a conjuraçao anticrist¦ - parte i - mons. delassus

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  • 7/24/2019 A Conjuraao Anticrist - parte I - Mons. Delassus

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    Monsenhor HENRI DELASSUS

    Doutor em Teologia

    A

    C O N J U R A O

    A N T I C R I S T

    O Templo Manicoque quer se erguer sobre as runas da

    I g r e j a C a t l i c a

    As portas do inferno

    no prevalecero

    contra Ela.

    (Mat., XVI, 8)

    TOMO I

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    NIHIL OBSTAT:

    Insulis, die 11 Novembris 1910.

    H. QUILLIET, s. th. d.

    librorum censor

    IMPRIMATUR

    Cameraci, die 12 Novembris 1910.

    A. MASSART, vic. gen.

    Domus Pontificiae Antistes.

    Traduzido do original francs

    LaConjuration Antichrtienne - Le Temple Maonnique

    voulant s'lever sur les ruines de l'glise Catholique,

    impresso por Societ Saint-Augustin

    Descle, De Brouwer et Cie.

    LILLE, 41, Rue du Metz

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    SECRETARIA DE ESTADO Do Vaticano, 23 de outubro de 1910.

    DE SUA SANTIDADE

    MONSENHOR

    O Santo Padre Pio X recebeu com paternal interesse a obra intitulada:A Conjurao Anticrist, que me pedistes para Lhe encaminhar em vosso nome.

    Sua Santidade vos felicita afetuosamente por haverdes levado a bomtermo a composio dessa obra importante e sugestiva, em seqncia a uma longa srie deestudos que igualmente fazem honra a vosso zelo e a vosso ardente desejo de servir acausa de Deus e da Santa Igreja.

    As idias diretrizes de vosso belo trabalho so aquelas que inspiraramos grandes historiadores catlicos: a ao de Deus nos acontecimentos deste mundo, ofato da Revelao, o estabelecimento da ordem sobrenatural, e a resistncia que o espritodo mal ope obra da Redeno. Vs mostrais o abismo a que conduz o antagonismoentre a civilizao crist e a pretensa civilizao que regride em direo ao paganismo.Quanta razo tendes em estabelecer que a renovao social s se poder fazer atravs da

    proclamao dos direitos de Deus e da Igreja!

    Ao vos exprimir sua gratido, o Santo Padre faz votos de que possais,

    com uma sade sempre vigorosa, realizar inteiramente o plano sinttico que traastes, ecomo sinal de Sua particular benevolncia, Ele vos envia a Bno Apostlica.

    Com meus agradecimentos pessoais e minhas felicitaes, recebei,Monsenhor, a certeza dos meus sentimentos bem devotados em Nosso Senhor.

    Cardeal MERRY DEL VAL

    Monsenhor Henri DelassusPrelado Domstico

    Lille

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    M A R I A

    PRESERVADA DO PECADO ORIGINAL

    VISTA DOS MRITOS

    DE

    NOSSO SENHOR JESUS CRISTO

    Deus disse serpente:

    Porei inimizades

    entre ti e a Mulher,

    entre tua posteridadee a posteridade dEla.

    Ela te esmagar a cabea.

    E tu Lhe ferirs o calcanhar

    (Gnesis III, 15)

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    S O B R E O A U T O R

    (O texto abaixo foi extrado do livro Nobreza e Elites Tradicionais Anlogas nas Alocues de Pio XII aoPatriciado e Nobreza Romana, do Professor Plinio Corra de Oliveira, Livraria Civilizao Editora, Porto, 1993)

    Mons. Henri Delassus (1836-1921), ordenado sacerdote em 1862, exerceu o ministriocomo vigrio em Valenciennes (Saint-Gry) e Lille (Sainte-Catherine e Sainte-Marie-Madelaine).Em 1874 foi nomeado capelo da Baslica Notre-Dame de la Treille (Lille). Cnego honorrioem 1882 e Prelado Domstico em 1904. Em 1911 foi promovido a Protonotrio Apostlico. Em1914 tornou-se Cnego da recm-criada diocese de Lille e Deo do Cabido da Catedral.

    Como escritor publicou as seguintes obras:Histoire de Notre-Dame de la Treille, Patronne de Lille (1891), LAmricanisme et la

    Conjuration Antichrtienne (1899), Le Problme de lHeure Prsente: Antagonisme de DeuxCivilisations (2 vols., 1904), LEncyclique Pascendi Dominici Gregis et la Dmocratie (1908),Vrits Sociales et Erreurs Dmocratiques (1909), La Conjuration Antichrtienne: Le TempleMaonnique voulant selever sur les Ruines de lEglise Catholique (prefcio do Cardeal Merrydel Val, 3 vols., 1910), Condamnation du Modernisme dans la Censure du Sillon (1910), La

    Question Juive (extrado de La Conjuration Antichrtienne, 1911), La Dmocratie Chrtienne:Parti et Ecole vus du Diocse de Cambrai(1911), La Mission Posthume de Jeanne dArc et leRgne Social de Jsus-Christ (1913), Les Pourquoi de la Guerre Mondiale: Rponses de laJustice Divine, de lHistoire, de la Bont Divine(3 vols., 1919-1921).

    Como jornalista, em 1872 passou a colaborar no peridico Semaine Religieuse du Diocsede Cambrai, do qual se tornou proprietrio, diretor e principal redator em 1874. Fez destapublicao um bastio contra o Liberalismo, o Modernismo, e todas as formas de conspiraoanticrist no mundo. Com a criao da Diocese de Lille esta revista tomou o nome deSemaine Religieuse du Diocse de Lille, tornando-se rgo oficial do bispado em 1919.

    Mons. Delassus que fora ordenado sacerdote sob Pio IX exerceu a maior parte dasatividades do seu ministrio sob Leo XIII e S. Pio X, havendo falecido durante o pontificado deBento XV.

    Teve parte saliente nas ardentes polmicas que marcaram a vida da Igreja durante essespontificados, sempre movido pelas grandes preocupaes que marcaram os pontificados de PioIX e de S. Pio X. O modo de Mons. Delassus encarar os problemas religiosas, sociais epolticos da Europa e da Amrica do seu tempo era muito afim com o de Pio IX e o de S. Pio X,orientao que defendeu com inteligncia, cultura e valentia inexcedvel, quer durante o reinadodesses dois Pontfices, quer durante o de Leo XIII.

    Como sabido, a interpretao que este ltimo dava ao panorama geral religioso, social epoltico da Europa e da Amrica no mesmo perodo, quer como Cardeal-Bispo de Perusa, quercomo Papa, em muitos pontos no coincidia na medida em que tal pode ocorrer entre Papas com a interpretao de Pio IX e de S. Pio X. A fidelidade de Mons. Delassus linha depensamento e de ao que ele seguira sob Pio IX continuaria a seguir durante os pontificadossubseqentes, era prpria a exp-lo a incompreenses, advertncias e medidas acautelatrias,

    provavelmente penosas para ele, partidas da Cria Romana ao tempo de Leo XIII. Ele asrecebeu com toda a medida de acatamento preceituado pelas leis da Igreja, mas usandotambm da medida de liberdade que essas leis lhe asseguravam.

    Assim, foi ele objeto de advertncias de autoridades locais e da prpria Santa S devidoaos seus ataques contra o Congresso Eclesistico de Reims (1896) e o Congresso daDemocracia Crist (1897). Em 1898 uma carta do Pe. Sbastien Wyart fez-lhe ver que os seusartigos polmicos desagradavam ao Vaticano. Logo a seguir a Santa S pediu a Mons.

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    Delassus para cessar a sua campanha refratria e as suas polmicas violentas. Em 1902 oCardeal Rampolla pediu a Mons. Sannois, Bispo de Cambrai, para advertir o jornal de Mons.Delassus, Semaine Religieuse.

    A ascenso de S. Pio X ao Slio Pontifcio haveria de reparar largamente Mons. Delassuspelos dissabores que sofrera. O Santo Pontfice compreendeu, admirou e apoiou claramente ovalente polemista, como esta tambm apoiou sem reservas a luta antiliberal e antimodernista deS. Pio X. Como reconhecimento ao mrito dessa luta o valoroso sacerdote foi elevado por S.

    Pio X a Prelado Domstico em 1904, a Protonotrio Apostlico em 1911, tendo tambmascendido ao cargo de Deo do Cabido da Catedral de Lille em 1914.1

    Durante a Guerra, Mons. Delassus suspendeu compreensivelmente as suas polmicas talcomo o fizeram, em benefcio da unio nacional contra o adversrio externo, os polemistasfranceses de todos os matizes. Na aurora da paz, em 1918, Mons. Delassus reacendia a suachama de polemista. Esta chama sagrada extinguiu-a pouco depois a sua morte.

    1Por ocasio das bodas de ouro da sua ordenao sacerdotal, Mons. Delassus recebeu do Pontfice a seguinte carta:Tivemos conhecimento com alegria que daqui a poucos dias completareis cinqenta anos de sacerdcio.

    Felicitamo-vos de todo o corao, pedindo a Deus para vs toda a espcie de prosperidades. Sentimo-Nos levado aesse ato de benevolncia, que vs bem mereceis, Ns bem o sabemos, tanto pela vossa devoo Nossa pessoa comopelos testemunhos inequvocos do vosso zelo, seja pela doutrina catlica que defendeis, seja pela disciplinaeclesistica que mantendes, seja enfim por todas estas obras catlicas que sustentais e das quais a nossa poca temuma to grande necessidade.

    Devido a to santos trabalhos de todo o corao que vos dispensamos os merecidos elogios e vos concedemos,de toda a boa vontade, caro filho, a Bno Apostlica, ao mesmo tempo penhor de graas celestes e testemunho daNossa benevolncia.

    Dada em Roma, aos ps de S. Pedro, em 14 de junho de 1912, nono ano do Nosso pontific ado.Pio X, Papa.

    (Actes de Pie X, Maison de la Bonne Presse, Paris, 1936, t. VII, p. 236).

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    As duas edies francesas do PROBLEMA DA HORA PRESENTE estoesgotadas. Restam alguns exemplares da verso italiana2. Os livreiros pedem queessa obra seja reimpressa, para que possam atender aos pedidos de seus clientes.

    O autor entendeu no dever ocupar-se com a reimpresso.O problema que o Americanismo havia apresentado inicialmente s suas

    meditaes tornou-se logo, no seu esprito, o da Revoluo, depois o da civilizaomoderna, que data da Renascena.

    Hoje, ele o concebe numa amplitude ainda maior: o problema da resistncia queo naturalismo ope ao estado sobrenatural que Deus se dignou de oferecer s Suascriaturas inteligentes. Assim considerado, o problema abraa todos os tempos. Ele seapresentou na criao dos anjos, no paraso terrestre, no deserto onde Cristo quissubmeter-Se tentao; ele continuar colocado, para a cristandade e para cada umde ns, at o fim do mundo.

    Refazer a obra esgotada oferecia, sob esse ponto de vista, duas vantagens.Aps madura reflexo, o autor preferiu seccionar sua obra.

    O problema estava posto assim: existe luta entre a civilizao crist que est naposse do estado e a civilizao moderna que quer suplant-la; qual ser a sada para

    esse antagonismo?Da trs questes:A do Judeu e do franco-maom que so precisamente hoje, aos olhos de todos,

    os sitiantes da cidadela catlica.A da Democracia que , no dizer dos prprios sitiantes, a sugesto-me de que

    se servem para atacar a civilizao crist na opinio pblica e em seguida nasinstituies.

    A da Renovao religiosa, social e familiar, exigida pelas runas j amontoadas eaquelas que o anticristianismo ainda far.

    Essas trs questes foram intimamente unidas no livro intitulado O Problema daHora Presente. O autor acreditou ser bom separ-las a fim de poder tratar cada umadelas mais a fundo.

    A questo da democracia foi retomada na obra que acaba de aparecer sob o ttuloVerdades Sociais e Erros Democrticos.A questo da conjurao anticrist, da qual a seita judeu-manica a alma e o

    brao, objeto do presente livro.

    O autor no se deteve em procurar as origens da seita; no se preocupou emestud-la de pontos de vista diversos, nos quais outros publicistas se colocaram. Oque ele quis trazer luz foi a parte de ao que a seita judeu-manica tem na guerradeclarada instituio catlica e idia crist, e o objetivo dessa guerra. Esseobjetivo de arrancar a humanidade da ordem sobrenatural fundada pela Redenodo divino Salvador e de fix-la definitivamente no naturalismo.

    Faltar falar da Renovao. Ela no pode ser fruto seno da restaurao da

    Autoridade:A autoridade de Deus sobre Sua obra, particularmente sobre as criaturas

    inteligentes;A autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, o novo Ado, sobre a humanidade

    que Ele resgatou com Seu Sangue e da qual Ele o Senhor por Sua personalidadedivina;

    A autoridade da Igreja sobre os povos que Ela dotou de civilizao crist e que seprecipitam nos Seus braos sob a presso do abandono em que vai jog-los oprogresso da civilizao moderna;

    A autoridade das famlias principescas sobre as naes que elas construram;

    2Descle et Cie. Rome, Piazza Grazioli, Palazzo Doria; Lille 41, rue du Metz.

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    A autoridade do pai na sua famlia e a dos ancestrais sobre as geraes de queforam o princpio.

    Enfim, o direito de propriedade sobre os bens de que a famlia ou o indivduo setornaram autorespor seu trabalho e suas virtudes, e no sobre as riquezas adquiridaspela agiotagem ou pela injustia.

    A Renovao exige essa sxtupla restaurao. Se ela no comea a se produzirnum futuro prximo, a sociedade familiar, civil, religiosa se precipitar no abismo emdireo ao qual ela corre com uma velocidade que se acelera a cada dia.

    Feito esse terceiro trabalho, faltaria reconstruir a sntese da qual jorraria a soluodo enigma que inquieta as geraes contemporneas e que projetaria sua luz sobre ofuturo da humanidade.

    Septuagenrio h cinco anos, o autor no pode esperar cumprir tal encargo.Queira Deus, se isto entra em Seus desgnios, de confi-lo a quem puder lev-lo abom termo.

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    I

    ESTADO DA QUESTOCAPTULO I

    AS DUAS CIVILIZAES

    Syllabus de Pio IX termina com esta proposio condenvel econdenada:

    O Pontfice romano pode e deve se reconciliar e transigir com oprogresso, o liberalismo e a civilizao moderna.

    A ltima proposio do decreto que se chamou o Syllabusde Pio X, proposioigualmente condenvel e condenada, est concebida assim:

    O catolicismo de hoje no se pode conciliar com a verdadeira cincia, a menos

    que se transforme num cristianismo no dogmtico, isto , num protestantismo sbio eliberal.Sem dvida no foi sem inteno que essas duas proposies receberam, num e

    noutro Syllabus,este lugar, o ltimo, aparecendo a como concluso. D-se que, comefeito, essas proposies resumem as precedentes e precisam-lhes o esprito.1

    necessrio que a Igreja se reconcilie com a civilizao moderna. E a baseproposta para essa reconciliao , no a aceitao dos dados da verdadeira cincia,que a Igreja jamais repudiou, que Ela sempre favoreceu, cujos progressos Ela sempreaplaudiu e para o qual contribuiu mais do que qualquer outra instituio; mas oabandono da verdade revelada, abandono que transformaria o catolicismo numprotestantismo largo e liberal, no qual todos os homens pudessem se reencontrar,quaisquer que fossem suas idias a respeito de Deus, de Suas revelaes e de Seus

    mandamentos. Dizem os modernistas que apenas atravs desse liberalismo que aIgreja pode ver novos dias se abrirem diante dEla, obter a honra de entrar nas vias dacivilizao moderna e marchar junto com o progresso.

    Todos os erros assinalados num e noutro Syllabus apresentam-se como asdiversas clusulas do tratado proposto assinatura da Igreja para essa reconciliaocom o mundo, para sua admisso na cidade moderna.

    Civilizao moderna. Existe, pois, civilizao e civilizao? Existiu, portanto,antes da era dita moderna uma civilizao diversa daquela que o mundo de nossosdias usufrui, ou pelo menos, persegue?

    Com efeito, existiu, e existe ainda na Frana e na Europa, uma civilizaochamada civilizao crist.

    Que motivo faz com que essas duas civilizaes se diferenciem?Elas se diferenciam pela concepo que tm do fim ltimo do homem, e dos

    efeitos diversos e mesmo opostos que uma e outra concepo produzem assim naordem social como na ordem privada.

    O objetivo ltimo do homem ser feliz,2diz Bossuet. Isto no exclusivo dele: o fim para o qual tendem todas as inteligncias, sem exceo. O grande orador no

    1Por ocasio da deliberao da lei sobre a liberdade do ensino superior, Challemel-Lacourt disse: Asuniversidades catlicas querero preparar nos futuros mdicos, advogados e magistrados, auxiliares doesprito catlico que procuraro sustentar e aplicar os princpios do Syllabus. Ora, a Frana, na sua

    grande maioria, considera as proposies condenadas pelo Syllabus como os prprios fundamentos danossa sociedade.2 Meditaes sobre o Evangelho.

    O

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    falha em reconhecer isso: As naturezas inteligentes no tm vontade nem desejoseno para sua felicidade. E acrescenta: Nada de mais razovel, porque o que hde melhor do que desejar o bem, quer dizer, a felicidade?3 Assim, encontramos nocorao do homem um impulso invencvel, que o impele a procurar a felicidade. Sequisesse, no poderia se desfazer dele. o fundo de todos os seus pensamentos, ogrande mvel de todas as suas aes; e mesmo quando ele se atira morte, porestar persuadido de achar no nada uma sorte prefervel quela na qual ele se v.

    O homem pode se enganar, e de fato ele se engana muito freqentemente nabusca da felicidade, na escolha da via que deve lev-lo a ela. Colocar a felicidadeonde ela est a fonte de todo o bem, diz ainda Bossuet; e a fonte de todo o malconsiste em coloc-la onde no preciso.4 Isto to verdadeiro para a sociedadecomo para o homem individual. O impulso em direo felicidade vem do Criador, eDeus nele acrescenta Sua luz para iluminar o caminho, diretamente por Sua graa,indiretamente pelos ensinamentos de Sua Igreja. Mas pertence ao homem, indivduoou sociedade, pertence ao livre arbtrio dirigir-se, ir buscar sua felicidade ali onde lheagrada coloc-la, no que realmente bom, e, acima de toda bondade, no Bemabsoluto, Deus; ou naquilo que tm apenas as aparncias do bem, ou que no

    seno um bem relativo.Desde a criao do gnero humano o homem se desviou do bom caminho. Aoinvs de crer na palavra de Deus e de obedecer Sua determinao, Ado deuouvidos voz encantadora que lhe dizia para colocar seu fim nele mesmo, nasatisfao de sua sensualidade, nas ambies de seu orgulho. Sereis como deuses;o fruto da rvore era bom de comer, belo de ver, e de um aspecto que excitava odesejo. Tendo assim se desviado desde o primeiro passo, Ado arrastou suadescendncia na direo que ele acabava de tomar.

    Nessa direo ela caminhou, nessa direo ela avanou, nessa direo elasubmergiu durante longos sculos. A histria a est para contar os males que elaencontrou nesse longo extravio. Deus teve piedade dela. No Seu conselho de infinitamisericrdia e de infinita sabedoria, Ele resolveu recolocar o homem sobre o caminho

    da felicidade. E a fim de tornar Sua interveno mais eficaz, Ele quis que uma Pessoadivina viesse sobre a terra mostrar o caminho por Sua palavra, tocar os homens porSeu exemplo. O Verbo de Deus se encarnou e veio passar trinta e trs anos entrens, para nos tirar da via da perdio e para nos abrir a estrada de uma felicidade noenganosa.

    Suas palavras e Seus atos derrubavam todas as idias at ento aceitas. Eledizia: Bem-aventurados os pobres! Bem-aventurados os mansos, os pacficos, osmisericordiosos! Bem-aventurados os puros! At a vinda dEle, dizia-se: Bem-aventurados os ricos! Bem-aventurados aqueles que dominam! Bem-aventurados osque vivem sem nada recusar s suas paixes! Ele tinha nascido em um estbulo,fizera-Se o servidor de todos, sofrera morte e paixo, a fim de que no seconsiderassem suas palavras meras declamaes, mas lies, as mais persuasivas

    lies que possam ser concebidas, dadas que eram por um Deus, e um Deus que Seaniquilou por amor a ns.

    Ele quis perpetuar essas lies, torn-las sempre expressivas e operantes aosolhos e nos ouvidos de todas as geraes que deviam vir. Para isso Ele fundou aSanta Igreja. Estabelecida no centro da humanidade, Ela no cessou, pelosensinamentos de seus doutores e pelos exemplos de seus santos, de dizer a todos osque Ela viu passar sob seus olhos: Procurais, mortais, a felicidade, e procurais umacoisa boa; ficai atentos apenas para no procurardes onde ela no est. Vs aprocurais na terra, mas no a que ela est estabelecida, nem a que se encontram

    3

    Oeuvres oratoires de Bossuet. Edio crtica e completa, pelo abade J. Lebarq. Sermo para a Festa deTodos os Santos, v. 325.4 Meditaes sobre o Evangelho.

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    esses dias felizes dos quais nos falou o divino Salmista: Diligit dies videre bonos... Aesto os dias de misria, os dias de suor e de trabalhos, os dias de gemidos e depenitncia, aos quais ns podemos aplicar as palavras do profeta Isaas: Meu pov o.Os que te dizem feliz, abusam de ti e perturbam tua conduta. E ainda: Os que fazemo povo acreditar que feliz, so enganadores. Pois onde se encontra a felicidade e averdadeira vida, seno na terra dos vivos? Quem so os homens felizes, senoaqueles que esto com Deus? Esses vem dias bonitos, porque Deus a luz que osilumina. Esses vivem na abundncia, porque Deus o tesouro que os enriquece.Esses, enfim, so felizes, porque Deus o bem que os contenta e que, somente Ele, tudo para todos.5

    Do sculo I ao sculo XIII, os povos tornaram-se cada vez mais atentos a essapregao, e o nmero dos que dela fizeram luz e regra de vida foi cada vez maior.Sem dvida, havia fraquezas, fraquezas das naes e fraquezas das almas.

    Mas a nova concepo da vida permanecia lei para todos, lei que os desvios nofaziam perder de vista e qual todos sabiam, todos sentiam que era preciso retornaruma vez que se tivessem afastado. Nosso Senhor Jesus Cristo, com Seu Novo

    Testamento, era o doutor escutado, o guia seguido, o rei obedecido. Sua realeza eraa tal ponto reconhecida pelos prncipes e pelos povos, que eles a proclamavam at emsuas moedas. Em todas estava gravada a cruz, o signo augusto da idia que ocristianismo tinha introduzido no mundo, que era o princpio da nova civilizao, dacivilizao crist, que devia reg-lo, o esprito de sacrifcio oposto idia pag, aoesprito de gozo que tinha construdo a civilizao antiga, a civilizao pag.

    medida que o esprito cristo penetrava as almas e os povos, almas e povoscresciam na luz e no bem, se elevavam pelo s fato de verem a felicidade no alto e dea carregarem consigo. Os coraes tornavam-se mais puros, os espritos maisinteligentes. Os inteligentes e os puros introduziam na sociedade uma ordem maisharmoniosa, aquela que Bossuet nos descreveu no sermo sobre a eminentedignidade dos pobres. A ordem mais perfeita tornava a paz mais geral e mais

    profunda; a paz e a ordem engendravam a prosperidade, e todas essas coisas davamensejo s artes e s cincias, esses reflexos da luz e da beleza dos cus. De sorteque, como observou Montesquieu: A religio crist, que parece no ter outro objetivoalm da felicidade da outra vida, ainda constri nossa felicidade nesta.6 , ademais,

    5Oeuvres oratoires de Bossuet. Sermo para a Festa de Todos os Santos, v. 325.6Esprit des Lois, livro XXIV, cap. III.

    Tocqueville deu para esse fato uma razo que no a nica nem mesmo a principal, mas que convmassinalar.Nos sculos de f, coloca-se o objetivo final da vida aps a vida. Os homens daqueles tempos

    acostumaram-se, pois, naturalmente, e, por assim dizer, sem querer, a considerar, durante uma longa

    seqncia de anos, um objetivo fixo em direo ao qual eles caminham sem cessar, e aprendem, medianteprogressos insensveis, a reprimir mil pequenos desejos passageiros para melhor chegarem a satisfazeresse grande e permanente desejo que os aflige. Quando esses mesmos homens querem se ocupar dascoisas da terra, reencontram esses hbitos. Eles fixam para suas aes daqui de baixo de preferncia umobjetivo geral e certo, em direo ao qual dirigem todos os esforos. No se os v aplicarem-se cada diaa novas tentativas; mas eles tm desejos no satisfeitos que no se cansam de perseguir.

    Isto explica por que os povos religiosos tm freqentemente conseguido coisas to durveis. Sucediaque, ocupando-se do outro mundo, tinham reencontrado o grande segredo de obter xito neste. Asreligies fornecem o hbito geral de se comportarem com vistas ao futuro. Nisto elas no so menos teis felicidade desta vida do que felicidade da outra. um de seus maiores aspectos polticos. Mas medida que as luzes da f se obscurecem, a vista dos homens se aperta, e dir-se-ia que a cada dia oobjetivo das aes humanas parece-lhes mais prximo.

    Uma vez que se acostumam a no mais se ocupar do que deve acontecer aps a vida, v-se-os recarem

    facilmente nessa indiferena completa e brutal do futuro, que por demais conforme a certos instintos daespcie humana. To logo perdem a prtica de colocar suas principais esperanas a longo prazo, sonaturalmente levados a realizar sem tardana seus menores desejos, e parece que a partir do momento em

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    o que So Paulo tinha anunciado, quando disse: Pietas ad omnia utilis est,promissiones habens vitae quae nunc est et futuraep. A piedade til para tudo,possuindo as promessas da vida presente e aquelas da vida futura. 7 No havia oprprio Nosso Senhor dito: Procurai primeiro o reino de Deus e Sua Justia, que oresto vos ser dado de acrscimo?8 No h a uma promessa de ordemsobrenatural, mas o anncio das conseqncias que deviam sair logicamente da novaorientao dada ao gnero humano.

    De fato, vemos que o esprito de pobreza e a pureza de corao dominam aspaixes, fontes de todas as torturas da alma e de todas as desordens sociais. Amansido, a pacificao e a misericrdia produzem a concrdia, fazem reinar a pazentre os cidados e na cidade. O amor da justia, mesmo contrariado pelaperseguio e pelo sofrimento, eleva a alma, enobrece o corao e lhe proporciona osmais sos prazeres; ao mesmo tempo eleva o nvel moral da sociedade.

    Que sociedade, aquela em que as bem-aventuranas evanglicas fossemcolocadas sob os olhos de todos, como objetivo a conquistar, e na qual seriamoferecidos a todos os meios de alcanar a perfeio e a bem-aventurana assinaladasno sermo da montanha:

    Felizes os que tm esprito de pobreza!Felizes os mansos!Felizes os que choram!Felizes os que tm fome e sede de justia!Felizes os que so misericordiosos!Felizes os que tm o corao puro!Felizes os pacficos!Felizes os que sofrem perseguio por amor da justia!A ascenso, no direi das almas santas, mas das naes, teve seu ponto

    culminante no sculo XIII. So Francisco de Assis e So Domingos, com seusdiscpulos So Lus de Frana e Santa Elisabete da Hungria, acompanhados eseguidos por tantos outros, mantiveram por algum tempo o nvel que havia sido

    atingido pela emulao que tinham excitado nas almas os exemplos de desapego dascoisas deste mundo, de caridade em relao ao prximo e de amor a Deus, que tantosoutros santos tinham dado. Mas enquanto essas almas nobres atingiam os mais altoscumes da santidade, muitas outras esfriavam no seu entusiasmo por Deus; e por voltado fim do sculo XIV, manifestou-se abertamente o movimento de retrocesso quearrebatou a sociedade e que a conduziu situao atual, quer dizer, o triunfo prximo,o reino iminente do socialismo, fim obrigatrio da civilizao moderna. Porqueenquanto a civilizao crist elevava as almas e tendia a dar aos povos a paz social ea prosperidade mesmo temporal, o fermento da civilizao pag tende a produzir seusltimos efeitos: a procura, por todos, de todos os prazeres; a guerra, para consegui-los, de homem contra homem, de classe contra classe, de povo contra povo; guerraque no poderia terminar seno com o aniquilamento do gnero humano.

    que desesperam de viver uma eternidade, ficam dispostos a agir como se no devessem existir seno ums dia.

    Nos sculos de incredulidade, , pois, sempre de recear que os homens se entreguem sem cessar aosazares dirios de seus desejos, e que, renunciando inteiramente a obter o que no se pode adquirir seno

    sem longos esforos, no fundem nada de grande, de pacfico e de durvel.7 I Tim., IV, 8.8 Mat., VI, 33.

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    CAPTULO II

    A DUPLA CONCEPO DE VIDA

    civilizao crist procede de uma concepo de vida diversa daquelaque dera origem civilizao pag.

    O paganismo, empurrando o gnero humano pelo declive em que opecado original o colocara, dizia ao homem que ele estava sobre a terra

    para fruir a vida e os bens que este mundo lhe oferece. O pago no ambicionava,no buscava nada alm disso; e a sociedade pag estava constituda para ofereceresses bens to abundantes e esses prazeres to refinados, ou tambm to grosseirosquanto possam ser, para os que estavam em situao de pretend-los. A civilizaoantiga nasceu desse princpio, todas as suas instituies dele decorriam, sobretudo asduas principais, a escravido e a guerra. Pois a natureza no suficientemente

    generosa, e sobretudo ento no tinha sido cultivada pelo tempo necessrio ebastante bem para oferecer a todos os prazeres cobiados. Os povos fortessubjugavam os povos fracos, e os cidados escravizavam os estrangeiros e mesmoseus irmos, para obter produtores de riquezas e instrumentos de prazer.

    O cristianismo chegou e fez o homem compreender que devia procurar numaoutra direo a felicidade cuja necessidade no cessa de atorment-lo. Ele destruiu anoo que o pago criara da vida presente. O divino Salvador ensinou-nos por Suapalavra, persuadiu-nos por Sua morte e ressurreio, que se a vida presente umavida, ela no A VIDA que Seu Pai nos destinou.

    A vida presente no seno a preparao para a vida eterna. Aquela ocaminho que conduz a esta. Ns estamos in via, diziam os escolsticos, caminhandoad terminum, na estrada para o cu. Os sbios de hoje exprimiriam a mesma idia,

    dizendo que a terra o laboratrio no qual se formam as almas, no qual se recebem ese desenvolvem as faculdades sobrenaturais que o cristo, aps a morte, gozar namorada celeste. Como a vida embrionria no seio materno. tambm uma vida, masuma vida em formao, na qual se elaboram os sentidos que devero funcionar naestada terrestre: os olhos que contemplaro a natureza, o ouvido que recolher suasharmonias, a voz que a isso misturar seus cantos etc.

    No cu ns veremos a Deus face a face,1 a grande promessa que nos foi feita.Toda a religio est baseada nela. E no entanto nenhuma natureza criada capazdessa viso.

    Todos os seres vivos tm sua maneira de conhecer, limitada por sua prprianatureza. A planta tem um certo conhecimento das substncias que devem servir sua manuteno, posto que suas razes se estendem em direo a elas, procurando-

    as para ingeri-las. Esse conhecimento no uma viso. O animal v, mas ele notem a inteligncia das coisas que seus olhos abarcam. O homem compreende essascoisas, sua razo as penetra, abstrai as idias que elas contm e atravs delas seeleva cincia. Mas as substncias das coisas permanecem escondidas, porque ohomem apenas um animal racional e no uma pura inteligncia. Os anjos,

    1Vidimus nunc per speculum in aenigmate: tunc autem facie ad faciem. Nunc cognosco ex parte: tuncautem cognoscam sicut cognitus sum. (I Cor., XIII, 12). Agora vemos num espelho e em enigma: masento veremos face a face. Agora conheo imperfeitamente: mas ento conhecerei como sou conhecido(por intuio). (Conf. Mat. XVIII, 10; I Jo, III, 2).

    O Conclio de Florena definiu: Animae sanctorum... intuentur clare impsum Deum trinum et unumsicut est: As almas dos santos vem claramente o prprio Deus, tal qual Ele na trindade das pessoas e naunidade de Sua natureza.

    A

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    inteligncias puras, vem a si mesmos na sua substncia, podem contemplardiretamente as substncias da mesma natureza da deles, e com mais razo assubstncias inferiores. Mas eles no podem ver a Deus. Deus uma substncia parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforo do esprito humanoconseguiu qualific-Lo de ato puro, e a Revelao nos diz que Ele uma trindade depessoas na unidade da substncia, a segunda engendrada pela primeira, a terceiraque procede das outras duas, e isso numa vida de inteligncia e de amor que no temcomeo nem fim. Ver a Deus como Ele , am-Lo como Ele Se ama e nistoconsiste a beatitude prometida est acima das foras de toda natureza criada emesmo possvel. Para compreend-Lo, essa natureza no deveria ser nada menosque igual a Deus.

    Mas aquilo que no tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuitode Deus. E isto : ns o sabemos porque Deus no-lo disse ter feito. Isto serve paraos anjos e isto serve para ns. Os anjos bons vem a Deus face a face, e ns somoschamados a gozar da mesma felicidade.

    Ns no podemos chegar a isso seno por alguma coisa de sobre-acrescentado,que nos eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos

    radicalmente impotentes por ns mesmos, como seria o dom da razo para um animalou o dom da viso para uma planta. Essa alguma coisa chamada aqui em baixo degraa santificante. , diz o apstolo So Pedro, uma participao na natureza divina.E preciso que seja assim; pois, como acabamos de ver, em nenhum ser a operaoultrapassa, pode ultrapassar a natureza desse ser. Se um dia somos capazes de vera Deus, porque alguma coisa de divino ter sido depositada em ns, ter-se- tornadouma parte do nosso ser, e o ter elevado at torn-lo semelhante a Deus. Bem-amados, diz o apstolo So Joo, agora somos filhos de Deus, e aquilo que um diaseremos ainda no se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque ns O veremostal como Ele (I Jo., III, 2).

    Essa alguma coisa ns a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. Oapstolo So Joo a chama um germe (I Jo., III, 9), isto , o incio de uma vida. Era o

    que Nosso Senhor nos assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidadede um novo nascimento, de uma gerao para a nova vida: a vida que o Pai tem nElemesmo, que Ele d ao Filho, e que o Filho nos traz ao nos enxertar nEle pelo SantoBatismo. Essa palavra enxerto, que d uma imagem to viva de todo o mistrio, SoPaulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apstolos: Eu sou a videira, vssois os ramos. Assim como o ramo no pode dar fruto por si s, sem permanecer navideira, assim tambm vs, se no permanecerdes em Mim.

    Essas idias elevadas eram familiares aos primeiros cristos. O que o demonstra que os apstolos, quando levados a falar delas nas Epstolas, fazem-no como deuma coisa j conhecida. E de fato, foi assim que os ritos do batismo lhes foramapresentados em longas catequeses. Depois, as vestes brancas dos nefitos lhesdizia que eles comeavam uma vida nova, que relativamente a essa vida eles estavam

    nos dias da infncia: Filhos espirituais, era-lhes dito, como crianas recm-nascidas,desejai ardentemente o leite que deve alimentar vossa vida sobrenatural: o leite da fsem alterao, sine dolo lac concupiscite, e o leite da caridade divina. Quando odesenvolvimento do germe que recebestes tiver chegado a seu fim, essa f tornar-se- clara viso, essa caridade tornar-se- amor divino.

    Toda a vida presente deve tender a esse desabrochar, transformao do velhohomem, do homem da pura natureza e mesmo da natureza decada, em homemdeificado. Eis o que acontece aqui em baixo ao cristo fiel. As virtudes sobrenaturais,infundidas em nossa alma no batismo, desenvolvem-se a cada dia pelo exerccio quens lhes damos com os socorros da graa, e tornam assim a graa capaz dasatividades sobrenaturais que dever desdobrar no cu. A entrada no cu ser onascimento, assim como o batismo foi a concepo.

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    Assim so as coisas. Eis o que Jesus fez e a respeito do que Ele veio informar ognero humano. Desde ento a concepo da vida presente foi radicalmente mudada.O homem no estava mais sobre a terra para gozare morrer, mas para se prepararpara a vida do alto e merec-la.

    GOZAR, MERECER, so as duas palavras que caracterizam, que separam, queopem as duas civilizaes.

    Isto no quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado oshomens no pensaram em mais nenhuma outra coisa que no fosse a suasantificao. Eles continuaram a perseguir as finalidades secundrias da vidapresente, e a cumprir, na famlia e na sociedade, as funes que elas requerem e osdeveres que elas impem. Ademais, a santificao no se opera unicamente pelosexerccios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo atofeito com pureza de inteno. Tudo quanto fizerdes, diz o apstolo So Paulo, porpalavras ou por obras, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... Trabalhaipara agradar a Deus em todas as coisas, e dareis frutos em toda boa obra (Col., I, 10e III, 17).

    Alm disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecero at o fim dos

    tempos, as duas categorias de homens que a Santa Escritura to bem denomina: osbons e os maus. Todavia de se reparar que o nmero dos maus diminui e o nmerodos bons aumenta medida que a f adquire mais influncia na sociedade. Estes,porque tm a f na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem, observam a justia, soos benfeitores de seus irmos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a seguranae a paz. Aqueles, porque no tm f, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra,so egostas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem,eles so na sociedade uma causa de discrdia e de impedimento para a civilizao.

    Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrdulos,formam as duas cidades descritas por Santo Agostinho: O amor a si, que pode ir atao desprezo de Deus, constitui a sociedade comumente chamada o mundo; o amor aDeus, levado at ao desprezo de si mesmo, produz a santidade e povoa a vida

    celeste.

    medida que a nova concepo da vida trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo terra entrou nas inteligncias e penetrou nos coraes, a sociedade se modificou: onovo ponto de vista mudou os costumes, e, sob a presso das idias e dos costumes,as instituies se transformaram. A escravido desapareceu, e ao invs de se ver ospoderosos subjugarem seus irmos, viu-se-os se dedicarem at ao herosmo paraobter-lhes o po da vida presente, e tambm, e sobretudo, para obter-lhes o po davida espiritual, para elevar as almas e santific-las. A guerra no mais foi feita para seapoderar dos territrios de outrem, e conduzir homens e mulheres escravido, maspara quebrar os obstculos que se opunham expanso do reino de Cristo e obterpara os escravos do demnio a liberdade dos filhos de Deus.

    Facilitar, favorecer a liberdade dos homens e dos povos nos seus passos emdireo ao bem, tornou-se a finalidade para a qual as instituies sociais seencaminharam, seno sua finalidade expressamente determinada. E as almasaspiraram ao cu e trabalharam para merec-lo. A busca dos bens temporais pelogozo que deles se pode tirar no foi mais o nico nem mesmo o principal objeto daatividade dos cristos, pelo menos dos que estavam verdadeiramente imbudos doesprito do cristianismo, mas a busca dos bens espirituais, a santificao da alma, ocrescimento das virtudes, que so o ornamento e as verdadeiras delcias da vida daquide baixo, e ao mesmo tempo garantia da bem-aventurana eterna.

    As virtudes adquiridas pelos esforos pessoais se transmitiam pela educao deuma gerao a outra; e assim se formou pouco a pouco a nova hierarquia social,fundada no mais sobre a fora e seus abusos, mas sobre o mrito: em baixo,famlias que se detiveram na virtude do trabalho; no meio, aquelas que, sabendo juntarao trabalho a moderao no uso dos bens que ele lhes propicia, fundaram a

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    propriedade atravs da poupana; no alto, aquelas que, desembaraando-se doegosmo, se elevaram s sublimes virtudes da dedicao a outrem: povo, burguesia,aristocracia. A sociedade foi baseada e as famlias escalonadas sobre o mritoascendente das virtudes, transmitidas de gerao em gerao.

    Tal foi a obra da Idade Mdia. Durante seu curso, a Igreja realizou uma triplatarefa. Ela lutou contra o mal que provinha das diversas seitas do paganismo e odestruiu; ela transformou os bons elementos que se encontravam entre os antigosromanos e as diversas espcies de brbaros; enfim, Ela fez triunfar a idia que NossoSenhor Jesus Cristo dera da verdadeira civilizao. Para a chegar, Ela tinha-Seempregado primeiramente em reformar o corao do homem; da viera a reforma dafamlia, a famlia reformara o Estado e a sociedade: via inversa daquela que se querseguir hoje.

    Sem dvida, crer que, na ordem que acabamos de explanar, no tenha havidodesordem, seria se enganar. O antigo esprito, o esprito do mundo, que NossoSenhor havia anatematizado, jamais foi, jamais ser completamente vencido eaniquilado. Sempre, mesmo nas melhores pocas, ainda quando a Igreja obteve na

    sociedade a maior ascendncia, houve homens bons e homens maus; mas viam-se asfamlias subir em razo de suas virtudes ou declinar em razo de seus vcios; viam-seos povos distinguir-se entre si por suas civilizaes, e o grau de civilizao prender-ses aspiraes dominantes em cada nao: elas se elevavam quando essas aspiraesdepuravam e subiam; elas regrediam quando suas aspiraes levavam-nas emdireo ao gozo e ao egosmo. Entretanto, ainda que acontecesse que naes,famlias, indivduos se abandonassem aos instintos da natureza ou a eles resistissem,o ideal cristo permanecia sempre inflexivelmente mantido sob os olhos de todos pelaSanta Igreja.

    O impulso imprimido sociedade pelo cristianismo comeou a diminuir, dissemos,no sculo XIII; a liturgia o percebe e os fatos o demonstram. Inicialmente houve a

    paralisao, depois o recuo. Esse recuo, ou melhor, essa nova orientao, foi logo tomanifesta que recebeu um nome, a RENASCENA, renascena do ponto de vistapago na idia da civilizao. E com o recuo veio a decadncia. Tendo-se em contatodas as crises atravessadas, todos os abusos, todas as sombras no quadro, impossvel contestar que a histria da Frana a mesma observao vale para todaa repblica crist uma ascenso, como histria de uma nao, enquanto ainfluncia moral da Igreja domina, e que ela se torna uma queda, apesar de tudo o queessa queda s vezes tem de brilhante e de pico, desde que os escritores, os sbios,os artistas e os filsofos substituram a Igreja e A despojaram de seu domnio.2

    2Maurice Talmeyr.

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    CAPTULO III

    A RENASCENA, PONTO DE PARTIDADA CIVILIZAO MODERNA

    a sua admirvel introduo Vida de Santa Elisabete, Montalembert diz que o sculoXIII foi pelo menos no que concerne ao passado o apogeudacivilizao crist: Talvez jamais a Esposa de Cristo tenha reinado comum imprio to absoluto sobre o pensamento e sobre o corao dospovos... Ento, mais do que em nenhum outro momento desse rude

    combate, o amor de seus filhos, sua dedicao sem limites, sua quantidade e suacoragem a cada dia crescentes, os santos que Ela via eclodir diariamente entre eles,ofereciam a essa Me imortal foras e consolaes das quais Ela no foi cruelmenteprivada seno depois de muito tempo. Graas a Inocncio III, que continua a obra deGregrio VII, a cristandade uma vasta unidade poltica, um reino sem fronteira,

    habitado por mltiplas raas. Os senhores e os reis tinham aceitado a supremaciapontifcia. Foi preciso que viesse o protestantismo para destruir essa obra.

    Antes mesmo do protestantismo, um primeiro e rudssimo golpe foi dado nasociedade crist, a partir de 1308. O que constitua a fora dessa sociedade era,como diz Montalembert, a reconhecida e respeitada autoridade do Soberano Pontfice,o chefe da cristandade, o regularizador da civilizao crist. Essa autoridade foicontraditada, insultada e quebrada pela violncia e pela astcia do rei Filipe IV, naperseguio a que ele submeteu o Papa Bonifcio VIII; ela tambm foi diminuda pelacomplacncia de Clemente V relativamente a esse mesmo rei, que chegou at amudar a sede do Papado para Avignon em 1305. Urbano VI no deveria voltar aRoma seno em 1378. Durante esse longo exlio, os Papas perderam uma boa partede sua independncia e seu prestgio encontrou-se singularmente enfraquecido.Quando retornaram a Roma, aps setenta anos de ausncia, tudo estava pronto parao grande cisma do Ocidente, que iria durar at 1416, e que por um momento decapitouo mundo cristo.

    Desde ento, a fora comeou a avantajar-se sobre o direito, como antes deJesus Cristo. Viram-se as guerras retomar o carter pago de conquista e perder ocarter de libertao. A filha primognita, que tinha esbofeteado sua Me emAnagni, foi a primeira a sofrer as conseqncias de sua prevaricao: guerra dos CemAnos, Crcy, Poitiers, Azincourt. Em nossos dias, para no falar do que precedeu, aocupao de Roma, a ampliao da Prssia s custas de seus vizinhos, aimpassibilidade da Europa diante do massacre dos cristos pelos turcos, e a imolaode um povo cobia do imprio britnico, tudo isso muito pago.

    Pastor inicia com estas palavras sua Histria dos Papas na Idade Mdia:Deixada de lado a poca em que se operou a transformao da antiguidade pag

    no cristianismo, no h talvez poca mais memorvel que o perodo de transio queliga a Idade Mdia aos tempos modernos. Esse perodo foi chamado de Renascena.

    Ela se produziu numa poca de moleza, de decadncia quase geral da vidareligiosa, perodo lamentvel cujas caractersticas so, a partir do sculo XIV, oenfraquecimento da autoridade dos Papas, a invaso do esprito mundano no clero, adecadncia da filosofia e da teologia escolstica, uma espantosa desordem na vidapoltica e civil. Nessas circunstncias se colocavam sob os olhos de uma geraointelectual e fisicamente sobreexcitada, doentia sob todos os aspectos, as deplorveislies contidas na literatura antiga.

    Sob a influncia de uma admirao excessiva, poderamos dizer doentia, pelosencantos dos escritores clssicos, arvorava-se francamente o estandarte do

    N

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    paganismo; os seguidores dessa reforma pretendiam modelar tudo exatamente comona antiguidade, os costumes e as idias, restabelecer a preponderncia do espritopago e destruir radicalmente o estado de coisas existente, considerado por elescomo uma degenerescncia.

    A influncia desastrosa exercida na moral pelo humanismo, fez-se igualmentesentir cedo e de maneira assustadora no domnio da religio. Os seguidores daRenascena pag consideravam sua filosofia antiga e a f da Igreja como doismundos inteiramente distintos e sem nenhum ponto de contacto.

    Eles queriam que o homem tivesse a felicidade na terra, que todas as suasforas, toda a sua atividade fossem empregadas para buscar a felicidade temporal;diziam que o dever da sociedade era de se organizar de tal maneira que elaconseguisse chegar a oferecer a cada um o que pudesse satisfazer-lhe todos osdesejos e em todos os sentidos.

    Nada de mais oposto doutrina e moral crists.Os antigos humanistas, diz com muita razo Jean Jansen,1 no tinham menos

    entusiasmo pela herana grandiosa legada pelos povos da antiguidade do que tiverammais tarde seus sucessores. Antes destes, eles tinham visto no estudo da antiguidade

    um dos mais poderosos meios de educar com sucesso a inteligncia humana. Mas noseu pensamento os clssicos gregos e latinos no deviam ser estudados com oobjetivo de alcanar com eles e por eles o fim de toda educao. Eles entendiamdever coloc-los a servio dos interesses cristos; desejavam antes de mais nadachegar, graas a eles, a uma compreenso mais profunda do cristianismo e melhoriada vida moral. Mas pelos mesmos motivos os Padres da Igreja tinham recomendado eencorajado o estudo das lnguas antigas. A luta no comeou e no se tornounecessria seno quando os jovens humanistas rejeitaram toda a antiga cinciateolgica e filosfica por serem brbaras, pretenderam que toda noo cientfica seencontra contida unicamente nas obras dos antigos, entraram em luta aberta com aIgreja e o cristianismo, e muito freqentemente lanaram um desafio moral.

    A mesma observao vale para os artistas. A Igreja, diz o mesmo historiador,2

    colocara a arte a servio de Deus, chamando os artistas para cooperarem napropagao do reino de Deus sobre a terra e convidando-os a anunciar o Evangelhoaos pobres. Os artistas, respondendo fielmente a esse apelo, no erguiam o belosobre um altar para dele fazer um dolo, adorado por si mesmo; eles trabalhavampara a glria de Deus. Atravs de suas obras de arte eles desejavam despertar eaumentar nas almas o desejo e o amor dos bens celestes. Enquanto a arte conservouos princpios religiosos que a trouxeram luz, manteve-se em constante progresso.Mas na medida em que se evanesceram a fidelidade e a solidez dos sentimentosreligiosos, ela viu escapar-lhe a inspirao. Mais ela olhou para as divindadesestrangeiras, mais ela quis ressuscitar e dar uma vida artificial ao paganismo, e maistambm viu desaparecer sua fora criadora, sua originalidade; ela caiu enfim numasecura e numa aridez completas.3

    1L'Allemagne la fin du moyen ge, p. 50.2Ibid., p. 130.3 Emile Mle, que publicou estudos to sbios e to interessantes sobre a ARTE RELIGIOSA NOSCULO XIII e sobre a ARTE RELIGIOSA NO FIM DA IDADE MDIA, termina a segunda dessasobras com estas palavras: preciso reconhecer que o princpio da arte na Idade Mdia estava emcompleta oposio com o princpio da arte da Renascena. A Idade Mdia que terminava deixaraimpressos todos os aspectos humildes da alma: sofrimento, tristeza, resignao, aceitao da vontadedivina. Os santos, a Virgem, o prprio Cristo, freqentemente medocres, assemelhados ao povinho dosculo XV, no possuem outro brilho que no aquele que vem da alma. Essa arte de uma humildade

    profunda: o verdadeiro esprito do cristianismo est nela.

    Bem diferente a arte da Renascena: seu princpio oculto o orgulho. Doravante o homem basta a simesmo e aspira a ser um Deus. A mais alta expresso da arte o corpo humano sem vu: a idia de umaqueda, de uma decadncia do ser humano, que cativou durante tanto tempo os artistas do nu, nem mesmo

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    Sob a influncia desses intelectuais, a vida moderna tomou uma direointeiramente nova, que foi o oposto da verdadeira civilizao. Porque, como dissemuito bem Lamartine:

    Toda civilizao que no vem da idia de Deus falsa.Toda civilizao que no tende idia de Deus curta.Toda civilizao que no penetrada da idia de Deus fria e vazia.A ltima expresso de uma civilizao perfeita Deus melhor visto, melhor

    adorado, melhor servido pelos homens.4

    A mudana se operou primeiro nas almas. Muitos perderam a conceposegundo a qual todo o fim est em Deus, para adotar aquela que quer que tudo estejano homem. Ao homem decado e resgatado, disse com muita propriedade Briot, aRenascena ops o homem nem decado, nem resgatado, que se eleva umaadmirvel altura pelas simples foras de sua razo e de seu livre arbtrio. O coraono mais serviu para amar a Deus, o esprito para conhec-Lo, o corpo para servi-Lo,e mediante isso merecer a vida eterna. A noo superior que a Igreja tivera tantocuidado em estabelecer, e que Lhe custara tanto tempo, se obliterou neste, naquele,

    nas multides; como no tempo do paganismo, elas fizeram do prazer, do gozo, afinalidade da vida; elas procuraram os meios para obt-los na riqueza, e para adquiriresta no se tiveram mais tanto em conta os direitos de outrem. Para os Estados, acivilizao no foi mais a santidade de numerosos, e as instituies sociais meiosordenados para preparar as almas para o cu. Novamente eles encerraram a funoda sociedade no tempo, sem ateno para as almas feitas para a eternidade. Naquelapoca, como hoje, deram a isso o nome de progresso! Tudo nos anuncia, exclamavacom entusiasmo Campanello, a renovao do mundo. Nada impede a liberdade dohomem. Como se impediria a marcha e o progresso do gnero humano? Asnovasinvenes, a imprensa, a plvora, o telescpio, a descoberta do Novo Mundo etc.,vindo juntar-se ao estudo das obras da antiguidade, provocaram uma embriaguez deorgulho, que disse: a razo humana basta a si mesma para governar seus negcios na

    vida social e poltica. No temos necessidade de uma autoridade que sustente oucorrija a razo.Assim foi derrubada a noo sobre a qual a sociedade tinha vivido e em razo da

    qual ela havia prosperado a partir de Nosso Senhor Jesus Cristo.A civilizao renovada do paganismo agiu inicialmente sobre as almas isoladas,

    depois sobre a opinio pblica, depois sobre os costumes e as instituies. Seusestragos manifestaram-se em primeiro lugar na ordem esttica e intelectual: a arte, aliteratura e a cincia retiraram-se pouco a pouco do servio da alma para seempenharem na animalidade: fato que conduziu para dentro da ordem moral e daordem religiosa essa revoluo que foi a Reforma. Da ordem religiosa o esprito daRenascena ganhou a ordem poltica e social com a Revoluo. E ei-los que atacama ordem econmica com o socialismo. a que a civilizao pag devia chegar, a

    que ela encontrar seu fim, ou ns o nosso; seu fim, se o cristianismo retomar odomnio sobre os povos apavorados ou, melhor dizendo, acabrunhados pelos malesque o socialismo far pesar sobre eles; o nosso, se o socialismo puder levar at o fima experincia do dogma do livre gozo nesta terra e nos fizer sofrer todas asconseqncias.

    No entanto, isto no se fez e no continua sem resistncia. Uma multido dealmas permaneceu e permanece hoje ligada ao ideal cristo, e a Igreja est sempre

    se ps em seus espritos. Fazer do homem um heri resplendente de fora e beleza, que escapa s

    fatalidades da raa para se elevar at ao arqutipo, ignorando a dor, a compaixo, a resignao, eis aexatamente (com todas as espcies de nuanas), o ideal da Itlia do sculo XVI.4 Citado por Monsenhor Perraud, bispo de Autun, por ocasio das festas do centenrio do poeta.

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    presente para mant-lo e trabalhar pelo seu triunfo. Da o conflito que, no seio dasociedade, dura mais de cinco sculos, e que hoje chegou ao estado agudo.

    A Renascena , pois, o ponto de partida do estado atual da sociedade. Tudoquanto sofremos vem da. Se queremos conhecer nosso mal e tirar desseconhecimento o remdio radical para a situao presente, preciso remontar Renascena.5

    E no obstante, os Papas a favoreceram, ela que foi o ponto de partida dacivilizao dita moderna! Impe-se uma palavra de explicao.

    Os Padres da Igreja, dissemos, haviam recomendado o estudo das literaturasantigas, e isto por duas razes: eles encontravam nelas um excelente instrumento decultura intelectual, e delas faziam um pedestal para a Revelao; assim, a razo osuporte da f.

    Fiis a essa orientao, a Igreja, e em particular os monges, colocaram todos osseus cuidados em salvar do naufrgio da barbrie os autores antigos, em copi-los,em estud-los, e em faz-los servir demonstrao da f.

    Era, pois, inteiramente natural que, quando comeou na Itlia a renovao

    literria e artstica, os Papas a ela se mostrassem favorveis.s vantagens acima assinaladas, eles viram acrescentarem-se outras, de umcarter mais imediatamente til quela poca. Desde a metade do sculo XIIIconsecutivas tratativas tinham sido mantidas entre o Papado e o mundo grego paraobter o retorno das Igrejas do Oriente Igreja romana. De um lado e de outroenviavam-se embaixadas. O conhecimento do grego era necessrio para argumentarcontra os cismticos e oferecer-lhes a luta no seu prprio terreno.

    A queda do imprio bizantino ensejou oportunidade para um novo e decisivoimpulso desse gnero de estudos. Os sbios gregos, trazendo para o Ocidente ostesouros literrios da antiguidade, excitaram um verdadeiro entusiasmo pelas letraspags, e esse entusiasmo no se manifestou em nenhum outro lugar tanto como entreas pessoas da Igreja. A imprensa veio a propsito para multiplic-los e para tornar a

    aquisio infinitamente menos onerosa.Enfim, a inveno do telescpio e a descoberta do Novo Mundo abriam aospensamentos os mais largos horizontes. Ainda aqui vemos os Papas, e primeiramenteos de Avignon, com seu zelo em enviar missionrios aos pases longnquos,oferecerem um novo estmulo fermentao dos espritos, boa no seu princpio, masda qual abusou o orgulho humano, como em nossos dias vemo-lo abusar dosprogressos das cincias naturais.

    Os Papas, pois, foram levados, por toda sorte de circunstncias providenciais, achamar e a fixar perto deles os representantes renomados do movimento literrio eartstico de que eram testemunhas. Disso fizeram um dever e uma honra.Prodigalizaram as encomendas, as penses, as dignidades queles cujos talentos oselevavam acima dos outros. Infelizmente, com o olhar posto no objetivo que queriam

    alcanar, no tomaram suficiente cuidado com a qualidade das pessoas que assimencorajavam.

    Petrarca, que concordamos em chamar o primeiro dos humanistas, encontrouna corte de Avignon a mais alta proteo, e ali recebeu o cargo de secretrioapostlico. Desde ento se estabeleceu na corte pontifcia a tradio de reservar asaltas funes de secretrio apostlico aos escritores mais renomados, de maneira queesse colgio logo se tornou um dos focos mais ativos da Renascena. Ali foram vistossantos religiosos, tais como o camaldulense Ambroise Traversari, mas infelizmente

    5 Jean Guiraud, professor da Faculdade de Letras de Besanon, que acaba de publicar um excelente livro

    sob o ttuloLEglise et les Origines de la Renaissance, servir-nos- de guia para relembrar sumariamenteo que aconteceu naquela poca. Esse volume faz parte da Biblioteca de Ensino da Histria Eclesistica,publicada por Lecoffre.

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    tambm grosseiros epicrios como Pogge, Filelfe, o Arentino e muitos outros. Apesarda piedade, apesar mesmo da austeridade pessoal com que os Papas dessa pocaedificaram a Igreja,6 eles no souberam, em razo da atmosfera que os envolvia,defender-se de uma condescendncia demasiadamente grande para com escritoresque, apesar de estarem a servio deles, logo se tornaram, por causa do declive aoqual se abandonaram, os inimigos da moral e da Igreja. Essa condescendnciaestendeu-se s prprias obras, se bem que, tudo somado, elas fossem a negao docristianismo.

    Todos os erros que depois perverteram o mundo cristo, todos os atentadosperpetrados contra as suas instituies, tiveram a sua fonte; podemos dizer que tudoisto a que assistimos foi preparado pelos humanistas. Eles so os iniciadores dacivilizao moderna. J Petrarca havia haurido no comrcio da antiguidadesentimentos e idias que teriam afligido a corte pontifcia, se esta tivesse medido asconseqncias. Ele, verdade, sempre se inclinou diante da Igreja, de Suahierarquia, de Seus dogmas, de Sua moral; mas no foi assim com os que osucederam, e pode-se dizer que foi ele quem os colocou na via ruim na qual se

    embrenharam. Suas crticas contra o governo pontifcio autorizaram Valla a minar opoder temporal dos Papas, a denunci-los como inimigos de Roma e da Itlia, aapresent-los como os inimigos dos povos. Ele foi mesmo at negao daautoridade espiritual dos Soberanos Pontfices na Igreja, recusando aos Papas odireito de se chamarem vigrios de Pedro. Outros apelaram ao povo ou aoimperador para restabelecerem seja a repblica romana, seja a unidade italiana, sejaum imprio universal: coisas essas que, todas, vemos nos dias atuais, tentadas(1848), realizadas (1870) ou apresentadas como o objetivo das aspiraes da franco-maomaria.

    Alberti preparou uma outra espcie de atentado, o mais caracterstico dacivilizao contempornea. Jurista e literato, comps um tratado do Direito. Aproclamava que a Deus deve ser deixado o cuidado das coisas divinas, e que as

    coisas humanas so da competncia do juiz. Era, como observa Guiraud, proclamaro divrcio da sociedade civil e da sociedade religiosa; era abrir os caminhos quelesque querem que os governos no persigam seno os fins temporais e permaneamindiferentes aos espirituais, defendam os interesses materiais e deixem de lado as leissobrenaturais da moral e da religio; era afirmar que os poderes terrestres soincompetentes ou devem ser indiferentes em matria religiosa, que eles no tm queconhecer a Deus, que eles no tm que fazer observar Suas leis. Era, numa palavra,formular a grande heresia do tempo presente, e arruinar pela base a civilizao dossculos cristos. O princpio proclamado por esse secretrio apostlico encerrava ogerme de todas as teorias que nossos modernos defensores da sociedade laicaatribuem a si. Bastava deixar esse princpio se desenvolver para chegar a tudo quehoje testemunhamos com tristeza.

    Atacando assim a base da sociedade crist, os humanistas derrubavam aomesmo tempo no corao do homem a noo crist do seu destino. O cu, escrevia

    6 Martinho V teve um gosto constante pela justia e pela caridade. Sua devoo era grande; dela deuprovas incontestveis por diversas vezes, sobretudo quando trouxe de stia as relquias de Santa Mnica.Ele suportou com uma resignao profundamente crist, uma aps a outra, as mortes entre as suas maiscaras afeies, que vieram afligi-lo. Desde sua juventude distribura a maior parte de seus bens aos

    pobres.Eugnio IV conservou no trono pontifcio seus hbitos austeros de religioso. Sua simplicidade e sua

    frugalidade fizeram-no merecer de sua equipe o apelido de Abstenius. com razo que Vespasianocelebra a santidade de sua vida e de seus costumes.

    Nicolau V quis ter na sua intimidade o espetculo contnuo das virtudes monsticas. Para isso, chamoupara perto de si Nicolas de Cortone e Laurent de Mantoue, dois cartuxos, com os quais gostava de seentreter a respeito das coisas do cu em meio s torturas de sua ltima doena.

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    Collacio Salutati, nos seus Travaux d'Hercule, pertence de direito aos homensenrgicos que sustentaram grandes lutas ou realizaram grandes trabalhos sobre aterra. Extraram-se desse princpio as decorrentes conseqncias. O ideal antigo enaturalista, o ideal de Zenon, de Plutarco e de Epicuro, consistia em multiplicar aoinfinito as energias de seu ser, desenvolvendo harmoniosamente as foras do espritoe as do corpo. Este tornou-se o ideal que os fiis da Renascena adotaram, na suaconduta, assim como nos seus escritos, em substituio s aspiraes sobrenaturaisdo cristianismo. Este foi, nos dias de hoje, o ideal que Friedrich Nietzsche levou aoextremo, gabando a fora, a energia, o livre desenvolvimento de todas as paixes, quedevem fazer o homem chegar a um estado superior quele em que ele se encontra,que devem produzir o super-homem.7

    Para esses intelectuais, e para aqueles que os escutaram, e para aqueles que atnossos dias fizeram-se seus discpulos, a ordem sobrenatural foi, mais ou menoscompletamente, posta de lado; a moral tornou-se a satisfao dada a todos osinstintos; o gozo sob todas as formas foi o objeto de suas pretenses. A glorificaodo prazer era o tema preferido das dissertaes dos humanistas. Laurent Vallaafirmava no seu tratado De Voluptateque o prazer o verdadeiro bem, e que no h

    outros bens fora do prazer. Essa convico levou-o, a ele e a muitos outros, aescrever em poesia as piores licenciosidades. Assim eram prostitudos os talentosque deveriam ter sido empregados em vivificar a literatura e a arte crists.

    Sob todos os aspectos ocorria o divrcio entre as tendncias da Renascena e astradies do cristianismo. Enquanto a Igreja continuava a pregar a decadncia dohomem, a afirmar sua fraqueza e a necessidade de um socorro divino para ocumprimento do dever, o humanismo tomava a dianteira relativamente a Jean-JacquesRousseau para proclamar a bondade da natureza: ele deificava o homem. Enquanto aIgreja assinalava uma razo e um fim sobrenaturais para a vida humana, colocandoem Deus o termo do nosso destino, o humanismo, repaganizado, limitava a estemundo e ao prprio homem o ideal da vida.

    Da Itlia, o movimento ganhou as outras partes da Europa.Na Alemanha, o nome de Reuchlin foi, sem que esse sbio o soubesse, o grito de

    guerra de todos os que trabalharam para destruir as ordens religiosas, a escolstica e,no final das contas, a prpria Igreja. Sem o escndalo que se fez ao seu redor, Luteroe seus discpulos jamais teriam ousado sonhar o que fizeram.

    Nos Pases Baixos, Erasmo preparou, ele tambm, os caminhos da Reforma comseu Elogio da Loucura. Lutero nada fez alm de proclamar bem alto edescaradamente executar o que Erasmo no cessara de insinuar.

    A Frana tinha igualmente se apressado em acolher em seu territrio as letrashumanistas; elas no produziram a, pelo menos na ordem das idias, efeitos toruins. No se passou da mesma forma com os costumes. Desde que os costumes

    dos estrangeiros comearam a nos agradar diz o grande chanceler de Vair, quepresenciou aquilo sobre o que ele falaos nossos se perverteram e se corromperamde tal maneira que podemos dizer: H muito tempo no somos mais franceses.

    Em nenhuma parte os chefes da sociedade tiveram suficiente clarividncia pararealizar a separao do que havia de so e do que havia de infinitamente perigoso nomovimento de idias, de sentimentos, de aspiraes, que recebeu o nome deRenascena. De maneira que por toda a parte a admirao pela antiguidade pagpassou da forma ao fundo, das letras e das artes civilizao. E a civilizao

    7 A glorificao daquilo que os americanos chamam virtudes ativas parece tambm provir da, porintermdio do protestantismo.

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    comeou a se transformar para tornar-se o que ela hoje, esperando ser como seapresentar amanh.

    Deus, no entanto, no deixou Sua Igreja sem socorro nesta, como em nenhumaoutra provao. Santos, entre outros So Bernardino de Siena, no cessaram deadvertir e de mostrar o perigo. Eles no foram ouvidos. E foi por isso que aRenascena engendrou a Reforma e a Reforma a Revoluo, cujo objetivo aniquilara civilizao crist para substitu-la em todo o universo pela civilizao dita moderna.

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    CAPTULO IV

    A REFORMA,

    FILHA DA RENASCENA

    o seu livro La Rforme en Allemagne et en France , um antigomagistrado, o conde J. Boselli, conta que Paulin Paris, um dos sbiosmais eruditos sobre a Idade Mdia e um dos que melhor a conheceram,disse um dia em sua presena a um interlocutor que se espantava da

    grande diferena entre a Frana moderna e aquela de outrora, obscurecida pelastrevas da Idade Mdia: Desenganai-vos, a Idade Mdia no era to diferente dostempos modernos, como credes; as leis eram diferentes, assim como os usos e oscostumes, mas as paixes humanas eram as mesmas. Se um de ns fosse

    transportado para a Idade Mdia veria ao seu redor trabalhadores, soldados, padres,economistas, desigualdades sociais, ambies, traies. O QUE MUDOU FOI OOBJETIVO DA ATIVIDADE HUMANA. No se poderiadizer de melhor maneira. Oshomens da Idade Mdia eram da mesma natureza que a nossa, natureza inferior dosanjos e, ademais, decada. Eles tinham nossas paixes, deixavam-se, como ns,arrastar por elas, freqentemente a excessos mais violentos. Mas o objetivo era avida eterna: os usos, as leis e os costumes inspiravam-se nela; as instituiesreligiosas e civis dirigiam os homens para seu fim ltimo, e a atividade humana sedirigia, em primeiro lugar, melhoria do homem interior.

    Hojee a est o fruto, o produto da Renascena, da Reforma e da Revoluo, o ponto de vista mudou, o fim no mais o mesmo; o que desejado, o que procurado, no pelos indivduos isoladamente, mas pelo impulso dado toda aatividade social, a melhoria das condies da vida presente para chegar a um maiore mais universal gozo. O que conta como progresso no o que contribui para umamaior perfeio moral do homem, mas o que aumenta seu domnio sobre a matria ea natureza, a fim de coloc-las mais completa e docilmente a servio do bem-estartemporal.

    Para alcanar esse bem-estar foram sucessivamente proclamadas aindependncia da razo relativamente Revelao, a independncia da sociedadecivil relativamente Igreja, a independncia da moral relativamente lei de Deus: trsetapas na via do PROGRESSO perseguido pela Renascena, pela Reforma e pelaRevoluo.

    No se deve crer que os humanistas, literatos e artistas, cujas aberraes vimosdo trplice ponto de vista intelectual, moral e religioso, no formassem seno pequenoscenculos fechados, sem eco, sem ao no exterior. Inicialmente, os artistas falavam vista de todos; e quando, para ficar apenas neste exemplo, Filarte tomouemprestada mitologia a decorao das portas de bronze da baslica de So Pedro,ele certamente no edificou o povo que por ali passava. Ademais, era na corte dosprncipes que os humanistas tinham suas academias; era ali que compunham seuslivros; era ali que espalhavam suas idias, que estabeleciam seus costumes; e sempre do alto que desce todo mal e todo bem, toda perverso assim como todaedificao.

    No h, pois, motivo para espanto se a Reforma, que foi uma primeira tentativade aplicao prtica das novas idias formuladas pelos humanistas, foi recebida e

    propagada com tanto ardor pelos prncipes na Alemanha e em outras partes e se elaencontrou no povo acolhimento to fcil.

    N

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    A resistncia foi muito fraca na Alemanha; foi mais vigorosa na Frana. Ocristianismo tinha penetrado mais profundamente nas almas de nossos pais do queem qualquer outro lugar; combatido na sua teoria pelos humanistas, ele sobreviveumais tempo na maneira de viver, de pensar e de sentir. Da, entre ns, uma luta maisencarniada e mais prolongada. Ela comeou pelas guerras de religio, continuou naRevoluo, ela dura sempre, como muito bem assinalou Waldeck-Rousseau. Atravsde meios diversos dos do incio, continua sempre o conflito entre o esprito pago, quequer renascer, e o esprito cristo, que quer se manter. Hoje, como desde o primeirodia, um e outro querem triunfar sobre o adversrio: o primeiro, pela violncia que fechaas escolas livres, despoja e exila os religiosos e ameaa as igrejas; o segundo, pelorecurso a Deus e pela continuidade do ensino cristo por todos os meios quepermanecem sua disposio.

    As diversas peripcias desse longo drama mantm em expectativa o cu, a terrae o inferno; porque se a Frana decidir-se por rejeitar o veneno revolucionrio, elarestaurar no mundo inteiro a civilizao que ela foi a primeira a compreender, aadotar e a propagar. Se ela sucumbir, o mundo ter tudo a temer.

    O protestantismo veio-nos da Alemanha e sobretudo de Genebra. Ele foi bemdenominado. Era impossvel qualificar a Reforma de Lutero com uma palavradiferente de protesto, porque ela protesto contra a civilizao crist, protesto contra aIgreja que fundara essa civilizao, protesto contra Deus, do qual essa civilizaoemanava. O protestantismo de Lutero o eco sobre a terra do Non serviam deLcifer. Ele proclama a liberdade, a dos rebeldes, a de Sat: o liberalismo. Ele dizaos reis e aos prncipes: Empregai vosso poder para sustentar e para fazer triunfarminha revolta contra a Igreja e eu vos entrego toda a autoridade religiosa.1

    Tudo o que a Reforma tinha recebido da Renascena e que ela devia transmitir Revoluo est contido nesta palavra: Protestantismo.

    Comunicado de indivduo a indivduo, o protestantismo logo ganhou provnciaaps provncia. O historiador alemo e protestante Ranke, diz qual foi seu grande

    meio de seduo: o desregramento moral, que a Renascena havia colocado em lugarde honra. Muitas pessoas abraaram a Reforma, diz ele, com a esperana de queela lhes asseguraria uma maior liberdade na conduta privada. Com efeito, existeentre o catolicismo e o protestantismo, tal como pregou Lutero, uma diferena radicalsob esse aspecto. O catolicismo promete recompensas futuras para a virtude eameaa o vcio com castigos eternos; por a, ele pe o mais poderoso freio s paixeshumanas. A Reforma vinha prometer o paraso a todo o homem, mesmo ao maiscriminoso, com a nica ressalva de um ato de f interior para a justificao pessoal,por imputao dos mritos de Cristo. Se, pelo s efeito dessa persuaso, que fcilde se conceder, os homens recebem a garantia de ir ao paraso, mesmo continuandoa se entregarem ao pecado, e mesmo ao crime, muito tolo seria aquele querenunciasse a obter aqui em baixo tudo o que encontra sua disposio.

    A presena, num pas profundamente catlico, de pessoas que tm essesprincpios e se esforam em propag-los devia j causar algum transtorno ao Estado;esse transtorno se tornou profundo quando o protestantismo no mais se contentouem pregar aos indivduos a f sem as obras, mas se sentiu suficientemente forte paraquerer se apoderar do reino a fim de arranc-lo de suas tradies e de mold-lo a seumodo.

    A partir de Clvis, o catolicismo no tinha deixado um s dia de ser a religio doEstado. Das tradies carolngeas e merovngeas foi a nica conservadacompletamente intacta at a Revoluo. Durante meio sculo os protestantestentaram separar de sua Me a filha primognita da Igreja; usaram alternadamente a

    1 uvres de Luther, XII, 1522 e XI, 1867.

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    astcia e a fora para se apoderarem do governo, para colocar o povo francs tocatlico sob o jugo dos reformadores, como acabavam de fazer na Alemanha, naInglaterra, na Escandinvia. Estiveram prestes a conseguir.

    Aps a morte de Francisco de Guise, os huguenotes eram senhores de todo oMidi. No hesitaram, pois, para se assenhorearem do restante, em apelar aosalemes e aos ingleses, seus correligionrios. Aos ingleses eles entregaram o Havre;aos alemes prometeram a administrao dos bispados de Metz, Toul e Verdun. 2Enfim, com la Rochelle, eles mesmos tinham criado materialmente um Estado dentrodo Estado. Sua inteno era substituir a monarquia crist por um governo e umgnero de vida modelados segundo os de Genebra, quer dizer, a repblica.3 Oshuguenotes, diz Tavannes, esto a caminho de fundar uma democracia. O planopara isso tinha sido traado em Barn, e os Estados do Languedoc reclamavam suaexecuo em 1573. O jurista protestante Franois Hatman exerceu sobre os espritos,no sentido democrtico, uma grande influncia com seu livro Franco-Gallia, 1573. Elecoloca a servio das teorias republicanas uma histria sua maneira, para conduzir,com grande reforo de textos e de afirmaes, os franceses sua constituioprimitiva. A soberana e principal administrao do reino, dizia ele, pertence geral e

    solene assemblia dos trs Estados. O rei reina, mas no governa. O Estado, aRepblica tudo, o rei quase nada. Ele joga seu leitores na plena soberania do povo.

    O Franco-Gallia teve uma repercusso enorme. Os panfletrios huguenotesplagiaram-no, um melhor que o outro. O sistema exposto nesse livro a democraciatal como compreendida hoje em dia. Essa forma de governo, dando aos agitadoresfcil acesso aos primeiros cargos do Estado, propicia-lhes o poder para propagaremsuas doutrinas; ao mesmo tempo, ela d melhor resposta s idias de independnciaque estavam no fundo da Reforma, ao direito que a Renascena queria conferir aohomem para que se dirigisse por ele mesmo em direo ao ideal de felicidade que elalhe apresentava.

    A Frana, por causa dos huguenotes, estava beira do abismo.

    A situao no era menos crtica para a Igreja Catlica. Ela acabava de perder aAlemanha, a Escandinvia, a Inglaterra e a Sua; os Pases Baixos se insurgiamcontra Ela. A apostasia da Frana, se viesse a confirmar-se, devia causar no mundointeiro o escndalo mais pernicioso e o mais profundo abalo: tanto mais que aEspanha deveria segui-la. O objetivo mais constante de todo o partido protestante,para o qual Coligny no cansou de trabalhar, era arrastar a Frana para uma liga geralcom todos os Estados protestantes, para esmagar a Espanha, nica grande naocatlica que permaneceu poderosa. Isto teria sido a runa completa da civilizaocrist.

    Deus no o permitiu e a Frana tambm no. Os Valois fraquejavam, hesitavam,adotavam variaes na sua poltica. A Liga nasceu para tomar em suas mos a

    2Ver Ranke.3Hanotaux (Histoire du cardinal de Richelieu, t. XII, 2 parte, p. 184), justifica assim a revogao doedito de Nantes:

    A Frana no podia ser forte enquanto encerrasse no seu seio, em plena paz, um corpo organizado, emp de guerra, com chefes independentes, quadros militares, praas de segurana, oramento e justia parte, sempre armado, pronto a entrar em campanha. Seria preciso reconhecer a existncia de um Estadodentro do Estado? Podia-se admitir que numerosos e ardentes franceses tivessem sempre a ameaa na

    boca e a rebelio no corao? Tolerar-se-ia seu perptuo e insolente recurso ao estrangeiro? Um Estado

    no pode subsistir, se est assim dividido contra si mesmo. Para assegurar a unidade do reino, paraarrebanhar todas as foras nacionais em razo das lutas externas que se preparavam, era preciso minar ocorpo de huguenotes na Frana ou conduzi-lo composio.

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    defesa da f, para mant-la na nao e no governo do pas. Os catlicos, queformavam agora a quase totalidade dos franceses,4 quiseram ter chefesabsolutamente inquebrantveis em sua f. Escolheram a Casa de Guise. Emqualquer apreciao que se faa sobre as guerras de religio, diz Boselli, impossveldesconhecer que a Casa de Guise foi, durante todo esse perodo, a prpriaencarnao da religio do Estado, do culto nacional e tradicional ao qual tantosfranceses permaneciam unidos. Ela personificou a idia da fidelidade catlica. OsGuise provavelmente ter-se-iam tornado reis de Frana se Henrique III se tivesse feitoprotestante, ou se Henrique IV no se tivesse feito catlico.

    Deus quis conservar Frana sua estirpe real, como Ele havia feito uma primeiravez pela misso dada a Joana d'Arc. O herdeiro do trono, segundo a lei slica, eraHenrique de Navarra, aluno de Coligny, protestante e chefe dos protestantes. Deusmudou seu corao. A Frana recobrou a paz, e Lus XIII e Lus XIV recolocaramnosso pas no caminho da civilizao catlica. Digamos, entretanto, que esse ltimocometeu essa falta, que por si devia ter graves conseqncias, de desejar adeclarao de 1682. Ela trazia nos seus flancos a constituio civil do clero, ela

    comeava a obra, nefasta entre todas, da secularizao que prossegue hoje at ssuas ltimas conseqncias.

    Lus XV, que se abandonou aos usos da Renascena, viu a obra dedescristianizao iniciada pela Reforma ser retomada por Voltaire e pelosenciclopedistas precursores de Robespierre, ancestrais daqueles que nos governamatualmente. Taine disse com muita propriedade: A Reforma no seno ummovimento particular dentro de uma revoluo que comeou antes dela. O sculo XIVabre o caminho; e depois, cada sculo se ocupa apenas a preparar, na ordem dasidias, novas concepes, e, na ordem prtica, novas instituies. Desde aqueletempo, a sociedade no mais reencontrou seu guia na Igreja, nem a Igreja Suaimagem na sociedade.5

    4Os protestantes eram apenas quatrocentos mil em 1558. o nmero que d o historiador protestanteRanke. Castelnau, testemunha bem informada, vai mais longe; afirma que os protestantes estavam para o

    resto da nao na proporo de 1 para 100. Os catlicos viram seu pas devastado durante cinqenta anospor esse punhado de calvinistas.5tudes sur les barbares et le moyen ge, p. 374-375.

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    CAPTULO V

    A REVOLUOINSTITUI O NATURALISMO

    protestantismo fracassara; a Frana, aps as guerras de religio, semantivera catlica. Mas um mau fermento fora depositado em seu seio.Sua fermentao produziu, alm da corrupo dos costumes, trs

    txicos de ordem intelectual: o galicanismo, o jansenismo e o filosofismo. A aodesses elementos sobre o organismo social acarretou a Revoluo, segundo e muitomais terrvel assalto contra a civilizao crist.

    Como a concluso deste livro demonstrar, todo o movimento imprimido cristandade pela Renascena, pela Reforma e pela Revoluo um esforo satnicopara arrancar o homem da ordem sobrenatural estabelecida por Deus na origem erestaurada por Nosso Senhor Jesus Cristo, e confin-lo no naturalismo.

    Como tudo era cristo na constituio francesa, tudo estava por ser destrudo. ARevoluo empenhou-se conscienciosamente nisso. Em alguns meses ela fez tbularasa do governo da Frana, de suas leis e de suas instituies. Ela queria moldar umpovo novo: a expresso que se encontra, em cada pgina, sob a pena dos relatoresda Conveno; mais ainda: refazer o prprio homem.

    Assim, os convencionais, de conformidade com a concepo que a Renascenadera aos destinos humanos, no limitaram sua ambio Frana; quiseram inocular aloucura revolucionria nos povos vizinhos, em todo o universo. Sua ambioconsistia em derrubar o edifcio social para reconstrui-lo. A Revoluo, dizia Thuriot Assemblia Legislativa em 1792, no somente para a Frana; ns somosresponsveis perante a humanidade. Siys dissera antes dele, em 1788: Alcemo-

    nos bruscamente ambio de querer, ns mesmos, servir de exemplo s naes.

    1

    E Barrre, no momento em que os Estados-Gerais se reuniam em Versalhes: Vssois, disse ele, chamados a recomear a histria.

    V-se o caminho que a idia da Renascena trilhou; o quanto ela se mostravamais aperfeioada no seu desenvolvimento e mais audaciosa no seu empreendimentopor ocasio da Revoluo, do que ela tinha parecido, dois sculos antes, por ocasioda Reforma.

    No seu nmero de abril de 1896, o Le Mondemanico dizia: Quando aquilo quefoi olhado durante muito tempo como um ideal se realiza, os horizontes mais largos deum novo ideal oferecem atividade humana, sempre em marcha em direo a umfuturo melhor, novos campos de explorao, novas conquistas a realizar, novasesperanas a perseguir.

    Isto verdadeiro no caminho do bem. Como diz o Salmista, o justo dispsdegraus em seu corao para se elevar at perfeio que ele ambiciona.2 Isto igualmente verdadeiro relativamente ao mal.

    Os homens da Renascena no dirigiram seus olhares pelo menos nem todos to longe quanto os da Reforma. Os homens da Reforma foram ultrapassadospelos da Revoluo. A Renascena tinha deslocado o lugar da felicidade e mudadosuas condies: ela havia declarado que via esse lugar neste mundo inferior. Aautoridade religiosa permanecia para afirmar: Vs vos enganais; a felicidade est noCu. A Reforma afastou a autoridade, mas manteve o livro das Revelaes divinas,que conservava a mesma linguagem. O Filosofismo negou que Deus tivesse algum

    1 Qu'est-ce que le Tiers-Etat?2 Salmo LXXXIII, 6-7.

    O

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    dia falado aos homens, e a Revoluo se esforou em negar Seus testemunhos desangue, a fim de poder estabelecer livremente o culto da natureza.

    O Journal des Dbats, em um de seus nmeros de abril de 1852, reconhecia essafiliao: Ns somos revolucionrios; mas somos filhos da Renascena e da filosofiaantes de sermos filhos da Revoluo.

    intil que nos estendamos longamente sobre a obra empreendida pelaRevoluo. O Papa Pio IX caracterizou-a em uma palavra, na Encclica de 8 dedezembro de 1849: A Revoluo inspirada pelo prprio Sat; seu objetivo destruir,dos fundamentos cpula, o edifcio do cristianismo e reconstruir sobre suas runas aordem social do paganismo. Ela destruiu primeiramente a ordem eclesistica.Durante cento e vinte anos e mais, segundo a expresso enrgica de Taine, o clerotrabalhara para a construo da sociedade, como arquiteto e como pedreiro,inicialmente sozinho, depois quase sozinho; puseram-no na impossibilidade decontinuar essa obra, pretendeu-se p-lo na impossibilidade de jamais retom-la. Emseguida suprimiu-se a realeza, o elo vivo e perptuo da unidade nacional, a repressorade tudo quanto pretendia atingir essa unidade. Desembaraaram-se da nobreza,

    guardi das tradies, e das corporaes de trabalhadores, estas tambmconservadoras do passado. Depois, tendo sido afastadas todas estas sentinelas,puseram mos obra, muitos para destruir, o que era fcil, poucos para reedificar, oque era menos fcil.

    No queremos traar aqui o quadro dessas runas e dessas construes.Dizemos somente que, no que concerne ao edifcio poltico, a revoluo apressou-seem proclamar a Repblica, que a Renascena sonhara para a prpria Roma, com aqual os protestantes tinham desejado substituir a monarquia francesa, e que hojerealiza to bem as obras da franco-maomaria.

    Discpulos de J.-J. Rousseau, os convencionais de 1792 deram como fundamentodo novo edifcio o princpio segundo o qual o homem bom por natureza; em cima,levantaram a trilogia manica: liberdade, igualdade, fraternidade. Liberdade para

    todos e para tudo, posto que no homem s h bons instintos; igualdade, porque,igualmente bons, os homens tm direitos iguais em tudo; fraternidade, ou ruptura detodas as barreiras entre indivduos, famlias, naes, para deixar o gnero humano seabraar numa Repblica universal.

    Em matria de religio, organizou-se o culto da natureza. Os humanistas daRenascena tinha-na chamado com seus desejos. Os protestantes no tinhamousado empurrar a Reforma at esse ponto. Nossos revolucionrios o tentaram.

    Eles no chegaram de uma s vez a esse excesso. Eles comearam porconvidar o clero catlico para suas festas.

    Talleyrand presidiu, em 14 de julho de 1790, a grande Festa da Federao,rodeado por 40 capeles da guarda nacional, que sobre suas alvas portavam faixastricolores, com uma orquestra de 1.800 msicos, na presena de 25.000 deputados e

    de 400.000 espectadores. Mas logo ele no quis nem mesmo essas exibies, maispatriticas que religiosas: No convm, dizia, que a religio comparea a festaspblicas, mais religioso afastar-se delas.

    Posto de lado o culto nacional, era preciso procurar um outro. Mirabeau propsum, muito abstrato: O objeto de nossas festas nacionais, disse, deve ser somente oculto da liberdade e o culto da lei.

    Isto pareceu pouco. Boissy-d'Anglas lamentou em alta voz o tempo em que asinstituies polticas e religiosas prestavam mtuo socorro, em que uma religiobrilhante se apresentava com dogmas que prometiam o prazer e a felicidade,ornada com todas as cerimnias que tocam os sentidos, com as fices mais risveis,com as mais suaves iluses.

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    Seus desejos no tardaram em ser atendidos. Uma religio foi fundada, tendoseus dogmas, seus padres, seus domingos, seus santos. Deus foi substitudo peloSer supremo e pela deusa Razo, o culto catlico pelo culto da Natureza.3 o quedeseja atualmente a Aliana Israelita Universal, para isso que ela trabalha, o queela tem a misso de estabelecer no mundo, apenas com menos precipitao e commais astcia.

    Nada poderia melhor convir s aspiraes dos humanistas da Renascena. Nafesta de 19 de agosto de 1793, uma esttua da Natureza foi levantada na praa daBastilha, e o presidente da Conveno, Hrault de Schelles, endereou-lhe estahomenagem em nome da Frana oficial: Natureza, soberana dos selvagens e dasnaes esclarecidas, este povo imenso, reunido desde os primeiros clares do diadiante de tua imagem, digno de ti. Ele livre; foi no teu seio, foi nas tuas fontessagradas, que ele recobrou seus direitos, que ele se regenerou. Aps ter atravessadotantos sculos de erros e de servido, era preciso reentrar na simplicidade de tuasvias para reencontrar a liberdade e a igualdade. Natureza, recebe a expresso daafeio eterna dos franceses por tuas leis!

    A ata do evento acrescenta: Em seguida a essa espcie de hino, nica orao,

    desde os primeiros sculos do gnero humano, endereada Natureza pelosrepresentantes de uma nao e por seus legisladores, o presidente encheu uma taa,de forma antiga, com gua que corria do seio da Natureza: com ela fez libaes aoredor da Natureza, bebeu um pouco da taa e a apresentou aos enviados do povofrancs. Como se v, o culto completo: orao, sacrifcio, comunho.

    Com o culto, as instituies. pelas instituies, escrevia o ministro de polciaDuval, que se compem a opinio e a moralidade dos povos.4 Entre essasinstituies, aquela considerada mais necessria para fazer o povo esquecer seusantigos hbitos religiosos e faz-lo adquirir novos foi o Dcadi ou domingo civil.Assim, foi a essa criao que a Repblica dispensou a maior parte de seus decretos eesforos. Ao Dcadi vieram juntar-se festas anuais: festas polticas, festas civis,

    festas morais. As festas polticas tinham por finalidade, segundo Chnier, consagraras pocas imortais em que as diferentes tiranias foram aniquiladas pelo arrebatamentonacional, pelos grandes passos da razo que abrem a Europa e vo tocar as fronteirasdo mundo.5 A festa republicana por excelncia era a de 21 de janeiro, porque entose celebrava o aniversrio da justa punio do ltimo rei dos franceses. Haviatambm a festa da fundao da Repblica, fixada para o dia 1. do vendemirio 6. Agrande festa nacional, ressuscitada em nossos dias, era a da federao ou dojuramento, fixada para 14 de julho.

    Relativamente moral, havia a festa da juventude, as do casamento, damaternidade, dos ancios e sobretudo as dos direitos do homem. Muitas outras festasforam, se no institudas e celebradas, pelo menos decretadas ou propostas.

    Como coroamento foi inventado um calendrio republicano inteiramente baseado

    na agricultura. Era uma consagrao solene do novo culto, o culto da Natureza.

    Tal foi o resultado fatal das idias que a Renascena tinha semeado nos espritos.A Reforma havia ensaiado uma realizao tmida, imperfeita: contentara-se em

    3Na festa do Ser supremo, a natureza que recebe as homenagens de Robespierre e dos representantes