arranjo - polígrafo 2010

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  • 7/26/2019 Arranjo - polgrafo 2010

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE ARTES

    A elaborao de arranjos de canes populares para violo solo

    Fanuel Maciel de Lima Jnior

    CAMPINAS 2003

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE ARTES

    Mestrado em Msica

    A ELABORAO DE ARRANJOS DE CANES POPULARES

    PARA VIOLO SOLO

    FANUEL MACIEL DE LIMA JNIOR

    Dissertao apresentada ao Curso deMestrado em Msica do Instituto de Artes

    da UNICAMP como requisito parcial para aobteno do ttulo de Mestre em Msica sob

    a orientao do Prof. Dr. Marcos Siqueira

    Cavalcante.

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    CAMPINAS 2003

    FICHA CATALOGRFICA

    Lima Jnior, Fanuel Maciel de

    L628e A elaborao de arranjos de canes populares para violo solo /Fanuel Maciel de Lima Jnior. -- Campinas, SP : s.n.], 2003.

    Orientador: Marcos Siqueira Cavalcante.Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,

    Instituto de Artes.

    1. Arranjo (Msica). 2. Msica popular. 3. Violo Instruo e es-tudo. I. Cavalcante, Marcos Siqueira. II. Universidade Estadual de Cam-pinas. Instituto de Artes. III. Ttulo.

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    1. O ARRANJO

    O CONCEITO DE ARRANJO

    Considerada muitas vezes como atividade menor na msica, a tarefa de arranjar

    tem assumido significados to diferentes ao longo da histria da msica que ora ela con-

    fundida com a prpria atividade composicional, ora seus significados so to dspares que

    o arranjo chega a ser confundido com transcrio ou vice-versa.

    No verbete destinado a este vocbulo, do dicionrio Aurlio da lngua portuguesa,

    consta que arranjo derivado regressivo do verbo arranjar ato ou efeito de arranjar e

    boa ordem ou disposio, etc., quando trata das generalidades de seu significado, e no

    item msica, destinado ao vocbulo, afirma ser o arranjo uma verso diferente da origi-

    nal, de obra ou fragmento de obra musical, feita pelo prprio compositor ou por outra

    pessoa, especificando ainda que no jazz, o processo de criao que procura substituir

    a improvisao pela anotao prvia, recomendando ao final uma comparao com adap-

    tao (transformao de uma obra musical para servir a um novo fim.); harmonizar

    (realizar os acordes indicados num baixo-cifrado.); instrumentar (escrever para cada

    instrumento a parte da pea musical que lhe pertence, numa execuo em conjunto.) e,

    por fim transcrio, que segundo ele, a adaptao de uma obra musical a um instru-

    mento ou grupo de instrumentos diferentes dos da verso primitiva: Bach fez transcries

    para o rgo dos concertos para violino de Vivaldi.

    Cabe aqui observar que a confrontao e comparao sugeridas pelo texto deno-

    tam uma tentativa de aproximao de significado entre os termos citados. No obstante

    este fato que por si j provoca alguma confuso cabe tambm a crtica sobre a distino

    que o texto faz de significados diferentes atribudos ao termo (na msica de um modo

    geral e no jazz em particular) para um mesmo significante (o arranjo), dentro de uma

    mesma rea de conhecimento, que a msica. Interessante, por outro lado, a compara-

    o de notao prvia com processo de criao, permitindo antever-se a uma estreita re-

    lao de arranjo com a composio.

    No sendo privilgio apenas dos dicionrios comuns, as semelhanas e contradi-

    es de significado tambm so encontradas nos dicionrios que tratam especificamente

    da msica, como o caso do Grove, quando afirma que arranjo a reelaborao ou a-

    daptao de uma composio, normalmente para uma combinao sonora diferente do

    original (p. 43) e o do Dicionrio de Msica da Zahar, quando diz ser o arranjo a adap-

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    tao de composio para um instrumento ou conjunto de instrumentos diferente do pre-

    tendido pelo compositor, acrescentando que uma transcrio um arranjo feito usual-

    mente com maior cuidado (p. 22). Ressalte-se que os dois estabelecem uma estreita a-

    proximao entre arranjo e transcrio e que o texto do dicionrio Zahar considera o ar-

    ranjo menos cuidadoso que a transcrio1.

    O ARRANJO NA MSICA OCIDENTAL

    Se por um breve momento nos ativermos ao desenrolar da histria da msica oci-

    dental e observarmos o que ocorreu em suas diferentes pocas, com suas distintas prticas

    musicais, vamos encontrar, para o termo arranjo, significados ainda mais prximos das

    prticas composicionais vigentes. Segundo Grout, em 1524 o principal colaborador mu-

    sical de Martinho Lutero, Johann Walter (1496-1570), publicou um volume de trinta e

    oito arranjos de corais alemes, acrescidos de cinco motetes latinos... e mais adiante,

    uma antologia mais importante de 123 arranjos polifnicos de corais e motetes foi edita-

    da em Vitemberga no ano de 1544 por Georg Rhaw (1488-1548), o principal editor de

    msica da Alemanha luterana. Neste captulo da obra, destinada msica sacra do renas-

    cimento tardio, os autores acrescentam ainda que os arranjos polifnicos dos corais no

    se destinavam congregao, mas sim ao coro. Uma forma corrente de interpretao con-sistia em alternar estrofes do coral cantadas pelo coro, dobrado s vezes por instrumentos,

    com estrofes cantadas em unssono pela congregao sem acompanhamento. (GROUT,

    p. 280). E isto para citar apenas algumas das inmeras vezes em que o termo surge na

    obra, associado a diferentes atividades musicais praticadas, com uma importncia que lhe

    conferida de acordo com a situao abordada.

    Mais recentemente, no perodo Barroco, encontramos uma prtica musical muito

    caracterstica e predominante na poca, a do Baixo contnuo, que novamente nos remeteao significado do termo arranjo. O baixo contnuo consistia na composio de uma linha

    para o baixo com indicaes atravs de cifras (indicada em nmeros arbicos), da realiza-

    o que ficava a cargo do instrumentista. A liberdade concedida ao instrumentista (de

    tecla ou alaudista) para a realizao que por vezes era designada como ripieno, um termo

    que no domnio da culinria significava (GROUT, p. 314), requisitava des-

    1

    Mais que um equvoco conceitual quanto ao termo, o dicionrio em questo deixa transparecer um certopreconceito em relao prtica arranjstica.

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    te uma atuao muito semelhante a do arranjador. Ainda segundo GROUT, a realizao

    a execuo efetiva deste tipo de baixo cifrado variava segundo a natureza da composi-

    o e o gosto e percia do intrprete, que ficava com uma larga margem para a improvisa-

    o no mbito do quadro estabelecido pelo compositor; podia tocar acordes simples, in-

    troduzir notas de passagem ou incorporar motivos meldicos em imitao do soprano ou

    do baixo. (GROUT, p. 313).

    Considerando-se o corpo de conhecimento que o instrumentista necessitava para

    desempenhar um papel satisfatrio em termos dessas exigncias, pode-se inferir o alto

    grau de proficincia que ele precisava ter para alcanar boas realizaes neste sentido.

    Constata-se novamente aqui a proximidade de funes desempenhadas entre o arranjador

    do sculo XX e o instrumentista que realizava o baixo cifrado para o acompanhamento deobras no perodo Barroco.

    Ainda no Barroco, quando Johann Sebastian Bach harmoniza seus trezentos e

    setenta e um corais recolhidos na igreja protestante e utilizadas no ofcio religioso daquela

    igreja, exercita uma prtica que de certo modo combina a composio e o arranjo. Aqui, o

    ato de harmonizar implica que o compositor conceba uma harmonizao sua maneira

    para a realizao a quatro vozes, de melodias que antes eram cantadas em unssono. Sua

    concepo para a escolha das harmonias amparada por seu estilo e gosto pessoal, almdas caractersticas de linguagem presentes no perodo. A composio das outras trs par-

    tes atribudas s outras vozes um processo que guarda semelhanas estreitas com a pr-

    tica do arranjo.

    Com uma viso menos conceitual, mais contextualizada historicamente e um en-

    foque mais social do termo, Paul Griffiths, na obra Enciclopdia da Msica do Sculo

    XX, afirma ser o arranjo uma arte vista nos sculos XVIII e XIX como um meio de

    divulgar a msica com mais rapidez, isto , editar sinfonias em verses para dueto de pia-no, acrescentando que os msicos do sculo XX, menos confiantes em que o arranjo

    seja um processo neutro, inclinam-se a us-lo conscientemente para marcar uma determi-

    nada coisa numa obra, como a orquestrao em que Webern reala os motivos do ricerca-

    re a seis vozes de Bach, ou a tentativa de Schoenberg de descobrir uma sinfonia oculta no

    Quarteto para Piano em Sol Menor de Brahms. Em alguns casos o de Pulcinella, de

    Stravinsky, por exemplo, ou as verses de Purcell feitas por Davies o arranjo destri

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    propositalmente o original, criando algo novo (ou a destruio pode no ser intencional,

    como no Concerto para Violoncelode Schoenberg segundo Monn). (GRIFFTHIS, P. 7).

    E finalmente, Ian Guest, na obra Arranjo, Mtodo Prtico, publicado em 1996 pe-

    la Lumiar Editora, compara o arranjador como o representante do compositor, qualifi-candoo como verdadeiro engenheiro da msica, a quem caberia a funo de conceber

    as tarefas que so realizadas pelos instrumentistas. (GUEST, volume 1, p. 42).

    O propsito de citar aqui todos esses autores e fazer todas essas consideraes a-

    cerca do termo arranjo o de tentar compreender seu significado, distinguindo-o dos pro-

    cessos habitualmente qualificados como transcrio, bem como conferir ao ato de arranjar

    a importncia que lhe devida. Em outras palavras, pretende-se situar aqui a atividade de

    realizao do arranjo muito mais prxima do exerccio composicional propriamente doque associ-lo prtica da transcrio.

    ARRANJO E COMPOSIO O PROCESSO CRIATIVO

    Estabelecendo um paralelo entre as duas atividades, a da composio e a do arran-

    jo, verifica-se que a nica distino entre as duas a concepo da idia ou ainda, o insi-

    ght. No processo de formao do compositor est implcita a aquisio das tcnicas com-posicionais objetivando sempre o desenvolvimento de uma idia original. Em seu apren-

    dizado no est prevista a justaposio de idias brilhantes sem que haja a explorao ou

    um aproveitamento (desenvolvimento) de cada uma dessas idias. O que no lhe pode ser

    ensinado como ter boas idias, aproveitveis por assim dizer.

    Portanto, exceo da concepo da idia prerrogativa do compositor enquan-

    to atribuio constatamos que todas as outras tarefas relacionadas ao trato com a matria

    sonora so verificveis nas duas atividades. Ambos tm que lidar com questes tais comoplanejamento formal, tratamento textural, uso de tcnicas de variao, explorao ade-

    quada do meio escolhido, etc., com a mesma proficincia. O compositor quando varia,

    tambm pratica a arte de arranjar a partir de uma idia inicial que nesse caso, foi concebi-

    da por ele prprio.

    Para alm de todas essas consideraes e argumentos aqui apresentados, seria til

    tomar contato com as fases lgicas do processo criativo, como prope G. Kneller, para,

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    luz de tal fundamentao confrontar os desdobramentos de ambas as atividades, quais

    sejam, a composio e o arranjo, com o intuito de estabelecer uma comparao entre elas.

    Kneller distingue como fases lgicas do processo criativo na arte e na cincia a a-

    preenso, a preparao, a incubao, a iluminao, a verificao e a comunicao, assina-lando que essas distines entre as fases representam antes convenincias de pesquisa do

    que divises do prprio processo. Segundo ele, a apreenso implica em algo a ser reali-

    zado ou um problema a ser resolvido. Envolve inteno, seleo e deciso. A preparao

    seria uma fase tcnica que implicaria na aquisio de conhecimento consciente. Na fase

    seguinte, a da incubao, h uma suspenso do juzo ou do pensamento consciente, dando

    lugar ao pensamento infra-lgico e da abduo ou ainda, a capacidade de formar hipteses

    possveis. A fase da iluminao corresponderia ao estgio de colocar-se em ao o pen-samento criativo, o pensamento interior e o raciocnio perceptual, processos mentais que

    conduzem mentalizao de formas completas e percepo da soluo de um problema.

    A verificao implica na codificao do pensamento, na traduo em linguagem ou outras

    expresses, para, a partir de ento, inserir o criativo, a inveno, no campo social, atravs

    da comunicao que ltima fase.

    Importante frisar que, conforme o prprio autor acrescenta, as fases apontadas no

    ocorrem de maneira seqencial nem tampouco isoladamente. O processo criativo permitee at exige um livre trnsito entre as diversas fases, propiciando ao criador ou ao in-

    ventor, a flexibilidade necessria ao trato com a sua criao ou inveno.

    Que todas essas fases so identificveis no fazer composicional ponto pacfico e

    um pressuposto, tornando desnecessrio qualquer comprovao que o sustente uma vez

    que compor implica em criar ou conceber uma obra artstica. No intuito de verificar de

    que maneira estas fases esto presentes nas atividades do arranjador, seria de alguma uti-

    lidade considerar inicialmente as funes das quais o arranjador no pode prescindir.

    Ao arranjador cabe as tarefas de escolha da obra ou fragmento de obra para a rea-

    lizao do arranjo, avaliao do instrumento ou grupo de instrumentos a serem utilizados

    como meio de expresso, planejamento formal para a concepo do arranjo, escolha de

    tonalidade adequada aos meios escolhidos, adequao do material harmnico enquanto

    linguagem a ser explorada, definio das funes desempenhadas por cada um dos ins-

    trumentos de acordo com suas caractersticas idiomticas, alm de todas as tcnicas em-

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    pregadas para a composio do arranjo, tcnicas estas oriundas da atividade composi-

    cional.

    Situando a concepo da idia na fase de apreenso, dentre as fases lgicas do

    processo criativo, e considerando-a exceo por compreend-la, como sendo exclusiva doprocesso composicional, pode-se constatar que todas as outras fases esto presentes na

    realizao do arranjo. A fase de preparao implica (como no processo composicional)

    na mesma aquisio de conhecimento consciente, ou seja, o domnio de todas as tcnicas

    necessrias para a realizao do arranjo. A fase de incubao, que implica na suspenso

    do juzo e no estabelecimento de associaes, manifestada quando o arranjador se per-

    mite toda a fantasia necessria ao processo criativo mesmo, operando desde a concep-

    o formal at a criao de partes atribudas aos diversos instrumentos ou vozes. A ilumi-nao, que subseqente da incubao, mas que interdependente desta, pe em ao o

    pensamento criativo como jogo combinatrio. A fase da verificao se manifesta quan-

    do do modelo acabado atravs da formulao em linguagem ou outras expresses que no

    caso especfico a msica. esta a fase da codificao do pensamento, que exigir do

    arranjador a competncia e o desempenho para lidar com um sistema de signos. A ltima

    fase, a da comunicao, acontece quando a criao sai ao mundo onde ser repertoriada,

    consumida e/ou reelaborada.

    ARRANJO E TRANSCRIO

    Aps todas as consideraes apresentadas acerca da significao do termo arranjo

    e tratados os assuntos relacionados com as atividades implcitas no ato de arranjar a obra

    musical, seria de grande utilidade examinar nas prximas linhas o termo transcrio, para

    elucidar o que pode ainda permanecer duvidoso, conferindo a cada um dos termos citados,

    quais sejam, arranjo e transcrio, o sentido que lhes pode ser mais adequado.

    O termo transcrio deriva do verbo latino transcribere, e composto de trans (de

    uma parte para outra; para alm de) e scribere (escrever), significando, portanto, escre-

    ver para alm de, ou ainda escrever algo, partindo de um lugar e chegando a outro.

    (BARBEITAS, P. 90). Trazida para a msica, a expresso transcrio musical compre-

    endida como o processo de modificao do meio fnico original de uma determinada

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    composio2, significando tambm a passagem de obras escritas em notaes antigas para

    a notao moderna ou ainda, o registro, em notao musical, de obras ouvidas em discos

    ou em apresentaes ao vivo.

    Realizar uma transcrio musical implica estudar minuciosamente a obra do com-positor em questo, incluindo o estilo de poca e as conseqncias do processo de adapta-

    o para o instrumento escolhido. Ao transcritor, que muitas vezes lana-se na empreitada

    de transcrever obras de uma poca ou de um compositor quase sempre com o objetivo de

    difundir uma determinada produo musical, cabe as tarefas de analisar acuradamente o

    original da obra escolhida, levando em considerao todos os detalhes afeitos ao instru-

    mento ou ao grupo de instrumentos utilizados inicialmente para, a partir desse estudo a-

    profundado, realizar a transcrio da obra observando todos aqueles detalhes, adaptando-os ao novo meio fnico.

    guisa de ilustrao do que isso representa e que implicaes esto envolvidas no

    processo de transcrio, tome-se, por exemplo, as obras escritas originalmente para ala-

    de, de Johann Sebastian Bach, de cujas existem um grande nmero de verses para violo

    publicadas em vrias partes do mundo. Sabe-se que o alade um instrumento com um

    nmero maior de cordas, chegando a ter, s vezes, quatorze ordens3de cordas. Uma obra

    composta para alade prev, supostamente, a utilizao de todas as cordas do instrumento,o que determinar uma tessitura bem mais extensa que a do violo. Muitos transcritores

    realizaram transcries pouco cuidadas dessas obras, sobretudo em relao explorao

    da regio grave, no dando a devida ateno aos baixos utilizados no que se refere ao es-

    tabelecimento do plano meldico.

    Somente mais recentemente as transcries passaram a apresentar, naqueles mo-

    mentos mais crticos da adaptao para violo, a indicao do original, acrescentando em

    alguns casos at mesmo uma segunda ou terceira opo para o intrprete. Uma edio quese mostra criteriosa nesse sentido a publicada por Frank Koonce em 1989, contendo as

    obras para alade solo de Johann Sebastian Bach.

    Koonce chega, nessa publicao, a tal nvel de detalhamento nas informaes para

    o intrprete, que inclui informaes de referncia, notao original dos smbolos, infor-

    2So bastante conhecidas as transcries para violo das sutes e outras obras avulsas de Johann Sebastian Bach,compostas originalmente para alade.3

    Segundo o GROVE, um termo aplicado s sries de cordas em instrumento de cordas pinadas ou dedi-lhadas; podem ser constitudas de uma, duas ou trs cordas. (P. 678).

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    maes sobre a ornamentao, aspectos da performance no perodo, elementos sobre a

    flexibilidade rtmica, instrumentao, detalhes histricos importantes de cada obra, alm

    das indicaes de oitava abaixo nos casos em que o original assim o apresenta. Ademais

    dessas informaes, ao final de cada pea das suites, ele apresenta tambm uma seleo

    de problemas impostos pelo processo de adaptao, sugerindo alternativas ao original

    (que sempre mostrado e tomado como referncia), e que vo se adequar melhor na exe-

    cuo ao violo.

    Transcrever implica, portanto, nessa primeira acepo do termo, em adaptar um

    original ao novo meio fnico sem modificar-lhe a essncia. Quando ocorrem modifica-

    es em que partes diferentes so escritas (compostas), criadas para compensar de alguma

    maneira a ausncia de outro instrumento, por exemplo

    4

    , a se manifesta a atividade doarranjador e no mais a do transcritor.

    Arranjo e transcrio so, portanto, atividades distintas, que requerem conheci-

    mentos de diferentes naturezas, exigindo, cada uma, uma especializao adequada de seu

    realizador.

    Daquele que transcreve uma obra musical a partir de uma partitura para um outro

    meio fnico que no o concebido originalmente, exigido um domnio de contedos que

    vo desde a esttica de ento at os recursos tcnico / musicais dos instrumentos em ques-

    to.

    Daquele que transcreve uma obra musical a partir de gravaes ou de apresenta-

    es ao vivo exigido um ouvido preparado para distinguir todas as informaes ali con-

    tidas e represent-las atravs dos signos adequados.

    Do arranjador exigido um corpo de conhecimentos que envolve muito da com-

    posio musical, com todas as ferramentas e tcnicas composicionais habitualmente colo-

    cadas disposio do compositor, das quais ele no pode prescindir ou desconhecer sob o

    risco de no exercer o domnio sobre o resultado buscado.

    TIPOS DE ARRANJO

    4Os casos de adaptao de obras para instrumentos solo, tais como violoncelo, flauta, etc., em que se acres-

    centa parte ou partes inexistentes no original.

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    Considerando a configurao resultante da realizao, h, basicamente, dois tipos

    de arranjo, dos quais o primeiro tipo aquele que preserva as caractersticas originais de

    melodia, harmonia e ritmo e o segundo aquele que transforma elementos do original atra-

    vs de tcnicas de variao.

    O fato de no primeiro tipo de realizao do arranjo no haver nenhuma transfor-

    mao em relao aos elementos citados, quais sejam (melodia, harmonia e ritmo), no

    significa, por si, que o resultado dessa realizao seja uma transcrio. Observa-se aqui

    uma tnue linha que separa a transcrio do arranjo e novamente se apresenta o risco de

    se estabelecer uma confuso, agora de natureza um pouco diversa daquelas expostas at

    ento.

    Quando se afirma que melodia, ritmo e harmonia so originais no significa au-sncia de interferncia do arranjador, ausncia essa que caracterizaria, por isso mesmo,

    uma realizao prxima do trabalho de transcrio. Ainda que se mantenha a harmonia

    original da obra, possvel (quando no necessrio) introduzir elementos de variedade na

    realizao do arranjo. Assim que sobre uma mesma harmonia pode-se criar inmeras

    melodias, resultando na utilizao de tcnicas composicionais para a criao de parte ou

    partes distintas daquelas propostas pelo original.

    Um exemplo de realizao de arranjo que contempla todas essas consideraes

    anexado ao final do presente trabalho a ttulo de ilustrar o significado de arranjar trans-

    formando minimamente ou arranjar transformando de maneira mais evidente a idia ori-

    ginal. A obra utilizada como exemplo aBerceuse, de Johannes Brahms e a forma musi-

    cal adotada para a realizao do arranjo foi a variao, com a apresentao do tema origi-

    nal inicialmente, como de praxe, e a seguir, cinco variaes do tema.

    Na apresentao do tema procurou-se preservar a melodia quase que totalmente,

    modificando-a somente naqueles momentos em que se torna necessrio fazer adaptaes

    por inconvenincias rtmicas. O acompanhamento estruturado de modo a estabelecer um

    motivo arpejado que contribui para compensar os vazios rtmicos deixados pela melodia

    principal. Na parte B da cano a linha do baixo atua de maneira mais meldica, contribu-

    indo assim para um adensamento da forma, alm de dobrar a melodia principal em inter-

    valo de tera.

    Na primeira variao ocorre transformao meldica sobre a harmonia original da

    cano. A melodia desenvolvida sobre a harmonia evoca constantemente a original atra-

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    vs do uso de motivos com elementos comuns, alm do prprio carter de berceuse, que

    observado.

    Na segunda variao se d o contrrio da anterior, a melodia original apresenta-

    da com total transformao da harmonia. O ritmo harmnico predominante o de umacorde por tempo, constituindo-se numa acelerao da harmonia atravs do adensamento

    provocado pelo nmero maior de acordes utilizados. Observa-se que apesar da grande

    quantidade de acordes e o uso de cromatismos na harmonia, a tonalidade est assegurada

    atravs da prpria hierarquia do sistema. Na verdade o que se d nesta variao uma re-

    harmonizao da melodia original, observando-se rigorosamente o centro tonal.

    A terceira variao um contraponto a duas vozes com a utilizao de imitaes

    sobre a mesma harmonia original. Novamente os motivos da melodia original so evoca-dos atravs de fragmentos meldicos que fazem uso de ritmo semelhante, mas com dire-

    es diferentes. Ressalta-se que para a elaborao do contraponto adotou-se como menor

    durao a de colcheia, assegurando assim a movimentao interna e o impulso constante

    em direo ao final.

    Na quarta variao explora-se a tonalidade homnima, procedimento muito eficaz

    na forma tema e variaes por introduzir ainda mais variedade no plano geral da obra,

    atravs do uso de um colorido harmnico completamente distinto dos j empregados.

    Tambm ocorre aqui um contraponto a duas vozes, distinguindo-se da variao anterior

    seja pela regio explorada, seja pela forma como fixa determinados motivos, criando

    fragmentos que so polarizadores pela insistncia ou repetio.

    Por fim, a quinta e ltima variao representa o mximo de adensamento na forma

    pela utilizao de semicolcheias para o acompanhamento. A melodia principal apresen-

    tada aqui na regio grave do instrumento, maneira de baixo cantante, com um acompa-

    nhamento arpejado sempre sobre duas notas da harmonia. Esse tipo de tratamento de

    muita eficcia para o violo, tanto por ser prprio do idioma do instrumento, quanto por

    seu efeito geral.

    ARRANJO E IDIOMA INSTRUMENTAL

    Um outro aspecto importante imposto pelo prprio processo de realizao do ar-

    ranjo a exigncia idiomtica estabelecida conforme o instrumento empregado como

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    meio, ou seja, o instrumento fornece recursos que devem ser explorados de tal maneira

    que o prprio uso desses recursos j caracteriza alterao em relao ao original.

    A ttulo de comparao, tome-se, por exemplo, uma situao em que uma mesma

    obra seja arranjada em duas verses, a primeira para piano solo e a segunda para violosolo. O que vai distinguir uma verso de outra justamente a explorao e uso daqueles

    elementos que definem cada um dos instrumentos. Poderamos definir esse processo co-

    mo o grau de idiomatizao presente na realizao do arranjo. O arranjador vai caracteri-

    zar melhor o instrumento utilizado na medida em que souber explorar e utilizar os recur-

    sos e propriedades que o instrumento oferece.

    Para se ter uma idia melhor do significado e das implicaes envolvidas neste

    processo e tambm para estabelecer-se uma comparao entre realizaes de arranjo deuma mesma obra para os dois instrumentos citados (piano e violo), consta nos anexos

    deste trabalho um caso ilustrativo neste sentido.

    A obra em questo, Se ela perguntar, foi composta por Dilermando Reis e Jair

    Amorim, o primeiro tendo composto a msica e o segundo a letra, numa poca (dcada de

    50), em que era comum o violo dobrar a melodia principal com o cantor, de maneira que

    o instrumento atuava tambm como solista. No obstante o fato de a obra ter sido gravada

    com a letra, a verso que mais se imps foi a de violo solo. Em publicao realizada pela

    Bandeirante Editora Musical em 1954, apenas aps a apresentao de toda a verso para

    violo que a letra mostrada integralmente, mas dissociada da parte musical.

    Das duas realizaes apresentadas nos anexos, a verso para violo solo preserva

    em boa parte as idias contidas no original, com algumas alteraes de baixos e inseres

    de fragmentos em contraponto com a melodia principal, sem modificar em essncia a

    harmonia concebida pelo compositor. O tratamento textural de melodia acompanhada,

    ressaltando a beleza da melodia e resultando numa obra de fcil execuo para o instru-

    mentista.

    Na verso para piano, ao contrrio, utiliza-se ostensivamente da textura polifnica,

    com fragmentos meldicos dobrando em teras ou sextas a melodia principal e a explora-

    o de oitavas para a mo esquerda, utilizando assim toda a tessitura possvel e adaptvel

    msica e ao arranjo.

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    Uma comparao entre as duas realizaes permite constatar, por exemplo, que na

    realizao para piano a obra perde completamente o tratamento violonstico da verso

    original, explorando os recursos caractersticos do novo instrumento.

    4. HARMONIZAO E RE-HARMONIZAO

    HARMONIA: CONCEITO

    Conceituar o termo harmonia remete-nos em um primeiro momento associao

    que fazemos dele com o estudo das relaes entre os acordes, enquanto possibilidades de

    combinaes, ou seja, pensamos imediatamente na disciplina harmonia, fazendo partedos contedos relacionados com as Linguagens e Estruturao Musicais, compondo,

    portanto, o currculo do ensino em msica como uma sub-rea do conhecimento musical.

    Quando nos aproximamos um pouco mais de harmonia, em nosso processo de

    formao, atribumos ao termo um significado mais especfico, quer dizer, utilizamo-nos

    do termo para fazer referncia ao conjunto de acordes empregados em determinada obra

    ou ainda, podemos mesmo utiliz-lo para comentar um trecho da obra ou mesmo um a-

    corde em particular5.

    parte os equvocos conceituais que atribuem ao parmetro harmonia uma pro-

    priedade meramente vertical na msica, quando se sabe que ela pode ser explorada tanto

    verticalmente (como no caso da textura homofnica), quanto horizontalmente (casos da

    textura polifnica ou de melodia acompanhada), necessrio considerar que sua reduo

    ao plano vertical apresenta-se to somente como um artifcio didtico para o aprendizado

    do iniciante em msica.

    No nos esqueamos de que todos os tratados de harmonia propem como exerc-

    cios preliminares a realizao a trs ou a quatro vozes com o emprego de semibreves

    (contraponto de primeira espcie), sem o uso de notas auxiliares6, de modo que o estudan-

    te levado a compreender e a controlar inicialmente a movimentao das partes, tomando

    o cuidado de no praticar aqueles movimentos classificados como proibidos (oitavas e

    5Ouvimos com freqncia expresses como a harmonia daquela msica tem tal ou tais caractersticas oucomo harmonia naquele compasso mesmo?.6

    As notas reais so aquelas que pertencem harmonia. As notas auxiliares, consideradas como estranhas aoacorde, so seis: passagem, bordadura, apojatura, antecipao, retardo e escapada.

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    quintas), pois estes movimentos evocam uma esttica vigente em um perodo anterior na

    histria da msica7.

    A reduo da harmonia ao aspecto vertical apresenta-se, portanto, como um recur-

    so interessante quer para o seu estudo, normalmente realizado a quatro vozes, como tam-bm para efeitos de anlise harmnica de um determinado trecho ou obra. Ressalta-se que

    no prprio processo de formao do estudante de harmonia tradicional, em um estgio

    mais avanado no qual ele se utiliza amplamente das notas auxiliares, o grau de comple-

    xidade de suas realizaes consideravelmente maior do que no incio de seus estudos.

    Aprofundando-nos um pouco mais no conceito de harmonia, vamos constatar que

    seu significado modificado ao longo da histria da msica, conforme o que se deseja

    expressar em termos da esttica vigente. Na Renascena h o predomnio do sistema mo-dal. No Barroco e no Classicismo prevalece o sistema tonal com a convergncia dos even-

    tos sonoros para uma determinada tnica. O Romantismo lana as bases para a desinte-

    grao da tonalidade, atravs do uso de regies cada vez mais afastadas e de acordes alte-

    rados.

    O sculo XX assiste a uma enorme riqueza de possibilidades nas combinaes so-

    noras. O surgimento de acordes considerados inclassificveis pelo sistema tonal e de a-

    glomerados acordais que rompem completamente com os tratados antigos so sintomas de

    que j no mais se poderia pensar a harmonia da mesma maneira que antes. A interpreta-

    o de que acorde uma sobreposio de teras, de modo a conter, nessa sobreposio,

    fundamental, tera e quinta soa, to falsa quanto inadequada para uma perfeita compre-

    enso do que harmonia. De fato, essa definio mostra-se inadequada at para a com-

    preenso da msica mais antiga: os organuns paralelos eram compostos empregando su-

    perposio de quartas, quintas e oitavas.

    Em suma, se fossemos considerar todas as possibilidades de combinaes sonoras

    j desenvolvidas e exploradas ao longo da histria da msica ocidental, qualificando-as

    como sistemas, dos quais os criadores lanaram mo para se expressar, poderamos listar

    o sistema modal, o sistema tonal, o sistema atonal que oferece mltiplas solues de com-

    binaes e o sistema dodecafnico.

    7

    O estudo da harmonia tradicional, tal como chegou at ns, j aponta, portanto, para um pensamento hori-zontal, uma vez que manifesta a preocupao com o movimento entre as partes.

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    Em se tratando dos acordes propriamente ditos, Vincent Persichetti, no livro Ar-

    monia del siglo XX, aborda acordes por teras, acordes por quartas, acordes com sons a-

    crescentados, acordes por segundas, poliacordes e harmonia composta e em espelho, fun-

    damentando sua obra com o emprego de conceitos extrados das leis acsticas e classifi-

    cando as relaes intervalares de acordo com o grau de consonncia (abertas ou brandas)

    ou dissonncia (forte, suave, neutra ou instvel). PERSICHETTI, V. Armonia Del siglo

    XX. Madrid: Real Musical Editores, 1985.

    A msica popular no permanece alheia a todo esse processo de evoluo8na m-

    sica ocidental. As contribuies resultantes do trnsito que compositores como Stra-

    vinsky, Gershwin, Ravel, Debussy e Villa-Lobos (para citar somente alguns) tiveram en-

    tre as linguagens erudita e popular, propiciaram um grande intercmbio de materiais as-similados de cada uma dessas linguagens e desenvolvidas s ltimas consequncias, con-

    substanciadas em obras que se tornaram verdadeiros cones e referncias da msica no

    sculo XX.

    de senso comum que vrios compositores do sculo XX, incluindo os j citados,

    absorveram muito do jazz, por exemplo, enquanto Villa-Lobos, por seu turno, nunca omi-

    tiu sua predileo pelo choro, tendo composto as sries de Choros e utilizando-se ostensi-

    vamente de materiais assimilados da msica popular na composio de suas obras.

    O termo harmonia assume, portanto, no sculo XX, uma multiplicidade de signifi-

    cados, abrindo caminho para toda sorte de combinaes sonoras, conforme o que se quei-

    ra expressar, permitindo experimentaes as mais diversas no que diz respeito s sonori-

    dades buscadas pelos criadores.

    FUNO DA HARMONIA9

    Independentemente de poca ou estilo, a funo da harmonia na msica, de um

    ponto de vista mais potico, criar uma ambincia apropriada, em termos de clima, para

    descrever ou narrar adequadamente os elementos expressivos contidos no discurso musi-

    8O conceito de evoluo aqui utilizado aquele que considera o movimento ou deslocamento gradual eprogressivo em determinada direo.9O que se quer dizer aqui com funo da harmonia distingue-se da funo harmnica propriamente dita,fazendo referncia ao papel que a harmonia cumpre na msica.

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    cal. O jogo de tenses e distenses decorrentes das combinaes dos sons e em seguida,

    dos acordes resultantes destas combinaes, imprimem msica uma caracterstica simi-

    lar noo de perspectiva, com a convergncia dos eventos sonoros apontando para al-

    gum caminho ou algum lugar.

    Quando h a associao de um texto msica, todos os parmetros envolvidos

    (ritmo, melodia, harmonia, articulao, etc.) esto, de certo modo, intrinsecamente rela-

    cionados com o contedo do texto, contribuindo para que o significado literrio seja res-

    saltado. O criador (compositor ou cancionista), de modo consciente ou inconsciente, utili-

    za-se desses parmetros conforme o que deseja expressar, lanando mo dos recursos dis-

    ponibilizados pela sintaxe musical para obter os resultados que almeja10.

    Atendo-nos msica popular e mais especificamente questo da harmonia en-quanto elemento importante da sintaxe musical, podemos constatar uma grande diversida-

    de de meios de explorar o material harmnico na composio de obras neste estilo, des-

    dobrando-se a nos mais variados gneros conforme a necessidade de expresso de seus

    criadores11.Contudo, necessrio pontuar que a msica popular tem uma forte referncia

    tonal, fator este relacionado at mesmo com as intenes inerentes ao estilo, pois de outra

    forma no atingiria o pblico ou ainda, no comunicaria. Neste sentido vale citar aqui que

    uma mensagem (a cano popular)12

    elaborada (criada) pela fonte (o cancionista) comelementos extrados de um determinado repertrio (a linguagem utilizada) e ser decodifi-

    cada (percebida) por um receptor (o ouvinte) que, nesse processo, utilizar elementos ex-

    trados de um outro repertrio (os cdigos que ele conhece). Para que se estabelea o flu-

    xo da comunicao, para que a mensagem seja significativa para o receptor, necessrio

    que os repertrios (os cdigos) da fonte (o cancionista) e o do receptor (o ouvinte) tenham

    algum setor (os cdigos que se consubstanciam nos materiais utilizados) em comum.

    (NETTO, J. Teixeira Coelho. P. 124).

    10 Ressalte-se que a obra musical, independentemente do estilo ou do gnero buscado pelo criador, podevalorizar qualquer ou quaisquer dos parmetros em questo (harmonia, melodia, ritmo, etc.), dando nfase aum determinado parmetro em funo do que se deseja obter como resultado. Um gnero como o rap, porexemplo, tem como caracterstica predominante a explorao do canto falado e do ritmo, no valorizando aharmonia.11No faz parte do escopo do presente trabalho entrar no mrito mesmo quanto qualidade da produocitada ou emitir um juzo de valor em relao a tais obras.12As informaes contidas entre parntesis so do autor do presente trabalho.

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    Uma investigao mais minuciosa do emprego da harmonia na msica popular nos

    permitiria elaborar uma espcie de inventrio dos casos de maiores incidncias no empre-

    go dos tipos de acordes ou de outros procedimentos harmnicos (o repertrio de acordes

    utilizados no estilo, os tipos de dissonncias mais empregadas, o uso tonal de blocos de

    quartas, emprstimos modais, determinadas cadncias, etc.), de maneira a caracterizar o

    prprio estilo ou o gnero (choro, cano, rock, etc.). Tal anlise, contudo, extrapola o

    objeto de investigao do presente trabalho, restando-nos como alternativa para este mo-

    mento, percorrer um caminho inverso realizao desse possvel inventrio e tratar de

    alguns casos especficos para observar a gama de possibilidades disponveis para lidar

    com a questo da harmonia.

    HARMONIA ORIGINAL E RE-HARMONIZAO

    Restringindo-nos cano popular e observando especificamente o problema do

    uso da harmonia, podemos reduzir as possibilidades basicamente duas: a harmonia ori-

    ginal e a re-harmonizao, cada uma com suas implicaes e significados diferentes em

    termos do resultado final da realizao, de acordo com os resultados estticos desejados

    pelo arranjador.

    Entende-se como harmonia original de uma obra musical aquele conjunto de acor-

    des empregados pelo cancionista ou criador quando da concepo da obra mesma, impli-

    cando por isto, em escolhas que o cancionista optou por tomar no ato da concepo da

    referida obra. Mesmo que essas escolhas no sejam totalmente conscientes, casos espec-

    ficos daqueles cancionistas menos dotados do conhecimento necessrio a uma utilizao

    mais elaborada dos recursos musicais disponveis, sabe-se que uma cano, at chegar a

    ser comunicada, quer dizer, disponibilizada no mercado fonogrfico para a apreciao ou

    fruio, passa por um crivo natural nos prprios ensaios, onde se criam oportunidades de

    avaliao ou de reavaliao dos elementos musicais ali presentes. Alm desses fatores,

    sabe-se tambm que todas as realizaes de gravaes de obras dessa natureza contam

    com um produtor e um arranjador para aparar as possveis arestas decorrentes dessa

    eventual falta do conhecimento necessrio para um resultado satisfatrio.

    Afastando-nos um pouco desse mrito no uso dos materiais harmnicos dispon-

    veis, vamos constatar, por outro lado, que geralmente os cancionistas so dotados de

    grande habilidade para comunicar suas impresses, com a adequada associao de msica

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    e texto, mesmo que essa habilidade seja adquirida e at desenvolvida atravs de uma pr-

    tica emprica, o que no invalida o resultado alcanado em termos da realizao.

    A re-harmonizao consiste de modificaes, que podem ser qualificadas tambm

    como variaes, em relao harmonia original; realizadas com o intuito de transformar aconcepo inicial da obra e imprimindo, por isto mesmo, as caractersticas pessoais da-

    quele que re-harmoniza.

    RE-HARMONIZAR: IMPLICAES

    As implicaes inerentes ao ato de re-harmonizar so de ordem tcnicas e estti-

    cas, tornando-se importante avali-las para se ter clareza do que decorre das opes toma-

    das. As implicaes de natureza tcnica esto relacionadas, por um lado, s substituies

    de acordes com o emprego dos seus relativos, ou o uso de outros acordes (que no os ori-

    ginais) que contm notas da melodia assumindo outra funo dentro da harmonia e por

    outro lado, ao acrscimo de mais acordes em relao harmonia original, resultando em

    mudanas de funo da harmonia e o emprego de acordes que substituam os Dominantes

    e os Sub-dominantes originais.

    As implicaes de ordem esttica dizem respeito ao estilo ou gnero da cano eesto estreitamente relacionadas com a prpria evoluo da msica ocidental, ou seja: a

    escolha dos acordes e os momentos de cadncias so determinantes para se estabelecer o

    estilo e o gnero da obra musical. A msica dos perodos Barroco e Clssico continham

    um forte sentido tonal, estabelecido pela hierarquia do sistema, enquanto que a partir do

    Romantismo as possibilidades no uso da harmonia so ampliadas com o acrscimo de

    dissonncias e o afastamento do centro tonal.

    Para exemplificar os casos citados, considerei pertinente utilizar como exemplosalgumas canes com a harmonia bastante simples, inicialmente, por razes didticas: sua

    simplicidade permite identificar todas as alteraes e acrscimos imediatamente. A pri-

    meira dessas canes, extrada do folclore brasileiro, o Marcha soldado, cuja harmo-

    nia original emprega somente as funes de Tnica e Dominante, correspondendo, portan-

    to, aos I e V graus. A primeira realizao apresentada traz a harmonia conforme a concep-

    o original e em seguida, trs outras possibilidades de harmonizao so analisadas.

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    5. A ESCOLHA DA TEXTURA PARA A REALIZAO DO ARRANJO

    TEXTURA: CONCEITO

    A compreenso do significado do termo textura de fundamental importncia

    na realizao do arranjo, uma vez que dela dependem o carter enquanto clima, como

    resultado do arranjo, a prpria caracterizao de gnero da obra escolhida, e a maneira

    como so explorados os recursos tcnicos e tmbricos do instrumento. Importante ressaltar

    aqui que, lidar com problemas de textura uma tarefa com a qual se deparam, tanto o

    arranjador, de uma maneira geral, quanto o compositor, j que trata-se de organizar verti-

    calmente os materiais com os quais se trabalha.

    Entretanto, assim como h controvrsias em relao a tantos outros termos nos tra-

    tados de anlise musical e/ou dicionrios de msica, existe tambm essa dificuldade para

    se compreender o significado do termo. No Dicionrio Grove de Msica, encontramos

    que este um termo usado para se referir ao aspecto vertical de uma estrutura musical,

    geralmente em relao maneira como partes ou vozes isoladas so combinadas; diz-se

    ento que a textura polifnica, homofnica ou mista. (GROVE, 1994, P. 942).

    GRIFFITHS trata a textura como designao livre, embora til, para a qualidade de uma

    curta passagem musical. E acrescenta ainda que a textura pode ser homofnica, hetero-

    fnica ou contrapontstica, ou pode ser tnue (poucos trechos) ou densa (muitos trechos),

    etc. (GRIFFITHS, PAUL, 1995, p. 225).

    Difcil associar palavras como tnue ou densa qualidade da textura j que

    densidade e rarefao so conceitos surgidos na msica do sculo XX para designar quan-

    tidade de eventos sonoros, seja quanto ao aspecto vertical ou na superposio desses e-

    ventos, seja no aspecto horizontal ou na justaposio dos mesmos.

    ZAMACOIS, ora atribui ao termo textura a denominao de concepo esttica,

    abordando a melodia acompanhada (p. 42) e destacando diferentes tipos de polifonia

    (pgs. 45, 46 e 47), enquanto concepes estticas, ora utiliza o termo gnero, classifican-

    do gnero mondico e gnero polifnico-contrapontstico (p. 64). (ZAMACOIS,

    JOAQUIN, 1984).

    Na obra Fundamentos da Composio Musical, Arnold Schoenberg no utiliza o

    termo textura, especificamente, mas deixa entrever seu significado atravs do emprego de

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    expresses como tcnica ou tratamento homofnico, pseudo-contrapontstico, semi-

    contrapontstico e contrapontstico. (SCHOENBERG, ARNOLD, 1991).

    COPLAND dedica um captulo inteiro para abordar a textura em sua obra Como

    ouvir (e entender) msica. No captulo 8, denominado por textura musical, o autor consi-dera trs tipos de textura, quais sejam, a textura monofnica, a homofnica e apolifnica.

    Conforme sua descrio, a textura monofnica msica com uma s linha meldica,

    desacompanhada ( p. 77), a textura homofnica consiste de uma melodia principal e de

    um acompanhamento em acordes (p. 78), e a textura polifnica constituda por planos

    meldicos separados, cantados por vozes separadas(p. 80). (COPLAND, AARON,

    1974).

    Parece haver um certo consenso de que o significado de textura est intimamenterelacionado com a maneira de como o tecido sonoro organizado em seu aspecto verti-

    cal, ou ainda, de como o meio sonoro explorado, determinando o que se pode denominar

    como trama sonora, teia sonora ou mesmo, tecido sonoro. preciso levar em considera-

    o, no entanto, que a obra musical malevel, exigindo do compositor ou do arranjador,

    a percepo de que melhor tratamento textural adotar para um trecho, uma parte ou a obra

    inteira. Ademais, diferentes texturas podem figurar numa obra, conforme o que se deseje

    expressar.

    Abordando a textura nesta perspectiva, podemos nos abstrair de questes estticas

    e/ou estilsticas para generalizar um pouco, estabelecendo inicialmente trs texturas bsi-

    cas que podem adaptar-se, de uma maneira atemporal, msica considerada erudita ou

    msica considerada popular. Ressalte-se aqui que, a idia de atemporalidade, neste caso

    til apenas para ater-se ao objeto em si mesmo, considerando as diferentes texturas en-

    quanto possveis tratamentos composicionais ou de arranjo para o tecido sonoro, pois o

    conceito de textura est vinculado, de modo inseparvel, ao fluir da prpria histria damsica e do desenvolvimento musical.

    Assim que a primeira textura seria a monofnica ou mondica (de acordo com a

    preferncia de distintos tericos), situao na qual se tem somente uma linha meldica

    soando. De acordo com o GROVE, a monofonia msica para uma nica voz ou parte,

    por exemplo, cantocho e cano solo sem acompanhamento. O termo contrasta com po-

    lifonia (msica em duas ou mais vozes independentes), homofonia (que implica simi-

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    laridade rtmica em vrias vozes) e heterofonia (variaes simultneas de uma mesma

    melodia). (GROVE, 1994, P. 942).

    MONODIA

    Para se ter uma idia mais precisa do que isto significa, basta visualizar o exemplo

    abaixo, onde h somente uma linha meldica escrita, sem acompanhamento e sem qual-

    quer outro elemento indicado para soar simultaneamente a ela.

    Exemplo de Textura Homofnica

    Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: Asa Branca

    Este um exemplo para ser cantado ou executado por instrumento solista, que e-

    mite apenas um som por vez, (flauta doce, flauta transversal, etc.), no se prestando ao

    escopo do presente trabalho uma vez que se trata aqui de explorar as possibilidades doviolo enquanto instrumento solista, no esquecendo suas propriedades intrnsecas, quais

    sejam: aquelas caractersticas que o tornam um instrumento harmnico e independente.

    Ademais, pretende-se abordar a elaborao de arranjos para violo solo, o que implica na

    utilizao plena dos recursos que o instrumento oferece. Neste sentido, permita-se aqui

    uma pequena digresso no texto, vale acrescentar que, o violo um instrumento que se

    presta a qualquer tipo de textura, com suas seis cordas e dezenove casas. O compositor ou

    arranjador que pretenda escrever para ele, necessita conhecer com profundidade seus re-cursos. O repertrio composto para o instrumento, desde o perodo clssico com obras de

    Fernando Sor, Matteo Carcassi, Dionisio Aguado, Mauro Giuliani, etc., at a contempora-

    neidade com obras de Leo Brouwer, passando por Francisco Tarrega, Manuel Ponce, Hei-

    tor Villa-Lobos, etc., atestam sua eficcia em termos de expresso composicional enquan-

    to instrumento solista. Manuel de Falla, na introduo da obra Escuela Razonada de la

    Guitarra, de Emilo Pujol, questiona: E como no afirmar que, dentre os instrumentos de

    cordas com mastil, o violo, o mais completo e rico por suas possibilidades harmnico-

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    polifnicas? (DE FALLA, MANUEL, citado em Escuela Razonada de la Guitarra, de

    Emilo Pujol, 1934).

    HOMOFONIA

    A textura homofnica caracterizada pela explorao vertical do tecido sonoro,

    maneira coral, com a predominncia do emprego de blocos de acordes. O termo origina-se

    do grego mesma sonoridade e significa vozes ou instrumentos soando juntos. Segundo

    o GROVE, o termo, originalmente aplicado ao canto em unssono (para o que hoje prefe-

    rese MONOFONIA), significa escrita polifnica em que existe uma distino clara entre

    melodia e harmonia de acompanhamento, ou em que todas as partes seguem no mesmo

    ritmo (estilo de acorde), em oposio ao tratamento polifnico no qual as partes podem

    seguir independentemente. (GROVE, 1994, P. 438).

    Observe-se aqui que a interpretao de vozes ou instrumentos soando juntos per-

    mite uma aproximao estreita com a textura denominada por melodia acompanhada. H,

    de fato, uma tendncia em se considerar a textura denominada por melodia acompanhada,

    surgida na Renascena e que predominou no Classicismo, tambm como textura homof-

    nica. Deve-se ter a clareza, entretanto, de que a melodia acompanhada soa bastante distin-

    tamente da textura homofnica.

    Para ilustrar as diferentes texturas, adotar-se- como exemplo a mesma melodia da

    Asa Branca, com os tratamentos prprios de cada uma delas.

    Exemplo de Textura Homofnica

    Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: Asa Branca Arranjo: Fanuel de Lima

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    A prpria notao do arranjo denuncia a predominncia dos blocos de acordes. No

    caso especfico, foi necessrio, para manter-se o ritmo harmnico de um acorde por tem-

    po, a utilizao de uma harmonia mais rica, no significando abandono da regio tonal

    escolhida. Questes afeitas ao estilo e ao gnero no foram observadas aqui, por tratar-se

    de um exemplo de realizao. Todavia importante lembrar que, para o gnero desta can-

    o, o baio, este no o tratamento textural mais adequado. Tambm possvel elaborar

    um arranjo mais simples empregando a mesma textura, bem como utiliz-la para caracte-

    rizar o gnero em questo. No captulo em que se vai tratar da caracterizao de gnero

    mostrar-se- um exemplo de realizao com tal propsito.

    POLIFONIA

    A texturapolifnica, como j foi citado anteriormente, consiste na superposio de

    duas ou mais linhas meldicas independentes entre si. Esta relao de independncia entre

    as vozes ou partes, refere-se tanto ao movimento das vozes (os movimentos oblquo e

    contrrio so mais eficazes para a independncia entre as partes que o paralelo), quanto ao

    parmetro durao. Um trecho com partes que soam simultaneamente com a mesma dura-o provoca menos a idia de independncia e, portanto, de textura polifnica, que aquele

    constitudo por partes com diferentes duraes.

    O exemplo que se segue apresenta a melodia de Asa Branca soando simultane-

    amente a uma outra linha meldica, ou seja, um exemplo de realizao polifnica da m-

    sica. A opo por duas vozes aqui apenas um artifcio didtico, pois, dependendo da

    tonalidade escolhida ou das solues meldicas utilizadas, pode-se sobrepor, no arranjo

    para violo, at quatro vozes.

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    Exemplo de Textura Homofnica

    Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira: Asa Branca Arranjo: Fanuel de Lima

    Para a elaborao deste exemplo, diferentemente do exemplo anterior, a harmonia

    original foi mantida. Para efeitos de anlise, pode-se constatar que a voz inferior, em cada

    tempo de cada compasso, toca uma nota que faz parte do acorde que deveria soar ali. Te-

    nha-se em mente, contudo, que, uma mesma harmonia oferece diferentes possibilidades

    meldicas, ou seja: a soluo meldica adotada para soar junto melodia principal pode-

    ria ter outro perfil, ou seguir outros caminhos. Se a melodia principal fosse harmonizadacom outros acordes, como na realizao homofnica, as possibilidades se ampliaram ain-

    da mais.

    Observe, portanto, nesta realizao, que na melodia da voz inferior, h a predomi-

    nncia do uso de colcheias, compensando ritmicamente os vazios deixados pelos valo-

    res mais longos da voz principal e assegurando o movimento contnuo para o arranjo. Os

    momentos em que soam semnimas na voz inferior (compassos 8, 12 e 14), contribuem

    para manter o interesse sem perda de continuidade, uma vez que h a compensao demovimento na voz superior.

    A questo de utilizar um movimento contnuo para o tratamento polifnico uma

    escolha de ordem esttica e pessoal. No h nada determinando que um bom arranjo pre-

    cise ser elaborado dessa maneira. Entretanto, deve-se tentar perceber o significado de tal

    procedimento em termos da prpria movimentao interna da pea, pois um dos efeitos da

    polifonia justamente impulsionar e imprimir movimento na textura, estabelecendo de

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    maneira bastante eficaz o sentido de perspectiva ou de profundidade para a percepo da

    obra.

    Em relao aos diferentes tratamentos texturais, no entanto, preciso citar aqui

    novamente o compositor Copland, quando afirma que nem toda pea musical, natural-mente, enquadra-se estritamente a essa diviso de texturas. Em qualquer pea de msica,

    o compositor pode passar sem transio de um tipo para o outro. (COPLAND, AARON,

    p. 82, 1974).

    TONALIDADE E TEXTURA

    Como j foi abordado, a escolha da tonalidade para a realizao do arranjo de-

    terminante no que diz respeito ao grau de dificuldade tcnica em termos do resultado ob-

    tido. Quando se trata de pensar a questo da textura, deve-se sempre ter em mente que,

    conforme o resultado desejado, preciso levar em considerao novamente, aquelas tona-

    lidades mais adequadas ou mais adaptveis realizao e explorao das idias.

    A escolha da tonalidade est intimamente relacionada com o grau de dificuldade

    tcnica, pois conforme o resultado desejado, necessrio levar-se novamente em conta

    que as tonalidades consideradas mais violonsticas, so aquelas nas quais se despendemenos esforo fsico. Pode-se afirmar, entretanto, que a rigor, qualquer tonalidade pode

    ser explorada para a realizao do arranjo, mas quando se pretende utilizar aquelas tonali-

    dades nas quais os acordes disponibilizados pelo campo harmnico no dispem ou no

    empregam nenhuma corda solta do instrumento, tenha-se em mente que o resultado, do

    ponto de vista tcnico, um considervel dispndio de fora e energia para a execuo,

    exigindo do instrumentista uma resistncia fsica compatvel com tal propsito.

    Ademais, conforme tambm j foi citado e fundamentado com exemplos de com-posies para o alade ou o violo ao longo da histria, para lidar, por exemplo, com a

    textura polifnica naquelas tonalidades consideradas menos violonsticas, inevitvel que

    o resultado da realizao seja comprometido, uma vez que o uso excessivo de pestanas

    limita a tessitura geral e tolhe a fluncia digital para a execuo.

    De todo modo, faz parte da natureza mesma do instrumento a imposio de certas

    limitaes e restries para o trabalho de realizao da composio ou do arranjo. Toda-

    via, tambm certo que, dependendo de como os recursos que o instrumento oferece se-

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    jam explorados, pode-se encontrar solues interessantes e que resultem como eficientes

    mesmo nas tonalidades mais complexas. Lembremos que a abrangncia do presente traba-

    lho alcana aqueles procedimentos tangveis e passveis de previso no processo de reali-

    zao do arranjo.

    Nesta perspectiva, podemos considerar como referncias importantes as prprias

    escolhas feitas pelos compositores, que quando desejam explorar a textura polifnica a

    trs ou a quatro vozes, elegem tonalidades como Mi maior, Sol maior, L maior, R maior

    e D maior, para os casos de obras em tonalidade maior e Mi menor, L menor e R me-

    nor, as obras em tonalidade menor.

    Os casos de explorao da textura melodia acompanhada e da polifonia permitem

    uma maior liberdade, pois, como se ver nos exemplos apresentados, dependem de comose resolve o tratamento destinado ao plano de acompanhamento e da linha do baixo.

    HOMOFONIA, MELODIA ACOMPANHADA E POLIFONIA: EXEMPLOS DE

    REALIZAO

    HOMOFONIA

    A textura homofnica, caracterizada pela explorao mais vertical dos acordes,

    com uma execuo em que h o predomnio dos blocos de notas, apresenta-se como uma

    soluo mais densa para a realizao do arranjo. da natureza mesma desse tipo de textu-

    ra uma certa dureza no resultado da realizao, uma vez que neste tratamento o acorde

    fica muito evidenciado pela prpria marcao inerente sua execuo.

    Conforme j foi demonstrado com o exemplo de Asa branca, sua utilizao como

    textura surge como possibilidade interessante para a realizao quando se deseja explorar

    um ritmo harmnico mais acelerado, dando nfase conduo das vozes nas mudanas de

    acordes e ressaltando as dissonncias acrescentadas aos acordes pela prpria maneira co-

    mo eles so tocados.

    Os instrumentos harmnicos dispem de trs maneiras de se executar um acorde,

    das quais a primeira faze-lo soar simultaneamente, maneira essa denominada como exe-

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    cuo do acorde emplaquet. A segunda arpejar o acorde rapidamente, tocando suas no-

    tas a partir da nota do baixo at a nota mais aguda e a terceira distribuir as notas do a-

    corde ao longo do tempo, maneira do baixo de Alberti13ou outras frmulas alternativas.

    A execuo do acorde emplaquet implica naquela dureza j citada, com uma den-sidade maior pelo peso resultante dessa densidade e da prpria marcao rtmica que lhe

    caracterstica. Por outro lado, o acorde tocado em plaquet permite uma melhor percepo

    do bloco sonoro enquanto colorido resultante da superposio de suas notas. Os sons co-

    mo que se fundem no todo sonoro revelando a entidade acordal com todas as nuances

    decorrentes da prpria superposio: no caso de acordes perfeitos a sensao de estabili-

    dade mais ressaltada e no caso de acordes com dissonncias acrescentadas, o colorido

    resultante dos batimentos tambm mais evidenciado.O acorde arpejado rapidamente traz em si um certo abrandamento daquela dureza

    prpria doplaquet, com uma sonoridade diluda no tempo. A maneira de indicar a execu-

    o do acorde arpejado colocar na notao, esquerda do bloco de notas, um smbolo

    que cumpre essa funo.

    Importante observar que na execuo arpejada do acorde, para que a nota mais a-

    guda soe na cabea do tempo ou ainda, no momento exato do pulso, necessrio anteci-

    par a execuo de todas as notas que esto abaixo daquela. Uma forma alternativa de no-

    tar tal efeito escrever os sons da maneira como so arpejados de fato.

    Com relao maneira como os blocos de acordes so tocados numa realizao

    homofnica, se plaquet ou arpejado rapidamente, faz-se necessrio algumas considera-

    es finais que vo um pouco alm dos assuntos j tratados e tm a ver com o prprio

    estilo da obra em questo, a saber: o emprego de um mesmo procedimento, neste sentido,

    13Consiste em acordes arpejados que se seguem em um padro rtmico regular e deve seu nome a Domeni-co Alberti (1710-1740), o primeiro compositor a us-lo amplamente. (Dicionrio de Msica Zahar, P. 29).

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    resulta sempre em algo montono para a audio, algo que sugere um uso alternado das

    duas maneiras. Em segundo lugar, no se pode desconsiderar que a msica popular explo-

    ra toda a sorte de significados, dando ampla margem de escolha ao executante no que diz

    respeito maneira como se deve tocar os acordes. O bom gosto e o bom senso devem

    prevalecer no momento de tais escolhas e importante indicar para o intrprete a opo

    feita, pois, o carter totalmente modificado de uma maneira para outra.

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