monografia_a razoÁvel duraÇÃo do processo

Upload: dd-jones

Post on 20-Jul-2015

316 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

ICJ - Instituto de cincias Jurdicas Coordenao do Curso de Direito

Davinson dos Santos Ferreira

A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO

Santana de Parnaba 2010

A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO

Monografia apresentada a Banca Examinadora da UNIP (Universidade Paulista) como exigncia parcial para obteno do grau de bacharel em direito, sob a orientao do Professor Claudio Lysias.

Santana de Parnaba 2010

Davinson dos Santos Ferreira

A Razovel Durao do Processo.

Aprovado

pelos

membros 2010,

da com

banca meno

examinadora

em

_________/__________________/

_______________

(________________________________).

Banca Examinadora:

__________________________________ Professor Claudio Lysias da Silva Orientador Universidade Paulista

__________________________________ Professor Marcelo Iacomini Examinador Universidade Paulista

Agradeo aos amigos que sempre me apoiaram e incentivaram ao longo desta formao acadmica, aos professores pela dedicao arte de lecionar, em destaque a Generosa Professora Vera, e principalmente ao orientador desta monografia, professor Claudio Lysias da Silva, ainda, a todos os meus familiares que me incentivaram e me suportaram durante esta desgastante batalha.

Todos ns temos conscincia da passagem irreversvel do tempo que parece dominar a nossa existncia [...]. talvez nosso anseio seja fazer o relgio andar para trs para que possamos desfazer erros ou reviver algum momento maravilhoso; mas, infelizmente o bom senso est contra ns: O tempo e a mar no esperam por ningum. O Tempo no consegue andar para trs. Peter Coveny e Roger Highfield

INTRODUO CAPTULO 1 A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 O tempo e o Processo Breve Histrico Conceito de Razovel Durao A Razovel Durao do Processo no Direito Comparado Celeridade e Segurana Jurdica

9 11 11 12 15 20 23 28 31

CAPTULO 2 MOROSIDADE PROCESSUAL COMO BARREIRA AO ACESSO JUSTIA 2.1 2.2 Acesso Justia Problemas causadores de morosidade na prestao da tutela estatal

31 32 35

A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO POR MEIO DAS REFORMAS LEGISLATIVAS CONCLUSO BIBLIOGRAFIA 38 43 44

1

O presente trabalho monogrfico objetiva analise do Principio Constitucional da Razovel Durao e de que forma o Processo Civil pode utilizar desse instrumento como meio de prestar uma tutela jurisdicional mais eficaz e com melhor qualidade. Discorre-se sobre a importncia da positivao da referida norma constitucional, atravs da emenda n 45 de 2004, e de sua aplicao imediata. Examina a tramitao clere juntamente com a segurana jurdica, a fim de que, se possa assegurar as devidas garantias contempladas pela Lei Maior. Faz um importante estudo sobre acesso justia e de que forma a morosidade processual torna o Judicirio inacessvel, demonstrando quais so as principais causas que ensejam a lentido dos processos levados juzo. Estuda as principais leis referentes ao tema, principalmente s referentes ao Processo Civil, e como algumas delas j geram o efeito esperado. Razovel durao, acesso justia e morosidade processual

8

INTRODUO O tempo acompanha o ser humano e o Direito desde os perodos mais longnquos e exerce, sobre ambos, enorme influncia. Por essa razo, seu decurso pode conduzir tanto aquisio de direito, como no caso da prescrio aquisitiva (usucapio), quanto perda deles, como no caso da prescrio consumativa (decadncia). O presente trabalho objetiva analisar o reflexo do tempo sobre o processo, ou melhor, de que forma uma deciso em tempo razovel pode favorecer a todos os cidados o acesso justia, pois, quando o indivduo busca a tutela jurisdicional seu objetivo obter uma correta e clere aplicao do direito debatido efetivando-se, assim, a distribuio da justia. A demora na prestao jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso justia, a morosidade processual representa uma das principais causas de descrdito no judicirio, o que lhe retira, em certa medida, legitimidade. nesta medida que a doutrina brasileira, atenta existncia do direito a uma resposta jurisdicional efetiva, vem procurando discutir e elaborar procedimentos e meios processuais capazes de imprimir maior efetividade s normas processuais. A preocupao central de legisladores, doutrinadores e demais operadores do direito , sem sobra de dvidas, a busca pelo equilbrio entre tempo e processo. Tal tema, tem despertado, no desde agora, um vasto nmero de discusses e reformas que, no tardaram por ensejar a Reforma do Judicirio, implementada por meio da Emenda Constitucional n 45 em 2004 e mais recentemente a apresentao do anteprojeto do novo Cdigo de Processo Civil (em junho de 2010), cujo foco foi a diminuio do tempo do processo. No demais relembrar que o direito a um processo com durao razovel consequncia direta do devido processo legal, que j estava expressamente previsto no artigo 5., inciso LIV, da Constituio Federal de 1988, e trata-se de norma de aplicao imediata, por fora do que dispe o artigo 5., pargrafos 1. e 2., da Constituio Federal de 1988. O direito processual, nessa conjuntura, deixa de ser simples repositrio de formas e praxes dos pleitos jurdicos, e assume a qualidade de estatuto funcional de um dos poderes soberanos do Estado Democrtico.9

Estabelecidas estas premissas, iniciaremos o estudo inserindo alguns conceitos bsicos e demonstrando o quo importante a prestao da tutela em tempo razovel e como o principio constitucional da Durao Razovel se converge com o da Celeridade Jurdica, logo a seguir, delinearemos um breve histrico sobre a durao do processo ao longo da histria, e ainda no 1 captulo faremos um breve estudo comparado acerca do tema. O Capitulo 2 trata mais especificadamente do acesso justia, e de que forma a morosidade processual contribui para que as pessoas evitem litigarem por este meio especfico. Demonstraremos aqui, algumas das causas que impedem o processo de ter uma durao razovel. E por fim, traaremos um breve estudo sobre as diversas leis que objetivam fazer com que o processo flua mais rapidamente.

10

CAPTULO 1 A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO

11

1.1

O tempo e o Processo Do conceito de tempo muitos j se ocuparam, mas no chegaram a uma

concluso unssona a respeito. Santo Agostinho, quando questionado a respeito do que consiste o tempo, afirmava que este se constitui num saber que se tem antes de pensar nisso e que logo se desconhece ao pensar o que , pronunciando-se ainda no sentido de que, embora no soubesse defini-lo, sabia para si o que o mesmo significava1. Dentre os filsofos que procuraram definir o conceito de tempo, destacam-se Heidegger e Bergson. Heidegger procurou definir o tempo de forma concreta, qualitativa e existencial, retornando as razes aristotlicas, para quem o tempo de cada coisa em movimento consiste na sua durao, a qual encerra o espao todo da vida de uma determinada coisa. J Bergson ocupou-se da distino entre tempo e durao, chegando a concluso de que enquanto aquele (tempo) possui um carter operacional e pragmtico, objeto da pesquisa cientifica, esta (durao) pode ser definida como o tempo uno vivido na continuidade da conscincia sempre inovadora2. Desses estudos filosficos, pode-se afirmar que a concluso obtida que a durao a medida do tempo. Partindo-se dessas premissas filosficas e que se conclui que a durao de um processo (judicial) pode ser definida como o perodo (medida) compreendido desde o ajuizamento da ao ate a efetiva restituio ou preservao do direito nela buscado, posto que com aquele (ajuizamento) inicia-se a vida do processo, o qual se encerra, cumpre seu fim, quando propicia, na medida do possvel, aquele que tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter, como j dizia Chiovenda. Ou seja, considerando-se que, etimologicamente, o processo significa avanar, caminhar em direo a um fim, este caminho pressupe um inicio e um fim, isto , uma durao3.1

SILVA, Carlos Henrique do Carmo. Tempo, in Logos. Enciclopdia luso-brasileira de filosofia, 5, Lisboa, Verbo, s/d. p. 60 apud CRUZ e TUCCI, Jose Rogrio. Tempo e Processo. Revista dos Tribunais. So Paulo, 1997, p. 16. 2 CRUZ e TUCCI, Jose Rogrio. Ob. Cit., p. 17/18. 3 SILVA, Ovdio Araujo Baptista da. Curso de Processo Civil. Vol. 1. 5a ed. Revista dos Tribunais. So Paulo, 2000 , p. 13. 12

A questo do "tempo" matria que vem ocupando grande relevncia no universo do direito. Primeiramente, porque atravs dele que se desenvolve a sociedade, tanto com relao ao tempo cronolgico, determinvel, quanto ao tempo social, dos acontecimentos e das relaes jurdicas que se operam na sociedade, portanto varivel, e que imprimem o desenvolvimento de novas leis por parte do Estado. O processo, como mtodo de soluo dos conflitos, dinmico e, como conseqncia, encontra no fator tempo um de seus elementos caractersticos e naturais. Por isso, quando se pensa em efetividade, tem-se em mente um processo que cumpra o papel que lhe destinado, qual seja conceder a tutela a quem tiver razo, no menor tempo possvel. Portanto, h uma estreita relao entre a efetividade da tutela jurisdicional e a durao temporal do processo, que afeta diretamente os interesses pleiteados. Durante longos anos a idia era a de que um bom processo demandava tempo para ser solucionado, tempo esse, alis, que no podia ser mensurado. A idia dominante era a de que para se alcanar uma soluo ideal do litgio, em estrita consonncia com o direito e o justo, escopo primacial do processo, era preciso antes cercear os abusos das partes que se utilizavam de procedimentos dilatrios, mas jamais limitar a durao do processo. A prestao jurisdicional intempestiva de nada ou pouco adianta para a parte que tem razo, constituindo verdadeira denegao de justia; como efeito secundrio e reflexo, a demora do processo desprestigia o Poder Judicirio e desvaloriza todos os envolvidos na realizao do direito (juzes, promotores de justia, procuradores e advogados). O processo com durao excessiva, alm de ser fonte de angstia, tem efeitos sociais graves, j que as pessoas se vem desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras a descumprem reiteradamente e obtm manifestas vantagens, das mais diversas naturezas. A primeira das vantagens a econmica, pois so favorecidas a especulao e a insolvncia, acentuando-se as diferenas entre aqueles que podem esperar (e tudo tm a ganhar com a demora da prestao jurisdicional) e os que tm muito a perder com a excessiva durao do processo. Entre adimplir com pontualidade e esperar a deciso desfavorvel, ao devedor passa a ser muito mais vantajoso, financeiramente, a segunda opo.13

A segunda delas que a demora na outorga da prestao jurisdicional, segundo Capelletti (1998, p. 20) aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores queles a que teriam direito. A presteza da atividade jurisdicional constitui aspecto fundamental para o acesso justia, pois a demora exagerada na soluo dos litgios atinge muito mais aqueles que no tm recursos para suportar a espera. Na moderna viso do processo, que tem em FAZZALARI (1996, p. 29) um de seus maiores representantes, o processo um mtodo de trabalho, eleito pelo legislador como o melhor para atender ao fim a que se destina (soluo dos conflitos com a correta aplicao do direito); uma espcie do gnero procedimento que se caracteriza por se desenvolver em contraditrio. , em apertada sntese, um mecanismo que tem por fim a realizao do direito material. unnime entre todos os integrantes da comunidade jurdica o entendimento de que o processo tem uma durao excessiva e que isso acaba por desvirtu-lo de seus fins, uma vez que uma justia tardia nem sempre justia. Assim, h uma crescente preocupao das recentes reformas legislativas de conferir celeridade ao processo, na busca de uma tutela mais efetiva e mais justa ao jurisdicionado. Alm de todas as desvantagens acima apontadas, o processo com durao demasiada tem, ainda, graves repercusses sociais na medida em que constitui fonte de angstias e traz efeitos negativos a toda a coletividade. Como se percebe, o dano marginal decorrente da demora do processo tem efeitos nocivos na vida das pessoas.4

4

A expresso dano marginal, decorrente da lentido do processo, atribuda por C ALAMANDREI (Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari, n. 8, p. 173) a ENRICO FINZI. 14

1.2

Breve Histrico Segundo Francisco Arajo, as reclamaes e a ansiedade em face da lentido

da justia so muito antigas. Na Oratio pro Quinctio, Ccero lamentava que a causa que defendia j se arrastava por um binio; e parece que essa no era uma exceo concernente durao dos processos, tambm em Roma. Na velha Germnia, queixavam-se os juristas que as aes duravam mais que os homens, e eram transmitidas como herana de gerao em gerao e, assim, Feuerbach acrescentava que a Corte Suprema do velho imprio era similar ao Olmpo, j que l habitavam os imortais, isto , as causas que ali restavam, por muito tempo em estado letrgico.5 Interessante notar que podemos encontrar a preocupao de evitar a demora na prestao da tutela jurisdicional tambm na Magna Carta de 1215, onde consta no 40: "A ningum venderemos, negaremos ou retardaremos direito ou justia." Quando fazemos uma retrospectiva sobre o assunto poderemos encontrar o princpio da razovel durao do processo positivado em diversas normas jurdicas. Assim conseguimos visualizar essa busca pela celeridade j com a norma criada no reinado de D. Jos, rei de Portugal, sob os auspcios do Marqus de Pombal. Em 18 de agosto de 1769 foi publicada uma norma que veio a ser conhecida como a Lei da Boa Razo e essa lei previa de forma expressa uma punio para o advogado que viesse a dificultar o processo apresentando as mais tortuosas interpretaes e recursos meramente protelatrios. Assim dispunha o pargrafo 7: por quanto a experincia tem mostrado que as sobreditas interpretaes dos Advogados consistem ordinariamente em raciocnios frvolos, e ordenados mais a implicar com sofismas as verdadeiras disposies das leis, do que a demonstrar por elas a justia das partes: mando, que todos os advogados que cometerem os referidos atentados, e forem convencidos de dolo, sejam nos autos, a que se juntarem os Assentos, multados, pela primeira vez em $ 50000 reis (...).65 6

ARAJO, F. F. de, Responsabilidade objetiva..., p.253. Disponvel em http://jurisacademico.com.br/post/323776936/lei-da-boa-razao, acessado em 20/06/2010. 15

O objetivo dessa norma era acabar com os recursos protelatrios que visavam atrapalhar a justia. Apesar disso fez-se necessrio editar outras normas buscando evitar os atrasos desnecessrios ao processo, como por exemplo, a anlise feita por Lopes da Costa: Em 1341, para combater a chicana dos procuradores, que protelavam quanto podiam o andamento dos feitos, a lei de 23 de agosto proibiu-lhes receber honorrios antes da causa finda, expediente que j em 1603, as Ordenaes Filipinas ainda iro empregar (...). Para abreviar a marcha do processo, a lei de 15 de setembro de 1532 aplicou o depois chamado princpio da eventualidade (no mesmo dia em que fosse citado, o ru deveria oferecer todas as excees dilatrias) e no deu recurso das interlocutrias. Os longos prazos, a prorrogao deles, a necessidade de suavizar a rigorosa separao das fases processuais iriam entretanto impedir a celeridade do movimento dos feitos, determinando, muita vez, no um processo, mas um retrocesso na marcha regular das causas.7 Com o advento do Cdigo de Processo Civil de 1939 esse tema foi tratado de forma especfica no artigo 3, onde constava que: Art. 3 Responder por perdas e danos a parte que intentar demanda por esprito de emulao, mero capricho, ou erro grosseiro. Pargrafo nico. O abuso de direito verificar-se-, por igual, no exerccio dos meios de defesa, quando o ru opuser, maliciosamente, resistncia injustificada ao andamento do processo. Nesse momento histrico os doutrinadores ptrios interpretando esse artigo do Cdigo de Processo Civil entendiam que o abuso de direito se caracterizava com o dolo, a temeridade, a fraude, a simulao, a emulao, o mero capricho, o erro

7

LOPES DA COSTA, in Direito Processual Civil Cdigo de 1939 Ed. Revista dos Tribunais, vol. 1 p. 16. APUD Celeridade Processual e Segurana Jurdica. Disponvel em: http://www.tst.gov.br/ArtigosJuridicos/GMLCP/CELERIDADEPROCESSUAL.pdf. 16

grosseiro, a violncia, a protelao do processo, a falta do dever de dizer a verdade, o anormal uso do poder de disposio do processo.8 O atual Cdigo de Processo Civil, que data de 1973, tratou o assunto de maneira que cabe ao magistrado buscar a rpida soluo do litgio, conforme o art. 125, II do CPC. Celso Agrcola Barbi ao analisar o referido inciso preleciona que (...) refere-se ao poder-dever do juiz de velar para a rpida soluo do litgio. Os estudiosos do direito processual e o legislador vivem em permanente preocupao pelos reclamos freqentes contra a morosidade do andamento das causas. (...) deve tambm o juiz reprimir atividades protelatrias ou inteis, provocadas pelos advogados.9 J analisando em termos internacionais, podemos visualizar que essa preocupao j era objeto de anlise na dcada de 30, constata-se que a Conferncia de Codificao da Haya de 1930, no seu artigo 8 , 2, j aludia a um processo breve, veja-se: Um Estado responsvel pelo fato de que, de modo incompatvel com as obrigaes internacionais do Estado, o estrangeiro tenha sido impedido do exerccio de seus direitos pelas autoridades judiciais, ou tenha sofrido obstculos injustificados ou demoras que implicam uma negativa prestao da justia. E o art. 18 da Declarao Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na Conferncia Internacional Americana em Bogot em 1948, prescreveu que toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, igualmente, com processo simples e breve (...). No obstante ao tema da brevidade processual, segundo consideraes de Cruz e Tucci, foi a Conveno Europia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades (1950) que elevou o direito ao processo sem dilaes indevidas a

8

THEODORO Jr. Humberto. Abuso do direito processual no ordenamento jurdico brasileiro in Abuso dos Direitos Processuais, coord. Jos Carlos Barbosa Moreira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000, p. 23 APUD BEBBER, Jlio Csar. Abuso do Direito de Recorrer. 9 BARBI, Celso Agrcola. Comentrio ao Cdigo de Processo Civil Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2008, p. 395-396. 17

um direito subjetivo constitucional,autnomo e coletivo, ao prever, em seu artigo 6, 1, o direito ao exame das causas num prazo razovel10 Dentre diversos outros documentos e movimentos internacionais, temos que em 1978 ocorreu a assinatura do Pacto de San Jos da Costa Rica, adquirindo eficcia no plano internacional em 18 de julho daquele mesmo ano. Por meio do Decreto 27 de maio de 1992, nosso Congresso Nacional aprovou o seu texto e, em 25 de setembro do referido ano, o Governo Federal depositou a Carta de Adeso ao Pacto de San Jos da Costa Rica. Com a publicao do Decreto 678, de novembro de 1992, o Pacto de San Jos da Costa Rica foi promulgado e, assim, incorporado ao ordenamento jurdico brasileiro. Dentre os diversos aspectos abortados no referido Pacto, no seu art. 8, I prev que: Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razovel, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido

anteriormente por lei, na apurao de qualquer acusao penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigaes de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. E, finalmente em 2004, com a Emenda Constitucional 45 passamos a ter esse princpio ambientado em sede constitucional. A sua insero em mbito constitucional, na forma como ocorreu elevou esse princpio da esfera processual para o mbito constitucional e ainda tornou-se um direito fundamental previsto na Constituio Federal, com status de clusula ptrea. Dessa forma, o princpio da razovel durao processual, apesar de j existir, somente agora possui essa amplitude. Para Uadi Lammgo Bulos apesar da autoaplicabilidade do art. 5 o, LXXVIII necessrio a elaborao de diversas normas jurdicas para a implementao do dispositivo em anlise11. Diante dessa necessidade foram publicadas diversas outras normas jurdicas que entraram em vigor tendo como objetivo otimizar o tempo e

10

(PATRICK GRZYBEK, Prozessuale Grundrechte im Europaischen Gemeinshaftsrecht, BadenBaden, Nomos, 1993, p. 75-76 apud CRUZ e TUCCI, apud CRUZ e TUCCI, Jose Rogrio. Tempo e Processo. Revista dos Tribunais. So Paulo, 1997, p. 67) 11 BULOS, Uadi Lammgo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 548. 18

permitir cumprir essa determinao constitucional. De forma exemplificativa podemos visualizar as seguintes normas:

Lei 11.287/2005 A Nova Lei do Agravo: tem como objetivo reduzir o

nmero de recursos de agravo existente, convertendo o agravo de instrumento em agravo retido.

Lei n 11.232/3005 Processo de Execuo: prev o processo Lei n 11.276/2006 Cria a smula que vinda do STF ou STJ impede a Lei n 11.277/2006 Sentena Liminar ou Julgamento prima facie (de

sincrtico, onde a execuo ir acontecer como uma fase aps a sentena.

propositura do recurso de apelao.

imediato). Possibilita que o juiz venha a decidir em processos repetitivos, em que verse somente sobre questo de direito, sem a necessidade de citar o ru.

A Lei n 11.418/06 a repercusso geral no recurso extraordinrio, Lei n 11.419/2006 Processo Eletrnico, Lei de Recursos Repetitivos (Lei n 11.672/08), dentre outras normas.

Buscando equipar o Poder Judicirio com essa nova sistemtica, acredita-se que com essas normas e outros projetos que continuam tramitando no Congresso Nacional a prestao jurisdicional seja realizada de forma clere, porm, sem ofender a segurana jurdica. Isso significa dizer que a tutela jurisdicional somente ocorrer de forma adequada na medida em que puder concretizar o direito material, mas dentro de um prazo razovel.

19

1.3

Conceito de Razovel Durao Razovel significa: logicamente plausvel; racionvel; no excessivo;

moderado; que bom, mas no excelente; aceitvel, suficiente.12 Durao significa: ato, processo ou efeito de durar; espao de tempo determinado de um acontecimento, uma circunstncia, um fenmeno, etc. 13 Dada a subjetividade desses conceitos, faz-se necessrio um estudo mais apurado sobre o que durao razovel do processo, pois trata-se de conceito de difcil fixao, mensurao e limitao. Por isso a doutrina tem-se voltado apreciao do caso concreto. Primeiramente, porque no h no direito

constitucional, nem no infraconstitucional qualquer referncia ao que seria razovel durao de um processo. Em virtude deste fato, grande parte da doutrina entende que se trata de conceito jurdico indeterminado. A conceituao de durao razovel tem encontrado dificuldade no sistema jurdico de todas as naes que firmaram compromisso na garantia da durao razovel do processo. Nesse sentido, Andr Luiz Nicolitt pondera: [...] funo do Judicirio garantir os direitos fundamentais e interpretar os conceitos indeterminados. No podemos tomar por justificativa a impreciso do texto para negarmos efetividade norma constitucional, consagrada tambm em instrumentos internacionais que de longa data j tm efetividade na experincia dos pases Europeus que volta e meia so penalizados pelo TEDH (Tribunal Europeu de Direitos Humanos) por violao do direito ao tempo razovel do processo.14

certo que o processo precisa de um tempo para se desenvolver, para que nenhum ato essencial seja obstado, garantindo um regime processual que prime pelas garantias processuais. No dizer de Paulo Hoffman:

12

INSTITUTO ANTNIO HOUAISS DE LEXICOGRAFIA. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. p. 2389. 13 INSTITUTO ANTNIO HOUAISS DE LEXICOGRAFIA. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1090. 14 NICOLITT, Andr Luiz. A durao razovel do processo. p. 35. 20

Um processo adequado e justo deve demorar exatamente o tempo necessrio para a sua finalizao, respeitados o contraditrio, a paridade entre as partes, o amplo direito de defesa, o tempo de maturao e compreenso do juiz, a realizao de provas teis e eventuais imprevistos, fato comum a toda atividade; qualquer processo que ultrapasse um dia dessa durao j ter sido moroso.15 No entanto, preciso que se faa uma distino entre a demora natural ou fisiolgica do processo, que respeita os prazos legais estabelecidos na lei processual, daquela injustificada, ou patolgica, decorrente de falhas na organizao do Judicirio ou de abuso das partes processuais. Podemos, ainda, dizer que a razovel durao do processo no se confunde com violao de prazo fixo. Por mais que existam na doutrina aqueles que se posicionam a favor da adoo do prazo fixo (principalmente os penalistas), ao se entender desta maneira, estaro olvidando o perigo de se criar prazos fixos similares para casos especficos, nos quais no se privilegiaria a razoabilidade. Para se averiguar se a demora esta sendo razovel podem ser usados como parmetros os critrios estabelecidos pelo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, so eles: a) Complexidade da Causa; b) Comportamento das Partes; e Infraestrutura do rgo Jurisdicional. Se respondidos negativamente esses critrios, verifica-se que houve demora, e o Estado poder responder por isso. O ncleo do conceito da Razovel Durao do Processo , portanto, viabilizar que as partes tenham plena capacidade de trazer seus argumentos, bem como garantir que o juiz tenha condies de analisar as provas num tempo razovel para formar sua convico. (RAMOS, 2008). Sem dvidas, a demora na tramitao de um processo judicial, tambm, repercute intensamente no devido processo legal, por importar num desvio de perspectiva do procedimento, que se alonga por um tempo indevido. Por tais motivos, dada a sua maior visibilidade, alguns autores compreendem que a garantia razovel durao do processo judicial decorre do due process of law, estando implcita na locuo normativa do artigo 5, inciso LIV, da Constituio Federal. Luigi

15

HOFFMAN, Paulo. Razovel durao de processo. So Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 61-62. 21

Paolo Comoglio, lembrado por Flvia de Almeida Montingelli Zanferdini, observa que: no caminho para se alcanar as garantias do devido processo e da efetiva tutela jurdica, preciso considerar-se que o direito ao processo abrange a garantia de um processo de durao razovel e que, ainda nesta busca, devem ser reforadas com particular cuidado as questes referentes s partes e aos envolvidos no processo de deveres de boa-f e lealdade processual, para preservar em qualquer circunstncia a dignidade da justia, aumentando-se os poderes do juiz de interveno e controle do processo, buscando-se uma justia eficiente.16

A Razovel Durao do Processo um direito fundamental e tem como obrigado o prprio Estado. Para chegarmos definio dos obrigados, faz-se necessrio estabelecer dois tipos bsicos de agresses Razovel Durao do Processo. A primeira hiptese seria a deficiente direo das autoridades processuais; e a segunda seria a carncia de meios ou adequada organizao judiciria. (NICOLITT, 2006, p. 62). Em relao titularidade do direito, todos os que podem figurar como partes em uma demanda, ou em um procedimento administrativo so titulares da Razovel Durao do Processo. Alm desses, ainda so titulares aqueles que, pela lei, so legitimados extraordinrios para defenderem em nome prprio direito alheio, como no caso do MP. Alm deste, outros rgos pblicos podem ser titulares, como a prpria Defensoria Pblica, ou Procuradoria do Estado, entre outras.

16

COMOGLIO, Luigi Paolo. Garamzie constituzionali e giusto processo. In: Revistade Processo n 90, So Paulo, p. 138, abr./jun. 1998, apud ALMEIDA MONTINGELLIZANFERDINI, Flvia de. Prazo Razovel Direito Prestao Jurisdicional sem Dilaes Indevidas. Revista Sntese de Direito Civil e Processual Civil, n 22, mar-abr/03. Porto Alegre: Sntese, 2003. p. 15, nota n 6. 22

1.4

A Razovel Durao do Processo no Direito Comparado Como decorrncia lgica e como condio de possibilidade de efetivao do

direito fundamental ao acesso justia, o direito razovel durao do processo encontra-se inserido em muitas Constituies de Estados Europeus e Americanos, Convenes e tambm foi objeto da Emenda Constitucional n 45/2004. Como afirma Boaventura de Sousa Santos, o problema da morosidade da justia , numa perspectiva comparada, talvez o mais universal de todos os problemas com que se defrontam os tribunais nos nossos dias. No assumindo a mesma importncia em todos os pases , no entanto, sentido em todos eles e tambm em todos objeto de debate pblico. O problema da morosidade da justia constitui uma importante interface entre o sistema judicial e o sistema poltico particularmente em regimes democrticos.17 O reconhecimento positivo do direito tutela jurisdicional em tempo razovel surgiu com a Conveno Europia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma, no dia 04.11.1950. necessrio esclarecer que a Conveno Europia surgiu depois dos cinco anos de durao da segunda guerra mundial, onde os Estados europeus determinaram duas modificaes de relevo em seu sistema: de um lado, promoveram um novo desenvolvimento, harmonioso e equilibrado da atividade econmica, e, de outro lado, buscaram a reconquista do prestgio e influncia internacional, evitando os erros polticos do passado. Foi a partir desse diploma internacional que o direito prestao jurisdicional em um prazo razovel passou a ser concebido como direito subjetivo, humano e fundamental de todos os membros da coletividade. E em razo da Conveno Europia de Direitos Humanos, vrios pases passaram a reconhecer o direito prestao jurisdicional dentro de um prazo razovel ou sem dilaes indevidas como direito fundamental do indivduo, inserindo tal garantia em seus ordenamentos jurdicos.17

SOUZA SANTOS SOUZA SANTOS, Boaventura. Pelas mos de Alice: o social e o poltico na ps-modernidade. So Paulo: Cortez, 1996, p.387. O problema da lentido jurisdicional no privilgio do Brasil, mas sim um problema universal que atinge todos os pases, desde os mais desenvolvidos at os mais pobres. No Japo informa um dos vice-presidentes da Associao Internacional de Direito Processual antes da entrada em vigor do novo cdigo, em 1998, no era raro que um feito civil se arrastasse por alguns anos na primeira instncia e levasse mais de um decnio at a eventual de deciso da Corte Suprema (MOREIRA, Temas..., p.2-3.) 23

Faz-se necessrio, desta forma, aos Estados que fazem parte da Conveno Europia, como tambm da Conveno Interamericana e Africana, disponibilizarem todos os meios e mtodos possveis para fazerem valer efetivamente o direito razovel durao do processo prescrito nas respectivas Convenes. Nesta mesma linha, a Conveno Interamericana sobre Direitos Humanos, firmada em San Jos da Costa Rica em 1969. O art. 7. , letra "d" da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos aprovada pela Conferncia Ministerial da Organizao da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gmbia, em janeiro de 1981, tambm garante a razovel durao do processo: Esse direito compreende: "Toda pessoa tem o direito a que sua causa seja apreciada. o direito de ser julgado em um prazo razovel por um tribunal imparcial". Segundo Paulo Hoffmann, at mesmo nos pases em que a litigiosidade contida, seja por razes culturais ou sociais, crescente a percepo de que algo deve ser feito para tornar a tutela mais clere e mais efetiva. Igualmente, nos pases que deixaram um regime totalitrio, com histria recente de democracia, j sentida a necessidade da adoo de mecanismos para acelerao na resoluo dos casos judiciais, uma vez que o exerccio da liberdade e a conscientizao da populao conduziram ao aumento do nmero de demandas.18 A demora na prestao jurisdicional j preocupa os pases europeus h mais de duas dcadas, em especial aqueles que incorporaram em seus ordenamentos jurdicos internos a garantia da prestao jurisdicional em um prazo razovel, a exemplo do Estado Portugus. A Constituio da Republica Portuguesa no artigo 20 que trata do "Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva", dispe Todos tm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de deciso em prazo razovel e mediante processo eqitativo. Na Frana, Roger Perrot garante que o acontecimento processual marcante da ltima metade do sculo XX naquele pas foi, sem dvida, o considervel aumento da litigiosidade.19 Esse aumento pesou muito nas transformaes do

18

HOFFMANN, P. O direito razovel durao do processo e a experincia italiana. Disponvel em: . Acessado em: 18 out. 2010. 19 PERROT, J. O processo civil francs na vspera do sculo XXI. Revista de processo, So Paulo, ano 23, n.91, p.203-212, jul./set. 1998.

24

processo civil francs, foi possvel verificar que, em vinte anos, o numero de causas triplicou, como conseqncia do aumento de litigiosidade, surge o novo vilo do processo civil francs contemporneo, a demora na tramitao e na resoluo dos processos. Os meios utilizados para tentar alcanar razovel durao dos processos, segundo Didier Cholet, so de varias ordens: s vezes recorre-se s reformas nas instituies jurisdicionais. Trata-se assim de aumentar a capacidade destas para o julgamento de mais casos. As reformas de amplitude so s vezes realizadas atravs da criao de novas jurisdies (como por exemplo, em 1987, as Cortes Administrativas de Segunda Instncia), ou o aumento de recursos humanos e materiais (atravs do recrutamento de magistrados ou de funcionrios e, sobretudo, do desenvolvimento na rea de informtica).20 Como em todos os outros pases da comunidade Europia, a Espanha tambm reconhece a dificuldade de estabelecer qual seria a normal durao dos processos. H uma forte tendncia na Espanha, na edio de Leis e Reformas visando celeridade da jurisdio. Exemplo disso, a reforma da Lei Criminal de 2002 (Lei n. 38/2002), a qual regula o procedimento para uma jurisdio rpida de determinados delitos, que pretende conciliar a rapidez nos trmites processuais com a plena garantia da ampla defesa. A doutrina espanhola adverte, na trilha do pensamento de Alexandre Bas, que a durao excessivamente exagerada e injustificada de um processo no somente viola uma das garantias fundamentais de que est revestido este direito, ou seja, o direito a um processo sem dilaes indevidas, seno que pode tambm ser fonte de transgresso dos direitos materiais discutidos no processo que dificilmente podero, em determinados casos, serem restabelecidos. Tutela judicial efetiva, cujo significado o alemo Otto Bhr, colocou em evidncia de forma to clara no ano de 1864, um elemento central do Estado de Direito e reconhecido como fundamento de todos os ordenamentos jurdicos dos Estados europeus e inclusive no Alemo.21 Na20

Alemanha,

o

mandamento

da

tutela

judicial

efetiva

est

CHOLET, Didier. La Clrit de la procdure en Droit Processuel. Paris: Librarie Gnrale de Droit et Jurisprudence, EJA, 2006., p.15. 21 BHR, Otto apud BREDOW, L. F. Direito processual administrativo no contexto europeu: tutela administrativa sob influncia do direito internacional pblico e supranacional. Disponvel em: . Acesso em: 6 abr. 2007. 25

constitucionalmente consolidado no art. 19, inc. IV, da Lei Fundamental. Na condio de "direito fundamental formal", esse dispositivo constitucional assegura a todos os indivduos o direito proteo judicial completa contra supostas intervenes ilegais do Poder Pblico em seus direitos. Assim como nos demais pases j analisados, os parmetros para a configurao nacional da tutela judicial em tempo razovel se originam, de um lado, do direito comunitrio; e de outro, da Conveno Europia dos Direitos Humanos. Ambos funcionam como moldura, para o direito alemo. Em alguns Estados europeus, como, por exemplo, na ustria, a Conveno Europia dos Direitos Humanos tem validade e status constitucional. O direito razovel durao do processo encontra-se hoje na Itlia o seu fundamento, no s na Conveno Europia, mas tambm no art. 111 da Constituio do Pas. Embora a Itlia possua um dispositivo constitucional que assegura o direito ao efetivo e justo processo, a Corte Europia de Justia (Strasburgo) considerou extrema a gravidade da situao em que o pas se encontrava, e atualmente se encontra, sobre a excessiva lentido de sua justia. Como modo de tentar reduzir a exagerada durao do processo, foi introduzida no ordenamento italiano uma legislao especfica para regular o direito do jurisdicionado de exigir do Estado uma indenizao, fato que serve de suporte para minimizar os prejuzos advindos de uma durao excessivamente longa, mas que, de acordo com a doutrina italiana no deve ser encarado como a nica soluo do problema da morosidade judicial.22 A norma italiana que dispe sobre o direito indenizao (art. 2 da Lei italiana n 89, de 24 de maro de 2001 - a "Legge Pinto" ) em razo da durao irrazovel do processo muito interessante. A legitimidade ativa para propor a ao visando indenizao, reconhecida tanto aos autores quanto aos rus. Ambos, de fato, podem ser prejudicados pela demora do processo em que litigam. Outro aspecto interessante da norma italiana de que no importa se o autor da ao prevista na lei em comento foi vencedor ou sucumbente na ao originria, j que no se discute o direito subjetivo posto em juzo, nem o acerto ou incorreo da deciso, mas somente se o processo teve durao razovel ou no. No sistema da commow law, de modo assemelhado ao europeu, a doutrina22

HOFFMANN, op. cit. 26

e jurisprudncia se esforam para traar os pressupostos e o conceito de um processo sem dilaes injustificadas. Nos Estados Unidos, a denominada "speed trial clause" (clusula do julgamento rpido) contemplada pela 6 Emenda da Constituio. E ainda, do projeto das normas transnacionais de processo civil americano, "transnational rules of civil procedure", cujo escopo o de resolver os litgios de dimenso internacional, em seus princpios interpretativos est a garantia de soluo em prazo razovel.23 A doutrina americana ainda afirma que o direito razovel durao dos processos uma das principais caractersticas que distinguem liberais democracias de monarquias despticas. Embora o Canad seja um pas de primeiro mundo, este tambm possui problemas em relao Administrao da Justia e recursos escassos ( bom deixar claro que, obviamente, esta escassez de recursos no comparvel com a do Brasil). Eficincia, explica o Conselho da Reforma Canadense, requer que o processo seja conduzido em tempo razovel, mas que no se torne superficial j que um processo ligeiro e pouco slido em muitas vezes pode frustrar o objetivo central da justia canadense: atrapalha a investigao da verdade, impedindo muitas vezes a melhor sano. No Canad, como em todos os pases analisados, a preocupao maior no somente estabelecer critrios para a fixao do prazo razovel e implantar maneiras mais objetivas para determinar a sua violao, como tambm a postulao de uma reforma na administrao da justia que falha ao deixar ocorrer demora. Em todos os pases abordados, a preocupao em estabelecer parmetros para a investigao do que seria denominado razovel constante e assim, luz da investigao comparada realizada, pode-se concluir que h muitas similitudes em torno do direito fundamental razovel durao do processo.

23

HAZARD, Geoffrey C.; TARUFFO, Michelle. Normas trasnacionais de processo civil. Revista de Processo So Paulo, ano 23, n.91, p.203-212, jul./set. 1998. 27

1.5

Celeridade e Segurana Jurdica

Muito importante segurana e celeridade do processo, porm, h discusso quanto natureza dessa norma constitucional. A resoluo rpida deve tambm assegurar a ampla defesa, o contraditrio e o devido processo legal. Os meios que garantem a celeridade da tramitao do processo so direitos previstos no artigo 5., LXXVIII, da Constituio Federal de 1988, ou seja: a todos, no mbito judicial e administrativo, so assegurados a razovel durao do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitao. Desta forma, pensa-se na celeridade sem se atropelar o processo, ou melhor, dar os mesmos direitos para a parte contrria, em termos de respeito aos princpios constitucionais. Por isso, deve ficar estabelecido no primeiro despacho dos autos do processo o prazo estabelecido por lei quele feito, o que, caso contrrio, seria um prazo irrazovel. Para Luiz Guilherme Marinoni, segurana jurdica representa a

previsibilidade e a certeza da proteo do direito na conformidade das expectativas e necessidades humanas. Essa proteo no deve verter-se somente idia principal de acesso justia, mas igualmente ao direito efetividade e tempestividade da tutela jurisdicional, numa perspectiva concretista.24 Por sua vez, os Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio devem fornecer meios que garantam a segurana e celeridade s partes em cada processo, ou seja, o Poder Executivo investe financeiramente no Poder Judicirio, como o acesso a informatizao com mais recursos e mais estruturas para firmeza dos pilares, e o pelo Poder Legislativo com a criao de leis no intuito de aprimorar-se a celeridade ao processo, visando primordial segurana jurdica entre as instituies e o cidado. E atravs do Poder Judicirio, com fulcro nos magistrados, no que concerne ao processo civil, combatendo irregularidades e priorizando o andamento rpido, aplicando-se as normas concernentes para que a parte adversa sinta que seus direitos constitucionais foram protegidos. Durante muito tempo os processualistas tentaram equacionar a relao entre uma tutela jurisdicional rpida e a segurana jurdica. Nesse passo, diversas foram

24

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatria, julgamento antecipado e execuo imediata da sentena. 5. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 160. 28

as tentativas de se equilibrar essa relao eis que, ora se ganha rapidez, atravs de um juzo superficial e no exauriente, como nas tutelas de urgncia e, de certa forma, se perde segurana, ante a possibilidade de reversibilidade do provimento aps a instruo probatria; ora se perde rapidez em favor da certeza, como nas aes de conhecimento, em geral, aps o transcurso de toda instruo probatria. Fabiano Carvalho consegue ver com perfeio que: a garantia do devido processo legal e a garantia da durao razovel do processo no podem ser examinadas como foras opostas, mas sim fenmenos que se interagem dentro do processo.25 No mbito da justia de segundo grau, a celeridade ganha contorno ainda mais importante na medida em que seus julgamentos servem de parmetro e norte para outras decises. Esse fundamento deve da mesma forma estar atrelado noo de segurana jurdica, que visa salvaguardar o sentimento de previso da deciso do Poder Judicirio sobre determinada questo posta em discusso. A segurana jurdica fica comprometida com a brusca e integral alterao do entendimento dos tribunais sobre questes de direito.26 No negaremos que a celeridade um clamor j histrico. Mas no se deve fazer justia somente com rapidez desgovernada, desatenta aos procedimentos essenciais que pem em cheque a segurana processual que foi conquistada a passos lentos. A justia deve observar as garantias processuais e assegurar dentre elas, a ampla defesa, o contraditrio e o acesso a justia. Nesse sentido so oportunas as palavras de Jos Carlos Barbosa: Para muita gente, na matria, a rapidez constitui o valor por excelncia, qui o nico. Seria fcil invocar aqui um rol de citaes de autores famosos, apostados em estigmatizar a morosidade processual. No deixam de ter razo, sem que isso implique nem mesmo, quero crer, no pensamento desses prprios autores hierarquizao rgida que no reconhea como imprescindvel, aqui e ali, ceder o passo a outros valores.25

CARVALHO, Fabiano, EC n.45: Reafirmao da garantia da razovel durao do processo, Reforma do Judicirio, So Paulo : RT, 2005, p. 221. 26 Exposio de Motivos do Anteprojeto do Novo Cdigo Civil, p.17 29

Se uma justia lenta demais decerto uma justia m, da no se segue que uma justia muito rpida seja necessariamente uma justia boa. O que todos devemos querer que a prestao jurisdicional venha ser melhor do que . Se para torn-la melhor preciso aceler-la, muito bem: no, contudo, a qualquer preo 27. Os direitos fundamentais tm de ser garantidos na construo do processo, por isso, necessrio que haja um olhar mais criterioso aos procedimentos adotados tendo em vista, a participao igualitria das partes na construo do provimento final.

27

BARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. O futuro da justia: alguns mitos. Revista de Processo, v. 102, p. 228-237, abr.-jun. 2001, p. 232 30

CAPTULO 2 MOROSIDADE PROCESSUAL COMO BARREIRA AO ACESSO JUSTIA

31

2.1

Acesso Justia Ao chamar a si a funo de aplicar o direito coativamente queles que no o

cumprem de modo voluntrio e de compor os conflitos de interesses de ordem individual ou coletiva, passou o Estado a ter o dever de exercer esta atividade, dando respostas rpidas e eficazes aos casos que lhe so apresentados. Previsto no artigo 5, inciso XXXV, da Constituio Federal, o princpio do acesso justia tambm conhecido como o direito ao exerccio do direito de ao e de defesa, permitindo, sucintamente, que o cidado comparea em juzo para defender interesses dos quais se julgue ameaado ou lesado. Com o intuito de definir o termo, Cappelletti e Bryant (1998, p.8) registram: A expresso acesso Justia reconhecidamente de difcil definio, mas serve para determinar duas finalidades bsicas do sistema jurdico - o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litgios sob os auspcios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos1 Nelson Nery Junior ensina a respeito: Embora o destinatrio principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, no pode o legislador e ningum mais impedir que o jurisdicional v a juzo deduzir pretenso. (2000, p. 94). Portanto, o acesso justia se encontra intimamente relacionado viabilidade de que seja provocada a jurisdio pelo interessado em obter a prestao jurisdicional, e ainda com a capacidade da tutela prestada em produzir efeitos no mundo ftico (efetividade da deciso judicial). O debate sobre a necessidade de se proceder ao amplo acesso justia antigo e atinge todas as sociedades modernas. Mauro Cappeletti e Bryant Garth, na obra Acesso Justia, definem o ano de 1965 como um marco para o incio do

32

movimento acesso justia no mundo ocidental, fato este que pode se caracterizar como um primeiro momento das reformas. Cappelletti e Garth definem as trs ondas de acesso Justia da seguinte maneira: a primeira tem como principal caracterstica a expanso da oferta de servios jurdicos aos setores pobres da populao; a segunda trata da incorporao dos interesses coletivos e difusos, o que resultou na reviso de noes tradicionais do processo civil; a terceira onda, conhecida como abordagem de acesso Justia, inclui a Justia informal, o desvio de casos de competncia do sistema formal legal e a simplificao da lei. Essa terceira onda de reforma inclui a advocacia, judicial e extrajudicial, seja por meio de advogados particulares ou pblicos, mas vai alm, ela centra sua ateno no conjunto geral de instituies e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas (Cappelletti e Garth, 1988). Na Carta Magna de 1988 o legislador brasileiro positivou a impossibilidade de excluir do Judicirio leso ou ameaa a direitos, dirigindo-se atualmente, a todos os direitos individuais, coletivos ou difusos, assim, a garantia da inafastabilidade de acesso justia apresenta-se como um direito assegurado a cada um dos jurisdicionados individualmente, e, tambm, prpria coletividade. Apesar do avano produzido pela Constituio de 1988, ainda uma nfima parte da populao brasileira que se socorre do Poder Judicirio para fazer valer seus direitos. Uma das razes se deve ao fato de muitos ainda temerem que a satisfao do direito material pleiteado no compensa o esforo mental, os gastos e o tempo dispensados ao conflito. Somente com uma justia processual que poderemos efetivar o acesso justia, em seu sentido amplo, para que seja possvel implementar todas as demais garantias processuais. Sobre o tema, Dinamarco (2005, p.798-799) discorre que este: [...] no se satisfaz com a garantia da ao como tal e por isso que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e profundo. O que importa no oferecer ingresso em juzo, ou mesmo julgamentos de mrito. Indispensvel que, alm de reduzir os resduos de conflitos no-

jurisdicionalizveis, possa o sistema processual oferecer aos33

litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situaes injustas desfavorveis, ou de estabilizar situaes justas. Tal a idia da efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a da plenitude do acesso justia e a do processo civil de resultados. Neste mesmo sentido, leciona Luiz Guilherme Marinoni (2002, p. 152): claro que este princpio (do acesso justia) no mais apenas significa que todos podem ir ao Poder Judicirio em caso de leso ou ameaa a direito, mas sim que todos tm o direito a uma tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Apesar de garantido constitucionalmente, o acesso justia tende a ser fortemente afetado pela longa durao dos processos A demora na prestao jurisdicional sempre foi um entrave para a efetividade do direito de acesso justia, pois no tem sentido que o Estado, tendo proibido a autotutela, no confira ao cidado um meio adequado e tempestivo para a soluo de seus conflitos. Se o tempo do processo, por si s, determina um prejuzo parte que tem razo, certo que quanto mais demorado for o processo civil mais ele prejudicar alguns e beneficiar a outros, geralmente aqueles que no tm interesse no cumprimento das normas legais. Desse modo a observao de Kazuo Watanabe ao referir que o princpio da inafastabilidade da jurisdio deve ser entendido no como uma garantia formal [...] de bater s portas do Poder Judicirio, mas, sim, como garantia de acesso ordem jurdica justa, consubstanciada em uma prestao jurisdicional clere, adequada e eficaz (apud DIDIER JR, 2007, 38). Da a importncia da introduo, atravs da Emenda Constitucional n 45 de 2004, da garantia da razovel durao do processo, pois esta possibilitou cincia processual deflagrar a efetiva necessidade de repensar a prestao jurisdicional, no basta garantir a possibilidade de apresentao de demandas perante os rgos do Judicirio, mas h que se assegurar o direito ao alcance da ordem jurdica justa. Espera-se que o processo civil cumpra seu desiderato social, poltico e jurdico. necessrio pacificar a sociedade, resolvendo os conflitos com lastro no

34

ordenamento, para propiciar s pessoas em conflito exatamente aquilo que pleiteiam (se lhes for devido), e fazendo-o com a rapidez que exige a situao concreta. 2.2 Problemas causadores de morosidade na prestao da tutela estatal Os juristas e doutrinadores de grande expresso nacional, em sua maioria, entendem que a lentido da Justia e conseqentemente da prestao jurisdicional pode ser caracterizado como uma violao do direito constitucional de acesso justia concreta. Uma das causas a ser enfrentada a crise do Poder Judicirio, que decorre, sobretudo, de dois fatores, consoante afirma Fernando da Fonseca Gajardoni: a) da diminuio do Poder Judicirio em relao aos demais, em decorrncia de restries oramentrias e legais impostas nos ltimos tempos; b) da exploso da litigiosidade contida a partir da Constituio Federal de 1988, incompatvel com a judiciria existente poca, incapaz de dar vazo tamanha demanda, gerando um acmulo de processos. Alm disso, aponta-se, tambm, o excesso de formalismo dos servios forenses. Neste contexto, dispe Joo Batista Lopes: (...) as causas da morosidade da justia so vrias anacronismo da organizao judiciria, falta de recursos financeiros, deficincias da mquina

judiciria, burocratizao dos servios, ausncia de infra-estrutura adequada, baixo nvel do ensino jurdico e aviltamento da remunerao dos servidores e nenhuma delas isoladamente, explica o quadro atual de lentido dos processos.28 Nesse sentido, MARINONI sinala que o grande problema, na verdade, est em construir tecnologias que permitam aos jurisdicionados obter uma resposta jurisdicional tempestiva e efetiva. Isto difcil no somente porque a necessidade de tempestividade modifica-se de acordo como as mudanas da sociedade e dos28

LOPES, Joo Batista. Efetividade do processo e reforma do Cdigo de Processo Civil: como explicar o paradoxo processo moderno Justia morosa?, repro 105/128, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 35

prprios direitos, mas tambm porque o Estado apresenta dificuldades em estruturar-se de modo a atender a todos de forma efetiva.29 Outro problema a crise processual, que conjugada crise do Poder Judicirio, vem contribuir com a morosidade na prestao da tutela estatal. A crise do processo caracteriza-se pela incapacidade desse tutelar aos novos e especficos conflitos, de forma adequada e tempestiva, o que vem exigindo uma srie de mudanas constitucionais que acabam tornando a Constituio Federal um aglomerado de normas sem unidade de contexto. Reitera-se que o tempo no processo deve determinar o desenvolvimento deste, bem como a atividade legislativa, definidora dos prazos processuais. Por outro lado, os tempos processuais definidos por lei devem ser obedecidos, cumpridos, o que nem sempre ocorre, sobretudo em se tratando de prazos imprprios, ou seja, que permitem dilao, sendo este outro problema a ser corrigido. Fator tambm de demora na prestao do Direito so as leis processuais existentes, excessivamente formalistas nas quais esto previstas uma srie de procedimentos incidentes, recursos, reexames necessrios etc., que, muitas vezes, geram dvidas e controvrsias. Todos estes fatores combinados geram a demora, por parte do Estado, provocando tenses sociais, que podem vir a culminar, inclusive, no questionamento da razo de ser do Direito. Da, a urgente necessidade dos intrpretes conhecerem e compreenderem o cerne do direito e suas tcnicas, bem como dos operadores do Direito difundirem os meios mais adequados e cleres para a soluo das lides. Neste sentido, importante a lio de Carlos Maria Crcova (1998): (...) os homens, sujeitos de direito, sditos que devem adequar suas condutas lei, desconhecem a lei ou no a

compreendem. Isto desconhecem o estatuto jurdico dos atos que realizam ou no o percebem com exatido ou no assumem os efeitos gerados por esses atos ou se confundem em relao a uns ou outros(...) acrescentando o autor, mais frente refere que:

29

Artigo citado, disponvel em http://www.professormarinoni.com.br/admin/users/05.pdf, acessado em 20/10/2010. 36

(...) as leis, mesmo se redigidas na lngua nativa do povo, o povo no pode aprend-las nem l-las, e sequer se inteirar de sua existncia, muito menos domin-las, concordar com elas e ret-las na memria. E, mesmo quando tivesse conhecimento de sua existncia, tempo e prazer de l-las, no as entenderia, porque seu lxico seis ou oito vezes mais rico que o do pueril plebeu, formando s por isso - mesmo se omitidas outras circunstncias como as do tecnicismo - uma fala diferente (...). Outro aspecto, tambm, importante que uma vez prestada a tutela estatal, de forma justa e clere, esta deve ser til, ou seja, apta a satisfazer a pretenso deduzida em juzo. Neste diapaso, critica-se o pagamento de indenizaes, desapropriaes, devolues de quantias dos particulares indevidamente retidas pelo Poder Pblico etc., por meio de precatrios, cujo pagamento demora anos. Verifica-se que o problema da relao tempo e processo envolve no apenas fatores referentes ao trmite processual, propriamente dito, ou seja, aos demorados ritos processuais previstos pelas legislaes (e o excesso de formalismos), como tambm recebe a influncia de fatores externos, quais sejam: a precria estrutura do Poder Judicirio, tanto no aspecto de recurso materiais como de recursos humanos; o desrespeito ao sistema legal pelos agentes da Justia; o fator cultural da no utilizao de meios extrajudiciais para pacificao da lide de forma mais clere e com menos custas; a no utilizao de meios modernos (como por exemplo, a informatizao) nos diversos rgos; e, at mesmo, o precrio conhecimento jurdico por parte dos operadores de Direito.

37

CAPITULO 3 A RAZOVEL DURAO DO PROCESSO POR MEIO DAS REFORMAS LEGISLATIVAS

38

A legislao processual sem dvida um sistema de tcnica de realizar a composio dos litgios, mas no um sistema completo e exaustivo, pois pressupe organismos oficiais por meio dos quais ir atuar. Os mtodos e recursos de trabalho desses organismos so vitais para que o propsito sistemtico da lei processual seja corretamente alcanado. Para manter uma sincronia entre a norma legal e sua operacionalidade administrativa, preciso conhecer, cientificamente, as causas que, in concreto, frustram o desiderato normativo. E isto, obviamente, ser inatingvel, pelo menos com seriedade e segurana, se a organizao dos servios judicirios no contar com rgos especiais de estatstica e planejamento. No campo legislativo, diferentes e criativas alternativas foram implementadas com a primeira grande reforma processual, instituda predominantemente pelas Leis nos 8.950 e 8.952, de 1994, 9.139/95 e 9.245/96, que introduziram em nossa ordem jurdica novos institutos jurdicos e algumas alteraes normativas que objetivaram atender ao mandamento da efetividade do processo. Dentre elas, lembramos a antecipao dos efeitos da tutela de mrito, a revitalizao do procedimento sumrio, a execuo especfica nas obrigaes de fazer e de no fazer para a obteno do resultado prtico equivalente ao adimplemento e a remodelao do recurso de agravo, com a modificao de sua forma de interposio e com o estrangulamento das hipteses de cabimento da sua modalidade instrumental, entre outras. A Lei n 11.382, publicada em dezembro de 2005, alterou a forma de processamento das execues de ttulos extrajudiciais, inclusive com relao realizao de atos essenciais como o leilo, de maneira a tornar mais flexvel e clere a execuo forada. A insero, pela Lei n 11.277/2005, do art. 285- A do Cdigo Processual Civil tambm foi uma revoluo para a diminuio do tempo de tramitao do processo. Esta alterao permite ao juiz, nos casos repetidos e idnticos, prolatar sentena de extino do processo de plano, antes mesmo de determinar a citao da outra parte, o que evita leso ao possvel promovido e d escoamento aos chamados processos em srie que entopem as estantes das Varas da Fazenda Pblica e da Justia Federal. O ano de 2006 foi marcado pela produo de vrias leis processuais que tm por objetivo a celeridade do processo, e que, portanto, so efeitos diretos do39

princpio tratado neste estudo. Em fevereiro daquele ano, a Lei n 11.276, que alterou a forma de interposio de recursos, o saneamento de nulidades processuais e o recebimento de recurso de apelao, dentre outros, sempre visando a simplificao do trmite do processo, com destaque para a proibio de recursos contra despachos judiciais e a determinao O juiz no receber o recurso de apelao quando a sentena estiver em conformidade com smula do Superior Tribunal de Justia ou do Supremo Tribunal Federal consoante o art. 518, 1 Cdigo de Processo Civil. O grande destaque, dentre as leis que tornam clere a prestao jurisdicional, deve ser atribudo Lei n 11.441/07 (Realizao de inventrio, partilha, separao consensual e divrcio consensual por via administrativa), que altera os arts. 982, 983 e 1.031 e insere o art. 1.124-A30 no Cdigo de Processo Civil. Atando de celeridade, a Lei 11.419/06 (regulamenta o uso de meio eletrnico na tramitao de processos judiciais), trouxe importantes inseres no ordenamento processual. Convm ressaltar o pargrafo nico do artigo 3 da citada lei que assim estabelece: Quando a petio eletrnica for enviada para atender prazo processual, sero consideradas tempestivas as transmitidas at as 24 (vinte e quatro) horas do seu ltimo dia. Considerando que os fruns em sua maioria, fecham s 19:00 hs, se o jurisdicionado optar por peticionar pela forma eletrnica atravs da rede mundial de computadores, cujo mecanismo dever ser implementado, poder peticionar at antes das 24:00 hs ou meia-noite do ltimo dia do prazo processual, que ser considerada tempestiva a petio. Ainda, a lei n 11.419/06, alterou o pargrafo nico do art. 541 do Cdigo de Processo Civil dispe agora que os acrdos para comprovao de dissdio30

Art. 1.124-A. A separao consensual e o divrcio consensual, no havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, podero ser realizados por escritura pblica, da qual constaro as disposies relativas descrio e partilha dos bens comuns e penso alimentcia e, ainda, ao acordo quanto retomada pelo cnjuge de seu nome de solteiro ou manuteno do nome adotado quando se deu o casamento. 1o A escritura no depende de homologao judicial e constitui ttulo hbil para o registro civil e o registro de imveis. 2o O tabelio somente lavrar a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja qualificao e assinatura constaro do ato notarial. 3o A escritura e demais atos notariais sero gratuitos queles que se declararem pobres sob as penas da lei. 40

jurisprudencial, um dos motivos que autoriza a interposio de recurso especial no Superior Tribunal de Justia, podem ser obtidos por meio eletrnico. Esse dispositivo s veio para tornar legal aquilo que j era uma bvia tendncia no Superior Tribunal de Justia, diante do absurdo que consistia obrigar as partes e, principalmente, os advogados a se deslocarem at os respectivos tribunais estaduais para solicitar cpias oficiais dos acrdos quando estes j eram disponibilizados nos prprios sites dos tribunais. Outros dois mecanismos que importam em celeridade na prestao da tutela jurisdicional so a smula vinculante e a preliminar recursal de repercusso geral, ambos j incorporados ao ordenamento jurdico brasileiro, por fora da j mencionada Emenda Constitucional n 45 de 2004. A Smula Vinculante consiste no resumo de um entendimento, expresso em decises reiteradas do Supremo Tribunal Federal (STF rgo de cpula do Poder Judicirio brasileiro), sobre matria constitucional, versando sobre direitos fundamentais ou preceitos estruturais do Estado expressos na Constituio Federal, que vinculante (de observncia obrigatria) para todos os rgos do Poder Judicirio e da Administrao Pblica. Segundo o artigo 2 da Lei 11.417/06: O Supremo Tribunal Federal poder, de ofcio ou por provocao, aps reiteradas decises sobre matria constitucional, editar enunciado de smula que, a partir de sua publicao na imprensa oficial, ter efeito vinculante em relao aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder sua reviso ou cancelamento, na forma prevista nesta Lei. O enunciado da smula vinculante ter por objeto a validade, a interpretao e a eficcia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre rgos judicirios ou entre esses e a administrao pblica, controvrsia atual que acarrete grave insegurana jurdica e relevante multiplicao de processos sobre idntica questo ( 1 do artigo 2 da lei 11.417/06). O artigo 3 indica os legitimados a propor a edio, a reviso ou o cancelamento de enunciado de smula vinculante e pelo artigo 4 fica estabelecido que a smula com efeito vinculante tem eficcia imediata, mas o Supremo Tribunal Federal, por deciso de 2/3 (dois teros) dos seus membros, poder restringir os efeitos vinculantes ou decidir que s tenha eficcia a41

partir de outro momento, tendo em vista razes de segurana jurdica ou de excepcional interesse pblico. A repercusso geral, por outro lado, objetiva reduzir o nmero de recursos repetidos (veiculando a mesma matria com base nos mesmos argumentos) a serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo tal instituto processual, somente sero apreciadas as insurgncias quando a parte recorrente, em sede de preliminar recursal nas suas razes, demonstrar a relevncia e abrangncias dos temas abordados, sob pena de rejeio do reclamo sem anlise de seu contedo de mrito. O emprego de tal filtro recursal permite uma melhor otimizao do tempo pelos julgadores integrantes do Pretrio Excelso, na medida em que possibilita o deslocamento de sua ateno para os casos ainda no apreciados (inditos), rejeitando a anlise de temas j definidos pela jurisprudncia da Corte. Segundo estimativa da prpria administrao do Supremo Tribunal Federal, o uso de tal instrumento "far com que os mais de 100 mil recursos que a Corte julga anualmente caia para cerca de 1 mil casos"31

31

(Supremo racionaliza pauta com Repercusso e Smula. Consultor Jurdico.

www.conjur.com.br. Acesso em 15.05.2008).

42

CONCLUSO inegvel que com a entrada em vigor da Constituio Federal de 1988, o acesso da populao justia foi facilitado e, com isso, o nmero de aes de aes levadas a juzo aumentou de forma considervel. O resultado disso foi entupimento das vias judicirias refletindo da excessiva lentido dos diversos rgos do Poder Judicirio. No obstante as novas leis que interferem de forma mais drsticas na durao dos diversos processos, a situao do jurisdicionando ainda tende a ser deficitria. Muita dessa defasagem decorre de fatores histricos que acompanham, e acompanharo nossos ordenamentos por algum tempo. lastimvel, mas no se pode deixar de reconhecer o regime catico em que os rgos encarregados da prestao jurisdicional no Brasil trabalham em favor do descrdito da populao em relao a toda mquina judiciria, bem como, do sistema administrativo. A observncia de um procedimento clere, moderno e eficiente implica, no apenas, a facilitao do acesso justia, mas acima de tudo, ao respeito e a dignidade do ser humano que se socorre dos meios judiciais para solucionar desavenas que no podem ser resolvidas pela fora das prprias mos. Alem de ligada a noo de acesso a justia, a tempestividade da tutela jurisdicional esta arraigada a noo de efetividade do processo, o qual s pode ser reputado efetivo quando cumpre os fins a que se presta, que muitas vezes no so alcanados em razo da morosidade processual; As diversas modificaes legislativas que buscam acelerar a marcha processual devero trazer algum tipo de benefcio para os jurisdicionando, mas a populao s vai se sentir segura para ingressar ao Judicirio quando este, alm de dar um tramite clere ao processo, pronuncie uma deciso de qualidade e que alcance o mnimo da to aclamada pacificao social.

43

BIBLIOGRAFIABARBOSA MOREIRA, Jos Carlos. O futuro da justia: alguns mitos. Revista de Processo, So Paulo, Ano 25, n. 99, jul./set. 2001. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso Justia. Traduo de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. CARVALHO, Fabiano, EC n.45: Reafirmao da garantia da razovel durao do processo, Reforma do Judicirio, So Paulo : RT, 2005 apud GIANFRANCO SILVA CARUSO, DIMENSO CONSTITUCIONAL DO DIREITO RAZOVEL DURAO DO PROCESSO (um enfoque sobre o direito celeridade processual expressado pela Emenda Constitucional n45), CINTRA, A.C.deA.; GRINOVER, A.P.; DINAMARCO, C.R. Teoria Geral do Processo. , 8a ed. Revista dos Tribunais, Sao Paulo, 1991. CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. Garantia do processo sem dilaes indevidas. In: CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio (Coord). Garantias Constitucionais do Processo Civil. Homenagem aos Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VIII, N 10 - Junho de 2007. DINAMARCO, Cndido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 4. ed., So Paulo: Malheiros, 2001, t.2. ______. Instituies de Direito Processual Civil .Vol. 1., 5. ed., So Paulo: Malheiros, 2005. GAIO Junior, Antonio Pereira, Direito Processual Civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento e recursos v. 1, 2 ed.; Belo Horizonte: Del Rey, 2008. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale, 8 ed., Padova, Cedam, 1996. apud Paulo Henrique dos Santos Lucon Panptica, ano 1, n. 8, maio junho 2007. HOFFMAN, Paulo. O Direito razovel durao do processo e a experincia italiana. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim...(et all) (Coord). Reforma do Judicirio: Primeiros ensaios crticos sobre a EC n. 45/2004. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. HOFFMAN, Paulo. O direito razovel durao do processo e a experincia italiana. Jus _avigandi, Teresina, ano 9, n. 782, 24 ago. 2005. Disponvel em: . Acesso em: 10/11/2010. INSTITUTO ANTNIO HOUAISS DE LEXICOGRAFIA. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 LOPES, Joo Batista. Efetividade do processo e reforma do Cdigo de Processo Civil: como explicar o paradoxo processo moderno Justia morosa, So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. So Paulo: RT, 1993. NICOLITT, Andr Luiz. A Razovel Durao do Processo. Rio de Janeiro: Lumen Jris, 2006. PERROT, J.Apud Adriana Grandinetti Viana.A razovel durao do processo como mecanismo de desenvolvimento social. Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUC como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito Econmico Social. Disponvel em: HTTP://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE_2008_06_13T104547ZPublico/Adriana_Grandinetti.pdf, acessado em 16/10/2010. SOUZA SANTOS, Boaventura. Pelas mos de Alice: o social e o poltico na psmodernidade. So Paulo: Cortez, 1996 VIANA, Adriana Grandinetti .A razovel durao do processo como mecanismo de desenvolvimento social. Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUC como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito Econmico Social. 44

Disponvel em: HTTP://www.biblioteca.pucpr.br/tede/tde_arquivos/1/TDE_2008_06_13T104547ZPublico/Adriana_Grandinetti.pdf, acessado em 16/10/2010 WATANABE, Kazuo. Assistncia Judiciria e Juizado Especial de Pequenas Causas. So Paulo: RT, 1985. ______. Da Cognio no Processo Civil. Campinas: Bookseller, 1999.

45