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1 Módulo 3 – Professora Aída Monteiro 1 Vídeo Aula 1 2 Crianças e Adolescentes com Direitos Ameaçados e Violados e a Escola Este texto vai tratar da questão da criança e do adolescente com direitos ameaçados e violados e do papel da escola neste contexto. Os professores convivem e se relacionam permanentemente com crianças e adolescentes no interior da escola, e devem pensar em formas de colaborar no enfrentamento destas violações, tanto no âmbito da questão do trabalho infantil, da evasão escolar ou da exploração sexual da criança e do adolescente, por exemplo, quanto das violações relacionadas às próprias praticas pedagógicas desenvolvidas no interior da escola, muitas vezes, sem a percepção, por parte dos professores, de que estas práticas representem violações de direitos. O primeiro ponto a considerarmos é o que é realmente um direito. No Brasil nós temos um Estado democrático de direitos, que assegura que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, ou seja, são indivíduos que têm assegurado pelo Estado Brasileiro, nas suas legislações, ou normas, os bens sociais que todo ser humano deve ter para desenvolver uma condição de vida digna: a educação, a saúde, a habitação, o saneamento, o lazer. Este conjunto de direitos assegura que se tenha uma vida com dignidade, ou seja, que se possa ser um sujeito de direitos. Nós sabemos, porém, que muitos 1 Aída Monteiro é pedagoga e doutora em Educação, e secretária-executiva de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco com experiência na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH – PR). 2 Foram feitas apenas as adaptações necessárias à transposição do texto falado para o texto escrito.

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Módulo 3 – Professora Aída Monteiro1

Vídeo Aula 12

Crianças e Adolescentes com Direitos Ameaçados e Violados e a

Escola

Este texto vai tratar da questão da criança e do adolescente com direitos ameaçados e violados e do papel da escola neste contexto.

Os professores convivem e se relacionam permanentemente com crianças e adolescentes no interior da escola, e devem pensar em formas de colaborar no enfrentamento destas violações, tanto no âmbito da questão do trabalho infantil, da evasão escolar ou da exploração sexual da criança e do adolescente, por exemplo, quanto das violações relacionadas às próprias praticas pedagógicas desenvolvidas no interior da escola, muitas vezes, sem a percepção, por parte dos professores, de que estas práticas representem violações de direitos.

O primeiro ponto a considerarmos é o que é realmente um direito. No Brasil nós temos um Estado democrático de direitos, que assegura que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, ou seja, são indivíduos que têm assegurado pelo Estado Brasileiro, nas suas legislações, ou normas, os bens sociais que todo ser humano deve ter para desenvolver uma condição de vida digna: a educação, a saúde, a habitação, o saneamento, o lazer. Este conjunto de direitos assegura que se tenha uma vida com dignidade, ou seja, que se possa ser um sujeito de direitos. Nós sabemos, porém, que muitos

1 Aída Monteiro é pedagoga e doutora em Educação, e secretária-executiva de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco com experiência na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH – PR). 2 Foram feitas apenas as adaptações necessárias à transposição do texto falado para o texto escrito.

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desses direitos, no conjunto da sociedade não são assegurados, às vezes são assegurados parcialmente e às vezes são violados totalmente.

O primeiro passo para que se possa começar a desenvolver uma ação de intervenção neste processo de negação dos direitos, quando há violações, é o conhecimento. Nós, professores, precisamos conhecer todos os mecanismos de enfrentamento, as legislações e o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que é um instrumento fundamental para trabalhar no enfrentamento das violações desses direitos básicos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar de ter completado 18 anos (tempo simbolicamente chamado de “sua maioridade”), ainda é muito desconhecido. Este desconhecimento, muitas vezes, gera um pré-conceito que advém da falta de clareza sobre quais são os direitos da criança e do adolescente e quais são, também, os seus deveres, pois nós não podemos pensar em direito dissociado de deveres, porque senão deixa de ser direito e passa a ser privilégio. Nesse sentido, tanto o aluno, a criança ou o adolescente, como também o professor ou professora, tem direitos e deveres e devem ter clareza disso. Esta é uma questão muito importante, pois permite que nós percebamos quais são os limites dos jovens, crianças ou adolescentes e quais são as formas possíveis de se interagir com estes alunos. Se o professor não tem estas informações, estes conhecimentos, ele deixa de ajudar. É importante colocar que o comportamento como professor, e da própria escola como um todo, deve se dar sempre dentro do papel educativo. A escola não deve nunca tomar atitudes de criminalização. Nem do estudante, nem de sua família, deve, ao contrário, buscar formas de trabalhar o processo educativo, esta é a grande função que a escola tem

Muitas vezes, nas práticas pedagógicas, nós cometemos violações de direitos do aluno. Um caso muito comum, por exemplo, no interior da escola, está relacionado aos processos avaliativos. Muitas vezes o aluno sequer tem conhecimento do que está sendo avaliado ou sobre como ele está sendo avaliado. A avaliação deixa de ser um instrumento pedagógico, de ampliação e melhoria da aprendizagem do aluno, e passa a ser um instrumento de repressão na prática pedagógica do professor, na relação ele tem com o aluno.

Quando ele não consegue, por exemplo, dominar a disciplina na sala de aula, ele usa, muitas vezes o instrumento da avaliação como uma forma de cobrança e de repressão, o que distorce totalmente o sentido e a concepção da

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avaliação.

O estudante, que muitas vezes chega à escola com rebeldia ou comportamentos agressivos, não raramente, nunca teve quem o escutasse, quem pudesse lhe ouvir, lhe dar uma palavra de confiança. Muitas vezes, o fato do professor se aproximar do aluno possibilita a criação de um sentimento de empatia, estabelecendo um nível de confiança que vai possibilitar que o aluno possa ter outras atitudes. É o que nós chamamos, hoje, de empoderamento3, um termo já bastante comum na educação.

É preciso que nós tenhamos clareza de que um dos principais fatores do trabalho de enfrentamento na escola é o diálogo. Este diálogo é importantíssimo, porque é através dele que o professor vai conhecer quem é o seu aluno e quem é a família dele. Muitas vezes, pela falta destes conhecimentos, o professor fica sem ter alternativas para buscar soluções. O próprio Paulo Freire já levantava esta bandeira da ‘dialogicidade’ no interior das relações e das práticas pedagógicas. A escola precisa ter esta relação de empatia com os alunos, conhecendo de perto quem são eles e suas famílias.

O conselho escolar é uma ferramenta importante também, além dos grêmios estudantis. Hoje nós temos experiências e pesquisas estão mostrando que onde o conselho escolar e o grêmio estudantil funcionam bem, as escolas, em geral, têm bons resultados. Estas instâncias realmente nos ajudam a enfrentar as problemáticas que estão no interior da escola, que são, também, as problemáticas vivenciadas na sociedade como um todo. A escola hoje é quase uma vitrine dentro da comunidade. É preciso que a gente compreenda isso, e é por isso que o trabalho da escola não pode ser, de forma alguma, dissociado do que está acontecendo com a comunidade,

Nós temos uma história que se deu num processo de violação permanente. Desde o início do nosso país, convivemos com a concepção de que o ser humano era objeto, como acontecia, por exemplo, no período da escravidão, em que um ser humano poderia, inclusive, ser vendido. Nós ainda temos outra problemática seriíssima, que se chama trabalho infantil e que representa uma exploração permanente de crianças que, muitas vezes, estão em locais que colocam a sua vida em risco. A escola, muitas vezes sequer tem

3 fortalecimento das capacidades de uma pessoa ou grupo, para habilitá-los a assumir o controle das suas vidas.

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conhecimento disso, ela não sabe o que está acontecendo com esta criança ou adolescente, e por isso, tem dificuldade em ajudá-lo.

Para oferecer ajuda, a escola deve buscar outros apoios como no Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente ou no Conselho Tutelar, tentando colaborar com a busca de alternativas de subsistência para estas famílias, para que elas possam tirar esta criança ou adolescente das condições de trabalho. A partir daí, quando outros direitos são garantidos, poderemos garantir o direito básico que à educação. Este direito a gente não pode abrir mão. É um papel nosso, um dever nosso e nós temos que realmente procurar as alternativas de tal maneira que tanto o professor como o aluno fiquem respaldados na garantia de seus direitos.