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1 BREILLA VALENTINA BARBOSA ZANON AUTONOMIA E INTERDEPENDÊNCIA: O CIRCUITO FORA DO EIXO E A EXPERIÊNCIA CULTURAL EM REDE COMO FORMA DE SUSTENTABILIDADE DO MERCADO DAS ARTES NA CONTEMPORANEIDADE UBERLÂNDIA 2011

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BREILLA VALENTINA BARBOSA ZANON

AUTONOMIA E INTERDEPENDÊNCIA: O CIRCUITO FORA DO EIXO E A

EXPERIÊNCIA CULTURAL EM REDE COMO FORMA DE

SUSTENTABILIDADE DO MERCADO DAS ARTES NA

CONTEMPORANEIDADE

UBERLÂNDIA

2011

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BREILLA VALENTINA BARBOSA ZANON

AUTONOMIA E INTERDEPENDÊNCIA: O CIRCUITO FORA DO EIXO E A

EXPERIÊNCIA CULTURAL EM REDE COMO FORMA DE

SUSTENTABILIDADE DO MERCADO DAS ARTES NA

CONTEMPORANEIDADE

Monografia apresentada para conclusão

do Curso de Ciências Sociais da

Universidade Federal de Uberlândia –

UFU.

Orientador: Prof. Dr. João Batista

Domingues Filho

UBERLÂNDIA

2011

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos aqueles

que vêem na Arte e na Cultura o poder

transformador da sociedade. Dedico àqueles

que a compreendem para além da mercadoria e

que assim garantem seu ofício e dão base

confiante a essa ação transformadora.

Para aquele que nunca deixarão de

acreditar que a história e seus processos são

componentes fundamentais para refletirmos e

entendermos sobre o nosso presente e futuro.

Para aqueles que acreditam que a rede

está na rua.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador pela paciência, confiança e audácia em desbravar

comigo o debate diante de um tema que ainda urge por definições. Sem seu estímulo e

conselhos, muito ainda estaria por ser feito.

Agradeço a todos os que fizeram parte direta e indireta dessa pesquisa. Aos

agentes que cederam entrevistas e aos que contribuíram em longas conversas de análise

empírica.

O trabalho científico é por muitas vezes solitário. O cientista acostuma-se a ser

incompreendido durante o processo de pesquisa, seja por suas opiniões ou,

principalmente, pela omissão delas. Agradeço aos mestres que ensinaram sobre a

legitimidade do trabalho científico e o quanto a concretude de seus resultados se deve ao

distanciamento das influências do observador sobre o seu objeto. Agradeço a todos que

entenderam o silêncio e a observação solitária como parte fundamental da análise.

Por fim, a todos os meus familiares que sempre estiveram dispostos a entender

minhas perspectivas de vida, mesmo quando essas se encontram distantes de suas

realidades.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 01

2. CULTURA E EXPRESSÃO NA CONTEMPORANEIDADE ................................... 03

2.1. CULTURA, INDIVÍDUO E REPRESENTAÇÃO ................................................... 03

3. MÚSICA INDEPENDENTE NO BRASIL: OBSERVAÇÕES SOBRE A

ORIGEM, TRANSFORMAÇÕES E ATUALIDADE..................................................... 06

3.1. VAZÃO CULTURAL E LEGITIMAÇÃO DA AUTONOMIA DO ARTISTA ..... 15

3.2. ESTRUTURAÇÃO DE UMA ANÁLISE: INDIVÍDUO, COLETIVOS E

MEIO ................................................................................................................................. 17

3.3. AUTONOMIA, INTERDEPENDÊNCIA E MERCADO MÉDIO: CIRCUITO

FORA DO EIXO ............................................................................................................... 21

4. CUIABÁ (MT), UBERLÂNDIA (MG), RIO BRANCO (AC) NA ROTA DA

MÚSICA INDEPENDENTE ............................................................................................ 36

4.1. A ANÁLISE DOS CASOS ......................................................................................... 36

5. O RELATO DOS CASOS ............................................................................................. 38

5.1. CIDADE E MODERNIZAÇÃO: INFLUÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DA

CULTURA MUSICAL INDEPENDENTE DO CIRCUITO DORA DO EIXO EM

CUIABÁ (MT) .................................................................................................................. 38

5.1.1. O ESPAÇO CUBO E O FESTIVAL CALANGO .................................................. 42

5.2. FLORESTA E MODERNIDADE: COMPONENTES DA IDENTIDADE

CULTURAL EM RIO BRANCO (AC) ............................................................................ 51

5.2.1. A MÚSICA INDEPENDENTE EM RIO BRANCO (AC) E SUAS

AFINIDADES COM A AFIRMAÇÃO AUTÔNOMA DO INDIVÍDUO EM

SOCIEDADE .................................................................................................................... 54

5.2.3. ALGUMAS PECULIARIDADES PERTINENTES .............................................. 56

5.3. UBERLÂNDIA (MG): INFLUÊNCIAS E CONDIÇÕES DA CONSTRUÇÃO

CULTURAL ...................................................................................................................... 63

5.3.1. A PECULIARIDADE DOS AGENTES E O FATOR HITÓRICO ...................... 64

5.3.2. FASES DE UM MESMO DESENVOLVIMENTO: MÚSICA

INDEPENDENTE EM UBERLÂNDIA E COLETIVO GOMA .................................... 67

6. CONCLUSÕES ............................................................................................................. 71

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 86

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8. ANEXOS ....................................................................................................................... 89

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1. INTRODUÇÃO

O mercado da cultura e seu desenvolvimento até hoje foram marcados por

situações que muito se desencadearam a partir de um panorama político e

principalmente econômico neoliberal, lançando assim seus efeitos sobre a sociedade.

Nessa perspectiva, o propósito do trabalho aqui desenvolvido é fazer uma

análise a respeito da música independente, ou seja, aquela que se faz desatrelada dos

subsídios e fórmulas impostas pela grande indústria musical e do mercado da cultura de

maneira geral. Buscaremos a cultura e suas manifestações dentro do desenvolvimento

de nossa sociedade e também a partir do significado que esta tem para os sujeitos

presentes neste contexto. A partir de então, montaremos o substrato para observar a

idéia matriz, fundante de todo pensamento em torno da música independente autoral,

desde sua origem em meados dos anos de 1970, passando por suas transformações e

estratégias, até apontarmos para o panorama que temos hoje. A pretensão é lançar

olhares sobre a autonomia desses indivíduos, quando artistas e agentes culturais, mas,

acima de tudo, cidadãos que buscam por representação de seus interesses em meio à

sociedade e o mercado, levando em consideração o contexto social, econômico e

cultural em que vivem.

Por se tratar de um recorte atual, o objeto dentro da pesquisa será o Circuito Fora

do Eixo (CFE), que hoje pode ser considerado como um dos principais exemplos de

produtividade dentro da cena independente. Em nosso recorte, cairemos sobre a análise

dessa rede de artistas que, por se encontrarem excluídos do mercado musical formal,

formaram a partir de trocas de serviços e trabalho coletivo, uma plataforma de ações

culturais e circulação, que hoje proporciona a seus integrantes uma participação muito

interessante dentro do mercado da cultura brasileiro, sendo assim uma rede extensa, que

conta com agentes em mais de cinquenta coletivos, ou seja, pontos de articulação de

agentes. São aproximadamente duas mil pessoas envolvidas.

Nossa observação tem como foco específico salientar como se deu esse processo

de construção, em particular três cidades, as quais são consideradas pelos agentes e toda

cena que se articula dentro da música independente, por um motivo ou outro, como os

principais exemplos da capilaridade e articulação que o CFE promove em todo país. As

cidades analisadas serão, portanto: Cuiabá (MT), Rio Branco (AC) e Uberlândia (MG).

Em nossa construção, buscaremos responder a seguinte pergunta: O Circuito

Fora do Eixo, como exemplo de plataforma de ação, distribuição e circulação da música

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independente atual, garante que seus agentes (artistas, produtores e demais envolvidos)

se representem (ou seja, sejam capazes de inserir seus interesses, e também seu trabalho

de maneira eficaz) em meio à sociedade de maneira autônoma, tanto em relação ao

Mercado, quanto ao Estado e suas Políticas Públicas?

A partir daí, estabeleceremos a análise principalmente em torno do Mercado

Médio, designação que se refere ao tipo de plataforma de estratégias econômicas

desenvolvidas dentro da rede que, uma vez se pautando por uma orientação diferente da

do mercado da música e da cultura formal, realiza as ações de seus agentes através das

trocas de serviços e de trabalho colaborativo de maneira geral, que são desenvolvidas

entre os indivíduos e seus respectivos coletivos integrantes do circuito, sendo mediadas

por uma moeda complementar, desenvolvida pelo próprio Circuito, os Cards. Essa

perspectiva nos permitirá compreender o quanto essa plataforma estratégica contribui

para a autonomia do indivíduo dentro da rede, e se este pode ser considerado como um

instrumento ou dimensão capaz de preservar e articular a autonomia desse indivíduo

dentro da sociedade, independente do Estado e do grande mercado da cultura.

Para a construção desse trabalho, usaremos de embasamento teórico autores

como Manuell Castells, Antony Giddens, Amartya Sen, Robert Dahl, Antonio Gramsci,

entre outros não menos importantes, que nos darão suporte durante toda a análise.

Teremos como objetivo observar e construir um diagnóstico a respeito do indivíduo e

sua forma de participação na rede dessas três localidades e em paralelo com a rede

formada pelo circuito como um todo. Trata-se, portanto, de uma análise que busca

observar e refletir sobre a ação política do indivíduo contemporâneo e suas

características, de maneira que possamos compreender o quão autônomo suas

capacidades políticas, sociais e econômicas lhe permitem ser dentro e fora da rede. Por

isso, além do substrato teórico, faremos uso igualmente de entrevistas, trabalho de

campo, além de coleta e análise de materiais desenvolvidos pelos agentes da própria

rede, como por exemplo, os festivais, CD´s, vídeos, informativos, blogs, fotografias,

entre outros.

É importante ressaltar logo de início que o que pretendemos aqui não é construir

suposições, soluções ou estratégias mediante o que for constatado através de nossa

pesquisa. A intenção se enquadra única e exclusivamente na observação e análise em

torno de uma nova configuração econômica e social que reflete seus efeitos sobre o

panorama político e cultural da produção independente, principalmente no campo da

música. Nesse sentido, o que buscamos fundamentalmente é perceber as vantagens e

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limitações dessa configuração, quando esta trata da promoção da participação desse

indivíduo em meio à sociedade de maneira que esta seja feita independente do Estado e

do Mercado com os quais se depara.

2. CULTURA E EXPRESSÃO NA CONTEMPORANEIDADE

2.1 CULTURA, INDIVÍDUO E REPRESENTAÇÃO

Ao fazer um estudo a respeito de assuntos que envolvem a dimensão cultural,

deve-se ter consciência de que esta esfera, compartilhada entre membros de uma

sociedade e significadora da identidade dos mesmos, passa por uma série de

transformações em decorrência do próprio desenvolvimento que engendrou as

mudanças trazidas pela vida moderna1.

Entenderemos cultura em nosso trabalho sob a mesma perspectiva de Hebert

Marcuse2 e assim, ao enveredarmos nesse contexto e consideramos que além do

processo crescente da tecnologia da informação, reflexo da instituição da

racionalidade que permeia as relações entre o homem e seu meio, podemos

compreender que dentro do panorama histórico de nossa civilização ocidental, a

cultura, assim como qualquer outra dimensão da sociedade, sofre as influências e

consequências do mundo moderno. Tais influências refletem e são sentidas

principalmente no plano da sociabilidade presente entre os indivíduos cujo contexto

social, político e econômico corresponde aos de sociedades entusiastas do projeto

desenvolvimentista moderno. Assim, coloca-se como pano de fundo dessas relações, a

projeção de uma individualidade peculiar3, como veremos mais adiante.

1 SCHIMIDT, V. H. Múltiplas modernidades ou variedade de modernidades? Revista de Sociologia Política, Curitiba, 28, p. 147-169, jun. 2007. 2 MARCUSE, H. Cultura e Sociedade. Vol. II, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998, p. 153-175: “Parto da

definição de cultura dada pelo Webster, segundo a qual cultura é entendida como o complexo específico

de crenças religiosas, aquisições, tradições, etc. que configuram o ‘pano de fundo’ (Hintergrund) de uma

sociedade. No uso lingüístico tradicional, ‘aquisições’ como destruição e crime, e ‘tradições’ como

crueldade e fanatismo são geralmente excluídas; seguirei esse uso, embora possa se mostrar necessário

reintroduzir essas qualidades na definição. No centro de minha discussão estará a relação entre o ‘pano de

fundo’ (cultura) e o (fundo) (‘Grunt’): cultura aparece então como um complexo de objetivos (ziele) (ou

valores) morais, intelectuais, e estéticos, considerados por uma sociedade como meta (Zweck) da

organização, da divisão e da direção de seu trabalho – ‘o Bem’ (‘das Gut’), que deve ser alcançado

mediante o modo de vida por ela instituído. Por exemplo, o aumento da liberdade individual e pública, a diminuição das desigualdades, que impedem o desenvolvimento dos ‘indivíduos’ ou da ‘personalidade’,

assim como uma administração capaz e racional, poderiam ser entendidos como ‘valores culturais’

representativos (...) para as sociedades industriais avançadas.” 3 E ELIAS, N. A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

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Dessa maneira, ao engrenarmos em um estudo que busque analisar o processo de

constituição das políticas públicas culturais, principalmente em nossos dias, temos que

ter em mente o fato de que nossas observações irão de encontro a uma

problematização dos substratos pelos quais se desenvolvem os valores e poderes dos

indivíduos em meio à sociedade, levando em conta que esses, dentre outros

componentes mais, são os principais ingredientes presentes na construção da

consciência cidadã que, em certa medida, é responsável pela eficiência dessas políticas

públicas no contexto democrático4.

Levando em conta que a modernidade é a residência contextual desse indivíduo,

o próprio desenvolvimento político, que tem como base as relações entre os homens,

sofre com a ampliação de interesses dentro da democracia. É compreendendo e

construindo a representatividade desses interesses que tanto a sociedade civil quanto o

Estado constroem suas posições em meio à sociedade5.

Sendo a preservação do diálogo e a participação as duas principais vertentes

constitutivas da dinâmica entre governabilidade6 e governança

7 dos tempos modernos,

a democracia pode ser compreendida como o principal sistema político capaz de

prescrever e legitimar interesses através de plataformas políticas que dão vazão aos

interesses no período democrático a qual nos referimos.

Discussões e debates públicos, permitidos pelas liberdades políticas e os direitos civis, também podem desempenhar um papel fundamental na

formação de valores. Na verdade, até mesmo a identificação de necessidades

é inescapavelmente influenciada pela natureza da participação e do diálogo

públicos. Não só a força da discussão pública é um dos correlatos da

democracia, com um grande alcance, como também seu cultivo pode fazer

com que a própria democracia funcione melhor. (SEN, 2000).

Na democracia, o Estado tem a capacidade de se legitimar não somente pela sua

eficiência em relação às demandas geradas pela sociedade como um todo, mas de

maneira consecutiva, por promover conscientemente o atendimento dessas demandas

e, assim, manter sua representatividade diante de interesses conflitantes e necessidades

variadas. Como tal, as consequências sociais e políticas presentes em nossa

modernidade tem suas engrenagens regadas pelo pensamento democrático, na medida

em que este institucionaliza a influência sobre a forma de representação e

4 SEN, A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 225-227 5 DAHL, R. A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. p. 25-

37 6MATIAS-PEREIRA, J. Governabilidade, Governança e Accontability. In: Curso de Administração

Pública: foco nas instituições e ações governamentais, São Paulo: Atlas, 2008. p. 67-68 7 Ibdem.

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manifestação dos interesses e valores do indivíduo dentro de sua sociedade8. Todas

essas conseqüências são fenômenos globais que se engendram segundo o contexto no

qual estão aplicadas. Pretende-se, nesse primeiro momento, visualizar o quanto essa

atmosfera global influiu não só sobre o sistema econômico, mas em principal, como

regou as orientações ideológicas na construção do sistema político brasileiro. Essas

duas dimensões serão as principais vertentes de observação para compreendermos

acerca da construção e do alcance da cultura em meio a nossa sociedade9.

O campo da cultura no qual se desenrola nossa análise sofre influências que são

resultantes do processo político pelo qual passou o Brasil desde sua colonização.

Como não caberia aqui a relação de observações referentes a todos os caminhos pelos

quais percorreu o pensamento e a atividade cultural, basta a nós termos em mente o

fato de que a Cultura no Brasil desempenhou papéis que se estenderam à função de

civilizar, elitizar e solidificar uma identidade nacional10

. Não se perde de vista, por

conseguinte, que em nenhum desses projetos é descartada a característica

homogeneizante11

. Através desse panorama, podemos afirmar que foram poucos os

momentos em que os artistas e movimentos culturais puderam gozar de liberdades e

oportunidades para ascenderem a sua representação diante do governo e da

sociedade12

.

Somos guiados por um pressuposto de que a música independente tem sua

origem13

e transformações calcadas nas consequências do plano social, econômico e

político, a partir do qual o indivíduo se vê guiado por interesses e objetivos

diferenciados segundo suas condições. Dessa forma, a música independente e a

ampliação da visibilidade que foi dada a ela no decorrer dos anos pode ser entendido

8 HUNTINGTON, S. A ordem política nas sociedades em mudança. São Paulo: Edusp, 1975. p. 36-37.

9 BENJAMIN, W. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte e

Política: Ensaios sobre Literatura e História da Cultura, 5ª Ed. Editora Brasiliense, 1989, Vol. 1, p. 165-

166. Observações a respeito dos reflexos da base econômica sobre a superstrutura. 10 BARBALHO, A. Políticas Culturais no Brasil: Identidade e diversidade sem diferença. Disponível

em: http://www.cult.ufba.br/enecult2007/AlexandreBarbalho.pdf. Acesso em 26 ago. 2011. 11 MARCUSE, H. Sobre o caráter afirmativo da cultura. In: Cultura e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1997. Vol 1, p. 95-97 12 BRANT, L. p. 64. Sobre o desenvolvimento das políticas culturais no Brasil. 13 É importante lembrar que: “(...) os primeiros produtores da música [no Brasil foram] o imigrante

italiano Severio Leonetti e o brasileiro João Gonzaga, filho de Chiquinha”. Citado em COSTA, C.

Quatro notas sobre a produção independente de música. Arte em Revista. Independente, ano 6, nº 8.

SP: CEAC, 1984, p. 11. No entanto, a origem que buscamos salientar foi a do movimento independente

em si enquanto plataforma que consegue agregar variados artistas em torno de um diferencial não só

estético, mas alternativo aos padrões de produção e consumo no mercado fonográfico vigente.

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como resultado do desejo e capacidade14

individual e instrumental desses sujeitos em

garantir a circulação de seus produtos no mercado. Compreende-se, em linhas gerais,

que a pesquisa que empreendemos é feita em relação a uma parcela específica da

juventude que, sob diversas condições, conseguem estabelecer-se dentro da vitrine do

mercado da música jovem no Brasil de hoje, constituindo-se, além disso, como um

consistente circuito de divulgação e ampliação das práticas produtivas desenvolvidas

dentro do campo da cultura. Dentro da cena atual, mais do que sua expectativa social e

cultural a respeito da representação, queremos deixar evidente seu interesse na

participação em relação ao mercado.

O que apresentamos até esse ponto nos ajuda a compreender brevemente o

panorama político, social e econômico no qual habitam os sujeitos dessa pesquisa.

Dentro de toda essa contextualização histórica iremos evidenciar como durante esses

anos a música independente e seus autores se posicionaram enquanto parcela

representada, cidadãos dentro do panorama econômico e político em reformulação.

Nesse passo, buscaremos visualizar de que maneira a participação desses artistas

dentro da sociedade e diante do Estado influenciou para o desenvolvimento do

movimento independente como um todo. No entanto, esta ainda é uma observação

breve. O que é buscado mais especificamente é que tal análise e descrições contribuam

para a visualização de uma resposta consistente a respeito das novas formas de

movimentação cultural e artística e também deixe evidente sua representação no plano

da sociedade. Por isso, tomamos como objeto de nossa pesquisa um dos principais

exemplos de organização produtiva da música independente atual, o Circuito Fora do

Eixo (CFE)15

.

3. MÚSICA INDEPENDENTE NO BRASIL: OBSERVAÇÕES SOBRE A

ORIGEM, TRANSFORMAÇÕES E ATUALIDADE

Desenvolvemos uma análise cujo intuito principal é encontrar a resposta para

questões que se desenrolam dentro das relações contemporâneas existentes na música

independente no Brasil. Por isso, nossos sujeitos são os próprios agentes, produtores e

músicos da cena musical independente, integrantes de bandas que fazem parte de um

14 Nos baseamos no conceito de capacidade usado por Sen e que relaciona-se diretamente com a questão

da qualidade de vida que pode ser proporcionada ao sujeito se este tiver garantido para si liberdades

substantivas e políticas para colocar os instrumentos em um funcionamento que promova e represente de

maneira eficiente seus interesses. Ricardo Doninelli Mendes faz considerações objetivas a respeito dessa

relação na apresentação do livro Desigualdade Reexaminada, 2ª Ed. Rio de janeiro, 2008, p. 13. 15 Consultar: http://foradoeixo.org.br/.

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dos principais exemplos de articulação, produção e circulação musical alternativa, o

Circuito Fora do Eixo (CFE)16

.

Além de ser algo contemporâneo e passível de uma análise direta, as bandas e

seus respectivos artistas que fazem parte do CFE se diferenciam dos músicos e bandas

independentes das gerações anteriores. Suas formas de produção e circulação

acontecem de outra maneira e sob outros objetivos, e no entanto, ainda são guiadas por

preceitos da autonomia e desconstrução de padrões instituídos17

. Por isso, nosso

recorte se dá em relação à atmosfera existente entre o músico independente do CFE e a

política cultural brasileira, levando em conta que esta última, como política pública,

pode expandir a capacidade de participação social e econômica do indivíduo no local

onde se encontra. Entendemos como política pública toda ação promovida pelo Estado

ou pela Sociedade Civil capaz de ampliar o nível de representação dos interesses de

determinada parcela da população18

.

Para entender o desenvolvimento dessas condições, fazemos uso de todas as

considerações anteriores e partimos para uma observação geral relativa à cultura do

final dos anos 70, atenuando as observações principalmente acerca de um período

pouco mais a frente, o da redemocratização pela qual passou nosso país. É importante

observarmos que este recorte temporal é marcado tanto pela abertura política quanto

pelo desenvolvimento de novas tecnologias e seu consequente barateamento, reflexo

da potencialização da parcela produtiva e consumidora desses artifícios19

.

Podemos ver, portanto, que paralelo ao período de abertura política e à

ampliação dos preceitos democráticos do Brasil, expande também em nosso território,

a dinâmica do mercado capitalista, que acaba por influenciar os estilos de produção e

consumo não só aqui, mas em todo mundo. O acelerado desenvolvimento tecnológico

propiciou o aumento do desempenho dos meios de comunicação ao passo que as

formas de produção se tornavam mais flexíveis. Todo esse desenvolvimento e

tecnologia necessitavam de uma sociedade voltada não somente para a produção, mas

também para o consumo efêmero e incessante (HARVEY, 1993). Partimos do

pressuposto de que essas transformações no campo da cultura começam a acontecer de

16 Apesar de termos os músicos, bandas e produtores musicais como foco, observaremos e entenderemos

no desenrolar da pesquisa o quanto as demais áreas artísticas envolvidas influenciam e se integram ao

plano da produção musical. 17 DIAS, M. O espaço da produção independente. In: Os donos da voz. 1ª Edição, junho, 2000, p. 125-

155. 18 DAHL, R. A. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. 19 DIAS, M. Os anos 90 e as mudanças na indústria fonográfica brasileira. In: Os donos da Voz. 1ª

Edição: Junho, 2000.

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maneira considerável no momento da abertura política pela qual passa o Brasil no

período de 1984 em diante. É concomitante a esse período, mais especificamente ao

final dos anos 70, início dos anos 80, que o movimento da música independente dá

início a suas primeiras ações20

.

No entanto, em meio a uma época em que a Indústria Fonográfica e as grandes

gravadoras, as majors21

, atingia o 5º lugar em relação à produção e vendagem de

discos22

, a música independente surge como uma resposta consequente à padronização

que regia o mercado da música brasileira. Assim, desde o final dos anos 70, de

maneira autônoma e independente da padronização imposta pelas fórmulas e hits

consagrados pelo mainstream23

, essa parcela de artistas, os independentes, começam a

visualizar formas para efetivar a produção e circulação de seus trabalhos dentro da

sociedade da qual fazem parte24

.

Atentemos, portanto, ao fato de que são sob essas condições que situam-se as

raízes de nosso objeto de pesquisa: um movimento cultural jovem, representado

principalmente pela música que não tinha mais interesse em consolidar suas obras a

partir de manifestações reivindicativas a respeito da realidade social e política em que

viviam e que até aquele momento deixava evidente as influências e consequências de

um governo militar, que, no entanto, usava sua própria dinâmica produtiva e

organizacional para levantar tais questionamentos. Tinha o rock como matriz, porém,

as criações musicais não seguiam uma padronização estética, sendo muitas vezes esta

última, abolida por músicos como Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé. As primeiras

manifestações de música e cultura independente em si tinham como principal objetivo

estabelecerem-se enquanto trabalho de maneira legítima e como produto integrante do

mercado e da cadeia de circulação da nova música do país. A primeira geração de

músicos independentes, mais do que as outras que seguiram, não considerava na

construção de sua obra musical a interferência que os padrões sacramentados pelo

mainstream25

da época poderiam sugerir. Mais do que uma resposta à sociedade de

20 Nota: a Vanguarda Paulistana, como veremos mais adiante, surge em meados dos anos 80 e pode ser

tomada como um dos principais exemplos de produção musical independente que aconteceu nesse

período. 21 Major é o termo usado para designar as grandes gravadoras e produtoras musicais. (DIAS, 2000). 22 DIAS, M. O espaço da produção independente. In: Os donos da voz. 1ª Edição: Junho, 2000. p. 104. 23 Termo utilizado entre produtores e artistas para designar as grandes produções no campo da música. 24 DIAS, M. O espaço da produção independente. In: Os donos da voz. 1ª Edição: Junho, 2000.

25 Definição do termo em http://pt.wikipedia.org/wiki/Mainstream. Acesso em 28 ago. 2011.

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consumo daquele período, tratava-se de uma resposta direta ao mercado dominante da

cultura26

.

Em sua obra “Os Donos da Voz”, Dias (2000) cita observações tecidas por Luís

Tatit, integrante do grupo Língua de Trapo, que junto com outros artistas, sendo

alguns deles já citados aqui, fez parte de uma das primeiras manifestações de artistas

independentes que foi a Vanguarda Paulistana, grupo de artistas, principalmente

músicos, que se apresentavam periodicamente em um teatro no porão de um

estabelecimento da Vila Madalena, em São Paulo (SP). Entre suas observações, é

interessante destacar uma de suas falas:

“Marginalizados [pelo] panorama fortemente cristalizado e rendoso para os

grupos financeiros e, ao mesmo tempo, cômodo e farto para os artistas já

eleitos, alguns novos compositores e músicos, depois de muito tempo de

trabalho (alguns com mais de 10 anos) sem a possibilidade de registro e

divulgação, iniciaram um processo de contra-ataque à ação das gravadoras

(...). Ao invés de permanecer na espreita de oportunidades ou submeter-se a

julgamentos, quase sempre humilhantes por parte dos empresários

produtores, o artista percorre toda a trajetória da produção e divulgação,

enfrentando toda a sorte de obstáculos, pagando todos os custos, para no

final concluir que o preço do seu LP não saiu tão caro”

No entanto, a partir de tal afirmação, devemos reforçar os olhares a respeito

dessa parcela de jovens e diagnosticar sob quais condições viviam esses agentes. A

música independente que analisamos a origem para respondermos questões atuais, é

um movimento que surge dentro da juventude burguesa e de classe média dos grandes

centros, tendo suas principais manifestações dentro das universidades. É uma vertente

artística que vem em contraposição a um quadro principalmente econômico, mas cabe

a nós ressaltarmos o fato de que os jovens que enveredaram-se por esse processo

inicial tinham acessos e oportunidades para desencadear e promover as capacidades

que resultariam na produção autônoma de sua música27

.

Não é nosso intuito discorrer sobre a validade de uma transformação

sóciocultural que acontece dentro de uma parcela da sociedade economicamente

privilegiada. Transpomos essa generalização. Nossa análise interage com um objeto e

26 “Muitos viam o chamado movimento independente, formado por Arrigo, Itamar e outros, como uma

espécie de resistência cultural. Na verdade, o disco independente surgiu porque as gravadoras

multinacionais, na época, não se interessavam por novidades.” Entrevista do jornalista João Gabriel de

Lima para a revista Veja, em Março, 1999: 118-9. 27OLIVEIRA, L. F. Em um porão de São Paulo: o Lira Paulistana e a Produção Alternativa. São Paulo:

Fapesp/Annablume, 2002. p. 62, citando Maria H. P. Martins observa que o autor preocupa-se com a

definição do que seria independente. Segundo ela a independência corresponde a duas ordens de fatores: a

econômica (poder sustentar seu produto no mercado) e a ideológica (domínio de todo o processo da

produção).

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recorte especificamente dado e é este que será problematizado dentro de nosso

laboratório social, e não o contrário. Por isso, devemos ter claro em nossas mentes que

nosso viés orienta-se no sentido de compreender a música independente por si só, ou

seja, sua estruturação como alternativa capaz de dar vazão e criar sustentabilidade para

os artistas e produções nela inserido, em vários contextos de campo e tempo, não

perdendo de vista suas significações e objetivos diante às diferentes condições. Como

se trata da análise de um movimento em seu início, é válido e amplamente pertinente

para nossa pesquisa levarmos toda essa situação como um reflexo do próprio cenário

no qual a sociedade e seus agentes estavam inseridos no momento. Questões relativas

ao cunho social e interação das transformações e questionamentos provenientes da

música independente no âmbito social caberão mais especificamente nos próximos

capítulos, ao passo em que nossa análise for guiada para os dias atuais.

Como esse período tratava-se do auge da cultura do consumo, podemos concluir

o porquê dessa padronização e intensa reprodutibilidade ter atingido o campo cultural,

retirando a autenticidade das criações, principalmente a da música, motor do

entretenimento de uma sociedade tipicamente voltada para dar eficiência aos

funcionamentos de um cenário econômico e político que radicaliza suas influências

sob as formas de interação e reprodutibilidade entre os indivíduos28

. Por isso, em todas

as vertentes artísticas, mas, no entanto, mais visivelmente na área musical, os músicos

e suas obras eram concebidos como mercadoria, reproduzindo fórmulas musicais que

se consagravam aos agrados de um público que buscava proximidade do belo e

diversão em meio a um cotidiano atravessados pelos compromissos da vida moderna29

.

A música independente pode ser considerada como uma atitude de contraposição

que teve como um dos principais estimulantes a abertura política que construiu diante

desses indivíduos novas possibilidades de representação e acesso à informação. Essas

mudanças se davam dentro de uma sociedade em que o viés de ação da juventude, por

si só, tinha um caráter político. No entanto, observa-se que a música independente,

diferente dos movimentos culturais e sociais jovens que tinham surgido até então, não

28 MARCUSE, H. Sobre o caráter afirmativo da Cultura. In: Cultura e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz

e Terra, 1997. Vol. 1, p. 170: “(...) é fácil identificar os fatores sociais específicos que condicionam o

declínio da aura [artística]. Ele deriva de duas circunstâncias, estreitamente ligada a crescente difusão e

intensidade dos movimentos de massas. Fazer as coisas “ficarem mais próximas” é uma preocupação tão

apaixonada das massas modernas como sua tendência a superar o caráter único de todos os fatos através

da sua reprodutibilidade”. 29 BENJAMIN, W. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Magia e Técnica, Arte

e Política: ensaios sobre a literatura e história da cultura, 5ª Edição, Editora Brasiliense.

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reivindica por uma participação política, nem social, mas sim uma participação na

parcela do mercado fonográfico.

Atrelado a esses fatores, a rapidez pela qual se davam as produções industriais e

os avanços tecnológicos foram fatores contribuintes que proporcionaram importantes

progressos dentro do desenvolvimento do mercado cultural em si. O barateamento das

tecnologias, resultado de uma dinâmica de produção e consumo acelerado e sentida

largamente na época, desencadeou a estruturação dos meios materiais necessários para

o desenvolvimento de produções autônomas e esteticamente diversificadas dentro do

mercado musical. Tratava-se de uma cultura autenticamente independente se pensada

pela sua pró-atividade. O que seus sujeitos desejavam era garantir possibilidades e

meios para produzirem e divulgarem seus trabalhos, buscando assim por uma

igualdade na representação de sua arte na esfera da sociedade civil30

.

Um dos principais exemplos dessa época é a manifestação que aconteceu na

cidade de São Paulo, em torno da movimentação cultural do Lira Paulistana, porão

situado na Vila Madalena, transformado em teatro para apresentações artísticas31

. O

senso de colocar as coisas em prática era uma das principais características do

movimento independente da época e é importante ressaltá-lo tendo em mente a

comparação contextualizada que faremos mais adiante. Nesse período da música

independente, as produções e veículos de divulgação eram alternativos aos padrões

sugeridos na época, os quais se construíam a partir de fórmulas consagradas pela

indústria cultural, consequentemente, de apelo mercadológico. Cartazes, encartes,

locais de apresentação, tudo era basicamente improvisado e assim como os meios de

comunicação dos quais faziam uso, eram conhecidos amplamente por aqueles jovens.

É interessante notarmos, portanto, que a cultura independente toma um caráter de

movimento sóciocultural não só porque o panorama social e político tingiam os

padrões da sociedade da época, mas principalmente pelo fato de que seus agentes

tomaram um posicionamento diante da padronização do mercado da cultura. Aliaram

suas condições a uma série de eventualidades trazidas em decorrência da acelerada

modernização dos meios de produção, gravação e circulação de discos que, devido a

uma dinâmica do próprio mercado, são barateados rapidamente, podendo ser

adquiridos por aqueles que desejassem gravar suas próprias músicas (DIAS, 2000).

30 DIAS, M. O espaço da produção independente. In: Os donos da voz. 1ª Edição: Junho, 2000. p. 125-

141 31 OLIVEIRA, L. F. Em um porão de São Paulo: o Lira Paulistana e a Produção Alternativa. São Paulo:

Fapesp/Annablume, 2002. p. 15

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É evidente que através dos anos a cultura independente passa por

transformações. Já no final dos anos 80, a cultura independente começa a estruturar o

que hoje nos apresenta como interdependência. Isso acontece devido à vazão criativa e

produtiva do movimento que se desencadeia a partir do aumento de potencial e

estímulo relativos à profissionalização dos artistas. Surgem os primeiros selos e

pequenas gravadoras, especificamente voltados para essa parte do mercado e da

produção cultural que começava a ganhar visibilidade diante do público. Podemos

observar que o próprio mercado fonográfico vigente da época tratou de encontrar uma

funcionalidade para essas pequenas empresas, usando-as como vitrine pela qual se

orientavam ao investirem em novos talentos. Assim:

A demanda insatisfeita estimularia o surgimento de produções independentes

que povoariam o mercado com novidades. O ciclo se realizaria na medida em que a grande indústria incorporaria lentamente essa diversidade,

comprando o cast32 das pequenas companhias, até alcançar um novo

momento de concentração, refazendo o ciclo. Exemplificando, eles mostram

a importância das gravadoras independentes no processo de revelação e

difusão do rock n´ roll. (DIAS, 2000)

As indies33

contribuíram, em certa medida, com as grandes gravadoras ao passo

que incluíam e veiculação dentro de seus cast, tanto artistas esteticamente pouco

interessantes para a comercialização no mercado formal, quanto aqueles que tinham

como objetivo alcançarem as majors34

, mas buscavam nas primeiras o pontapé inicial,

uma vez que não mais garantia-se a absorção de novas bandas pelas grandes

gravadoras, a não ser que estas já demonstrassem seu valor comercial e poder de

veiculação entre o público. As majors voltavam-se para o plano das pequenas

gravadoras com o intuito de “descobrirem” novos artistas, prontos para ingressarem

em seu cast, sem que fosse preciso muito investimento no processo de “construção” do

artista (DIAS, 2000). Já era notório, portanto, nessa época, que a Indústria Fonográfica

não só no Brasil, mas no mundo, indicava sua crise, que se caracterizava pela

diminuição da produtividade e circulação de obras que gerassem grande retorno

financeiro para as grandes gravadores e produtoras musicais.

Essa crise tem início em consequência do desenvolvimento de um dos principais

pilares constituintes da estruturação da música independente em nossos dias. Além de

ser beneficiada pelos avanços no campo da tecnologia e política, a música

32 Termo em inglês usado para designar a relação de artistas, ou seja, a listagem de produtos que serão

promovidos pela gravadora. 33 Em contraposição ao termo mainstream, esse termo em inglês é usado para designar as pequenas

gravadoras independentes. 34 Termologia, gíria frequentemente usada para referenciar as grandes gravadoras.

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independente consolida sua cadeia atual baseada nas tecnologias de informação e

comunicação. Dessa maneira, esses artistas encontram-se em um contexto onde não há

só atributos relativos a uma melhor, maior e mais rápida produção que agora estão

disponíveis. Potencializa-se o acesso aos mecanismos de distribuição e circulação de

seus produtos de maneira rápida e eficiente. A internet foi um dos instrumentos que

contribuiu para o sustento dessa situação. Tais circunstâncias aumentaram o grau de

interatividade entre as pequenas gravadoras, selos, bandas e iniciativas voltadas para a

produção cultural de maneira geral.

Dentro desse contexto, as etapas da produção que se autonomizam e se

especializam, tem, aos poucos adquirido força e potencialidade de fornecer um fato

novo à ordem tão bem estabelecida da indústria fonográfica: a proliferação de

pequenas empresas produtoras de discos, que aliadas às facilidades postas pelo

desenvolvimento do aparato tecnológico, especializam-se na área de aperfeiçoamento

Artistas & Repertório. Esse é mais um setor que tem sido tercerizado pelas majors,

que podem escolher os produtos prontos para a fabricação e distribuição-difusão,

eximindo-se, nesses casos, da prospecção de novos talentos e de todo trabalho de

produção” (DIAS, 2000, p.123). Nesse ponto devemos citar a importância da Internet

que, assim como outros mecanismos de comunicação, proporcionaram a rapidez da

circulação de informações que contribuíram em grande medida para que o movimento

se estabelecesse quanto um sistema produtivo baseado principalmente na troca de

informações35

.

Há outro fato que devemos visualizar nesse período. Podemos primariamente

concluir que, no final dos anos 1980, o país já exerce os direitos e fiscaliza os deveres

relacionados na Constituição de 1988. Nessa perspectiva, observamos que a

emancipação do Ministério da Cultura36

. Nela, o Estado na busca por consolidar seus

prospectos, e através da institucionalização coloca a disposição da sociedade civil

instrumentos e instituições que ampliam as oportunidades de representação da

identidade do indivíduo no Brasil37

.

35 CASTELLS, M. A revolução da tecnologia da informação: que revolução? In: A Sociedade em

Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. Vol. 1, p. 49-52. 36 O Ministério da Cultura até então era atrelado ao Ministério da Educação. A emancipação se deu

através do Decreto 91.144 no ano de 1985. Nota do Histórico do Ministério, disponível em

http://www.cultura.gov.br/site/sobre/historico-do-ministerio-da-cultura. Acesso em 26 ago. 2011. 37 Vide o relatório elaborado pela Unesco: relatório PNUD – Relatório do Desenvolvimento Humano

2004 – Liberdade Cultural num Mundo Diversificado, p. 38.

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Dessa maneira, constituindo-se dentro do plano governamental democrático, a

dimensão cultural desempenhada pelo sistema político de nosso país é ancorada em

políticas públicas que possibilitam a atuação do cidadão em benefício da circulação de

seu trabalho em meio à sociedade e dentro do mercado. No entanto, é pertinente

considerarmos que as mudanças que refletem resultados a nós hoje, tiveram seu início

a partir da consideração da cultura como uma dimensão autônoma dentro das garantias

governamentais. Mediante a tal fato, o Estado concede a essa instância da sociedade a

devida representação, constituindo assim, o Ministério da Cultura. Como já observou

alguns autores,

A institucionalização é o processo através do qual as organizações e os

processos adquirem valor e estabilidade. O nível de institucionalização de

qualquer sistema político pode ser definido pela adaptabilidade,

complexibilidade, autonomia e coesão de suas organizações e

procedimentos. Da mesma forma, o nível de institucionalização de qualquer

organização ou procedimento particular pode ser medido por sua

adaptabilidade, complexidade, autonomia e coesão (HUNTINGTON, 1975).

Como toda instituição situada no sistema democrático do qual fazemos parte,

esta articula o diálogo com os interesses daqueles que representa através da construção

e efetivação de políticas públicas. As políticas públicas podem constituir-se através do

Estado e também a partir da sociedade civil. No que diz respeito às políticas públicas

governamentais, estas podem ser compreendidas como a ação do Estado, onde

implanta-se o projeto de governo através de programas e de ações voltados para

setores específicos da sociedade (Gobert, Muller, 1987).

Tendo como base o que nos ensina Teixeira Coelho em seu Dicionário Crítico

de Política Cultural, as políticas culturais podem ser entendidas como

programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis,

entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer as

necessidades culturais da população e promover o desenvolvimento das suas

representações simbólicas (COELHO, 1999)

Porém, como poderemos ver no desenrolar de nossa pesquisa, a construção do

Ministério não foi a prerrogativa decisiva para o reconhecimento das diversidades de

manifestações simbólicas e materiais, assim como dos interesses, de maneira geral,

dos agentes culturais de nosso país.

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3.1 VAZÃO CULTURAL E LEGITIMAÇÃO DA AUTONOMIA DO

ARTISTA

Com a instituição do Ministério da Cultura, os incentivos cedidos pelo governo à

cultura tomam forma de políticas públicas de Estado. Temos um entendimento

semelhante ao de Amartya Sen quando nos referimos ao “incentivo”. Para o autor,

O argumento do incentivo aplicado a indivíduos lida com a necessidade de

promover motivação e estímulo a indivíduos de forma que suas escolhas e

ações sejam conducentes à produção de objetivos abrangentes. Esses

objetivos podem ser puramente agregativos ou também incluir metas

distributivas. (SEN, 2008).

Nessa perspectiva, compreendemos que não é somente esse tipo de incentivo

que permeia as atividades culturais no Brasil. Não só dentro de um panorama político,

mas também no econômico, a cultura já havia demonstrado seu poder de agregar

qualidades e valores às marcas ou pessoas públicas que a veiculava.

Dessa forma, é notável o aumento do interesse do Estado e das iniciativas

privadas em injetar incentivos às manifestações e organizações culturais nesse

período, mais visivelmente após 1986. O pesquisador de políticas públicas culturais

Leonardo Brant constatou que “(...) os principais motivos38

invocados pelas empresas

para tomarem a decisão de investir em projetos culturais” é que a maioria delas

“considera que este investimento representa ganho de imagem institucional” e “agrega

valor à marca da empresa” (BRANT, 2004).

Como a nós não cabe comprovar a eficácia maior ou menor de um ou de outro

mecanismo, mas sim a maneira e intensidade pela qual os artistas e bandas

independentes fazem uso deles, não levantaremos uma listagem desses instrumentos.

Portanto, essa relação não compreende uma etapa específica em nossa pesquisa, mas

acontece mediante as informações que colheremos em seu decorrer. Lançaremos olhos

para o interesse não só da esfera pública, mas também da privada em fazer uso da

visibilidade dada ao campo cultural como algo que pudesse conferir valor e prestígio

para aquele que desse a ela suporte.

O Estado se legitima na medida em que garante dentro da sociedade a fruição e

representatividade das dimensões desta. Em O Governo do Estado (1995), Adam

Przerworsky faz observações a respeito da formulação e implementação das

38 Dados também presentes em A Economia da Cultura (1998).

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preferências do Estado em relação à sociedade civil. Tomando por base autores como

Rueschemeyer e Evans (1985, p. 69), Przerworsky salienta sua observação em que

conclui que “a penetração crescente da sociedade civil pelo Estado ativa relações

políticas e aumenta a probabilidade de que interesses societais procurem invadir e

dividir o Estado.” Para o autor, o resultado é que “à medida em que a capacidade

estatal de implementar suas preferências aumenta, sua capacidade de formulá-las

independentemente declina” uma vez que, teoricamente, este em uma democracia só

se mantém no poder a medida que atende os cidadãos e seus grupos de interesse. Em

contrapartida, a capacidade de garantir sua representação e força como demanda diante

do Estado se deve a uma série de condições como veremos mais adiante. No entanto,

seu investimento não se dá apenas de forma direta.

Além de firmar sua legitimidade ao proporcionar para a esfera e manifestações

culturais em geral a possibilidade de terem suas representações igualmente

consideradas diante do Estado e do poder público, o Estado contribui com as grandes

empresas depositárias de impostos. Com as leis de incentivo estruturadas pelo Estado,

não só ele, mas em certa medida, as empresas ganhavam, pois havia a possibilidade de

direcionar o dinheiro que seria pago ao governo sob a forma de impostos para a

viabilização de projetos culturais que levariam consigo a estampa de sua marca. Dessa

forma, o Estado não precisaria ampliar o fundo destinado à cultura, ficando assim,

bem quisto entre a sociedade que assim estaria garantindo seu direito ao acesso

cultural; o mercado, que aumenta suas oportunidades de autopromoção e ampliação de

público consumidor; e a própria parcela de artistas, que poderiam veicular suas obras.

No entanto, como observa Brant, o que temos é:

(...) [um quadro que acaba] restringindo os benefícios do sistema a produtos

e eventos artísticos, estreitando o entendimento da cultura a sua parte mais

efêmera e menos importante no cumprimento do processo de

desenvolvimento cultural da nação. Permite-se por meio desses dispositivos, que toda sorte de projetos sem qualquer vínculo com o interesse público

recebesse o ‘aval’ do Ministério da Cultura, prontos para seguir o seu

caminho natural de acasalamento com o setor privado. E isso tem permitido

que apenas projetos de “maior apelo mercadológico façam frente aos

interesses empresariais. Aos porcos, sujos e malvados, resta a exclusão.

(BRANT, 2004. p. 67).

Diante disso, como nosso estudo discorre em linhas gerais acerca da autonomia

de uma parcela de indivíduos, artistas independentes, que embasados pelas críticas à

indústria cultural se colocam reflexivos quando se trata a respeito da sua dependência

tanto do estado como principalmente do mercado, não podemos perder de vista os

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limites que o incentivo acaba por gerar na produção artística em si. Não faremos

observações densas desse fato, mas é importante levarmos em conta que o incentivo

impõe orientações principalmente para que os artistas que, mais uma vez, podem ser

levados a construírem suas obras a partir de uma perspectiva mercadológica e

comercial, para que assim possam ter seus projetos aprovados pelos mecanismos de

incentivo lançados pelo governo, mas cujo recurso seria viabilizado segundo o

interesse e valores da empresa. Perde-se de vista, portanto, a noção em relação à

medida que tais incentivos podem contribuir para a representação dessas pluralidades

em nossa sociedade.

O que buscaremos compreender nesse cenário é o tipo de interação existente

entre os músicos independentes e os incentivos fiscais e fundos concedidos pelo

governo em nossos dias. Recorremos a essa conceituação não somente para nos

atentarmos sobre as faces de um incentivo, mas para compreender quais formas estes

tomam dentro do movimento da música independente. Por isso, relataremos sobre os

tipos de artifícios usados por estes artistas hoje e quais os reflexos sobre suas formas

de representação atual, sem deixar de observar em paralelo à consolidação que tais

mecanismos proporcionam à autonomia.

3.2 ESTRUTURAÇÃO DE UMA ANÁLISE: INDIVÍDUO, COLETIVOS E

MEIO

Na literatura contemporânea, a teoria das redes sociais surge como alternativa

tanto a dualidade micro-macro na abordagem do fenômeno social quanto à dualidade

das concepções hiper e hipo-socializadas do ator social (WRONG, 1961).

Dessa forma, primeiramente, buscaremos conhecer como se estabelece a relação

entre os artistas e os mecanismos de incentivo em cada caso, tendo como intuito

simultâneo a observação a respeito da estrutura disponível para a formulação de

demandas eficientes. Para isso focaremos nossos olhares sobre os fatores que

influenciam e /ou sugerem um maior ou menor conhecimento a respeito dessas

políticas, assim como as informações necessárias para a construção de demandas

eficientes. Em seguida, partimos de um pressuposto de que a rede de interação que se

configura dentro do movimento é um mercado de trocas que contribui para que este

indivíduo/artista conquiste sua autonomia e faça circular o trabalho de sua banda.

Torna-se, portanto, importante questionarmos sobre a medida que os valores e o

contexto influenciam nas capacidades e possibilidades de interação na rede. Entre

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essas observações poderemos ser levados a considerar essa rede de trocas como outro

tipo de mercado, ou seja, o Mercado Médio, que se institui a partir de posições onde o

tipo de relevância da informação ou serviço trocado entre os indivíduos concretizam

seu lugar nessa rede econômica. Dessa maneira e como veremos mais adiante, somos

previamente levados a crer que quanto maior a capacidade e oportunidade

instrumental/material do indivíduo, ou de um grupo de indivíduos (como é o caso das

bandas), maior sua possibilidade em garantir autonomia e liberdade a partir de seu

trabalho.

O Circuito Fora do Eixo (CFE) é formado atualmente por sessenta e três células,

chamadas de coletivos39

, distribuídos em todo território brasileiro. Ao todo são

praticamente 3000 bandas que rodeiam o circuito. No entanto, nossa pesquisa será

voltada apenas para três desses coletivos, localizados em três espaços diferentes: Cuiabá

(MT), Rio Branco (AC) e Uberlândia (MG). Nesse primeiro momento e antes de

passarmos para uma análise específica de cada caso, o que se torna relevante sabermos é

que o número de agentes que participa desses coletivos varia, e no entanto, o seu núcleo

administrativo, responsável por planejar e ancorar as produções, é o que se mantém

mais estável40

.

Podemos ser levados a perguntar sobre a credibilidade de uma pesquisa que

dentro de sessenta e três opções escolhe apenas três para embasar suas considerações.

Porém, dentro de um movimento sociocultural peculiar, específico por si só, cuja

composição é recente e encontra-se em constante movimentação, nos é suficiente

observarmos as três principais localidades onde melhor desenvolvem-se esses valores

e funcionam os mecanismos e articulações baseados nas dinâmicas do CFE. Além do

fato de serem cidades fora do centro de produção cultural de massa, há outros motivos

que guiam nossos estudos em referência a essas três cidades e não a outras. O que cabe

ressaltar por agora é que essas três cidades trazem consigo importantes componentes

que nos auxiliam a compreender o grau de articulação, interdependência e autonomia

39 Compreende-se como coletivo Fora do Eixo, ou Ponto Fora do Eixo, os grupos de artistas, produtores e

agentes culturais em geral que através da troca de serviços (algumas vezes intermediadas por uma moeda

complementar) e do trabalho colaborativo que se dá sob a forma de rede, conectando diferentes coletivos

e agentes da cadeia produtiva, realizam as produções culturais em cada local onde estão instalados. 40 Dentro do CFE é comum chamar esse núcleo de pessoas que estão conectadas e trabalhando para a

administração do coletivo por mais tempo de Núcleo Durável. Essa nomenclatura foi colocada em uso a

partir de observações feitas pelo professor de economia da UFSCAR, Shimbo, quando este, durante sua

participação no II Congresso Fora do Eixo, atentou os participantes dos coletivos sobre a flexibilidade

que deve ser levada em conta em relação a inserção e absorção dos agentes dentro da rede solidária.

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existente no panorama da produção musical independente hoje, componentes base

para a construção do Mercado Médio41

.

O que buscamos observar em cada cidade é o grau de atuação e produtividade de

cada coletivo, compreendendo que dessa maneira poderemos chegar a respostas

conclusivas a respeito da organização do circuito como um todo. Mais do que os

coletivos, no desenvolver da pesquisa nessas localidades, buscaremos revelar as

relações existentes entre os indivíduos integrantes das bandas em relação ao coletivo e

a seu meio social. Tal viés contribui para que possamos deixar salientes as

diversidades e particularidades relativas à própria conceituação e vivência da

autonomia que se apresenta dentro desse movimento.

Ao tomarmos como campo essas três localidades, poderemos observar que as

particularidades referentes ao contexto desses indivíduos influenciam para a

consolidação de uma maior ou menor eficiência na garantia da representação de seus

interesses. Da mesma forma, influenciam também na construção de políticas públicas,

uma vez que interferem diretamente na capacidade de formulação das demandas42

.

Ao mesmo passo em que buscaremos uma compreensão a respeito da autonomia

do artista independente no mercado da cultura a partir de sua relação indivíduo e meio,

poderemos garantir um maior e melhor entendimento a respeito de sua dimensão

participativa dentro da cidadania, na medida em que colocamos em observação o grau

de entendimento que existe entre esses artistas do CFE acerca das políticas públicas

culturais. Eles as consideram mecanismos eficientes para a promoção de seus

interesses e autonomia diante do Estado e em relação à sociedade e ao mercado?

Nossas observações não só contribuirão para que cheguemos a uma resposta para essa

pergunta como também deixará evidente qual a funcionalidade dessas políticas para

esta parcela de artistas brasileiros.

Dessa maneira, as respostas conclusivas para o nosso problema serão orientadas

basicamente através dos seguintes trilhos: a) identificação do grau de intimidade

existente dentre os artistas e os mecanismos de incentivo, tanto privados quanto

41 Nota: As três cidades foram consideradas o tripé que deu base ao projeto de circulação por onde se

construiu o projeto do CFE em seus primeiros anos. Através de entrevistas com os artistas e produtores

pudemos observar a importância que essas cidades tiveram nesse período devido aos componentes

materiais e imateriais que agregavam em si e que contribuíram para que nessa etapa inicial todo o circuito

fosse fomentado a partir do trabalho que desempenhavam em seus respectivos contextos. 42 Podemos observar perspectivas e conclusões semelhantes na obra Comunidade e democracia:

experiência na Itália moderna, de Putnam (1996), onde o autor observa que o grau de participação política

da sociedade civil está intimamente ligado às condições informacionais nas quais seus indivíduos se

encontram.

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públicos; b) análise da estruturação organizacional em forma de rede pela qual se

estabelece as plataformas de atuação do CFE. Os dois trilhos aqui apresentados nos

permitem reconhecer o grau de consciência, entendimento e interação no que diz

respeito à dimensão política da cidadania de cada contexto. Além disso, será possível

compreender quais os componentes que permitem uma maior ou menor interação

individual com a dimensão coletiva e como essa medida influencia na eficiência de

sua representação.

No entanto, como poderemos observar, a variável econômica é apenas uma

dentre outras que deverão ser consideradas. O que cabe a nós ter em mente antes do

início da análise dos casos, é que todas essas orientações nos ajudarão a entender em

que medida se estabelece a autonomia dentro de um mercado que se sustenta através

da interdependência, ou seja, através de uma rede de troca e produções realizadas

pelos indivíduos que dele fazem parte. Entender esse nível de sustentabilidade nos

permite fazer algumas indicações relativas à reprodução e longevidade do Circuito

Fora do Eixo como um todo43

.

Doravante, essas perguntas e trilhos teóricos farão parte integrante da atmosfera

que nos guiará rumo ao nosso objetivo, que é a compreensão a respeito da construção

da autonomia de sujeitos, artistas/músicos, integrantes dessa movimentação cultural

sob sua forma contemporânea buscando incorporar observações a respeito dos

sistemas organizacionais em rede para nos mantermos longe e conscientes a respeito

das dicotomias salientadas principalmente nas literaturas sociológicas mais clássicas.

Nossa pesquisa é guiada em linhas gerais por uma perspectiva já colocada em

pauta na literatura contemporânea e assim, fazendo mais uma vez uso das observações

de Marteleto (2001), deve-se levar em consideração que

Nas redes sociais, há valorização dos elos informais e das relações, em

detrimento das estruturas hierárquicas. Hoje, o trabalho informal em rede é

uma forma de organização humana presente em nossa vida cotidiana e nos

mais diferentes níveis de estrutura das instituições modernas. O estudo das

redes coloca assim em evidência um dado da realidade social contemporânea

que ainda está sendo pouco explorado, ou seja, de que os indivíduos,

dotados de recursos e capacidades propositivas, organizam suas ações nos próprios espaços políticos em função de socializações e mobilizações

suscitadas das redes. Mesmo nascendo em uma esfera informal de relações

sociais, os efeitos das redes podem ser percebidos fora de seu espaço, nas

interações com o Estado, a sociedade ou outras instituições representativas.

Decisões micro são influenciadas pelo macro, tendo a rede como

intermediária. (MARTELETO. 2001. p. 72).

43 MIOTTO, L. A construção da nova realidade – do desenvolvimento ao desenvolvimento sustentável.

In: Desenvolvimento Sustentável: teorias, debates, aplicabilidades. RODRIGUES, A. (Org.), 1996 –

Departamento de Sociologia Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Unicamp.

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3.3 AUTONOMIA, INTERDEPENDÊNCIA E MERCADO MÉDIO:

CIRCUITO FORA DO EIXO

Podemos agora visualizar os principais componentes que deram origem,

impulsionaram e estruturaram a música independente dentro do mercado produtivo de

música e da cultura na forma que conhecemos hoje. Como nosso intuito é fazermos

uma análise a respeito da música independente na atualidade, nada mais pertinente do

que tecermos observações a respeito da articulação de artistas que atualmente

constituem-se como uma das principais manifestações de produtividade e circulação

da música independente atual.

Como os tempos são outros, agregam-se novos componentes ao nosso campo de

pesquisa. Podemos observar em consequência disso, que as bandas e artistas

independentes estabelecem outro tipo de relação entre sua arte e a possibilidade de

circulação de seu trabalho. A formação de um “circuito” nos revela que todas as

mudanças ocorridas no campo da economia, da sociedade e tecnologia

proporcionaram a esses indivíduos a possibilidade de se manter em contato, e sob a

forma de rede, circular informações e produções. Poderemos ver dentro dessas

análises qual o grau que tais transformações modificam o sustento de suas perspectivas

a respeito da própria arte44

. No entanto, por hora cabe a nós fazermos algumas

observações e levantarmos alguns pontos que nos auxiliaram na montagem de nossas

conclusões. Como já havia observado Elias

Na rede, muitos fios isolados ligam-se uns aos outros. No entanto, nem a

totalidade da rede, nem a forma assumida por cada um de seus fios podem

ser compreendidas em termos de um único fio, ou mesmo de todos eles,

isoladamente considerados; a rede só é compreensível em termos da maneira como eles se ligam, de sua relação recíproca. Essa ligação origina um

sistema de tensões para o qual cada fio isolado concorre, cada um de sua

maneira um pouco diferente, conforme seu lugar e função na totalidade da

rede. A forma do fio individual se modifica quando se alteram a tensão e a

estrutura da rede inteira. No entanto, essa rede nada é além de uma ligação

44 Nesse sentido, entenderemos o CFE também pelas suas características de movimento social,

classificação que se encaixa perfeitamente dentro das observações tecidas por Castells a respeito dos

movimentos sociais contemporâneos. Para o autor, os movimentos sociais “são ações com um

determinado propósito, cujo resultado, tanto em caso de sucesso como de fracasso, transforma os valores

e instituições da sociedade. Considerando que não há percepção de história alheia à história que

percebemos, do ponto de vista analítico, não existem movimentos sociais ‘bons’ ou ‘maus’, progressistas

ou retrógrados. São eles reflexo do que somos, caminhos de nossa transformação, uma vez que a

transformação pode levar a uma gama variada de paraísos, de infernos ou de infernos paradisíacos.”

(CASTELLS, 1999, p. 20)

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de fios individuais; e no interior do todo, cada fio continua a constituir uma

unidade em si; tem uma posição e uma forma singulares dentro dele.

(ELIAS, 1994. p. 35)

Tendo em vista a particularidade de nosso contexto, observa-se que quando se

trata de música independente, devemos fazer várias considerações que podem vir a

aumentar ou limitar a significação de parâmetros como liberdade e capacidade. Esses

dois componentes são ancorados em um alicerce muito importante tanto para

pensarmos as formulações das políticas públicas culturais quanto para entendermos a

dinâmica que se desenvolve dentro de um sistema de redes. Esse alicerce é a

informação. Como Manuel Castells já observou,

É claro que essa capacidade de desenvolvimento de redes só se tornou possível

graças aos importantes avanços tanto das telecomunicações quanto das

tecnologias de integração de computadores em rede, ocorrido durante os anos

70. Mas ao mesmo tempo, tais mudanças somente foram possíveis após o

surgimento de novos dispositivos microeletrônicos e o aumento da capacidade

de computação, em uma impressionante ilustração das relações sinérgicas da

Revolução da Tecnologia da Informação. (CASTELLS, 1999. p. 62).

A informação é um componente muito importante que deve ser salientado em

nossa pesquisa e isso se deve por que: a) é o ingrediente para as trocas, uma vez que ela

faz parte da formulação de interesses e dá sustento às capacidades. Dessa forma, se

vamos fazer uma observação relativa a um movimento que se configura como rede, é

crucial que conheçamos sua funcionalidade, pois é a partir dela que se estabelecem

laços e relações mais ou menos fortes dentro dessa rede. São basicamente as

informações e sua circulação que caracterizam e nos permite entender os tipos de

relação que existe entre a qualidade da informação e o posicionamento na rede; b) a

informação e sua amplitude contribuem consideravelmente para a construção de uma

sociedade baseada no conhecimento, porém ela não basta por si só. Apenas sua

existência e circulação não garantem um usufruto nem reflexo eficiente na garantia por

representação de interesses sólidos e pertinentes. Sua eficácia é garantida mediante uma

série de variáveis decorrentes das condições contextuais em que estão postas, podendo

assim, ser mais ou menos eficaz.

Nesse sentido, devemos ter em mente algo que Sen (2000) já havia observado.

Para que haja ambientes onde a livre circulação dessas informações possa acontecer é

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necessário que principalmente as liberdades políticas estejam garantidas a esses

indivíduos45

.

Discussões e debates públicos, permitidos pelas liberdades políticas e os

direitos civis, também podem desempenhar um papel fundamental na

formação de valores. Na verdade, até mesmo a identificação de necessidades é inescapavelmente influenciada pela natureza da participação e do diálogo

públicos. Não só a força da discussão pública é um dos correlatos da

democracia, com um grande alcance, como também seu cultivo pode fazer

com que a própria democracia funcione melhor. (SEN, 2000. p. 186)

Se olharmos para as organizações que se estabelecem a partir da música

independente em nosso país ultimamente, podemos ver o quanto o seu diferencial em

relação a períodos anteriores se deve ao aumento da capacidade das informações

fluírem, alcançando cada vez mais membros que as absorva. Compreendemos o uso

estratégico dessas informações e mecanismos circulantes não só como uma

contribuição que permitiu a esses indivíduos um maior acesso às oportunidades que

viriam aumentar consideravelmente suas capacidades representativas como cidadão,

como também contribuiu para o seu melhor posicionamento, se observarmos esse

indivíduo pela ótica de uma organização em rede como Circuito Fora do Eixo (CFE).

La arquitectura de la información y la comunicación condiciona y determina la estructura del poder político o econômico, y este poder, de uno u outro

tipo, deja de serlo ante el empuje imparable de la proliferación de redes y su

creciente densidad, que abocan a un mundo nuevo en el que la lógica

implacable de la escasez, responsable de tanta miseria material e intelectual,

se transforma de maneira radical, permitiéndonos vislumbrar esse lugar

diferente y nada tranqüilizador que, sin embargo, nos atrae sin remisión.

(UGARTE, 2007. p 13-14)

No CFE o artista não é mais encarado como independente e sim como

interdependente. Essa interdependência se dá e relação à rede de contatos, ou seja,

iniciativas e agentes que compartilham de valores referentes às dinâmicas alternativas

de produção cultural. Observa-se primeiramente (mais tarde retomaremos essa

questão) que é a partir dessa relação de interdependência concomitante ao aumento da

capacidade de produção e circulação dos trabalhos desses artistas que se constrói o

lócus de atuação dos mesmos. O Mercado Médio46

configura-se para os músicos

45 Compreendemos também, como Sen, a importância e necessidade de existir paralelamente a liberdade

substantiva, partindo da afirmação de que na relação existente entre a liberdade política e liberdade

substantiva uma desenvolve a outra no sentido de gerar/ampliar autonomia para o indivíduo. 46 Mercado Médio é o termo usado pela cena da música independente para classificar a organização da

produção e consumo, baseada principalmente na autogestão e na troca, que acontece entre esses agentes.

É importante ressaltar não se trata de um termo já cientificamente conceituado, mas é informalmente

usado entre grupos, principalmente os do 3º setor, para designar esse tipo de economia baseado em

paradigmas mais horizontalizados.

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independentes do CFE como uma plataforma constituída a partir do uso dos

equipamentos tecnológicos e de informação que permitiram a consolidação do

intercâmbio e circulação de produtos, serviços e experiências na área da produção

musical, dando forma a uma cadeia produtiva baseada na troca de capital social47

.

Nesse ponto, pudemos perceber através das observações e relatos dos principais

produtores do CFE que, para os agentes que participam dessas ações, a necessidade de

organização e entendimento sobre a perspectiva da ação dentro da rede se faz

necessária, uma vez que lida dentro do campo de confiança entre os agentes e suas

respectivas produções.

Tais características aproximaram as ações do CFE aos conceitos apreciados pelo

movimento da Economia Solidária que vem nos últimos anos retomando iniciativas e

posições que levam em consideração a evolução digna, ativa e consciente do ser

humano dentro do contexto em que vive48

. No entanto, quando perguntamos a alguns

produtores e artistas o que eles achavam sobre o atrelamento existente entre as práticas

do CFE e a economia solidária, apenas alguns deles, principalmente os mais

envolvidos com as questões de planejamento do circuito, visualizam o fato de que o

movimento da Economia Solidária no Brasil e no mundo é algo muito maior e muito

mais abrangente do que os ideais e fórmulas colocadas em prática dentro do CFE49

.

Para Paul Singer, um dos principais estudiosos da Economia Solidária, esta se

pauta em princípios socialistas e cooperativistas. As empresas são comandadas em pé

de igualdade e pertence a todos aqueles que nela trabalham. Essa dinâmica possibilita

a participação na repartição daquilo que é excedente e configura-se assim como uma

demonstração de uma economia baseada em princípios democráticos. Para ele, a

economia solidária é capaz de organizar uma produção em grande escala fora dos

moldes do grande capital, pois oferece possibilidades às microempresas diante deste.

47 BOURDIEU, M. 1986, p. 248-249: “Capital Social é o agregado dos recursos reais e potenciais que

estão conectados à possessão de uma rede durável de relacionamentos de mútuo conhecimento e

reconhecimento, mais ou menos institucionalizada, ou, em outras palavras, ao pertencimento a um grupo,

o qual provê a cada um de seus membros, com base no capital apropriado coletivamente, uma

‘credencial’ que os titula ao crédito, nos vários sentidos da palavra. 48 Nota: Na economia solidária o empreendimento é gerido pelos próprios trabalhadores de maneira coletiva . 49“Os dois Atlas da Economia Solidária no Brasil apontam para a existência de milhares de

empreendimentos envolvendo a geração de trabalho e renda para milhões de pessoas no país. Sua

importância não é apenas quantitativa, mas também, qualitativa, na medida em que a população

concernida é, de modo geral, aquela mais vulnerável aos processos predatórios da economia dominante:

desempregados, pobres do campo e da cidade, excluídos de várias origens, marginalizados sem acesso aos

mecanismos convencionais de sobrevivência na economia capitalista. Ou seja, a economia solidária tem

impacto direto sobre a redução das desigualdades” (VASCONCELOS, 2007)

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Se tomarmos como pressuposto as considerações e reflexões a respeito do

movimento da Economia Solidária a partir de observações já realizadas por

pesquisadores e até mesmo por sujeitos envolvidos em trabalhos coletivamente

geridos, podemos observar que:

Os autores que promulgam uma nova ética social a partir das discussões em

torno da economia solidária ou do terceiro setor, tem como pressuposto a

ampliação do espaço democrático através de políticas inclusivas e da

participação mais ativa do cidadão nos assuntos relativos à coletividade.

Seria a abertura da possibilidade de subordinação das questões econômicas

aos imperativos e questões políticas e sociais. Enfim, re-inserir a dimensão

econômica na totalidade social. (VASCONCELOS, 2007)

É importante ressaltar que dentro do circuito de trocas que constrói o Mercado

Médio, não são agregados apenas os artistas, mas toda iniciativa e empreendimento

que pode contribuir para a sustentabilidade e vazão da cadeia. No entanto, as

condições de “contrato” ainda continuam sendo as mesmas e levam em conta que, para

participar desses processos, as iniciativas devem ter minimamente a consciência de

que se trata de uma forma de mercado guiada por valores que visam constituir-se

como alternativa diante do mercado formal e que para sua consolidação é preciso cada

vez mais encadeamentos que compartilhem desses valores e princípios.

Assim sendo, nos parece que o desenvolvimento de uma rede como o CFE acaba

por depender do capital social que consegue articular em torno de si e de suas

produções. Portanto, dentro da rede de troca e circulação que se estabelece no CFE,

não existem somente as bandas, os produtores, os festivais, casas de show, agentes e

iniciativas ligadas à cultura de maneira direta. Encontram-se também nessa gama de

trocas outros tipos de iniciativas (locação de vídeos, lojas de roupa, restaurantes,

pequenas empresas especializadas em informática e até mesmo escolas) que seguindo

a mesma dinâmica, colocam seus serviços a disposição da rede pela troca integral ou

parcial em Card50

que poderão ser reutilizados na compra de serviços de divulgação,

50 O Card é a moeda complementar/alternativa usada entre os agentes do CFE. Esse conceito pode ser

considerado como o fato que mais aproxima as ações do circuito ao desenvolvimento da Economia

Solidária em nosso país. As moedas complementares surgiram a partir das crises econômicas e de recessão que começaram a acontecer em 1970 e a ideia de desenvolvimento de moedas complementares

se espalhou por vários países. Dessa maneira, podemos entender que o Card, na dentro da concepção

sobre Economia Solidária, é instrumento paralelo “derivado da coletividade de pessoas com vocação não

comercial; são as moedas criadas pelas pessoas de um determinado coletivo sem uma intenção comercial,

ou intervenção do Estado. (...) Segue uma lógica comunitária de trocas de bens e serviços e são, muitas

vezes, empregadas em regiões onde as moedas nacionais não penetram muito. Inclui-se aqui os sistemas

de troca baseados em unidade de cobranças acordados oralmente, como os clubes de trocas. Nesse grupo

estão inseridos também os antigos sistemas de escambos (dádiva contra dádiva) ainda existentes em

sociedades onde prevalecem as paramoedas. Apostila Economia Solidária, p. 107.

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arte gráfica, produção de eventos ou qualquer outro tipo de serviço desempenhado

dentro do coletivo e integrante da rede.

Nesse sentido, podemos começar a formular conclusões que nos levam a crer

que a amplitude da cadeia produtiva que atravessa o CFE se dá a partir das

possibilidades de serviços e produtos colocados em troca nessa rede. São exatamente

essas trocas que consolidam o que se conhece hoje, dentro da música independente,

como Mercado Médio. Dentro do Mercado Médio e no interior daqueles que dele

fazem arte, é constituída uma nova maneira de circulação de bens materiais e

imateriais cujo mecanismo que dá valor e medida a essas atividades não é mais a

moeda formalmente circulante. Baseado em preceitos que tem origem em uma

alternativa pautada no desenvolvimento humano economicamente sustentável que visa

transformar os paradigmas colocados a partir da consolidação da sociedade capitalista,

o que passa a mediar as relações entre os agentes de um mesmo coletivo e entre

coletivos de diferentes locais é uma moeda social, conhecida e difundida entre o CFE

como Card51

.

De acordo com Pablo Capilé52

, o Mercado Médio é o resultado de todo processo

construído através das redes formadas pelos coletivos. Trata-se, portanto de uma

retomada de princípios e orientações que são consideradas alternativas e até mesmo

obsoletas por encontrarem-se fora do padrão do sistema econômico formal. No entanto,

é a partir da consolidação das trocas e toda rede de comunicação que se desenvolve

dentro do CFE que acaba se construindo as bases da nova produção musical

independente bem como o alicerce para sua circulação.

Toda organização que se desenvolve a partir de então passa a dar sustento e

legitimidade frente ao diálogo, com o poder público e a sociedade civil. No entanto, no

que diz respeito à consagração do CFE como um movimento pautado na Economia

51 Essa alternativa pela qual se baseia o CFE e a implantação da moeda complementar seria a Economia

Solidária. Segundo Laville (1994) a Economia Solidária é um conjunto de atividades econômicas cuja

lógica é distinta tanto do mercado capitalista quanto da lógica do Estado. Ao contrário da economia

capitalista, centrada sobre o capital a ser acumulado e que funciona a partir de relações competitivas cujo

objetivo é o alcance de interesses individuais, a economia solidária organiza-se a partir de fatores

humanos, favorecendo as relações onde o laço social é valorizado através da reciprocidade e adota formas comunitárias de propriedade. Ela se distingue também da economia estatal que supõe uma autoridade

central e formas de propriedade institucional. Nesse caso, o Card que significa “cartão” em inglês dá

acessibilidade enquanto moeda social alternativa/complementar. Cada coletivo pode montar sua moeda

social e trocar com outros coletivos que também desenvolveram a sua. Um dos principais cards

circulantes no momento é o Cubo Card, criado dentro do coletivo cuiabano. 52 Pablo Capilé é o atual vice-presidente da ABRAFIN e o principal fundador do CFE. Já foi produtor de

uma das principais bandas independentes atuais, o Macaco Bong, proveniente de Cuiabá que também é

sua terra natal. É fundador também do Espaço Cubo, coletivo de Cuiabá e hoje mantém suas atividades

dentro do núcleo de planejamento do CFE.

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Solidária, Pablo visualiza a necessidade de alguns avanços. Dentre eles, basicamente

estaria a necessidade de colocar a moeda dentro de uma maior escala de circulação, e se

tornaria assim propulsora e resultado da ampliação da rede através da incubação de

outras dimensões. Relacionado essas observações ao que já havia relatado Lisboa

O que caracteriza a EPS, insistimos, não é a condição de informalidade (o

descumprimento das obrigações legais não é exclusivo dos produtores

informais, nem a eles pode ser atribuída a responsabilidade maior pela

evasão fiscal), ou estarem desvinculados do mercado, mas sua condição de

estar voltado para prover o sustento do grupo (experiência associativa) sem a

presença da mercantilização do trabalho, com uma racionalidade produtiva

submersa nas relações sociais. Por isto, não confundi-la com uma espécie de

‘capitalismo popular’, pois nela a acumulação é um meio para a reprodução

do grupo social que participa do empreendimento econômico. (LISBOA,

1999. p. 58).

Uma vez que constroem novas dinâmicas de interação e interferência social

através da música, essas trocas de tecnologia social53

e serviços acontecem

paralelamente, tanto como causa como conseqüência, ao surgimento de coletivos em

diversos locais do país. Os coletivos são núcleos formados por artistas e agentes

culturais que sob os mesmos preceitos, unem suas capacidades a fim de manifestarem

a produção independente de cada local de maneira integrada aos demais coletivos que

surgem no país. Esses coletivos, que não são formados apenas por músicos, mas

também por produtores e comunicadores de cultura em geral, estabelecem sua cadeia

produtiva de maneira diferenciada, compartilhada, e de certa forma, autoreferenciada,

visando à estruturação de uma sustentabilidade para o todo.

É importante ressaltar que dentro do Mercado Médio, configurado a partir do

CFE, não existe mais uma moeda formal para a mediação. Assim, a valoração

qualitativa de cada trabalho segue uma tabela pertinente em relação à demanda e a

oferta existente diante de cada coletivo e entre o circuito como um todo. Essa

valoração transforma-se em unidade, os Cards. O Card é usado para mediar e valorar

as trocas de serviços e produtos que a princípio não tinham moeda circulante para dar

base em sua circulação. Com a idealização dos cards, as trocas que acontecem entre

esses agentes são valoradas a partir de uma nova simbologia, que se concretiza com o

53 Entende-se como tecnologia social todo produto, método, processo ou técnica criados para solucionar

algum tipo de problema social e que atendam aos quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil

aplicabilidade e impacto social comprovado. As tecnologias sociais podem nascer no seio de uma

comunidade ou no ambiente acadêmico. Podem ainda aliar saber popular e conhecimento técnico-

científico. Importa essencialmente que sua eficácia seja multiplicável, propiciando desenvolvimento em

escala. Disponível em: http://www.consciencia.net/2003/11/08/ts.html

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uso da moeda. O paralelo que podemos fazer aqui em relação à economia solidária é

que

A economia social, ou economia solidária, ou setor independente, ou ainda

terceiro setor, está associada às práticas que estão fora tanto da esfera do

governo guiado por normas impessoais, como do mercado criado pela procura desenfreada do lucro. Emergindo como uma terceira força, pautada

na participação e democracia dos seus membros capaz, portanto,

contrabalançar as forças do Mercado e do Estado. Qualquer que seja o

termo, todos se referem às entidades de natureza não-governamentais e não-

lucrativas voltadas para o atendimento de seus membros ou daqueles que a

própria dinâmica capitalista excluiu do mercado. (VASCONCELOS, 2007).

Como já havíamos nos deparado, mais do que relativo ao escambo, as trocas que

acontecem em cards se assemelham ao conceito da dádiva desenvolvido por Mauss e

contextualizado por autores contemporâneos54

. Nesse caso:

Sobre a dádiva moderna, pode-se dizer que não há limites claros para o seu

exercício, por um lado recai no Estado e por outro alcança relações pessoais

e a esfera doméstica; aqui a dádiva se encontra no centro do sistema de

circulação dos serviços. Sabe-se que muitas organizações beneficentes são

na verdade, organizações profissionais que atuam na indústria da dávida. Essa indústria da dádiva pode ser considerada associações que prestam

serviços através de pessoas, não baseadas em relações salariais.

(GODBOUT, 1999. p.82).

Isso se dá pelo fato de que essas trocas só podem ser feitas a partir do

compartilhamento de princípios e valores alternativos, componentes de toda essa

estrutura produtiva e distributiva. Acontece nesse plano uma espécie de confiança e

afirmação mútua que garante o pagamento da moeda através do serviço prestado. Nesse

sentido, muda-se apenas as partes contratantes, mas não é mudada as condições

ideológicas sob as quais se baseiam as trocas. Podemos concluir neste princípio que o

card institui-se dentro do CFE baseado não somente nos preceitos da economia

solidária, mas em grande medida na característica relativa a essa dádiva que se

constituiu na própria relação produtiva consolidada através da funcionalidade das

trocas55

. No entanto, não podemos esquecer que essa funcionalidade é permeada não

54O Paradigma do Dom ou da Dádiva é um paradigma que estabelece uma visão diferenciada da proposta

pelas perspectivas que colocam o indivíduo como superior (individualismo metodológico) ou subordinado

à sociedade (holismo) e nesse passo nos ajuda a esclarecer algumas nuances presentes dentro da essência fomentadora do vínculo entre os indivíduos. É importante ressaltar que esse paradigma não se dá pela

hibridização desses outros dois paradigmas citados, ele apenas vai além da lei fundamental que organiza a

sociedade a partir de um princípio mercantil. Dessa maneira, ele fundamenta uma visão da sociedade

baseada no princípio da reciprocidade, onde o que importa não é necessariamente o que está sendo

trocado, mas manter essa relação. (VASCONCELOS, 2007) 55 “A formulação teórica do M. A. U. S. S. (Revista do Movimento Anti-utilitarista nas Ciências Sociais)

se realiza a partir da descoberta de Mauss de que nas sociedades “arcaicas” ou “primitivas” a regra

fundamental da ação social não repousa sobre contratos, mas sobre a tríplice obrigação de dar, receber e

retribuir. A troca se realiza por razões outras que ultrapassam os simples interesses materiais, calculistas,

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somente pela dimensão simbólica e valorativa daquilo que dá base ao CFE e a música

independente em si, mas guia-se principalmente por objetivos e significações que fazem

parte do processo de tentativa de se inserirem no mercado da cultura. Os coletivos,

portanto, podem ser entendidos como pontos Fora do Eixo, organizações de indivíduos

que compartilham dos mesmos mecanismos, estratégias e valores, e, através de tais

orientações, buscam a gestão partilhada das produções e trabalhos artísticos

desenvolvidos dentro do circuito com o intuito de garantirem sua representação em

meio à sociedade civil acostumada com a cultura de massa difundida pela grande

Indústria Cultural.

Sob essa orientação, Pablo fez observações que nos ajudaram a compreender o

relacionamento existente entre a política e a cultura e o entendimento que é

compartilhado a respeito dessas duas dimensões dentro do CFE. O produtor afirmou que

a relação entre a Política e a Cultura que se dá através do CFE acontece através da

visualização do processo colaborativo como dinâmica do bom funcionamento e

retroalimetação de toda rede. Ele põe em evidência o fato de que o ambiente

democrático propiciou o caminho para que as pessoas pudessem participar do debate,

mas salienta que ainda há muito a ser construído.

Todavia, “dar as mãos” já seria por si só uma ação política que garante a

ocupação dos espaços a partir do momento que passa a agregar vários movimentos que

compartilham das mesmas premissas. Dessa maneira, Pablo nos ajuda a dar ênfase na

hipótese de construir os olhares a respeito da autonomia e eficiência do circuito como

um todo, através da perspectiva do mercado e como este só é capaz de dar solo as suas

produções não apenas pelo compartilhamento de ideologias e disciplinas ou pelo

determinismo geográfico, mas principalmente quando se mantém aberto e receptivo

para a inserção de sujeitos capazes de ampliar o lastro das ações entre toda sociedade

civil e diante do poder público por meio dessa alternativa de produção e consumo.

Nesse caso, lançar olhares para a estruturação do Mercado Médio contribui

apenas parcialmente para a construção de uma resposta pertinente ao nosso problema.

Podemos considerar, a priori, que seria a estruturação através das trocas estabelecidas

entre os agentes que fazem parte da rede a principal válvula responsável por garantir a

autonomia e a fruição do trabalho artístico desses grupos em meio à sociedade. Nesse

realizando-se, inclusive por razões simbólicas.” VASCONCELOS (2007). Disponível em:

http://www.revuedumauss.com/. Acesso em 24 ago. 2011.

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caso, a própria interdependência estabelecida aqui construiria os alicerces desse

mercado. Porém, se nossos olhares recaem sobre a participação na demanda e sua

representatividade frente uma política pública, somos colocados a nos indagar sobre o

nível dessa interdependência, observando até que ponto esta pode ser estabelecida sem

que os valores da autonomia e liberdade, orientadores do movimento independente

desde sua origem e componentes dos direitos políticos, base para o exercício da

cidadania, sejam atingidos ou manipulados.

Nesse passo, cabe a nós encontrar respostas que possam nos ajudar a

diagnosticar até que ponto o fato de que, havendo uma estrutura como o Mercado

Médio, isso pode contribuir para com seus agentes como um motor capaz de garantir

suprimento às necessidades de seus artistas se sua moeda circulante é composta por

uma credibilidade que se baseia em valores materiais56

para reproduzir dentro de um

contexto permeado pela imaterialidade, como é o caso cultural. Nesse caso

poderíamos pensar até que nível a eliminação de uma moeda formal e a substituição

desta por outra simbólica desfaz sua equivalência quanto reprodutora de um sistema

econômico como o capitalista.

Entender que o Mercado Médio pode ser uma das respostas constitutivas da

conclusão dessa pesquisa é apenas o início da compreensão que vislumbramos. Se o

mercado existe e se estabelecem quanto mecanismo capaz de fruir a representação de

grande parte de seus integrantes, temos que ter em mente duas observações que se

complementam: 1º) por ser um tipo de mercado que se desenvolve através da

valoração e inventividade propiciada entre os agentes culturais, este deve ter como

prerrogativa para sua ampliação, difusão e sustento não só o respeito e estímulo pela

diversidade, mas acima disso estarem amplamente abertos a ela, compreendendo-a

como um dos principais ingredientes fomentadores de amplitude, multiplicação e

sustentabilidade de toda cadeia produtiva em questão; 2º) uma vez tendo como

orientação a cultura e a diversidade, ainda assim temos que levar em consideração que

os átomos observados em nossa pesquisa são os indivíduos e como tais, dentro da

sociedade civil, detém poderes e possibilidades pautados e referenciados dentro de

uma Constituição democrática. Esses indivíduos legitimam sua representação segundo

os valores e necessidades que compartilham dentro das condições nas quais são

colocados e das capacidades que contêm.

56 Entende-se que esses valores materiais são reflexo da posição de poder individual dos membros desse

grupo.

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Uma proposta que viesse como alternativa à plataforma econômica pela qual nos

orientamos formalmente deveria ter como prioridades preceitos que dentro da

economia convencional são tidos como irrelevantes e até mesmo obscuros57

.

Conduzindo-se a partir dessa dinâmica, um mercado em rede que vise instituir-se

fundamentalmente através do campo da cultura, deve ter a consciência de que esta se

trata de uma dimensão onde as diferenciações entre os indivíduos são mais passíveis

de serem percebidas e condicionais, assim como as suas particularidades. Essas

diferenças, na maioria das vezes, são resultados das condições provenientes da própria

diversidade contextual, tanto econômica quanto social, política e até mesmo cultural.

Dessa forma, observa-se que a articulação e consciência de qualquer indivíduo dentro

de um sistema econômico obtém sucesso e eficiência de acordo com as condições e

possibilidades conferidas a ele em seu contexto e como ele constrói o diálogo entre

suas particularidades e a dos outros58

.

Em linhas gerais, é a estruturação de um sistema econômico em si dependente

do grau de internalização dos valores em voga existente entre seus agentes, assim

como do compartilhamento desses mesmos valores dentro de toda uma engrenagem

produtiva e reprodutiva. Consideramos aqui, portanto, a diversidade não só relativa a

valores e personalidades, mas principalmente a diversidade e diferenças de condições

e instrumentos, que são revertidos em capacidades. Essa diversidade, portanto, influi

diretamente e de maneira variada, sobre o rendimento dos funcionamentos em cada

local em que está implantado.

Mesmo sabendo que nossa indagação refere-se ao trabalho artístico da banda

como um todo, deixamos claro que nossa célula de estudo é o músico, indivíduo

componente da banda que em conjunto com os demais de seu grupo é capaz de dar

orientação ao seu trabalho artístico e produtivo. Dessa maneira, apesar de buscar

57 “Cada exemplo de um bem trocado de mão sem um fluxo de dinheiro na direção oposta é relegado ao

domínio obscuro da “economia informal” (...) Os praticantes da economia de mercado fazem o possível

para alcançar os lugares que os especialistas em marketing ainda não conseguiram atingir. A expansão é

ao mesmo tempo horizontal e vertical, extensiva e intensiva: o que resta a ser dominado são as terras

ainda presas ao seu meio de vida “ao deus-dará”, mas também a parcela de tempo dedicada à economia “informal” entre as populações já convertidas ao modo de existência comprador/consumidor. [Essa área

da economia “informal”] é a enorme área do que A. H. Halsey denominou de “economia moral” –

compartilhamento familiar de bens e serviços, ajuda entre vizinhos, a cooperação entre amigos: todos os

motivos, impulsos e atos que se costuram os vínculos e compromissos duradouros entre os seres

humanos.” BAUMAN, Z. O amor líquido – Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:

Jorge Zahar Ed. 2004, p. 88-89. 58 ELIAS, 1994, p. 35: “Entretanto, as relações interpessoais nunca podem ser expressas em simples

formas espaciais. E esse é um modelo estático. Talvez ele atenda um pouco melhor a seu objetivo se

imaginarmos a rede em constante movimento, como um tecer e destecer ininterrupto de ligações”.

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conclusões através dos trabalhos musicais construídos dentro do CFE, o que

pretendemos especialmente é dar suporte às considerações relativas à atuação do

artista enquanto indivíduo dentro do contexto e dos valores por ele considerados na

busca e consolidação de sua autonomia em meio à sociedade e o mercado. Mesmo

sabendo que essa autonomia se comprova a partir do momento em que o artista

garante a circulação de seu trabalho e a partir dessa circulação, o seu sustento e

aumento na capacidade de sua representação dentro da sociedade, não podemos perder

de vista a contribuição que é cedida de forma individual dentro desse processo.

Compreende-se, portanto, que não só as capacidades e habilidades pessoais conferem

papel de importância, mas em grande medida, a pró-atividade na transformação dessas

capacidades e habilidades em instrumentos capazes de garantir um funcionamento

eficaz e consequentemente um projeto de autonomia objetivo que se dê através do

trabalho coletivo.

A resposta que queremos alcançar nos indica o prevalecimento de uma

autonomia muito mais relativa ao plano do indivíduo do que no plano de uma

categoria que represente os músicos e bandas independentes de maneira ampla. A

partir dessa observação, podemos ser levados a considerar que não se trata apenas de

padrões e valores que ao serem partilhados desencadeiam um processo fomentador da

autonomia. Tratamos aqui de uma relação que se desenvolve no plano do próprio

indivíduo e da relação que este estabelece com a rede. Dessa forma, as características

particulares da sua atuação também são levadas em conta59

.

Nessa perspectiva, quanto maior a possibilidade do indivíduo, artista integrante

de uma banda ou agente cultural, constituir-se enquanto sujeito de troca ativo dentro

dessa rede, maiores são as oportunidades de garantirem uma maior circulação e

consequentemente divulgação e promoção de sua música, de seu trabalho artístico. Por

isso, não podemos perder de vista que essas oportunidades têm origem nos

instrumentos circundantes das posições contextuais desses indivíduos, instrumentos

estes que se relacionam com as capacidades, potências próprias e particularidades de

cada agente.

Devemos, portanto, deixar evidente o fato de que essas capacidades não tem

como referência exclusiva o talento artístico desses indivíduos, mas o nível de

59 “Nosso estudo mostra que a participação em redes sociais poderosas dentro da sociedade é suficiente

para conseguir acesso a benefícios públicos, independentemente do fato de que aqueles que se beneficiam

desses bens públicos participam ou não de grupos ou comunidades com alto estoque de capital social”

PRATES, A et al. Capital Social e Redes Sociais: conceitos redundantes ou complementares? p. 53.

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capacidade relativa à atuação desse artista independente em um mercado como o que

se institucionaliza através das trocas como as que acontecem no CFE, está atrelado a

função que este disponibiliza dentro dessa rede. Não nos é difícil perceber que a

disponibilidade de capacidade e tempo para essa função advém da posição social que

precede esse indivíduo. Essa posição, assim como outras condições que veremos mais

adiante, abre possibilidades para que ele tenha um melhor posicionamento dentro do

circuito, ocupando um espaço de participação efetiva dentro do mercado da música.

A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social

vai muito além da relação constitutiva – por mais importante que ela seja. O

que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por

oportunidades econômicas, liberdades políticas, poderes sociais e por

condições habilitadoras como boa saúde, educação básica e incentivo e

aperfeiçoamento de iniciativas. As disposições institucionais que

proporcionam essas oportunidades são ainda influenciadas pelo exercício

das liberdades das pessoas, mediante a liberdade para participar da escolha social e da tomada de decisões públicas que impelem o progresso dessas

oportunidades. (SEN, 2000. p. 19)

Podemos entender até aqui, que o aumento das oportunidades referentes à

emancipação do artista/banda enquanto instância autônoma capaz de ter seu trabalho e

interesses representados de maneira difusa dentro do contexto em que vive, além de

depender desse mesmo contexto, apresenta uma relação direta com a disposição e grau

instrumental que é disposto a esses indivíduos e que são componentes do

funcionamento eficaz e da garantia na promoção de caminhos concretos para o alcance

de seus objetivos (SEN, 2008).

Dentro de todo esse processo é relevante ressaltarmos o fato de que durante a

pesquisa e através de relatos e observações, podemos compreender que a perspectiva

da arte é reconhecida apenas como um componente como qualquer outro dentro de

todo processo de ampliação da cadeia produtiva da música independente e circulação

de seus trabalhos. O objetivo maior que podemos evidenciar a partir da articulação

desses agentes é o estabelecimento de um circuito de trocas que dê margem a

institucionalização da sustentabilidade alternativa e diferenciada daquela reproduzida

pelo sistema de mercado formal.

Nota-se, portanto, que para desenvolvermos essa pesquisa, a análise das formas

de trabalhos dos coletivos foi expressamente importante para entender a amplitude e o

grau de internalização dos conceitos, valores e práticas produtivas colocadas em vigor

dentro do CFE. Caminharemos em busca de conclusões a partir de observações e

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análises que respondam a nossas inquietações e que venham confirmar ou não a

pertinência das dinâmicas exercidas dentro do CFE, ou seja, este enquanto articulador

de um Mercado Médio, com alternativas eficazes para a ampliação da autonomia

desses artistas em relação ao Estado e ao Mercado Convencional. A eficiência que

queremos ver demonstrada diz respeito à representação dos interesses econômicos e da

sustentabilidade das bandas e de seus projetos através da circulação de seus produtos

no mercado da música. É imprescindível, nesse ponto, que passemos atentamente

nossos olhares diante dos fatores relativos à fruição de seus interesses e valores,

considerando que o esforço pela sua legitimação garante-se como próprio exercício de

sua governabilidade dentro da sociedade civil.

Esses fatos podem responder substancialmente o motivo pelo qual nossas

observações se passam em três diferentes localidades. Pretendemos nos guiar através

dessas indicações, buscando colocar à tona a diferenciação que existe entre os meios e

os estilos de vida, assim como os valores imbricados nesse campo, que acabam por

influenciar na atuação dos indivíduos na dimensão artística e cultural de maneira

diferenciada e particular em cada localidade60

.

É importante deixar claro que as observações ainda sim são pontuais e se dão de

maneira que se torna possível visualizar as oportunidades e capacidades, oriundas das

particularidades de cada local, e como essas variáveis influenciam na atuação das

bandas independentes dessas três localidades, compreendendo também como essa

influência as posiciona em um patamar capaz de garantir ou não a promoção de seus

interesses relativos à fruição de seu trabalho artístico. Portanto, tais conclusões só

puderam ser construídas através da análise de cada caso e, por isso, é essencial que em

meio a essa análise possamos recorrer a informações referentes ao número de bandas

que lançaram seus trabalhos no mercado da música, reconhecendo

concomitantemente, os mecanismos e instrumentos que lhes propiciaram

oportunidades relativas ao aumento da dimensão de circulação e representatividade de

60 Essa abordagem que visa avaliar a capacidade do indivíduo leva em conta “a identificação de objetos-

valor, e concebe o espaço de avaliação em termos de funcionamento e capacidades para realizar

funcionamentos. Isto em si é, obviamente, um exercício profundo avaliatório, mas responder a pergunta

(1) da identificação dos objetos-valor não resulta nenhum resposta particular para a questão (2), quanto a

seus valores relativos. Porém a seleção do espaço pode apresentar uma boa dose de poder discriminatório,

tanto pelo que ela inclui como potencialmente valioso, como pelo o que ela exclui da lista de objetos a

serem pesados como intrinsecamente importantes”. (SEN, 2008. p. 83).

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cada banda dentro do mercado da música atual61

. Não se perde aqui a dimensão

antropológica, por isso recorremos a entrevistas e análise de campo.

Apesar de adentrarmos sob essas variadas perspectivas, guardamos uma hipótese

principal que compreende que, mesmo estabelecendo-se como uma compilação de

padrões estratégicos e bem desenvolvidos entre seus agentes, o mercado médio que se

constitui através dessas trocas no campo da cultura ainda não é a solução nem a

alternativa para que seja garantida a autonomia desses artistas na esfera da sociedade

em que vivem. A autonomia se consolida parcialmente e de maneira muito específica,

por isso buscamos evidenciar tal situação observando o funcionamento dos coletivos.

Como estes lidam com particularidades contextuais próprias que se diversificam a

cada localidade, devemos considerar que tais situações influenciam a constituição dos

valores que regem os coletivos em cada localidade. Se não houver esse grau de

flexibilização e sensibilidade diante das variáveis, podemos estar diante de mais um

sistema que visa à padronização para a perpetuação de seus rendimentos62

.

Partindo dessas orientações somos levados a entender que o Mercado Médio,

mesmo sendo um dos principais exemplos resignificados a partir dos preceitos da

economia criativa63

não proporciona integralmente a autonomia de seus agentes, no

caso, as bandas. Somos também levados a pensar que essa autonomia só é adquirida

uma vez que possa haver a sobrevivência das particularidades e valores de cada

indivíduo integrante desse processo. No entanto, tal afirmação trata-se ainda de uma

hipótese que será descartada ou não de acordo com as visualizações que formos

empreendendo durante o desenvolvimento da pesquisa.

Guiando-nos através de observações nesse nível, chegamos a uma resposta

pertinente que contribuiu para fazermos os esclarecimentos devidos à construção da

autonomia desse núcleo de músicos em específico no ambiente democrático em que

61 Fontes de financiamento públicas ou privadas. 62 HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. 1968, Edições 70. p. 62-63 63“A economia da cultura oferece todo o aprendizado e o instrumental da lógica e das relações

econômicas – da visão de fluxos e trocas; das relações entre criação, produção, distribuição e demanda;

das diferenças entre valor e preço; do reconhecimento do capital humano; dos mecanismos mais variados de incentivo, subsídios, fomento, intervenção e regulação; e de muito mais – em favor da política pública

não só de cultura, como de desenvolvimento. (...) A economia da cultura, ou ainda, o curioso paradoxo

atual da intangibilidade do tangível, é um fenômeno que acompanha as recentes configurações

rizomáticas e conexionistas que vem assumindo o capitalismo mundial. É neste âmbito que

testemunhamos igualmente as linhas de aproximação com o modelo da rede, assim como com as

dinâmicas de trabalho que tendem a privilegiar a cada dia, a horizontalidade no lugar da hierarquia, as

relações de reciprocidade entre criatividade e profissionalização, a valorização da “equipe de

colaboradores” no lugar do “cada um por si” competitivo.” REIS, A., & MARCO, K. (Org.). Economia

da Cultura: idéias e vivências – Rio de Janeiro: Publit, 2009. p. 20-25.

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vivemos hoje. Nossa hipótese inicial foi colocada à prova a partir da observação

dessas localidades, e nos permitiu indagar se o CFE, a partir de um processo de

interdependência com o mercado e o Estado, gerou uma série de ações que partiram de

demandas específicas e que puderam ser compreendidas em maior ou menor grau

como políticas culturais se for levado em consideração o âmbito em que se deram e

pela maneira como foram idealizadas e formuladas suas demandas. Mas em que

sentido podemos carregar tal afirmação? Trata-se, portanto, de considerarmos aqui o

plano da autonomia que é estruturado dentro do CFE, tanto em relação ao estímulo à

formulação de demandas quanto à ampliação e circulação dessas novas experiências

como alternativa para o desenvolvimento da fruição de seus trabalhos artísticos em

meio à sociedade.

As análises, além de nos orientar para uma resposta ou solução referente ao

problema que nos guiou, nos revelam mecanismos, maneiras e intuitos articulados por

esses indivíduos para uma maior ou menor consolidação de sua participação dentro da

rede, e também deixa evidente a funcionalidade que cabe às políticas culturais do

Estado e do governo para essa parcela de músicos que a priori são cidadãos e

indivíduos.

4. CUIABÁ (MT), UBERLÂNDIA (MG), RIO BRANCO (AC) NA ROTA DA

MÚSICA INDEPENDENTE

4.1 A ANÁLISE DOS CASOS

Neste capítulo tem-se como objetivo observar a articulação existente entre os

princípios e práticas que regem as atividades desses coletivos, colocando em evidência

as condições postas em cada cidade e as influências que tais condições transmitem para

o âmbito da construção do conceito de indivíduo e participação no que concerne a

estruturação da autogestão e afirmação autônoma daqueles que dele fazem parte. É a

partir dessa perspectiva que seremos orientados para que possamos tirar observações

concretas e respostas conclusivas que nos permitirão entender sobre a representação

eficiente dos interesses desses indivíduos enquanto artistas, tanto dentro do próprio

Circuito como fora dele, em relação à sociedade civil e ao mercado da cultura em que

estamos envolvidos.

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Os métodos utilizados contribuíram para que pudéssemos entender a formação

da consciência coletiva e da prática autônoma desses indivíduos em relação às

condições sociais e políticas em que vivem e em contraste com os anseios maiores do

CFE como um todo, observando, em meio a isso, o nível de atuação conquistada por

esses coletivos e os respectivos indivíduos integrantes dentro da amplitude de

organização e circulação do CFE.

Escolhemos três localidades que apresentam coletivos do CFE. O motivo da

escolha dessas três localidades para empreendermos as análises referentes à nossa

pesquisa já foram expostos anteriormente. O que cabe agora ressaltarmos é o fato de

que as observações e conclusões tiradas em campo foram consolidadas a partir de uma

relação com as teorias contemporâneas que tem como eixo principal a observação da

sociedade através de sua organização em rede, buscando colocar sob essa ótica a análise

do CFE a partir de sua compreensão como um organismo que se articula e se sustenta

através de uma rede de informações e serviços, no entanto, com foco sobre essas três

localidades.

Dessa forma, em todas as cidades foram aplicados os mesmo métodos: entrevista

com artistas e membros do poder público, representantes das questões culturais em cada

localidade; recolhimento de depoimentos; observação em campo; participação nos três

festivais locais64

; análise das leis de incentivo e do campo da cultura em cada cidade em

questão. Além disso, participamos de duas edições do Congresso Fora do Eixo (em Rio

Branco e Uberlândia, respectivamente) entrando em contato com produtores e artistas

locais e de outras localidades que estiveram presentes durante esses encontros nacionais.

É interessante observarmos que três cidades são dotadas de componentes

diferenciados. São esses componentes e características inerentes da formação histórico-

social que irão nos ajudar a conceber orientações férteis em nossa pesquisa no que diz

respeito à observação de uma maior ou menor participação desses artistas em relação as

suas formas de representação de acordo com cada localidade. Assim, seguindo as

orientações de Sen, partiremos para análise levando em consideração que

De fato, a condição de agentes dos indivíduos é, em última análise,

central para lidar com essas privações. Por outro lado, a condição de

agente de cada um é inescapavelmente restrita e limitada pelas

oportunidades sociais, políticas e econômicas que dispomos. Existe

uma acentuada complementaridade entre a condição de agente

individual e as disposições sociais: é importante o reconhecimento simultâneo da liberdade individual e da força das influências sociais

sobre o grau de alcance da liberdade individual. (SEN, 2000. p. 10).

64 Festival Grito Rock (MT), Festival Jambolada (MG), Festival Varadouro (AC).

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5. O RELATO DOS CASOS

5.1. CIDADE E MODERNIZAÇÃO: INFLUÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DA

CULTURA MUSICAL INDEPENDENTE DO CIRCUITO FORA DO EIXO EM

CUIABÁ (MT)

Após todas essas observações e fazendo um paralelo com a cena cultural

independente que se consolida atualmente, podemos dizer que não é nenhuma surpresa

a solidificação desse tipo de movimento em Cuiabá. Passando brevemente pelo

histórico da cidade, o que cabe a nós ressaltarmos é o fato de que ela, localizada no

centro-oeste do país, nunca havia sido até então foco da produção musical independente.

Além disso, até meados da década de 80 apresentava poucas condições para a

proliferação de interesses voltados para a construção de uma cena da música

independente local65

. Partimos, portanto, para duas questões: como se trata de uma

localidade que é voltada para o mercado de bens primários e o turismo, poderiam esses

fatores serem compreendidos como os principais contribuintes para a aproximação entre

os agentes interessados em transformar essa realidade, tendo como objetivo primeiro,

construir forças legítimas do ponto de vista profissional, organizacional e produtivo

para a representação de seus interesses quanto músicos dentro da localidade em que

moravam? Devemos considerar que foi devido ao descaso referente à área cultural que

esses agentes se aglomeraram e partiram em busca de soluções autônomas frente a

pouca manifestação do poder público e o baixo interesse da iniciativa privada em

enaltecer a produção musical na cidade? Buscaremos enxergar a partir dessas condições

os catalizadores de todo o processo de desenvolvimento do coletivo local, considerando

que estes componentes ajudaram a estimular e impulsionar todo o processo de produção

cultural coletiva que se deu no lugar pautando-se no discurso de descentralização

alavancada pelo CFE.

Cuiabá teve sua estruturação social e econômica voltada muito para a mineração,

por isso sua história em grande parte se assemelha à história de localidades que se

encontram no sertão brasileiro. Sua localização, assim como a funcionalidade que tinha

inicialmente nesse processo de formação, rendeu à cidade características que a vinculou

a uma visão marginalizada. Essa visão se fazia com a afirmação desta enquanto uma

65 BEZERRA, S. Contradições culturais do cortejo triunfante da modernidade em Cuiabá. Revista

de História e Estudos Culturais, Cuiabá, Vol. 5, nº 3, p. 5.

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terra sem lei, onde se encontrava atraso econômico e populacional, e também político66

.

“O Estado que era uma ‘ficção geográfica’ continuava sendo sinônimo de distância, de

atraso econômico e cultural, de vazio populacional e de ausência de lei ou, como se

torna visão corrente, o verdadeiro ‘paraíso do crime’” (MACIEL, 1992, p. 100) e tal

noção se perpetuou largamente até meados do século XX.

Dentro da perspectiva de desenvolvimento da cidade mato-grossense é

interessante observarmos a parcela de interesse que existia em relação ao processo de

modernização que se instituía em todo país no início desse século, mas que em Cuiabá

fez-se sentir tardiamente, devido aos preconceitos e marginalização pelo qual passava a

cidade. Nesse ponto, há uma intensa articulação dos interesses políticos e econômicos

locais que tem como intuito retirar a imagem negativa atrelada à região e conciliar todo

o desenvolvimento produtivo local à nova dinâmica moderna que se construía por todo

o país67

. A intenção de dar concretude ao projeto de modernização local nada mais era

do que reflexo do objetivo de atrair investimento e financiamento público para as

atividades desenvolvidas na região.

Todos esses componentes pró-modernização influenciam o imaginário da

sociedade local que passa a se reproduzir através das gerações. O que podemos conferir

então é uma cidade localizada em um ambiente afastado dos grandes centros que

participavam das decisões econômicas e políticas de nosso país. Mediante a isso, seus

representantes atrelam o processo de modernização às políticas nacionais de expansão

que eram aplicadas pelo Estado na época. Essa dinâmica elaborada, pautada pela

perspectiva de se constituir moderna dentro de um país que levantava essa bandeira,

implica grandes transformações que podem ser observadas tanto na arquitetura da

cidade quanto no imaginário de sua população.

A cidade se transforma verdadeiramente a partir dos anos 70 e 80 do século XX,

quando passa a se estabelecer enquanto uma região voltada para o agronegócio. Tal

orientação econômica gera um fluxo migratório muito grande para região, o que acaba

por desenrolar processos culturais e políticos totalmente originais, dando

definitivamente uma identidade relacionada à modernização da cidade68

. Dessa forma,

66 BEZERRA, S. Contradições culturais do cortejo triunfante da modernidade em Cuiabá. Revista

de História e Estudos Culturais, Cuiabá, Vol. 5, nº 3, p. 5. 67 SCHWARTZMAN, S. Do império à república: centralização, desequilíbrios regionais e

descentralização. In: Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus. p. 119-127. 68 Para Bezerra, a construção da identidade cultural da cidade se deu em grande escala devido a

apropriação de bens culturais das populações locais tradicionalmente marginalizadas. Essa apropriação

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o que vemos como reflexo e que nos ajuda a construir questões a respeito do panorama

da cultura independente que temos em Cuiabá hoje é o fato da euforia que se espalhou

na região e que se deve à realização desse projeto de modernização.

Não só comprova-se a euforia, mas o desejo e necessidade de se manterem

atuantes no processo. Em uma sociedade que com o tempo passa a ser permeada por

interesses diversos e muitas vezes conflitantes é de extrema importância a concretização

de uma identidade que possa não só colocar a cidade na rota da produção cultural

brasileira como também dever a ela essa nova concretude. Observa-se, portanto, que

assim como os conflitos, a perspectiva progressista também se estrutura dentro das

condições de produção artística em Cuiabá.

Por isso, torna-se interessante e pertinente estabelecermos um paralelo com o

panorama geral pelo qual passou a cena cultural relacionando-o ao tradicionalismo que

era posto como alicerce do desenvolvimento das sociedades de maneira geral. As

manifestações de música e arte independente, pelo contexto no qual deveriam lidar,

surgem como alternativa, na tentativa de abrandar os empecilhos impostos pela

contextualização social, política e econômica que refletiam em consequências e

condições não muito boas para as tentativas de afloramento cultural. Não se trata de um

fato e de atenuantes que estiveram presentes apenas na capital mato-grossense, mas que

se fez sentir em várias localidades do nosso país durante o nosso desenvolvimento como

nação.

Os componentes da modernidade e do desenvolvimento progressista influenciam

valores e objetivos em meio à sociedade, e mesmo existindo manifestações artísticas,

estas serviam aos padrões da indústria cultural e do entretenimento, o que pouco

condizia com as necessidades declaradas pela parcela artística local, sendo esta mesma,

desarticulada pelos próprios vieses que eram colocados como prioridades para o

desenvolvimento daquela sociedade em sua amplitude69

.

Nesse ponto, podemos considerar que a música independente, assim como todo

tipo de arte autônoma produzida na região, sofria duplamente com o desinteresse

econômico e social. Este duplo efeito se dá tanto pelo fato de ser um produto cultural

que foge dos padrões de produção e consumo da grande Indústria Cultural quanto pelo

motivo de estar afastada das produções e viabilidade de circulação que se tem nos

acontece na medida em que as elites locais necessitam afirmar sue espaço diante ao grande fluxo de

migração em que se encontrava a cidade. 69 GRAMSCI, A. Estrutura e Superestrutura. In: Concepção dialética da história. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1981, p. 52-54.

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grandes centros. No entanto, esse não foi o motivo para que o movimento fosse carente

de forças. Contrariamente, podemos compreender que foi devido ao afastamento e falta

de reconhecimento público dentro de sua cidade e diante do Brasil, que a música

independente cuiabana conseguiu construir uma plataforma legítima através da

associação de indivíduos que tinham como intuito solidificar seus campos de atuação

cultural70

.

Aliado a essas condições, os agentes culturais viram na acessibilidade trazida

pelos meios de comunicação e os avanços tecnológicos subsequentes que se fizeram

amplamente presentes a partir do início do século XXI um grande suporte que passa a

dar aos produtores e artistas a possibilidade de estarem conectados ao resto das

iniciativas que desenvolvem trabalhos culturais no Brasil. Esses fatos nos permitem

observar o que já afirmou Castells:

(...) se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era

Industrial, em nossa época, a Internet poderia ser equipada tanto a uma rede

elétrica quanto a um motor elétrico, em razão da sua capacidade de distribuir

a força da informação por todo domínio da atividade humana. Ademais, à

medida que novas tecnologias de geração e distribuição de energia tornaram

possível a fábrica e a grande corporação como os fundamentos

organizacionais da sociedade industrial, a Internet passou a ser a base

tecnológica para a formação organizacional da Era da Informação: a rede. (CASTELLS, 2003, p. 07).

Dotados agora de artifícios que garantiam a circulação de informações e

tecnologia da produção cultural independente dos quesitos impostos pela grande

indústria e consagrados pela massa, a cena da música alternativa em Cuiabá segue a

mesma tendência de várias outras cenas espalhadas pelo território brasileiro em nossa

época. Os agentes cuiabanos viram nesses novos instrumentos a maneira de se

manterem conectados a novas perspectivas de produção e consumo, e assim passam a

edificar uma cadeia de divulgação e circulação daquilo que é construído pela música

independente na cidade.

No entanto, todos esses componentes nos mostram o quanto a pró-atividade já

vem como resultado de várias condições absorvidas pelos seus agentes de acordo com

suas particularidades locais. Passemos, portanto, para uma análise das peculiaridades

em torno do coletivo cuiabano para observar o quanto suas características influenciaram

70 Fazemos aqui uma analogia com as observações de Fredrik Barth em seus estudos sobre grupos étnicos

e as influencias das fronteiras de diferenciação que mantinham entre si. Apesar de não ser um estudo

referente a afirmação pelas diferenças étnicas, podemos compreender em uma mesma medida, porém com

variáveis diferentes, que as fronteiras impostas pela diferenciação estética e histórico-social estimulou a

afirmação desses indivíduos dentro de sua sociedade e entre interesses variados.

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na promoção da cena independente da música de Cuiabá por todo o país, garantindo ao

seu coletivo uma posição de “destaque” dentro do CFE.

5.1.1. O ESPAÇO CUBO E O FESTIVAL CALANGO

Já foi possível observar que as articulações que se deram nesse período inicial do

século XXI em relação à música independente brasileira aconteceram de acordo com o

estrutura do panorama global de produção e consumo cultural. Ressaltamos no capítulo

anterior que a música independente em Cuiabá floresce dentro desse mesmo panorama,

ou seja, dentro de uma localização macro de transformação pela qual passava e ainda

passa a indústria fonográfica e cultural.

Como resultado dessas transformações, a música independente no Brasil

construiu mecanismos e plataformas que surgiram e vem ampliando suas ações através

da facilidade de comunicação e interatividade posta dentro do ambiente contemporâneo.

Tais condições casam com a intenção desses artistas em exercer seus direitos e

representar devidamente seus interesses dentro da sociedade em que vivem. Assim, após

passarmos pelas observações referentes ao espaço em que se deu a construção de um

dos principais pontos do Circuito Fora do Eixo (CFE), o Espaço Cubo, vamos nos

voltar para a compreensão da formação do CFE em si e para isso partiremos para a

análise do Espaço Cubo, coletivo situado em Cuiabá.

A cidade de Cuiabá, diferentemente do que muitos entusiastas que tecem

observações a respeito do mercado cultural brasileiro pensavam, se transformou nos

últimos sete anos em uma potência no que diz respeito à produção da música

independente e das atividades pautadas em diretrizes apanhadas da Economia Solidária

para a efetivação de suas práticas de gestão cultural71

. O Espaço Cubo, coletivo de

artistas e produtores da cidade mato-grossense, teve um papel fundamental na

construção e ampliação do CFE, bem como na caracterização da nova cena da música

independente pela qual passamos. É, portanto, de extrema importância que conheçamos

primeiro pelo lugar onde se estruturou inicialmente toda a articulação de bandas e

produtores em torno dessa nova maneira de produzir, circular e gerir a música

independente, o que acabou por desencadear a organização do CFE em todo país.

71 ALVES, A. Cena quente. Dísponível em: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/13/textos/1257/.

Acesso em 29 ago. 2011.

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O Espaço Cubo é a primeira célula organizada em torno da música independente

em Cuiabá. Ele tem seu início dentro da Universidade, funcionando nesse período como

uma produtora de áudio e vídeo gerenciada por alguns estudantes da área de

Comunicação da UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso72

. Primeiramente, a

produtora tinha como intuito dar suporte aos artistas e comunicadores que trabalhavam

em torno de produções, da própria produtora e da universidade. No entanto, a vivência

desse empreendimento acabou salientando o processo colaborativo como principal

forma de dar sustento a toda cadeia produtiva que ali começava a se formar.

Partindo desse princípio, o Espaço Cubo acaba se tornando uma produtora que

passou a estimular esse trabalho colaborativo e através dele abranger e dar suporte para

os artistas independentes locais. O espaço então se volta para ensaio de bandas locais. A

partir do momento em que consegue estruturar-se enquanto estúdio de ensaio e

gravação, começam a pensar novas estratégias para a circulação dessa nova gama de

artistas que usavam o espaço.

Com a ampliação do nº de bandas e de pessoas envolvidas dentro do processo de

consolidação de um espaço onde pudessem produzir e oferecer seus produtos, o grau de

organização produtiva da música independente na cidade passa a aglomerar em torno do

Espaço Cubo uma comunhão de artistas, produtores e comunicadores interessados em

produzir e circular seus trabalhos. Percebendo que a circulação era o próximo passo

após a estruturação de uma base consistente de produção, essa união de artistas surge a

partir da necessidade de estarem legitimamente posicionados dentro do mercado cultural

não só da cidade, mas também do Brasil, e se concretiza através do associativismo e da

cooperação entre diferentes agentes culturais73

.

O Espaço Cubo passa, a partir de então, a se conectar com outros eventos e

iniciativas culturais locais e nacionais que compartilham em suas localidades, e através

de seus sujeitos, as mesmas dinâmicas de produção independente. O Espaço Cubo pode

não ser a primeira e não é a única manifestação de uma organização relacionada à

música independente brasileira nesse período, no entanto, pode ser considerada a

iniciativa que teve o melhor rendimento na ampliação dos interesses da música

independente, assim como a gestão e absorção de material humano para a articulação de

sua cadeia produtiva local. Mas em que o Espaço Cubo contribuiu crucialmente para se

72 Estes estudantes são Pablo Capilé, Lenissa Lenza e Mariele Ramires, que hoje são os principais

coordenadores do planejamento de grande parte das produções geridas pelos coletivos do CFE. 73 Consultar entrevistas em anexo.

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constituir como principal coletivo, orientador e principal protagonista do que viria a ser

o CFE?

Tomando como exemplo e para nos ajudar a compreender sobre esse

fundamento, entrevistamos um dos principais agentes e fundadores do CFE, o produtor

cuiabano Pablo Capilé. Além de ser o protagonista na articulação que acabou

culminando o Espaço Cubo em Cuiabá, ele é um dos principais produtores culturais do

CFE, tomado claramente pelos outros agentes e coletivos como exemplo de eficiência

dentro da cadeia produtiva da cena independente e consciência ideológica.

Por mérito e também por capacidade de articulação política com as variadas

dimensões da produção cultural dentro do cenário da música independente atual, Pablo

é hoje o vice-presidente da Abrafin (Associação Brasileira de Festivais Independentes),

mas já havia consolidado antes sua referência através dos trabalhos que desenvolveu

como produtor de eventos, coordenador do planejamento do Espaço Cubo e da Casa

Fora do Eixo em Cuiabá, e também como produtor executivo da banda Macaco Bong74

.

Por todos esses fatos, tornou-se pertinente entrevistarmos Pablo e colher seus relatos e

impressões a respeito da construção dos coletivos e do próprio CFE.

Pablo nasceu em Cuiabá e começou seus trabalhos culturais em 1999, na

Universidade Federal do Mato Grosso. Ao organizar eventos culturais dentro da

instituição começou a perceber algumas lacunas, principalmente no que dizia a respeito

do movimento estudantil na época. Ao perguntarmos sobre a sua opinião a respeito da

formação cultural que se apresenta e apresentava na época na cidade, ele observa o

quanto intensa é a dimensão da cultura em Cuiabá e o quanto o fluxo migratório que se

deu na região principalmente a partir da década de 70 contribuiu para isso. Ele ainda

aponta a cultura do ribeirinho, do cururu e siriri como os principais aspectos que

refletem na cidade um ar cosmopolita e popular ao mesmo tempo.

O produtor, que também já teve banda, observa que hoje temos uma geração

pós-internet que é capaz de sistematizar o que já havia sendo desenvolvido dentro do

campo não só da cultura, mas da vivência política em geral, de maneira mais prática e

satisfatória, podendo dar assim poder de construção e consolidação de políticas publicas

culturais que já existem, como no caso de Cuiabá, a Lei de Incentivo Municipal, que

tem 20 anos de existência.

74 Sobre a banda Macaco Bong, ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Macaco_Bong.

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Dentro dessa panorama apresentado por Pablo já podemos começar a

compreender o porquê do CFE poder ser classificado como uma plataforma tanto de

produção quanto de diálogo sobre a música independente. Assim, o CFE se estrutura em

consonância ao surgimento de outras associações em empreendimentos que passam a

ver na música independente a oportunidade de construção de um mercado médio,

através do qual, pela forma organizacional em rede e do usufruto das tecnologias da

comunicação, passa a desencadear uma dinâmica própria onde valores relacionados a

uma sustentabilidade alternativa e consciente do processo produtivo e autônomo possam

ser definitivamente colocados em exercício75

.

No entanto, Pablo também salienta sobre as dificuldades encontradas pelo grupo

dentro desse processo de solidificação de ideais e atividades. Entre elas estão fatores

como a falta de dinheiro para investir nas produções, falta de entendimento das pessoas

que gostariam de fazer parte do movimento e entre aquelas que já faziam. Por outro

lado, Pablo nos aponta o fato de que não só o pilar da circulação como também da

produção encontrou em Cuiabá um terreno fértil para solidificar-se.

O acúmulo histórico, em sua opinião, foi o fator essencial para o

desenvolvimento e ampliação da ideia. Seus atores, compartilhando do imaginário

advindo do processo histórico de construção de sua sociedade, encontravam-se

empenhados na solidificação de uma identidade cultural que realmente representasse a

arte que estavam produzindo, uma vez que, acontecendo entre os jovens, já não

encontrava movimentos e articulações produtivas e políticas que pudessem suprir ideais

como até então era feito pelo movimento estudantil.

Muito do anseio em mostrar sua atuação cultural para além das manifestações

nativas nos ajuda a compreender a proatividade desses agentes em encabeçar uma

organização produtiva legítima e profissionalizante, que se fez sentir em meio ao

cenário nacional. A música independente, nesse contexto, colabora para a construção e

organização de todo esse panorama, uma vez que sua própria premissa é a opção

cultural alternativa e descentralizada, capaz de revelar um trabalho diferenciado daquele

que protagoniza os incentivos dentro do mercado cultural formal.

75 A ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes) e a SIM (Sociedade Independente da

Música) podem ser consideradas grandes exemplos do poder e funcionalidade da associação que passa a

ser exaltado dentro da construção da cena musical em nosso país. Tanto uma quanto a outra nos deixa

claro a idéia de manter os interesses do campo da produção musical independente associados a fim de

incorporar uma maior legitimidade e peso na proposição das demandas a serem atendidas.

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Dessa maneira, além do Espaço Cubo, constroi-se dentro da cidade outras

propostas que passam a compor a cena da produção artística independente local,

iniciando nessa medida, um diálogo colaborativo e associados ao das práticas de

interação cultural e troca de tecnologia social que já vinham sendo vislumbradas pelos

agentes relacionados ao Espaço Cubo76

. Dessa maneira, o que até então era apenas um

estúdio para o ensaio das bandas, passa a funcionar também como um núcleo para a

produção de eventos das bandas que lá ensaiavam, além de um núcleo de comunicação

e circulação para as produções que lá eram desenvolvidas.

É interessante notarmos que nesse primeiro momento é feita uma conexão entre

os artistas locais, desenvolvendo posteriormente sua influência sobre as demais

produções nacionais. Assim, várias iniciativas, que vão surgindo pelo fato de

observarem a projeção que o Espaço Cubo, bandas e produtores adeptos da máxima

“artista igual pedreiro”, ou seja, da aproximação do artista em relação à produção e

gestão desse produto cultural, contribuem para a expansão da rede de informações e

circulações dentro da cidade, criando assim mais oportunidades de conexões produtivas

e de troca de experiências com outras localidades e vertentes artísticas e comunicativas

de maneira geral.

Dentro dessas afirmações deve-se levar em conta que tais situações fazem parte

de um processo pelo qual passa toda a música independente após a expansão da

acessibilidade tecnológica e informativa. Esse processo passa a levar a música

independente como um produto cultural que, no entanto, no caso do CFE, trabalha sob

outras formas que não a do mercado institucionalizado. No entanto, cada local carrega

as particularidades de seu contexto. Mas de maneira geral, podemos observar que a

comunicação em rede que passa a se estabelecer entre essas diferentes localidades pode

ser compreendida como algo relacionado ao que vinha acontecendo em âmbito global77

.

Artistas e produtores culturais de maneira geral passam então a desenvolver essa

rede de informações e troca de serviços não através da moeda formal circulante, mas

através da valoração do seu serviço para a construção e sustento daquela cadeia de

produção. Essas trocas, que posteriormente se transformam em Cards e que passam a

circular por todo o Circuito, são as principais responsáveis pelo sustento das

plataformas de produção e circulação dos produtos e dos próprios serviços dentro da

76 Essas iniciativas são: Volume Coletivo – Voluntários da Música, Hell City Blog, Padam Moda entre

outras. 77 CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 07-10.

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rede. Aqui podemos citar o Festival Calango como exemplo. Vitrine e topo da cadeia

produtiva, este se coloca como orientação do funcionamento das produções

independentes locais.

Para Pablo, o protagonismo do Espaço Cubo dentro de todo esse processo se

deve à facilidade de tradução dos novos desafios que estavam sendo impostos pela nova

dinâmica da produção e circulação cultural em nossa época. Tratou-se, portanto, de um

processo de pesquisa e percepção dos ambientes associativos que estavam culminando

em diversas regiões brasileiras. O que o Espaço Cubo garantiu foi a capacidade de

catalização desses novos paradigmas e a transformação deles em técnicas viáveis para a

produção e circulação de artistas e produtores independentes e dotados de uma

capacidade que lhes conferiu o poder de visualização dessas novas dinâmicas.

Assim, produtores e artistas voltam suas atividades para a concretização de um

caso que contribui para o aumento da visibilidade de todos aqueles que estão envolvidos

no processo de produção. Como um laboratório, é durante o Festival que são expostas

todas as práticas produtivas desencadeadas durante o ano. Como vemos agora e

veremos também nas outras cidades em questão, a cadeia produtiva que vai sendo

formada a partir desses atores e células associativas que passam a movimentar o

processo se fundamenta em uma espécie de retroalimentação78

baseada no

compartilhamento de valores e objetivos, mesmo que estes últimos ainda guardem

orientações individuais.

É sob essa nova dinâmica, teoricamente embasada pelos princípios da economia

solidária, que se constrói o plano de produção e circulação do CFE. Desenvolveremos

uma reflexão a respeito do atrelamento das dinâmicas do Circuito aos conceitos de

Economia Solidária e Economia Criativa mais adiante.

No entanto, uma observação é pertinente de ser feita não só no que diz respeito à

Cuiabá, mas em relação à construção das redes colaborativas dentro da cultural em

todos os lugares que se desenvolvem. Tal observação deve recair em relação aos

indivíduos constituintes dessa rede. Nesse sentido, como já foi ressaltado antes,

compreender suas capacidades diante das oportunidades que lhe são dadas de maneira

diferenciada nos ajuda a tirarmos diagnósticos a respeito de sua participação eficiente

em relação a defesa de sues interesses, no caso, artísticos, mas não menos importantes

78 O que o circuito produz é o que ele vai consumir. Essa é a dinâmica que daria sustento a cadeia como

um todo. Esta retroalimentação instaura um tipo de organização onde o que é produzido pelas forças e

capacidades individuais é consumido pelos mesmos dentro do sistema de trocas. Assim, para fazer parte

dessas trocas torna-se necessário partilhar dos mesmos princípios adotados coletivamente.

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se considerarmos pelo ponto de vista da representação autônoma dos homens dentro da

sociedade civil em que vivem. A partir dos estudos empíricos que desempenhamos

dentro do CFE, das observações em campo e das entrevistas com artistas e com Pablo,

podemos levantar alguns pontos que poderão fazer parte constituinte de nossas

conclusões finais.

Pablo nos ajudou na análise de alguns desses pontos, levantados e resignificados

pelo CFE. O primeiro deles foi sobre a opinião partilhada a respeito da Arte dentro do

circuito. Para o produtor, a arte é apenas uma manifestação simbólica, ou seja, a

extensão do pensamento de alguém e nesse mesmo sentido, o artista é apenas um

cidadão específico que passou a aglutinar simbologias que para Pablo não são

pertinentes dentro da consolidação do CFE, uma vez que para este a arte é

compreendida como algo superior ao artista. Paralelamente, Pablo observa que o

produtor poderia ser considerado como o resultado da inteligência coletiva envolvida,

ou seja, a pessoa que executa tecnicamente todas essas articulações propostas.

A respeito do recurso e incentivo público, Pablo salienta a importância e a

necessidade de organização para garantir um diálogo “menos difícil” junto ao poder

público e suas políticas públicas voltadas para a cultura. Para ele, a organização do

movimento se reflete como ação política efetiva a partir do momento em que esta

garante a seus integrantes a possibilidade de apoderarem-se e transformarem-se em

protagonistas através de seus próprios interesses e articulação destes dentro do contexto

em que vivem. Da mesma maneira, afirma que o público em grande medida são os

agentes envolvidos na produção musical e da arte independente atual. Tal público, que é

também consumidor, no entanto, não é tido como propósito final, mas sim como meio

para a edificação do CFE.

O movimento da música independente que se constroi dentro da cidade guarda a

característica principal que pode ser encontrada na maioria dos movimentos que se

manifestaram concretamente em relação aos padrões industrializados da cultura. Dessa

forma, os atores envolvidos em torno dessa movimentação cultural independente são em

grande parte sujeitos cuja origem é a classe burguesa, ou seja, dotada de melhores

condições materiais, o que acaba influenciando diretamente na formatação de suas

liberdades políticas dando ampla margem para a construção efetiva desse ambiente

cooperativo particular79

. No entanto, como já pudemos constatar em observações já

79 Ao dizer ‘particular’, a ideia não é referir ao privado, e sim a uma característica própria.

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desenvolvidas por DIAS (2000), tal característica não é um diferencial, mas sim uma

forma de padrão que se concentra dentro dessas ações.

Uma característica peculiar que pode ser imersa neste contexto é a grande

quantidade de adolescentes (idade média de 16 e 17 anos) envolvidos no processo tanto

produtor quanto consumidor da música e dos eventos independentes de Cuiabá. Isso é

uma variável importante que coloca o Espaço Cubo e a movimentação da música

independente de Cuiabá como a principal célula constituinte do CFE. O fato de cair sob

o gosto dos jovens não é novidade mediante o fato de que esta é uma característica

marcante dentro do movimento da música independente. No entanto, podemos

relacionar essa juventude a partir da construção do imaginário que já foi ressaltado

anteriormente.

Dentro dessa perspectiva, esses atores se consideram muito mais responsáveis e

sensíveis ao processo de reconhecimento da sua atuação no meio em que vivem. É

possível notar claramente um senso de responsabilidade e pertencimento que costuram a

integração desses jovens em torno do coletivo. No tempo em campo, pôde-se observar

que se trata de uma ideologia verdadeiramente partilhada e colocada em prática por

esses atores. É interessante notarmos nesse ponto que o compartilhamento e o

posicionamento prático e eficiente por parte dos indivíduos em meio ao coletivo fazem

parte das prerrogativas que aumentam ou diminuem o grau de participação e ocupação

de espaço e benéficies dentro da rede. Para exemplificar melhor essa questão:

O objetivo é mostrar que a análise de uma díade (interação entre duas

pessoas) só tem sentido em relação ao conjunto das outras díades da rede,

porque a posição estrutural tem necessariamente um efeito sob sua forma,

seu conteúdo e sua função. Portanto, a função de uma relação depende da

posição estrutural dos elos, e o mesmo ocorre com o status e o papel de um

ator. Uma rede não se reduz a uma simples soma de relações, e a sua forma

exerce uma influência sobre cada relação. (DEGENNE & FORCE, 1994: 7-12).

O Espaço Cubo construiu em torno de si um local que em relação às outras ações

coletivas interligadas ao CFE demonstra um maior grau de empenho e conexão por

parte dos agentes. Um fato que pode nos ajudar a exemplificar isso é a rede que se

desenvolveu através das trocas de Cubo Card. O card conseguiu em Cuiabá o que não

consegue até hoje em nenhuma outra cidade. As trocas realizadas em outras localidades

são por vezes incipientes. Já na capital mato-grossense, o Cubo Card demonstra uma

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conquista de espaço e representação de suas ações em meio à sociedade, uma vez que

representam práticas de produção e comunicação artística de maneira bem sucedida80

.

O processo coletivo que se desenvolve em Cuiabá também demonstra uma maior

absorção das orientações colaborativas e conceito de disciplina que embasam a Carta de

Princípios81

, construída conjuntamente entre os coletivos de todo o país durante o II

Congresso Fora do Eixo que aconteceu no mês de setembro de 2009, em Rio Branco,

capital acreana. É importante compreendermos que todos os preceitos presentes dentro

da carta de princípios são efetivamente colocados em prática em Cuiabá uma vez que

orientações e objetivos reafirmam a posição da iniciativa cuiabana na rede. Nesse

sentido podemos comprovar que nessa cidade encontram-se particularidades que são

internalizadas pelos seus indivíduos e que acabam por ser refletidas em suas

organizações dentro da dimensão social.

A boa experiência cuiabana fez com que os atores principais da construção do

movimento neste local se sentissem estimulados em divulgar e implantar a mesma

dinâmica em outras localidades. Para isso, foram feitas oficinas e debates itinerantes

cujos temas se referiam à organização e à produção da música independente de cada

local. Durante essas visitas e reuniões nas quais são convidados os agentes envolvidos

com a produção cultural da cidade, desenvolve-se uma tentativa de introjetar as

perspectivas e mecanismos usados pelo coletivo cuiabano dentro dessas outras

localidades, como se a transferência dessa tecnologia fosse o primeiro passo concreto

rumo à integração dos coletivos em âmbito nacional.

Não estamos querendo dizer aqui que o CFE foi construído pelos cuiabanos.

Antes disso, nossas especificações recaem sobre o núcleo de produção e gestão coletiva

que é construído em torno da produção musical independente da cidade e nesse ponto

evidenciar suas peculiaridades. São estas últimas que nos dão possibilidade de

direcionarmos nossas observações sobre um maior ou menor nível de participação

desses atores de acordo com suas condições. Basta a nós, por agora, compreendermos o

fato de que o sucesso da experiência cuiabana se dá em consequência das condições e

atores que a localidade aglomera. Tais condições são em certa medida responsáveis pelo

desencadeamento de oportunidades que são garantidas em cada local.

80 Lista de serviços trocados por Cubo Card. Disponível em: http://cubocardapio.blogspot.com. 81 A Carta pode ser encontrada em: http://foradoeixo.org.br/institucional/carta-de-principio-do-circuito-

fora-do-eixo-2009.

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Apesar de ser uma organização que desconsidera a hierarquia na sua construção,

há uma relevância referente à afirmação de posições importantes mediante a ocupação

de espaço através da atuação efetivamente produtiva e consciente de sua

responsabilidade e disciplina dentro do Circuito. Dessa forma, como relato histórico,

deixamos claro aqui que o Espaço Cubo, assim como toda a movimentação coletiva que

se construiu dentro da cultura independente cuiabana, garantiu seu espaço como mentor

do movimento uma vez que garantia em si as condições de sustento das práticas e do

material necessário para uma articulação eficiente dentro do campo da música

independente. No entanto, a construção ideal do que seria o CFE foi realizada entre os

produtores de outras regiões82

.

Em linhas gerais, podemos compreender que várias condições propiciam o

desenvolvimento da cidade de Cuiabá como o principal centro produtivo e organizatório

da música independente em nosso país. Todas as inquietudes sociais, econômicas e

políticas viram na tecnologia de comunicação a possibilidade de ampliar seu grau de

participação referente à produção e consumo cultural brasileiro. A internet e as

ferramentas de comunicação aumentaram a acessibilidade à cultura da população de

maneira geral e em grande medida proporciona o desenvolvimento de práticas que se

dão através de associações83

.

Dessa forma, devemos salientar o fato de que as transformações ocorridas nessas

dimensões conduziram a efetivação de ações culturais em todo país, mas encontrou no

caso cuiabano uma interação entre contexto e sujeito que proporciona terreno fértil para

ampliação da cadeia produtiva e sua consequente representação diante das outras

localidades e suas produções.

5.2. FLORESTA E MODERNIDADE: COMPONENTES DA IDENTIDADE

CULTURAL EM RIO BRANCO (AC)

Semelhante é a história de distanciamento e exploração pela qual passou o

estado do Acre. Apesar de nossa pesquisa ser focada apenas para a cidade de Rio

82 Cito aqui o nome de alguns deles e seus respectivos grupos/coletivos e região: Talles Lopes (Coletivo

Goma, Uberlândia – MG); Marcelo (Festival Demosul, Londrina – PR), Fabrício Nobre (Festival

Bananada, Goiânia – GO), Daniel Zen (Coletivo Catraia, Rio Branco – AC) 83 CASTELLS, M. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, negócios e a sociedade. Rio de

Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003. p. 07-10.

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Branco, a história da capital não se diferencia em alguns aspectos se relacionarmos com

outras regiões do estado.

Rio Branco também foi uma capital que apresentou um grande fluxo migratório,

no entanto, neste contexto, o aumento populacional foi resultado da cultura extrativista

dos seringais. Dessa maneira, com a injeção de capital estrangeiro na região,

principalmente na transição do século XIX para o XX, atraiu um grande contingente de

mão de obra, principalmente advinda da região nordeste que passava nessa época por

uma grande decadência produtiva84

.

Apesar de todo crescimento em torno na extração do látex, o governo nacional

não garantia assistência a essa população, seja ela em relação à alimentação, a saúde ou

a novos conhecimentos e benfeitorias técnicas no local. Junta-se a essa condição o fato

de que as pessoas que migravam para a região não iam interessadas na produção de

culturas de subsistência e sim nas práticas de extração de látex, que por vezes

possibilitava a esses aventureiros conquistarem fortunas ao aliar esse espírito aos

trâmites burocráticos que se desenvolviam na região nesse período.

Dessa forma, a reprodução do capitalismo monopolista da região atraiu um

grande fluxo populacional, no entanto, tratava-se de uma população que já trazia em sua

bagagem o abalo sofrido em decorrência da decadência da produção açucareira no

nordeste. Essa população que já havia sido renegada pelo processo produtivo de sua

terra natal, é escoada para o centro da Amazônia, em condições extremamente precárias,

seja com objetivo de fazer fortuna ou apenas de garantir melhores condições em relação

às que já haviam experimentado. Muitos autores que se referem à história do processo

de construção da sociedade acreana ressalta a construção das relações sociais entre essa

população de expatriados. No entanto, o que devemos tirar desse fato articula-se com a

percepção da sociedade nos dias de hoje.

A princípio, podemos observar que a estruturação das fronteiras sociais que

aconteceram no local são consequências objetivas causadas pelas transformações que

estavam acontecendo dentro das relações produtivas85

em todo Brasil. O que torna

interessante observarmos e colocarmos em questão diz respeito à contribuição que o

processo de marginalização imbricou na formação de uma identidade local. Tal

84 CARDOSO, F. H e MULLER. G. Amazônia: Expansão do Capitalismo. São Paulo, Brasiliense, 1977. 85 Uma vez que nesse período, no início do século XX, as relações de trabalho estavam passando da mera

relação de produção (de exploração?) para uma produção assalariada.

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identidade local passa por variadas condições de formação, uma vez que o estado sofre

inúmeras variações demográficas devido ao declínio da produção da borracha.

Em linhas gerais, podemos observar que a estruturação de uma característica

social, política e cultural local dessa população deve-se muito como consequência de

todo o processo extrativista e interdependente existente entre o capital industrial e

estrangeiro, às casas aviadoras, os seringalistas e os seringueiros. No entanto, é fato

relevante que a população trabalhadora, os seringueiros, não participava do lucro86

captado dentro da sociedade.

Todas essas observações nos ajudam a compreender como o processo de

construção da cidade de Rio Branco, de formação e organização de sua população

refletem sobre a formação das características e percepção a respeito da dimensão

cultural desse povo. O que podemos ver entre os indivíduos de Rio Branco é que estes

transparecem uma identidade que vai além do seu pertencimento cultural ou histórico.

Trata-se de uma identidade que além de diferenciar, afirma o estado entre as demais

regiões do país.

Podemos ser levados a pensar sobre o fato de que por ser uma região que se

encontrou isolada, explorada e esquecida por muito tempo, compôs um imaginário

proporcionado pela própria reificação dessas fronteiras. Este imaginário desencadeou

processos de interação e compartilhamento cultural entre indivíduos oriundos de várias

localidades, por muitas vezes marginalizados, que passaram a afirmar uma identidade

acima da nacional, uma identidade acreana. Nesse acaso, não se trata de uma tentativa

de enquadramento aos quesitos impostos pelo desenvolvimento da vida moderna, mas

antes disso, tal construção pode ser considerada como uma tentativa de sobrevivência

autônoma em meio a uma sociedade nacional que pouco interagia.

Assim, é interessante fazermos um paralelo com as construções teóricas e o que

podemos ver em prática dentre essa população. Nesse ponto podemos nos arriscar a

concluir que o processo de afirmação cultural dessa sociedade não se deu como resposta

a um plano de sociedade moderna e progressista, mas sim em contraposição a um

esquecimento histórico e produtivo que deu a esses indivíduos uma dinâmica própria de

encaminhar e construir o imaginário dentro da sociedade local. Dessa maneira, antes de

objetivarem uma conclusão em relação a um projeto nacional de identidade e

86 CARDOSO, F. H. & MULLER. G. Amazônia: Expansão do Capitalismo. São Paulo, Brasiliense,

1977. p. 31-32.

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desenvolvimento, decidiram por estruturar uma identidade local, a qual eles pudessem

se sentir parte.

5.2.1 A MÚSICA INDEPENDENTE EM RIO BRANCO (AC) E SUAS

AFINIDADES COM A AFIRMAÇÃO AUTÔNOMA DO INDIVÍDUO EM

SOCIEDADE

Ao analisarmos a cultura, mais especificamente, a música independente que é

feita em um local como este, deve-se ter em mente que se trata de um espaço isolado

por diversas variáveis. Ou seja, antes da música independente acreana não ser o tipo de

música demandada, seja pela população local ou nacional, as próprias condições básicas

para a construção de uma cena musical independente passava por situações adversas as

que eram colocadas em regiões de mais fácil acesso ao centro econômico do país. Tal

observação é muito importante, tanto para compreendermos a origem dessa identidade

tão particular quanto para salientarmos o grau de influência dessa condição acerca da

produção musical independente que se tem hoje na capital do Acre. Nesse sentido,

podemos ver o quanto as criações que são feitas por lá se constroem a partir de uma

concepção cultural própria, onde não são descartados os valores da modernidade, e no

entanto são extremamente exaltados as dinâmicas cotidianas presentes na vida da

floresta.

O que pudemos observar é que existe uma grande presença dos habitantes na

construção da cidadania local, o que acaba por interferir no desenvolvimento da

sociedade política dessa localidade. O que se pode ver mais recentemente e que foi

possível constatar através das entrevistas realizadas com agentes culturais locais, é que

os indivíduos que constituem a sociedade acreana, principalmente a instalada na capital,

tomam para si a responsabilidade de construção de uma sociedade que não mais se

conformasse ao esquecimento e atraso ao qual lhe era transferida, mas que, no entanto,

não descartasse dentro desse ímpeto de participação a parcela de organização social que

se deve ao próprio andamento da vida naquela região87

.

Durante o período de observação de campo pelo qual passamos no Acre,

acontecia concomitantemente o II Congresso Fora do Eixo. No entanto, não estenderei

observações a respeito do congresso em específico, mas levarei em consideração

87 Observações tiradas durante entrevistas e trabalho de campo realizado em setembro de 2009.

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algumas observações que fiz a partir desse contexto e sob essas condições para construir

uma resposta pertinente e de certa forma, conclusiva, que possam preencher nossas

hipóteses. Apesar de passar a maior parte do tempo no centro de convenções onde

acontecia o congresso, não faltou oportunidade de passear pelas ruas de Rio Branco e

lançar sobre elas um olhar antropológico que em grande medida nos ajuda a chegar a

uma resposta pertinente a nossa pergunta, uma vez que, para entendermos o grau de

participação que envolve os indivíduos de uma sociedade em relação a suas políticas

públicas, devemos também ter em mente significações a respeito dos valores individuais

e coletivos que são colocados em voga quando estes projetam seus interesses em meio

ao cenário social em que vivem88

.

Durante esse tempo, pôde-se perceber que, apesar das diversidades existentes

entre a população e as condições dentro das quais são colocadas, há uma característica

marcadamente compartilhada entre a maioria dos indivíduos dessa sociedade. Tal

característica é o orgulho de ser cidadão do Acre, portador de uma identidade local,

própria daquela população que há muito tempo foi esquecida. Esse sentimento de

pertencimento é perene e constantemente ressaltado por seus habitantes, seja na

arquitetura da cidade ou nas conversas em que expõem a sociabilidade local. Podemos,

portanto, dizer que essa peculiaridade se concretiza no povo e nas construções da

cidade, assim como na relação que esta última estabelece com essas duas dimensões

articuladas89

.

Não é surpresa, portanto, o fato de que essas peculiaridades acabem por influir

na administração local, e esta, em sua medida, na consciência política desse povo.

Apesar de ser uma localidade que ainda sofre com os rastros e condições solidificadas

pelo processo de produção monopolista e extrativista que se desenvolveu no local, a

população de Rio Branco guarda em si uma conscientização a respeito do grau de

participação na política local. Nesse mesmo sentido é possível perceber o quanto estes

indivíduos consideram importante essas concepções para o desenvolvimento sustentável

que respeite a natureza e a dinâmica de vida e trabalho que compartilham na região. Na

cultura, esse grau de participação não se mostrou diferente. Principalmente quando

analisamos as bandas e eventos independentes em Rio Branco, podemos ver exaltada as

88 SEN, A. Desigualdade reexaminada. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 82-86. 89 Algo que chama a atenção de quem visita a cidade é observar que a maioria de seus moradores,

principalmente os mais jovens, sabe cantar o hino do Acre. Isso pode ser um fator que indique um

sentimento de pertencimento em relação ao local que vivem.

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dimensões de pertencimento e consciência da população dentro dos conceitos artísticos

que se espalham.

5.2.3. ALGUMAS PECULIARIDADES PERTINENTES

Todas as observações relatadas até agora contribuem para que possamos voltar

definitivamente nossos olhares para a construção de uma cena musical independente

oriunda da Amazônia, uma vez que esses valores de autonomia sugeridos na própria

construção dos anseios da população são também preconizados pela atuação produtiva

da música independente.

Assim, encontramos alguns pontos pertinentes na observação das características

da participação da população em relação aos assuntos culturais e artístico nessa cidade.

A começar pelo próprio sistema de cultura de Rio Branco, que a nível municipal é

tomado como referência dentro da construção de modelos para a administração dos

assuntos culturais. Entrevistamos Alex Lima, gestor do Projeto Cultura Brasil do

SEBRAE/Acre, e dentre vários fatos interessantes ele relatou que a dimensão cultural na

cidade é tratada através de um sistema municipal no qual não existe um limite de

cadeiras para a sociedade civil90

. Tal modelo é, portanto, um amplo espaço para a

participação e esta se inicia a partir do cadastramento no sistema, o que dá ao cadastrado

o direito de representar-se diretamente com o pode público local desde que este se

mantenha ativo nas discussões.

Não seria, portanto, surpresa para nós sabermos que o antigo Secretário de

Cultura e atual Secretário da Educação de Rio Branco, Daniel Zen, é integrante de uma

das bandas mais reconhecidas dentro da cena independente nacional91

. Não

levantaremos aqui questões que dizem respeito a uma maior ou menor vantagem que se

institui em relação a tal banda dentro dessas condições. O que cabe a nós ressaltarmos é

a percepção participativa desses agentes promotores da música independente do Acre

em relação aos mecanismos que aumentam a capacidade de garantirem sua participação

frente ao contexto nacional. Seja essa uma facilidade de percepção adquirida através do

próprio imaginário formado dentro da construção histórica da região e sua população, é

um fator muito relevante constatarmos a participação de um membro do CFE que

90 Entrevista concedida durante o II Congresso Fora do Eixo em Rio Branco (AC) 91 Daniel Zen é baixista da banda acriana Filomedusa e já esteve sob o comando da Secretaria de Cultura

de Rio Branco, AC.

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compartilha de seus valores diretamente aos processos administrativos da cultura do

Estado. Isso não só comprova a participação ativa dos músicos independentes da região

no que diz respeito a exaltação de seus interesses em meio a sociedade, como de

maneira geral, demonstra o próprio pertencimento desses indivíduos na construção

política da onde vivem.

Outros exemplos demonstram a exaltação de percepções e cotidiano

compartilhado localmente e que são transpostos através da atuação cultural e música

independente que é produzida em Rio branco. As bandas levam nas letras de suas

musicas e até em seu próprio nome expressões que remetem a vida na Amazônia. No

entanto, não são só as bandas que usam desse artifício de exaltação. O principal festival

de música independente do Acre, o festival Varadouro, também faz alusão aos

processos ambientais e produtivos pelo qual passou a cidade. Tal perspectiva demonstra

tanto a identificação desses agentes ao cotidiano que lhes é dado quanto a vontade de

levar esses novos conceitos, tão reconhecidos por eles, para o resto do país aonde se

apresentam92

.

Muito do que pudemos observar foi confirmado por Karla Martins, produtora do

Coletivo Catraia e responsável pelo principal festival de música independente do Acre,

o Festival Varadouro. É interessante que Karla, diferente dos outros produtores que

tivemos contato, vem do Teatro e não especificamente da música. Ativa nas produções

culturais da cidade ela nos revela em uma entrevista aspectos que percorrem a ideia

sobre cultura na cidade de Rio Branco. Segundo Karla, o sentimento a respeito da

importância da cultura é amplo e forte na cidade, o que acaba se refletindo tanto em

afirmação quanto flexibilidade, ambos efeitos gerados pela distância sofrida pelo estado

em relação aos demais territórios de nosso país.

Um dos fatos mais interessantes relatados por Karla diz respeito à origem da

cena da música independente em Rio Branco. Segundo ela, essa origem tem total

relação com o processo de reconquista social na região, processo este que se deu

principalmente na década de 70 em um período onde grandes grupos econômicos

92 Bandas como Los Porongas, Filo Medusa e Caldo de Piaba são hoje referências da música

independente em âmbito nacional e servem objetivamente de exemplo para o que foi afirmado acima. O

termo “poronga” refere-se a um tipo de lamparina usado pelos seringueiros para desbravar as matas

durante a noite. O termo Varadouro, no mesmo sentido, corresponde a um caminho aberto entre a mata,

principalmente entre os rios, para evitar acidentes de curso. Já Filomedusa é o nome de uma espécie de

sapo originário da Floresta Amazônica, a Phyllomedusa bicolor, cuja secreção cutânea é ingerida ou

injetada para fins medicinais previstos dentro da cultura indígena. Caldo de Piaba, por sua vez, é um

nome de um caldo feito por especiarias do norte e tem desde efeitos afrodisíacos até de cura de mal-estar

ocasionado pela grande ingestão de bebida alcoólica.

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deixavam claro seus interesses de domínio sobre a região Amazônica. Em contraposição

a tal tendência de dominação que cada vez mais provocava cinturões de pobreza na

região e notório o fortalecimento das camadas sociais que iam contra essa postura.

Dentro dessas parcelas de oposição encontravam-se também as manifestações dos

artistas, fato que ajudou muito o fortalecimento de todo movimento e pode ser

considerado como primeiro momento em que a cultura na região vai de encontro às

alternativas contrárias ao panorama sócio-econômico que lhe era imposta na época.

No entanto, a produtora cultural salienta que nos anos seguintes, principalmente

na década de 90, ocorreu uma forte desarticulação da produção artística, principalmente

da cena musical, e isso devido às restrições impostas pela grande indústria cultural e

pelas majors que teve nesse período e que buscava centralizar as produções e incentivos

no eixo Rio-São Paulo. Como estado fora da rota do mercado da música, as produções

musicais acrianas sofreram com a estratégia industrial.

A partir dos anos 2000 esse cenário começa a mudar. Os artistas acrianos

voltaram a se sentir estimulados pela visibilidade que as novas tecnologias de gravação

e informação passaram a propiciar, e agora conscientes da necessidade de circulação e

divulgação de seus trabalhos. É dessa necessidade que surge o movimento Catraia. O

nome faz alusão às pequenas embarcações que cortam os rios de uma margem a outra e

também. A embarcação foi o lugar escolhido para ser realizado o primeiro show

flutuante, organizado pelos integrantes do movimento. Para essa ocasião foi elaborado e

lido o manifesto que deixava claro seus ideais culturais e também os interesses dos

artistas em ampliarem seu nível de participação e representação dentro do mercado e

diante da sociedade civil e poder público local.

O Coletivo Catraia surge antes do início das conversas desses artistas com o

CFE e inicialmente tinha seu foco mais voltado para a produção local. Nasceu da

simples manifestação de jovens artistas que buscavam por um lugar para se

apresentarem e hoje em dia, assim como os demais coletivos que fazem parte do CFE,

desenvolve no local vários eventos e atividades voltadas para a circulação e

profissionalização da música independente local. Essas articulações começam a ser

efetivadas através de parcerias instituídas com iniciativas públicas e privadas da região.

Apesar de não ser a cidade onde o movimento surge, a importância da região, tanto

referente à localização quanto a produção musical que estava sendo desenvolvida na

cidade desde o início dos anos 90, é crucial para entendermos sua funcionalidade dentro

do panorama que visa concretizar os ideais promovidos pela música e os artistas

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independentes envolvidos em um circuito onde a produção e circulação se baseiam pela

trocas de bens materiais e imateriais. O que nos é interessante, portanto, é observar

como toda essa situação que se engendra em torno da música produzida no Acre e

dentro da música independente circulada centro do CFE, transforma Rio Branco e o

coletivo Catraia como um dos principais pontos que exemplificam efetivamente a

música independente descentralizada, porém muito produtiva e representada. Hoje, o

Catraia conta com agentes de variadas faixas etárias, contando em seu núcleo durável

com 4 pessoas. Karla também nos conta sobre as dificuldades de integração que

existiam inicialmente e a principal delas estava relacionada ao desafio de transformar o

movimento em uma plataforma de subsistência. Em meio a esse processo, a produtora

salienta o fato de que muitos dos participantes tinham dificuldades em entender o que

tudo isso significava. Por isso, em sequência, ela observa que existem condições

decisivas para que os agentes culturais se mantivessem integrados no trabalho coletivo

dentre elas, a ideologia, a crença e a visualização acerca das necessidades que eles

quanto artistas estão colocados, são determinantes.

Na opinião de Karla, a sensibilidade do CFE está do fato de que este busca

pensar sempre o artista inserido através de suas produções e articulações, no entanto

algumas conquistas ainda precisam ser alcançadas. Uma delas é justamente o

desenvolvimento da simbiose que se faz cada vez mais necessária entre a os conceitos

de Economia Solidária e as atividades do Mercado Médio formado pelas plataformas de

artistas e produtores culturais como o CFE. A partir dessa maior organicidade com

questões alavancadas pela economia solidária o CFE não só garante a legitimidade do

seu discurso como também dá base sólida para a construção de uma perspectiva de

autonomia estruturada através da ampliação do conceito de indivíduo dentro da rede.

Essa percepção mais ampla também é fundamental na opinião de Karla, pois ela resgata

e salienta através das dinâmicas da Economia Solidária orientações a respeito de nossa

própria sustentabilidade como ser humano inserido no mundo em que vive.

É sob essa dinâmica e trazendo a tona essa discussão em torno da produção

independente que o coletivo realiza na cidade o Festival Varadouro que é hoje uma das

principais vitrines da música independente atual, não só pelo local onde se encontra,

mas pela representatividade que lhe foi conferida mediante ao trabalho realizado dentro

do CFE e em relação à circulação da música independente local. A criação e a

realização do Festival Varadouro então pode ser considerado um marco que passa a ser

incentivado por iniciativas e chancelas de âmbito nacional, como no caso a Petrobrás.

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Assim, o Festival passa a ser a mola propulsora que dá base as perspectivas de

circulação, no entanto, como observou Karla durante a conversa, o Festival por si só é

capaz de sustentar o circuito, pois a intermitência de um evento como este não permite.

Dessa forma, a importância da música independente da região e do coletivo se dá

principalmente devido à contribuição que uma iniciativa cultural descentralizada

confere a toda estruturação de uma legitimidade consistente do movimento em relação à

grande indústria cultural formalizada. Dessa forma, a construção do coletivo se dá

através de agentes culturais focados tanto na produção quanto na criação, como no caso

das bandas. Assim, o movimento em torno da música independente passa a ser

introduzido na região através das visitas feitas à região norte pelos principais produtores

do CFE. A partir do compartilhamento de interesses e a formação de parcerias com

agentes, produtores e artistas que já vinham construindo uma cena musical alternativa

na cidade que passa a ser colocado em prática as dinâmicas desenvolvidas dentro dos

coletivos do CFE.

Diferente de Cuiabá e Uberlândia, o coletivo de Rio Branco tem sua moeda, no

entanto ela ainda não está em circulação, pois não foi até então cunhada. Nesse sentido,

durante a entrevista, Karla observa que hoje os principais artifícios de incentivo e

difusão se dão através da injeção tanto de dinheiro público quanto de dinheiro privado,

no entanto, são principalmente as Leis de Incentivo à Cultura que fomentam a cena

local e permitem a difusão de festivais, eventos e atividades que agregam pessoas em

torno da produção musical independente. Por outro lado, Karla salienta a complexidade

burocrática que existe em relação às políticas públicas culturais, complexidade esta que

exige dos artistas cada vez mais organicidade. Por isso, para ela, as políticas que propõe

a inserção do cidadão são exemplos de políticas públicas que vão de encontro com as

necessidades e perspectivas do circuito como um todo. Quanto ao incentivo da esfera

privada, é notório que este precisa de um estímulo do próprio poder público para que se

concretize, uma vez que esta dimensão está totalmente relacionada à lógica de mercado.

No entanto, para que cada vez mais sejam garantidas as articulações sustentáveis do

próprio coletivo há sempre a necessidade de que se ocupem as políticas oferecidas pelo

poder público, porém sem deixar de lado a possibilidade de diálogo e interação com as

iniciativas e incentivo direto do setor privado. Assim, mais do que a vitrine do Festival

Varadouro, a cena musical independente do Acre precisaria de ações mais constantes,

articuladoras, onde a sociedade possa participar e ver nessas ocasiões um local de

encontro acessível para a solidificação da dimensão social, política e cultural.

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A produção artística exemplar das bandas que passam a constituir na região logo

ganha a atenção do público consumidor e produtor dos festivais independentes por todo

o Brasil. Tal situação aumenta a representatividade e importância desses novos artistas

dentro da cadeia alternativa da produção musical. Essa importância é tão latente e o

significado da obra das bandas que eram oriundas dessas regiões marginalizadas tornou-

se importante tanto dentro do contexto local quanto do nacional. Nessa medida, o

sucesso das canções e conquista do interesse da mídia especializada em relação ao que

se passava no norte do país em termos musicais, serviu de grande estímulo não só para a

afirmação da produção musical descentralizada, mas para a afirmação de interesses

daquela parcela de artistas dentro da cidade e das condições em que viviam. Esse

panorama pode nos ajudar a compreender um fato considerado como peculiar dentro

desse processo de solidificação da cena musical independente acriana. Uma das bandas

constituintes da cena local muda-se para São Paulo e tal posição é entendida pelos

demais membros do CFE como um fator que poderia ocasionar entraves e

desarticulação na circulação da produção musical acriana como um todo, uma vez que a

banda que seguia para São Paulo era amplamente conhecida em Rio Branco e estava

sendo considerada um dos principais destaques da cena musical independente do Brasil

em nossos dias.

Uma vez considerando objetivamente a importância da participação do artista no

processo de produção de seu trabalho e (por isso a máxima “artista igual pedreiro”)

salientando esta como o principal fim para a transformação dos paradigmas de produção

e consumo tais como conhecemos hoje para um sistema mais democrático e sustentável

é importante observarmos a parcela de descarte que é conferida a produção da arte em

si. Na opinião de Karla o termo “artista igual pedreiro” tem várias leituras dentro do

CFE. No entanto, ela ressalta que sua essência fundamental remete a um artista que vive

em organicidade com sua sociedade e assim torna-se protagonista da sua própria

produção. Para Karla, a coletividade desenvolvida no próprio trabalho do circuito já é

por si só a criadora da autonomia e a afinidade expandida pelas tecnologias e redes

virtuais criam uma acessibilidade à rede por todos aqueles que se interessam em fazer

parte dela. Para ela, a Cultura está acima do fazer artístico. Dessa maneira, acima da

projeção artística estaria a necessidade de incorporação e reprodução das práticas de

autogestão como se essas por si fossem o motor e o fim a ser alcançado. O processo de

desenvolvimento de todo CFE torna-se eficiente e amplamente visualizado a partir do

momento em que a sustentabilidade passa a estar ligada a toda percepção de existência

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do indivíduo de maneira que este consiga perceber este panorama como um processo

horizontal, onde o poder de argumentação e interação pode ser visualizado. Nesse ponto

passa a ser claro que o CFE não se volta apenas só para a cadeia produtiva da música,

mas também passa a abarcar novas dimensões do plano cultural e político, agregando

assim várias dimensões da sociedade que compartilham de seus ideais. No entanto,

esses impasses, apesar das turbulências sugestionadas em meio ao processo, não

construíram um cenário sólido e inóspito no que diz respeito à liberdade criativa e de

circulação desses artistas como de tantos outros, mesmo porque, em pouco tempo após a

abertura dessa tendência de começar a investir na articulação da música independente

nos grandes centros como São Paulo, muitos foram os artistas e produtores que

migraram para o local. Observando essa tendência e atento a essas condições, o CFE vai

para São Paulo e lá instala a Agência Fora do Eixo.

Na opinião de Karla, as atividades desenvolvidas hoje pelo CFE fazem parte de

uma revolução bem maior, contextualizada a partir da necessidade de refletirmos sobre

a ordem em que vivemos e sugerir um novo paradigma mais humanamente sustentável.

As armas nessa revolução, segundo a produtora, são outras e baseiam-se na capacitação,

informação e articulação do indivíduo na rede de maneira orgânica.

Dentre as três cidades nas quais empreendemos a pesquisa, podemos dizer que

em Rio Branco há uma maior interação entre os habitantes e aquilo que acontece com a

vida política e pública da cidade. Do ponto de vista antropológico que fazemos uso para

destacarmos algumas observações, pudemos observar que as fronteiras entre os

indivíduos não estão engessadas e é justamente nessa troca diversa que foi construída a

cidade de Rio Branco. Dessa maneira, seus habitantes carregam consigo uma identidade

afirmativa, o que faz com que esses indivíduos sintam-se sempre a vontade em falar

sobre sua terra e exaltar suas virtudes. Dessa maneira, pudemos constatar que devido a

todas essas particularidades locais referentes ao contexto e à construção histórica da

região, os cidadãos do Acre foram capazes de garantir não só a integração, mas a

presença e participação dos seus habitantes no que diz respeito a vida em sociedade

dentro do seu próprio meio e em relação ao resto do Brasil.

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5.3. UBERLÂNDIA (MG): INFLUÊNCIAS E CONDIÇÕES DA CONSTRUÇÃO

CULTURAL

Continuando com nossa metodologia, para falarmos sobre a formação cultural da

cidade de Uberlândia, resgataremos também alguns fatos que nos ajudam a fazer

considerações relativas à construção da identidade cultural local. Por isso, aqui também

salientamos alguns componentes históricos que contribuirão para analisarmos os

conflitos e articulações que se dão corpo no contexto da cultura na cidade mineira.

Assim como as outras cidades que já observamos, Uberlândia também guarda

em seu histórico um painel onde podemos evidenciar a grande participação do capital

voltado para o setor primário, sendo recentemente o agronegócio o seu principal ramo.

Trata-se de uma cidade que tem sua origem a partir de uma comunidade de

afrodescendentes e guarda em sua história componentes diretos com a relação

escravocrata e coronelista que se fazia presente no Brasil da época. No entanto, a cidade

não desenvolveu em si o discernimento a respeito das diferenciações e desigualdades

que assolavam o panorama político e econômico não só da região, mas de todo Brasil.

Dessa forma, a grande quantidade de diferenciações e desigualdades sociais e

econômicas desencadeadas pelo processo de construção da cidade e adaptação desta ao

objetivo de modernização brasileiro, sugeriu influências sobre a consolidação da

identidade cultural local. O que cabe a nós destacarmos nesse ponto é o fato de que a

construção socioeconômica que se desenvolveu na cidade em decorrência as

transformações trazidas pelas plataformas econômicas que eram implantadas na região

nesse período onde a perspectiva de modernização se iniciava, assim como o que

podemos ver em outros lugares, passa a influenciar sobre os padrões de sociabilidade de

seus habitantes. Ressalta-se aqui a peculiaridade referente à estigmatização social que

pode ser sentida nessa época. Essa estigmatização se dá em grande parte devido ao

crescimento de uma elite que se constituiu em sua maior parte por indivíduos oriundos

de outras regiões do Brasil e que encontraram em Uberlândia a oportunidade de

desenvolver seus interesses econômicos, uma vez que a cidade encontra-se em um local

estratégico para as transações de mercado. Essa estigmatização pode se mostrar como

um dos principais componentes quando formos nos indagar, mais adiante, sobre a

difusão e acesso a cultura93

.

93 JESUS, W. F. Poder público e movimentos sociais: novos ideais, velhas práticas – 1982/2000, 2002,

Cadernos de pesquisa do CDHIS, Ano 21, nº 39. p. 31-41

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Dessa maneira, ao passo em que a elite se constrói, marginaliza toda a

construção da cultura nativa, esta por sua vez é cada vez mais afirmada seja sob a forma

espacial ou manifestante, ou seja, concentra-se em determinados bairros da cidade e

apresenta manifestações culturais particulares, como o Congado. No entanto, o aumento

da elite demanda que cada vez mais sejam privilegiadas as manifestações culturais que

retratem e incluam essa identidade cultural que está sendo formada a partir dessa gama

de cidadãos bem posicionados social e economicamente94

. Porém, a dicotomia existente

entre a legitimidade dessas manifestações culturais, sejam elas da elite ou da população

negra relacionada à origem da cidade, reflete até os dias atuais, mostrando o quão

ramificada pode ser considerada a formação da consciência a respeito da arte e cultura

na cidade.

Se olharmos para o projeto de construção da cidade, podemos perceber que este

apresenta ingredientes que relacionam os planos administrativos tanto a uma perspectiva

moderna quanto a uma conservadora. Trata-se, portanto de trazer à elite já existente os

benefícios trazidos pela modernidade e todas as informações que dela são oriundas, no

entanto, sem deixar que essa elite perca sua posição de privilégio já consagrada em

meio a sociedade local. Por isso, por mais que Uberlândia inspire um desenvolvimento

progressista através do acolhimento de pessoas advindas de várias partes do país,

representantes de outras culturas, seja a procura de trabalho ou estudo na região, ela

ainda assim reafirma as posições sociais através de uma diferenciação social que até

pouco tempo podia ser sentida nas ruas95

. No entanto, o que não passa despercebido e o

que não pode ser evitado é a diversificação de orientações e valores decorrente da

entrada de novos indivíduos ao contexto econômico e social da cidade e que acabam

influenciando sobre as formas de sociabilidade e manifestação identitária que se

engendram no local.

5.3.1 A PECULIARIDADE DOS AGENTES E O FATOR HISTÓRICO

Como já observamos, Uberlândia foi uma cidade que até meados da década de

60 foi alvo de pessoas envolvidas com as dinâmicas de mercado do setor primário. É, no

94 Pode-se comprovar esse fato quando evidencia-se na história da cidade a existência de cineclubes e

rádioclubes que voltavam seus serviços prioritariamente para as elites. 95 Em Uberlândia existiam bairros para negros, como é o caso do Bairro Patrimônio, visando deslocar a

população negra que se encontrava no centro, dando lugar para a sociedade branca e burguesa que

aumentava seu número na cidade durante esse período. Hoje, progressivamente, o Patrimônio vem se

transformando em um bairro também de elite.

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entanto, crucial destacarmos esse processo de entrada do público universitário na cadeia

produtiva social e econômica para que possamos compreender mais adiante em que

passo se deu a construção da cena musical independente na cidade e como esta passou a

influir sobre a vida política da cultural na região de Minas Gerais. A entrada do público

jovem, que vem para cidade por causa da Universidade Federal que aqui é instalada,

passa a ser perceptível apenas recentemente ao passo que essa parcela de população

flutuante começa a representar um grande núcleo consumidor para o mercado local.

O que podemos observar é que esse cenário, permeado por jovens e outras

localidades é a principal variável presente no contexto de construção da música

independente em Uberlândia, tanto pelo fato da produção, quanto do consumo cultural.

Diferente dos outros locais que já tecemos observações, a música independente

originária da cidade de Uberlândia contou com a participação fundamental de agentes

externos a cidade, que tiveram a oportunidade de se encontrarem no território da

Universidade96

. Dessa forma, originários de várias regiões do Brasil, esses artistas que

passam a se encontrar dentro do ambiente universitário passa a dar cara a cena da

música independente na cidade. As primeiras bandas que surgem em Uberlândia são

bandas formadas por alunos de variados cursos (Artes Plásticas, Artes Cênicas, Ciências

Sociais, Música, Letras, etc.) e por isso passam a executar suas apresentações na própria

Universidade. Quem nos ajuda nessas observações é Talles Lopes, produtor cultural que

iniciou seus trabalhos em Uberlândia e atualmente é presidente da ABRAFIN

(Associação Brasileira de Festivais Independentes). É interessante observarmos que

toda essa movimentação em torno da produção musical independente era

descompromissada apesar as sua intenção artística latente. Os interesses desses jovens

em questão não era solidificar nenhum tipo de movimento, mas apenas abrir

possibilidades para manifestações musicais e artísticas dentro das condições em que

estavam inseridos.

Podemos observar claramente, diante dessas circunstâncias, o quanto a cidade e

a Universidade passaram a ser um ambiente ideal, fértil para a construção cultural

alternativa. Dessa forma, a própria diversidade oriunda da participação de indivíduos de

várias localidades do país é sentida na produção musical independente que se faz pela

cidade. Nessa perspectiva, a música independente que se faz aqui utiliza de recursos e

96 Bandas como Porcas Borboletas, Dead Smurfs, Santa Manca, que são bandas que deram início a

efervescência da música independente na cidade, continham pelo menos um integrante (quando não

todos) que não era uberlandense.

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manifestações culturais populares e tradicionais da região e os exaltam em suas

criações. Tal fato nos mostra o quanto é evidente a fluidez de concepção a respeito de

uma criação musical. Ou seja, os agentes produtores da música independente de

Uberlândia, por serem em sua grande maioria sujeitos que vêm de outras regiões do país

por razões variadas, acabam não solidificando um conceito musical que categoriza a

produção em radicalmente moderna, ou por outro lado, extremamente conservadora. O

que podemos ver é a mescla sonora, referente à produção musical dessas bandas, que

acaba constituindo como característica fundamental nas bandas que surgem em

Uberlândia. Dessa forma, as bandas vão buscar elementos tradicionais, populares,

eletrônicos e sintéticos para construírem um tipo de som particular que leva em

consideração não a tendência categorizante que orientava a construção cultural em torno

de uma elite, mas a sonoridade peculiar e alternativamente crítica que podem ser

colocadas em prática diante de um substrato tão fértil e diversificado como o de

Uberlândia97

. Assim, a característica própria que é conferida a música independente da

cidade de Uberlândia não é constituída a partir de elementos da elite ou da população

tradicionalmente marginalizada, mas sim a resignificação desses elementos por agentes

externos. No entanto, de forma alguma devemos desconsiderar a dimensão elitizada e a

popular se formos refletir a consolidação do projeto cultural que se desenvolve em torno

da música independente local.

É evidente o fato de que ao longo de seus anos de estruturação quanto sociedade,

Uberlândia passou por um processo de formatação que trouxe em si um grande traço de

heterogeneidade. Esse processo se desenvolve a partir de duas perspectivas que apesar

de parecerem antagônicas ou paradoxais, contribuiu e ainda contribui muito para as

demarcações sociais que ainda são perceptíveis no contexto uberlandense. Ou seja, a

empatia referente a heterogeneidade presente na construção da cidade nas últimas

décadas tem como principal intuito ampliar os limites do progresso sem que seja

transpostas as fronteiras dos valores e da moral tradicional que abarca o imaginário da

população economicamente e socialmente atuante. Essa diversificação é ainda mais

sentida nas duas últimas décadas.

Dessa forma, observando esse processo criativo, principalmente o musical,

pode-se constatar que essas produções ora representam ironia, ora repúdio e indiferença

97 Muitas bandas que dão início à produção da música independente em Uberlândia incorporam elementos

da música africana e indígena nas letras, nas melodias, nos tipos de instrumentos usados, no nome das

bandas e até mesmo na maneira de vestir dos integrantes.

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com as relações que se estabeleciam no local dessas construções artísticas98

. Muitas

dessas produções locais passam a fazer uso da Lei de Incentivo Municipal, quando esta

é constituída no ano de 200699

. Por conseguinte, o que é notável e passível de ser

colocado como componente na construção de respostas conclusivas para a nossa

hipótese é o fato de que a flexibilidade identitária presente na formatação da cena

musical independente de Uberlândia contribui fundamentalmente para a construção de

uma caráter musical que deu às criações uma identidade garantida pela heterogeneidade

e hibridismo da cena musical independente de Uberlândia e isso acabou influenciando

as produções culturais independentes de maneira geral.

5.3.2 FASES DE UM MESMO DESENVOLVIMENTO: MÚSICA

INDEPENDENTE EM UBERLÂNDIA E COLETIVO GOMA

Apesar de nosso foco ser para as representações envolvidas dentro da dinâmica

do Circuito Fora do Eixo (CFE) é importante que ao observarmos a cena da música

independente de Uberlândia, levemos em consideração o fato de que esta faz parte de

um processo que vem sendo construído desde meado dos anos 90. Nesse sentido,

podemos de início observar que a música independente de Uberlândia detém uma

história anterior à concretização das ações do CFE na cidade. Por tal motivo, a cena de

produção e de criação musical de Uberlândia que temos no período em que se iniciam

as primeiras atividades articuladas ao CFE na cidade já é uma cena de bandas e de

produtores que desenvolvem a um certo tempo o seu trabalho. Dessa maneira, diferente

de Cuiabá, por ter um processo de construção e origem que vem de um período anterior,

a cena da música independente da cidade é constituída por sujeitos com mais tempo de

trabalho e envolvimento na área se comparados com o núcleo cuiabano. Essa

participação e efervescência cultural independente que existia posteriormente permitiu

que tantos os artistas quanto os produtores desenvolvessem sua profissionalização

diante das novas perspectivas de circulação que começam a ser postas. Essa maior

maturidade reflete ao campo das interações culturais como uma maior orientação e

afirmação desses indivíduos quanto aos seus interesses alternativos dentro da cultura.

Dessa maneira, a construção e representação individual em meio ao coletivo passa a ser

98 Ouvir e ler os anexos com as letras das bandas: Porcas Borboletas, Dead Smurfs e Filhos da Noite 99 Decreto constituinte da Lei de Incentivo Municipal disponível em:

http://www3.uberlandia.mg.gov.br/midia/documentos/cultura/lei_9274_julho2006.pdf. Acesso em 15

ago. 2011.

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o principal viés para solidificação de interações em torno da produção cultural em um

campo permeado por diversidades. Por isso, a atividade em torno da música

independente que se elaborou até então não tinham mais do que o intuito e desejo de

manifestação artística dos autores da época em relação ao cenário diverso e indiferente

aonde viviam.

Não precisamos mais tecer aqui quais foram as principais influências e sob quais

considerações se articulou as principais manifestações envolvidas com a música

independente. No entanto, recordemos sobre elas ao observarmos o quanto esse cenário

diverso e heterogêneo por onde se constrói a música independente de Uberlândia

garante uma especificidade que é transposta para música e em grande parte é originária

de um sentimento de estranhamento entre os agentes externos que são criadores dessas

obras e o local e valores que os acolhia. Assim, as criações artísticas desenvolvidas em

torno da Universidade e sob a perspectiva da produção independente não se bastavam

apenas a vertente musical, mas abarcava variadas dimensões da produção artística. No

entanto, o que é semelhante em todas essas criações é a interação que este artista

estabelece com o contexto em que vive a partir de sua obra. O Festival Jambolada faz

referência a uma árvore de Jambolão, localizada na Universidade e que costumava a ser

ponto de encontro de músicos e demais produtores culturais e universitários da época. O

Festival chegou ao ano de 2010 a sua sexta edição. É interessante observar o quanto o

próprio festival pode ser observado como vitrine dessa busca pela diversidade nas

produções culturais empenhadas não só na cena da música independente como da arte

em si100

.

Dessa maneira, as observações acerca do Goma, que inicia os seus trabalhos em

2007, nos ressaltam algumas particularidades, assim como as existentes nas outras

cidades. Apesar de iniciar as atividades como coletivo do CFE no início de 2007, o

Goma já trazia consigo componentes e sujeitos que há tempos vinham construindo a

história da cultura independente em Uberlândia, tanto dentro da Universidade, quanto

fora dela. Assim, mesmo se constituindo como um núcleo produtivo que desenvolve

suas ações em torno de alguns eventos e de dois festivais, o coletivo Goma só foi

idealizado e colocado em prática a partir de algumas visitas feitas pelos principais

integrantes do Espaço Cubo de Cuiabá. Tal fato já mostra o potencial organizacional

100 O Festival Jambolada, em suas últimas edições diversificou os conceitos dos demais festivais de

música independente e incorporou outras vertentes artísticas a serem apresentadas. Ver os flyers em

anexo.

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que o CFE passa a colocar em prática por todo país através principalmente dos agentes

culturais do Coletivo Cubo. A organização em torno de um ideal maior, voltado para

uma organicidade dentro de padrões coletivos do movimento da música independente

na cidade só foi inaugurado e colocado em pauta a partir das ações que o Goma, como

coletivo Fora do Eixo, passa a desempenhar através das plataformas que tem em mãos.

Nesse sentido, é importante lembrarmos que tanto no processo de origem quanto o de

configuração da cena musical independente de Uberlândia, a diversidade de agentes

culturais envolvidos é grande, estejam eles articulados ao plano do CFE ou não.

Diferente da cena que encontramos nas outras regiões, o coletivo Goma é

construído concomitantemente a abertura de uma casa de shows que levava o mesmo

nome do coletivo. Dessa forma ele se concretiza em um espaço previamente

determinado, voltado para apresentações musicais, venda de roupas e adereços e

produtos das bandas101

. Além disso, o local funcionava como um bar, principalmente

nos finais de semana.

O fato de ser anexado a um lugar fixo, a uma casa de apresentações no centro de

Uberlândia, não se põe como um dos principais trechos a serem analisados na

construção da cena da música independente de Uberlândia e aqui devemos ressaltar

alguns fatos. O bar, ou a casa de show não é uma particularidade de Uberlândia, uma

vez que em Cuiabá existe a Casa Fora do Eixo onde são articuladas as atividades

desenvolvidas pelo Espaço Cubo. No entanto, diferente de Cuiabá, a casa de shows foi

idealizada e construída antes de se dar início a uma consolidação de um público

interessado em música independente na cidade. Dessa forma, o coletivo Goma vai se

concretizando e agregando agentes, em um mesmo passo dão início a uma tentativa de

construção de um público consumidor sólido para a música independente uberlandense.

O que podemos observar é que a construção do lócus da música independente em

Uberlândia acontece antes mesmo que se desse organicidade ao coletivo e que existisse

efetivamente uma demanda por um público produtor ou consumidor. Talvez esse possa

ser considerado um dos principais motivos não só do fechamento local, como também

das dificuldades no diálogo em torno da produção musical na cidade. Como se trata

ainda de um processo acontecido recentemente, não podemos tirar observações a

respeito da influência que tal fato terá em relação às atividades dos agentes na cidade.

101 CD´s, DVD´s, camisetas, broches, chaveiros, adesivos, etc.

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No entanto, como observa Talles, o Goma, como casa de show, contribuiu em

grande medida para que houvesse uma efervescência principalmente produtiva da

música uberlandense e foi decisivo para que muitos agentes culturais passassem a

efetivar um trabalho dentro do panorama cultural da cidade. Ela permitiu que as bandas

e produtores locais e regionais pudessem entrar mais constantemente em contato.

Porém, como pudemos observar nas pesquisas de campo, também como casa de show,

localizada no centro da cidade que é considerado como área de lazer de Uberlândia,

proporcionou um acesso ainda elitizado à música independente, deixando de conduzir

uma comunicação efetiva e difusa que lhe garantisse a formação de um público tanto

produtivo como consumidor. Porém, cabe ressaltar que a sua grande profusão de

apresentações contribuíram de maneira geral para que aumentasse a visibilidade em

relação à produção cultural de Uberlândia, ainda que não conseguisse fluir um acesso

amplo e com isso não garantisse um público devido para o atendimento de suas

demandas como ponto comercial. Nesse sentido, em linhas gerais, o Goma

proporcionou possibilidades de integração e diálogo dos artistas em torno da produção

musical local, uma vez que estabeleceu um espaço para que essas produções fossem

escoadas. Porém, seja pela heterogeneidade ou pelo caráter burguês da cena constituída

no local e latente do próprio movimento, o espaço não garantiu uma interação devida

com as demais dimensões e agentes sociais envolvidos com a cultura, fosse ele público

ou consumidor. Assim, tornou-se restrito a difusão e o acesso das atividades musicais,

principalmente as apresentações, tanto por fatores econômicos quanto sociais.

O que podemos ver dentro da linha histórica da produção independente do

coletivo de Uberlândia é que ele foi o último elo a ser consolidado dentro da cadeia

produtiva da música independente da cidade. Todas essas condições diversificadas já se

mostram suficiente para constatarmos as diferenciações existentes dentro desse processo

e o nível de sua influência para a consolidação das ações do coletivo no local em que se

encontra.

Na entrevista em que relata sobre a cena de Uberlândia, Talles observa que a

cena da música independente da produção cultural independente de Uberlândia é vista

por uma perspectiva diferente em outras localidades onde estão instalados outros

coletivos do CFE. Existe a impressão da grande efervescência produtiva e consumidora

em torno da música independente por parte de outros coletivos em relação à cena de

Uberlândia. No entanto, essa impressão é muito bem fundamentada, uma vez que a

Jambolada, principal festival de música independente de Uberlândia, foi considerado

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pela mídia especializada como um dos melhores festivais do país, sendo o destino

desejado de apresentação para muitas bandas que permeia a cena da música alternativa.

Cabe ressaltar igualmente que o festival Jambolada não foi idealizado exclusivamente,

nem teve o princípio de sua produção nascido pelo coletivo Goma. O Festival foi o

reflexo de uma demanda construída também a partir de outras bandas e produtores

locais, em um momento anterior às articulações do CFE no país. Assim, em 6 edições, o

festival garantiu através da sua organização um grande destaque, conferindo à marca

grandes incentivos públicos e privados102

. Porém, constatamos também que o festival

age de maneira muito pontual e acaba não aglomerando efetivamente uma cadeia

produtiva consistente para além de sua realização. Mas ainda sim, devemos salientar

que o festival contribui para a consolidação das considerações efervescentes e, relação à

cena uberlandense. Além disso, em suas últimas edições, o festival, mesmo que

pontualmente, teve a capacidade de reunir com certa periodicidade artistas de várias

áreas em torno de uma discussão sobre o mercado da arte independente.

Dentro de toda essa perspectiva, podemos observar que a formação do coletivo

Goma sofreu influências externas à produção musical independente em si. Tais

influências, negativas ou positivas, garantiram a estruturação das ações do coletivo e

profissionalização deste em relação ao processo de produção de eventos musicais na

cidade. Dessa forma, afinando os trabalhos através de um processo único de

consolidação, os agentes pertencentes ao coletivo conseguiram organizar seus trabalhos

de tal forma que garantiram representatividade em mais um festival local, o Festival

Goma.

6. CONCLUSÕES

Nossas conclusões foram embasadas através da observação e interação com três

coletivos em três localidades diferentes. No entanto, hoje em dia Uberlândia (MG), Rio

Branco (AC) e Cuiabá (MT) não devem ser considerados de maneira estrita como os

principais pontos Fora do Eixo que dá base a todo o circuito. Devemos, portanto,

ressaltar que em meio ao tempo em que desenvolvemos essa pesquisa, outras cidades

foram agregando tais potenciais e vêm garantindo notória representatividade em meio a

102 O Festival Jambolada já teve edições patrocinadas pelo sistema de comunicações VIVO, pela empresa

de cosméticos Natura.

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toda a rede103

. É importante salientarmos, portanto, que movimento e seu processo de

construção, passa por um período de estruturação que é constante e equivale as

transformações que se dão ao longo do tempo. Tomamos também como base para as

nossas conclusões estudos já realizados a respeito da produção musical independente, e

o que pudemos logo de início constatar em nossa pesquisa é o fato de que em nossa

época atual essas produções se encontram em uma 3ª fase, ou seja, a fase da

interdependência. Observamos que nos encontramos em uma época onde essa

interdependência se constrói através das ações e das trocas de serviço em rede, onde os

grupos de agentes, ou seja, os coletivos passam a garantir sua representação tanto diante

o Estado quanto dentro do Mercado.

Pudemos constatar que a música independente em nossos dias ainda sim se vale

das garantias dadas a ela pelas políticas públicas, uma vez que as produções

independentes mais do que quaisquer outras necessitam desses mecanismos uma vez

que a priori não revela seu caráter mercadológico latente. Assim constatamos que sua

ação diante do Estado se constrói a partir de toda uma construção que se dá fora dele, e

que legitima o movimento quanto política pública advinda da sociedade civil e por isso

creditada a receber os benefícios dos mecanismos voltados para a criação e fomento das

atividades culturais no Brasil.

Essa produção externa que promoveu a legitimidade do CFE quanto política

pública e permitiu que este garantisse suas produções através de incentivos

principalmente do poder público deu base ao Mercado Médio, ou seja, em uma forma

pela qual esses agentes apresentam seus produtos e demandas em rede e assim

estruturam uma plataforma de troca entre coletivos de diferentes localidades, bem como

outras iniciativas que não necessariamente fazem parte do CFE. No entanto, se o intuito

de nossa pesquisa era responder sobre a consolidação da autonomia desses indivíduos,

ou seja, a representação eficiente de seus respectivos interesses diante da Sociedade

Civil e do Estado, ela não poderia ser amplamente visualizada através do plano do

Mercado Médio. Isso se deve ao fato de que a autonomia que se constrói através da

estruturação e funcionamento do Mercado Médio ainda sim é uma autonomia relativa

que se dão sob variadas condições e restrições, e que por vezes não garante a esses

artistas o sustento de algumas premissas presentes em seus próprios interesses artísticos

103 Nota: A cidade de São Carlos (SP) e o seu respectivo coletivo, Massa Coletiva, pode ser um exemplo

disso. Além disso, coletivos no interior de Minas Gerais (Fórceps, Pegada, Peleja, entre outros) e do

Nordeste (Lumo) estão cada vez mais articulados em meio à cena nacional do circuito. Ver em anexo a

relação de todos os coletivos.

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e representativos uma vez que assim como qualquer estrutura sistêmica prevê uma certa

funcionalidade de suas partes em função de todo o organismo. Dentro dessa afirmação,

levamos em consideração o fato de que as trocas que se desenvolvem dentro do

Mercado Médio se dão sob outras maneiras que não as de um mercado formal, tanto na

sua dimensão produtiva quanto consumidora. Também levamos em conta que por ser

um mercado, este pode se estruturar de maneira restritiva, pois é construído através das

demandas e necessidades compartilhadas entre um grupo de indivíduos, e as quais se

refletem tanto pelos produtos quanto pelos consumidores. Assim, tanto as demandas,

quanto as necessidades, bem como os meios de satisfazê-las e sustentar a autonomia dos

envolvidos apresenta uma grande conexão em relação à quantidade de oportunidades,

possibilidades, ou seja, instrumentos materiais e imateriais disponíveis a esses

indivíduos (SEN, 2000).

Pelo que pudemos concluir através da observação de três coletivos do CFE em

localidades diferentes nos ajudou a afirmar a hipótese de que a circulação desses

produtos, artistas, agentes de forma geral depende de uma série de condições que se

esparramam de maneira diferenciada em cada local. Nessa perspectiva e visando

ampliar as considerações no que tange a garantia de uma autonomia dentro de um

circuito de trocas como o CFE, podemos fazer um paralelo com observações referentes

a teoria do Dom ou da Dádiva. O Paradigma do Dom ou da Dádiva é um paradigma que

estabelece uma visão diferenciada da proposta pelas perspectivas que colocam o

indivíduo como superior (individualismo metodológico) ou subordinado a sociedade

(holismo) e nesse passo nos ajuda a esclarecer algumas nuances presentes dentro da

essência fomentadora do vínculo entre os indivíduos. É importante ressaltar que esse

paradigma não se dá pela hibridização desses outros dois paradigmas citados, ele apenas

vai além da lei fundamental que organiza a sociedade a partir de um princípio mercantil.

Dessa maneira, ele fundamenta uma visão da sociedade baseada no princípio da

reciprocidade, onde o que importa não é necessariamente o que está sendo trocado, mas

manter essa relação.

Pudemos observar que o Mercado Médio articula seus pilares através da troca de

serviços o que muitas vezes descarta o uso do dinheiro formal e até o substituí por uma

moeda alternativa (o Card) ou complementar. Assim, esse tipo de mercado poderia até

ser consagrado como um empreendimento de cultura pautado nos preceitos da

Economia Solidária, no entanto os termos relacionados à Economia Criativa seriam os

mais adequados uma vez que ainda sim existe uma valoração dessa moeda, a qual é

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apreciada a partir de uma maior ou menor capacidade de interação dos agentes coletivos

na rede. Assim, o mérito de cada coletivo lhe garante uma maior ou menor mobilidade e

empoderamento dentro do circuito, assim como o mérito do agente, artista ou banda, lhe

garante uma maior ou menor articulação e representatividade dentro do coletivo. A

máxima usada por eles “Artista igual Pedreiro” prevê, portanto que para esse artista

conseguir sua independência este deve ser polivalente no sentido de se articular e se

promover quanto agente capaz de produzir, consumir e lidar com a dimensão artística

dentro do circuito de representação em questão. No entanto, não é nosso intuito

percorrer sobre o reflexo dessa frase no imaginário desses indivíduos. O que basta a nós

evidenciar é o fato de que as condições das quais depende a circulação e representação

eficientes dos interesses desses indivíduos se baseiam principalmente no

compartilhamento de princípios ideológicos, produtivos e políticos. Esses princípios,

por sua vez, como já nos afirmou Sen (2000), dependem de uma série de variáveis que

se colocam diante do indivíduo e que estão principalmente relacionadas com a dimensão

da liberdade substantiva e política de cada indivíduo. Tais princípios podem ser

claramente evidenciados em suas estruturas de regimento e não é difícil para nós

entendermos o quanto essas premissas podem ter construções e efeitos variados em cada

diferente local.

Dessa forma, fazer uma relação entre o paradigma do dom, ou dádiva à noção de

capacidade levantada por Sen , pode ser eficaz se quisermos responder sobre a

perspectiva de da liberdade e autonomia do indivíduo dentro do circuito. Essa relação

pode ser feita, partindo do mesmo pressuposto de Sen (2000) quando este leva em conta

que o desenvolvimento das liberdades do indivíduo ultrapassa sua renda quantitativa.

Da mesma maneira, o paradigma do dom nos ajuda a compreender as nuances

encontradas dentro de relações e organismos que compreendem o indivíduo para além

de suas variáveis puramente econômicas, buscando nas peculiaridades mais relativas à

valores compartilhados de maneira coletiva (mas que encontram no indivíduo e na sua

capacidade individual a possibilidade de se tornar ação concreta) um entendimento a

respeito da dimensão da autonomia desses indivíduos em meio ao coletivo. O

Paradigma do Dom nos apresenta um conjunto de elementos que sob diversas formas

estão presentes desde o início das relações sociais humanas. Não se trata, portanto, de

um sistema econômico, mas de um sistema social de relação entre pessoas. Esse

paradigma não nega o Estado nem o Mercado, no entanto considera que essas duas

esferas por si só não dão conta de todas as dimensões da vida do homem em sociedade.

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O dom, por situar-se no campo simbólico, nos permite fazermos observações a respeito

daquilo que nos leva a relacionarmos com os outros, ultrapassando em sua perspectiva,

o economicismo e o individualismo, pois a partir dele são criados também vínculos

afetivos, sentimentos de confiança e solidariedade, ou seja, os principais componentes

das redes sociais.

Assim, podemos estabelecer dentro dessa relação que:

CONTEXTO (liberdade substantiva/política)

CAPACIDADE (dom)

VÍNCULOS SOCIAIS (rede)

AUTONOMIA (indivíduos)

A partir desse paradigma o dom é visto como o ingrediente constitutivo dos

laços sociais, das relações, tanto simples como complexas, que instituem a base da

sociedade, uma vez que ele seria o responsável por costurar o panorama social a partir

de relações de fidelidade e confiança. Mediante a essas observação, devemos entender

que:

“O paradigma do dom não corresponde, por outro lado, ao modelo

mercantil, já que sua característica básica não é a equivalência, não é o

interesse ao tomar a iniciativa da doação, de receber de volta.

Tampouco pode ser reduzido ao holismo, pois nesse caso, a dádiva

não se faria pelo mesmo interesse como naquele, mas pela

interiorização de normas que nos induziriam a fazer dádivas por

coação do ambiente social” (CAILLÉ, 2002: p. 73-75)

Se atentando a essa diversidade e variedade de agentes e condições, mais sob a

perspectiva instintiva do que analítica, o CFE assim como sua carta de princípios passa

por um momento afirmativo onde havia a necessidade de delimitar seus valores e

objetivos através das orientações que o constituíam institucionalmente. No entanto,

refletido na nova conjuntura do Circuito que relatamos mais acima, não podemos mais

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dizer que as três cidades escolhidas se comportariam como o tripé de toda plataforma,

mesmo que ainda sejam pontos muito importantes para a articulação de todo o sistema.

O que a conjuntura atual nos revela é um panorama mais flexível e que compreende as

construções e demandas como ativas e variadas. Isso, portanto nos leva a crer que a

identidade do próprio movimento ainda se apresenta em processo de consolidação,

porém traz em sua essência algo que é compartilhado e que dá a esses indivíduos a

capacidade de criar ambientes e plataformas para garantirem a circulação de seus

interesses. Por isso, é interessante ressaltar que tais construções que até se carregavam

de afirmações e restrições ultrapassam esse patamar uma vez que já garante a identidade

e representação produtiva e política da rede como um todo na maior parte do Brasil.

Dessa maneira, o Circuito Fora do Eixo atravessa 2010 com a perspectiva de agregar

interesses e visões que até então não eram colocadas em pauta em seu processo de

consolidação inicial104

.

Nesse ponto chegamos a nos indagar sobre qual tipo de autonomia busca esse

artista dentro do CFE. Seria essa uma autonomia quanto artista ou agente produtor/

consumidor? Esse questionamento é verdadeiramente importante se estivermos

querendo saber sobre o tamanho da eficiência do circuito em gerar autonomia para os

seus participantes. A partir das observações e experiências de autores voltados para a

pesquisa e análise de iniciativas pautadas em Economia Solidária, fizemos a

contextualização com o nosso objeto e recorte. Dessa forma, pudemos constatar que o

interesse primordial, ou seja, o estímulo primeiro que existe e que faz com que esses

agentes se unam em concordância dentro de uma rede como CFE, parte da vontade e da

necessidade de representar seus trabalhos individuais de maneira mais ampla uma vez

que o mercado formal não lhe garante essa representação. Um circuito como o Fora do

Eixo permite, portanto que estes interesses individuais se aportem e garantam sua

circulação em meio à cena musical alternativo e também no mainstream, pois este

circuito passa a se pavimentar como uma plataforma referência da música alternativa

atualmente. Os interesses desses indivíduos estariam, portanto no fato de que a rede, tal

qual como se propõe a funcionar, otimiza a dinâmica em que essas produções podem vir

a se desenvolver uma vez que a rede promove o contato de diversos agentes culturais

com suas respectivas propostas. Através desse contato, interação e compartilhamento de

objetivos no que tange os rumos da produção musical no Brasil e no mundo, coloca-se

104 Consultar anexo de entrevistas antigas com os produtores do CFE.

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em prática a troca de experiência através da circulação de informações. Dessa forma,

esses indivíduos estimulados por uma perspectiva individual confluem seus interesses

pessoais, ligados aos seus trabalhos individuais, às dinâmicas e objetivos coletivos que

dizem respeito à circulação da música e do mercado independente de maneira mais

ampla e geral.

O que pudemos ver então foi um panorama onde essas duas dimensões se

entrelaçam, ou seja, tanto o valor artístico (no sentido do que a arte, no caso a música,

representa dentro de uma sociedade) quanto o mercadológico. Existe, portanto, a

demanda e a necessidade desses artistas em exporem as suas produções artísticas e

existe também a percepção destes a respeito do que essa ação, ou seja, a possibilidade

de mostrar sua criação amplamente independente de uma indústria padrão, representa

em nossos dias atuais onde a comunicação e suas tecnologias se fazem cada vez mais

presentes.

No entanto, há pontos a serem salientados que nos ajudam inclusive a entender a

constância das transformações e desenvolvimento da consolidação da rede de maneira

geral.

O primeiro ponto que podemos evidenciar como relevante de iniciar o processo de tecer

conclusões a respeito da autonomia refere-se ao fato de que, o CFE é formado por

agentes culturais e apesar de ser formatado a partir de preceitos do trabalho coletivo

apresenta-se organizado em certa maneira “hierárquica”. Essa hierarquia se dá através

do processo de meritocracia. Como pudemos observar, essa meritocracia capaz de

colocar os indivíduos em uma melhor posição de interatividade e representatividade

através do uso da rede se deve a uma série de fatores e variáreis que dizem respeito

diretamente às liberdades que são colocadas diante desses agentes e por eles

compartilhadas.

Pudemos constatar esse exemplo através de entrevistas e observações de campo.

A maioria dos eventos realizados pelos três coletivos conta com um financiamento

proveniente de parceiros, principalmente públicos. Tanto os órgãos e departamentos

político administrativos (como no caso as prefeituras e secretarias de cultura e turismo)

quanto seus mecanismos e políticas públicas de âmbito municipal e estadual serviram e

servem de suporte para as ações do circuito como um todo. No entanto, esse

conhecimento a respeito dos mecanismos de incentivo e investimento acaba-se por estar

ligado mais ao núcleo de gestão desses coletivos. Sendo assim, o funcionamento a partir

de núcleos sistematiza o nível de interação que há entre os artistas e as políticas públicas

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voltadas para a cultura. Como pudemos ver dentro da rede de troca de serviços existente

em cada coletivo se estabelecem funções específicas, separadas por núcleos e que são

exercidas por aqueles que mediante sua capacidade e instrumentalização podem garantir

eficiência aos objetivos propostos por todo coletivo. Em correspondência de tais fatos,

podemos constatar que, se pensarmos a respeito do nível de participação de todos os

agentes de cada coletivo pudemos observar que devido à própria divisão de

funcionalidade dentro do coletivo, não são todos que lidam com atividades onde o

mecanismo de incentivo se coloca em diálogo direto com os agentes em questão. No

entanto, apesar de tais tarefas de pesquisa e capacitação frente às leis e caminhos

burocráticos se concentrarem nas mãos de alguns indivíduos mais ligados aos núcleos

de fomento e gestão, não é impedido aos demais núcleos a geração da demanda e

propostas frente às estratégias de sustento da cadeia como um todo. Os núcleos se

mantêm abertos mediante o desempenho e meritocracia de cada membro envolvido, mas

de maneira geral, os agentes das três localidades acabam por acolher funções em

definitivo. No entanto, diante de todos esses pontos, o fato do agente estar ou não diante

do mecanismo de incentivo não diminui sua ação, que por si só pode ser tratada como

ação política uma vez que se desenvolve a partir de diálogos que se dá dentro dessa rede

associativa e compartilhada dentro de uma essência comum, que é a busca por

representação, mas construída através diversos interesses.

Mesmo compreendendo que não exista uma rigidez de funções e núcleos e que a

maior ou menor participação e representação do indivíduo dentro da rede e fora dela se

deva a fatores que o garantam na batalha meritocrática (e em grande parte por esse fato),

em todos os coletivos cobra-se a disciplina105

como principal motor para garantir uma

maior visibilidade, legitimidade e poder de participação dentro da rede. Aqui, portanto,

fazemos algumas ressalvas quanto à função da meritocracia. Cabe ressaltarmos o fato de

que para se garantir o mérito/ sucesso em alguma função torna-se antes necessário que

este indivíduo tenha condições para manter-se em uma conectividade ativa com a rede,

ou seja, a sua autonomia e eficiência dentro da rede acaba por depender de outras

variáveis. Nessa perspectiva, pudemos observar que as demandas podem até ter sua

essência e caráter coletivo, porém a participação na sua construção depende de variáveis

que em grande parte diz respeito especialmente às condições individuais dos sujeitos

que integram o coletivo. Por isso, ao pesarmos sobre a ação política de cada indivíduo

105 Vide Carta de Princípios e Regimento Interno do Circuito Fora do Eixo

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devemos levar em consideração o fato de que apesar de ser essencialmente política, a

maneira como se desenvolve tal ação não se dá da mesma forma em todos os contextos.

Sendo assim, apesar de ter acontecido inicialmente à tentativa de reger os coletivos da

maneira mais fiel possível com as diretrizes universais da rede, é cada vez mais evidente

que a flexibilidade nos padrões de organização assim como os arranjos produtivos

locais106

têm de ser levados em conta para a própria estabilidade, relevância e amplitude

do movimento. É principalmente através desse arranjo que se estabelece um melhor

plano para organização e ações de cada cidade.

O que pudemos observar, portanto, é que mesmo se pautando pela meritocracia e

sabendo que dentro desta as condições dos agentes devem ser levadas em consideração,

o Mercado Médio garante a esses indivíduos uma rede de articulações que desenvolvem

o exercício de construção e sustento de demandas. Dessa maneira, como enfatizaram

todos os produtores entrevistados, o Mercado Médio se constrói não somente a partir

das interações existente entre os coletivos dentro do circuito, mas também a partir das

comunicações e inserção de outras iniciativas que compartilhem das mesmas essências

de produção, consumo e gestão. Assim sendo, o mercado médio garante a participação

no processo produtivo daqueles que apresentam a capacidade de se fazer ativo dentro do

seu coletivo e da rede e através das experiências onde são trocadas tecnologias sociais,

legitima seu diálogo tanto com as instâncias públicas quanto com as privadas. A

aglutinação de outras iniciativas, parcerias e dimensões que não dizem respeito

estritamente a área cultural, mas compartilha com seus valores e interesses também

contribuem para expandir os canais de participação e fruição de todos aqueles que

buscam sustentabilidade através do circuito. O que pudemos concluir através das três

cidades em que realizamos a pesquisa é que o CFE faz uso de um nível de organização

que tende a se desenvolver como um corpo de trabalho padronizado. Isso nos leva a

defrontar com um panorama onde a qualidade sensível da capacidade artística de criar e

produzir não é mais referencial nesse momento da música independente, mas sim o

quanto as bandas e seus respectivos integrantes conseguem se manter conectados e

comunicantes dentro da rede, fazendo se conhecer por meio da virtualidade e da

possibilidade de troca de serviços.

O que devemos salientar, no entanto, é que tais garantias do Mercado Médio só

são possíveis de serem colocadas em práticas e reverberadas no atual momento em que

106 Arranjo Produtivo Local (APL) é a prática usada pelos agentes do CFE para diagnosticar as demandas

e necessidades de cada coletivo em seus diferentes locais.

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vivemos da cena independente, que diferente de épocas anteriores, não contava com um

aparelho de políticas culturais desenvolvidas a tal ponto como vemos hoje, tão pouco

com aparatos tecnológicos e instrumentos de comunicação como a internet. Assim,

podemos concluir que o Mercado Médio viabiliza a ação e interação dos indivíduos que

detêm as capacidades para se conectarem e compartilharem das diretrizes de toda rede a

partir do momento em que se transforma em uma plataforma que pode ser usada por

esse indivíduo como estratégia para que afirmar seus direitos e deveres principalmente

em relação a sua participação no mercado.

Dessa forma, compreendemos que a estruturação do Mercado Médio que se

estrutura aqui se pauta em preceitos que são construídos legitimamente dentro da

democracia que temos atualmente. Assim, esses indivíduos que compartilham

coletivamente as práticas que impulsionam as representações de seus interesses usam

como principais meios tanto as dinâmicas mercadológicas quanto políticas que lhes são

conferidas nesse contexto. Tendo em mãos os instrumentos democráticos aliados ao

poder político e de diálogo democrático que a internet amplia através da expansão das

estratégias de comunicação grupos como o CFE encontram o ambiente propício para

fazer germinar os nódulos de uma organização e associação em rede. Assim sendo, é

notável em seu processo de construção, comunicação e interação a contribuição que este

simboliza em relação à representação das demandas das bandas independentes hoje.

É evidente então que o CFE permite a ação coletiva e constrói-se em torno da

associação de interesses. A circulação de informações descentralizadas não só põe essas

pessoas e iniciativas em contato alimentando o debate democrático dentro da cultura

como também aumenta o poder organizativo, fomentador e de fruição das demandas

coletivas desses artistas. Porém a autonomia e independência desses indivíduos não

pode ser garantida apenas pelo Mercado Médio e a plataforma de informações que se

constitui o CFE, pois esta depende do nível individual da capacidade de articulação

desse agente dentro do seu coletivo e do circuito. Por sua vez, essa capacidade

individual como pudemos observar está intrinsecamente relacionada às condições

substanciais e políticas que em grande parte são delimitadas pelas peculiaridades de

cada local, tanto em relação ao ambiente político como em relação à articulação e

manutenção desses sujeitos diante da sociedade em que vivem. Por isso, a busca pela

autonomia desses indivíduos passa a se desenvolver com devida eficiência a partir do

momento que dentro desse mercado leva em consideração as particularidades dos

diferentes locais em que se instalam os coletivos.

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Pudemos constatar através dessa pesquisa que, o fato do CFE ser formado por

agentes excluídos do processo de produção e distribuição do mercado formal da música,

da grande indústria cultural, ou seja, as características fundadas em sua particularidade

pautada no viés econômico por si só não garante a amplitude da rede e seu

desenvolvimento. Podemos dizer por se passar no campo cultural, a razão do circuito é

permeada também pela dimensão simbólica e estes valores e símbolos passam a se

estabelecer como um dos principais artifícios que agregam ou não, interiorizam ou não,

as pessoas à rede. Seria também essa dimensão a responsável por manter as pessoas que

já estão inseridas e suportar a visibilidade de suas práticas em relação ao mainstream.

Nessa perspectiva, pudemos observar e concluir durante a pesquisa que como um

movimento cultural pautado na ação política, o CFE deve teve atentar-se cada vez mais

para duas prerrogativas que dão base a todo pensamento sobre o alcance de toda rede:

1º) o CFE deve expandir sua capacidade de comunicação com interesses diversificados.

Primeiramente tal expansão poderia revelar-se em fragilidade a partir dos laços fracos107

que podem se constituir a partir dessa premissa. No entanto, tal fato não pode ser

encarado como fragilidade e sim como a ampliação da capacidade de diálogo e conexão

com variadas dimensões da sociedade o que acaba por garantir sua sustentabilidade

através da interação com essas dimensões; 2º) o CFE deve levar a arte como

orientadora, considerando o movimento como se este fosse um dos principais meios

capaz de garantir a possibilidade dos artistas em resgatar e preservar a aura de suas

criações, dando, portanto, vazão e conclusão a essência dos ideais presentes nas

movimentações de contracultura108

que se deu partir da década de 60. Tal perspectiva

não só preserva a essência e identidade do movimento musical independente como

legitima o CFE quanto principal um dos principais interlocutores atualmente. As duas

prerrogativas podem ser compreendidas como reflexões e resgates fundamentais que

CFE deve constantemente estar promovendo, uma vez que a possibilidade de expressar

a diferença e diversidade em meio a um campo da padronização cultural em relação à

produção e ao consumo não só da arte, mas dentro de várias dimensões de nossa vida

sempre foram os principais vieses que nutriram a identidade e autonomia do movimento

e manifestação independente de maneira geral.

107 GRANOVETTER, 1995. 108 Essas movimentações começaram a ocorrer a partir da década de 60 e tinham como intuito levantar

questionamentos e reflexões sobre a sociedade e cultura de massa que se iniciava sua estruturação naquele

período.

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Como podemos ver, a rede e o corpo de trabalho que se forma através dela

mostra o quanto a música independente avançou em relação às observações de Dias a

respeito das empresas, selos e pequenas produtoras. Tais avanços e transformações se

devem em grande medida às conseqüências do plano econômico e tecnológico que

acabou por interferir na dinâmica de toda sociedade e seus grupos de interesse.

O contexto sócio, econômico e político atual é marcado por fortes

tensões decorrentes da destruição dos tecidos produtivo e social, e do

acelerado processo de desindustrialização, de desemprego e de

estagnação econômica. A falta de perspectivas, a insegurança e o

sofrimento fazem com que os trabalhadores re(criem) formas de

defesa que lhes possibilitem recuperar o emprego, salário, a dignidade.

(VASCONCELOS, 2007)

O trecho acima, mais uma vez, nos ajuda a concluir que CFE como uma

manifestação de uma situação que estava acontecendo em âmbito global. O movimento

da economia solidária em si, tem início no Brasil a partir dos anos 80 através de um

conjunto de experiências que passam a ganhar visibilidade dentro do contexto

econômico. Essas experiências trazem como traços constitutivos a solidariedade, o

cooperativismo, o mutualismo e autogestão comunitária, conformando uma

racionalidade específica, distinta da baseada na lógica do mercado e do lucro. Trata-se,

portanto, de uma vontade coletiva de empreender (VASCONCELOS, 2006. p. 38).

Hoje, tirando como base o que podemos ver a partir das cidades e coletivos que

estivemos em contato, observamos claramente que a música independente chega a uma

fase de interdependência construída sob a forma de rede. No entanto, a interdependência

e a construção da rede se estabelecem de maneira diferenciada a partir dos coletivos que

dela fazem parte, pois suas posições se dão de acordo com o nível de participação de

seus indivíduos dentro do coletivo, sendo que dentro dessa mesma medida a eficiência

que é transferida a todo coletivo em relação a rede se constrói através da participação

mais ou menos ativa de seus agentes dentro do coletivo.

O que se percebe, portanto, é que as habilidades dentro desse contexto se

referem muito mais a condições externas do que a fatores musicais e artísticos. Em

linhas gerais o que podemos concluir é o fato de que quanto maiores forem às condições

para a o exercício da liberdade política e substantiva do indivíduo/ artista/ banda aliada

à flexibilidade do CFE, maiores são as condições para que este participe integralmente

dos anseios e diretrizes do coletivo, bem como é maior sua autonomia e capacidade de

circulação dentro do CFE. Compreende-se aqui, então que o foco do CFE se centraliza

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sob a perspectiva do processo produtivo e não sob o processo e qualidade do produto

artístico em si.

Podemos observar e sentir tais características de acordo com cada localidade. A

condição de percepção desses cidadãos em relação a sua capacidade de representar-se

conta muito para o tipo de relação que este estabelece com a rede, moldando assim sua

estruturação. Dessa maneira, um coletivo terá melhor desempenho na medida em que

garantir em seu núcleo durável pessoas que detenham condições de se manterem

integralmente em favor do coletivo e suas produções. O que pode ser observado em

decorrência disso é que em um primeiro momento, tais condições são referentes ao

próprio agente e depois passa a ser relacionada ao grau de articulação do coletivo na

rede e de sua capacidade em gerir as condições para que estes agentes se mantenham

conectados.

Há, portanto, em grande medida, duas instâncias que promovem a capacidade

das bandas e dos demais agentes presentes dentro dos coletivos em se manterem

representativos dentro da rede e através dela, diante da sociedade civil e do poder

público. A primeira diz respeito ao nível de articulação do coletivo e da rede que

conecta-se através dele, ou seja, sua capacidade em garantir parceiros (links) e canais de

troca. Tal afirmação nos remete a importância da flexibilidade e sobre seus limites.

Deve essa flexibilidade ter um limite? O que pudemos apreender nos mostra que a

interdependência não pode se basear em limites, pois assim pode engessar o grau de

absorção e abrangência da rede. Como já vimos anteriormente, essa flexibilidade não

pode se desfazer das premissas e essências presentes dentro da produção da cultura

livre, independente e sustentável, no entanto tem que dar a rede as possibilidades e

aberturas para que esta se mantenha ativa, para que assim seus agentes possam tomar

para a si a segurança de sentirem-se sustentados. O nível de articulação que se

desenvolve através da flexibilidade de manutenção da rede garante a autonomia

daqueles que já fazem parte dela e também daqueles que almejam se integrar. Trata-se,

portanto, de dar capacidade a esses agentes de serem protagonistas dentro de uma ampla

gama de escolhas. Podemos compreender, dessa forma que:

O conceito de rede sociais é, portanto, central nas teorias que pretendem

superar as dicotomias correntes na literatura sociológica contemporânea

e, nesse sentido, não tem qualquer relação com a teoria contemporânea

de capital social. Este tem a ver, sim, com o estoque de credibilidade e

confiança entre as pessoas gerado pelo envolvimento de grupos ou

comunidades com sistemas específicos de solidariedade. Esse tipo de

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capital, como salienta Coleman (1990), distingue-se das outras formas

de capital por ser a única em que seu volume cresce com o uso, ou seja,

quanto maior a mobilização desse estoque de confiança para a criação

de ação coletiva maior será a probabilidade de seu aumento entre os

membros da rede. (...) Nesse caso, a dimensão das conexões por laços

fracos dos membros do grupo ou da comunidade determina uma parte

relevante da disposição racional dos indivíduos em participarem da ação

coletiva. Em outras palavras, o poder social, gerado pelas redes de laços

fracos dos membros de um grupo ou comunidade, determina em grande parte, a capacidade de mobilização coletiva do grupo ou comunidade.

Aqui, então, temos qualificadas as relações entre capital social, redes

sociais e estrutura de poder. (PRATES, CARVALHAES & SILVA,

2007)

Dessa maneira, o que podemos concluir de fato é que o CFE não apenas garante

sua sustentabilidade e representatividade através do Mercado Médio que estrutura, mas

principalmente através da acessibilidade que garante àqueles que pretendem se inserir

dentro da rede. Entendemos assim que tanto as condições substantivas quanto as

políticas que se engendram dentro do próprio circuito são os principais componentes

que aumentam as capacidades de interação e apoderamento diante de todo circuito.

Segue, portanto, algumas observações. Uma delas é o fato de que a participação

é eficiente na medida em que existem condições para a representatividade. Essa

condição, ou competência, é medida em relação à possibilidade de entrega e

envolvimento com as diretrizes e anseios do circuito. Portanto, a capacidade de poder se

manter ativo dentro do CFE já faz parte do processo de aprendizagem dos mesmos

vieses que o qualifica.

Outro ponto refere-se à essência da música independente. Esta traz consigo a

busca pela liberdade de fruição dos produtos artísticos em meio ao mercado para que

estes sejam igualmente considerados diante da sociedade civil. No entanto, como

podemos ver até agora, essa liberdade acaba sempre estando ligada ao poder econômico

e social do indivíduo construído anteriormente e externamente a rede. Nesse sentido, se

tomarmos a música independente tal como vemos sua articulação dentro do CFE

podemos considerar que existem limites no acesso e possibilidade de interação junto a

rede. O indivíduo tem que disponibilizar para a rede e para o circuito de trocas aquilo

que ele apresenta de “excedente”. Podemos assim, ser levados a nos deparar com um

limite de escoamento e de troca para essas ações se aqui não forem expandido os níveis

de acessibilidade. Construir uma rede descentralizada é diferente do fato de se construir

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redes distribuídas109

. A descentralização pode até garantir certa estabilidade e sustento

de toda uma superestrutura, no entanto, é baixo seu nível de abrangência e absorção em

relação ao todo.

Diante de todas essas observações e respondendo nosso problema monográfico,

o CFE é capaz de estabelecer uma autonomia relativa aos seus integrantes pelas

articulações que engendra através da construção e consolidação do Mercado Médio da

música e toda cadeia produtiva envolvida em forma de rede. Como pudemos ver, essa

autonomia é relativa uma vez que é aumentada ou diminuída mediante variadas

condições que são colocadas principalmente no plano do indivíduo e sua capacidade de

interação com os mecanismos de fomento e circulação abarcados dentro do CFE. Dessa

forma, concluí-se que o surgimento e articulação de novos canais de produção e

escoamento que representem as particularidades demandadas da cena musical

alternativa é essencial para o sustento da rede de maneira geral, pois é a partir dessa

proliferação de diálogos variados, porém convergentes que será ampliada a abrangência,

a diversidade e a acessibilidade da maioria dos interesses individuais na rede.

Ao atentar-se sobre as possibilidades de se garantir a conexão dessas

particularidades, aumenta-se o capital social em jogo, o que garante a expansão da rede

e o lastro de circulação de todos aqueles que dela fazem parte ativamente. Essa

orientação não só aumenta a capacidade de circulação da moeda como a garante dentro

do conhecimento de um maior público, abrindo margem para que este público possa

também se interessar, participar e essencialmente compartilhar das expectativas e

premissas do movimento como um todo. Assim, se consolidará cada vez mais toda a

musculatura do mercado da música independente dentro do panorama cultural e político

que temos hoje uma vez que aumenta as possibilidades de interação e escolha e

consequentemente circulação e representação.

Todo esse desenvolvimento, por sua vez aumenta a garantia de uma autonomia

cada vez mais concreta, pois amplia as possibilidades de representação através da

proliferação de canais diversos, o que em uma democracia sinaliza a pluralidade de

informações e oportunidades. Concluímos, portanto, que é essa proliferação

diversificada que contribui para que cada vez mais seja eficiente a construção e

atendimento das demandas, dando concretude, portanto, para o desenvolvimento da

autonomia desses indivíduos.

109 UGARTE, D. El poder de las redes: manual ilustrado para personas, colectivos y empresas abocados

al ciberativismo, p. 28-49.

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Tendo em vista esse panorama, cabe a nós perguntar e deixar de componente

para estudos futuros, questionamentos referentes ao desempenho do CFE no que diz

respeito até aqui suas propostas. Será ele uma reforma dos padrões culturais, de

produção e consumo principalmente no campo da música, ou poderia esses mecanismos

e seus efeitos encarados como uma revolução? Entre atualizar e resignificar, Pablo

afirma que o CFE se encontra mais próximo da segunda perspectiva, uma vez que suas

ações têm em vista mudanças de comportamento que podem dar outro significado ao

futuro.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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8. ANEXOS

Todas as imagens contidas neste anexo estão disponíveis em: http://foradoeixo.org.br/.

IMAGEM 1: 1ª reunião Fora do Eixo – Cuiabá (MT) 2006

IMAGEM 2: 2ª reunião Fora do Eixo – Rio Branco (AC) – 2006

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IMAGEM 3: 1ª reunião Fora do Eixo Minas – Sabará (MG) – 2008

IMAGEM 4: 1º Congresso Fora do Eixo – Cuiabá (MT) - 2008

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IMAGEM 5: 2º Congresso Fora do Eixo – Rio Branco (AC) – 2009

IMAGEM 6: 3º Congresso Fora do Eixo – Uberlândia (MG)

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IMAGEM 7: Festival Calango, Cuiabá (MT) – 2005

IMAGEM 8: Festival Jambolada, Uberlândia (MG) - 2007

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IMAGEM 9: Festival DoSol, Natal (RN) – 2007

IMAGEM 10: Festival Demosul, Londrina (PR) – 2008

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IMAGEM 11: Festival Varadouro, Rio Branco (AC) – 2009

IMAGEM 12: Festival Fora do Eixo, Rio de Janeiro (RJ) - 2010

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IMAGEM 13: Programação Festival Fora do Eixo, São Paulo (SP) – 2010

IMAGEM 14: Grito Rock, João Pessoa (PB) – 2010

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IMAGEM 15: Festival Vaca Amarela, Goiânia (GO) – 2010

IMAGEM 16: Banquinha Fora do Eixo, Belo Horizonte (MG) – 2010

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IMAGEM 17: Turnê Fora do Eixo (Porcas Borboletas – MG, Mini Box Lunar (AP), Nevilton (SP)

Nordeste – 2009

IMAGEM 18: Reunião Fora do Eixo, João Pessoa (PB) – 2008

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IMAGEM 19; Lançamento Goma Card, Coletivo GOMA, Uberlândia (MG) - 2009

IMAGEM 20: Reunião com Paul Singer, Cuiabá (MT), 2008

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IMAGEM 21: Cubo Card, Espaço Cubo, Cuiabá (MT)

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IMAGEM 22: Lumoedas – Coletivo Lumo, Recife (PE)

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IMAGEM 23: Marcianos, Massa Coletiva, São Carlos (SP)

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IMAGEM 24: Slogan de comemoração dos 5 anos do Circuito Fora do Eixo

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IMAGEM 25: Mapa de Pontos Fora do Eixo