S assim que eles se transformam no fermento oculto que vai levedando as almas.

    Mas, se eles se secularizam, no usando a batina dentro da igreja nem sequer para celebrar a Santa Missa; se na pessoa deles nada h o que os distinga como padres; se uma ocupao civil que mais os atrai a fim de superar a pobreza evanglica que eles tanto pregam - a clebre Igrej a dos pobres - e possurem seus belos automveis, ento sim que a Igreja Latina se afunda e desaparece. Mas, nunca por causa do celibato.

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  • O ESQUEMA XIII

    Constituio pastoral sobre a condio do homem no mundo de hoje

    Na aula conciliar foi debatido e, por assim dizer, exaurido as vrias acepes que a palavra mundo pode apresentar.

    No passaram despercebidos aos padres conciliares os perigos que essa abertura para o mundo pudesse apresentar: as distores do pensamento do Conclio, indo da desacralizao e chegando pura e simples secularizao.

    A que mundo se refere o Conclio nesse esquema XIII? O mundo que est dominado por seu Prncipe; o mundo pelo qual Jesus no orou por estar inteiramente sob a ao do maligno; o mundo do qual afastaram-se os santos indo refugiarem-se na solido dos desertos ou no silncio dos claustros? evidente que no. Mas, sim, o mundo que tem suas conexes existenciais com o Reino de Deus, que est dentro de cada um de ns - Regnum Dei intra vos est -que se mostrar completamente visvel no fim dos tempos ou da histria, como alguns preferem expressar-se.

    Enquanto no se verificar a existncia dos "novos cus e novas terras" os cristos leigos devem trabalhar neste mundo, como o fennento dentro da massa, a fim de que germinem e cresam neles todas as suas atividades, impregnadas do esprito do Evangelho.

    Donde se infere que os cristos leigos, como cidados terrestres, devem em conscincia exercer a ao temporal, tomando parte nos conflitos, nas angstias, nos problemas

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  • da fome, das injustias, das misrias existentes no mundo de hoje.

    A Gaudium et Spes, porm, os adverte: "No devem crer que seus pastores sejam sempre to competentes a fim de que, diante de quaisquer problemas, mesmo graves, possam dispor de solues concretas, nem creiam que estejam enviados para solucion-los".

    No seu livro o Campons do Garona, Maritain faz a seguintes e judiciosa observao: "Que estes ou aqueles eclesisticos tenham de se ocupar, pessoalmente, das coisas seculares, perfeitamente possvel, mas isso no uma exigncia de sua funo. Acontece, porm, que, quando no so nem Richelieu, nem Mazarino, se ocupam de tais coisas menos habilmente e mais ingenuamente que os leigos".

    Aproveitando-se da abertura para o mundo de hoje, o neomodernismo saiu de seu esconderijo apregoando que a Igreja deveria secularizar-se inteiramente com seus olhos voltados exclusivamente para os problemas temporais.

    Essas idias encontraram campo frtil para desenvolver-se, de um modo especial, entre religiosos - frades e freiras - delas no escapando boa parte do clero secular e de muitos bispos.

    Para que o mundo no os identificasse como frades ou freiras e padres e bispos - dependuraram, num cabide ou num guarda-roupa -, seus hbitos, suas batinas e suas insgnias para se apresentarem em pblico de colarinho e gravata, ou pior ainda, de camisa aberta no peito e de mangas curtas.

    A vida interior e espiritual - a orao, a meditao, o brevirio - assim como horas consagradas ao estudo da verdadeira filosofia e . teologia, evaporou-se como por encanto.

    Assim desarmados, nada tiveram com que se opor s idias neomodernistas, sendo inteiramente envolvidos por elas.

    A transcendncia de Deus foi atribuda projeo do temor coletivo em determinado perodo da histria. E, quando se lhes opem a Suma Teolgica de Santo Toms de Aquino e a filosofia Escolstica, de se ver o risinho alvar com que acolhem a profudeza de argumentos que sculos de incredulidade no conseguiram derrubar.

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  • Eis porque no se ouve mais falar, nas igrejas, sobre a ao do demnio que se utiliza da permissividade existente entre moos e moas para apanhar em sua armadilha as vitimas incautas. Mas falam, at em demasia sobre sexo, padres e frades que fizeram o voto da continncia. A virgindade e a pureza no merecem a mnima ateno por parte deles.

    De acordo com as teorias de Freud, ensinam e aconselham que as exigncias da natureza devem ser satisfeitas para evitar os recalques e as frustraes. Ensinam que o amor o nico vnculo que prende no casamento os esposos. Terminado o amor, por este ou aquele motivo, o casamento est desfeito.

    O neomodernismo ensina - eles o admitem - que o Evangelho da infncia de Jesus foi inteiramente inventado pelo evangelista So Lucas; ensinam que a distino entre a natureza e a graa uma inveno da Escolstica assim como o termo transubstanciar, usado pelo Conclio de Trento para significar a converso de toda a substncia do po e do vinho na substncia do corpo e do sangue de Cristo.

    Para eles na ltima ceia - que -chamam-na agora de janta - o que se verificou foi apenas uma transignijicao ou uma transjinalizao.

    Esta interpretao esdnxula - que no ocorrera a Lutero - cai por terra se observarmos que Jesus para consubstanciar a promessa feita s margens do mar de Tiberades (dar a sua carne a comer e seu sangue a beber, interpretada pela multido em seu sentido real de comer e beber o sangue de Jesus e, por isso, o abandonara) utiliza-se de palavras de uma clareza, de uma nitidez, de uma transparncia tal que somente a m f ou a vontade de desmentir a Jesus, que poderiam torcer o pensamento de Cristo.

    Na verdade, no h ningum que um dia tenha lido, ainda que distraidamente, estas palavras de Jesus: "Isto meu corpo. Isto o meu sangue", no tenha percebido todo o poder afirmativo que elas encerram. Alm disso, na literatura de todos os povos, jamais o po e o vinho foram tomados como smbolo da carne e do sangue de algum.

    Como, pois, pretender transignijicar ou transjinalizar as palavras simples e claras de Cristo?

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  • Fiquemos com So Paulo Apstolo, em 1 Cor 11, 27, a nos ensinar: "Que todo aquele que comer esse po ou beber o clice do Senhor indignamente, ru do corpo e do sangue do Senhor".

    E mais adiante esclarece ainda melhor seu pensamento: "Quem comer e beber indignamente, come e bebe a sua condenao por no discernir o corpo do Senhor".

    E porque esto imbudos que, na hstia e vinho consagrados, h apenas uma transignificao e no a presena real e substancial de Jesus, muitos padres no s no se ajoelham aps a elevao da hstia e do clice, como se gabam de no dobrar os joelhos, quando passam diante do Sacrrio. Esses mesmos padres ensinam aos seminaristas e ao povo em geral a permanecerem de p, quando, se tivessem f, estariam de joelhos, adorando a Divindade que se oculta sob as espcies do po e do vinho.

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  • Segunda Parte

  • CREDO

    O cntico imortal do nosso smbolo inicia-se por esta palavra - Creio - que os nossos lbios nwn arroubo de entusiasmo jamais se cansam de pronunciar.

    o dilatado campo de F, que se vai assim abrir diante de nossos olhos atnitos, com toda a maravilhosa prorundez de suas verdades, com todos os adorveis mistrios de nossa religio.

    Uma condio, entretanto, se impe a todos os que desejam contemplar a viso panormica dessas verdades, propostas pelo nosso Smbolo: necessrio que no corao viceja a flor graciosa e incomparvel da F.

    Os que desejam aproximar-se de Deus, disse o Apstolo, ho de todos previamente crer: "Credere enim oportet accedentem ad Dewn".

    O homem, desde o mais sbio at o mais ignorante, experimentou sempre a misteriosa necessidade de conhecer a Deus e de ser por Ele ensinado. A Histria das religies eabalmente prova no ter havido algum que no fizesse chegar ao cu este brado: "Senhor, quem quer que sejais, mostrai-nos a vossa face e dizei-nos quem sois"_

    como foi que Deus acudiu a esta constante splica da humanidade? Teria Deus desprezado a prece humilde dos povos, permanecendo envolto num silncio eterno sem jamais haver-se manifestado aos homens?

    Para responder afirmativamente, far-se-ia mister desconhecer que Deus Pai infinitamente bom, Amigo afetuo-

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  • so do homem, e que deseja comunicar-se a esta criatura com maior intensidade do que ela aspira a conhec-LO.

    Por isso Deus houve por bem falar aos nossos pais atravs da srie de patriarcas e profetas e, no contente com tamanha deferncia, veio afinal em pessoa, revestido de nossa humanidade, para melhor fazer-se entender por todos ns.

    Descendo assim ao encontro de sua criatura, Deus no se diminuiu: praticou um ato de real magnificncia. Na verdade, nada poderia constrang-LO a revelar-se ao homem: nem o desejo de dilatar ainda mais a sua glria, porque a possui em grau infinito; nem o propsito de ampliar sua felicidade, porque a encontra em si totalmente, sem carecer de ningum nem de coisa alguma.

    Ao derramar suas luzes sobre ns, apenas exerceu um ato sumamente adequado grandeza divina.

    Qual o pai que", podendo responder a uma pergunta de um filho, se nega a d-la? No verdade que sentis um prazer imenso em responder s mil perguntas que vos fazem os vossos filhinhos a respeito de tudo o que ouvem e de tudo o que vm? Nessas horas em que lhes nutris o esprito com o po da verdade, no vos parece que s ento sois verdadeiramente pais?

    E, Deus que despertou em ns a curiosidade das coisas sobrenaturais, recusar-se-ia a dar nossa inteligncia o p bulo de que ela tanto necessita? No. Deus ensinou-nos tudo o que, pelas nossas prprias foras, no poderamos descobrir, ou s descobriramos depois de mil dificuldades. No quis que vivssemos mergulhados num oceano de trevas e fez, por isso, raiar sobre ns o Sol da Revelao.

    * * *

    Em que imenso atrazo no se achava a astronomia antes da descoberta do telescpio! Como era extremamente limitado seu campo de observao! Graas, porm, ao telescpio, que veio aproximar as distncias, a astronomia viu imediatamente centuplicados os seus conhecimentos, pde devassar regies que at ento se obstinavam em ocultar os seus segredos, e os cus em toda a sua extenso foram inteiramente esquadrinhados pela cincia hwnana.

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  • A Revelao foi o telescpio divino que nos transportou para as insuspeitadas regies inteiramente inacessveis luz da nossa razo. Por seu intermdio chegamos ao conhecimento de verdades de suma importncia para ns, que, entretanto, permaneceriam ocultas se no contssemos com esse poderoso auxlio.

    Ao dar-nos cincia dessas verdades Deus empenhou sua palavra. Que segurana e tranqilidade nos proporciona ossa palavra divina! Nela no deparamos nem com a fraqueza, nem com a falibilidade caracterstica da palavra humana, j murmurando aos nossos ouvidos afirmaes cheias de afeto, j prometendo-nos a doura da felicidade, j patenteando-nos os segredos da cincia.

    Tantas e tantas vezes foi a nossa ingnua confiana iludida pela palavra humana, que sempre dela suspeitamos em qualquer de suas manifestaes.

    Falta-lhe, por vezes, a competncia ou a sinceridade ou umbas as coisas ao mesmo tempo, o que sempre nos deixa u alma atravessada por dolorosas interrogaes: ser verdade?

    Com a palavra divina, no possvel nenhuma suspeita. Deus que fala. Deus, a sabedoria infinita, a verdade intemerata, que no somente no se engana a si nem a ns nos engana, como de todo impossvel que se engane ou nos possa enganar.

    o rochedo inabalvel no meio das ondas movedias das opinies humanas. Para salvar-se da confuso, do naufrgio e da morte que esses vagalhes, cristados de espuma, trazem consigo, s lhe cumpre ao homem permanecer de p sobre esse rochedo.

    Alm dessa extraordinria garantia, a Revelao ainda maravilhosamente accessvel a todas as inteligncias, tanto do homem genial como do mais rude campnio.

    O saber humano monoplio duma aristocracia do pentmmento. As suas conquistas, como os seus segredos, so npenas o quinho de alguns iniciados. A imensa maioria dos homens vive inteiramente fora dessa zona e privada desHns luzes.

    A F, pelo contrrio, tem o dom de comunicar-se a todos, colocando as questes mais abstratas sob to suave luz, que os espritos mais humildes lhe sentem a divina atrao.

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  • Foi Jouffroy quem escreveu um dos mais belos elogios do catecismo, desse livrinho que a Igreja pe nas mos das crianas e que tem sempre respostas sublimes para as mais difceis perguntas.

    "Descubro na religio crist - escreve, por sua vez, Jlio Simon - uma caracterstica que me arrebata: que ela une a metafsica mais sbia mais perfeita e, se lcito diz-lo, mais eficaz simplicidade.

    "Certamente o Timeo de Plato e o XII livro da Metafsica de Aristteles, so maravilhas; deles contudo, no possvel extrair um Smbolo que seja recitado pelas crianas. At hoje, s a religio crist produziu, ao mesmo tempo, a Suma Teolgica de Santo Toms e o Catecismo".

    Proveniente do sol de infinita simplicidade, que Deus, a Revelao traz juntos o sublime e o simples, capaz de empolgar os talentos de escol e accessvel tambm aos deserdados do saber.

    Com todas essas caractersticas divinas, essa palavra no possvel que a receba o homem seno de joelhos. Absortos na adorao mais profunda, com a alma a transbordar de gratido, que devemos abrir os ouvidos para, com a mais perfeita submisso, escutar o que Deus se dignou revelar-nos.

    Nenhuma dvida poder aflorar ao nosso esprito, perturbando a aquiescncia plena da nossa razo s verdades por Deus propostas. Para que no possa a mais leve incerteza subsistir em nossa mente, basta que seja Deus quem n-las atesta, sumamente veraz e infinitamente sbio, cuja autoridade chancela a Revelao que nos feita.

    Se a confiana que na veracidade e no saber de Aristteles depositavam os seus discpulos era to grande que bastava o Mestre afirmar para que suas proposies fossem admitidas sem discusso, quanto maior no dever ser a nossa no Mestre Divino que, por ser Deus, absolutamente infalvel no seu magistrio!

    Cumpre-nos, pois, aceitar tudo o que nos foi por Deus revelado, inclinando obsequiosamente a nossa inteligncia diante da autoridade do "Magister dixit".

    No conjunto doutrinai que nos assim ministrado, no temos o direito de escolher as verdades que nos agradam e

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  • recusar as que nos desagradam; crer firmemente umas, pOr um dvida outras. Essa doutrina um todo composto, e de tal sorte que ou o admitimos por inteiro ou por inteiro o rejeitamos.

    No, no possvel que eu rejeite a palavra de um Deus que, condodo da pobreza da minha inteligncia, me fez a merc de vir Ele prprio instruir-me com suas luzes. No, a minha triste experincia j me comprovou cabalmente que entregue v cincia dos homens, s tenho colhido farta messe de erros lamentveis e absurdos incompreensveis.

    Unirei, antes, a minha voz de todas as geraes crisU\s para com eles fazer chegar aos cus o brado da minha F: Credo - eu creio.

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  • A NECESSIDADE DE CRER

    Nas noites de vero de nossa terra, quando o veludo escuro do cu aparece esmaltado de mil gemas cintilantes, mal se acendem as luzes das casas, os insetos atiram-se pelas janelas a dentro, ansiosos por se aproximarem desses focos luminosos.

    Algo de semelhante o que se passa com a alma humana quando v brilhar aos seus olhos a claridade pura da verdade divina. No h fora que lhe possa refrear o mpeto com que se arroja ao encontro dessa luz, que por tanto tempo procurara, e que parece corresponder mais imperiosa necessidade de sua natureza.

    Mariposa cmstantemente fascinada pelo claro incomparvel da F, o homem, por mais incrdulo que seja, v chegar o dia em que experimenta a nostalgia do infinito.

    : que para o homem a F vem a ser uma necessidade: procura-a ativamente quando teve a infelicidade de perd-la, e sofre tormentos indescritveis, quando se lhes baldam os esforos e tentativas para de novo recobr-la.

    * * *

    "No posso crer - dizia-me um dia um estudante da Politcnica. Estudei demais e a evidncia matemtica secou em mim a fonte da f".

    A mocidade est sujeita a esses pruridos de presuno. Porque aprendeu de cor meia dzia de princpios, julga-se detentora do saber de um Aristteles.

    No so os teoremas de Euclides que viro esgotar em ns o caudal volumoso da F. Desde o despertar da razo, a nossa vida se vai pontilhando de inmeros atos de f.

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  • O filho cr cegamente no que lhe dizem os pais; o aluno cr no que lhe ensinam os professores; o doente cr no diagnstico do mdico; a dona de casa no manda examinar as verduras, a carne etc., do seu fornecedor, porque cr nele; o homem, enfim, cr no livro que est lendo, no jornal que, todas as manhs, o informa a respeito do que se passa no mundo.

    No obstante os mil atos de f com que se vai entretecendo a nossa vida cotidiana, descobrimos em ns invencvel pendor para crer nas coisaS que se projetam por sobre as fronteiras do natural.

    Vde com que absorvente ateno as crianas escutam as Histrias da caronchinha, os Contos de Mil e uma Noites; que f no depositam nessa encantadora lenda do Papai Noel, que, na noite de Natal, lhes vem encher os sapatinhos de brinquedos apetecidos!

    Dizei-me porque tanta gente, que se blasona de incrdula, tem confiana ilimitada nas mascotes, nos amuletos, na figa, no ramo de avenca?

    Singular, sobre ser cmica essa recrudescncia supersticiosa, justamente num sculo que faz praa de s acreditar no que cientificamente demonstrado!

    Assim, h pessoas que vivem alardeando irreligio, e que, entretanto, tremem de pavor ante o nmero 13; jamais morariam em casa que tivesse o fatdico nmero. No viajam em sextas-feiras, nem fazem qualquer negcio nesse dia.

    No fazem o sinal da cruz, mas ostentam na lapela um trevo de quatro folhas. No usam o escapulrio, mas no saem I1J,a sem verificar se trazem pendente, num colar ao redor do pescoo, uma figa, ou um dente de lobo ou um elefante de tromba virada para o ar, a fim de se premunirem contra o mau olhado. No lm os livros Santos do Evangelho, mas acreditam piamente no que lhes impinge a cartomante. No vo Igreja, mas freqentam as macumbas, os terreiros, as sinagogas espritas. No acreditam em Deus, mas crm nos despachos, nas feitiarias. Estremecem da cabea aos ps, quando defrontam com uma galinha preta, colocada junto porta de suas casas! . . .

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  • A necessidade de crer que dessarte se manesta, vingando-se dos que, por sonegarem Palavra de Deus a mais convicta adeso, so forados a dar crdito s coisas mais ridculas ou mais absurdas possveis.

    No h ningum to puerilmente crdulo como o homem que se diz incrdulo. Acreditam num rol de fantasias, to esdxulas que o mais vulgar bom-senso do homem de f prontamente lhes descobre a triste falsidade.

    Quereis alguns exemplos? Haver maior ateu que um lder comunista? Pois bem, esse comunista tem mais f em seu marxismo-leninismo que a clebre carvoeira da Bretanha, cuja f simples em Deus causava tanta admirao e inveja a Pascal. Nada pode abalar f que esse comunista deposita em seu comunismo: nem o genocdio de milhes de seres humanos no "Arquiplago de Gulag", nem a escravizao da imensa maioria do povo russo, transformado em mquina de produzir, sem liberdade, quer at mesmo, para mudar de domcilio.

    Haver maior ctico do que um livre-pensador? Pois, no conheo nenhuma freira que adore tanto e mais profundamente a Deus como adora esse incrdulo cincia, por ele escrito sempre com C maiscula. No admite o Credo, mas extasia-se diante de um artigo em que a coragem de afirmar toca s raias da mais deslavada impostura. Ah! brada o tal incrdulo, isto sim que a verdade! . . . E ai de quem ousar insurgir-se contra essa f . . . Sim, porque tambm ele tem f. E que f robusta, cega, ingnua, no a sua!

    * * *

    - De quem descende o homem? perguntava, certa ocasio, um desses adoradores da cincia a um menino que saa de uma aula de catecismo.

    - O homem descende de Ado, feito de barro, por Deus, responde o menino.

    - Pobrezinho, no v que o que voc disse uma grande asneira?

    - Ento de quem descende o homem? pergunta, por sua vez, o menino.

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  • - Ora . . . de quem descende o homem? . . . do macaco, retruca-lhe com toda a naturalidade o outro.

    - Do macaco?! exclama o menino dando risada. Quer dizer ento que o senhor filho de um macaco? . . .

    * * *

    sempre assim. O homem recusa dar crdito Palavra de Deus e se inclina diante das teorias e hipteses, apresentadas por um homem a quem confere o dom de no se enganar, nem o de enganar os outros.

    No obstante a presuno e a aparente tranqilidade em que vivem, esses espritos soberbos no deixam de sofrer. Debalde, os negcios, os prazeres, as honrarias acalmem por momentos a imperiosa necessidade que sente a alma do sobrenatural, necessidade que, cedo ou tarde, desperta com renovada acuidade, com energia invencvel.

    H horas na vida em que o esprito do homem aspira alimentar-se de verdades substanciais ento que o rude sofrimento vem dilacerar o mago das almas transviadas.

    "Como quereis que se viva em paz, exclama o infeliz Jouffroy, quando no se sabe nem de onde se veio, nem para onde se vai, nem o que se deve fazer neste mundo?"

    Ouamos agora o lamento de Michelet. "Quem poder ouvir sem emoo o rumor das belas festas crists? A voz dos sinos soa como a doce censura materna . . . Quem os v, sem inveja, esses fiis que saem a fluxo das igrejas, que voltam da mesa da comunho rejuvenescidos e renovados? . . . O crente no futuro, que ainda conserva algum apego ao passado, depe apenas, fecha o livro e no se contm que no exclame: Ah! por que no me encontro no meio deles, como um deles, o mais simples, o menor dentre esses meninos?"

    Uma tarde, Hegesippo Moreau viu-se atrado para o interior de uma igreja de Paris. A recolhida penumbra da nave cobria apenas raros fiis. Uma pobre viva e algumas crianas que rezavam devotamente. De sbito, um no sei que fora o poeta a ajoelhar-se. Que que seu corao ir dizer a Deus? ele mesmo quem no-lo vai relar:

    "Et je balbutiai: Segneur, jeites-moi croire!"

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  • Era a alma, ferida pela desolao da descrena que bradava por Deus, cujo auxilio no se fez esperar, como se v mais adiante:

    "Le vent d'hiver pleura sous le parvis sonore. Et soudain je sentis que je gardais encore, Dans le jond de mon coeur, de .moi-mme, ignor, Un peu de vieille joi, parjum evapor."

    sempre a mesma tortura que no deixa alma um instante de repouso. E o que quer que faa no poder deixar de exclamar, como o fez Musset, essa triste filho de um sculo sem f.

    "Je ne puis - malgr moi, l'injini me tourmente, Je n'y saurais songer, sans crainte et sans espoir."

    Essas confisses falam com eloqncia comovedora! Ser-me-ia fcil continu-la indefinidamente. Baunard comps com elas um livro - La Doute et ses Vitimes - cujas pginas no podem ser lidas sem que nossos olhos se marjem de lgrimas.

    Elas vm provar que o melhor e o mais precioso tesouro, que Deus se digna dar ao homem, iluminar-lhe a inteligncia com a luz penetrando da F.

    Saibamos, pois, conservar sempre acesa, no santurio de nossa alma, a lmpada de ouro da nossa F. No transcorra um s dia sem que os nossos joelhos se dobrem para agradecer a Deus o ter-nos criado e feito nascer no seio da sua Igreja conservando a F que dela recebemos, apesar de, no perpassar dos sculos, muitas vezes, e mesmo hoje, os elementos humanos que a compem relegarem para um plano secundrio a precpua misso, que de ordem espiritual e transcendente, que lhes foi confiada, para se imiscuirem com os problemas temporais, pertencentes esfera de Csar.

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  • A EXISn:NCIA DE DEUS

    H um povo cuja existncia, contrariando quase sempre as leis da Histria, pode ser apontado como o produto de um perptuo milagre moral. o povo judeu.

    Em toda a parte, por onde as vicissitudes da sua histria atormentada o arrastaram, constantemente se apresentou sobraando um livro, quase to velho como o homem, e que foi sempre considerado como verdadeiro: a Bblia.

    Lemos nesse livro que Deus falou a Ado e Eva, que se manifestou aos patriarcas No, Abrao, Isac, Jac, Moiss; que ditou seus mandamentos, inspirou os profetas e finalmente enviou ao mundo seu prprio Filho, Jesus.

    Pelo que fica exposto, torna-se patente que o Deus, cuja existncia desejamos demonstrar, no um Deus qualquer - o Deus dos filsofos, por exemplo - mas o Deus em Quem se cr pela f.

    Entretanto, a via que seguiremos para alcanar esse objetivo, a da razo; a do nosso raciocnio, que, subindo do mundo visvel, va defrontar-se com a imensa grandeza do Supremo Criador de todas as coisas - Deus.

    "Assim colocado o problema, como bem o fez M. F. Sciacca em seu livro - Como se comprova a existncia de Deus - a f no s no um obstculo, mas constitui uma ajuda e nada subtrai fora racional de demonstrao."

    * * *

    Duns-Scot assim se pronunciou: "Omnis creatura theophania" toda criatura teofana, isto , manifesta a existncia de Deus.

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  • que, como todo es.critor tem seu estilo, todo artista, a maneira peculiar de tratar suas obras, Deus deixou claramente -impressas na criao as suas caractersticas inconfundveis: sabedoria infinita, poder incomensurvel. o que agora vamos adnrar.

    Quando contemplamos a abboda do cu, constelada de um sem nmero de flgidas estrelas e, auxiliados pela cincia, ficamos sabendo que alm da imensidade em nmeros, h a imensidade em peso e em distncia, sentimo-nos tomados de verdadeira impresso de assombro.

    Foi um deslumbramento quando, com seu telescpio, que aumentava os objetos observados 6 . 500 vezes, Herschel perlustrou atento os espaos siderais. Onde, antes, mal se divisava uma poeira alvacenta, contavam-se nada menos de trs mil estrelas. E, isso, num pequeno canto da Via-Lctea! Quantas seriam, pois, as de todo o nosso sistema sideral? Setenta e cinco milhes! E quando lembramos que o nosso sistema planetrio apenas uma parcela da imensa Via-Lctea, insuficientes sero os nmeros para contar os bilhes de astros dessa faixa coruscante que cinge o nosso cu de um a outro horizonte.

    A cincia no se limitou a contar as estrelas. Quis, tambm, num clculo arrojado, saber qual o peso de todas e de cada uma deas.

    Para lograr esse intento utilizou-se de uma unidade de medida que, por si s, j estonteante: a Terra. Conhecido o seu peso real, que ora por seis quatrHhes e tanto de quilos, pode a cincia verificar que Saturno cem vezes mais pesado que a Terra; Jpiter, 338 vezes mais pesado; o Sol, um milho e quatrocentas vezes mais, perfazendo, em quilos, dois nonilhes, isto , o algarismo 2 seguido de 30 zeros; Srius 12 vezes maior que o Sol e, portanto 16 milhes de vezes mais pesado que a Terra.

    Tomada de vertigem, a imaginao j no consegue representar-se a extraordinria mole.

    A imensidade em distncia, essa ento, parece mais espantosa que as duas outras.

    A cincia descobriu que a luz corre, atravs do espao, razo de 350 mil quilmetros por segundo. O raio de luz, com essa fantstica velocidade, foi para a Cincia a uni-

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  • dade de medida, com que se ps a calcular os espaos interplanetrios.

    Ora, depois de observar que a luz leva oito minutos e meio para chegar Terra, verificou que a distncia que nos separa do Sol de 25 milhes e quinhentas mil lguas. Que distncia formidvel! Pois ainda pequena se a confrontar-mos com outras, que poderemos verificar numa viagem atravs da imensidade dos espaos siderais.

    O Padre Moreux, no seu livro "Os confins da Cincia e da F", pp. 49-50, servir-nos- de guia nessa excurso estupefaciente.

    "Em menos de 9 minutos atingiremos o Sol; 5 horas de luz, mais tarde, ultrapassaremos a rbita de Netuno e depois . . . Olhai antes para trs: j bem longe, ficou o nosso Sol . . . brilha agora como lmpada eltrica e, dentro em pouco, no ser mais que plida estrela perdida no abismo de um oceano sem praias.

    Agora a noite estrelar. Voamos sem cessar, razo de 350 mil quilmetros por segundo, ultrapassamos o bilho de quilmetros por hora e, no entanto, estamos sozinhos em glidas estepes sem nenhum horizonte que as limite.

    Caminhamos? Estamos parados? No o sabemos. E, contudo, o ra-io luminoso continua a lanar-se atravs dos espaos com a mesma vertiginosa rapidez.

    Mas esto as estrelas por tal modo distantes que no parecem aproximar-se sensivelmente de ns. Por trs vezes, na Terra que deixamos para trs, as primaveras sucederam aos invernos sem que tenhamos deparado com nenhum corpo celeste. S atingiremos a nossa vizinha do cu, Prxima Centauri, ali pelo 4Q ano luz de viagem. Mais 4 anos ainda, e nos aproximaremos de Srius; 25 anos luz de vo ininterrupto topamos Vega de Lira; 41 anos depois e estamos em Capela. Uma criana de bero, transportada nesse raio de luz para o norte celeste, estaria com 47 anos, quando alcanasse a Polar. E todas essas distncias nada representam em confronto com as das estrelas perdidas nos campos da Via-Lctea, cuja luz leva mais de 2 mil anos para chegar nossa Terra."

    Experimentai agora traduzir em quilmetros esses mil anos luz . . . Depois de sobre-humano esforo, o algarismo,

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  • que concretizaria o vosso clculo, seria to espantoso que, por si s, vos obrigaria a cair de joelhos diante dessa mo onipotente que criou essa trplice imensidade.

    Sim, uma vez que no h efeito sem causa, que o relgio supe necessariamente a existncia do relojoeiro que o fez, quem o autor sapientssimo desses milhes de mundos, cujas moles ciclpicas fogem atravs do espao incomensurvel?

    Por que que se no precipitam uns contra os outros? Por que que no se chocam em formidveis encontros? Porque as atraes e repulses foram combinadas por genial inteligncia de maneira tal que no sofram as distncias nenhuma alterao.

    E quando nos lembramos de que tudo se move no espao, cresce ainda mais a nossa admirao por essa inteligncia, a qual soube to bem medir tudo de forma que os mundos caminhem sem o mnimo desvio da rota que lhes foi traada. E essa rota, no deveis supor que seja reta, nem curva, nem mesmo circular. No. Para represent-la havemos de recorrer elipse, figura geomtrica de propriedades no de todo conhecidas.

    Ainda se os astros se contentassem com descrever por essa forma a sua trajetria . . . Mas no, fazem coisas muito mais complicadas. Giram sobre seu prprio eixo e no so poucos os que giram em redor dos outros.

    E com que velocidade! a Terra gira em torno do Sol com a velocidade de 7 lguas por segundo ou sejam: 25 mil e 200 lguas por hora e 600 mil lguas por dia. E no tudo. H outras complicaes. O Sol, em redor do qual circulamos, est, por sua vez, em movimento; sobre as 7 lguas que descrevemos volta dele, faz, e com ele fazemos ns tambm, outros 10 quilmetros por segundo, isto : perto de um milho por dia.

    E para ainda mais emaranhar o problema de ordem e do movimento em dificuldades insuperveis, h os cometas, que passam e repassam alheios s revolues normais dos outros astros. So eles em nmero de 17 milhes, cujas elipses so inteiramente desconhecidas.

    Pois bem, no obstante a inexplicvel complexidade desse problema, a ordem que reina no mundo estelar de

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  • tal maneira perfeita que a Ciencia jamais pde observar o mnimo acidente, onde no faltaria, contudo, ensejo para catstrofes de conseqncias imprevisveis.

    * * *

    "Os cus manifestam a glria de Deus", diz o salmista. Essa manifestao se evidencia, em alto grau, quando contemplamos o movimento e a ordem perfeita existentes no mundo estelar.

    A ordem que nele se observa to absoluta, ultrapassa tanto as concepes do nosso esprito que, diante dela, nos sentiremos como amesquinhados.

    Que poder mental de propores infinitas no o desse genial calculador que, ao lanar atravs dos espaos mo les imensas, regidas por leis de inefvel sabedoria, previu as mil e uma circunstncia de suas trajetrias vertiginosas!

    O movimento que se realiza no espao , por seu twno, to variado e de tamanha velocidade, que requer necessariamente um motor de poder infinito.

    Para negar, pois, a existncia do Motor Imvel - que impulsiona todo o movimento observado no universo -ser necessrio calcar aos ps as observaes cientficas que a Astronomia, todos os dias, apresenta a seus estudiosos.

    Concluamos, pois, com Giraud: "quem no conseguisse ler o nome de Deus escrito em cada uma das pginas do livro da natureza; quem nunca houvesse escutado a linguagem divina dos seres criados, a harmonia das esferas celestes que lhe cantam a glria . . . constituiria um mistrio mais inconcebvel do que Deus, cuja existncia teima em desconhecer".

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  • A NA'l'UREZA DE DEUS

    O livro fulgurante dos cus, cujas lwninosas pginas, pudemos apenas soletrar, no captulo anterior, patenteou, aos nossos olhos deslumbrados, a inteligncia, o poder e a grandeza de Deus.

    Mas, quem esse Deus,