miolo impressao - final - 07 de junho

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    Maria Stella de Azevedo SantosMEU TEMPOÉ AGORA

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    ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DA BAHIA

    Presidente:Vice-presidente:

    Segundo-vice-presidente:Terceiro-vice-presidente:

    Primeiro-secretário:Segundo-secretário:Terceiro-secretário:Quarto-secretário:

    Marcelo NiloRogério AndradeFernando Torres

    Aderbal CaldasRoberto CarlosJúnior MagalhãesEdson Pimenta

    Antônia Pedrosa

    Mesa Diretora:

    Assessoria de Comunicação Social:Assessor para Assuntos de Cultura:

    Paulo BinaDélio Pinheiro

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    Assembleia Legislativado Estado da Bahia

    2010

    Maria Stella de Azevedo SantosMEU TEMPOÉ AGORA

    2ª edição

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    A gradeço ao Universo a inspiraçãoque me deu para esta nova edição,que se materializa graças à ajudados filhos,Ajagun Tayobí quedigitou eOluborí que com parci-mônia e disponibilidade fez a leitu-ra e ajustes valiosos.

    Espero que gostem,

    Mãe Stella

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    Sumário

    PREFÁCIO, 9

    AS ÌYÁ DO ÀßÇ ÒPÓ ÀFONJÁ, 17OS FILHOS-DE-SANTO, 37

    OS OLÓYÈ, 67

    SOBRE OS RITUAIS, 89MODOS E COSTUMES, 119

    VISITAS, 133

    ALGUNS ASSUNTOSPOLEMICOS, 139

    ILUSTRACOES, 149

    GLOSSÁRIO, 163

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    Quiso destino, num domingo de um ou-

    tubro perdido na memória dos anossetenta, que, retornando de uma visita à casa de ami-gos moradores do antigo Beiru, eu ouvisse na noite orepicar dos atabaques que me levaram pela primeiravez aoIlê Axé Opô Afonjá. Eu, vindo do Maranhão,recém-formado em Medicina na Bahia, sabia das mi-nhas raízes ligadas ao Candomblé (possuía bisavó pa-

    terna que fora escrava liberta). Era como se algumaforça me chamasse.

    Ao entrar no Barracão, deparei-me com uma senhora,que sentada na sua cadeira, dirigia a Festa. Em certomomento, ela entrou na roda do xirê e de uma manei-ra altiva, majestosa e com um olhar penetrante, me fez

    refletir e pensar que deveria retornar àquele Terreiropara melhor conhecer aquela Religião dos Orixás. Pen-sei em retornar, mas não consegui. Emocionado comos acontecimentos daquela noite, fui-me embora meesquecendo de perguntar o endereço.

    Passaram-se anos, até que um dia um senhor de pre-

    nome Américo procurou-me no consultório para uma

    PREFÁCIO

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    consulta. Ao final do exame, ele então me disse quehaveria uma certa festa de Candomblé e que eu seriaseu convidado, que eu teria que ir, que ele fazia ques-tão da minha presença. Qual não foi minha felicidadequando ele me disse tratar-se de um xirê noIlê AxéOpô Afonjá. Aceitei de imediato. A partir de então,passei a freqüentar as festas com assiduidade. E “seuAmérico”, Américo de Oxum, como era conhecido noTerreiro, veio a se tornar meu Pai Pequeno.

    Um outro dia inesquecível foi, durante as Águas de1992, quando fui suspenso Ogã de Oxalá, já sendode Oxaguiã. Ocasião marcante. A princípio, fui toma-do de uma grande surpresa depois de muita alegriapela deferência do orixá manifestado à minha pessoa.No ano seguinte, durante os preparativos para a con-firmação presenciei, no Barracão, ao lançamento deMeu Tempo é Agora.

    De tiragem reduzida, a primeira edição esgotou-se ra-pidamente. Foram quase duas décadas de espera paraque uma segunda edição se concretizasse. Só agoragraças à iniciativa da Assembleia Legislativa do Estadoda Bahia será possível aos seguidores do Candombléter acesso a esta obra, que é basilar para a compre-ensão de como as relações se desenvolvem dentro danossa comunidade. Sem dizer, a falta que fazia às ge-rações mais novas de iniciados.

    Este livro é uma obra muito importante fundamentalsob vários aspectos: Mãe Stella começa por abordar

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    as origens do Terreiro, dando ênfase principalmenteàs contribuições das Mães-de-Santo que a antecede-ram, porém sem deixar de mencionar aqueles que,ocupantes ou não de cargos, com funções religiosasou não, contribuíram para a consolidação doIlê AxéOpô Afonjá desde suas precárias localizações iniciaisaté sua instalação definitiva em 1910 na roça em SãoGonçalo do Retiro onde permanece até hoje.

    Com olhos e pena de cronista Mãe Stella ajuda-nos amelhor compreender as mudanças realizadas pelas Iyáse seus colaboradores ressaltando sempre o caráter edi-ficante de todas elas. Através dela sabemos dos esfor-ços de Mãe Aninha,Obá Biyi, para atravessar frontei-ras sociais, ao mesmo tempo, trabalhando com afincopelo que acreditava amealhando a solidariedade dospoderosos, dando importantes passos para a liberaçãodo Culto aos Orixás em todo o País; sabemos que MãeBada,Olufan Deiyi, empenhou-se em aprofundar osconhecimentos religiosos, iniciando várias pessoas emoutros terreiros, ela “entendia profundamente os mis-térios dosOríÿa,”... era “a desempatadora oficial dequestões litúrgicas, conflitantes do Candomblé desta

    terra”; que Mãe Senhora criou os sub-cargos deOtun e Osi para o Corpo deObás; sabemos que “inovaçõespositivas foram feitas por Mãezinha, coisas de valor, aexemplo da reforma na Casa de Omolú, do quarto deOxalá, dasAyabás, e a idéia da reconstrução da Casade Xangô”... que ela era também “boa mestra” e queorientou muita gente.

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    Junto com sua preocupação em registrar os “ajustes”,as “reformas” que cadaIyálorixá fez à seu tempo,tomamos assim, não apenas conhecimento de perso-nalidades importantes para a história de nossa Casa,mas como também passamos a conhecer particula-ridades, intimidades, que só são possíveis dentro doâmbito da família. Da extensa família ancestral-reli-giosa a qual todos pertencemos. Tomamos conheci-mento de personalidades tais como foiObá Sanyá,

    tio Joaquim, a quem Mãe Aninha considerava comopai; como foi o Babalaô Martiniano Eliseu do Bomfimo elo do Axé com a Nigéria; o Ogã Jorge Manuel daRocha cujos esforços rendeu-nos o Decreto nº 1212;ficamos sabendo que “os Babalorixás Procópio, Ciría-co, Bernardino freqüentavam as festividades da nossaCasa”; que Nezinho da Muritiba era grande amigo

    de nossa Mãe e que suas filhas Bida e Rosinha, Iya-lorixás respeitadíssimas, passavam muitos dias noAxé como hóspedes de Mãe Senhora; sobre Mãe Se-nhora, Oxum Muiwá, que foi “Mãe Preta do Brasil”na década de sessenta e recebeu o título de principalmulher do culto a Xangô, “Iyá Naso”, das mãos doPríncipe de Oyó na Nigéria, que muito vaidosa, gos-tava de jóias, perfumes, talcos, adorava “AlfazemaGarrão”, gostava de comer peixe e beber vinho “Re-serva”; sobre Mãezinha,Iwin Tona, que nasceu nomar dentro de um navio da “Bahiana”, daí seu nomeOndina, do seu abastado pai José Theodoro Pimen-tel, primeiro e únicoBãlé Xangô de nossa Casa; que

    Mãezinha era um misto de doçura e aspereza, que

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    possuía o talento herdado de conversar com os olhos,que desarmava qualquer um.

    Numa prosa despretensiosa e direta Mãe Stella vaipassando pelas pessoas, falando-nos dos valores queelas preconizavam, ressaltando suas contribuições,nos dando intimidade, nos familiarizando com as ori-gens e as tradições do nosso povo. Num determina-do momento constata enaltecendo a necessidade delivros: “não é mais possível a prática da crença nosOríÿa sem reflexão, estudos e entrosamentos. A tradi-ção somente oral é difícil nos tempos atuais. Até mes-mo porque a aquisição da escrita pela humanidade éum ganho, e não uma perda.”

    Além da preocupação com a leitura, a preocupaçãocom a instrução, ela afirma, vem desde o tempo da fun-dadora, Mãe Aninha, que apesar de toda dificuldadedo seu tempo queria ver seus filhos de anel no dedo,pés na terra, servindo aos Orixás. Este livro tem um alvoclaro, muito bem definido: “estes escritos se destinam,particularmente, aos meus filhosAdoÿu. Meu tempo érestrito, em virtude dos incontáveis compromissos quea vida deIyalorixáme impõe. Por isso, achei indispen-sável transmitir a vocês, meus descendentes espirituais,algum conhecimento adquirido nos meus longos anosde experiência comoAdoÿu e Olóyè. A população ter-restre aumentou muito, conseqüentemente a do Axétambém, dificultando muito a transmissão do conheci-mento apenas por via oral. O que se registra, por escrito,

    permanece! Porém, nunca é demais lembrar, apesar da

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    importância da escrita na comunicação, o conhecimen-to transmitido pela oralidade é a base da transmissãodo conhecimento iniciático, pois só através dele oÀÿç dos mais velhos pode ser repassado aos mais novos”.

    Além do precioso conhecimento, proveniente da me-lhor fonte de todas as fontes, sobre o nosso passado,os iniciados encontrarão neste livro um guia detalhadode modos e costumes que poderão lhe ajudar a enten-der as diversas situações de vida na comunidade doIlê Axé Opô Afonjá: como se vestir, se comportar,como observar o respeito aos mais velhos, a hierarquiaimplícita nas relações etc. Traz também esclarecimen-to sobre os rituais mais significativos, fazendo mençãodetalhada do intrincado mundo dos cargos e funçõesdentro do nosso Terreiro. Conhecimento que levará oiniciado a saber precisamente seu lugar “no mundo”,como se posicionar em relação aos demais e em rela-ção às diversas circunstâncias em sua volta.

    Este livro envolve a percepção de diversos tempos e asformas de transmissão de conhecimento. A velocida-de que vem tomando os acontecimentos nos nossostempos afasta-nos cada vez mais da possibilidade devermos mantidos os vínculos familiares tradicionais.No Candomblé isto também é verdade. Com este li-vro Mãe Stella cria uma nova forma de tradição nafamília-de-santo.

    Nesta longa conversa — que é este livro — Mãe Stelladá o seu recado, chamando-nos a atenção para as

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    forças capazes de manter a integridade e coesão dafamília-de-santo em nossa sociedade, apontando paraos perigos que nos rondam, de dentro e de fora. MEUTEMPO É AGORA! Ela clama.

    Nos quase setenta anos de iniciada e trinta e quatrode comando no nosso Terreiro, Mãe Stella sempre temuma palavra amiga, de compreensão, de incentivo, decarinho e acima de tudo de verdadeira Mãe. Percebe-mos em todos seus escritos a avidez zelosa da mãe quecom empenho e determinação preocupa-se em trans-mitir princípios de conduta, e valores para a imensa le-gião dos seus filhos, ensinando-nos que o mais impor-tante é garantirmos a permanência do Culto aos Orixásentre nós: “Deixemos o egoísmo de lado e tratemos detransmitir conhecimento como maneira de conservar o

    Candomblé ‘por todos os tempos’”, instiga-nos.Que o caçador da flecha certeira, Oxossi — dono do seuEledá — que Xangô, e todos os outros orixás perma-neçam ao seu lado a lhe dar coragem, saúde, e muitosanos de força para continuar nossa Mãe, orientandocom sabedoria aos seus filhos doIlê Axé Opô Afonjá.

    Súre fún mi, Iyá minha querida Mãe Stella,Seu filho, Ribamar Daniel — Olualadê

    Salvador, Março, 2010.

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    MãeAninha,Ôba Biyi (Eugênia Anna dosSantos), Ìyá que fundou esta Casa,conseguiu sua independência religiosa quando, inspi-rada porßàngó, resolveu assumir umIlê Àÿç, na ruado Camarão, onde, auxiliada porÔba Sanyà, tornou-se Ìyálorìÿa. Daí, mudando-se para o Nordeste deAmaralina, depois para a Ladeira da Praça, até instalar-se definitivamente na estrada de São Gonçalo do Reti-ro, numa fazenda a que deu o nome deIlê Àÿç ÒpóÀfonjá — Casa de Força cujo sustentáculo éÀfon-

    já. Desde então, Mãe Aninha viveu numa constanteprogressão, cuidando não só do novo espaço sagrado,mas também de toda a sua população. Atravessando

    fronteiras no âmbito social, trabalhando com afincopela sua crença, impondo respeito e adquirindo soli-dariedade, deu importantes passos para a libertaçãodo Culto aosOríÿa.

    O Ilê Àÿç Òpó Àfonjá foi criado em 1910. MãeAninha era deßàngó, Filha-de-Santo deÌyá Marce-lina —

    Ôba Tosi, do Candomblé do Engenho Velho,

    AS ÌYÁ DOÀßÇ ÒPÓ ÀFONJÁEnquanto eu estiver noÀiyé , este é o meu tempo.

    Minhas homenagens às Ìyá que me antecederam.

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    o Àÿç Ìyá Naso Oká. Foi a responsável pela libera-ção do culto afro-brasileiro, bastante perseguido nosprimórdios do século XX, pela polícia. Candomblé eracoisa de “negros ignorantes, prática fetichista, a vergo-nha da Bahia”, diziam.Ôba Biyi não hesitou: no Riode Janeiro, onde residia na época, foi ter com GetúlioVargas, obtendo a liberdade para a prática da religiãodos Oríÿa, pelo Decreto nº 1212. A entrevista com oPresidente foi conseguida graças à ajuda de Oswaldo

    Aranha — chefe da Casa Civil e amigo de Mãe Aninha eaos esforços doÔgá Jorge Manuel da Rocha. Era sem-pre incentivada pelo Tio Joaquim,Ôba Sanyà, a quemconsiderava seu pai.Ôba Biyi criou nossa Casa que,com as bênçãos deßàngó e fruto de muito trabalhocoletivo, continua de pé, preocupada com a conserva-ção da tradição oral, herança de nossos ancestrais.

    Com dignidade, auxiliada peloBabaláwo MartinianoEliseu do Bomfim, elo de ligação doÒpó Àfonjá coma Nigéria, introduziu no Novo Mundo o Corpo deÔba (ou Mogbà), aos moldes deÖyö. Estes, em númerode doze, são considerados os Ministros deßàngó. Elessão divididos em seisÕtun, os da direita, e seis Òsi,os da esquerda. São responsáveis pelas coisas civis daRoça. Homens que têm por dever ajudar aÌyá na or-ganização social doIlê Àÿç. São Olóyè, chamadosde pai. Em 1936, Mãe Aninha criou a Sociedade CruzSanta doÀÿç Òpó Àfonjá, preservando, assim, acontinuidade de nossa Casa e evitando eventuais inci-dentes de sucessão, após a sua morte.

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    A Ìyálorìÿa era descendente de africanos Grunci,habitantes do Alto Voga. Seu pai se chamava Anió esua mãe Azambriô. Segundo informações, este povoé raríssimo atualmente e não deixou seguidores de suaprática religiosa entre nós. Mãe Aninha segurou o cultoàs divindades Grunci como pode e até hoje elas sãocultuadas aqui no Àÿç, de maneira discreta, na espe-rança de não se deixar esvair este culto, com idioma eidentidades diferenciados dos Oríÿa Yorubá. Ela foiiniciada no culto aos Oríÿa Obìnrin, correspondentea Yemonjádos Yorubá. Outras divindades Grunci são cultuadas na Casa de Ìyá, em um culto à parte,especifico. Talvez por isso esta Casa — a de Yemonjá — tenha uma energia tão misteriosa que faz com quenem todo Iniciado possa adentrá-la. Também foi lá queo ßàngó de Mãe Aninha se apresentou pela última vezdeixando suas mensagens para os poucos presentes nomomento, com algumas orientações que serviria parasua substituta e todos os membros do Çgbë. Foi naCasa de Ìyá que a Grande Senhora foi vista pela últimavez aqui no Àiyé.

    No tempo de Mãe Aninha o mistério estava mais pre-sente, até na sua própria pessoaßàngó Àfonjá sem-pre mostrava toda a sua força através de práticas mis-teriosas, como, por exemplo, fazendoorogbo virarpedra e pedra virar pó. Esteßàngó emanava fogo!Tantas e tantas outras coisas ele fazia... Quem conhe-cia os mitos dosOríÿa e presenciava o que Ele fazianão tinha dúvida da veracidade das práticas inexpli-

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    cáveis. Também, o “Povo de Àÿç” era uma famíliaplena de fé e espiritualidade e por isso merecedores

    deste tipo de graça. Tempos em que osÀgba eramverdadeiros mestres. A inexistência de energia elétricae dos atuais meios de comunicação favorecia tais even-tos. A correspondência era o “correio nagô”. Os acon-tecimentos, agradáveis ou não, esvaiam-se no mesmoespaço (não tinha telefone disponível,internet...). Esseera o tempo em que se via e se vivia o mistério! Creio

    que nesse tempo osOríÿa e Baba Egún estavam vin-culados a nós pela fé, obediência e respeito. Não ésaudosismo, é pura realidade!

    Outra importante inovação realizada porÔba Biyi foitransformar um Terreiro de Candomblé em uma espé-cie de África. Ela reuniu “diversas tribos africanas” em

    um só espaço. Mãe Aninha dedicou uma casa a cadaOríÿa, individualizando, assim, as práticas religiosas.As pessoas que não conhecem oÀÿç se admiramquando nos ouvem dizer: “Eu e Peró somos da mesmacasa”; “não gosto que falem da gente lá de casa”; “láem casa tem de tudo — negro, mulato, loira, more-na”, “o pessoal lá de casa é assim mesmo”. O estranhofica surpreso pelo fato de todos pertencerem aoÀÿç e conseqüentemente, à “mesma Casa”. Esta separaçãonossa, feita na “pilhéria”, um irmão provocando o ou-tro, dá-se pela diferenciação de ritos religiosos de umpara outroOríÿa. Eu e Peró,Ôdç Taiwo, somos deÔdç, da “Casa de Ôdç”, os assentos de nossosOríÿa

    estão no mesmo local, moram juntos, comunicam-

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    se. As expressões “lá em casa”; “o pessoal de minhacasa” deve-se a Mãe Aninha, pois foi ela quem criouum espaço para cadaOríÿa e sua família, fomentandona gente um estreitamento de laço com os irmãos domesmoOríÿa e um saudável orgulho por pertencer-mos a esta ou àquela casa.

    Ìyá Ôba Biyi era muito zelosa com coisas de hie-rarquia eawo. Tinha um grupo de Filhas-de-Santomais velhas, e umas tantas quantas senhoras idosas,as Àgba — responsáveis pela educação direta dasFilhas-de-Santo. Depois da Iniciação, Mãe Aninha asdeixavam aos cuidados das velhas senhoras.

    Tia Cantú,Ayrá Tola, Filha-de-Santo de Mãe Aninha,que nasceu em 16 de março de 1900 e morreu em 27de junho de 2004, aos 104 anos de idade, nos contoumuitas histórias. Ai da Filha-de-Santo que resolvessepassar por cima da hierarquia, indo queixar-se dire-tamente à Mãe-de-Santo... Não tinha nem graça! Ogrupo deÀgba, a que me referi, tinha que educar asIniciadas. Caso estas não se comportassem muito bem,a culpa era atribuída à incompetência das mestras. Oprofessor responde pelos discípulos, não é assim mes-mo? Daí o zelo dasÀgba em transmitir conhecimentosaos mais novos. Conhecimentos estes que, por sua vez,elas tinham recebido dos seus mais velhos. Ninguémqueria ser advertida pela Mãe-de-Santo. Muito pelocontrário, faziam questão de mostrar que davam con-ta do recado, que sabiam das coisas. Se aÌyálorìÿa

    entregava seu Filho a umaOjubona para tomar con-

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    ta é porque confiava naquela pessoa. Falhas da Mãe-Pequena doIyawó era motivo de desmoralização da

    Mãe-de-Santo. Por tal motivo, Mãe Aninha procuroupreencher seuÇgbë com os cargos inerentes a umÀÿç, sendo ela a mestra maior, orientou a todos comsua força de caráter e disciplina.

    Mãe Aninha deixou oÀÿç em 1938, juntando-se aoutros dignos ancestrais, levando consigo muito co-

    nhecimento que não teve tempo de passar. Quandofaleceu, deixou um barco deIyawó novíssimo, maltinham acabado de dar o nome. Deve ter sido horrível!A cidade do Salvador parou com o falecimento deÌyáÔba Biyi. Lembro-me de minha tia, muito séria, con-versando com titio sobre a perda de uma jóia rara daBahia. Nesse dia, 3 de janeiro de 1938, vi titia chorar.Eu tinha doze anos. Tia Menininha (Archanja) eraSo-bálojú do Terreiro de Mãe Aninha.

    Mãe Bada,Olufan Deiyi, idosa e doente, assumiutemporariamente os destinos doÀÿç Òpó Àfonjá,com a ajuda de Mãezinha,Iwin Tona, a Ìyákékeré da Casa, e Senhora,Õÿun Muiwá, a Òsi-Dagan. Ini-ciou um barco deIyawó (primeiro e único que ela ini-ciou nesta Casa, apesar de ter iniciado diversas pessoasem outros Candomblés) composto porßàngó (José,filho de Honorina,Ôba Olosede e Hilda,Ôba Tèro);Yemonjá (Dulcinha,Ìyá Ômô Olominde e Maria daBarra,Ìyá Toguna); Õsányìn (Honorina,Õsányìn

    Dele); Õÿun (Senhorazinha,Õÿun Gere — eÕÿun

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    Tola); Yánsàn (Isabel “Queixinho”,Ôya Bomi);Ômôlu (Antonieta,Igi Lona, e Fortunata,Igi Ewe

    Ka). Lembro-me de Mãe Bada, olhar altivo, bondoso,fala meio enrolada, misturandoYorubá com Portu-guês. Eu a chamava de avó, poisÌyá Ôba Biyi a cha-mava de mãe. Minha avó Bada era pessoa da confiançade Mãe Aninha e uma das fundadoras doÀÿç.

    A anciã era umaexpert em coisas da religião. Entendia

    profundamente os mistérios dosOríÿa, iniciou váriaspessoas em outros Terreiros da Bahia. Naqueles tem-pos, o “Povo-de-Santo” era mais unido, entrosado.Havia um maior número de visitas e troca de idéias.Talvez isto fosse uma forma de proteção e resistência,por causa das constantes perseguições policiais. OsBabalóriÿáProcópio, Ciríaco, Bernardino freqüenta-vam as festividades de nossa Casa. O mesmo se deu,em tempos mais recentes, com Nezinho da Muritiba,conhecido como Nezinho deÒgún (com quem manti-ve uma larga amizade). Este, acompanhado das FilhasBida e Rosinha,Ìyálorìÿa respeitadíssimas (ambas jáfalecidas), passava dias e dias em nossoÀÿçna condi-ção de hóspede de Mãe Senhora.

    Assim, foi Mãe Bada a “desempatadora” oficial dequestões litúrgicas conflitantes do Candomblé destaterra. Seu nome era Maria da Purificação Lopes. Ocu-pou, antes do falecimento da fundadora, o posto deBaró — espécie de conselheira, “aquela que meditae aconselha”.

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    O “reinado” de Mãe Bada foi curto, pois a idade avan-çada e a doença abreviaram seu tempo noÀiyé. Par-tiu para oÕrun levando consigo muita força misterio-sa e valiosos conhecimentos.

    Passado o tempo regulamentar, o destino doÀÿç ficousob a orientação de Mãe Senhora. Com pulso forte edoçura deOlóÿun, por mais de trinta anos se dedicouao Òpó Àfonjá. Mãe Senhora tinha total dedicação aßàngó e o consultava para as mínimas coisas. Ele eraseu orientador e confidente. Vibrava nas festividadesdedicadas ao senhorÀfonjá.

    Muitas histórias sobreßàngó me foram passadas porminha Mãe-de-Santo, nas ocasiões em que amistosa-mente batíamos papo. Era uma constante para mim,subir a ladeira de São Gonçalo todas as tardes, andan-do mais de dois quilômetros. Conversávamos sobre vá-rios assuntos. Eram verdadeiras aulas! Para minha vida,tanto como pessoa, quanto comoÌyálorìÿa, as liçõesrecebidas foram muito válidas. E digo isso sem a me-nor presunção, pois hoje ocupo o lugar que pertenceraa minha Mãe-de-Santo.

    Mãe Senhora falava muito sobre hierarquia, dandoênfase à autoridade de Mãe Aninha. Segundo minhamãe, aquela falava pouco no dia-a-dia com os Filhos-de-Santo, deixando a tarefa para aDagan do Çgbë,dona Fortunata deÔdç, que por sinal foraOjubona de minha mãe. Era assim responsável pelosÀbúrò

    da Casa.

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    Ao assumir o posto deÌyálorìÿa, além de outras ino-vações que serviram para o engrandecimento da Casa,Mãe Senhora criou os sub-cargos deÕtun e Òsi parao Corpo deÔba. CadaÔba passou a ter, então, seusauxiliares — umÕtun e um Òsi. Ôba Odofin teria,por exemplo, umÕtun-Ôba Odofin e umÒsi-ÔbaOdofin. A formação do Corpo deÔba passou assim,de doze para trinta e seis componentes, ela colocou nolugar deDagan (pois Dona Fortunata falecera), a sua

    Omo-Oríÿa Antonieta. E comoÕtun e Òsi-Dagan,respectivamente, Georgete e Didi. Outrosoyè forampreenchidos. Eu eraKólabá, sucedendo Matilde. Alémdisso, Mãe Senhora confirmou muitosÔgá e Ôba; ini-ciou inúmerosOlóriÿae completou muitas “Obriga-ções” de Irmãos-de-Santo. A última Filha-de-Santo ini-ciada por Mãe Senhora foi Viví deßàngó, Ôba Tawo,que foiÌyálorìÿa na cidade do Rio de Janeiro. Ape-sar da dedicação que tinha peloÀÿç nunca faltou àsfestas do Terreiro deEgúngun, Ilê Agboula, ondeocupava o importante posto deÌyá Çgbë, a chefe dasociedade feminina.

    Minha mãe não costumava sair da cidade. No entanto,fora ao Rio de Janeiro algumas vezes, inclusive parareceber o titulo de “Mãe Preta do Brasil”, na décadade sessenta. Das mãos do Príncipe deÖyö, Nigéria,recebeu ooyè deÌyá Naso — a principal líder mulherdo culto deßàngó — a primeira de que se tem notíciaapós a míticaÌyá Naso, fundadora do Candomblé doEngenho Velho. No Rio de Janeiro, Mãe Senhora se

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    hospedava em Casa de Zora Seljan e Antonio Olinto,membros doÒpó Àfonjá. Ela fez algumas viagens aSão Paulo. Por falar em viagens, lembra-me a vaidadede Mãe Senhora: jóias, perfumes, talco eram seu for-te. Gostava de comer bem, principalmente peixe. Eraboa consumidora de vinho. Gostava do “Reserva”.

    A vaidade de minha mãe incentivava as Filhas a searrumarem com esmero. E como a velha era exigen-te com coisas de Barracão! Não tinha esta de saiamal passada; anágua murcha... Eu (Teté, como cari-nhosamente era chamada por ela), Haydée e Moaciréramos os acompanhantes de Mãe Senhora à Ilha deItaparica, para oIlê Agboulá. Um trio freqüente,também, aos domingos na sua casa no Engenho Ve-lho, onde fazíamos arrumações intermináveis, rega-das (secretamente, é claro) a vinho e cerveja. MãeSenhora adorava receber, com a manha própria dagente deÕÿun. O visitante era “Ioiô” ou “Iaiá”. Ape-sar da intimidade, sabia colocar as pessoas (e como!)nos seus devidos lugares. Sua última residência foi noBarbalho, no topo da Ladeira do Funil. Ao passar pelaregião, minha boca fica seca e os olhos brilhantes.O vento, indiferente, traz o cheiro do seu perfume:“Alfazema Garrão”.

    Mãe Senhora faleceu no dia 22 de janeiro de 1967, noTerreiro. Fui chamada em casa por Ioiô, motorista ami-go, pela manhã. Na véspera, passara por uma situaçãodifícil de explicar: um pressentimento de perda, carên-

    cia. Em plena festa de caruru, em família, no bairro

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    de Nazaré, tive uma incontrolável crise de choro, comuma sensação de peito apertado. Vi Ioiô, cedo, na por-ta de casa, e tive um sentimento de certeza da mortede minha Mãe Senhora. O homem foi avisando de queminha mãe estava doente, muito doente e blá, blá,blá... Muito tenso, chegava a estar lustroso. Vítima deum súbito derrame cerebral partia para oÕrun umagrande dama do Candomblé da Bahia.

    Mais uma mudança noÀÿç. Após um ano de recesso,ßàngó, por intermédio doOlúwo Agenor Miranda,assistido peloBabalóriÿá Nezinho da Muritiba (Nezi-nho de Ògún) foi escolhida para conduzir o destinodo Àÿç, Mãezinha, como sempre fora carinhosamentechamadaIwin Tona (Ondina Valéria Pimentel). Ain-da bem moça foi designada por Mãe Aninha para ser

    a Ìyákékeré doÇgbë (cargo que passou para Pingui-nho, Õÿun Fumiÿe). Quiseram os búzios, mais umavez consultados, que ela substituísse a falecidaÌyá,passando a conduzir os caminhos doIlê. Ela nasceuem pleno mar, a bordo de um navio da “Bahiana”, daío nome Ondina. Filha de pai abastado, José TheodoroPimentel, muito ligado aoÀÿç, recebera das mãos de

    Ìyá Aninha ooyé de Bãlé ßàngó — literalmente,chefe da tribo, aquele que segura oIlê, uma espéciede administrador. O que implica dizer que antes dacriação do Corpo deÔba, o Ilê era administrado peloocupante deste cargo.

    Mãezinha pertencia à tradicional família de culto a

    Egúngun: os Pimentel. AÌyá, dando continuidade

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    aos ensinamentos de Mãe Aninha e valorizando a hie-rarquia, concedeu o cargo deÌyákékeré a “Pingui-nho” (Eutrópia Maria de Castro),Õÿun Fumiÿe, umadasOlóyèmais marcantes desta Casa, de inesquecívelmemória. Pinguinho foi uma mestra valorosa em ques-tão de hierarquia. Severa, às vezes ríspida, implacável,muito contribuiu para a preservação dos ritos, preocu-pada sempre em transmitir ensinamentos.

    Mãezinha, misto de doçura e aspereza, temperamentode reações imediatas, herdou dos mais velhos o gestode conversar com os olhos. Isto desarmava qualquerum! Durante sete anos segurou os destinos doÀÿç.Creio que seu tempo foi reduzido devido ao desgastede responder por dois Terreiros — um na Bahia, outrono Rio de Janeiro —, dobrando as suas responsabilida-

    des. Vivia pela estrada Rio-Bahia. O Candomblé, fun-dado por ela, antes de ser designadaÌyálorìÿa de SãoGonçalo, foi implantado no bairro carioca do Éden.Deixou, por lá, um número considerável de Filhos-de-Santo. Alguns continuaram as “Obrigações” comigo.Hoje, meusOmo-Oríÿa.

    Filha deOÿala e ßàngó, dedicava-se, em especial, àCasa deÌyá, pela afinidade decorrente do seu nasci-mento no mar. Boa mestra, ela orientou muita genteprocurando aprofundar seus conhecimentos religiososcada vez mais. Por toda essa dedicação, teve que dei-xar precocemente as práticas da vida civil. Recebera

    educação aprimorada, principalmente em música, com

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    estudos completos de piano. Em virtude dos compro-missos com a religião, fechou o piano, dedicando-seaos Oríÿa de corpo e alma.

    Inovações positivas foram feitas por Mãezinha, coisasde valor, a exemplo da reforma da Casa deÔmôlu,do quarto deOÿala, das Àyaba,... E, ainda, a idéiade reconstrução doIlê ßàngó, que infelizmente nãoviveu para concretizar.

    Em 19 de março de 1976, partiuÌyá Ondina para oÕrun, deixando um grande vácuo para osOlóriÿa,seu esposo, amigos e parentes, aos quais tanto aju-dou. Na mesma data, no ano seguinte, 19 de março de1977 fui escolhidaÌyálorìÿa do Ilê Àÿç Òpó Àfon-

    já. O jogo foi feito peloOlúwo Agenor Miranda.

    Dia muito estranho para mim, quando ouvi o SenhorAgenor perguntar quem eraÔdç Kayode e oAsogbá Didi, confirmando numorogbo, dizer: é Stella. Tenhocerteza que oOríÿa faz tudo independente de nos-sa vontade e paixão. Exatamente neste período estavaeu me aposentando da Secretaria de Saúde (caiu bem

    para ßàngó...). Desde então procuro a perfeição.Dedicação tem sido constante em minha vida de enfer-meira aposentada, por tempo de serviço, da Secreta-ria de Saúde Pública do Estado da Bahia. Trocando asseringas de vacina e aulas de Educação Sanitária aoscarentes, pelos apetrechos deÌyálorìÿa. Às vezes me

    vejo fazendo preleções aos Filhos, não de Educação

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    Sanitária, mas de Educação Espiritual, maneiras pelasquais nos conduzimos à perfeição.

    Busco aprender (e continuo buscando) desde quan-do aqui cheguei, sem nada saber sobre uma comuni-dade de Candomblé. O “chamado” doOríÿa ocorrepor diferentes maneiras, mas a aceitação tem que serde coração. Pode acontecer que a pessoa esteja sem-pre insatisfeita, com sintomas de doenças, cabeçaconfusa, instabilidade emocional...; outra ocasião édesacerto profissional ou familiar. Às vezes o “cha-mado” é feito através da realização de uma pesquisacientífica no Terreiro ou, simplesmente, fortes ques-tionamentos interiores.

    Rituais deÇbô, Bôrí ou Iniciação de nada valemse nosso coração e cabeça não os aceitarem. Como Oríÿa não se barganha! Para a espiritualidade, ocaminho é a concentração, doação e aceitação, semalienação nem fanatismo. Quem quiser se integrar emuma Casa deÀÿç tem que refletir sobre tudo isto.Existem pessoas que acham que como o seu pai esua mãe (ou qualquer outro ancestral) pertenciam ao

    Oríÿa, elas têm que ser também. Errado! Há pessoassem essa ancestralidade que são verdadeirosOlóriÿa.Para oOríÿa as fronteiras são inexistentes. Todo ne-gro não tem que serOmo-Oríÿa.

    Por falta de reflexão sobre a importância e a responsa-bilidade de uma Iniciação é que muitos Iniciados estão

    desencontrados, perdidos mesmo. Ninguém ignora a

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    avalanche de livros sobre Jogo de Búzios, receitas deÇbô, Iniciação...Tira-se fotografias deÈtutu, Oríÿa manifestados e demaisawo. Isto é profanação, involu-ção, destruição da religião. É o jogo do inimigo. Certasleituras atrapalham o aprendizado (é uma pena que oslivros não tenham selo de qualidade). E nunca é demaislembrar que leitura dá conhecimento técnico, mas nun-ca Àÿç. O Àÿç dado pela Mãe ao seu Filho-de-Santoé imprescindível no processo iniciático. Com isto não

    quero dizer que os livros sobre Candomblé não sejamimportantes, senão não teria escrito este. Não é maispossível a prática da crença nosOríÿa sem reflexão, es-tudos e entrosamentos. A tradiçãosomente oral é di-fícil nos tempos atuais. Até mesmo porque a aquisiçãoda escrita pela humanidade é um ganho, e não umaperda. Mas oÀÿç, repito, é recebido pelo Iniciado atra-vés de palavras ditas pelaÌyálorìÿa e IniciadosÀgba.Só se pode passar oÀÿç que se recebeu! A preocupa-ção com o estudo vem desde o tempo da fundadoradesta Casa que, além de excelente mística, tinha umagrande visão. Ela se preocupava tanto com a evoluçãodo povo deÀÿç que, mesmo sendo difícil o acesso àleitura no seu tempo, dizia que com fé emßàngó ha-veria de ver seus Filhos com anel no dedo e servindoao Oríÿa. Se vivesse mais veria. Na atualidade, oÒpóÀfonjá é uma heterogenia que se unifica pelo propó-sito do fortalecimento da fé e manutenção da essência.Sabemos que para evoluir precisamos de reformas (eestas sempre causam revolução), onde o religioso e o

    social nunca deixem de estar compatibilizados.

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    Meu “chamado” espiritual ocorreu da seguinte forma:alguém na família teria que ingressar na vida religiosa,serÇlësê Oríÿa. Meu “chamado” foi, então, por heredi-tariedade. Talvez para chamar a atenção dos meus fami-liares, surgiram em mim, na infância, distúrbios físicos eemocionais que, por não encontrarem melhoras atravésdos meios científicos, meus parentes tiveram que recor-rer àCasa de Àÿç. Minha vida religiosa, assim come-çou: saindo de casa em fins de agosto de 1939, fui para

    a Ilha de Itaparica, passando por uma “Obrigação”, sobo comando de Arsênio, na presença de Mãe Senhora e aÌyákékeré Mãezinha. Voltamos da Ilha para oÀÿç e eufui Iniciada. Tive comoOjubona a própria Mãe Senhora,que me entregou aos cuidados de “Mãe Velha”,ÕÿunFunke, a Ôlôpondá do Terreiro. Mãe Velha era a doçu-ra em pessoa. Excelente orientadora, principalmente no

    que dizia respeito a “Obrigações” internas:Õsê, Assen-tamentos, coisas referentes aIyawó, Oríkì... Como erabom serIyawó! A sensação era de renascimento. Tudonovo, se bem que meu tempo deAbiyan fora breve.O pedido de bênçãos para os meninos da minha idade,um divertimento! Tinham sido colegas de traquinagens.Um deles mais novo que eu; a outra, da mesma idade.Jogávamos bola, peteca, brincávamos de amarelinha,subíamos em árvores... Após oQuarto-de-Àÿç, apesarde toda a camaradagem, muita coisa mudou: “bença,Êgbömi Õÿun Toki... bençaÊgbömi Olóÿédé”...Mas a amizade continuava. Eu “comia de mão”, sentadanum couro de bode. Fui Iniciada só, conseqüentemente

    não tinhaÀyaba para segurar a esteira.

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    Meu trato com os demais era sempre na base de pediras bênçãos para as “Tias” eÊgbömi. Fui recebida comcarinho pelos mais velhos e aceitava seus ensinamentos.Mãe Velha era especialista em questões de hierarquia.Sinto muito a sua ausência! Se estivesse neste mundo,orientaria meus Filhos com toda a dignidade. Fui, aospoucos, conciliandoÀÿç com a escola e, mais tarde,com o trabalho.

    Seria umaIyawó desligada se não fosse o interesse deensinar de Mãe Velha e o carinho deÊgbömi Honorina,seis meses mais velha de feitura que eu e já uma mulher,mãe deÔba Olóÿédé, também seu irmão de esteira.

    Com o tempo, fui sabendo a importância de serOlóriÿa.Fui me orientando, ordenando-me, levando minha vida,fazendo o possível para ser uma boaAdoÿu, dedican-do-me aÔdç e, muito especialmente, aoOríÿa da Ìyá.Acompanhava os dezesseis dias deÕÿun na Roça, sósaindo para trabalhar. Eu fazia o percurso até oÀÿç apé, pois o transporte parava distante.

    Com o falecimento de Matilde,Ìyá Lóna, eu fui esco-lhidaKólàbá. Gostava de ficar na Casa deßàngó aten-

    dendo aos senhoresÔba e familiares. Servia de intérpre-te entreÕÿun de Mãe Senhora e visitantes. Achava quenão sabia o suficiente. Fazia as coisas por obediência,sem pretensões. Após o falecimento de minha saudosamãe, acalentavam-me as lembranças do que aprendera.

    Ao ser escolhida paraÌyálorìÿa, passado o primeiroimpacto, fui ver a responsabilidade que se abatia, feito

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    flecha, sobre os meus ombros. Mulher, ainda jovem,que tanto gostava de viajar, de viver a vida com sim-plicidade, sem maiores pretensões. No colo de MãeMenininha doGantois e ao lado de suas Filhas Cleuza(já falecida também) e Carmem (atualÌyálorìÿa doTerreiro doGantois), fui organizando a cabeça. Passei aenxergar as coisas com mais naturalidade. Restava-meseguir em frente, arregaçar as mangas, aceitando aspessoas como são, sem grandes expectativas; reciclan-

    do-me ao máximo, para agir com dignidade e justiça.Encontrei apoio e adversidade, o que é natural.

    Pedi forças aßàngó e consegui segurar. Procurei serfirme, sem ser intolerante. Ainda morava com minhasirmãs, no bairro do Bonfim. Vinha aoÀÿç todas asterças-feiras, pela tarde, para oAmalá das quartas-

    feiras e retornava “à cidade” no dia seguinte.A Casa deßàngó estava “fresquinha”, recém-inaugura-da. Encontrava Detinha e Maria, respectivamenteÔbaGesi e Ôya Temi, muito dedicadas, e outras descon-fiadíssimas. Recebi muito apoio de Honorina e Senhora-zinha deÕÿun e total estímulo por parte dosÔba.

    Carybé (já falecido), meu irmão deÕÿösi, presidenteda Sociedade Civil na época, segurou grandes “barras”comigo: ele, como presidente, eu, comoÌyálorìÿa.Procurando aperfeiçoar-me, pensando, pensando, pen-sando... comecei minha vida de Mãe-de-Santo. Alémdos rituais rotineiros, fui completando Iniciações de

    Irmãos-de-Santo. Recolhi o primeiro barco deIyawó

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    em 1978. Prova de fogo, entre apoio e críticas, supereitudo. A partir de então, procurei seguir os ensinamen-tos de minha Mãe-de-Santo, sempre pensando muito...Fiz algumas mudanças, sem subtrair as bases. Para evo-luir, há necessidade de reformas. Involuntariamente,provoquei uma revolução. Jamais perdi a essência eperspectiva. O tempo é bom conselheiro. Valorizandoos mais velhos, fiz de tudo para manter a supremaciahistórica daÌyálorìÿa; agradando e desagradando.

    Perdi minha prezada liberdade (parcialmente).No retorno de uma viagem à Nigéria, auxiliada por umaAbiyan, Oni Kowe, achei por bem criar um museu,o Ilê Ohun Lailai, com tantas coisas de valor, guar-dadas pelos cantos, a memória doÀÿç seria perdida.Construí algumas Casas deOríÿa e reformei outras.Procurei isolar nossa Roça, murando os limites; melho-rei a rede elétrica e acesso ao centro do Terreiro. Ascrianças e adolescentes me interessam de perto, porisso quis apoiá-los, instalando oficinas. Atualmente, aoficina de confecção doAlaka serve não só para man-ter os jovens em atividade, como para preservar estapeça de grande importância para o vestuário religioso.

    O ProjetoMocan atendia, na época, a trezentas criançase adolescentes doÀÿç e da circunvizinhança. A EscolaFundamental Eugênia Anna dos Santos foi consideradaescola referência pela Prefeitura Municipal de Salvador.

    Religião é cultura. A religião estática perecerá. Daí a ne-cessidade de palestras, debates, viagens e outros movi-

    mentos que “SACUDAM” o povo do Candomblé. Como

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    sinal dos tempos, não é mais possível a prática da cren-ça nosOríÿa sem reflexões, estudos e entrosamentos,torno a dizer. Não podemos ficar confinados noÀÿç,a tradiçãosomente oral é difícil. OsOlóriÿa têm quese alfabetizar, adquirir instrução, para não passar pelodissabor de dizer sim à própria sentença.

    A essência não se modifica, é o alicerce de tudo. Repi-to, só pode passar oÀÿç quem o recebeu!

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    Alguém chega em nossa “Roça”, numa quarta-feira,dia reservado ao atendimento do público. Faz umaconsulta e é determinado que tenha uma conta la-vada: um colar ritual de seuOríÿa, como medida deproteção. A partir do momento que esta pessoa tenhao colar ritual, passando a freqüentar o Terreiro commaior freqüência e participando, na medida do pos-sível, de cerimônias públicas, ela pode ser considera-da Abiyan, quando a comunidade já percebe nela

    algum chamado religioso, podendo ou não vir a terum processo iniciático. O mesmo caso serve para aspessoas que dãoBôrí.

    Outra pessoa faz uma consulta e os búzios falam queela precisa de uma proteção maior que o uso cons-tante do fio-de-contas, que é necessário, por exemplo,

    que faça umBôrí. A partir desta “Obrigação”, passa,em alguns casos, a ser consideradaAbiyan. OBôrí éuma “Obrigação” feita no iniciante com a intenção defortalecer, de segurar a cabeça — oOrí.

    Determinada pessoa precisa “Assentar o Santo”. Asresponsabilidades serão maiores do que as acima re-

    feridas, mas aquém daqueles que tenham que serIniciados comoAdoÿu. Estes terão grandes respon-sabilidades com o próprioOríÿa, com os da Casa, oda Mãe-de-Santo, daOjubona. Os Filhos-de-SantoAssentados são os legítimosAbiyan.

    Os direitos e deveres são diferenciados, de acordo com

    a condição hierárquica doOlóriÿa. A participação na

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    vida litúrgica da comunidade do Filho de “conta la-vada” é mínima. Diga-se o mesmo para os deBôrí.Pode ajudar no serviço doméstico do Terreiro: varreras Casas-de-Santo, principalmente a deßàngó (ondetudo começa), local de maior movimento, sede doTerreiro; ajudar nos cafés da manhã e almoços comu-nitários, realizados em dias de festa deOríÿa; lavarlouças, ajudar na arrumação, limpeza e decoraçãodo Barracão. Enfim, em tarefas de natureza civil, sem

    maior envolvimento religioso. Não lhes sendo permiti-do participar da preparação dos alimentos destinadosàs divindades deÀÿé.OsAbiyan de Santo Assentado têm maiores respon-sabilidades: zelam pelos assentamentos individuais epela Casa doOríÿa a que pertençam. Além das ta-refas já descritas, podem participar da cerimônia doÕsê, toda primeira semana do mês, auxiliando na lim-peza e ordem das Casas-de-Santo, em geral. Podemcarregar água para todos osOríÿa, ajudando os maisvelhos no trabalho de encher as quartinhas. Devemparticipar dos trabalhos de cozinha, no preparo dascomidas dosOríÿa, aprendendo, desde logo, a quem

    pertence determinada iguaria e, também, como se tiraas partes consagradas dos animais sacrificados, tam-bém chamadas deàÿç.

    O Assentamento deOríÿa é uma pré-Iniciação. Hápessoas que passam a vida inteira na condição deAbiyan; outras, após algum tempo de Assentamen-

    to, têm de ser Iniciadas. Daí a importância de o pré-

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    Iniciado ir preparando-se, lentamente, para a eventua-lidade de um dia vir a ser umAdoÿu.

    O período deAbiyan é de suma relevância, princi-palmente para os de “conta-lavada” e “Obrigação” deBôrí. É o período de experiência, digamos assim. Poispodem refletir sobre as responsabilidades do que é serum Adoÿu, de maneira acurada. Ver se é isto mesmoque desejam. Vão conhecendo oÇgbë, pensando so-bre a hierarquia, vivenciando o dia-a-dia doÀÿç. Paratanto, devem observar o comportamento dos mais ve-lhos, dosOlóyè; falar pouco e abrir os ouvidos. Veri-ficar se é possível a adaptação aoIlê e à Ìyálorìÿa. Otempo mais significativo na vida de um Filho-de-Santoé este: o deAbiyan.

    É temerária a Iniciação imediata devido à complicadahierarquia do Mundo do Candomblé. Daí os erros, ar-rependimentos e acusações. O bomAdoÿu, na maiorparte das vezes, fora um bomAbiyan. Hoje em dia,as pessoas têm muita pressa de se infiltrar pelos cor-redores de um Terreiro, sem qualquer respaldo emo-cional. E pior, há Iniciadores que, talvez por inexperi-ência, ganância e outras diferentes razões, vão logocolocando os clientes noQuarto-de-Àÿç. Na maioriadas vezes, isto não dá certo. Acaba sendo motivo dearrependimentos e frustrações para ambos os lados.Tem que haver essa vivência prévia.

    No nossoÀÿç, não dispensamos o período deAbiyan,salvo em casos extremados, de vida ou morte. Cada

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    caso é um caso. Em geral, oOríÿa espera, pois semprequer o melhor para o seu Filho. Não nos cabe julgar e,sim, orientar. “A pressa é inimiga da perfeição”.

    IYAWÓOIyawó, além dos deveres dos Filhos-de-Santo Assen-tados, é sujeito a outros tantos, mais complexos. É ne-cessário que saiba tudo a respeito da vida do Terreiro:

    o ciclo de festas, “Obrigações” dos irmãos mais velhos, Bôrí, entrada deIyawó, Àÿèÿé. Deve participar, namedida do possível, de diferentes “Obrigações”, paraque aprenda o máximo possível sobre coisas que lhe se-rão necessárias na sua vida de Sacerdote da religião dosOríÿa. Tem de aprender a dançar, cantar, responder aoscânticos, comportar-se com dignidade, consideração,simpatia. Hoje é filho, amanhã, quem sabe?...

    Em Iniciação não se queimam etapas. Iyawó que nãoviveu a vida deIyawó será umÊgbön frustrado. Diga-se o mesmo para oAbiyan. E indispensável o desem-penho das tarefas mais singelas, a exemplo de faxina,trabalho de cozinha, manutenção do parque ecológicoda Roça, impedindo que alguém jogue lixo no chão.

    Existem filhos que se recusam a participar de tarefas nacozinha, não querem ajudar os irmãos de idênticas con-dições hierárquicas na divisão da comida ritual, outrosdeixam de se vestir conforme as exigências. Coitados...Uns são assim por rebeldia, outros por ignorância e

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    falta de orientação dasOjubona eOlóyè displicentes.No Àÿç, somos civilmente iguais e hierarquicamentediferentes nas questões religiosas. Não importa o “sta-tus” lá fora.Olòriÿáprecisa ter o “chamado”, “jogode cintura” e vontade de adaptação. Deve lembrar queo Candomblé é uma religião, e como toda religião fazparte da cultura. Faz parte, mas é religião e não sim-plesmente cultura.

    Se todos os iguais procedem de uma determinadamaneira, o que é que se passa pela cabeça do Filhoque se julga diferente? Vergonha de realizar trabalhosmanuais, comodismo, preguiça? O “status” social éesquecido quando se chega noÀÿç. Ao novato na co-munidade cabe ficar atento aos mínimos detalhes deprocedimento. Das menores coisas se tira uma base do

    mais complicado. Um dia-a-dia numIlê Àÿç é muitocomplexo. Até o que poderia ser rotina tem detalhesdiferentes. Há algunsOlóriÿa que têm empregadosem sua casa, para a realização dos trabalhos domésti-cos, que trabalham o dia inteiro, sem tempo de passarnem um pano de pó nos móveis do seu lar, mas que noÀÿçé diferente! Vejo a maioria deles descalços, combalde na mão, lavando banheiro. Tudo por disciplina e,mais importante, amor! Talvez nem saibam oÀÿç queadquirem! Há aqueles, no entanto, que nada fazem:permanecem de braços cruzados, a olhar o trabalhodos irmãos tão qualificados profissionalmente (oumais) que os descansados. Existem Filhos, por exem-

    plo, que vêm fazerÕsê e largam seus pertences —

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    baldes, roupas emboladas — para que alguém cuide.Isto é o cúmulo! O que fazer com uma pessoa destetipo?... Bom senso é transmitido ou depende da sensi-bilidade de cada qual? A educação doméstica é, comoo próprio nome já diz, trazida de casa.

    Trajes. Vestir-se adequadamente, com boa aparênciae sem afetação, faz parte do aprendizado do recém-Iniciado. Por isso, vou falar sobre os trajes do Filho-de-Santo. Sei que vocês não ignoram o assunto, masnão custa repassarmos, juntos, algumas coisas. Asroupas, independente da condição hierárquica, de-vem estar em bom estado: bem lavadas, bem passa-das e conservadas.

    Abiyan do sexo masculino. Usam sempre roupade ração: calça amarrada com cordão (a exemplo depijamas) e camisa. O tecido é morim. As contas são asmais finas (miçangas). Por desinformação, ou outromotivo que desconheço, vejoAbiyan usando contasgrossas. É importante dizer que isto não é correto.Que contas usarão caso cheguem um dia à categoriade Êgbön?

    Abiyan do sexo feminino. As que têm apenas “Obri-gação” de “conta lavada” também deverão trajar-sesempre com roupa de ração: saia e camisu simples (nãousamójá). A roupa branca demonstra que estão sen-do preparadas através da purificação. O pano-da-costanão deverá ainda ser usado por elas. Já asAbiyan deSanto Assentado podem usar uma anágua engoma-

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    da. Saias e pano-da-costa devem ser de morim bran-co e algodão colorido. O “camisu” deve ser singelo,enfeitado com rendinhas, seguindo o modelo padrão.Ójá de cabeça amarrado de maneira uniforme, tantopara Àyaba como paraOlóriÿa Okunrin e o ójáde peito deve ser mais aberto para as primeiras e maisdiscreto (em forma de gravata) para asOkunrin. Ascontas ainda finas , pois, isto é oowo: a grossura daconta determina a responsabilidade e cargo que cada

    um é capaz e deve suportar.Abiyan, tanto homens quanto mulheres, andamdescalços, de cabeça baixa, marcando a condição depré-Iniciados, podendo permanecer desta forma peloresto da vida.

    Iyawó do sexo masculino. A roupa de ração é avestimenta adotada para a participação em rituais enas dependências doÀÿç. Mas tem o direito, con-forme a ocasião, de usar roupas coloridas, de acordocom a Casa doOríÿa a que pertencem ou que dese- jem homenagear. O Filho-de-Santo não deve circularpelo Àÿç de bermudas e short, em especial próximoaos recintos sagrados e de grande movimento, nemdeve usar camisetas de mangas cavadas. Não devemusar adereços de interpretações conflitantes, no con-senso médio. No Barracão, o Filho se comporta deacordo com a sua condição hierárquica. Se forIya-wó, a camisa de ração é o ideal. Se optar pelo usode bata, tem que ser curta. OÊgbön pode usá-la

    mais longa, nos moldes africanos. Qualquer Filho tem

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    permissão para o uso defìla, em “Obrigações” e fes-tividades, devendo retirá-los ao fazerforíbalç parao Oríÿa ou a quem de direito. Filhos-de-Santo com“Obrigações” de três anos passam a usar chinelos noBarracão, antes é proibido. Atualmente, algunsIya-wó usam chinelo no dia-a-dia após um ano de Inicia-do. Digo: isto está errado, não é bom para eles! Alémde ser desobediência!Iyawó deve andar descalço.Muitos pensam que o objetivo é humilhar o novato,

    mas não é isto. O recém-nascido, o Iniciado, precisater maior contato com a Mãe Terra, que é a matériabásica da formação do nosso corpo. A terra emanaenergias indispensáveis para o corpo físico e espiritu-al. ÉOníle, o Dono da Terra, é Ele o responsável pelaemanação dessas energias.

    Iyawó do sexo feminino. Podem usar, no diário,roupas coloridas. O camisu, porém, é sempre branco.A tradição de uma Casa tem de ser seguida à risca. É asua história. Não se inova na maneira do vestir ritualís-tico. Até os três anos, o uso dos pano-da-costa,ójá decabeça e peito são indispensáveis. As Iyawó devemusar suas anáguas bem engomadas e alvas, impecá-veis. O uso de chinelos também só a partir da “Obri-gação” de três anos. A Filha-de-Santo deve ter especialcuidado com os trajes religiosos e vesti-los de acordocom as regras e tradições. OIlê Ohun Lailai(museu)retrata nossa história e costumes. Lá pode ser verifica-da a forma correta de umIyawó vestir-se, segundo a

    tradição doÀÿç.

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    OBIRIN / OKUNRINO Filho-de-Santo também pode ser classificado se-gundo a energia do seuOríÿa de cabeça: se é femi-nina ou masculina. Considero importante falar maisdetalhadamente sobre as duas categorias deOmo-Oríÿa, segundo o “sexo” do seuOríÿa: Àyaba eOlóriÿa Okunrin.

    Àyaba são os Filhos-de-Oríÿa femininos;OlóriÿaOkunrin são os Filhos-de-Oríÿa masculinos. As fun-ções também se diferenciam. Existem as privativas deÀyaba, tarefas essencialmente femininas, e outras deOríÿa Okunrin.

    Àyaba. AsÀyaba são as “santas mulheres”. Quandouma mulher é deÕÿun, Yemonjá, Ôya, Nàná, Êwà,Ôbà, costuma dizer: “Eu sou mulher duas vezes”. Apósos rituais compete àsÀyaba a limpeza dos assentosdosOríÿa; servir aos convidados; estender esteiras paraos irmãos deOríÿa Okunrin são trabalho deÀya-ba. A lida com esteiras cabe, em especial, àsOlôya.Na falta dessas Filhas-de-Yánsàn, outrasÀyaba su-prem a necessidade. AsOlôya estendem esteiras parao Iyawó, em cerimônia de Iniciação, principalmenteno “Dia deOrúko” e em qualquer outra situação emque o uso da esteira seja exigido. Fazer camas em ce-rimônias deBôrí é tarefa deOlôya e, por extensão,de Àyaba. Estas filhas seguram aves e as entregam aoAÿògún, em dia de grandeÈtutu. Antes, preparam

    os animais para a cerimônia, enfeitando-os, quando

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    necessário. Conduzem os “animais de quatro pés”, fa-zendo a apresentação dos mesmos aoOríÿa titular doato litúrgico. Levam à cozinha o balaio contendo asaves, objeto do sacrifício, para o preparo da comida doOríÿa. É completamente proibido carregar aves forado balaio. AsÀyaba do sexo feminino, se quiserem,podem enfeitar os cabelos ou torsos com uma flor(principalmente se lhes for ofertada) demonstrando ainequívoca condição de “mulher duas vezes”.

    De acordo com a Casa a que asÀyaba pertençam, têmautorização para tarefas específicas e contato diretocom determinadosOríÿa masculinos. Nas festividadesde Oÿala as mulheres deYemonjá e Nàná têm todoo cartaz. Elas puxam a cabra doOríÿa Funfun, segu-ram os bichos de pena, enfeitam aewuré. Nas festas

    de ßàngó, Senhor do Poder, do Trovão e da Justiça,a responsabilidade é dividida entre as Filhas-de-Ôya eÕÿun, causando “aquela rivalidade”, velha conhecida!No dia 29 de junho, durante oÈtutu, as “Voadoras”ficam de fora, “de olho comprido”, por causa doàgu-tan (seu terror), alimento predileto do Senhor destacasa. A vez é das “Douradas”! Zelosas de suas respon-sabilidades enfeitam o animal com ójá e o oferecemao “dono da festa”. A iguaria será preparada por elas,após o término das “Obrigações”, em lugar determi-nado. AsOlõÿun têm prioridade de segurar o balaioque contém os bichos-de-pena, passando as aves aoAÿògún. AsOlôya se encarregam de outras comidas,

    na cozinha, com auxílio de irmãs de outras Casas. É

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    certo que as Filhas-de-Yemonjá ou qualquer outraÀyaba também auxiliam asOlõÿun, as verdadeiras

    encarregadas. À noite, no Barracão, a coisa muda defigura:Ôya é aÀyaba da festa, inigualável em charmee imponência.Yánsàn divide com o Senhor deÖyö o fogo sagrado. A panela doojere é apresentada aoÇgbë na cabeça deßàngó e sua Rainha, deusa dosVentos e Tempestades — Senhora da Transformação.Ôya compartilha com seu Rei o poder sobre o elemen-to mágico. ÀsOlôya, incumbe toda e qualquer tarefarelacionada com oIlê Ibo Ikú e Àÿèÿé. ÀsOlõÿun eOni-Yemonjá, cabem a manipulação com folhas mis-turadas com água, seu elemento, em especial a tritura-ção de folhas, em “Obrigações” de Iniciação.

    Na Casa deÔdç, as Àyaba também são importantes,

    a despeito desteOríÿa não gostar de receber visitas“a toda hora” (somente poucas mulheres têm acessoa seu culto). De qualquer forma,Õÿun é sua espo-sa; Yemonjá, a “doce namorada”;Nàná, a veneran-da Àyaba da morte e profundezas, sua mãe mítica;Ôya a filha adotiva querida, a “menina do caçador” ecriadora deÀÿèÿé; Êwà e Ôbà — a feiticeira — sãotambém bem vindas.No Ilê de Ôbalúayé, Nàná, Yemonjá, Õÿun, Ôya têm todo um peso, em especialÔya, a paixão do Se-nhor da Terra.

    As “Obrigações” deÒgún são divididas comÔya,

    os dois são guerreiros. Ele oAsíwaju; Ela, a mulher

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    agángàn, rainha doOnire. Cabe àsOlôya, na festade Ògún, carregarem o balaio dos bichos-de-pena,

    devidamente auxiliadas pelas demaisÀyaba. Ressalta-se a importância deYemonjá, água que pariu a terra,a Mãe deÒgún.

    Filhos homens deOríÿa Obirin também são chama-dosÀyaba. A despeito do sexo do filho ser masculino éa condição deÀyaba que prevalece. OsÀyaba carre-gam esteiras debaixo do braço, osOlóriÿa Okunrin,sobre os ombros. AsÀyaba estendem as esteiras parao foríbalç dos irmãos de “Santo-Homem”. Somenteem última hipótese — ausência deÀyaba do sexo fe-minino umÀyaba homem deverá estender uma estei-ra. Carregar flores e arrumá-las em jarros é trabalho deÀyaba mulher, assim como servir mesas, etc.

    Olóriÿa Okunrin. Nós chamamos os Filhos e Filhas-de-“Santo homem” deOlóriÿa Okunrin. As Filhas-de-“Santo homem” dividem com as Àyaba as tarefasda cozinha. Sendo mulheres, podem responsabilizar-se pelo preparo da comida dosOríÿa. Ao darem odòbálè para a Ìyálorìÿa, têm o direito de receberuma esteira estendida por umaÀyaba, que após ocumprimento ritual erguerá a referida esteira. O pratodas Filhas-de-“Santo homem” deve ser feito por umaÀyaba que poderá dar-lhes o laço sobre o pano-da-costa (quando asOlóriÿa Okunrin forem Iyawó ou Abiyan) e amarrar-lhes os torsos. Em cerimôniaspúblicas, a exemplo do dia doÌpete, cabe àsOlóriÿa

    Okunrín retirarem os balaios dasOlõÿune tabu-

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    leiros dasOlôya, após o término da distribuição dosalimentos sagrados, preparados pelas referidasÀya-

    ba. As Filhas-de-“Santo Homem” devem ajudar asOlóriÿa Obìrin a se erguerem, depois doikákò,aos pés daÌyá e demais autoridades, quando neces-sário. Oikákò (iká) é o foríbalç característico dasÀyaba e o dòbálè, dosOlóriÿa Okunrin.

    Os Ológunêdç são responsáveis por despachos,

    após Ètutu grandes. Na ausência deOlógunêdç,o ato pode ser praticado por Filhos-de-Ôbalúayé eÔdç. É importante ser esclarecido que os rituais dedespachos devem ser realizados por filhos dos refe-ridosOríÿa Okunrin. A primazia é dos Filhos e Fi-lhas-de-Ògún, principalOríÿa Olôdç. Apesar destas“Obrigações” serem desempenhadas de preferênciapor Filhos-de-“Santo homem”, é importante que per-tençam aoOríÿa Ògún: entre uma Filha-de-Ògún e um Filho-de-Ôbalúayé, a escolha recai sobre aFilha-de-Ògún, caso não haja umOlógunêdç dosexo masculino. Na falta total de um Filho-do-OríÿaOlôdç (Ôbalúayé também éOlôdç) ou umaOlô-dç, uma Olôya faz a “Obrigação”, isto porqueÔyaEfufùlèle, apresenta características deOríÿa Olô-dç (de rua), como nos dizem osoríkì destaÀyaba,a qual é protegida porÔbalúayé.

    Existem determinadosIlê Oríÿa cujo zelo cabe dire-tamente ao Omo-Oríÿa Okunrin, quer dizer, aoFilho-de-Oríÿa de energia masculina. Tais Casas são:

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    o Ilê Ôdç, Ilê Õsányìn, Ilê Èÿu, Ilê Ôbalúayé,Ilê Ògún. Mulheres jovens, que menstruem, não têm

    ingresso na Casa deÕsányìn, exceção feita para asfilhas desteOríÿa. A idade altera a regra: senhorasÀgba têm passagem livre em qualquer recinto sagra-do, salvo no Ilê Ibo Ikú (se não foremOlôya), cujaentrada só é permitida às mulheres em situações deextrema necessidade. É importante ser dito que, depreferência, os homens deÒgún, Ôbalúayé e Ôdç é que são os indicados para trabalhos noIlê Èÿu, osdemaisOlóriÿa, só em casos de grande necessidade.Na falta dos mencionadosOlôdç a opção recai nosFilhos-de-Oríÿa Ibo —Õsányìn.

    Existem brincadeiras entre asÀyaba eOlóriÿa Okun-rin : as famosíssimas multas. Se um Filho-de-“Santo ho-mem” tropeça ou cai, uma Àyaba se atira a seus pés,cobrando uma multa. A cobrança é feita entre todosos Okunrin presentes. É multado o Filho-de-OríÿaOkunrin que carregar uma esteira debaixo do braço,sentar-se ou deitar-se de lado, carregar flores (ou ajei-tar flores em jarros), colocar flor nos cabelos ou torsos(mesmo sendo mulher), usarójá “de orelha”, estenderou levantar esteiras. A multa pode ser imposta àÀya-ba que atravessar contas, carregar a esteira no ombro,usar ójá sobre o pano-da-costa em forma de gravata,usar saias curtas, com o tornozelo à mostra.

    Uso das Contas. Existem peças do vestuário religiosocujo uso se diferencia pelo fato doOlóriÿa serOkun-

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    motivo, é proibido o uso do ouro por qualquer Filhono período das “Águas deOÿala”. As saias, de todosos grupos, não importando a hierarquia, têm de terum comprimento determinado, devendo cobrir os tor-nozelos. É deselegante o uso de saias curtas, no meioda perna ou pouco abaixo. Principalmente com aná-guas de goma!

    ADOßU: OLÓRIßASão senhores de enormes responsabilidades, deveres edireitos! Todos nós Iniciados somosAdoÿu e nossa ida-de é contada pelo tempo deOríÿa. Uma pessoa, porexemplo, que tenha apenas quinze anos de idade, jápode ser considerada “velha no Santo”, caso ela tenhasido iniciada aos dois anos de idade. OAdoÿu é deten-

    tor de grandeawo, que é a base que sustenta a reli-gião. Toda religião tem seu segredo,por isso mesmoos seus seguidores não devem sair por aí se exi-bindo, mostrando conhecimento. O bom Olóriÿa mostra sua responsabilidade com o awo execu-tando-o, e não polemizando. É isto que o faz for-te. O verdadeiro sábio pouco se expõe. O Oríÿa está acima de qualquer mesquinharia. Todo aquele queteve como graça ser veículo de comunicação com o sa-grado é digno de respeito. É uma pessoa especial. Nãoquero dizer que seja uma pessoa melhor do que as ou-tras, pois para oOríÿatodos somos iguais.

    Estes escritos se destinam, particularmente, aos meus

    filhosAdoÿu. Meu tempo é restrito, em virtude dos

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    incontáveis compromissos que a vida deÌyálorìÿa meimpõe. Por isso, achei indispensável transmitir a vocês,

    meus descendentes espirituais, algum conhecimentoadquirido nos meus longos anos de experiência comoAdoÿu e Olóyè. A população terrestre aumentoumuito, conseqüentemente a doÀÿç também, dificul-tando muito a transmissão do conhecimento apenaspor via oral. O que se registra, por escrito, permanece!Porém, nunca é demais lembrar, apesar da importânciada escrita na comunicação, o conhecimento transmiti-do pela oralidade é a base da transmissão do conheci-mento iniciático, pois só através dele oÀÿç dos maisvelhos pode ser repassado aos mais novos.

    Todos os Iniciados têm de conscientizar-se que sãoa essência desta religião milenar, tão deturpada porquem não conhece a sua liturgia, ritos, mitos e sím-bolos. Os Iniciados são os Sacerdotes doOríÿa, seutemplo, a religação doÕrun com a Terra: passado,presente e futuro.

    OAdoÿu é o Filho-de-Santo que passou pelo processode Iniciação. Ritual pelo qual o novato, em reclusão

    temporária, submete-se a várias “Obrigações”, adqui-rindoÀÿç. A primeira etapa da Iniciação culmina coma festa do “Dia doOrúko” — dia em que oOríÿa revela o nome pelo qual o Iniciado passará a ser cha-mado. Como nós sabemos, a Iniciação é o princípiode uma nova vida, conseqüentemente um novo nomeserá adquirido.

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    CadaOríÿa tem a sua família e cada Iniciado que per-tence a esta família terá o seu próprio nome, pelo qual

    deverá ser conhecido e chamado, a partir de então,dentro da comunidade religiosa. Exemplo: a pessoa éfilha deßàngó Aganjú (Aganjú que é uma quali-dade deßàngó), o próprioAganjú, manifestado emseu filho, dirá o nome pelo qual o mesmo passará aser chamado, que poderia serÔba Dele, Ôba Tosi,Ôba Tèro... Oorúko determina a função doOríÿa na vida do seu filho. Oorúko de Mãe Aninha eraÔbaBiyi — O Rei que Nasceu Aqui —, daí o destino destaÌyálorìÿa, que renascida com este nome criou oIlêÀÿç Òpó Àfonjà, cujo dono éßàngó.

    O processo iniciático de umAdoÿu é finalizado coma completude dosÈtutu. Este deve ser considerado

    completo com a realização da “Obrigação” de seteanos, contados a partir da data de “Feitura do Santo”.Neste intervalo, deverá ser feito oÈtutu de três anos.Reparem bem: o tempo se completa com a “Obri-gação” de sete anos (pelo menos no nosso Terreiro).Recomendo a todos que façam suas “Obrigações” notempo certo: o filho completa três anos de Iniciadoe faz a “Obrigação” correspondente, não deixa parafazê-la aos vinte... Se umOlóriÿatem quarenta anosde Iniciado, com apenas “Obrigação” de três anos, éconsiderado com três anos deOríÿa. Isto não quer di-zer que na roda do Barracão tenha que dançar atrás deum Adoÿu com sete anos de feitura e “Obrigações”completas. E sim, que o mais velho terá seu campo de

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    Criadeiras” do Iniciado, responsáveis pelo aprendizadodesenvolvido, em princípio, nos sete anos. Elas agemcomo intermediárias entre oIyawó e a Ìyálorìÿa.

    Hierarquia é tudo: princípio, meio e fim. Sem ela, caos,trevas, desinteligência, falta de comando, anarquia.Não é certo, pela hierarquia, que umOloriÿà vá tercom aÌyá, desprezando bons conselhos daOjubona,a menos que esteja havendo alguma coisa grave entreeles. Se a confiança queßàngó e que a sua represen-tante depositaram na Mãe Pequena do Filho não esti-ver sendo correspondida é preciso acertar tudo, o queé constrangedor e triste.

    Não tem sentido umAdoÿu sem educação, ignorante,bruto, de nariz em pé, senhor da situação e da verda-de. Existem três espécies deAdoÿu às avessas. O cabe-ça-dura, o rebelde e o desinformado (mal-orientado).O cabeça-dura é aquele que insiste em não aprender oque lhe é ensinado, falta-lhe concentração, disciplinae, principalmente, interesse. O rebelde sofrerá muito,vítima de si mesmo, estará entregue à própria sorte.O desinformado poderá estar sendo vítima de tramadiabólica: a sonegação de informações e de disciplina,como forma de agressão dos insatisfeitos e falsos àfigura daÌyálàÿç, estes costumam dizer: “Estão vendoos Filhos de Fulana? Não têm a mínima educação... Pormim... Eu mesmo! No meu tempo... e blá, blá, blá”.

    O mais velho irresponsável também estará entregueà própria sorte. As conseqüências podem ser terríveis

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    para o omisso, maldoso ou covarde. Existe um dia, úni-co dia, sem retorno, no qual ele, por mais sábio queseja, depende de outros. E aí, o julgamento é atroz.

    ÊGBÖNArrumam-se de maneira diferente. Têm o direito aouso da bata sobre o camisu, substituindo, assim, olaço sobre o pano-da-costa. Destacam-se, das demais

    Olóriÿa, pela bata, símbolo de maioridade religiosa.Não é adotado o uso de bata em cima da pele. O cami-su é indispensável. Mãe Aninha, senhora de sabedoriaímpar, determinou que todas as Filhas passassem a ves-tir bata após o término da “Obrigação” de sete anos. Etal ordem deve ser seguida à risca. Somos um espelhopara os Àbúrò. Estes pautam seu comportamento peloexemplo que lhes damos. Existem Êgbön que torcemo nariz ao ver Êgbön, suas Àbúrò, vestindo bata, edizem: “Querem ser Mãe-de-Santo... Por mim, ai, ai...”Essas mais velhas preferem circular todo o tempo, peloTerreiro, de camisu, sem bata ou sem o pano-da-costa,como substituto. Não sabem o desserviço que causamà nossa causa, o desrespeito à memória da fundado-ra do Àÿç, que já se preocupava com a hierarquia emtodos os seus meandros, a começar pelas roupas dasmais velhas. A ignorância de muitos, sinônimo de in-satisfação, só faz macular nossa comunidade. Temosque respeitar os mais velhos, mas estes têm que se darao respeito. E a maneira como se vestem demonstra o

    nível de conhecimento religioso que possuem.

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    Existem Casas de Culto, também de origemYorubá,consagradas pela tradição, nas quais o uso da bata éreservado apenas às altas autoridades doÇgbë. E nãoé tudo! Saibam vocês que as Filhas-de-Santo comunsvão ao Barracão, em dias de festa, descalças! Isto mes-mo... Sem chinelos, vestindo-se de camisu e pano-da-costa, laços, etc, independente do tempo de Iniciação.Esta é a tradição delas, devendo ser respeitada.

    As tradições de um Terreiro formam a sua história.Mãe Aninha determinou o uso de bata para todas asAdoÿu “maiores”. Esta ordem tem de ser seguida. Éparte da história doÀÿç Òpó Àfonjá. Falsa humilda-de gera indisciplina. Isto é um passo para a anarquia.

    Ficou claro que asÊgbön devem usar bata. O pano-da-costa é ajeitado na cintura elegantemente, ou enro-lado no peito. Jamais enrolado feito uma faixa ouójá,na cintura. Fica antiestético e errado para nós. TodaOlóriÿa tem de usar uma anágua “mole”, sem goma,sob a saia, o que compõe muito melhor o traje tradi-cional. E de nenhumaÊgbön Àgba, em especial, étolerável a omissão desses comportamentos.

    Para que situações embaraçosas sejam evitadas, aÊgbön não deve ir para o Barracão calçada com san-dálias de salto alto, nada de maquiagem que se façanotar e esmaltes com cores berrantes, especialmentese não for Àyaba.

    Sobre o pano-da-costa. O pano-da-costa é a peça

    de maior significado para uma Iniciada na religião dos

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    Oríÿa, a qual deverá saber usá-lo corretamente, con-forme a ocasião. Em primeiro lugar, é necessário que amulher saiba escolher, adequadamente, o tecido paraa confecção da referida peça. Este deve ser de boa con-sistência, lembrando os tradicionais panos africanos. Éerrado e antiestético pano-da-costa feito de panos le-ves, como a seda. O pano-da-costa de tecido liso deveser de cores claras: branco, rosa-suave, bege, azulzi-nho... Nada de cores berrantes! O pano-da-costa pode

    ser de listras, quadros, a exemplo dos tradicionais mo-delos nigerianos, de nossas ancestrais. Pano-da-costaestampado, de cor forte, fino, causariam risos e “diz-que-diz-que” entre as nossas avós.

    O uso do pano-da-costa tem a ver com a ocasião. Asdiferenciações, em geral, dizem respeito àsÊgbön, em

    virtude da bata. Lembro-me, com saudade, das senho-ras antigas me dando verdadeiras aulas sobre a referidapeça do vestuário feminino. Se não segurarmos essesensinamentos, quem perde é a história. Pano-da-costana cintura, ou no peito, é demonstração de trabalho:usa-se desta maneira nas festas no Barracão e duranteoutros rituais. Enfim, quando em função religiosa. Casocontrário, o pano-da-costa é jogado no ombro direito,sendo este o uso tradicional adotado pelas africanas nodia-a-dia delas. Nós usamos o pano-da-costa no ombro,fora de trabalho, para visitas, passeios e atos civis noTerreiro. Dou um exemplo: se houver um acontecimen-to importante, aqui no Àÿç, de caráter não-religioso,

    o pano-da-costa deverá ser usado no ombro. No dia

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    do “Presente para Yemonjá” o pano-da-costa é usadotambém no ombro. Ao sentar-se, a Êgbön o colocano colo. Em cerimônias de Àÿèÿé, as Olóriÿa usam opano-da-costa feito uma estola, com uma das pontasdo pano cobrindo o pescoço. Esta maneira de envergara peça, em iguais condições para todas, significa humil-dade: todos somos iguais perante a morte. Recordemo-nos de que, à primeira aparição para o Çgbë, a Iyawótraz o pano-da-costa aos moldes da cerimônia fúnebre.

    Nascimento e morte: renascimento. Antigamente, umaIyawó que visitava outro Àÿç para as bênçãos, junto asua Ojubona, ia devidamente trajada, da forma tradi-cional, tendo o pano-da-costa enrolado no pescoço. Noombro, só para as Êgbön.

    O uso do pano-da-costa é obrigatório noÀÿç: saia,camisu e pano-da-costa são inseparáveis. A

    Iyawó

    vestida de saia, camisu, mas sem o pano-da-costa dei-xa muito a desejar.Iyawó não usa o pano na cintura,mas, sim, enrolado no peito. Se estiver trabalhando nacozinha ou em faxina não precisa usar o laço, o qual éreservado para o Barracão e para aquelas pessoas queestejam de “Obrigação”. Nestas duas últimas hipóteses

    o uso do laço sobre o pano-da-costa é indispensável.E aÊgbön que se compreenda e quiser dar o exem-plo àsÀbúrò, deve usar o pano-da-costa em qualquerato litúrgico, a começar pela cozinha, pois cozinharpara uma divindade é um importante ato sagrado.

    O pano-da-costa é a peça feminina de maior significa-

    do histórico. Em conjunto com o torso, faz parte do

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    vestuário da africana, sobrevivência daTerra Mater , jáque a saia, camisu e anáguas são heranças européias,de séculos passados. O “Povo-de-Santo” se visita. Aochegar em outroÀÿç é comum o oferecimento de umpano-da-costa. Como proceder em tais situações?...Imediatamente, enrolá-lo no peito, em consideraçãoe homenagem à reverência feita. Atitude contrária po-derá ser interpretada como desfeita e falta de prepa-ro. Daí, o papel fundamental como educadores dos

    Êgbön e dasOjubona.Sobre o torso (ójá de cabeça). Mãe Aninha determi-nou para asOlóriÿao uso do torso, (denominado, emnossa cultura, “ójá de cabeça”) como complementodas vestes religiosas. As Filhas-de-Santo têm de usarójá no Barracão e rituais que exijam a mencionada

    peça, a exemplo doÀÿèÿé, Ìpadé, “Obrigação” noIlê Ibo Ikú. Em Iniciações e “Obrigações” de Folhao ójá não deve ser usado. Em alguns importantes Ter-reiros da Bahia, oójá só pode ser usado porOlóyè (aexemplo da bata) como símbolo de autoridade. Eu jádisse que cadaÀÿç tem uma história, uma tradiçãoa ser preservada. Nós adotamos, para todas, inclusi-ve Abiyan de Santo Assentado, o uso do torso, emocasiões especiais. E aOlóriÿa tem de saber usar oójá de forma correta e não a seu “bel prazer”. Coi-sa mais sem graça é “cabelo para fora”, seja crespo,liso, quer em forma de trança, rabo-de-cavalo ou solto.Existem livros acerca dos “turbantes”, pesquisas sérias.

    Há arrumações deójá elegantes em outras situações,

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    mas não para serem seguidas noÀÿç. Torso elabora-do com criatividade, fora dos padrões, fere a tradição,tornando-se inconveniente. A

    Iyawó, ainda que te-

    nha “Obrigação” de três anos, deve cobrir a cabeça,protegê-la, ajeitar oójá de maneira que o cabelo fique“por dentro”, sem aparecer. A nuca é escondida pelopano. E nada de fivelas, laços ou adereços. As Filhasque possuem cabelos compridos que os prendam. Eoutro detalhe, oójá não cobre a testa!

    Como toda peça do vestuário que é usado noÀÿç, otorço tem seus códigos.Ójá é uma peça cuja funçãoé proteger oOrí (cabeça). A linguagem está na for-ma de amarrá-lo. No diário apenas enrola-se a cabeça.NoBôrí e em outras “Obrigações” doOríÿa amarra-se também de forma simples. Quando se vai saudaro Oríÿa ou a Ìyálorìÿa, desamarra-se a cabeça, as-sim como na roda do Barracão, quando se canta paraßàngó. O torso daÌyá é sempre mais imponente.

    O modo de amarrar o torso diferencia asÀyaba dasOlóriÿa Okunrin. De qualquer forma, há padrõesa serem seguidos por todas. Osójá de Iyawó devemser mais discretos. ÀsÀyaba Êgbön é permitido ouso do torso com as pontas para cima, “as orelhas”,chamadas “borboletas”. Se asOlóriÿa Okunrin qui-serem, ajeitam os torsos, deixando à mostra só uma“orelha” discreta. AsÊgbön podem amarrá-los commaior elegância e realce. Se desejarem, deixam apare-

    cer parte do cabelo trançado, ou em “coque”.

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    Em tempos anteriores, durante o dia noÀÿç, na inti-midade, o uso do ójá servia como código de comuni-

    cação: uma mulher com o cabelo atrás aparecendo,sugere que a mesma é desimpedida; o torso em formade triângulo, como um lenço, mostra que a mulherestá realizando um trabalho mais pesado; quando éenrolado como um capacete, meio de banda, sugereflerte. É uma pena que comportamentos tradicionais,tão lúdicos, estejam sendo “engolidos” pela correria

    da sociedade atual. De nossa parte, no entanto, tudofaremos para que as brincadeiras sadias não desapa-reçam na nossa comunidade, dando lugar a um mauhumor generalizado e crônico.

    TRATAMENTOTratamento é algo interessante, no Candomblé. Háuma relação espiritual fina entre filhos de determina-dos Oríÿa para com outros. Filhos deÒgún chamamas Oni-Yemonjá de “mainha”, “minha mãe”, devo-tando atenção especial a elas. Os deßàngó tambémassim as chamam, já queßàngó também é Seu filho.O mesmo se diga para osOmo-Ôbalúayé, Yemon-

    já os criou, e estes têm carinho porNàná, Sua mãeverdadeira, considerando os filhos deÒÿumare seusirmãos. DeOlógunêdçparaOlôdçé “meu irmão pracá, meu irmão pra lá”, e dizem: “ondeÒgún tira opé Õÿösì coloca”. É freqüente o tratamento de “pai”,“esposo”, “minhaÀyaba”, “meu rei”, “minha mãe”,

    “minha avó”, “minha sogra”... de um irmão para o ou-

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    tro, conforme oOríÿa a que pertença a sua cabeça. Asfilhas deNàná são “vovó ou minha avó”; deYemon-

    já, “mãe”, “minha sogra”, “minha esposa”; deOÿala,“pai”, “meu avô”; deßàngó, “rei”, “três coroas”; deÔdç, “caçador”, “atirador”; deÔbalúayé, “baba”,“velho”; deÒÿumare, “cobra”, “cobrinha”.

    ßàngó é conhecido como “o Senhor das Mulheres”.E seus Filhos tiram partido disso, contando vantagensaos outrosOríÿa Okunrin, seus pseudo-rivais. Tratamas Olôya e Olõÿun de “minhaÀyaba”, “minha rai-nha”... divertindo-se com a disputa pela preferência en-tre suas mulheres. É importante relembrar que no cultoa ßàngó as pessoas de sexo feminino têm a primazia.Dirigem Sua Casa, que Ele gosta de ver movimentada,sempre em f