misÉria da psicanÁlise · da psicanálise, esquecendo-se da economia real tal qual marx observou...

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GUALBERTO LUIZ NUNES GOUVÊIA MISÉRIA DA PSICANÁLISE Breve análise a respeito dos textos de Tales Ab’Sáber sobre Lula e Dilma III CICLO – 4ª FEIRA MANHÃ 01/05/2016

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Page 1: MISÉRIA DA PSICANÁLISE · da psicanálise, esquecendo-se da economia real tal qual Marx observou sobre Proudhon em a Miséria da Filosofia. Neste texto, Marx critica Proudhon por

GUALBERTO LUIZ NUNES GOUVÊIA

MISÉRIA DA PSICANÁLISE

Breve análise a respeito dos textos de Tales Ab’Sáber sobre Lula e Dilma

III CICLO – 4ª FEIRA MANHÃ

01/05/2016

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é refletir sobre os dois livros do psicanalista

Tales Ab’Sáber que versam sobre a política do Partido dos Trabalhadores no

governo: Lulismo, Carisma Pop e Cultura Anticrítica e Dilma Rousseff e o Ódio

Político. Se no primeiro livro, o autor centra sua crítica naquilo que Lula

prometia ser e não foi, no segundo, procura identificar as matrizes da

intolerância de que foi sendo alvo a presidente Dilma.

Quase como numa alusão a Lula, mestre na arte das metáforas

futebolistas, lembro que o técnico de futebol Muricy Ramalho costuma dizer

que a “bola não perdoa” quando quer se referir a um time que perde muitos

gols e é castigado no final do jogo ao tomar um na única investida do

adversário. O PT no poder teve tempo, mas perdeu oportunidades de implantar

mudanças profundas em nossa sociedade. A política, assim como a bola, não

perdoa.

Por outro lado, o autor procura refletir sobre a realidade política a partir

da psicanálise, esquecendo-se da economia real tal qual Marx observou sobre

Proudhon em a Miséria da Filosofia. Neste texto, Marx critica Proudhon por ver

na economia apenas alegorias e não conseguir compreender os

desenvolvimentos econômicos que são, antes de qualquer coisa, baseados nas

forças de trabalho que provocam a divisão da sociedade em classes sociais.

Proudhon, salienta Marx, vê as categorias econômicas como simples

abstrações divinizadas e eternizadas, esquecendo que são os seres humanos

concretos em suas relações materiais que produzem as relações sociais, criam

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desejos que se transformam em necessidades. Marx afirma que Proudhon não

observou que “as formas econômicas nas quais os homens produzem,

consomem e trocam são transitórias e históricas”. Avança Marx em sua crítica,

afirmando que a política é uma consequência da sociedade civil que, por sua

vez, decorre das instituições sociais, da organização da família, das ordens e

das classes, dependendo estas, por sua vez, das formas de comércio e de

consumo que decorrem diretamente do estado de desenvolvimento das

faculdades produtivas, o que teria sido ignorado por Proudhon. Neste trabalho,

Marx deixa claro que a única ação revolucionária, transformadora da realidade

é a baseada na luta de classes. Para Marx, os economistas (e esse alerta

poderia servir também para o psicanalista Ab’Sáber) baseiam a verdade de

suas opiniões numa pretensa revelação.

Utopicamente, setores pretensamente socialistas lançaram seu olhar

para as classes oprimidas e tentaram construir sistemas que dessem conta de

diminuir seu sofrimento e denunciar a luta de classe sem ver que esta é o

verdadeiro motor da revolução. Lula, e isso é parece ser ignorado por

Ab’Sáber, nunca teve por objetivo resolver as contradições do sistema

capitalista, ao contrário do que propunha seu partido em linhas programáticas

que se tornaram obsoletas depois da “Carta de Lula ao povo Brasileiro” que

continha velhas referências a um suposto “Brasil mais solidário e fraterno, um

Brasil de todos”, como se isso fosse possível em uma sociedade cindida em

classes.

Dessa forma, a miséria da filosofia de Proudhon pode ser a miséria da

psicanálise de Ab’Sáber, ambas punidas pela visão míope do significado da

luta de classes e pela opção conciliadora historicamente presente em nossa

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trajetória. Para Ab’Sáber, Lula é aquele que foi sem nunca ter sido. Sua

perplexidade e decepção com o personagem se devem à transformação de

Lula em um fetiche, tanto freudiano quanto marxista.

A continuidade do governo Dilma e sua consequente tragédia só

reforçam o pressuposto marxista presente no Dezoito Brumário de Louis

Bonaparte, de que a história se repete, na primeira vez como farsa, na

segunda, como tragédia.

LULA: COMO UMA DEUSA

“... como uma deusa, você me mantém, e as coisas que você me diz, me

levam além...”. Esta canção, famosa na voz da cantora Rosana e que serviu de

tema da novela Mandala, centrada num pretenso Complexo de Édipo, nos

lembra de que suas estrofes poderiam caber perfeitamente no discurso de

Marilena Chauí, que, em certo momento de sua vida acadêmica, afirmou que

“quando Lula fala, o mundo se abre, se ilumina e tudo se esclarece1”. Só

mesmo “uma deusa” grega para conseguir tal façanha.

Partimos daqui para nos perguntarmos: de qual Lula estamos falando?

Recorremos então a Ab’Sáber que cita seu trabalho como sendo um

“documento de fim de um tempo” (pag. 9). Ora, um tempo que termina,

necessariamente, teve um começo. O Partido dos Trabalhadores nasceu da

confluência de fatores históricos e singulares. Apenas como recorte necessário

à nossa reflexão, colocaremos o ponto inicial dessa trajetória bem antes das

históricas assembleias no Estádio de Vila Euclides nos idos de 1978, mais

1 http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1306200311.htm

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precisamente, no golpe de 1964. Naquele momento, a esquerda (coloco aqui

no singular pela força hegemônica do Partido Comunista Brasileiro nesse

campo de luta) via Jango como um messias, aquele que com suas reformas de

base iria transformar o País. O imaginário precede o real. Jango era uma

fantasia que, naquele momento, objetivava um prazer. O recalque desse prazer

perduraria por mais de 20 anos.

Um pouco mais atrás no tempo, encontramos a Igreja Católica se

inserindo, a partir da encíclica Rerum Novarum, na questão social, ainda que

tardiamente. Foi a base para que, no futuro, surgissem movimentos como o do

Padre Lebret, precursor da Teologia da Libertação que percorreu,

principalmente, a América Latina e embalou sonhos de liberdade.

O prazer reprimido pelo golpe e a necessidade de tomar o falo dos

militares desemboca na luta armada que se revelará cheia de tensões e luto. A

Teologia da Libertação, por sua vez, teria também seu momento de castração

quando João Paulo II assume o papado e promove uma mudança radical nos

rumos da Igreja.

O ano de 1978 encontrará o movimento sindical do ABC nessa

encruzilhada de castrados, tanto da guerrilha quanto da Teologia da

Libertação, embalados em sua melancolia e em busca do totem que pudesse

simbolizar sua busca messiânica pela terra prometida onde os mais pobres

usufruiriam de uma terra onde corresse leite e mel. Esse foi um olhar que se

tornaria obsessivo. O futuro mostraria que Lula se tornará o pai ciumento que

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expulsará todos que tentassem crescer e não se comportassem como filhos

obedientes2.

Lula, segundo Ab’Sáber, “confirma o manejo tradicional da vida pública

brasileira sempre baseada no clientelismo e no patrimonialismo” (pag. 13). O

autor se mostra decepcionado com essa característica, criticando Lula por

elogiar Sarney, o mesmo a quem ele tanto havia criticado em sua trajetória

política. Sarney, depois de sua desastrosa passagem casual pela Presidência

da República, estava tão desgastado que não representava mais nada em nível

nacional, continuava, porém, sendo um coronel de respeito no Nordeste, “dono”

de muitos votos. Assim, nesse setting político, cabia muito bem a transferência

de Lula para Sarney, projetando nele um pouco de si mesmo.

Outros manejos de Lula se revelarão constrangedores, como no caso

em que Maluf condiciona seu apoio a Haddad na eleição para prefeito de São

Paulo em 2012, à visita do pai da horda.

O tom de frustração do livro não leva em consideração o Lula

verdadeiro. O real havia sido construído e, assim, idealizado. Em 1978, porém,

no programa Vox Populi da TV Cultura, disponível na Internet3, Lula já afirmava

que não era socialista e que os trabalhadores queriam de fato era uma casa e

um carro na garagem, ideal bem ao estilo do animador de auditório e

empresário Silvio Santos.

Lula é irmão de Frei Chico, este sim, militante à época do Partido

Comunista Brasileiro e que o levou a participar do sindicato. Ao contrário do

2 Como no caso dos deputados e deputadas federais João Fontes, João Batista Araújo, Heloisa Helena e

Luciana Genro. 3 https://www.youtube.com/watch?v=0WxBBoejv3w

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irmão, Lula nunca gostou de ler e nunca se preocupou com qualquer formação

teórica. Tinha, no entanto, grande sensibilidade em relação aos anseios dos

trabalhadores que, bem ao estilo classe média pequeno burguesa, queriam

bens de consumo que consolidassem sua ascensão social.

Lula fará sua trajetória política impulsionado pela esquerda oriunda do

Partidão, mas que haviam com ele rompido por conta da luta armada, e pelo

contingente da Teologia da Libertação. A esse grupo, se juntarão intelectuais,

artistas e trabalhadores ligados à Central Única dos Trabalhadores que, a

despeito de todas as concepções teóricas, se tornará um instrumento na mão

do Partido dos Trabalhadores.

Apesar dessa trajetória, sabidamente vitoriosa, os recalques e o

narcisismo de Lula são notáveis. As famosas frases “nunca antes da história

deste país” e “foi preciso um torneiro mecânico, metido a socialista, para fazer

o País virar capitalista” demonstram, além de orgulho, um profundo

ressentimento, particularmente notáveis em suas referências a Fernando

Henrique Cardoso, sempre procurando diminuir sua qualificação como

presidente e acadêmico.

O narcisismo de Lula foi profundamente inflado por seus seguidores,

incluso aí os acadêmicos que Lula sempre tripudiou. Em entrevista a Emir

Sader, encontramos um ex-presidente extasiado com seus próprios feitos e o

entrevistador afirmando, logo no preâmbulo sobre Lula, que este “...foi e

continuará sendo uma das figuras mais destacadas da política mundial no

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século XXI”4. Em um momento da entrevista, Lula afirma: “Aquelas três

promessas do meu discurso de posse – primeiro, eu vou fazer o necessário;

depois, eu vou fazer o possível e, quando menos imaginar, estarei fazendo o

impossível - deram certo”5.

Finalmente, Lula fala sobre a oposição e tudo se ilumina:

Eu não tenho raiva deles e não guardo mágoas. O que eu

guardo é o seguinte: eles nunca ganharam tanto dinheiro na

vida como ganharam no meu governo. Nem as emissoras de

televisão, que estavam quase todas quebradas; os jornais,

quase todos quebrados quando assumi o governo. As

empresas e os bancos também nunca ganharam tanto, mas os

trabalhadores também ganharam. Agora, obviamente que eu

tenho clareza que o trabalhador só pode ganhar se a empresa

for bem. Eu não conheço, na história da humanidade, um

momento em que a empresa vai mal e que os trabalhadores

conseguem conquistar alguma coisa a não ser o desemprego6.

Aqui, encontramos o Lula narcísico, fálico, totêmico em toda sua forma.

TODO MUNDO ODEIA A DILMA

Nossa vida é feita de escolhas. Ao final de seu governo, Lula escolheu

Dilma Rousseff para ser a continuadora de sua obra com uma clara intenção:

ela deveria ficar por apenas quatro anos, surfando em seu legado e preparando

sua volta. Deu errado. Dilma gostou do poder. Julgou que o falo era seu e o

transformou em uma mandioca a ser saudada. Lula até tentou manejar sua

volta, estimulando movimentos nesse sentido, mas a posse do falo falou mais

alto.

4 SADER, Emir (org.). Lula e Dilma – 10 anos de governos Pós-Liberais no Brasil, São Paulo, Boitempo, 2013, pag. 9. 5 Op. Cit. Pag. 13.

6 Op. Cit. Pag. 16.

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Se no livro sobre Lula, Ab’Sáber procura ser crítico, no segundo, ao

analisar a derrocada do mundo petista simbolizado em Dilma, o autor continua

ignorando as lutas de classes e o particular papel da classe média com suas

aspirações. Assim, sua análise fica novamente incompleta ao abordar apenas

as subjetividades. Causa surpresa quando afirma que “...não acredito

substantivamente em tudo o que vou elencar neste trabalho” (pag. 8). O que o

autor não acredita do próprio trabalho fica nebuloso, ele não deixa claro.

Acerta quando diz que o capitalismo é avassalador em sua busca por

lucros crescentes. De fato, o jargão “o Brasil precisa retomar o crescimento”

seria risível se não fosse trágico, pois crescer significa aprofundar as

desigualdades sociais uma vez que a mais valia é condição para o crescimento

econômico. Os abutres que foram eleitos na chapa de Dilma, percebendo a

falta desse crescimento e alvoroçados com a perspectiva de tomada do poder,

afiam suas facas e lanças preparando-se para o grande festim. O totem jaz no

chão. Seus filhos o jantaram e, sem nenhum remorso, agora buscam um novo,

talvez, o pato amarelo.

O totem derrotado havia prometido que a crise mundial não afetaria o

Brasil; que seria apenas uma “marolinha”. O que se viu foi o Brasil mergulhado

em uma crise sem precedentes, punido pelas escolhas erradas de Dilma,

enquanto Lula praticava a foraclusão da mesma.

Sua derrocada, poderíamos dizer, começou em 2013, durante as

grandes manifestações de junho. Naquele momento, o Movimento Passe Livre,

doravante chamado apenas de MPL, propunha que o reajuste da tarifa em São

Paulo, de 20 centavos, fosse suspenso. Esse movimento, tímido no início, foi

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ganhando corpo com o passar dos dias e sendo o amálgama de diversas

insatisfações populares. Era comum ouvir da classe política e até dos

intelectuais que as manifestações se tratavam de um movimento destituído de

conteúdo, uma vez que não havia uma bandeira muito definida. Pedia-se de

tudo, da “passagem gratuita” ao som “som mais baixo no buzão”. Um carnaval

de neuroses em praça pública. Esqueceram-se os intelectuais que, nas

jornadas de maio de 1968, quando perguntaram ao líder estudantil Dany Le

Rouge o que os estudantes queriam, ele simplesmente respondeu: “Nós

queremos tudo!”. Assim, o movimento era totalmente legítimo e expressava um

profundo descontentamento de diversos setores da sociedade, inclusive da

classe média baixa, tão glorificada pelo petismo como sendo os novos

comensais do festim capitalista. Esqueciam-se da lição marxista que, uma vez

contemplados em suas necessidades, os trabalhadores se voltam para outras.

O desejo, como bem lembra Paulinho da Viola, quando floresce, não há força

que derrube. Ele luta até contra a Lei da Gravidade7. Esses novos personagens

tinham suas demandas particulares.

Dilma não soube trabalhar esse momento fundamental. Enxergou

“líderes” em um movimento sem líderes e chamou-os para a cooptação

enquanto o País se incendiava. Esses “líderes” logo saíram de cena,

atendendo ao pedido da mandatária, mas a caixa de pandora havia sido

aberta. O que se veria daí para frente foi a substituição de um grupo por outro,

que foi sendo gestado ao longo da crise. Gritos de ordem como “quem não pula

quer tarifa” se transformou nas manifestações contra o governo em “quem não

pula é petista” e o “vem, vem pra rua vem, contra o aumento!” perdeu o “contra

7 Música de Paulinho da Viola: Mais que a Lei da Gravidade.

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o aumento” e se transformou no mais importante grupo contra a presidente: o

Vem pra Rua, liderado pelo empresário Rogério Chequer. Por suprema ironia

do destino (ou não), o movimento tem as mesmas iniciais da Vanguarda

Popular Revolucionária – VPR, que foi parceira de luta nos tempos da

presidente guerrilheira.

FREUD (2011) nos chama atenção para o fato de que

A Massa é um rebanho dócil, que não pode jamais viver sem

um senhor. Ela tem tamanha sede de obediência, que

instintivamente se submete a qualquer um que se apresente

como seu senhor.8

Ao se sentir abandonada, a massa foi em busca de um novo senhor das

ruas.

Quando chamou para si a responsabilidade de acabar com a crise,

Dilma deslocou a responsabilidade do Congresso e acabou arcando com esse

ônus. A partir daí, seria Dilma a grande inimiga da nação.

Não podemos nos esquecer de que os movimentos sociais à esquerda,

um tanto quanto cooptados, tiveram de agregar forças para irem às ruas já no

ocaso do governo petista, uma vez que tinham perdido o bonde da história.

Esses movimentos nunca quiseram Dilma. Aceitaram-na no primeiro governo,

tiveram que “engoli-la” no segundo, pois queriam a volta de Lula, e assistiram

atônitos a ela assumir o receituário neoliberal da economia personificada na

figura do ministro Joaquim Levy, também oriundo do capital financeiro

internacional.

8 FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos. São Paulo, Cia. Das Letras,

2011.

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Chama a atenção também a abordagem feita por Ab’Sáber sobre o fato

de pais e mães levarem seus filhos e tirarem selfies com policiais militares,

sendo a polícia militar, no dizer do autor, frequentemente denunciada como

sendo “uma das que mais mata no mundo, especialmente jovens pobres e

negros” (pag. 24). Ora, essa polícia representa essas pessoas. Sem dúvida,

os que iam nessas manifestações como um programa dominical festivo

consumiam bandeiras, bótons, camisetas e eram brancos de classes média e

alta.

Finalmente, Dilma foi alçada, primeiro à figura de “gerentona”, passou

para “faxineira da corrupção” para, finalmente, se vestir no papel de “vítima

injustiçada”. Suas palavras mais repetidas durante o desenlace do

impeachment foram: injustiça e traição. Poderia ser um romance de Jane

Austen, mas, infelizmente, era real. Coube também o de defensora do Estado

Democrático de Direito. Ora, Dilma nunca lutou pela democracia nos seus

tempos de guerrilheira. Ela lutou pela instalação da ditadura do proletariado e

sempre foi inimiga disso que se chama “democracia liberal burguesa”. Em um

livro muito esclarecedor, Daniel Aarão Reis deixa isso muito evidente. Não se

tratava de instalar uma democracia, bem pelo contrário, ainda que os motivos

que levaram à luta contra a ditadura fossem nobres e valorosos, ainda que

equivocados como bem assinalado na época pelo Partido Comunista Brasileiro,

o Partidão. Foi necessária a criação de uma “narrativa” que os transformasse

em “lutadores pela democracia”9. Foi feito um manejo da memória. Todos os

papéis a ela atribuídos não passaram de “narrativas” e manejos criativos.

9 BARCELLOS, Jalusa. Profetas do Passado – O Controverso Momento Político Nacional Analisado em

Entrevistas com 28 Formadores de Opinião. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2016.

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CONCLUSÃO

Finalmente, a classe média, tão odiada por Marilena Chauí, é de fato,

um grande anteparo para os choques sociais. O indivíduo típico de classe

média olha com admiração para cima e horror para baixo. Sabe que sua

origem vem de baixo e que, qualquer movimento em falso, o levará

rapidamente para esses andares inferiores. Esse medo é pânico. Fugir dessa

condição, uma obsessão. Ao apostar no crescimento dessa classe e ao não

agudizar as contradições inerentes ao capitalismo, o Lulismo, do qual Dilma foi

depositária infiel, não poderia almejar outra coisa. Não houve aposta no

desenvolvimento político e cidadão dos mais pobres que ascendiam e queriam

sempre mais, como seria natural. Lula e Dilma fizeram o jogo do capital,

apostaram e buscaram o consenso impossível. O destino estrava traçado.

Afinal, a bola não perdoa.

BIBLIOGRAFIA

AB´SABER, Tales. Dilma Rousseff e o ódio político, São Paulo, Ed. Hedra,

2015.

Ibdem. Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica, São Paulo, Ed. Hedra, 2011.

BARCELLOS, Jalusa. Profetas do Passado – O Controverso Momento Político

Nacional Analisado em Entrevistas com 28 Formadores de Opinião. Rio

de Janeiro, Ed. Record, 2016.

FREUD, Sigmund. Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos. São

Paulo, Cia. Das Letras, 2011.

NÁSIO, J.-D. A Fantasia. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 2007.

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SADER, Emir. Lula e Dilma – 10 anos de governos Pós-Neoliberais, São Paulo,

Boitempo/Flacso-Brasil, 2013.