moeda, poder e estadismo: um estudo sobre a … · a união monetária europeia é um arranjo...

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VI ENCONTRO NACIONAL DA ABRI: PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO EM REDEFINIÇÃO Trabalho para apresentação em Painel ÁREA 2: ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL MOEDA, PODER E ESTADISMO: UM ESTUDO SOBRE A DEPENDÊNCIA MONE- TÁRIA E A LIDERANÇA ALEMÃ NA ZONA DO EURO Daniela Sallet Lunkes Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Belo Horizonte, 25 a 28 de julho de 2017.

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VI ENCONTRO NACIONAL DA ABRI: PERSPECTIVAS SOBRE O PODER EM UM MUNDO

EM REDEFINIÇÃO

Trabalho para apresentação em Painel

ÁREA 2: ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL

MOEDA, PODER E ESTADISMO: UM ESTUDO SOBRE A DEPENDÊNCIA MONE-

TÁRIA E A LIDERANÇA ALEMÃ NA ZONA DO EURO

Daniela Sallet Lunkes

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Belo Horizonte, 25 a 28 de julho de 2017.

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Resumo: O poder monetário, a possibilidade de modificar o comportamento de outro ator de

forma não intencional, é uma condição que influencia as Relações Internacionais à medida

que os estados o utilizam para angariar benefícios políticos frente a outros Estados. O esta-

dismo (statecraft) monetário, por sua vez, é o uso consciente desse poder. A partir das obras

de Jonathan Kirshner e de David Andrews, que descrevem esse tema adentrando em estudos

de caso sobre zonas monetárias, busca-se, no artigo, analisar o uso de estadismo e poder

monetário pela Alemanha dentro da zona monetária europeia. Tal influência será observada

por meio da dependência monetária, que é definida pelos autores como um dos instrumentos

de poder e estadismo monetário. O artigo utilizará o método hipotético-dedutivo como forma

de organização do conteúdo, o qual inicia-se pela observação de uma lacuna nos conheci-

mentos e pela formulação de hipóteses acerca da mesma. A análise será teórico-conceitual,

embora com exposição de dados da Alemanha e de seus vizinhos antes e após a criação do

euro. Parte-se da hipótese de que a constituição do euro foi parte de uma estratégia do Bun-

desbank para lograr benefícios políticos e econômicos em função da vulnerabilidade monetá-

ria dos seus vizinhos. Para alcançar tal objetivo, na primeira seção serão expostas as teorias

de poder e estadismo monetário de Kirshner e Andrews, dando destaque à questão da de-

pendência monetária. Na segunda seção, proceder-se-á a uma revisão histórica do processo

de formação do euro e da zona monetária europeia. E na terceira seção, a influência alemã

em tal construção será isolada para se refletir sobre seu papel e sua liderança no âmbito

monetário da zona.

Palavras-chave: Dependência Monetária, Alemanha, Zona do Euro.

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1. INTRODUÇÃO

A União Monetária Europeia é um arranjo desafiador, à medida que dezenove países

aceitaram abrir mão da sua soberania monetária em favor de um arranjo supranacional. Tal

construção tem enfrentado dificuldades em função de um contexto de crise global que enfra-

queceu muitas das economias pertencentes ao arranjo e colocam em questão a manutenção

de tal sistema monetário. Há muitas críticas em relação a ele, como por exemplo, que o atraso

na recuperação dos países se dá em função de pertencerem à zona monetária (KRUGMAN,

2015), e ainda outras críticas dos países deficitários em direção à Alemanha (VAROUFAKIS,

2011).

O presente trabalho busca analisar a influência que a Alemanha exerce dentro da

zona monetária europeia, focando na dependência monetária, elemento de poder monetário

segundo a teoria de Jonathan Kirshner. O artigo utilizará o método hipotético-dedutivo como

forma de organização do conteúdo. A hipótese aqui proposta é a de que a constituição do

euro foi parte de uma estratégia do Bundesbank (Banco Central alemão) para lograr benefí-

cios políticos e econômicos em função da vulnerabilidade monetária dos seus vizinhos.

A análise será teórico-conceitual, embora com exposição de dados econômicos e

financeiros da Alemanha e de seus vizinhos antes e após a criação do euro. O artigo organi-

zar-se-á da seguinte maneira: na primeira seção após essa introdução, serão expostas as

teorias de poder e estadismo monetário de Kirshner e Andrews, dando destaque à questão

da dependência monetária. Na segunda seção, proceder-se-á a uma revisão histórica do pro-

cesso de formação do euro e da zona monetária europeia. Na terceira seção, a influência

alemã em tal construção será isolada para se refletir sobre seu papel e sua liderança no âm-

bito monetário da zona. A seção final conclui o trabalho.

2. PODER E ESTADISMO MONETÁRIO: A QUESTÃO DA DEPENDÊNCIA EM ZO-

NAS MONETÁRIAS

Kirshner (1995) tem como preocupação central mostrar como os Estados têm usado

e podem usar as Relações Monetárias Internacionais como um instrumento de poder coerci-

tivo, isto é, como eles podem manipular tais relações para influenciar as preferências ou com-

portamentos de outros Estados. O autor define Relações Monetárias Internacionais como os

acordos e as ações que afetam o valor, o uso, a estabilidade, entre outros atributos das moe-

das nacionais emitidas pelos Estados.

O autor procede então a uma teorização sobre o poder monetário, também conceitu-

ado de diplomacia monetária. Kirshner restringe a análise ao uso do poder monetário para

objetivos que não envolvam metas econômicas. Este pode ser exercido de três maneiras: por

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meio da prática da manipulação monetária, da exploração da dependência monetária e do

exercício da ruptura sistêmica.

A manipulação monetária consiste em ações perpetradas por um país buscando afe-

tar o valor e a estabilidade da moeda de outro país. Ela pode ser usada para alterar as prefe-

rências ou ações de um Estado específico ou para apoiar um aliado. Sob taxas de câmbio

fixas, uma manipulação monetária gera perda de reservas e, normalmente, uma crise no Ba-

lanço de Pagamentos (BP). A manipulação monetária também pode gerar o medo de um

colapso monetário e pressionar politicamente o governo do Estado alvo, dada a perda de

estabilidade da moeda. Tais consequências são oriundas da própria psicologia social sobre a

moeda, que considera que o valor da moeda depende da confiança que se tem nela e que a

estabilidade monetária está associada à legitimidade do governo.

A ruptura sistêmica, por sua vez, é definida por Kirshner (1995) como uma manipu-

lação contra o sistema, e não contra moedas específicas. Ela pode ser exercida para deses-

tabilizar o sistema, ou apenas para extrair outros benefícios do mesmo. Nesse tipo de poder

monetário, quem mais exerce ameaça são os países médios e, principalmente, superavitários.

Os países pequenos poderão sofrer com uma ruptura sistêmica, pois beneficiam-se de acor-

dos específicos e precisam da estabilidade do sistema. Já os países dominantes são amea-

çados por exercerem a liderança do sistema. Países superavitários podem desfazerem-se

das reservas acumuladas na moeda do país dominante e, assim desestabilizar o sistema. O

Estado líder pode, com uma ruptura sistêmica, perder os benefícios políticos da liderança e a

economia internacional pode sofrer uma crise tão grande a ponto de ficar desmonetizada, isto

é, sem um sistema de pagamentos internacional. O montante com que cada Estado será afe-

tado por esta forma de poder monetário dependerá do grau de importância que o setor inter-

nacional tem para sua economia. O benefício de perpetrar uma ruptura sistêmica, para os

Estados médios, é a oportunidade de extrair concessões em uma variedade de questões dos

Estados maiores.

A dependência monetária, a qual é central para o artigo, ocorre porque as relações

entre os Estados são assimétricas. A dependência efetiva-se por meio do aproveitamento dos

benefícios de tal desigualdade. A dependência é considerada no sentido da vulnerabilidade

econômica (que permite o exercício das relações de poder), distinta da teoria da dependência,

a qual se refere a uma exploração econômica no âmbito de relações comerciais desiguais.

Normalmente, a dependência monetária é exercida por meio da criação de áreas, blocos ou

zonas monetárias1. Uma área monetária gera isolamento monetário do mundo externo e po-

tencial de mobilização e coordenação de recursos. As preferências do Estado membro são

1 Os três elementos são tomados aqui como sinônimos, mas cabe destacar a diferenciação que Kirs-

hner (1995) faz de cada um deles. Uma área monetária é um sistema monetário com uma moeda

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modificadas pela influência que o arranjo exerce sobre sua economia doméstica, que gera

uma convergência de interesses em direção aos interesses do Estado líder ou emissor da

moeda. Para que a dependência monetária possa ser usada, o Estado alvo deve ser vulnerá-

vel, isto é, deve temer uma ameaça de ser expulso do arranjo (KIRSHNER, 1995).

A dependência monetária, segundo Kirshner (1995), resulta de três fatores: distribui-

ção assimétrica dos benefícios de pertencer a um Sistema Monetário Internacional, dos custos

de sair de tal sistema e das mudanças nas preferências do Estado alvo. A assimetria de be-

nefícios resulta da diferença no tamanho econômico dos membros. Membros pequenos ga-

nham relativamente mais da sua associação com o Estado central do que este ganha ao

associar-se com aqueles. Os custos de saída envolvem a perda de vantagens, como prote-

ção, estabilidade, conhecimento e privilégios significativos com relação ao comércio e às fi-

nanças.

Para que os Estados mais frágeis queiram ingressar em uma zona monetária, eles

devem ser beneficiados pela mesma. Entre as vantagens que eles podem obter estão a me-

lhoria da estabilidade cambial, o menor risco de crise no Balanço de Pagamentos, dado o pool

de reservas do arranjo e a necessidade da coordenação de políticas monetárias, o que aju-

dará a reduzir a implementação de políticas econômicas contraditórias que poderiam, de outro

modo, impedir a resolução de problemas. Se o país alvo desejar sair da área monetária, ele

enfrentará custos, sendo estes: a perda de reputação de sua moeda, os problemas cambiais

que podem advir de novas moedas independentes (como fuga de capitais e especulação) e

o custo de acumular reservas para sustentar sua taxa de câmbio pretendida. A exploração da

dependência monetária não é, contudo, irrestrita. Ela é limitada pelo desejo do Estado líder

em manter o bloco monetário. Assim, a exploração realizada por ele não deve ser tão grande

a ponto de membros do arranjo preferirem sair da zona monetária (KIRSHNER, 1995).

Kirshner (1995) destaca as quatro principais formas pelas quais a dependência mo-

netária pode ser explorada, sendo elas: imposição, expulsão, extração e prisão em armadilha.

Imposição é a manipulação das regras do sistema para gerar sanções ou apoiar os Estados

membros do arranjo monetário. Ela se diferencia da manipulação monetária no sentido que

esta promove coerção ao alterar a natureza da moeda do país alvo. Já a imposição tenta

promover a coerção ao alterar a natureza e disponibilidade da moeda do país central, que é

importante para o país alvo. A expulsão pode ser uma simples punição, como pode fornecer

poder ao Estado dominante por meio da ameaça coercitiva. Ameaçar expulsar um país do

central reconhecida e padrões e práticas estabelecidos que quase não apresentam barreiras ao comér-

cio de membros e não membros. Uma zona monetária é uma área restrita com regras que dão prefe-

rências a membros sobre não membros. Um bloco monetário é uma zona onde a principal moeda não

é livremente conversível em outras moedas centrais ou commodities.

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arranjo é mais útil do que, de fato, expulsá-lo, pois pode alterar o comportamento dele a seu

favor. Extração é o uso das regras e consequências do sistema para extrair riqueza dos Es-

tados membros. Ela também pode manifestar-se por meio de um processo pelo qual o líder

explora sua posição de emissor da moeda chave para o sistema. A extração pode fazer com

que o líder, além de exercer seu poder sobre os parceiros dependentes, também ganhe poder

a partir deles. A prisão em armadilha é um instrumento de coerção que deriva seu poder da

estrutura do sistema. Ela consiste na transformação de interesses que resulta da participação

em um sistema monetário.

A oportunidade de obter benefícios estruturais, extração de vantagens e prisão de

outros Estados em uma armadilha é o que, segundo Kirshner (1995) motiva os Estados a

criarem sistemas monetários. Os líderes dos sistemas usam menos a expulsão e a imposição

porque, quanto mais essas técnicas forem empregadas, maior será a chance de Estados se

encorajarem a sair do sistema. A dependência monetária poderá ser exercida dependendo

das condições econômicas globais prevalecentes e do grau de assimetria política e econô-

mica entre o Estado central e um dado membro ou potencial membro do seu sistema. Por

exemplo, durante depressões, é mais vantajoso estar numa área monetária que durante pe-

ríodos de alta demanda pelos produtos do país. Economias baseadas na venda de uma com-

modity também são mais vulneráveis que economias altamente diversificadas.

As uniões monetárias ganharam ímpeto, consoante Kirshner (2006), devido a dois

processos: o primeiro deles é o fim de Guerra Fria, que recolocou em cena o medo de conflitos

monetários. Durante essa Guerra, a maior preocupação era com a segurança, o que freava

os conflitos econômicos, para que estes não atrapalhassem possíveis alianças militares. O

segundo fator é a globalização que, segundo o autor, gerou incentivos para que os Estados

aderissem e criassem organizações monetárias regionais.

Kirshner (2006) observa que os países que aderem a arranjos monetários o fazem

por perceberem que podem se beneficiar do isolamento a choques globais e da autonomia

que o grupo pode adquirir como um todo, do que se ficassem sozinhos. Tendo essa perspec-

tiva, os países abrem mão de sua autoridade monetária e buscam estender sua influência

situando-se no centro de uma ordem monetária regional. Diferente da ideia de Kirshner

(1995), Cooper (2006) considera que os limites institucionais e de mercado que o líder en-

frenta geram mais interdependência que dependência monetária e que, sob algumas condi-

ções, áreas monetárias de grandes potências podem ser um fardo mais do que um ativo para

seus líderes.

Segundo Kirshner (1995), embora grandes Estados tenham menos vulnerabilidades,

eles podem ter dependências específicas, como, por exemplo, a dependência do petróleo. O

tamanho da economia do país não se traduz, em si, em capacidade de exercer poder mone-

tário. Estados grandes acabam precisando de recursos externos em algumas circunstâncias.

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Ainda assim, os agentes com poder monetário costumam ser as grandes potências, isto por-

que o dinheiro internacional é hierárquico em sua natureza e isso faz com que o emissor da

moeda chave do sistema monetário internacional seja sempre o ator mais importante. No en-

tanto, o autor ressalva que, “enquanto a hierarquia antecipa que há um líder único no sistema,

pode haver a coexistência de mais de uma área monetária; consequentemente, poderá haver

um número de líderes de blocos, cada qual com substancial poder monetário” (KIRSHNER,

1995, P. 23).

Por sua vez, Andrews (2006) analisa o poder monetário como uma propriedade rela-

cional2, isto é, que se manifesta quando o comportamento de um Estado muda em função das

suas relações monetárias com outro Estado de maneira direta e/ou indireta. O autor observa

que o exercício do poder monetário pode ser encontrado tanto a nível estatal – no plano ma-

cro, quanto em nível de atores não estatais – no plano micro. No nível macro, a questão do

desequilíbrio do Balanço de Pagamentos é essencial, sendo o ajuste ou falta dele uma carac-

terística central das relações monetárias centradas no poder. O poder monetário nesse nível

é a capacidade de atrasar o pagamento dos custos contínuos do ajuste ou desviar seus custos

transacionais para outros países3. Já no nível micro, a questão central é quem se beneficia

da organização dos assuntos monetários internacionais. Por exemplo, produtores e consumi-

dores desejam taxas de câmbio distintas.

A análise do poder monetário é multidimensional, pois ele assume diferentes forma-

tos, dependendo da natureza do relacionamento em questão. Por exemplo, no nível micro, o

poder de rearticular os interesses dos atores e de reconstruir suas identidades têm como me-

canismo primário a adoção de uma moeda extraterritorial, que poderá resultar em: (a) redução

dos custos mútuos de transação, diversificação comercial e formação de novas coalizões do

setor privado; (b) experiência coletiva do fenômeno monetário e papel simbólico da moeda na

formação da identidade. A principal fonte desse poder é a atratividade que pode advir das

funções da moeda extraterritorial. (ANDREWS, 2006). Tal dimensão parece refletir o exemplo

europeu e a sensação de pertencimento à região que o euro provocou nos cidadãos que

vivem nos países da zona monetária europeia.

O significado de estadismo monetário (monetary statecraft) é mais restrito que o de

poder monetário: refere-se à manipulação consciente das relações monetárias de modo a

2 É importante destacar que o termo relacional é oriundo da definição de Strange (1988) sobre o poder de um país de formar e determinar a estrutura da economia política global. A autora diferencia o poder estrutural e o poder relacional, sendo este a capacidade de conseguir que um país faça o que ele não faria não fosse tal influência, enquanto o poder estrutural é o poder de alterar a estrutura da economia global para passar a tomar as decisões relacionadas ao seu funcionamento. 3 Andrews utiliza a conceituação de Benjamin Cohen (1966), da obra Adjustment Costs and the Distri-bution of New Reserves, para analisar o nível macro. Ele cita o autor, que considera o poder de atrasar pagamentos dos custos de ajuste e o poder de desviar tais custos como duas diferentes formas de poder monetário.

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afetar as políticas de outros Estados. Assim, pode-se dizer que o poder monetário corres-

ponde à influência e o estadismo ao controle. Estadismo monetário é, assim, a tentativa de

influenciar os meios em direção a um fim, de provocar mudanças desejadas no comporta-

mento de outros Estados (ANDREWS, 2006).

O termo foi criado por Andrews como uma subdivisão do estadismo econômico pro-

posto por David Baldwin. Este autor afirma que os instrumentos de política disponíveis aos

Estados que desejam influenciar o setor externo são a propaganda, a diplomacia, o estadismo

econômico e o militar. O estadismo econômico, segundo Baldwin, seria a tentativa de influen-

ciar outros Estados baseada em recursos que tenham aparência de um preço de mercado em

termos de moeda. Seria, assim, para Andrews (2006, p. 17), “a tentativa de influenciar base-

ada primariamente na manipulação das relações monetárias entre os Estados”.

O estadismo monetário, segundo Andrews (2006) busca isolar a política monetária

doméstica das pressões externas, isto é, preservar ao máximo sua autonomia monetária. Uma

maneira de alcançar tal objetivo é tornando-se um líder monetário regional ou global e enco-

rajando outros Estados a se adaptarem a suas preferências políticas. Como nem todos Esta-

dos poderão ser líderes, o isolamento político da maioria dos Estados vai depender de outras

opções, como o controle de capitais. A manipulação do valor externo da moeda ou de taxas

de câmbio também é considerado um elemento do estadismo monetário. Tal manipulação

pode ser benigna, quando busca estabilizar o valor externo de alguma moeda, ou pode ser

ameaçadora, quando tenta enfraquecer uma economia específica ou romper certo regime in-

ternacional. Outro canal de estadismo monetário é a restrição ou promoção do uso externo

de uma moeda.

Cooper (2006) considera o estadismo monetário um processo recíproco: tanto segui-

dores quanto líderes podem ganhar oportunidades de influência devido à criação de uma área

monetária. Considera que as áreas monetárias são um problema porque a emissão de moeda

representa um ativo (asset) quando outros estão comprando, mas um passivo (liability)

quando eles começam a vender.

3. A INTEGRAÇÃO EUROPEIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA: O AVANÇO EM

DIREÇÃO À MOEDA ÚNICA

A integração na Europa teve início em um contexto marcado pela ascensão hegemô-

nica dos Estados Unidos, pela Guerra Fria e pela reorganização do mundo pós II Guerra Mun-

dial. O Plano Schumann de 1950 trouxe para a Europa Ocidental novas iniciativas no campo

da política e da economia e tornou a ideia da integração uma realidade. Em 1951 surgiu a

Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, firmada pelo Tratado de Paris, tendo como seus

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países impulsionadores Alemanha, França e Reino Unido. Foi em 1957, no entanto, que a

integração se fortaleceu, por meio do Tratado de Roma, que deu origem à Comunidade Eco-

nômica Europeia (CEE) e à Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM). Eram

membros do bloco que deu origem a tais iniciativas: Alemanha Ocidental, França, Itália, Bél-

gica, Luxemburgo e Países Baixos (PECEQUILO, 2014).

Em 1969, os países resolveram criar, em estágios, uma União Econômica e Monetá-

ria, permeada por um contexto de grandes avanços da Comunidade Europeia (CE). Na dé-

cada de 1960 os países membros completaram o período de transição para uma união adua-

neira plena, estabeleceram uma política agrícola comum e criaram um sistema de recursos

próprios. Ao mesmo tempo, o sistema de Bretton Woods mostrava sinais de declínio (DE-

LORS, 1989).

Em 1970 foi elaborado o Relatório Werner, um plano para buscar a união monetária

e econômica. No ano seguinte os Estados membros demonstraram o interesse de estabelecer

tal união. Esse processo de convergência econômica teve origem com a criação da Serpente

Europeia, em 1972, que estabeleceu limites de flutuações cambiais de 2,25% entre as moe-

das dos países membros da Comunidade Europeia. Em 1973, foi criado o Fundo de Coope-

ração Monetário Europeu (DELORS, 1989).

Em 1974, o Conselho Europeu decidiu alcançar maior grau de convergência dentro

da Comunidade e, para isso, adotou uma Diretiva sobre estabilidade, crescimento e pleno

emprego. Após essa norma, o processo de integração perdeu força pelas divergências políti-

cas ao lidar com os choques econômicos que ocorriam no período, como a crise do petróleo

(DELORS, 1989). Já em 1979, os países retomaram o processo de integração monetária com

a criação do Sistema Monetário Europeu (SME), cujos principais objetivos eram reduzir o im-

pacto perturbador das desvalorizações cambiais e regular as mudanças nas paridades. Tal

iniciativa fora necessária porque, naquele ano, restavam poucas moedas na Serpente Euro-

peia (MONGELLI, 2008).

O SME foi fundado por todos os países que deram origem à CEE e à EURATOM,

somando-se a eles Dinamarca, Irlanda e Reino Unido. Tais países buscavam um novo tipo de

acordo cambial, flexível o suficiente para acomodar diferenças nas taxas de inflação entre os

países e com a simetria necessária para que todos os membros dividissem o fardo do ajuste

ao eliminarem desequilíbrios em seus Balanços de Pagamentos. Cada membro poderia es-

colher a taxa de inflação que mais se adequasse ao seu país (VON HAGEN; FRATIANNI,

1990).

O SME propiciou maior convergência entre os Bancos Centrais dos países membros

e constituiu-se em quatro fases: na primeira (1979-85) ainda havia controles de capital, desa-

linhamentos cambiais que, com taxas de câmbio fixas, exigiam frequentes alterações nas pa-

ridades, e grandes diferenças nos déficits fiscais e nas dívidas públicas entre os países. A

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segunda fase (1986-92), segundo Mongelli (2008) foi considerada, por muitos autores, uma

área do marco alemão, pois, a maioria dos países tentou aproximar suas taxas de inflação às

taxas alemãs. Tal moeda tornou-se efetivamente a âncora do sistema, os controles de capital

foram desaparecendo e a política monetária dos Bancos Centrais ficava cada vez menos in-

dependente. Em 1986 foi criado o Ato Único Europeu, que ampliou os objetivos da Comuni-

dade ao introduzir o Mercado Único como um deles (MONGELLI, 2008).

A visão que se tinha no início da década de 1990 era de que esse processo não se

consolidou. O SME era visto como um sistema assimétrico, dominado pelo Bundesbank ale-

mão. Von Hagen e Fratianni (1990) rejeitam tal hipótese. Segundo eles, o SME é uma rede

interativa de políticas monetárias onde o Bundesbank é um ator importante, mas não o domi-

nante. O SME definiu a Unidade Monetária Europeia com base em uma cesta de moedas e

um mecanismo cambial de margens fixas, mas com taxas variáveis dentro dessas margens.

Embora nenhuma moeda tenha sido definida como âncora do sistema, o marco alemão e o

Bundesbank passaram a estar no centro do SME e a maioria das outras moedas se baseava

no marco (MONGELLI, 2008).

Para ingressar na União Monetária Europeia (UME), os países deviam cumprir os

seguintes requisitos: ter taxas de inflação no máximo 1,5 p.p. acima da taxa média dos três

Estados que tivessem o menor nível de inflação, taxa de juros dos títulos governamentais de

longo prazo de até 2 p.p. acima do valor médio dos três países com as taxas mais baixas, um

déficit orçamentário de no máximo 3% do PIB, dívida pública inferior a 60% do PIB, variação

no valor da moeda nacional dentro da margem de 2,25% e que a mesma não tivesse sido

desvalorizado frente à moeda de outro Estado membro no mesmo período (SANDHOLTZ,

1993).

Ao final da década de 1980, os países confirmaram o objetivo de criar uma União

monetária e Econômica (DELORS, 1989). Eles estudaram o processo para propor estágios

concretos que pudessem levar ao alcance da meta. O presidente da Comissão Europeia era

Jacques Delors e o relatório que estabeleceu os passos que deveriam ser tomados para se

aprofundar o nível da integração ficou conhecido pelo seu sobrenome. Sob a base do Relató-

rio Delors, o Conselho Europeu decidiu que o primeiro estágio da UME teria início em 1990

(SANDHOLTZ, 1993).

Na terceira fase (09/1992-03/1993) o SME entrou em crise, pois alguns países que

não conseguiram reduzir suas taxas de inflação passaram a sobrevalorizar suas moedas, os

desalinhamentos cresceram e houve ataques especulativos em função da proximidade de

implementação do Tratado de Maastricht. Em 1993, foi estabelecido o Mercado Único Euro-

peu, o qual aboliu restrições sobre os movimentos de fatores e barreiras não tarifárias, por

exemplo, acesso a mercados, condições de competitividade e funcionamento do mercado. Na

última fase (1993-99), as taxas de câmbio foram fixadas e o sistema foi se preparando para,

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em 1999, onze países fixarem suas moedas, preparando-se para o lançamento do euro, o

que constituiu a terceira fase no processo de criação da União Econômica e Monetária (MON-

GELLI, 2008), como apresentado a seguir.

O primeiro estágio na criação de uma União Econômica e Monetária (1990-93) de-

veria garantir a completa liberdade para transacionar capitais, maior cooperação entre os Ban-

cos Centrais, o livre uso da Unidade Monetária Europeia (precursora do euro) e a melhoria da

convergência econômica (DELORS, 1989). Neste estágio foi definido que os países só pode-

riam participar da união se tivessem alto grau de convergência, que seria definido pelos crité-

rios de inflação, taxas de juro de longo prazo, déficit externo e dívida fiscal e taxas de câmbio.

O segundo estágio começou em 1994 e estabeleceu o Instituto Monetário Europeu, cujo prin-

cipal objetivo era o fortalecimento da cooperação dos Bancos Centrais, coordenação das po-

líticas monetárias e a preparação para o estabelecimento do Sistema Europeu de Bancos

Centrais (SEBC) (MONGELLI, 2008). Esperava-se, nesse estágio, que os Bancos Centrais

nacionais ficassem independentes e, assim, realizassem um trabalho preparatório para o es-

tágio três, que previa a adoção de uma moeda única (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2017).

Esta última fase se iniciou em 1999 e fixou irrevogavelmente as taxas de conversão

das moedas dos países membros do SME, pondo fim a este sistema. Nesse estágio, a con-

dução da política monetária passou para o Banco Central Europeu (BCE), o euro iniciou suas

operações como unidade de conta (baseado em uma taxa de câmbio entre ele e cada uma

das moedas dos países-membros), iniciou-se a condução da política monetária única pelo

SEBC, entrou em vigor o mecanismo cambial intra-UE e o Pacto de Estabilidade e Cresci-

mento (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2017)

Em 2001, o euro passou a circular como meio de troca, substituindo as moedas dos

países que pertenciam à zona monetária europeia, sendo eles: Áustria, Bélgica, Luxemburgo,

Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Países Baixos, Portugal e Espanha. Nesse

mesmo ano, a Grécia se juntou aos 11 países e passou a adotar o euro como sua moeda

oficial (MONGELLI, 2008). Em 2008, Chipre e Malta entraram na zona do euro, em 2009, a

Eslováquia. A Estônia adotou o euro em 2011, a Letônia em 2014 e a Lituânia em 2015.

No processo de criação do Banco Central Europeu já havia certo consenso em favor

de um modelo baseado em regras e orientado para a estabilidade. Ainda assim, o resultado

final refletiu o poder de barganha assimétrico alemão. A Alemanha teve mais poder dentro do

acordo porque perdeu e arriscou mais ao entrar. Em primeiro lugar, ela abriu mão do SME,

no qual sua moeda era âncora para uma série de outras moedas e, assim como os outros

países, perdia a soberania sobre sua própria moeda e corria o risco de enfrentar taxas de

inflação mais elevadas. Em segundo lugar, o Bundesbank tem poder de veto informal porque

sua reputação e popularidade o tornaram muito influente sobre a opinião pública alemã em

relação à UME. Em terceiro lugar, a Alemanha poderia ameaçar sair do processo da UME e,

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de fato, utilizava essa ameaça, o que pode ser associado a ruptura sistêmica, que Kirshner

(1995) descreve. Caso ela saísse do arranjo, este poderia romper-se. Por fim, ela poderia

ameaçar não aceitar outros países médios na União. Tais países, como a Itália, concordaram

com o Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) para que a Alemanha os aceitasse no

grupo. (HEIPERTZ; VERDUN, 2004).

O PEC foi criado para construir credibilidade, mas o poder e as ideias que o delinea-

ram foram mudando de formato ao longo do tempo. A Alemanha foi perdendo um pouco do

seu poder de barganha e do recurso à ameaça de saída durante o estágio III da UME, em

1999, e não era um exemplo de disciplina orçamentária, a qual era requisito para os países

que quisessem ingressar na zona monetária (HEIPERTZ; VERDUN, 2004).

4. ZONA MONETÁRIA EUROPEIA E A LIDERANÇA ALEMÃ

A liderança monetária alemã dentro da Europa não é algo novo. A força de suas

estratégias pode ser observada desde sua própria unificação, em 1879. A constituição do

zollverein, pela Prússia, representou a criação de uma união aduaneira associada a uma

união política para expandir seu poder e conseguir a unificação germânica sob o seu domínio

(VINER, 2014). No período entre guerras, também se pode observar a estratégia da Alemanha

para expandir o uso do marco, aproveitando-se de um contexto de depressão e escassez de

mercados consumidores pelo mundo. Na década de 1930, após recuperar-se da hiperinflação,

a Alemanha aceitou ter déficits em seu Balanço de Pagamentos como uma estratégia para

que os seus países vizinhos mais fracos recebessem enormes montantes de marcos (KIRS-

HNER, 1995).

Com a integração monetária europeia que surgiu após a II Guerra Mundial e conso-

lidou-se na década de 1990, deu-se processo similar. Sandholtz (1993) destaca que as pre-

ferências dos Estados são centrais para a integração monetária, as quais dependem de per-

cepções e objetivos dos atores e das políticas domésticas. Segundo ele, há três proposições

que indicam a influência que as instituições e as políticas da CEE tiveram sobre o interesse

nacional dos Estados. A primeira delas é a onda de entusiasmo provocada pelo mercado

único a favor da Comunidade; a segunda é a insatisfação da França e de outros países com

as assimetrias que percebiam no SME, mas a relutância em abandoná-lo devido a seu bom

funcionamento e, por isso, preferiram aprofundar a integração; por fim, a oportunidade que a

Comunidade dava aos países de usarem suas instituições e regras para obterem resultados

políticos que de outra forma não alcançariam.

A insatisfação francesa com o domínio alemão no SME foi considerada um dos prin-

cipais motivos por trás da sua proposta, em 1988, de ampliar a integração, indo além do SME.

A ideia de criar um Banco Central Europeu, que gerisse uma moeda comum entre os países

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membros parece, assim, ter vindo do ministro das finanças francês do período, Edouard Bal-

ladur. Outros países ainda não pensavam em uma União Monetária, mas após a proposta

francesa, passaram a apoiar tal ideia. Buscavam, com tal proposta, acabar com o domínio

alemão, enquanto mantinham a estabilidade cambial e de preços, gerada pela aproximação

cambial ao marco, e que cada país tivesse poder de decisão nesse novo instrumento

(SANDHOLTZ, 1993). Varoufakis (2011) destaca que os outros países queriam uma moeda

única porque as elites dos países deficitários já não aguentavam mais desvalorizações e a

classe trabalhadora não aguentava mais inflação.

Oficiais alemães eram capazes de oporem-se a essa ideia, que poderia reduzir seu

controle e que não dava garantias de que um novo Banco agiria tão bem quanto o seu no

controle da estabilidade de preços. No entanto, Helmut Kohl, o chanceler alemão, anunciou

que colocariam a união monetária na agenda. Segundo Sandholtz (1993), os alemães busca-

vam demonstrar a seus parceiros da Comunidade que ela continuaria sendo leal ao grupo.

Feldstein (2012) destaca, no entanto, que, mesmo abrindo mão do marco, a Alemanha pôde

influenciar algumas características do BCE, como a independência formal deste, sua meta

política única da estabilidade de preços, a proibição de comprar títulos de governos membros,

a negação ao resgate de países que se tornassem insolventes e a localização do BCE, que

ficou em Frankfurt. A aceleração do processo em direção à união monetária em 1989 e 1990

pode ser vista sob o âmbito do desejo dos líderes europeus de uma ordem europeia

(SANDHOLTZ, 1993).

Segundo Varoukafis (2011), a preponderância alemã na Europa e a força do marco,

sua antiga moeda, foram parte de uma estratégia dos Estados Unidos de realizar investimen-

tos na Alemanha e foi central para o desenvolvimento industrial da Europa. Como foi se cons-

tituindo em um país cada vez mais superavitário, enquanto os EUA tornavam-se mais defici-

tários com o passar do tempo, a Alemanha temia desvalorizações monetárias competitivas

por parte de seus vizinhos. Por isso, quis criar um mecanismo monetário que mantivesse as

flutuações monetárias na região dentro de certos limites, o que foi efetuado pelo SME. Se-

gundo Sandholtz (1993), o marco possuía papel central em qualquer política monetária em

nível europeu porque era a moeda mais utilizada da Comunidade, representando aproxima-

damente 30% da cesta da Unidade Monetária Europeia, e porque o seu Banco Central pos-

suía um histórico anti-inflação admirável. Kaltenthaler (2005) aponta que o BCE seguiu as

diretrizes do Banco Central Alemão, mas que isso não foi feito por imposição alemã, e sim

porque os responsáveis pelos Bancos Centrais de um grupo de países viam que o modelo de

política monetária alemão seria bom para o Banco conjunto que eles almejavam.

Um governo que pode emitir sua própria moeda tem maiores meios de conseguir

cumprir seus compromissos. Ele tem a sua disposição a coleta da taxa de senhoriagem que

pode ser interpretada como um instrumento fiscal. A moeda supranacional tira a flexibilidade

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de utilizar a emissão monetária como forma de responder a choques idiossincráticos (COHEN,

1989). Como Helleiner (2003) destaca, a emissão da moeda nacional também pode ser utili-

zada como uma forma de promover o nacionalismo. Seguindo essa linha, Feldstein (2012)

destaca que a criação da UME foi gerada por objetivos políticos, e não econômicos, pois os

países acreditavam que o uso de uma moeda comum entre eles promoveria, no público, uma

sensação maior de pertencimento à Comunidade.

Além disso, a implantação de uma moeda comum pode gerar benefícios como a re-

dução dos custos de informação e de transações, a diminuição do distanciamento entre taxas

de retorno sociais e privadas, a uma alocação de recursos mais eficiente e à queda no impacto

de choques desestabilizadores. No entanto, cabe destacar que tais benefícios só poderão ser

sentidos se a área monetária garantir condições de estabilidade interna em termos de juros e

inflação (COHEN, 1989).

Von Hagen e Fratianni (1990) buscam compreender se a Alemanha aceitava o papel

de líder, caso, de fato, cumpria esse papel na década de 1990. Entre as razões apontadas

pelos autores, para a Alemanha assumir os custos de liderar a zona monetária, estaria a busca

de maior integração financeira entre os membros. O marco alemão estava mais exposto a

ataques especulativos que se originavam no mercado de dólar do que outras moedas euro-

peias. Sob taxas de câmbio fixas e mercados financeiros integrados, os fluxos de capitais

especulativos seriam melhor distribuídos na região. Para isso, os países de moeda mais fraca

precisariam colocar controles sobre capitais e trocas, o que seria de interesse alemão na in-

tegração financeira europeia.

Ao avaliar a teoria de Cohen (2011) sobre o uso de moedas internacionais, pode-se

inferir que o euro, se tivesse sido criado sem a Alemanha, teria dificuldades em ganhar espaço

na União Europeia, pela questão da inércia, que é a preexistência de uma rede de transações

já bem estabelecida, que conferia uma vantagem natural ao marco, por ter surgido antes.

Porém, com a substituição da moeda mais amplamente usada na Europa pelo euro, ele já

surgiu com muitos dos atributos necessários para o sucesso competitivo. Juntos, os 11 países

que constituíam a UME tinham um mercado conjuntamente quase tão grande quanto o dos

EUA e um considerável potencial para externalidades em rede. A UME também já surgiu com

estabilidade política inquestionável e baixa taxa de inflação, garantida pelo BCE – autoridade

monetária conjunta, que é plenamente comprometido a preservar a confiança no valor futuro

do euro (COHEN, 2011).

Como o BCE faz política baseando-se nas condições gerais de todos os países na

união monetária, as taxas de juros tornam-se muito baixas nos países que possuem salários

em rápido crescimento e muito altas nos países que enfrentam desemprego. Em função do

tamanho da economia alemã ser muito maior que o das outras, com exceção da França, que

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fica em segundo lugar, o Banco dá maior peso às condições que ocorrem na Alemanha (FEL-

DSTEIN, 2012). Pode-se observar, por meio do gráfico a seguir, a alta diferença nos PIB’s

dos países que compõem a zona monetária europeia.

Tabela 1 - PIB total dos países da zona do euro a preços correntes (em bilhões de dólares).

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da UNCTAD (2017).

*Dados em vermelho representam o ano de ingresso de cada país que não foi membro fundador na zona monetária europeia.

Pode-se visualizar pela tabela como o PIB de Alemanha, França, Itália, Espanha e

Holanda aumentou após a introdução do euro em 2001. No entanto, a parcela de vantagem

alemã relativa aos outros países continuou elevada, principalmente após a crise de 2008. Em

2015, o PIB alemão era de US$ 3.296 bilhões, enquanto o da França, segundo maior PIB da

zona do euro, era de US$ 2.400 bilhões, seguida por Itália, que apresentava PIB no valor de

US$ 1.804 bilhões. O menor PIB da zona do euro é o de Malta, que, em 2015, representou

apenas US$ 9,51 bilhões.

Segundo Feldstein (2012), o avanço da zona do euro em direção a uma área mone-

tária ótima, com a implementação da união orçamentária, só exacerbaria as tensões e os

conflitos que estão presentes dentro da Europa, em função da crise do euro. O autor considera

que a crise surgiu muito em função das discrepâncias de poder e assimetrias entre os países.

Para Varoufakis (2011), a formação do euro aprofundou a estagnação nos países já

deficitários e na França, e aumentou o superávit da Alemanha e outros países superavitários

da zona do euro. Segundo ele, isto permitiu que as corporações alemãs se internacionalizas-

sem e que a Alemanha e os outros superavitários se tornassem, dentro da Europa, o simulacro

1993 1999 2001 2002 2005 2007 2008 2009 2011 2014 2015

Alemanha 2068,48 2199,89 1950,63 2079,23 2861,34 3439,78 3752,50 3417,80 3757,70 3868,29 3296,01

França 1332,70 1503,09 1384,84 1503,27 2207,83 2668,84 2930,05 2699,12 2868,76 2836,25 2400,50

Itália 1061,79 1249,02 1162,77 1267,10 1853,47 2203,97 2391,96 2186,11 2278,23 2141,16 1804,18

Espanha 523,68 633,18 625,97 705,18 1157,25 1479,27 1635,05 1498,98 1488,02 1381,34 1185,82

Holanda 349,03 441,96 426,57 465,39 678,52 839,38 936,26 857,88 893,76 879,32 754,18

Bélgica 225,92 260,19 237,84 258,87 387,36 471,80 518,65 484,52 527,01 531,55 452,96

Áustria 189,91 216,72 196,95 212,98 314,64 386,44 427,63 397,57 429,04 436,89 371,76

Finlândia 89,25 135,22 129,25 139,56 204,43 255,37 283,75 251,48 273,67 272,22 228,33

Irlanda 52,47 98,69 109,08 127,94 211,38 269,70 274,72 235,37 241,80 250,81 225,37

Portugal 95,02 127,46 121,54 134,23 197,30 240,16 262,02 243,73 244,90 230,12 196,12

Grécia 108,81 149,15 136,19 153,84 247,78 318,48 354,47 329,98 287,80 235,57 193,06

Eslováquia 13,75 20,79 21,38 24,78 48,81 76,72 96,36 88,66 97,93 100,25 86,54

Luxemburgo 16,65 22,34 21,05 23,31 36,98 50,32 55,15 50,38 58,70 64,87 57,13

Eslovênia 13,21 22,69 20,88 23,56 36,34 48,11 55,59 50,24 51,29 49,49 42,34

Lituânia 6,90 10,97 12,25 14,28 26,14 39,73 47,90 37,44 43,51 48,39 40,70

Letônia 5,20 7,53 8,35 9,54 16,90 30,85 35,54 26,15 28,39 31,29 26,92

Estônia 4,16 5,73 6,25 7,32 14,00 22,23 24,17 19,66 23,17 26,49 22,27

Chipre 7,30 10,56 10,50 11,51 18,85 23,97 27,57 25,68 27,17 23,08 19,19

Malta 2,80 4,09 4,07 4,47 6,39 7,93 8,98 8,53 9,58 10,54 9,51

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do que os Estados Unidos faziam mundialmente - posição que ele chama de minotauro global.

A tabela 2 e o gráfico 1 ilustram a afirmação de Varoufakis.

Tabela 2 - Saldo da conta corrente a preços correntes (em bilhões de dólares).

Fonte: Elaboração própria com base em dados da UNCTAD (2017). *Dados em vermelho representam o ano de ingresso de cada país que não foi membro fundador na zona monetária europeia.

Gráfico 1 - Saldo da conta corrente a preços correntes (em bilhões de dólares).

Fonte: Elaboração própria com base em dados da UNCTAD (2017).

O gráfico ilustra a comparação da conta corrente alemã com a média dos países su-

peravitários e deficitários de cada ano. Pode-se perceber que, até 2001, a Alemanha apre-

sentava um déficit maior que a média dos países deficitários e, após a introdução do euro,

Saldo da conta corrente a preços correntes (em bilhões de dólares)

1997 1999 2001 2002 2004 2006 2008 2009 2011 2014 2015

Alemanha -11,52 -31,31 -7,02 39,76 126,07 171,29 210,89 198,87 227,97 281,30 285,37

Grécia -4,86 -7,29 -9,40 -9,58 -13,48 -29,57 -51,31 -35,91 -28,58 -4,87 -0,12

Irlanda 1,87 0,24 -0,69 -1,10 -1,08 -7,86 -15,30 -5,00 2,83 15,24 10,56

Itália 32,28 8,11 -0,65 -9,37 -16,45 -47,83 -67,99 -41,40 -70,10 38,51 39,48

Letônia -0,35 -0,65 -0,50 -0,52 -1,68 -4,52 -4,48 2,15 -0,80 -0,63 -0,33

Lituânia -0,98 -1,19 -0,57 -0,72 -1,71 -3,19 -6,57 0,85 -1,68 1,68 -0,72

Luxemburgo 1,83 1,65 1,67 2,31 4,09 4,21 4,18 3,66 3,38 3,32 3,19

Malta -0,23 -0,13 -0,15 0,11 -0,23 -0,53 -0,08 -0,56 -0,23 0,37 0,96

Holanda 25,08 15,68 9,81 11,02 44,27 57,17 38,96 50,02 81,32 83,53 68,78

Portugal -6,63 -11,28 -12,67 -11,35 -15,81 -22,22 -31,95 -25,45 -14,78 0,21 0,90

Eslováquia -1,96 -1,16 -1,74 -1,95 -4,36 -5,45 -6,27 -3,02 -4,91 0,18 -1,12

Eslovênia 0,05 -0,70 0,03 0,24 -0,89 -0,70 -2,95 -0,28 0,10 3,45 3,13

Espanha -0,83 -20,87 -27,55 -26,26 -59,78 -113,75 -152,55 -63,72 -47,06 12,81 16,66

Áustria -5,10 -3,49 -1,51 5,46 6,07 11,06 19,33 10,32 6,79 3,23 9,62

Bélgica 13,84 20,07 7,90 11,61 11,43 7,55 -4,29 -5,24 -5,49 -1,19 -0,25

Chipre -0,42 -0,17 -0,32 -0,38 -0,83 -1,28 -4,22 -1,99 -1,05 -1,05 -0,71

Estônia -0,56 -0,29 -0,32 -0,78 -1,37 -2,59 -2,22 0,53 0,31 0,26 0,48

Finlândia 6,63 8,04 12,08 12,08 12,54 8,21 6,15 5,12 -4,90 -2,69 0,32

França 37,80 50,69 20,96 17,64 9,17 0,52 -28,18 -22,06 -29,49 -27,49 -4,80

-50

0

50

100

150

200

250

300

350

Alemanha Média dos superavitários Média dos deficitários

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passa para a posição superavitária, cujo montante foi tornando-se a cada ano mais expres-

sivo.

A diferença do superávit corrente alemão e do holandês, que possui o segundo maior

superávit corrente da zona do euro, é expressiva, com a primeira apresentando, em 2015, um

superávit de US$ 285,3 bilhões e a segunda, de US$ 68,8 bilhões. A Espanha, mesmo já

conseguindo recuperar-se e apresentando, em 2015, um superávit de US$ 16,7 bilhões,

desde que adotou o euro, até a crise que irrompeu em 2008, apresentou um declínio acentu-

ado em sua Balança Comercial, chegando ao déficit de US$ 152,5 bilhões em 2008.

Para Feldstein (2012), a taxa de câmbio dos países deficitários se ajustaria com o

tempo se não fossem membros da zona monetária europeia. Ele considera que, mesmo se a

Alemanha formalizasse uma assistência financeira de longo prazo aos países deficitários, os

controles que ela possui de salários e rendas criariam sérias tensões entre eles.

Como destaca Beck (2015), a União Europeia surgiu como resultado da guerra como

uma resposta, entre outras, ao Holocausto, e hoje é a ameaça da crise do euro que traz aos

indivíduos a consciência de que eles não vivem na França, Alemanha ou na Grécia, mas sim,

vivem na União Europeia. No entanto, os programas de austeridade e de recuperação dos

bancos trazem aos jovens uma nova perspectiva em relação a essa integração. Cidadãos de

um país pensam que é o outro país que os está prejudicando.

Beck (2015) define a política alemã para a zona do euro como Merkiavelismo. Ele

associa o comportamento da chanceler Ângela Merkel com a teoria de poder de Maquiavel e

os componentes que resultam do Merkiavelismo tornam-se o cerne do poder da Alemanha na

Europa, sendo eles: a hesitação, não dizer sim nem não, a utilização disso como tática para

dominar, a busca do amor interno e temor externo e a imposição aos outros de suas regras,

definidas pela estabilidade. Segundo ele, tal estratégia não tem alcançado resultados satisfa-

tórios. Segundo Feldstein (2012), mesmo com os benefícios que Grécia e outros obtenham

por serem membros da zona monetária, como o recebimento de transferências, o preço que

estão pagando em termos de desemprego e insatisfação social é muito alto.

A Alemanha já conseguiu obter poder, refletido por meio do aumento do seu superávit

corrente, que lhe dá mais reservas e, assim, permite que tenha mais poder monetário e re-

presentatividade internacional, que ganha ao mostrar-se à frente das decisões tomadas na

zona do euro. Isto é, beneficiou-se da extração de vantagem pela dependência monetária.

Agora, com a crise que atinge muitos países da União Europeia, sendo a Grécia o exemplo

mais alarmante, ela vem praticando imposição e a ameaça da expulsão. A chanceler alemã,

criticada por Varoufakis e Beck, deve atentar-se para que sua política de negar a ajuda e

impor condicionalidades muito rígidas para a concessão de empréstimos não se torne um

fardo maior do que a saída do bloco para os países em recessão. Como já assinalado, a

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imposição e a expulsão são as práticas menos utilizadas de dependência monetária por ge-

rarem esse risco.

5. CONCLUSÃO

Pelo exposto, pode-se observar que o poder monetário é uma característica das Re-

lações Monetárias Internacionais e, como afirma Kirshner (1995), tornar-se-á cada vez mais

frequente em função da globalização e da ausência atual de grandes guerras mundiais. O

poder e o estadismo monetário são processos interligados, sendo o segundo apenas a reali-

zação do primeiro de forma intencional. Enquanto o poder monetário pode ocorrer de maneira

automática, o estadismo é realizado por meio da estratégia explícita de algum país.

Essa síntese traz dúvida quanto ao comportamento alemão. Ainda há incertezas na

literatura sobre se a liderança alemã foi algo que surgiu naturalmente (poder monetário) ou se

foi parte de uma estratégia nacional alemã ou de seu Banco Central (estadismo). O que se

pode afirmar e destacar, é que ela parece utilizar-se da dependência monetária dos demais

países para obter poder, especialmente de três dos seus elementos: extração, imposição e

expulsão. Resta a dúvida sobre se essa utilização é intencional ou espontânea

Considerando o argumento de Andrews (2006) de que o estadismo é utilizado para

isolar a política monetária doméstica das pressões externas e que uma maneira de alcançar

tal objetivo é tornando-se líder monetário regional e, assim, encorajar outros Estados a se

adaptarem a suas preferências políticas, pode-se inferir que a Alemanha pratica estadismo

monetário. É ousado, porém, assumir aqui o grau de intencionalidade com que ela assumiu a

posição de liderança.

É possível rejeitar preliminarmente, entretanto, a hipótese apresentada, de que a

constituição do euro foi estratégia do Banco Central alemão para lograr benefícios políticos e

econômicos em função da vulnerabilidade monetária dos seus vizinhos. A hipótese não pôde

ser confirmada, pois, como apresentado, não foi a Alemanha que iniciou tal processo. Cabe

destacar, por outro lado, dada a literatura e os dados analisados, que ela é o país que assumiu

a liderança da zona monetária e, assim, o que mais obtém benefícios da mesma, embora

também tenha mais custos para mantê-la.

Apesar das críticas atuais em torno do euro, a adesão dos países a ele foi voluntária,

assim como a sua possível desistência também será. Por enquanto, os países têm conside-

rado mais vantajoso aproveitarem-se da estabilidade das regras monetárias alemãs que eles

obtêm sendo membros do arranjo. Se a Alemanha, por sua vez, vier e explorar em demasia

a imposição e a expulsão, tal cálculo de custos e benefícios pode alterar-se.

Com relação à substituição do Sistema Monetário Europeu pela União Monetária Eu-

ropeia, pode-se considerar que, mesmo não sendo da Alemanha a proposta de criar a UME,

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ela beneficiou-se de tal arranjo por continuar impondo seus preceitos de política monetária

sem, explicitamente, amedrontar seus vizinhos, ao gerar neles uma sensação de pertenci-

mento e comando conjunto. Além disso, a Alemanha beneficiou-se da moeda única no setor

externo, pois, dado o expressivo volume de suas exportações, sua moeda tenderia a apreciar-

se, o que poderia diminuir o superávit do seu Balanço de Pagamentos. Possuindo a mesma

moeda que países deficitários, essa pressão ficou neutralizada.

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