monografia final luis escada
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES
E DAS RELIGIÕES
A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A
ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM
MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974)
Luís Carlos da Silva Lins
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Recife/2009
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ENSINO DE HISTÓRIA DAS ARTES
E DAS RELIGIÕES
A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO): FORMAÇÃO E A
ATUAÇÃO DE CRISTÃOS/ÃS COMPROMETIDOS/AS COM
MUDANÇAS NO ESTADO DE PERNAMBUCO (1964-1974)
Luís Carlos da Silva Lins
Monografia apresentada ao Curso de
Especialização em Ensino de História das
Artes e das Religiões/UFRPE, como requisito
parcial para obter o título de Especialista.
ORIENTADOR:
Prof. Dr. Edson Silva (UFPE)
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Recife/2009
AGRADECIMENTOS
Só quem sabe de onde veio e dos caminhos que teve de percorrer tem a idéia do
tanto de gente a quem se deve. E é natural, que nos esqueçamos de algum personagem
nesta breve nota de agradecimento. Mas vamos arriscar e que se sintam todos,
contemplados na lista que se segue. Agradecimentos à minha Família, em especial à
minha Mãe, negra, de origem rural, pouca letrada, tecelã da Companhia Industrial
Pirapama, que criou três filhos com tanta dificuldade e nunca me chamou de
preguiçoso por ficar “enfurnado” no quarto lendo livros em vez de trabalhar para
ajudar no sustento da casa. A todos os meus professores, desde as séries iniciais, cada
um é responsável pela minha formação e interesse em continuar minha vida acadêmica.
À minha esposa que me encorajou a estudar, a não ter receio de prosseguir e aos meus
filhos que pacientemente aguardaram por minha atenção. Ao meu professor, Edson
Hely Silva, que colocou-se sempre à disposição para conversar (por e-mails, telefone,
pessoalmente, sempre de bom humor), polemizar a respeito de algum tema, sempre
sugerindo, dando pistas e de forma simples explicando-me tudo, até como digitar as
notinhas de rodapé. Às pessoas que me deram depoimentos, que me cederam livros,
como o amigo e conterrâneo, Prof. Luís Ribeiro e o Padre Reginaldo Veloso, sempre
atencioso e a todos os membros do Movimento de Trabalhadores Cristãos, a antiga
Ação Católica Operária - ACO, pela generosidade de sempre me atender quando lhes
solicitei alguma informação.
4
DEDICATÓRIA
In memorian
Dedico este trabalho ao meu compadre e amigo, além de fundador da Ação Católica Operária, João Francisco da Silva e à Lorena Araújo, por terem devotado a maior parte de suas vidas à causa da Classe Operária.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------01
Capítulo I – AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA
1.1- Prelúdio da Ação Social da Igreja--------------------------------------------03
1.2- O Pensamento Social Cristão na Idade Média------------------------------04
1.3- As Encíclicas Papais------------------------------------------------------------07
1.4- A Rerum Novarum--------------------------------------------------------------08
1.5- A Quadragesimo Anno---------------------------------------------------------11
1.6- A Mater et Magistra-------------------------------------------------------------12
1.7- O Concílio Vaticano II----------------------------------------------------------15
1.8- Origens da Ação Católica Internacional--------------------------------------17
Capítulo II - A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO) NO BRASIL E EM
PERNAMBUCO
2.1- A Ação Católica do Brasil---------------------------------------------------------18
2.2- A Ação Católica Especializada---------------------------------------------------19
2.3- Gestação da Ação Católica Operária---------------------------------------------20
2.4- O Surgimento da ACO no Brasil-------------------------------------------------22
2.5- A Organização do Movimento----------------------------------------------------23
2.6- O Método de Trabalho-------------------------------------------------------------24
Capítulo III – A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE
3.1 – O Método Ver-Julgar-Agir-------------------------------------------------------27
3.2- A Revisão de Vida Operária (RVO)---------------------------------------------29
3.3- A Produção Literária (O Intelectual Orgânico Popular)-----------------------31
3.4- A Formação na Ação---------------------------------------------------------------36
CONSIDERAÇOES FINAIS -------------------------------------------------------------------39
BIBLIOGRAFIA----------------------------------------------------------------------------------40
ANEXOS/FOTOGRAFIAS---------------------------------------------------------------------42
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LISTA DAS ABREVIAÇÕES
ACE – Ação Católica Especializada
ACG – Ação Católica Geral
ACO – Ação Católica Operária
ACR – Ação Católica Agrária
APML – Ação Popular Marxista-Leninista
CPT – Comissão da Pastoral da Terra
ITER - Instituto Teológico do Recife
JAC – Juventude Agrária Católica
JEC – Juventude Estudantil Católica
JIC – Juventude Independente Católica
JOC – Juventude Operária Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LOC – Liga Operária Católica
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTC – Movimento de Trabalhadores Cristãos
CENDHEC – Centro Dom Helder Câmara
7
INTRODUÇÃO
Alguns/mas leitores/as (ou muitos/as, talvez!), que tiverem acesso a este documento
– com destaque para os/as especialistas e estudiosos/as, que são os/as mais críticos/as e
com pertinência – haverão de julgar estes escritos como “parciais”, “românticos”, ou quem
sabe até “apaixonados”. Eu trato aqui, da contribuição dada por um “movimento social ou
de Igreja” (Católica Apostólica Romana): A Ação Católica Operária – ACO.
Todos nós sabemos do rigor científico que se deve ter ao pesquisar, do ponto de
vista acadêmico, instituições, entrevistar pessoas, visitar lugares, promover leituras e
escrever sobre um tema. Todos nós temos “ciência” dessa exigência e distanciamento
necessários em relação ao “objeto” estudado. Mas, embora já tenha caído em desuso, faço
questão de lembrar, a falsa crença na tal “independência” ou “isenção” nos diversos ramos
do conhecimento e da pesquisa.
É importante que exponhamos, sem ingenuidades nem determinismos ou
parcialidade que as contradições estão em toda parte, em todos os lugares, dentro de cada
um/a de nós, e claro, no seio das instituições e suas ramificações.
Por isso, não dei relevo aqui para as contradições, por exemplo, da Igreja Católica
(apesar de citá-las em algumas passagens), nem às incongruências, por extensão, também
presentes na Ação Católica Operária. É certo que os equívocos, mesmo que diminutos,
podem comprometer a trajetória ou amortecer o impacto das ações desenvolvidas pelas
instituições. Mas onde ficam as “intenções”? As ações postas em prática e sua
repercussão? Será que deveríamos açoitar apenas? Eu respondo: respondo que não. Não
devemos fechar os olhos para os desvios como também devemos reconhecer o “Mérito” do
objetivo que pode ser maior que as contradições.
Reitero, portanto, que meu objetivo aqui, foi de dar destaque a atuação da Ação
Católica Operária - ACO, em especial, numa das conjunturas políticas mais obscuras da
história política brasileira: a da repressão pela Ditadura Militar.
Acredito, até pela repercussão nos jornais de época e testemunhos arrolados, que a
ousadia daqueles/as que faziam a Ação Católica Operária (hoje MTC) foi de grande
importância para o fortalecimento dos movimentos de resistência ao regime em vigor. E
8
para além da ousadia, num momento em que pessoas perderam a própria vida como o
Padre Antonio Henrique Pereira da Silva Neto (ligado diretamente ao Arcebispo de Olinda
e Recife, Dom Helder Câmara), e outros/as, que até nos dias atuais são tidos/as como
desaparecidos/as. Como o exemplo do pernambucano, militante da Ação Popular Marxista-
Leninista (APML), Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, não encontrado desde 1974,
quando contava apenas com 26 anos de idade.
Para entender e explicar essa “motivação para o “Agir” dos membros da Ação
Católica Especializada, denominada ACO, em especial no Regional NE II que compreende
os estados de Pernambuco e Paraíba, nos reportamos ao cristianismo primitivo, à Doutrina
Social da Igreja Católica Apostólica Romana, à alguns pensadores católicos da Idade
Média, Moderna e Contemporânea, às Encíclicas Papais, Concílios e documentos
advindos, publicações na área da História, sites especializados na internet e depoimentos
orais.
Nos capítulos a seguir procuraremos explicar as origens da Ação Católica, o início
e atuação da Ação Católica Operária no Brasil e em Pernambuco e, por fim como se dava a
formação do/a militante desse movimento originalmente de Igreja.
Apesar das argumentações iniciais não é nossa intenção nos fecharmos “em nossas
certezas”. Isso não seria razoável nem acadêmico. Por isso, agradeceremos se, para além
da leitura, se fizer a crítica e a contribuição necessárias.
9
CAPÍTULO I
AS ORIGENS DA AÇÃO CATÓLICA
1.1. Prelúdio da Ação Social da Igreja Se considerarmos as afirmações de teólogos e teóricos da Igreja Católica Romana
como o franciscano Leonardo Boff, uma Igreja que prega o compromisso com a mudança
na ordem social vigente, chamada “igreja libertadora”, iniciou sua ação na América, no
México, por meio de Bartolomé de Las Casas (1484-1566): “O religioso que ainda jovem,
deixa a cidade de Sevilha (Espanha) e desembarca na América central em 1502, como
colono. Extasiado pela conquista colonial espanhola, torna-se colonizador. O ouro e a
ambição são os motivos que norteiam sua vida”.1 O Bispo Bartolomé que presenciara as
atrocidades cometidas contra os nativos do chamado “Novo Mundo” pelos colonizadores
espanhóis, se rebelou, fez queixas expressas à Coroa espanhola e tornou-se voz
contundente contra o arbítrio dos cristãos europeus.
Como afirmou o Frei Carlos Josaphat, o dominicano Las Casas, é o modelo e o
porta-voz da justiça social, o profeta de todos os direitos para todos na América. “Sua
figura, sua mensagem e sua luta resplandecem hoje como verdadeiro paradigma das
relações dos povos colonizados com os índios que sobreviveram ao massacre da conquista
européia”.2 Las casas foi levado ao arrependimento e revisão de sua presença e ação
apostólica na América a partir, é lícito afirmar, das bases primordiais do cristianismo.
Mais quais as bases desse tipo de pensamento no início da ação social católica nas
Américas, destacados por Leonardo Boff e Carlos Josaphat? Não desconsideramos os erros
históricos, alguns já mencionados por alguns papas, como João Paulo II que pediu perdão
pela participação da Igreja no processo de colonização da América, mas esta instituição
não sobreviveria e manteria o maior rebanho de seguidores do mundo se não praticasse
algum tipo de proselitismo.
Tentaremos identificar as origens da ação católica, de sua ação social, de sua
principalmente, “opção preferencial pelos pobres”. Fases anteriores da história da Igreja
1PALEARI, Giorgio. Revista Eletrônica Mundo e Missão. Disponível no site: http://www.pime.org.br/mundoemissao/espiritlascasas.htm. Acesso em 30/12/2008.2Idem.
10
que preparou as bases para o surgimento da Ação Católica no Brasil, a Ação Católica
Especializada, e por fim, a Ação Católica Operária.
1.2. O pensamento social cristão na Idade MédiaComo já enfatizamos, seria desnecessário aqui apontar os “usos e abusos”
praticados pela cristandade desde o período medieval. O que nos propomos neste estudo é
destacar o invulgar e pouco abordado, papel desempenhado por líderes desta mesma
tradição religiosa que contrastando com o histórico de desmandos e equívocos cometidos
pela instituição - que obviamente não devem ser esquecidos nem tolerados - mas
confrontados com as iniciativas mais próximas do que conhecemos por cristianismo
primitivo no seu comprometimento com a ação social.
O escritor, destacou que “todas as idéias da Antigüidade sobre a sociedade, o
Estado, a moral, o direito e economia”3 que não se chocavam com as idéias cristãs eram
absorvidas e adaptadas. De fato, uma resultante da fusão do Judaísmo com a tradição
filosófica greco-romana. Vide Santo Agostinho com o Platonismo e Santo Tomás de
Aquino com o Aristotelismo, os dois grandes pensadores desse período. Ainda segundo
Beer, “predominam quase exclusivamente as considerações de ordem moral e religiosa.
Seu objetivo principal, nesse momento, é a luta contra o egoísmo, para supressão do mal e
a instauração da justiça social”.4
O mesmo autor nos chama atenção para a preocupação de líderes religiosos que
destacavam a importância da vida comunitária, partilhada e socialmente justa. Ele
classifica essa junção de pensamento e ação reformadora como “elementos comunistas do
cristianismo” fazendo questão de enfatizar a descaracterização sofrida com a romanização
dessa tradição religiosa enquanto movimento, a partir de sua oficialidade junto ao Império
Romano de Constantino com o Édito de Milão.
O autor fundamentou suas observações buscando elementos e fazendo referência ao
livro Atos dos Apóstolos, onde de acordo com os versos 42 a 44 do capítulo 2, “os cristãos
primitivos tinham todos os seus bens em comum” e mais adiante no capítulo 4, nos versos
32 e 37, “ninguém considerava exclusivamente sua nenhuma das coisas que possuía”.
O mesmo autor ainda, sustenta ainda que os hereges e monges do medievo
estiveram bastante fiéis a este espírito social do cristianismo primitivo, que optaram pelo
heretismo ou pela monastia justamente para salvaguardar os ideais primordiais deste
3BEER, Max. História do Socialismo e das lutas sociais. São Paulo, Expressão Popular, 2006, p.130.4Idem, p.130.
11
movimento e fugirem da ideologia dominante, ou seja, da “chamada romanização” da
igreja oficial.
Entre os principais líderes religiosos dessa doutrina moral e filosófica que buscaram
inspiração no comprometimento social do cristianismo primitivo, destacaram-se: os
chamados santos padres Barnabás; Justino, o Mártir; Clemente de Alexandria; Orígenes;
Tertuliano; São Cipriano; Latâncio; Basílio de Cesária; Gregório de Nacianzo; João
Crisóstomo; Santo Ambrósio e Santo Agostinho, “que preconizavam um gênero de vida
baseado no espírito comunista que, segundo eles, era mais virtuoso e o mais próximo do
ideal cristão”, afirma Max Beer.5
Reproduzimos aqui, alguns aconselhamentos proferidos por estes representantes do
ideário de vida em comum:
- Barnabás: “Deverás repartir tudo, em tudo e por tudo com o teu próximo e
não falar em propriedade. Porque, se ponto de vista dos bens espirituais já
consideras o próximo como teu irmão, com muito mais razão deves assim
considerá-lo em tudo o que se refere a bens materiais transitórios”.
- São Cipriano: “Desfrutamos em comum todas as dádivas divinas.
Ninguém está excluído de seus benefícios. Todos os homens podem usufruir
igualmente os bens e a benevolência de Deus… Todo aquele que divide
seus lucros com os irmãos segue o exemplo de Deus”.
- Basílio, o Grande: “Nada resiste ao poder do dinheiro. Todos se curvam
perante ele. Não se pode qualificar de ladrão o homem que se apropria de
bens que recebeu apenas para administrar? O pão de que te aproprias é
daquele que tem fome. Daquele que está nu são as roupas que guardas nas
tuas arcas. Daquele que anda descalço, e que trabalha em tua casa sem nada
a receber, é o dinheiro que escondeste no teu subterrâneo”.
Este pensamento de Basílio, o Grande, aliás, está mais para manifesto comunista do
que para homilia. Além da crítica social, Basílio, o Grande, era propositivo e reivindicador:
“Nós, que somos seres providos de razão, poderemos mostrar-nos mais cruéis do que os
animais? Estes consomem em comum os produtos da terra. Os rebanhos de carneiros
pastam no mesmo lugar da montanha e os cavalos no mesmo prado. Mas nós, nós nos
apropriamos de bens que devem pertencer a todos e queremos possuir sozinhos o que
pertence à comunidade”, acrescentou o religioso.
5Idem, p.133.
12
- João Crisóstomo: “Porque eles não se limitavam a dar somente uma parte do que
possuíam, conservando a outra para si mesmos; Tampouco davam o que tinham como se
estivessem entregando um bem que lhes pertencesse. Suprimiram todas as desigualdades e
viveram no meio da maior abundância. Realmente, a dispersão dos bens acarreta maiores
gastos. Em conseqüência disso, todos empobrecem. Tomemos, como exemplo uma família
composta de um homem, uma mulher e 10 crianças. A mulher em casa tecendo. O homem
trabalha fora. Precisarão de mais dinheiro se viverem juntos ou separados? É claro: se
viverem separados!... A dispersão determina inevitavelmente uma diminuição dos bens
existentes. A vida em comum, ao contrário, multiplica os bens. É assim que os monges
vivem nos seus conventos, como viviam antigamente os primeiros cristãos”.
- Santo Ambrósio considera a propriedade privada como filha do pecado (neste
caso, não creio que seria resistência ao feudo [ou à modernidade futura] com fins de
preservação de patrimônio e poder) e defende a seguinte tese dos estóicos: “A natureza dá
tudo em comum a todos. Deus criou os bens da Terra para os homens gozarem-nos em
comum, para que sejam propriedade comum de todos. Portanto, foi a natureza que criou o
comunismo. A violência é que estabeleceu a propriedade privada”. Pelo visto, Jean-
Jacques Rousseau bebeu nesta fonte e lançou a partir dela, luzes na modernidade.
Mas não poderíamos deixar de registrar o que pensou e disse a respeito, Santo
Agostinho, discípulo de Santo Ambrósio: “A propriedade privada origina dissensões,
guerras, insurreições, carnificinas, pecados graves e veniais… Nós possuímos grande
número de coisas supérfluas. Contentemo-nos com o que Deus nos deu e tomemos só
aquilo de que necessitarmos para viver. Porque o necessário é obra de deus, mas o
supérfluo é obra da cobiça humana. O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres. Quem
possui um bem supérfluo possui um bem que não lhe pertence”.
Em meio à alta concentração de terras e de poder, a convivência e conivência com
os poderosos do seu tempo, no seio da cristandade sopraram brisas de resistência e de
apego aos ensinamentos e experiências contidos na “boa nova” dos Atos dos Apóstolos.
Uma antecipação e um fundamento para a revisão nas ações de Bartolomeu de Las Casas
nas terras do México que pode ter influenciado no humanismo de pessoas como o Padre
Antonio Vieira, aqui no Brasil e Portugal. Muitas dessas idéias consideradas progressistas
para sua época deveriam servir de fermento para mudanças, se devidamente apropriadas e
potencializadas para fins de reforma social, por exemplo.
1.3. As encíclicas papais
13
Identificaremos nas chamadas cartas ou documentos que têm sentidos dogmáticos
ou doutrinários, as chamadas encíclicas, observações em relação ao compromisso social
que os bispos, padres e leigos deveriam exercer. Ou seja, o que propuseram em relação a
sua doutrina social, além da religiosa. Essas orientações estão voltadas às conjunturas de
ordem econômica e política, portanto ideológicas das ocasiões em foram anunciadas. Mas
antes, por dever, vale informar que estas cartas são acompanhadas de muitas críticas
devido às incoerências entre suas exortações e a prática da própria Igreja. Que ela mesma,
através de seus teóricos e discursos oficiais trata de explicar e, a muito custo, tentar
retratar.
É importante ter presente que a explicação vem da seguinte maneira: “Todas as
encíclicas sociais da igreja reivindicam seu direito e seu dever de pronunciar-se sobre os
problemas sociais, a partir da ótica própria da Igreja, que é a de defesa do homem criado à
imagem de Deus, especialmente dos homens mais indefesos”.6
De fato, os documentos históricos são fartos em apontar os desvios desta Igreja que
são admitidas publicamente, quanto a corrigi-las…Outro fato é de que esta mesma Igreja
milenar não tem se omitido(mesmo de forma conservadora) diante de questões polêmicas e
em especial, em relação à condição dos trabalhadores e do ser humano em geral. E é isto
que destacaremos aqui.
1.4. A Rerum NovarumNos finais do século XIX, com o surgimento da sociedade industrial modificou-se o
contexto social de modo a determinar uma reavaliação do que seria a "justa ordem da
coletividade". Antigas estruturas sociais foram desmontadas e o surgimento da massa de
proletários assalariados determinou fortes mudanças na organização social fazendo com
que a "relação capital e trabalho" se tornassem uma questão decisiva de um modo até então
desconhecido.
E como se pronunciou a “Carta encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre
a condição dos operários” na época de Revolução Industrial e o espectro ameaçador das
idéias socialistas utópicas e científicas de Marx e Engels. Sobre a Igreja e a questão social
esta carta diz: “É com toda a certeza que nós abordamos este assunto, e em toda a plenitude
do nosso direito; porque a questão de que se trata é de tal natureza, que, não se apelando
para a religião e para a igreja, é impossível encontrar-lhe uma solução eficaz”.7
6ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena Enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo, Loyola, 1991, p. 181.7Rerum Novarum. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XIII sobre a condição dos Operários. 15ª ed. São Paulo, Paulinas, 2005, p.19.
14
Sobre a luta de classes e a desigualdade, a Rerum Novarum expõe seu verniz
conservador e romanizado, tão criticado por muitos:
O primeiro princípio a pôr em evidência, é que o homem deve aceitar com
paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao
mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos
os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão
multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde,
de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das
condições.8
E ainda:
Entre estes deveres, eis o que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve
fornecer integral e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por contrato
livre e conforme a eqüidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus bens,
nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de violências, e
nunca revestirem a forma de sedições… 9
Quanto às obrigações dos operários e dos patrões, a encíclica é absurdamente
conservadora aos olhos de hoje, considerando inclusive, a concorrência com os socialistas:
Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas
respeitar nele a dignidade do homem realçada ainda pela do cristão… O que é
vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucros, e não
os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo, além disso,
prescreve que se tenha em consideração os interesses espirituais do operário e o bem de
sua alma..10
Observemos algumas de suas imprecações sobre a posse e uso das riquezas.
Discurso bem ao gosto da classe burguesa e respaldada em Santo Tomás de Aquino, aliado
de príncipes alemães na idade média européia:
Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário
ou de sua família; nem mesmo a nada suprimir de que as conveniências ou decência
impõem à sua pessoa: ‘Ninguém, com efeito, deve viver contrariamente às conveniências,
Santo Tomás, sum. Teol., II-II, q. 32, a. 6’. Mas, desde que tenha suficientemente satisfeito
à necessidade e ao decoro, é um dever dar o supérfluo para os pobres: ‘Do supérfluo dai
esmolas’(Lc 11, 41).11
8Idem, p. 209Idem, p. 2210Idem, p. 2211Idem, p. 26
15
As sugestões de Leão XIII neste aspecto se reduzem ao assistencialismo puro e
simples. Longe, portanto do cristianismo primitivo e da carta aos apóstolos, citada no por
Max Beer, como exortações ao comunismo. Nesta mesma encíclica as greves são tidas
como causadoras de “dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao
comércio e aos interesses comuns”.12
Esta mesma igreja, imersa nas mudanças provocadas pela Revolução Industrial,
poderia ser ainda mais conservadora, destaco novamente, se vozes mais ousadas não se
levantassem com idéias realmente transformadoras. Vejamos o que disse o teólogo Edgard
Wallace (1679-1771) em seu livro intitulado Várias Perspectivas,13 publicado em 1761 (a
Rerum Novarum foi escrita em 1891, portanto 130 anos depois), Wallace indaga: “como é
possível que o homem, com todos os dons que possui e com todos os tesouros da natureza
de que dispõe, se encontre ainda em tão baixo nível cultural?” Tanto no domínio da moral
quanto da filosofia, tanto na esfera das ciências naturais quanto na da vida social…
Wallace advogou o comunismo como “remédio” para essa situação e lembrava que no
estado primitivo da humanidade, reinava a igualdade absoluta e a comunidade de bens.
Outro pensador crítico das condições sociais de época, Thomas Spencer (1750-
1814) foi o primeiro partidário teórico da reforma agrária, segundo Max Beer. Spencer que
foi sapateiro, professor e guarda-livros, resumia assim suas idéias fundamentais: “… no
estado primitivo da humanidade, o solo era propriedade comum. Desse modo, cada qual,
ao nascer, possuía um direito inalienável sobre certa porção de solo”.14
Não era só a classe burguesa industrial que tinha seus teóricos, e as idéias da igreja
nunca estiveram incólumes de pressões externas às suas. Thomas Spencer, ele próprio
mandou imprimir suas teorias e vendeu-as por “alguns centavos o exemplar”. Bem ao
contrário das orientações papais, outro pensador ainda da primeira fase da revolução
industrial, o médico Charles Hall procurou em seu livro, Os efeitos da civilização, explicar
cientificamente o antagonismo entre o capital e o trabalho tomando como ponto de partida
à idéia de que “a propriedade e o Estado não existiam na sociedade primitiva”.15
Como afirmamos anteriormente, o solapar dos ventos da conjuntura política e
econômica deram o tom do discurso do Papa Leão XIII em sua Rerum Novarum. Na
abertura da edição de “Mater et Magistra” argumenta-se o seguinte: “Os tempos em que
Leão XIII falou, eram de transformações radicais, de fortes contrastes e amargas rebeliões.
12Idem, p. 4013BEER, op. cit., p. 36314BEER, op. cit., p. 364 15BEER, op. cit., p. 368
16
E são as sombras que, então, dominavam, que nos faz apreciar melhor a luz que promana
do seu ensinamento.”16
Poderíamos deduzir que se não houvesse essas pressões impostas pelas
“transformações radicais” e “… fortes contrastes e amargas rebeliões”, esta igreja estaria
vivendo sua época com todo o peso do seu conservadorismo. Consideradas estas
condições, não poderíamos deixar de advogar aqui, mais uma vez, este legado de relativa
preocupação com o social que viria em outras condições sócio-históricas despertar e
facilitar o surgimento de líderes religiosos progressistas e ousados por dentro da
instituição.
No início da carta Mater et Magistra ressalta-se que
“… O conceito de mundo econômico, então mais difundido e posto em prática,
era um conceito naturalista, negador de toda a relação entre moral e economia. O
motivo único da aççao econômica, dizia-se, é o interesse individual.” Neste
comentário a crítica mordaz voltasse contra o liberalismo econômico, além da
posição já conhecida da igreja católica contra as idéias socialistas que eram
apontadas como “teorias extremistas, que propunham remédios piores que os
próprios males.”
1.5. A Quadragesimo AnnoEsta Encíclica, publicada por Pio XI, que é de aniversário e em comemoração
Rerum Novarum traz exortações óbvias e “quase repetitivas”, por ser de
comemoração a carta anterior e toca em questões como justo salário, o sustento da família
e do operário, da divisão dos lucros e a necessidade de combinar o contrato de trabalho
com um novo contrato de sociedade. Esta Encíclica toca nestes temas de forma um pouco
mais aprofundada por força, graça e obra, da pressão exercida pela conjuntura econômica e
política.
Registramos aqui, observações feitas pelo próprio Pio XI sobre a questão:
A livre concorrência, em virtude da dialética que lhe é própria, tinha acabado
por destruir-se a si mesma ou pouco menos; levara a uma concentração de
riqueza e, além disso, à acumulação de um poder econômico desmedido nas
mãos de poucos, os quais, muitas vezes nem sequer eram proprietários, mas
simples depositários e administradores do capital, de que dispunham a seu bel-
prazer.17
16Mater et Magistra. Carta Encíclica de Sua Santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p.617Encíclica Quadragesimo Anno. Carta de Sua Santidade Papa Pio XI sobre a restauração e aperfeiçoamento da ordem social em conformidade com a lei evangélica no XL Aniversário da Encíclica de Leão XIII “Rerum Novarum”. Disponível site: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19310515_quadragesimo-anno_po.html. Acesso em 30/01/2008.
17
Com os males advindos desse “poder econômico desmedido nas mãos de poucos”,
viria junto à crescente simpatia por idéias comunistas e socialistas, o que incomodava o
papado com a mesma intensidade.
1.6. A Mater et MagistraA Mater et Magistra, a exemplo da Quadragesimo Anno, confirma dar continuidade
a declaração de Leão XIII e como num desenvolver do capitalismo, as encíclicas
subseqüentes vão se adaptando aos novos tempos ou às mutações sofridas por este sistema.
Na segunda parte da Encíclica Mater et Magistra, no subtítulo “Aclarações e ampliações
dos ensinamentos da Rerum Novarum”, isto fica bastante evidenciado no item 48:
Devemos afirmar, desde já, que o mundo econômico é criação da iniciativa
pessoal dos cidadãos, que desenvolvam sua atividade individualmente, quer
façam parte de alguma associação destinada a promover interesses comuns”. No
item “49. Nele, porém, pelas razões já aduzidas pelos nossos predecessores,
devem intervir também os poderes públicos com o fim de promoverem,
devidamente, o acréscimo de produção para o progresso social e em benefício de
todos os cidadãos.18
Percebemos aqui que a encíclica continua a defender o estatismo interferindo em
favor do progresso social e defenderá mais adiante a chamada socialização sob sua ótica,
como veremos. A carta classifica a chamada “socialização” como um dos aspectos
característicos de nossa época. Que segundo ela, “Consiste na multiplicação progressiva das
relações dentro da convivência social, e comporta a associação de várias formas de vida e
atividade…”19
Mesmo com essa introdução um tanto imprecisa, o termo “socialização” não deixa
de ser o prenúncio das posições futuras da igreja católica face aos tempos vindouros. Antes
de continuarmos nossa análise sobre a Mater et Magistra, destaca-se as origens do Papa
João XXIII, também conhecido como o “Papa Bom”. Haveremos de considerar que apenas
as conjunturas político-econômicas e disputas intestinas no seio da igreja não devem
interferir definitivamente na condução das pessoas que à frente de instituições estão
procurando influenciar nos rumos de uma sociedade. No caso de uma Igreja que se propõe
universal, nos rumos da humanidade.
Angelo Giuseppe Roncalli (nome do Papa João XXIII) nasceu em Sotto il
Monte (província de Bérgamo, Itália) em 25 de Novembro de 1881. Era o terceiro filho
numa família do tipo patriarcal, de trabalhadores agrícolas, sendo, no total, constituída por
18Mater et Magistra. Carta Encíclica de sua santidade o Papa Leão XXIII sobre a evolução da questão social à luz da doutrina cristã. 12 ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 18.19Idem, p. 20
18
30 elementos. Era por isso a família mais numerosa do pequeno povoado de Sotto il
Monte. Roncalli foi ordenado sacerdote Católico na Igreja de Santa Maria in Monte Santo
(Roma) em 1905.
Em 1915, quando a Itália entrou na Primeira Guerra Mundial, foi alistado como
sargento do corpo médico e capelão militar dos soldados feridos que regressavam da linha
de combate. Devido à origem operária-agrária do religioso e de viver numa família com 30
indivíduos, podemos tirar conclusões portanto, das condições difíceis de vida de sua
numerosa família. Outro fato de destaque foi o do então sacerdote ter participado de uma
grande guerra, com certeza, sabedor das causas desse conflito que teve proporções
mundiais.
A Mater et Magistra analisando “A remuneração do trabalho”, proclama no item:
“65. Amargura profunda invade o nosso espírito diante do espetáculo tristíssimo de
inumeráveis trabalhadores, em muitas nações e continentes inteiros, os quais recebem um
salário que os submete, a eles e às famílias, a condições de vida infra-humanas.” “66. Mas,
em alguns desses países, a abundância e o luxo desenfreado de uns poucos privilegiados
contrasta, de maneira estridente e ofensiva, com as condições de mal-estar extremo da
maioria.”20Entendemos aqui, esta exortação, quase como uma denuncia.
A Mater et Magistra é uma Carta Encíclica de 15 de maio de 1961. Esta encíclica
foi publicada no início da conturbada década de 1960, no contexto histórico de acirramento
da “Guerra Fria” e em época de Revolução em Cuba (1959) e da revolução estudantil de
Paris que sacudiu o mundo, em maio de 1968. Neste contexto o papa se vê obrigado a
atualizar e a reafirmar o Magistério da Igreja sobre as questões novas e antigas que
ressurgiam com nova roupagem nos “anos 60”.
Esta encíclica é considerada um marco importante da Doutrina Social da Igreja,
atualizando as orientações das encíclicas sociais anteriores, a partir da Rerum Novarum,
dando a resposta católica para os problemas vigentes. Paulo VI e João Paulo II muito dela
se valeram no seu ensinamento social usando-a como apoio e fundamento de suas
encíclicas sobre a Doutrina Social da Igreja.
Esta carta seguindo o exemplo da Rerum Novarum e tantas outras também
defendem a chamada “propriedade particular”, só que agora se preocupa em dar
explicações mais enfáticas sobre sua posição: “108. Fazemos nossas, nesta matéria, as
observações do nosso predecessor Pio XII:
20 ?Idem, p. 23.
19
Quando a Igreja defende o princípio da propriedade particular, tem em vista um alto
fim ético e social. Não que dizer que ela pretenda conservar pura e simplesmente o estado
presente das coisas, como se nele visse a expressão da vontade divina, nem proteger, por
princípio, o rico e o plutocrata, contra o pobre e o proletário… A igreja pretende conseguir
que a instituição da propriedade privada venha a ser o que deve, conforme o desígnio da
Sabedoria divina e as disposições da natureza. (Grifamos)
Quer dizer, pretende que a propriedade privada seja garantia da liberdade essencial
da pessoa humana e elemento insubstituível da ordem social.”21
Apesar dos avanços, seria conseqüente demais esta Igreja romanizada querer o fim
da propriedade privada e a defesa do coletivismo da terra, haja vista ela ser herdeira de
imensuráveis quantidades de terra… espalhadas por este mundo. A Mater et Magistra,
discorre sobre vários temas também buscando atualizar-se, como: Agricultura,
considerando o tema êxodo rural e os serviços essenciais às populações rurais, até de forma
crítica; Regime Fiscal, levando em conta a distribuição dos encargos segundo a capacidade
contributiva dos cidadãos considerando o junto e o eqüitativo. O que poderíamos chamar
de progressividade; Capitais a juros convenientes, isso se referindo à produção agrícola;
Seguros sociais e previdência social; Defesa dos preços, neste caso a Mater et Magistra
remete a Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno em que ele faz a defesa não só dos
salários como de um preço justo para os alimentos; Solidariedade e colaboração, no setor
agrícola, como aliás, em qualquer outro setor produtivo.
Esta carta apresenta-se especialmente preocupada com o campo, a agricultura, os
moradores das áreas rurais, certamente devido a crescente saída de trabalhadores das zonas
agrárias provocadas pelo êxodo rural. Ainda se preocupa em propor justiça nas relações
entre países que tenham diferentes progressos econômicos, parecendo exortar as
comunidades como fazia o apóstolo Paulo com as comunidades que acompanhava: “154.
Um dos maiores problemas da época moderna talvez seja o das relações entre as
comunidades políticas economicamente desenvolvidas e as que se encontram em fase de
desenvolvimento econômico. As primeiras, por conseguinte, com alto nível de vida, as
outras, em condições de escassez ou de miséria.”22
Como a Igreja Católica é historicamente dividida entre conservadores e aliancistas e
outra parte, que busca se aproximar do evangelho primitivo em suas ações e interpretações,
21Idem, p.35.22Idem, p. 52.
20
não é de se admirar que muitas dessas admoestações, em várias paróquias e dioceses,
tenham tentado sinceramente sair do papel.
A Rerum Novarum, a Quadragesimo Anno e a Mater et Magistra para tomarmos
como exemplo, seguiu-se, uma a uma, adaptando-se aos novos tempos, sugerindo posturas
e ações às suas comunidades mescladas de acordo com as pressões conjunturais, ora mais
avançadas, ora conservadoras em muitos aspectos. O Papa João XXIII destaca-se no
cenário histórico, convocando a Igreja para um dos concílios mais destacados da
instituição, pelos atores envolvidos e acima de tudo, pelas condições dadas naquele
momento da humanidade.
1.7. O Concílio Vaticano IIO Concílio Vaticano II (CVII), XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica
Romana, foi aberto sob o papado de João XXIII no dia 11 de outubro de 1962 e terminado
sob o papado de Paulo VI em 08 de dezembro de 1965. Nestes três anos se discutiram e
regulamentaram vários temas da Igreja Católica Romana. Um concílio é, naturalmente, um
esforço comum da Igreja, ou parte dela, para a sua própria preservação e defesa ou guarda
e clareza da fé
Do Concílio Vaticano II, destaca-se um documento tido como fundamental para os
rumos da Igreja Católica: a Gaudium et Spes é uma constituição pastoral sobre a Igreja no
mundo atual, a 4ª das Constituições do Concílio Vaticano II tratou fundamentalmente das
relações entre a Igreja Católica e o mundo onde ela está e atua. Inicialmente ela constituía
o famoso "esquema 13", assim chamado por ser esse o lugar que ocupava na lista dos
documentos estabelecida em 1964. Sofreu várias redações e muitas emendas, acabando por
ser votada apenas na quarta e última sessão do Concílio.
Formada embora por duas partes, constitui um todo unitário. A primeira parte é
mais doutrinária e a segunda é fundamentalmente pastoral. Trata-se de um documento
muitíssimo importante, pois significou e marcou uma virada da igreja católica "de dentro"
(debruçada sobre si mesma), "para fora" (voltando-se para as realidades econômicas,
políticas e sociais das pessoas no seu contexto) e constituiu um passo importante na
fixação da Doutrina Social da Igreja. O ex-pároco de Casa Amarela, na Arquidiocese de
Olinda e Recife (Assessor das CEBS, do MAC e do MTC), Reginaldo Veloso, afirmou
sobre este documento: “nesta fonte foi onde beberam todos os movimentos de ação
católica, com destaque para a JOC e a ACO” (hoje MTC).
A abertura desse documento singular já nos diz muito:
21
Íntima união da Igreja com toda a família humana: 1. As alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres
e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma
verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua
comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo
Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a
mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-
se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história.23
A constituição pastoral Gaudium et Spes, logo na sua introdução, sob o subtítulo
“Esperanças e temores”, afirma ser dever da igreja adaptar-se ao mundo atual, interpretá-lo
à luz dos novos tempos, e claro do evangelho, para responder de modo adequado às
perguntas dos homens desse tempo. O documento versa sobre a evolução e domínio da
técnica e da ciência, e do impacto dessas inovações na vida das sociedades. Esta história
que de tão rápida não consegue ser alcançada, devido às novas tecnologias, altera
substancialmente a ordem social, objeto de preocupação constante da Igreja que também é
afetada pelo que o documento chama de humanidade “dinâmica e evolutiva”.
Sobre esta nova ordem social, o documento Gaudium et Spes é taxativo:
Por fim, as novas circunstâncias afectam a própria vida religiosa. Por um lado,
um sentido crítico mais apurado purifica-a duma concepção mágica do mundo e
de certas sobrevivências supersticiosas, e exige cada dia mais a adesão a uma fé
pessoal e operante; desta maneira, muitos chegam a um mais vivo sentido de
Deus. Mas, por outro lado, grandes massas afastam-se praticamente da religião.
Ao contrário do que sucedia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou
prescindir deles já não é um facto individual e insólito: hoje, com efeito, isso é
muitas vezes apresentado como exigência do progresso científico ou dum novo
tipo de humanismo. Em muitas regiões, tudo isto não é apenas afirmado no meio
filosófico, mas invade em larga escala a literatura, a arte, a interpretação das
ciências do homem e da história e até as próprias leis civis; o que provoca a
desorientação de muitos.24
O desafio está posto e esta Igreja acossada por novos pontos de vista, tem que
mudar pra não ficar para trás. Ainda como motivo de preocupação e admoestamento, esta
constituição versa sobre: Desequilíbrios pessoais familiares e sociais, Aspirações mais
universais do gênero humano. Índole comunitária da ação humana, Interdependência da
pessoa humana e sociedade humana e Promoção do bem comum, Respeito da pessoa
23Site do Vaticano: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html. Acesso em 30/12/2008.
24Idem
22
humana, Igualdade essencial entre todos os homens. Sobre este último tópico vale a pena
transcrever o sentimento da igreja nesta carta:
Além disso, embora entre os homens haja justas diferenças, a igual dignidade
pessoal postula, no entanto, que se chegue a condições de vida mais humanas e justas. Com
efeito, as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos da
única família humana provocam o escândalo e são obstáculo à justiça social, à equidade, à
dignidade da pessoa humana e, finalmente, à paz social e internacional.25
No capítulo IV da primeira parte, que trata da função da Igreja no mundo atual, a
mudança de postura da instituição a partir do Vaticano II vai se clarificando: “Por isso, a
Igreja, em virtude do Evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do homem e
reconhece e tem em grande apreço o dinamismo do nosso tempo, que por toda a parte
promove tais direitos.”26 É óbvio que se ressalta “direitos humanos” na órbita e à luz do
evangelho interpretado pelas autoridades eclesiais, mas quando esta reconhece e tem
apreço pelo dinamismo do nosso tempo, observa forçosamente que outros atores atuam em
confluência. É o que esta mesma carta classificou em diversas passagens como
interdependência e/ou ecumenismo nas ações.
No preâmbulo da segunda parte desta constituição, um subtítulo chama atenção:
“alguns problemas mais urgentes”. E segue-se uma série de atitudes do Concílio Vaticano
II em relação a esses problemas. Dentre esses problemas que na interpretação do Concílio
afetavam a humanidade naquele momento, destacam-se: “o matrimónio e a família, a
cultura humana, a vida económico-social e política, a comunidade internacional e a paz.”
Em sua parte II, Capítulo III, que trata da ordem econômico e social, a Gaudium et Spes,
que é um documento do Concílio Vaticano II, apresenta-se mais avançada em relação às
Encíclicas estudadas anteriormente. Ela diz o seguinte sobre alguns aspectos da vida
econômica e social:
No entanto, o direito à propriedade privada não é incompatível com as várias
formas legítimas de direito de propriedade pública. Quanto à apropriação
pública dos bens, ela só pode ser levada a cabo pela legítima autoridade,
segundo as exigências e dentro dos limites do bem comum, e mediante uma
compensação equitativa. Compete, além disso, à autoridade pública impedir o
abuso da propriedade privada em detrimento do bem comum.27
1.8. Origens da Ação Católica Internacional
25Ibidem26Ibidem27Ibidem
23
A Ação Católica é o nome dado ao conjunto de movimentos criados pela Igreja
Católica no século XX, visando ampliar sua influência na sociedade, através da inclusão de
setores específicos do laicato e do fortalecimento da fé religiosa, com base na Doutrina
Social da Igreja. E como já tínhamos adiantado, a origem deste movimento está presente na
história da Igreja e em todas as suas cartas, e sofreu forte influência da Revolução
Industrial, do surgimento da Classe Operária e das idéias comunistas e socialistas. O
fantasma do marxismo assombrou não somente a burguesia assombrou e influenciou
fortemente os rumos da milenar Igreja Católica.
Em 1938, o papa Pio XI criou uma direção central para a Ação Católica.
Em 1960 o papa João XXIII criou uma comissão preparatória para o apostolado dos laicos.
A assim chamada Ação Católica nasce antes do concílio convocado por João XXIII, mas
sem dúvida, seu impulso maior e notoriedade na América Latina em especial vêm com o
Vaticano II. Este novo modelo de recristianização do mundo seria realizada principalmente
por fiéis leigos que passariam a ter um papel de estaque nas ações desempenhadas pela
Igreja, porém, a liderança e o comando estariam sempre com as autoridades eclesiásticas.
A escola francesa, a belga e canadense para formação de padres, forjaram novos
atores para responder às novas demandas. Os assim chamados padres operários atuariam
com base em uma nova teologia. Mais moderna e adaptada aos novos tempos. Destacou-se
dessa leva de padres imersos no mundo do proletariado, o belga, José Cardijn. Nascido de
uma família de modestos trabalhadores, em 1882, em Bruxelas habituou-se a escutar os
operários que conversavam sobre as condições em que eram obrigados a viver. 28
O pároco de “Daens” que denunciou estas condições e abriu horizontes ao ideal
social cristão, estudou em Maligne e Lovaina, onde se especializou na Escola de Ciências
Políticas e Sociais. Entretanto depois de ordenado sacerdote foi para Laecken, em 1912.
Nesse local intensificou a sua atitude de ouvir os trabalhadores e confirmou a sua opção
pastoral: evangelizar o mundo do trabalho, fazer sentir aos operários a preocupação da
Igreja, despertar-lhes a consciência de ser Igreja. O padre Cardijn criaria o método VER,
JULGAR e AGIR. Método que viria a ser amplamente utilizado pela Ação Católica
Especializada no Brasil.
CAPÍTULO II28 Site da JOC de Portugal: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 30/12/2008.
24
A AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA (ACO)
NO BRASIL E EM PERNAMBUCO
2.1. A Ação Católica do BrasilNa década de 1930 no Brasil instalou-se uma neocristandade com o claro objetivo
de estender sua missão apostólica (laica na ação e clerical na direção) ao maior país da
América do Sul (e com uma legião de católicos das maiores do mundo) em vias de franco
desenvolvimento industrial e urbanismo, sob a tutela do Governo Getúlio Vargas. Além do
anarco-sindicalismo, o Partido Comunista do Brasil (PCB) já estava em plena atividade
desde 1922.29 Nesse contexto a Ação Católica tinha motivações de sobra para atuar no país.
A Ação Católica do Brasil trazia o perfil italiano altamente conservador de Pio XI. Uma
Ação Católica acuada pelo totalitarismo fascista de Mussoline e dúbia em relação às
iniciativas do Estado italiano.
Em terras brasileiras, onde o catolicismo adquiriu suas próprias peculiaridades, o
ex-Arcebispo de Olinda e Recife (1916-21) e posteriormente do Rio de Janeiro (1930-42),
Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, fundou naquela cidade, sob a direção inicial de
um ex-ateu intelectual e boêmio, Jackson de Figueiredo, o Centro Dom Vital (nome de
Bispo pernambucano que esteve à frente da chamada “Questão Religiosa”, conflito entre a
Igreja Romana com a poderosa Maçonaria e o Imperador Dom Pedro II, chegando o Bispo
a ser detido pelo poder central).30
O Centro Dom Vital publicava o importante jornal A Ordem, considerado o germe
inicial das universidades católicas passou a ser dirigido por um dos grandes intelectuais
brasileiros em sua época, Alceu Amoroso Lima.31 Considerado o maior pensador católico
no século XX, além de católico fervoroso Amoroso Lima era um adepto da democracia
cristã (tendência política surgida pós-Segunda Guerra Mundial) e defensora da “terceira
via”, anticomunista e anticapitalista. A Ação Católica Brasileira, pelo seu principal
dirigente e interlocutor, deixaria explícita sua opção política.
2.2. A Ação Católica especializada
29SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2008.30Idem31Idem
25
Como vimos anteriormente um padre Belga, o abade Cardijn (em 1925) criou a
Juventude Operária Católica e mais adiante o padre francês Guérin, reuniu uma primeira
equipe de jovens operários. Estaria lançado o “fermento” da Ação Católica Especializada
(ACE), uma extensão da “grande Ação Católica.”32 A chamada Ação Católica
especializada subdividiu-se em correntes diversas com a intenção clara de alcançar os
setores mais dinâmicos da sociedade, em especial o seguimento juventude, o setor mais
propício e aberto às idéias socialistas e ao individualismo exacerbado do capitalismo.
Em função dessa premissa, foram criadas a JAC (Juventude Agrária Católica), a
JEC (Juventude Estudantil Católica), a JIC (Juventude Independente Católica),a JOC
(Juventude Operária Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica). A JUC e a JOC,
viriam a ter um papel bastante destacado mais adiante, nas décadas de 1960 e 1970. No
discurso oficial da JOC, por exemplo, o segmento apresenta-se com uma dupla missão: “a
libertação dos jovens trabalhadores e trabalhadoras; ser testemunha da presença libertadora
de Jesus e do projecto de Jesus Cristo no seio da classe operária.”33
O Padre belga Joseph Cardijn, teve a preocupação de reunir jovens para a promoção
de suas atividades educativas mantendo distância dos movimentos sindicais e políticos de
sua cidade natal34, possivelmente afastando- se de possíveis contatos com as idéias
comunistas e anarquistas. Procurou aproximar-se dos operários e fazia perguntas incomuns
como estratégia de aproximação: “Pela manhã à hora que os operários partem para a
fábrica, Cardijn percorre o caminho em sentido inverso para provocar o encontro; saúda-os
amigavelmente, ora com um ora com outro:
- Onde trabalha?...; - Quantos são vocês? ; - Aquilo é cansativo? É verdade que
lá se ganha bem?; - Também lá trabalham muitas mulheres?; - Você tem muitos
filhos? Vão bem na escola?... 35
Esta mesma pedagogia de aproximação seria utilizada por militantes da JOC aqui
no Brasil. O antigo membro da JOC no Estado de Pernambuco, Luiz Barros dando
testemunho sobre a atuação deste movimento de ação católica, afirmou:
A metodologia era praticamente a mesma (referindo-se ao Monsenhor Cardijn),
utilizava-se também uns cadernos de orientação para todos os militantes da JOC
que ensinavam como se fazer pesquisas, perguntando onde trabalhavam, o que
faziam fora do trabalho, sobre as condições de vida na comunidade. Com o
objetivo de conhecer a realidade de vida da classe operária.36
32COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja II: do século XV ao século XX. São Paulo, Loyola, 1995.33Fonte: http://www.ecclesia.pt/joc/, acessado em 07/01/2009.34Idem35Ibidem36Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, “ex-jocista”. Recife-PE, em 07/01/2009.
26
O entrevistado destacou também que quando iniciou sua participação na JOC (antes
da década de 1960), as atividades eram mais voltadas para a liturgia, festas e reuniões. A
preocupação com o social existia, mas o movimento era “pouco engajado”, assegurou o
militante. A título de curiosidade, Luiz Barros acrescentou que havia uma divisão de
gênero no movimento. Existia a JOC dos homens e a JOC das mulheres. A Ação Católica
Geral quando se instalou no Brasil já trazia essa característica, certamente devido aos
valores e padrões morais de então. Por outro lado, a questão de gênero nunca se resolveu
no seio da Igreja Católica Romana e isso repercutiu também nos movimentos oriundos da
instituição.
2.3. Gestação da Ação Católica OperáriaTodos os antigos participantes da JOC em Pernambuco garantem que a juventude
há muito estava passando por uma crise, e precisavam abrigar-se em outro movimento que
tivesse a mesma orientação e pedagogia, com algumas poucas diferenciações, como
veremos a seguir. Cícera Josefa Rodrigues (identificada por Santinha), militante com 22
anos de participação na ACO (hoje MTC: Movimento de Trabalhadores Cristãos) em
Petrolina, afirmou: “Os militantes que casavam ou atingiam os 25 anos na JOC tinham que
sair. Foi criada a LOC (Liga Operária Católica), 37mas não deu muito certo. Depois foi
criada a ACO para receber esse pessoal”.38 No entanto, essa migração não se deu de forma
automática, pois muitos antigos participantes da JOC continuaram atuando neste
movimento e se auto-intitulam “Jocistas para sempre”. Em Recife alguns desses indivíduos
reúnem-se até hoje e exatamente no prédio que abriga a ACO, hoje identificada como
MTC. Como se vê, “os jocistas para sempre” não escaparam totalmente ao plano de
migração da JOC para a ACO, pelo menos no que tange ao local de algumas sessões.
Devido a esse histórico muitos dos militantes da ACO (atual MTC), consideram por
extensão este movimento como uma decorrência de fundação da Juventude Operária
Católica. Em dedicatótia feita no livro História da ACO: fidelidade e compromisso na
classe operária (publicado em 1987) lê-se: “Este livro é dedicado a quatro profetas
operários (o primeiro citado foi o padre belga): Cardeal José CARDIJN, fundador da
Juventude Operária Católica – JOC e, em decorrência disso, também fundador da Ação
37A Liga Operária Católica, igualmente a ACO, era um movimento de católicos adultos concebido para abrigar os egressos da JOC. Luiz Barros e Josefa Fernandes (Nena), no entanto, classificaram este movimento de excessivamente litúrgico e distante da ação católica que esperavam. Uma ação atuante na “massa”, entre os operários.38 Depoimento concedido por Cícera Josefa Rodrigues, 55 anos, militante do MTC (ACO), Petrolina-PE, em 07/01/2009.
27
Católica Operária – ACO, falecido em 25.07.67.”39 Só que ao contrário da JOC, a Ação
Católica Operária desabrochou em uma conjuntura política diferenciada e isso impactou e
muito nos rumos desse movimento desde o seu nascimento.
Como exemplo de continuidade das mesmas atividades e visão de mundo por parte
daqueles que “emigravam” da JOC para a Ação Católica Operária, transcrevemos o
depoimento de Maria Floripes Nascimento (conhecida entre seus membros como Flor),
militante da ACO (falecida em 25/07/83) de Belo Horizonte:
Uma coisa que eu sempre faço na vida, dentro da JOC e, sobretudo hoje, na
ACO, é viver prestando atenção à vida, nas pessoas, nos fatos... A vida do
trabalhador não pode ser dividida em partes. Somos operários na família, no
trabalho, no sindicato, no bairro.40
O homem/mulher integral era uma das preocupações na formação posta em prática
pela Ação Católica desde sua concepção, como foi desde sempre, uma preocupação da
Igreja Católica Apostólica Romana. Outra herança que os ex-jocistas levaram à ACO foi o
que muitos desses militantes classificavam como “consciência de classe”. Uma expressão
bem ao gosto dos marxistas de plantão e muito a contragosto da hierarquia da Igreja e de
muitos padres.
Como se vê, a chamada Ação Católica Especializada em outro contexto político,
distanciou-se e muito daquela que promoveu a chamada “concordata moral” com o
Governo Vargas, negociando a “promulgação da Constituição de 1934 em nome de Deus
num Estado laico, a proibição do divórcio, uma legislação trabalhista pró-católica e o
atendimento de reivindicações mais gerais como o voto feminino e a liberdade de educação
religiosa”41. A exemplo do Padre Olímpio Torres que na década de 1950 cidade em
Pesqueira/PE juntamente com Dom Severino Mariano, o Bispo local, que orientados pela
Doutrina Social do Vaticano ora denunciavam as invasões de terras pertencentes aos índios
xukurus e em outro momento, com medo de infiltração do comunismo nas áreas rurais por
meio das Ligas Camponesas, bradavam contra estes mesmos esbulhados por se
organizarem e lutarem por seus direitos.42
2.4. O surgimento da ACO no Brasil
39História da classe operária: fidelidade e compromisso na classe operária ZUFFEREY, Padre Romano CHAPARRO, Manoel Carlos. (Orgs.). Rio de Janeiro, Arte Graphica, 1987, p.07.40Idem41SERBIN, op. cit., p.100.42SILVA, Edson H. Xucuru: memórias e história dos índios da Serra do Ororubá (Pesqueira/PE), 1959-1988. Campinas, UNICAMP, 2008. (Tese de Doutorado em História Social).
28
A Ação Católica Operária não é uma criação da ACE (Ação Católica
Especializada) do Brasil. Antes mesmo do surgimento do movimento em terras brasileiras
a ACO francesa já estava atuando. Como em quase tudo, importamos também nossas
experiências de organização e social, e com uma igreja alienígena não haveria de ser
diferente, mesmo que antropofagicamente tenha-se feito uma adaptação a partir do ver-
julgar-agir.
Em entrevista concedida por uma das mais antigas militantes da ACO do Brasil
(Regional NE II), Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, ex-jocista, pontuou as
diferenças entre as duas organizações:
Na JOC as atividades eram mais de brincadeira, mais lúdicas. Já na ACO a
exigência é por uma atuação mais madura e direta no sindicato, na associação de
bairro, no partido político, na família. Apesar da identidade no método, na
pedagogia, a cobrança no AGIR e na REVISÃO DE VIDA era muito maior. E
confirma: “A ACO surge antes na França e depois no Brasil. Lá fora surge tudo
primeiro e depois aqui.43
Na verdade a Ação Católica Operária já atuava antes também na Suíça e Bélgica.
Um dos fundadores da ACO em Pernambuco e no Brasil, Luiz Barros, corrobora:
Antes da ACO já existia a Liga Operária Católica que absorvia os egressos da
JOC, mas a LOC era muito religiosa e isso incomodava alguns de nós. Um
grupo de militantes de Paulista, Recife e Camaragibe, encontravam-se em
Olinda freqüentemente para refletir sobre a criação de um movimento que
atendesse essa expectativa. Com o apoio direto do Padre Bernardo Lindoso
(amazonense) que convenceu Lorena, aconteceu às primeiras reuniões na casa
onde funciona hoje o CTC (Centro de Trabalho e Cultura), no Bairro dos
Coelhos. As reuniões foram se estendendo para os bairros nas casas dos
militantes. O nascimento da ACO no Brasil partiu de dois encontros: um em São
Luiz do Maranhão (o primeiro) e outro em São Paulo. O Bispo à época da
Arquidiocese de Olinda e Recife era Dom Carlos Coelho (antecessor de Dom
Helder Camara) e que tinha uma postura progressista. 44
Para Luiz Barros, outro fato que contribuiu para o surgimento da ACO em
Pernambuco foi a presença de membros da coordenação do MMTC – Movimento Mundial
de Trabalhadores Cristãos (sediado na Bélgica), que visitando a América Latina, estiveram
no Recife e receberam um pedido pessoal de Dom Carlos Coelho que indicassem um Padre
43Josefa Fernandes de Oliveira (Nena), 73 anos, em 07/01/2009. Militante histórica da ACO e ex-membro da Juventude Operária Católica. Atualmente integra a coordenação regional do MTC (denominação atual da Ação Católica Operária).44Depoimento concedido por Luiz Barros da Silva, 74 anos, ex-jocista e membro da ACO (MTC), Recife-PE, em 07/01/2009. Atualmente participante no Sindicato dos Aposentados no Estado de Pernambuco, como um dos membros de sua direção.
29
assistente religioso para acompanhar o movimento que estava surgindo. A presença do
padre suíço Romano Zufferey, marcaria profundamente a história e a atuação da ACO na
região Nordeste e no Brasil.
A Ação Católica Operária foi oficialmente fundada em 1962. Em um relato
publicado, consta que o movimento já estava presente nas “fábricas, favelas, nas organizações
populares, nos mutirões de luta e solidariedade”45. Portanto, a semente desta Ação Católica
Operária já germinava e sofreria muitas influências e transformações ao longo das
ocorrências e das posições assumidas pela Igreja Católica Apostólica Romana.
2.5. A organização do movimentoA distribuição espacial da ACO pelo Brasil segue mesma geografia da Igreja
Católica Romana com as suas divisões regionais. Por ser um movimento voltado para uma
classe específica, a operária, é uma organização basicamente urbana e centrada nas cidades
e regiões mais industrializadas. Vinte e quatro anos após sua oficialização, o movimento já
contava com 1.200 militantes e estava assim distribuído: 1. Rio Grande do Sul: Caxias do
Sul, São Leopoldo, Canoas. 2. São Paulo: São Paulo (capital), Osasco, Sorocaba, Botucatu,
Santo André, Mauá, Suzano, Campinas, S. Vicente, S. José dos Campos. 3. Minas Gerais:
Belo Horizonte, Contagem, Juiz de Fora, Matias Barbosa, Itaobim, Sete Lagoas. 4. Rio de
Janeiro: Rio de Janeiro (capital), Nova Iguaçu, Angra dos Reis, Volta Redonda, Barra
Mansa, Barra do Piraí, Itatiaia, Petrópolis, Macuco, São Gonçalo. 5. Nordeste I: Belém
(PA), Barcarena, Abaetetuba, São Luiz, Teresina, Fortaleza, Santarém, Marabá, Imperatriz.
6. Nordeste II: Mossoró, Natal, Recife, João Pessoa, Paulista, Abreu e Lima, Escada,
Jaboatão, Cabo de Santo Agostinho, Petrolina, Petrolândia, Limoeiro. 7. Nordeste III:
Camaçari, Dias D’Ávila, Salvador, Periperi, Aracajú, Paulo Afonso.46
Esta rede de militantes e organização contava na época com 200 equipes que o
movimento identifica como de base e grupos novos que iam se formando. O crescimento e
fortalecimento da ACO não se explicavam apenas pelo industrialismo no Brasil, mas
também pela presença nestas localidades de bispos alinhados com as decisões do Concílio
Vaticano II e de perfil considerados “progressistas”, como Dom Helder Câmara em Recife,
Dom Paulo Evaristo Arnes em São Paulo e Dom Waldyr Calheiros no Rio de Janeiro. A
Ação Católica Rural (movimento considerado de fase adulta e de acolhimento para os
militantes que saiam da Juventude Agrária Católica - JAC) em seu livro “Um Grito no
Nordeste – A experiência da A.C.R. no Brasil, 1956-1986”, transcrevendo o depoimento
de um trabalhador rural identificado como Rufino de Carpina (PE), assume textualmente: 45História da Classe Operária, op. cit., p.29.46História da Classe Operária, op. cit, p.18.
30
“O movimento da ACR espalhou-se rapidamente de Pernambuco para todos os Estados do
Nordeste, com apoio de alguns bispos como: Dom Hélder e Dom Lamartine de Recife,
Dom Milton de Garanhuns (PE), Dom Costa de Natal, Dom Távora de Aracaju, Dom
Florêncio de Amargosa (BA), Dom Acácio de Palmares (PE), Dom José Delgado de
Fortaleza, Dom Fragoso de Crateús (CE), Dom Manoel de Caicó (RN), Dom José Falcão
de Limoeiro do Norte (CE) e Dom Cornelis de Alagoinhas (BA).”47
2.6. O método de trabalho
A proposta de atuação e trabalho da ACO (hoje MTC) teve origem na pedagogia
jocista, criada por Cardijn, baseada no método ver-julgar-agir. O “espírito” que
permeava a formação deste movimento era o que se tornou célebre chamar de “espírito
de comunidade”. A mesma concepção que forjou as chamadas Comunidades Eclesiais
de Base, CEBs.
Para um pesquisador norte-americano, o “ver” que serviria para identificar
propósitos temporais e eternos, no Brasil “evoluiu para a interpretação crítica das
realidades econômicas, políticas e religiosas”. O “Julgar” envolvia a “análise das causas
históricas e estruturais”. 48Mais claramente, o “Julgar” seria o confronto da realidade
investigada e percebida pelo “Ver” com o Evangelho, portanto, à luz da fé. Em algumas
reuniões de equipes de base, chega-se a perguntar: “Como agiria Jesus Cristo diante deste
fato?”. E o “Agir” seria transformar esta realidade percebida e julgada sob o olhar da fé.
A Revisão de Vida seria outro instrumento considerado poderoso pelos membros da
ACO. Seus participes alegam que todo “Agir” em todas as dimensões de vida operária
seria revisada, e talvez corrigida, a partir dessa revisão que é feita consultando-se
geralmente a Bíblia, analisando-se um problema de um indivíduo da equipe de base ou um
fato social, coletivo, e buscando-se explicá-la e solucioná-la de forma solidária. É o que
classificam de espírito de comunhão.
Para Severino Justino de Souza (“Seu” Biu), 68 anos, da equipe de Parque Paulista
no município de Paulista/PE, o método: “É um conhecimento que abastece as pessoas
para a atuação na mística do movimento. Na minha vida pessoal é importante porque
através dele se cria consciência da caminhada da luta operária.”49
47SERVAT, Pe. José. Um grito no Nordeste: a experiência da ACR no Brasil: 1956-1968, Recife, Composto e Impresso por Escola Dom Bosco de artes e Ofícios, 2000, p. 16.48SERBIN, op. cit., p. 160; 49Severino Justino de Souza, 68 anos, conhecido como “Seu Biu”, militante histórico da ACO e plantonista voluntário na sede do movimento. Entrevista em 07/0/2009. Atualmente “Seu Biu” é trabalhador informal e diz ser um seguimento muito difícil de atrair para as hostes da ACO (atual MTC).
31
Na Encíclica Mater et Magistra, o Papa João XXIII, exortou os jovens a fazerem
uso do método:
Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se
ordinariamente por três fases: estudo da situação, apreciação da mesma à luz
desses princípios e diretrizes, exame e determinação do que se pode e deve fazer
para aplicar os princípios e as diretrizes à prática, segundo o modo e no grau que
a situação permite ou reclama. São os três momentos que habitualmente se
exprimem com as palavras seguintes: ver, julgar e agir.50
Se além de contribuir para o surgimento da chamada Teologia da Libertação, o
método ver-julgar-agir, foi a raiz de uma “nova consciência” eclesial e ajudou a fermentar
um pensamento mais crítico nas universidades, nas escolas, nos seminários51, no campo,
nas análises teológicas, na organização sindical, indígena e popular. E impulsionaram
movimentos como o MST, CPT, CIMI, a Ação Católica Rural (ACR) e é claro, a Ação
Católica Operária (MTC). É compreensível a postura e o comprometimento de muitos
desses militantes de outrora, que até hoje procuram, seguindo essa orientação, dar
“testemunho” da formação recebida em diversas organizações comunitárias e sindicais. No
caso específico dos participantes da Ação Católica Operária (MTC), estes animados pelo
lema: ”Fidelidade à Classe Operária e Jesus Cristo”.
CAPÍTULO III
A FORMAÇÃO DO/A MILITANTE
3.1. O método Ver-Julgar-AgirO método Ver, Julgar e Agir concebido pelo belga Joseph Cardijn (fundador da
JOC) e estimulado como modelo de educação para os jovens pelo Papa João XXIII na
Encíclica Mater et Magistra52, é considerado “pedra de toque” das mudanças que
solaparam a Igreja Católica Romana e todos os movimentos (como por exemplo, o
MST) e pastorais oriundos na instituição. Para o historiador norte-americano Kenneth
P. Serbin , o padre belga “…com o fito de recristianizar o operariado europeu, exortou
50JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74.51No caso emblemático dos seminários, o método ver-julgar-agir despertou entre os seminaristas um desejo irrefreável de transformar a concepção romanizada e verticalizada de preparação dos futuros padres. A hierarquia tradicional imposta pela “grande disciplina”, que conduzia estes espaços de formação de clérigos, se vê abalada e até ameaçada nesse contexto. SERBIN, op. cit., pp. 170-182.
52 JOÃO XXIII, Papa. Carta Encíclica Mater et Magistra. 12ª ed. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 74,
32
os padres a mergulhar na realidade dos operários para aumentar o alcance pastoral. Ele
estabeleceu os princípios e técnicas da ACB: presença no meio, equipes e o método
ver-julgar-agir, usado durante as reuniões para ajudar os militantes da ACB (Ação
Católica Brasileira) a fazer a revisão de vida sob a luz cristã. Outro elemento
fundamental era a formação na ação (que está diretamente relacionado com a terceira
etapa do método, o Agir.”53 (Grifamos)
Ainda para Serbin, “o método ver-julgar-agir, por exemplo, teve papel importante
no crucial Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)” 54. O MST é
considerado por muitos analistas, o maior movimento de massa da América Latina e um de
seus principais líderes é o gaúcho João Pedro Stédile, um ex-seminarista católico. No
estado de Pernambuco (NE do Brasil), onde as ações desse movimento são bastante
regulares (aliás, das mais incisivas em termos de “ocupação” de terras do País), o ex-
pároco de Casa Amarela e assessor do MTC (antiga ACO), Pe Reginaldo Veloso é bem
próximo das atividades desse movimento que além de cuidar da formação política, trata de
também cuidar da fé de seus seguidores, ou mística, como preferem classificar este reforço
espiritual/ subjetivo. A nível nacional, o Dominicano Frei Betto esteve assessorando o
MST por muito tempo.
Na Comissão Pastoral da Terra – CPT, também bastante atuante na defesa da
Reforma Agrária, encontram-se ex-seminaristas entre seus dirigentes que foram formados
através deste método, como o importante líder Ivo Polleto. O método Ver-Julgar e Agir
está na própria raiz da Teologia da Libertação e por conseqüência nas variantes dessa
filosofia teológica.
Segundo Reginaldo Veloso55, “há uma relação” entre o método e a pedagogia do
famoso educador Paulo freire. Ambas as pedagogias propõem dotar os assistidos por seus
métodos de uma capacidade autônoma de “construção” do saber. Um saber crítico e
voltado para a transformação das estruturas consideradas injustas presentes na sociedade,
segundo seus defensores. Ambas, portanto, seriam “Pedagogias de Libertação”.
O próprio decreto do Concílio Vaticano II para a Formação Eclesiástica reforça a
chamada “imersão” no seio das comunidades na sua orientação sobre a prática pastoral
durante os estudos:
21. É necessário que os alunos aprendam a arte de exercer o apostolado não só
de maneira teórica, mas também prática, e saibam comportar-se com
53 SERBIN, op. cit., p.160 54 Idem
55Entrevista concedida na sede do Movimento de Trabalhadores Cristãos (MTC), Recife, dezembro de 2008.
33
responsabilidade própria e em colaboração com os outros; para isso, sejam
iniciados já durante os estudos e até no tempo de férias, na prática pastoral com
exercícios convenientes, que devem ser levados a cabo, de harmonia com a
idade dos alunos e circunstâncias dos lugares, segundo o prudente juízo dos
Bispos, de forma metódica e sob a orientação de homens peritos em assuntos
pastorais, não esquecendo a força superior cios auxílios sobrenaturais. 56
A ex-militante da JOC e atual integrante da Coordenação Regional do MTC (antiga
ACO), Ivanete Alves de Souza57, expressou muito bem o grau de valor que tem o método
Ver-Julgar-Agir para os membros dessa organização: “A importância desse método na
formação dos militantes é tão grande que os formados através dele, superam inclusive em
termos de análise e opinião, muitas que são dadas por pessoas que passaram por bancas de
universidade”. Para o Padre Moisés Lindoso a JOC é a ‘Universidade da Vida’, no sentido
de analisar com qualidade os fatos reais do cotidiano, acrescenta Ivanete.”
O Padre José Francisco Ramos58, ou simplesmente Padre Ramos, como é
conhecido, responsável pela Paróquia de São José Operário no município de Cabo de Santo
Agostinho (Região Metropolitana do Recife/PE), comentando acerca do método, opinou
que a pedagogia tem o mérito de partir da realidade, é um método indutivo, ao contrário do
dedutivo, da lógica antiga de Aristóteles e Platão, que analisava a realidade partindo do
geral para o particular. Ainda nas palavras do Padre Ramos: “uma análise de baixo para
cima”.
O Padre Ramos afiança:
Antes do Concílio Vaticano II já tinha essa proposta da JAC, JEC, JIC, JOC,
JUC, e isso foi determinante nos rumos da igreja, especialmente na América
latina. O leigo evangelizando leigo, operário evangelizando operário, estudante
evangelizando estudante, com a assistência e o acompanhamento da Igreja. Essa
mudança teológica foi uma grande conquista nesse sentido. A bandeira da
justiça, que era a bandeira do comunismo passou a ser encampada pela Igreja.
O Pároco e Assistente Religioso (2008/2009) a nível regional do Movimento de
Trabalhadores Cristãos (antiga ACO), admitiu que o marxismo foi fundamental para
esta mudança e a abertura da Igreja Católica Apostólica Romana, e que o próprio Dom
Helder, tinha clareza disso.
56Decreto Optatam TotiusSobre a Formação Sacerdotal. Disponível no site http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_decree_19651028_optatam-totius_po.html, acessado, em 09/01/2009.57Ivanete Alves de Souza, 70 anos, atuou na JOC entre 1959-1966, é uma das coordenadoras regionais do MTC (antiga ACO), atuando nesta organização desde 2000. Em 09/01/2009.58Padre José Francisco Ramos é Assistente Religioso no Regional NE II e Conselheiro Nacional do MTC/ACO (2998/2009) e Pároco na cidade industrial do Cabo de Santo Agostinho, Estado de Pernambuco.
34
3.2. A Revisão de Vida Operária (RVO)O já falecido militante João Francisco da Silva 59, membro de equipe de base da
ACO no município de Paulista (Região Metropolitana de Recife/PE) fazia questão de
lembrar nas diversas reuniões das quais participava que é a “RVO”, como costumava
chamar, era “muito importante”. Um instrumento poderoso e indispensável para o
fortalecimento do “movimento”.
Observando e analisando do “geral” para o “particular”, a Revisão de Vida Operária
tornou-se, na verdade, numa grande, extensa e necessária revisão da vida da própria Igreja
Católica60 que procurava atualizar-se a fim de não perder terreno no mundo secular e
marcado pela modernidade. No campo da liturgia o latim foi substituído pela língua
autóctone e aproximou-se da vida real das comunidades; a “colegialidade episcopal”
ganhou destaque deslocando o poder da figura central do Papa para outras instâncias da
instituição: os cardeais e bispos foram chamados à co-responsabilidade na condução dos
destinos da Cúria Romana. O leigo também passaria a ter seu papel de destaque no
processo de evangelização como bem lembrou Padre Ramos anteriormente. Aliás, o leigo
(aquele que não tem ordens sacras ou não é eclesiástico), seria o grande sujeito dessa
guinada histórica.
A mudança foi tanta que o próprio Paulo VI (o Papa que encerrou o Concílio
Vaticano II iniciado por João XXIII) sugeriu enviando o recado para que os “dignatários da
Igreja” adotassem uma vida sem fausto e sem pompa, buscando certamente, uma maior
identificação com o proletariado e os empobrecidos. Essa nova concepção de “ser igreja”
explicaria o despojamento de Dom Helder Câmara em sua Arquidiocese de Olinda e
Recife? Como também a do Bispo Leonidas Proaño (Rio Bamba / Equador)?61 Grande
amigo de Dom Helder e um dos articuladores do Concílio Vaticano II, Proaño era muito
elogiado pelos índios quéchuas, que o acompanhavam nas refeições, quando o mesmo, em
sinal de simplicidade e igualdade entre todos lavava seu próprio prato e talher. O Papa
59João Francisco da Silva foi um dos fundadores da ACO no Brasil. Ex-preso político durante a Ditadura Militar; exerceu diversas atividades e ocupou vários “cargos” na estrutura do movimento; operário de fábrica têxtil aposentado esteve filiado ao Partido dos Trabalhadores; atuou no Sindicato dos Aposentados e era o principal responsável pela manutenção da casa que abriga a sede do atual MTC (ACO). Muitos, até hoje, recordam-no com muita saudade e afirmam que sua postura lembrava em generosidade e carisma, o Padre Romano Zufferey. O salão principal da Sede do MTC/ACO (situada à Rua Gervásio Pires, 404, Boa Vista, Recife/PE) está batizado com seu nome em sua homenagem. João Francisco também deu nome a Agência de Trabalho, órgão oficial, localizada no Bairro Recife Antigo, por iniciativa da Prefeitura da Cidade do Recife (2008).60LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola, 2000, p.73.
61Presenciamos este fato quando participamos do Encontro Internacional do MOAC – LA (Movimento Obreiro de Ação Católica Latino Americana) que teve como tema: “Como nos formamos los Trabajadores Cristianos para enfrentar El Nuevo Milenio”, ocorrido em Rio Bamba, Ecuador, em 03/04/2000.
35
Paulo VI deu o exemplo abandonando definitivamente o uso da tiara (mitra com três
coroas, usada pelos Papas).62
Um novo gesto para uma igreja que buscava a renovação, mesmo que em função do
medo comunista que disputara a atenção do rebanho operário e campesino no encontro
com a modernidade. Em resumo, “A teologia anterior respondia a pergunta: qual é o
conteúdo de tal verdade ou ensinamento? Agora (pós-Concílio Vaticano II), a teologia
moderna respondia outra pergunta: que significa tal ensinamento para a vida do homem e
mulher de hoje?”63
Observando e analisando agora, do “particular” para o “geral”, a Revisão de Vida
Operária (RVO) propõe-se tornar um mergulho profundo na realidade, na vida do
indivíduo, do operário, do bairro, do ambiente de trabalho, da associação, do sindicato e da
família. Esta mesma “avaliação feita à luz da palavra” (de Deus, à Bíblia), promovida em
pequenos grupos, propunha-se revisar também as ações desses grupos ou equipes e de seus
militantes que periodicamente precisam revisar o seu “Agir” a fim de à luz do Evangelho
evitar o ativismo e os desvios na condução dos trabalhos e “engajamentos”.
Para um novo perfil de rebanho uma nova Cristologia, Jesus Cristo sai do plano do
divino inalcançável e misturava-se, confundia-se com as pessoas, menos no pecado. O
menino, filho do próprio “Deus encarnado”, ao nascer numa manjedoura e tornar-se um
“carpinteiro” na sua fase adulta se fez “Classe”! Classe Operária! O Padre operário que
veio da Suíça para “Assistir” a ACO NE II em 1962, Romano Zufferey, interpretava dessa
forma a trajetória do menino salvador (para os cristãos) e assim o anunciava nas suas
prédicas. “Nessa impostação teológica, Jesus Cristo é considerado principalmente na sua
humanidade, homem igual a nós em tudo… Realiza o belo verso de Fernando Pessoa:
‘Humano só pode ser Deus mesmo’” 64.
É nessa perspectiva, nessa intimidade mesmo (que em nosso caso só mantínhamos
com os santos), nessa aproximação, que em muitas das “Revisões de Vida”, os militantes
chegam a se perguntar: “- O que faria Jesus diante de tal situação?... Como agiria Jesus
Cristo diante deste fato?... O que Ele espera de nós?!”
3.3 A produção literária (o intelectual orgânico popular)A Ação Católica Geral no Brasil sob a tutela do intelectual Alceu Amoroso Lima,
sempre teve como uma de suas premissas a publicação de jornais, revistas e livros. Não
62LIBÂNIO, op. cit. , p. 7463Idem, p. 8564LIBÂNIO, João Batista. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo, Loyola, 2000, p.85
36
haveria de ser diferente como uma ramificação da Doutrina Social de uma instituição que
guardou o saber erudito em princípio do medievo e fundou as primeiras universidades da
história no mesmo período.
A ACO faz uso deste instrumento de registro histórico de suas ações, para o reforço
de sua própria identidade diante de seus seguidores e simpatizantes e de aprofundamento
em seu processo de formação interna. O diferencial da iniciativa, é que toda a produção
literária da ACO trará como elemento primordial a preocupação com a (re) valorização do
leigo como protagonista. As diretrizes do Vaticano II se fazem presentes, também neste
item. A Ação Católica Operária, portanto, estará fomentando um tipo de “Intelectual
Orgânico Popular”, no sentido gramsciano65.
São arregimentados jornalistas, padres e alguma outra mão-de-obra especializada
para o registro dessas publicações, mas a grande preocupação era de que o conteúdo dessa
produção cultural literária fosse por obra de pensamento e concepção da “própria classe
trabalhadora” no intuito de tornar a obra em si, um protagonismo do operariado.
Eis um breve resumo dessas publicações e seus comentários66”:
Caderno Verde: com o resumo dos congressos realizados pelo movimento;
Caderno Amarelo: com as decisões do Conselho Nacional;
Boletim Assumir: de âmbito nacional, distribuído a cada quatro meses a
militantes;
Boletim Construir: este era específico da ACO de Pernambuco e circulava
bimestralmente entre os da “classe operária” e movimentos sociais;
Calendário: publicação em forma de folhinha de parede socializava a imagem
e as idéias da ACO (1980);
Folhetos para Grupos Novos: coleção que tratava de temas relacionados com
a missão e a pedagogia da ACO, para a formação de novos militantes;
Coleção Ver, Julgar e Agir pelos quatros lados: composta de cinco volumes:
Conhecer as sociedades; Jesus: sua terra, seu povo, sua proposta; Revisão de
vida: conhecer para transformar;
A História da Classe Operária: Caderno com tiragem de 50.000 exemplares.
Uma coleção produzida como resposta às teorias inspiradas na escola
65Mais precisamente, esses intelectuais fariam a ligação entre a infra e superestrutura, e seriam orgânicos desde que efetivamente representassem os reais interesses das classes fundamentais, no caso, a classe operária. WANDERLEY, Luiz Eduardo. Democracia e igreja popular. São Paulo, PUC, 2007, p. 108.66CHAPARRO, op. cit., 2006, pp. 80-81.
37
sociológica norte-americana muito em voga no Brasil na década de 1970, e que
negavam a existência de uma classe operária.
Dentre essas publicações, algumas eram classificadas como avulsas porque foram
lançadas em momentos de grande repercussão social. Três obras assim consideradas se
fizeram importantes, inclusive a nível internacional, pelo seu conteúdo e conjuntura
política em que foram lançadas a público:
Em 1967, o manifesto “Nordeste: desenvolvimento sem justiça”: lançado no
1.º de maio (dia extremamente simbólico) daquele ano, foi um fundamentado
grito de denúncia sobre os efeitos socialmente perversos dos programas oficiais
de desenvolvimento do Nordeste67. O manifesto contou com o apoio expresso
do Arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara e
justamente por isso, causou impacto tão grande na opinião pública nacional e
estrangeira.
A seguir uma exposição resumida dessa repercussão em diversos periódicos de
Pernambuco e do Brasil:
– “HÉLDER PREFACIA MANIFESTO DA AÇÃO CATÓLICA OPERÁRIA”. Diário de Pernambuco, Recife, 21 de abril de 1967.Notícia diz que Dom Hélder é autor do prefácio de um documento da Ação católica Operária a ser lançado, dia 30 de abril 1967, em todas as capitais do Nordeste brasileiro, além das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro. O documento, sob o título Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, é uma análise da situação econômica do Nordeste brasileiro e das condições de vida do operariado da região.
– “DOM HÉLDER SOLIDARIZA-SE INTEGRALMENTE COM MANIFESTO DE OPERÁRIOS CATÓLICOS”. Diário de Pernambuco, Recife, 26 de abril de 1967.Notícia sobre texto de Dom Hélder para manifesto da Ação Católica Operária (veja referência 109).
– CÂMARA, Hélder. “NORDESTE, DESENVOLVIMENTO SEM JUSTIÇA”. In. Dom Hélder - Pronunciamentos, Arquidiocese de Olinda e Recife, Recife, vol. 1967-69.Palavras de Dom Hélder, a 1º de maio no Recife, durante uma vigília para o lançamento do manifesto Nordeste, Desenvolvimento Sem Justiça, da Ação católica Operária (ACO). O documento é uma análise da situação econômica do Nordeste brasileiro e das condições de vida do operariado da região e diz: “(...) trata-se de uma imensa legião de sub-empregados, sem profissão e sem oportunidade de trabalho (...)” Sobre o trabalhador rural: “(...) a situação é de miséria, de fome, de injustiça e, o que é mais grave, de ausência de perspectiva de progresso imediato (...)”
– “JORNAL DE SÃO PAULO CRITICA NOVAMENTE D. HÉLDER PELO MANIFESTO”. Jornal do Commercio, Recife, 04 de maio de 1967.Notícia diz que o jornal O Estado de São Paulo “voltou ontem a criticar as posições de Dom Hélder e da Ação Católica Operária à política de desenvolvimento do Governo Federal” (veja referência 111).
67Idem, p. 82
38
– “PROPAGANDA SUBVERSIVA”. O Estado de São Paulo, São Paulo, 04 de maio de 1967. Em editorial, o jornal condena Dom Hélder que apoiou documento da Ação católica Operária (veja referência 111).
– “O ESTADO DE SÃO PAULO CONTINUA COM CRÍTICAS A D.H. CÂMARA”. Jornal do Commercio, Recife, 05 de maio de 1967 (veja referência 113).
– GUDIN, Eugênio. “IGNORÂNCIA ESPECIALIZADA EM ECONOMIA – II: DOUTRINAS ECONÔMICAS DE DOM HÉLDER”. In. O Globo, Rio de Janeiro, 05 de maio de 1967.Em artigo, Gudin diz acreditar que os propósitos de Dom Hélder, ao criticar a situação econômica do Nordeste brasileiro, “sejam os melhores e que seus impulsos sejam o produto do espírito público e de sua compaixão pelos que sofrem”. Mais adiante acrescenta: “(...) Mas isso não impede que suas manifestações possam conduzir a rumos subversivos ou comunistas, sem que ele disso se aperceba”.Eugênio Gudin afirma, também, “o Brasil está fazendo pelo Nordeste um esforço superior às suas próprias forças” e diz que Dom Hélder, ao falar sobre erros da política do governo brasileiro com relação ao Nordeste, “transpõe as fronteiras”. O autor do artigo cita um texto de Dom Hélder publicado na revista francesa Réalités, no qual o arcebispo, segundo Gudin, “deu arras a uma demagogia mais própria de Jango Goulart e seus pelegos do que de um brasileiro civilizado, de cultura mediana”.
– “COSTA E SILVA DEIXA AÇÃO CATÓLICA ALEGRE”. Diário da Noite, Recife, 20 de maio de 1967. Notícia fala de um telegrama enviado à Ação católica Operária do Recife pelo presidente do Brasil, marechal Artur da Costa e Silva, agradecendo um exemplar do manifesto Nordeste Desenvolvimento Sem Justiça que lhe foi enviado. A notícia traz, também, declarações do padre Romano Zufferey, assistente eclesiástico da ACO, segundo as quais o telegrama do presidente da República “é uma prova de que o manifesto é do interesse as Nação”.
– “ESTADÃO VOLTA A CRITICAR DOM HÉLDER”. Diário da Noite, Recife, 13 de novembro de 1967.Notícia diz que o jornal O Estado de São Paulo publicou editorial afirmando que Dom Hélder é infiel ao Papa “segundo o qual a Igreja não se pretende fazer especialista em economia e sociologia”.
– “DOM HÉLDER: ALIANÇA É CHANTAGEM”. Diário da Noite, Rio de
Janeiro, 03 e 04 de dezembro de 1967.
Notícia diz que Dom Hélder, através de entrevista à revista francesa L’Express,
afirmou que a Aliança Para o Progresso (campanha dos governo dos Estados
unidos da América de ajuda aos Países subdesenvolvidos) “é chantagem e
colonialismo”.68
Ainda mais recentemente, o jornalista Sergio Montenegro Filho do Jornal do
Comercio (Recife), redigiu uma matéria em alusão aos 40 anos do Ato Institucional n.º 05
– AI-5 (1968), que radicalizou a brutalidade exercida contra as forças de oposição durante
o regime militar brasileiro. Reproduzimos a referida matéria em que o ex-Padre Reginaldo
68Disponível no site: http://www.pernambucodeaz.com.br/dh/1967.htm, acessado em 12/01/2009.
39
Veloso69 deu o seu testemunho e rememorou a atuação e o papel exercido pela Ação
Católica Operária - Regional NE II.
Há 40 anos, o Brasil era jogado nas trevasPublicado em 14.12.2008, JCNo dia 13 de dezembro de 68, o presidente Costa e Silva assinou o Ato Institucional nº 5, cassando liberdades e estabelecendo o terror. Por outro lado, estimulou a resistência dos movimentos sociais.Caía a tarde da sexta-feira, 13 de dezembro de 1968. Há 40 anos, começava a noite mais escura e longa do regime de exceção no Brasil, iniciado quatro anos antes, com o golpe militar. Embalado pelos focos de resistência popular ao governo e pelas vozes de parlamentares que insistiam em clamar por democracia, o general-presidente Arthur da Costa e Silva assinou o mais cruel dos atos institucionais, o AI-5. Entre outras ações, fechou o Congresso Nacional por prazo indeterminado e passou a legislar por decretos, autorizou intervenção federal nos Estados e municípios, suspendeu garantias individuais, habeas corpus e direito de reunião, e estabeleceu a censura prévia aos meios de comunicação.O AI-5 amordaçou partidos, associações, movimento operário e estudantil, e passou a reprimir a cacetete as manifestações de rua. Por outro lado, porém, estimulou o trabalho clandestino, o corpo-a-corpo, reforçando um novo tipo de resistência: os movimentos sociais. Focos se formaram nas comunidades. Ganharam mais dimensão os que tinham a simpatia da Igreja Católica progressista. Entidades como a Ação Católica Operária (ACO) e as pastorais da terra e operária eram vistas como um novo meio de mobilização. Exerciam o papel dos partidos e sindicatos, mas sem exposição pública. trabalhavam no sistema “formiguinha”, em pequenas reuniões e conversas pessoais.Em Pernambuco, o movimento contava com a proteção do arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara. Mas não era tão fácil. Menos de três anos após a assinatura do AI-5, esses setores – que se reuniam em igrejas, salões paroquiais, residências particulares e até em bares e restaurantes mais discretos – divulgariam o documento “Ouvi os clamores do meu povo”, no qual narravam as perseguições, torturas e mortes promovidos pela ditadura. “O documento foi uma pancada no sistema, com uma solidez tão forte que deixou o regime sem resposta”, conta o padre Reginaldo Veloso, ligado à ACO e responsável pela Paróquia da Macaxeira. Mas a resposta viria, e da forma mais dura, com o seqüestro e tortura de militantes e religiosos – inclusive o próprio Veloso, que resistiu a dez horas de interrogatório sem revelar os autores do documento. A investida principal aconteceu em 1973, na sede da ACO – hoje Movimento dos Trabalhadores Cristãos – na Rua Gervásio Pires, invadida pelo DOI-CODI, a polícia política. “Era tarde. O documento já havia sido distribuído no País e no exterior”, diz Veloso. Alguns dias depois, a casa de dom Hélder seria metralhada. Em maio de 1969 ele havia sofrido um duro golpe, com o assassinato do padre Henrique Pereira Neto, que trabalhava na conscientização da juventude. “Não havia nada que o regime temesse mais que os movimentos estudantil e operário”, explica Veloso.Outro foco de resistência estava no campo. Embora alvo da repressão, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetape) foi mantida na ativa. Ali, abrigavam-se líderes de sindicatos fechados pelo regime, que se somavam às pastorais da terra, vinculadas à igreja. “Mas qualquer mobilização era vigiada”, lembra José Rodrigues, um dos ex-presidentes da entidade. (Grifamos).
69Reginaldo Veloso é ex-padre católico romano da Paróquia do Morro da Conceição (Bairro de Casa Amarela), uma das áreas populares mais habitadas na periferia do Recife/PE. É Assessor do Movimento Amigo das Crianças (MAC), das CEBs e do MTC (Antiga ACO). Foi um dos fundadores do Instituto Teológico do Recife (ITER), durante gestão de Dom Helder Câmara. É ainda escritor, compositor, Mestre em Teologia e História pela Universidade Gregoriana (Roma) e também um especialista em Liturgia.
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Em 1970, Nordeste: o homem proibido, uma pesquisa sobre a realidade da
vida operária na Região alimentou dois dias de intensa reflexão, em reunião de
militantes realizada no Recife70.
Publicações como estas e em tempos de forte repressão policial e política (aliás, o
manifesto foi lançado no momento considerado mais duro da Ditadura Militar no Brasil),
exerceram, de fato, uma influência e vigor muito grande num movimento social que nunca
foi de massa e que também nunca se apresentou em seu próprio nome, mas se fazia
presente no “agir” dos seus partícipes, pois era sua proposta como permanece até os dias
atuais.
Em setembro de 1971, foi lançado o livro Manoel de Ó, 100 anos de suor e
sangue. A proposta do livro era fazer um resgate da história sindical nordestina
a partir de um sindicalista-anarquista pernambucano que marcou época,
segundo registros no livro, promovendo “greves e outras lutas71” nas ferrovias
nordestinas.
Como se vê, a Ação Católica Operária, em especial no Regional NE II72, teve uma
profícua produção de livros, publicações diversas e manifestas que se explica pelo fato de
entre seus membros, serem não só operários de fábrica, mas também servidores públicos e
outros profissionais que tiveram um maior contato com a cultura letrada. Como foi o caso
da militante já falecida (em 2008) Lorena Araújo, que organizou o lançamento em Recife
na sede própria da ACO (atual MTC) o livro Padre Romano: profeta da libertação
operária. A saudade que impulsiona.
É válido reproduzir aqui, algumas prédicas e pensamentos do Padre Romano
Zufferey, um operário Suíço, que esteve entre os militantes da ACO, lhes prestando
Assistência Religiosa entre as décadas de 1960 e 1980. E que pelos seus atos e ditos,
visualiza-se com nitidez o perfil deste movimento no Nordeste brasileiro, bem como o
perfil de sua Arquidiocese e que conseqüentemente influenciava na postura e ação dos
militantes de então.
Ei-las: Nunca ouviram de mim uma palavra contra o marxismo, comunismo. Não sou contra.
- O “anti” causou muito prejuízo à Classe Operária.- Se todas as forças, na América Latina e no mundo, colocadas a combater o comunismo, fossem colocadas para colaborar com o Criador, para construir um mundo certo, a face da terra seria hoje diferente.
70CHAPARRO, op. cit., p. 82.71Idem, p. 8272Em algumas partes do Brasil a ACO subdivide-se de forma diocesana, acompanhando a distribuição geográfica da Igreja Católica Romana e da CNBB à qual é filiada. O Regional NE II atualmente compreende os Estados de Pernambuco e Paraíba.
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Deus colabora também com os marxistas. – Senão, não existiriam mais: desde 1898, 170 anos! Podem existir conflitos em minha vida: com os patrões, com a Igreja, com as autoridades;
nunca com a Classe. Ela é a minha opção, a minha vida. Não estou em conflito com o sindicato. Não tomo o lugar dele. Simplesmente, estou com ela (a
Classe), procurando nela a face de Jesus Cristo, e ajudando-a a descobri-la. Quero, de preferência, a organização, não porque é cristã, mas porque é operária.73
Talvez o Padre Romano Zufferey, tenha sido até mais moderno e atualizado na
incorporação de novos valores e discursos à dinâmica da Igreja Católica Romana, que o
próprio Dom Helder Câmara. Com certeza, esteve à frente de muitos padres de sua
Arquidiocese. E se Dom Helder não foi tão ousado nas palavras, pelo menos, apoiava
integralmente as atitudes do padre suíço.
3.4. A Formação na AçãoEis um grande desafio para aqueles que participaram (e participam) do movimento
de ACO: a formação na ação. E isso em época de forte efervescência política (décadas de
1960 e 1970) tomava uma proporção ainda maior. Certamente, não era fácil conciliar,
como não é até hoje, o teórico e o prático, o espiritual e o temporal, Igreja e mundo,
humanização e evangelização74. A solução apresentada até os dias atuais contra o excesso
de secularização e humanização radical de Jesus Cristo e o risco de possibilidade de
ativismo é a Revisão de Vida Operária (RVO), além dos retiros espirituais que estão cada
vez menos comuns.
Como exemplo dessa contradição e desse conflito constante, entrevistamos Elias
Cândido um ex-jocista e um dos “militantes” mais antigos da ACO (MTC) no Regional NE
II..75 Perguntado sobre como se dava na prática a “formação na ação”, ele respondeu:
A Ação está no compromisso com a classe trabalhadora e Jesus Cristo. A Ação
forma na transformação dos outros. Em mim senti a condição na participação de
“refletir” as coisas e essa formação só tem eficácia se vier acompanhada da
RVO76. O que firma o militante é a RVO para o compromisso que ele tem.
Na JOC eu já encontrei a minha revolta contra as estruturas. Eu já me perguntava:
- Que Deus é esse que permite uns muito bem e outros sem condições. […] No
sindicato da alimentação estudamos o porquê da diferença de renda entre os
donos das padarias e os trabalhadores e descobrimos que ½ saca de farinha ficava
para o patrão. O Bispo Mario de Miranda Villa Boas me advertiu porque a minha
73 CHAPARRO, op. cit., p. 254.74SOUZA, Luiz Alberto Gomes de. Do Vaticano II a um novo concílio: o olhar de um cristão leigo sobre a Igreja. São Paulo, Loyola, 2004, p. 65. 75Elias Cândido do Nascimento, 73 anos, paraibano de João Pessoa. Ex-jocista, atualmente é Coordenador Nacional do MTC (antiga ACO), gestão 2006-2010. Entrevista em 10 /01 2009/ .76 Revisão de Vida Operária (RVO). Método utilizado para analisar e revisar a atuação dos membros de ação católica em suas atividades, utilizando-se do método Ver-Julgar e Agir pelos quatro lados: o político, o ideológico, o econômico e o social. Na prática uma análise sociológica dos problemas, principalmente ligados ao mundo do trabalho, com forte contribuição da teoria marxista.
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atuação era de comunista e não de cristão. Então Eu disse: - Fique com sua igreja
que Eu fico com meu sindicato.
Para outro entrevistado, Raimundo Barreto,77 o significado da “Formação na Ação”
tem um sentido mais amplo:
Tem um ditado que diz “é fazendo que se aprende a fazer”. Muitas vezes você
aprende a fazer, mas a mão na massa é que dá a certeza que aprendeu, é o
exercício concreto. É quando você vai para uma greve por exemplo. Na época do
regime militar as ações eram de forma limitada, o estudo, o conhecimento,
existem várias formas de ação. Essa coisa é muita ampla! Os manifestos da ACO:
Nordeste: Desenvolvimento sem Justiça e Nordeste: O homem proibido foi uma
ação concreta porque foi feita uma pesquisa no mundo real,na vida dos
trabalhadores, nas atividades da SUDENE. Quem fez entendeu a realidade e fez
com que outras pessoas entendessem a realidade. Os militares e a imprensa
escondiam a realidade. É uma forma diferente de ação.
Um dos militantes mais antigos da ACO Francisco Caetano Santiago,78 egresso da
Juventude Operária Católica, fez carreira no sindicalismo na área têxtil. Alçou vôo político
e exerceu mandato de vereador e vice-prefeito em Escada/PE, sua cidade natal,
Atualmente, Caetano como é conhecido, é Presidente do Sindicato dos Aposentados e
Pensionistas no Estado de Pernambuco. Ele relatou sua experiência pessoal e seu ponto de
vista a respeito da “formação na ação” e de seus resultados práticos em seu “engajamento”:
Você procura viver a coisa junto. A gente falando, só conversando não vive a
realidade. Quando entra na ação o aprendizado é muito grande desde que
saibamos mobilizar as pessoas. Em 1967 em plena ditadura, a Companhia
Industrial Pirapama79 alegava dificuldades e queria mais produção: uma hora a
mais de trabalho sem aumento de salário. O AI-5 já tinha saído 80e os
trabalhadores decidiram por uma paralisação. Ganhamos a confiança das pessoas
e sempre contávamos com os trabalhadores daí por diante. A fábrica voltou atrás
de sua decisão.
Um depoimento dos mais interessantes pela vivacidade do entrevistado, foi
concedido por Vicente Fernandes Barbosa, 72 anos, ex-membro da Juventude Operária
Católica, um dos fundadores da ACO no Regional NE II e Assistente Leigo do Setor Cabo-
Escada.81 Vicente Fernandes também foi eleito vereador também onde nasceu em
77Raimundo Barreto da Silva, 67 anos, natural de João Alfredo/PE é ex-jocista e ex-liberado (um tipo de animador de equipes que ficava à disposição da organização e viajava por diversas regiões do Brasil) da ACO. Entrevista em 12 /01 /2009 .78Francisco Caetano Santiago, 74 anos, natural de Escada/PE. Entrevista em 12 /01 /2009 .79Trata-se de uma indústria de tecidos situada no município de Escada, na Zona da Mata Sul em Pernambuco.80 Na verdade o AI-5 foi oficializado em 13 de dezembro de 1968, pelo Presidente Costa e Silva.81Além da divisão diocesana em regionais, a ACO é subdividida em setores de cidades próximas.
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Escada/PE, é assessor parlamentar e integra a direção nacional do sindicato dos
aposentados. Vicente Fernandes relata sua experiência:
Durante a ditadura, para se encontrar tinha dificuldade e a gente refletia sobre a
realidade do País. No sindicato dos tecelões82chegou um cara do Partidão (referia-
se ao antigo PCB). Ele criticava o sistema e pregava a guerrilha contra a ditadura.
A gente defendia a mudança pacífica. Juntava eu, Francisco Caetano, Miguel
Moreira. Havia sempre rodízio na direção das reuniões pra ninguém ficar visado.
A empresa (referia-se a fábrica de tecidos Pirapama) queria me demitir de forma
negociada para que eu não assumisse o sindicato e eu não aceitei a demissão. Os
companheiros assumiram o compromisso de me ajudar financeiramente, eu já era
casado, e fizeram cota quando fui demitido. Padre Romano me ajudou muito.
Ganhamos à eleição do sindicato!83
O entrevistado é desses entre tantos “militantes” que ao final de algum seminário,
encontro ou confraternização, costumam cerrar o punho e gritar entusiasticamente: - Viva a
Classe! (a classe operária).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Procuramos demonstrar neste estudo que a Ação Católica Operária – ACO
(ramificação da Ação Católica Especializada e das experiências de JOC em particular com
o seu método ver-julgar-agir), no Brasil e particularmente em Pernambuco, guarda em suas
raízes mais profundas, devido suas motivações e ações, elementos daquele movimento
primordial identificado como “cristianismo primitivo”. Cosmovisão esta, que preservada
nos ensinamentos e exortações propostas pela Doutrina Social da Igreja Católica
Apostólica Romana em todos os seus documentos, se evidenciou avançadas e
comprometidas - dialeticamente – em circunstâncias especiais, em que, as forças e
circunstâncias presentes assim o exigiram.
Neste estudo, tentamos demonstrar que a partir das origens, dos métodos, das ações,
das repercussões, das ocorrências históricas, isso se foi revelando ao longo da existência,
experiência, situações e atuação de pessoas/instituições que motivadas por esses
ensinamentos, tomaram posições que procurei destacar como “progressistas”.
82Vicente Fernandes Barbosa neste período atuava no Sindicato dos Tecelões, no município de Escada.83Entrevista em 12 / 01 2009/ .
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O franciscano Leonardo Boff afirma baseado em Martin Heidegger, que “o cuidado
pertence à essência do ser humano… e isso antes mesmo da razão e da liberdade”84.
(Grifamos). Com absoluta certeza, estas afirmações estão amparadas muito mais nas suas
concepções “cristãs” do que em Heidegger, que foi provavelmente cristianizado por ele.
Mais adiante em um projeto futuro, em estudo mais aprofundado pode-se buscar a
verificação e mensuração a partir de alguns de seus atores, no campo da política
institucional, dos movimentos sociais e do sindicalismo, que repercussões a atuação da
Ação Católica Operária (atualmente MTC – Movimento de Trabalhadores Cristãos)
provocaram no tecido social onde atuou/atua.
BIBLIOGRAFIA
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COMBY, Jean. Para ler a História da Igreja II: do século XV ao século XX. São Paulo,
Loyola, 1995.
84Boff, Leonardo; Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro, Sextante, p. 85
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(Pesqueira/PE), 1995-1998. Campinas, UNICAMP, 2008. (Tese de Doutorado em História
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SOUZA, Luiz Alberto Gomes de. Do Vaticano II a um novo concílio: o olhar de um cristão
leigo sobre a Igreja. São Paulo, Loyola, 2004.
Sites:vatican.va/archive. Acessado em 30/12 /2008 ecclésia.pt/joc. Acessado em 30 /12 /2008
ANEXOS
Figura 1 - Francisco Caetano (à esquerda na foto) e Luiz Barros, ambos egressos da JOC e
atualmente membros da ACO/MTC. Estão “engajados” no Sindicato dos Aposentados no Estado de PE.
Luiz Barros é um dos fundadores da Ação Católica Operária (hoje MTC). Ambos foram perseguidos
pela Ditadura Militar atingiu Pernambuco com virulência. Luiz Barros chegou a ser preso para
interrogatório, foi liberado e aconselhado a se afastar das questões que envolviam o Governo Federal.
(Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
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Figura 2- Evento de confraternização do Setor Cabo/Escada. O evento acontece regularmente todos
os anos e tem o objetivo de revisar as ações desenvolvidas pela ACO/MTC no ano que se finda e de
planejar as ações para o ano vindouro. Na ocasião, todas as equipes prestam contas de suas atividades
(De costas, João Fragoso [à esquerda] e Vicente Fernandes. Ambos, conversando com Padre Assistente,
José Francisco Ramos). (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
Figura 3- Padre Reginaldo Veloso (Assessor do MTC/ACO e outras organizações como o MAC e
CEBs). É tido entre os membros da ACO/MTC como um grande especialista em Liturgia. Na imagem
está à frente de uma celebração de confraternização (2008). Padre Reginaldo (como é identificado por
todos) esteve envolvido em uma das maiores polêmicas da história da Igreja Católica Apostólica
Romana no Brasil, confrontando diretamente o sucessor de Dom Helder Câmara, o bispo Dom José
Cardoso Sobrinho, quando foi afastado por este no começo dos anos 1990 e destituído de todas as suas
funções na Igreja Católica. Esteve à frente por muitos anos da Paróquia do Morro da Conceição (no
bairro de Casa Amarela), onde ocorre anualmente a Festa de Nossa Senhora da Conceição, mobilizando
milhares de fiéis. Padre Reginaldo foi preso durante a Ditadura Militar, flagrado no Bairro da Torre
preparando panfleto contra o regime. (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
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Figura 4- Padre José Francisco Ramos (à direita na foto), Assistente religioso da MTC/ACO e
membro do conselho nacional da entidade, também egresso da JOC e esteve ao lado do Padre Moisés
Lindoso (ex-Assistente Religioso da JOC) na Paróquia de São José Operário (Cabo de Santo
Agostinho/PE), durante décadas. Padre Ramos, como é identificado, participa da Equipe de Base da
Cohab, no mesmo município. (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
Figura 5 – Ivanete Alves de Souza, ex-militante da JOC, é professora aposentada e atualmente
integra a Coordenação Regional do MTC/ACO no Regional NE II. Ivanete esteve em Paris em maio de
1968 e acompanhou de perto um dos eventos mais marcantes do século passado, quando vários protestos
liderados por estudantes e trabalhadores, tomaram ares de revolução. No mundo inteiro, em especial na
América Latina devido aos regimes totalitários, a juventude ganha as ruas gritando por liberdade.
(Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
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Figura 6 – Severino Justino de Souza (à esquerda na foto), “Seu Biu” como é identificado, foi
liberado (animador leigo que viajava por vários estados do Brasil) cuidando da expansão e do vigor das
Equipes de Base. (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
Figura 7 – João Francisco da Silva (à esquerda na foto), figura carismática e querida por muitos do
MTC/ACO. Foi tecelão aposentado e um dos fundadores da Ação Católica Operária, após afastar-se da
Juventude Operária Católica. Durante a Ditadura Militar (1964) foi preso e torturado e solto por
interferência direta do Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara. Exerceu várias funções na
ACO (hoje MTC). João Francisco recebeu diversas homenagens (pos mortem), dentre elas, nomeou
agência do trabalho com seu nome no Bairro do Recife Antigo, Recife/PE.
(Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
Figura 8 – Congresso Nacional da ACO, onde Equipes de Base de todo o Brasil se fazem
representar mediante indicação interna. Nestes congressos se delibera sobre planos quadrienais, avalia-se
o movimento em nível nacional, faz-se análise da conjuntura política e econômica através do método
Ver, Julgar e Agir. Um Congresso acontece periodicamente de quatro em quatro anos. O congresso da
ACO é órgão de deliberação máxima do movimento. (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
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Figura 9 – Elias Cândido do Nascimento (de perfil), 73 anos, paraibano de João Pessoa. Perseguido
pela Ditadura Militar em seu Estado obteve acolhida e proteção da Igreja Católica. Ex-membro da JOC,
foi preso como vítima de racismo no Estado de São Paulo. Desde então se mostrou “indignado com as
estruturas do sistema”, segundo ele próprio, e passou a analisar e a combater as diferenças e injustiças
sociais. Hoje ocupa cargo em nível nacional no MTC/ACO e está aposentado como gráfico. É uma
figura de destaque no sindicalismo e na política do Estado da Paraíba onde exerce cargo de
representação dos aposentados no SINTER – Sindicato dos Trabalhadores em Assistência Técnica e
Extensão Rural da PB. (Acervo Particular / Adriana Ribeiro Alves)
Figura 10- Lorena Araújo, aqui abraçando com o Padre Jesuíta Mauricio Parant, esteve à frente da
Ação Católica Operária - Regional NE II desde sua fundação (1962). Destacada e ativa militante, por
suas ações de relevo na ACO no combate a Ditadura Militar. Era considerada o “braço direito” do Padre
Romano Zufferey e organizou muitas das publicações lançadas pelo movimento. Devido sua atuação foi
investigada e perseguida, chegando a ser detida e interrogada pelas forças de repressão. Falecida em
2008 recebeu diversas homenagens pela sua trajetória de vida. Dentre elas a do militante dos Direitos
Humanos e vereador de Olinda, Marcelo Santa Cruz, que representando o CENDHEC, testemunhou
que nos anos 1970, quando imperava a Ditadura Militar, Lorena, seguidora de Dom Helder
Câmara, articulou a resistência, manifestou a solidariedade aos presos políticos e familiares dos
mortos e “desaparecidos”. Posteriormente, foi ela quem se colocou disponível na articulação da
oposição sindical. Fez-se presente na luta por um novo sindicalismo, o que resultou nos anos 1980,
50
na Fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) (Acervo Particular / Adriana Ribeiro
Alves)