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Presidência da RepúblicaSecretaria Especial dos Direitos Humanos

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE

Sistema Nacional de Informação sobre Deficência - SICORDE

Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo II, 2o andar, sala 20070064 - 900 - Brasília - DFFone: 0xx61 - 3429-3493 / 3429-3669Fax: 0xx61 - 3225-8806E-mail: [email protected] page: http://www.presidencia.gov.br/sedh/corde

Reprodução autorizada, desde que citada a fonte de referência.Distribuição gratuitaImpresso no Brasil/printed in BrazilCopyright@ 2005 by Presidência da RepúblicaTiragem: 10.000 - 1ª Edição - 2002

10.000 - 2ª Edição - 2005 1.000 - 2ª Edição em CD - 2005

E-mail do autor para contato: [email protected]

Normalização: Maria Amélia Elizabeth Carneiro Veríssimo (CRB-1No 303)

Os conceitos e opiniões emitidos nesta obra, assim como as ilustrações, são de exclusiva responsabilidade

dos autores.

Referência bibiográfica:

Camargos Jr., Walter et al. Transtornos invasivos do desenvolvimento: 3o Milênio. Brasília: CORDE, 2005. 260 p.26,5 cm.

Ficha catalográfica:

Camargos Jr., Walter (coord.)Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: 3o Milênio / Walter Camargos Jr e

colaboradores. -Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial dos DireitosHumanos, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora deDeficiência, 2005.

260 p.: 26,5 cm.

1. Deficiência 2. Deficiência mental 3. Autismo 4. Síndrome de Asperger 5.Síndrome de Rett I. Título II. Brasil. Presidência da República, Secretaria Especial dosDireitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora

de Deficiência .

CDD - 616.8588

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Uma das formas de superação das desigualda-des nos dias de hoje, é o conhecimento. A criação emanutenção de serviços de informação acessíveisao cidadão tornaram-se sem dúvida um dos meca-nismos para o compartilhamento do saber, de formaa reduzir as desigualdades sociais.

Há uma consciência crescente de que muitaspessoas têm dificuldades em conseguir uma partici-pação igualitária na sociedade por terem pouco ounenhum acesso a informações atualizadas.

Não é mais possível a promoção de políticas deinclusão social sem o conhecimento das tecnologiashoje existentes, das normas jurídicas em vigor e deuma visão sistêmica em termos de áreas do conheci-mento.

Desta forma, o compartilhamento de informa-ções torna-se uma tarefa de fundamental importân-cia.

A igualdade de oportunidades passa necessaria-mente pela tomada de consciência dos direitos enecessidades de cada cidadão, bem como da cola-boração que cada um é capaz de oferecer.

Uma preocupação da Secretaria de Estado dosDireitos Humanos é a de oferecer ao cidadão a opor-tunidade de todos exercerem a sua cidadania, com

Apresentação

conhecimento dos direitos e exercício conscientede seus deveres.

A edição da Coleção "Estudos e Pesquisas na áreada Deficiência", editada em parceria com a Associa-ção de Pais e Amigos dos Portadores de NecessidadesEspeciais do Rio de Janeiro - AMES e Associação Bra-sileira de Autismo - ABRA, entidades de defesa dedireitos da pessoa portadora de transtornos autísticos,sem dúvida alguma, virá minimizar a carência de in-formações acessíveis sobre o tema. Faz parte destaprimeira edição os seguintes títulos:

1 - Transtornos Invasivos do DesenvolvimentoAssociados a Graves Problemas do Comportamento- "Reflexões sobre um Modelo Integrativo", de auto-ria do Prof. Dr. José Raimundo Facion;

2 - Transtornos Invasivos do Desenvolvimento -3º Milênio, de autoria do Dr. Walter Camargos Juniore colaboradores;

3 - Lesão Cerebral, de autoria do Dr. José AméricoFontes;

4 - Assistência Preventiva ao Recém-Nascido paraParteiras e Agentes de Saúde, de autoria do Dr. JoséAmérico Fontes;

5 - Obstetrícia para Pediatras e Pediatria para Obs-tetras, de autoria do Dr. José Américo Fontes.

“O desconhecimento estimula a omissão; o conhecimento nosliberta do preconceito, da segregação e da falta de cidadania”.

Niusarete Margarida de LimaCoordenadora

Sistema Nacional de Informações sobre Deficiência

Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de

Deficiência - CORDE

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Adrianna ZuchiPsicóloga, Supervisora e Coordenadora daComunidade Terapêutica D.W.Winnicott, POA – RS,Especialista em Psicoterapia de Casal e Família.

Adriane Gonçalves SallePsicóloga, Supervisora e Coordenadora daComunidade Terapêutica D.W.Winnicott, POA – RS,Especialista em Psicoterapia da Infância eAdolescência.

Aline de CastroMusicoterapeuta da Equipe SEADDA (Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Ana Cristina Bittencourt FonsecaPsiquiatra da Equipe SEADDA (Serviço de Atendimentoe Diagnóstico Diferencial de Autismo), no CentroPsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG

Ana Maria Bereohff P. BastosProfessora com Especialização em Educação Especiale Psicóloga Clínica atuando em avaliação eatendimento a portadores de Transtornos Invasivosdo Desenvolvimento.

Ana Maria S. Ros de MelloPresidente da AMA-SP.

Ana Nilce PettinatePsicóloga; Psicomotricista da Equipe SEADDA (Serviçode Atendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Ana Lúcia Rossito AielloDoutora em Psicologia Experimental (USP) peloDepartamento de Psicologia, Universidade Federalde São Carlos, SP.

Andréa Regina Nunes MisquiattiMestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP;Docente do Departamento de Fonoaudiologia daUnesp-Marília/SP; Coordenadora do Ceicomhu- Centrode Estudos Interdisciplinares da ComunicaçãoHumana da Unesp - Marília/SP.

Caio Flávio MiguelPsicólogo formado pela PUC-SP; Mestre eDoutorando em análise comportamental aplicadapela Western Michigan University, EUA. Atua compesquisa na área de ensino de linguagem emcrianças diagnosticadas com autismo e outrostranstornos do desenvolvimento.

Ceres Alves de AraújoPsicóloga; Doutora em Distúrbios da ComunicaçãoHumana pela Escola Paulista de Medicina; Professorado Departamento de Psicodinâmica da Faculdade de

Lista de Colaboradores

Psicologia da PUC-SP.

Cláudia Gonçalves de Carvalho BarrosFonoaudióloga; Pós-graduada em Distúrbios daComunicação; Professora da Cadeira Prevenção eCorreção dos Problemas de Linguagem do Curso deFonoaudiologia das FAMIH–BH.

Cleonice BosaMestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS);PhD em Psicologia (Institute of Psychiatry - Universityof London, Uk); Profa Adjunto do Instituto dePsicologia (UFRGS); Coordenadora do NúcleoIntegrado de Estudos e Pesquisa em Transtornos doDesenvolvimento – NIEPED (UFRGS).

Cristina Araújo Costa OliveiraFisisoterapeuta da Equipe SEADDA (Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Emílio SalleMédico psiquiatra. Mestre em Clínica Médica pelaUFRGS, Diretor Clínico da Comunidade TerapêuticaD.W.Winnicott, Membro Fundador do GEPAPI.

Érica Gomes ForneroFonoaudióloga da Equipe SEADDA (Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Erica de Araujo Brandão CoutoFonoaudióloga; Psicóloga; Mestre em EducaçãoEspecial; Docente do Curso de Fonoaudiologia dasFaculdades Metodistas Integradas Izabela Hendrix –FAMIH, BH, MG.

Evie de França GianniniBolsista de Iniciação Científica, graduanda dePsicologia da Universidade do Estado do Rio deJaneiro – UERJ.

Fernanda Dreux Miranda FernandesMestre em Distúrbios da Comunicação pela PUCSP;Doutora em Semiótica e Lingüística Geral pela USP;Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade deMedicina da USP; Coordenadora do Laboratório deInvestigação Fonoaudiológica nos DistúrbiosPsiquiátricos da Infância do curso de fonoaudiologia daFMUSP; Professora e orientadora nos programas demestrado e doutorado em Ciências da FMUSP e emSemiótica e Lingüística Geral da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da USP.

Francisco Bartista Assumpção Jr.Psiquiatra; Doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP;Professor do Programa de Pós-graduação emPsiquiatria da USP e do Programa de Distúrbios doDesenvolvimento pela Universidade Mackenzie.

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Gláucia M ª Guerra AraújoPedagoga - Especialista em Educação Especial.

Igor MangueiraEstudante de jornalismo, UFS-SE; autor do romance“Profunda Indiferença – As Lágrimas de um Olhar Perdido”.

José Luiz Pinto Pereira.Neurologista pela UFPR; Título de Psiquiatria pela ABP\AMB; Professor Auxiliar de Psiquiatria doDepartamento de Medicina Forense e Psiquiatria daUniversidade Federal do Paraná, Curitiba.

José Raimundo FacionPsicólogo; Doutor em Medicina pelo Departamentode Psiquiatria Infantil e Pós-Doutorado noDepartamento de Neuropediatria da Universidade deMünster – Alemanha; Professor visitante daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

Letícia Lima LeãoMestre em Pediatria pela UFMG; Médica do ServiçoEspecial de Genética doHospital das Clínicas daUFMG.

Marcos José Burle de AguiarDoutor em Pediatria pela Faculdade de MedicinaUFMG; Professor Adjunto do Departamento dePediatria da Faculdade Medicina da UFMG;Coordenador do Serviço Especial de Genética doHospital das Clínicas da UFMG.

Lilian Pimentel Almeida LopesTerapeuta Ocupacional da Equipe SEADDA (Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Lívia de Castro Magalhães, PhD.Terapeuta Ocupacional; Doutora em Psicologia daEducação pela Universidade de Illinois em Chicago;Profa. Adjunta, Depto. de Terapia Ocupacional, UFMG.

Lorenzo Lanzetta NataleAlunos de graduação em Psicologia e IniciaçãoCientífica no Laboratório de Neuropsicologia doDesenvolvimento, Departamento de Psicologia, UFMG

Lucia Helena Vasconcelos FreirePsicóloga; Extensa experiência em Escolas Especiais ecom portadores de autismo Infantil e outros TID.

Márcia Brandão de CastroPedagoga; pós-graduada em Educação Pré-escolar;Coordenadora da área Pedagógica da EscolaComumViver. BH, MG.

Márcia Cristina Franco LambertuciTerapeuta Ocupacional, Especialista no MétodoNeuroevolutivo e Terapia de Integração Sensorial.

Márcia Cristina L. PereiraPsicóloga – Especialista Psicopatologia Dinâmica.

Margarida H. Windholz, Ph.D.Psicóloga formada pela USP; Doutora em Psicologiapela USP; Ex-docente do Departamento de PsicologiaExperimental, Instituto de Psicologia da USP;Pesquisadora; Membro da Academia Paulista dePsicologia; Co-fundadora, organizadora e supervisorada primeira escola de abordagem comportamentalem São Paulo (CARE) em 1972.

Maria Cristina Machado RibeiroPsicóloga, Diretora da Escola ComumViver, BH, MG.

Maria das Dores de Oliveira NunesPsicóloga, pós-graduada em Psicopedagogia.

Maria do Carmo Tourinho Ribeiro VieiraPresidente da Associação Brasileira de Autismo -ABRA e da Associação de Amigos do Autista deSergipe.

Maria Eugênia Castelo Branco AlbinatiMusicoterapeuta e educadora musical; Vice-pres idente da Associação Mineira deMusicoterapia.

Maria Isabel dos Santos PinheiroPsicóloga pela PUC/MG; Especialista emPsicopedagogia pela PUC/MG; Mestranda emEducação Especial pela UF São Carlos/SP Pesquisadorapelo Laboratório de Neuropsicologia doDesenvolvimento Departamento de Psicologia,Universidade Federal de Minas Gerais.

Maria Isabel TafuriPsicóloga; Psicanalista; Mestre em Psicologia Clínicapela Universidade Federal de Brasília; Professora dePsicologia Clínica da UnB.

Maria Helena Siqueira SprovieriMestra e Doutora em Serviço Social pela PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo; TerapeutaFamiliar; Membro Titular da Associação Paulista deTerapia Famíliar.

Maria de Lourdes CanzianiPedagoga pela Universidade Federal do Paraná -UFPR; Especializada em Programas de atendimentoa pessoas com deficiência em cursos no Brasil e noexterior; Contribuiu para o desenvolvimento daspolíticas brasileiras na área de reabilitação depessoas com deficiência e elaborou diretrizes,projetos e/ou programas de atendimento a essaspessoas; atuou em cargos de direção em instituiçõespúblicas e privadas; autora de livro e artigos sobreo tema, publicados em revistas científicas nacionaise internacionais.

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Marli Bonamini MarquesCoordenadora Pedagógica da Associação dos Amigosdo Autista - AMA/SP.

Mauro Ivan SalgadoCirurgião Dentista, Médico, Professor Assistente deCirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, MembroTitular da Academia Mineira de Odontologia e daAssociação Brasileira de Pesquisadores de História eGenealogia. Autor de vários livros pedagógicos paracrianças na área odontológica.

Maycoln Leôni Martins TeodoroPsicólogo pela UFMG; Mestre e, Psicologia Social pelaUFMG; Doutorando em Psicologia pela Universidadede Freiburg.

Nylse Helena Silva CunhaPedagoga; Membro Fundadora do GEPAPI.

Patrícia Coacci RangelAssistente Social e Especialista em Saúde Mental;Coordenadora do SEADDA ( Serviço de Atendimentoe Diagnóstico Diferencial de Autismo), no CentroPsicoPedagógico - FHEMIG.

Patrícia Martins de FreitasAlunos de graduação em Psicologia e IniciaçãoCientífica no Laboratório de Neuropsicologia doDesenvolvimento, Departamento de Psicologia, UFMG.

Paula Braga-KenyonPsicóloga formada pela PUC-SP; Mestre em análisecomportamental aplicada pela NortheasternUniversity, EUA.

Paulo Berél SukiennikMédico psiquiatra , Mestre Educação pela PUCRSDiretor Clínico da Comunidade Terapêutica D. W.Winnicott, POA, RS., Membro Fundador doGEPAPI..

Priscilla Siomara GonçalvesAnalista de sistemas com especialização empsicopedagogia. Coordenadora da Lista de Discussãode Autismo.

Regina Fanfa OnófrioPsicóloga, Supervisora e Coordenadora daComunidade Terapêutica D.W.Winnicott, Especialistaem Psicoterapia da Infância e Adolescência.Roberto AntonucciPsicólogo clínico; Mestre e Doutorando, em psicologiaclínica pela PUC/SP; Supervisor clínico da Faculdade dePsicologia da Universidade Santo André –SP.

Rodrigo Carneiro de CamposNeurologista Infantil da Prefeitura de Belo Horizontee do Centro Psicopedagógico da FundaçãoHospitalar do Estado de Minas Gerais, FHEMIG;

Membro do Serviço de Neurologia Infantil doHospital das Clínicas da UFMG; Membro do Centrode Neuropediatria do Hospital Infantil São Camilo,Belo Horizonte, MG.

Rosa Maria Melloni HoritaPsquiatra da Infância e Adolescência da Secretaria deSaúde do Distrito Federal.

Rosana Soares Melo LimaPsicóloga Clínica, Especialista em Neuropsicologia –FUMEC- MG

Shawn E. KenyonMestre em Psicologia Clínica pelo AssumptionCollege, EUA – Especialização em TerapiaComportamental para Crianças e Adolescentes.

Simone Aparecida Lopes-HerreraFonoaudióloga; Mestre e Doutoranda em EducaçãoEspecial pela Universidade Federal de São Carlos(UFSCar); Coordenadora do Curso de Fonoaudiologiado Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP -São José do Rio Preto-SP).

Tânia Gonzaga GuimarãesPsicóloga – Especialista em Psicodiagnóstico Infantil

Tatiana de Melo PereiraPsicóloga da Equipe SEADDA (Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Vera Lúcia Diniz de LimaPsicóloga; Diretora da Escola ComumViver, BH, MG.

Vicente de PaulaTécnico em Musicoterapia da Equipe SEADDA (Serviçode Atendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro PsicoPedagógico – FHEMIG, BH, MG.

Vitor Geraldi HaaseNeurologista; Mstre em Lingüística pela PUC/RS;Doutor em Biologia Humana pela Universidade deMunique; Professor Adjunto do Departamento dePsicologia da UFMG.

Viviane Costa de LeonTerapeuta Oucpacional; Especialista emPsicopedagogia Clínica; Mestranda em Psicologia doDesenvolvimento pela Universidade Federal do RioGrande do Sul.

Walter Camargos JuniorPsiquiatra infantil; Professor Assistente dePsiquiatria na Faculdade de Ciências Médicas deMinas Gerais; Psiquiatra Infantil no Centro Geralde Pediatria – FHEMIG; Membro fundador doGEPAPI.

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É com imensa satisfação que faço a apresentaçãodesse livro - Transtornos Invasivos do Desenvolvimento– 3o. Milênio! Em todo o período de gestação do livro,desde a idéia de editar um livro que pudesse atualizar ostécnicos nos conhecimentos atuais e, para isso serianecessário explicitar a prática ao invés de um supostosaber teórico que nada acresce ao portador de deficiên-cia e sua família, a conversa com os técnicos da CORDE,o convite aos autores, a revisão dos temas, e mesmo acontínua cobrança dos autores pela finalização dos tex-tos visualizei o quanto os profissionais brasileiros apren-deram e agora doam esse conhecimento à populaçãoacometida por destino tão grave.

Há pouco mais de 10 anos a CORDE concretizava ohistórico “I Congresso Nacional de Autismo, emBrasília”, época em que o Autismo Infantil e Síndromescorrelatas ainda eram uma novidade teórica para amaioria. Práticas distorcidas sem objetivo definido esem rumo eram o padrão. Profissionais médicos emperíodo de especialização sem as informações míni-mas que os capacitassem a lidar com essa população, jáque seus preceptores também não estavaminstrumentalizados técnicamente. Escolas que deno-minava a todos e indiscriminadamente, de psicóticos.Pedagogos que tentavam aprender através de erros eacertos qual o melhor caminho. Psicólogos que aindaacreditavam que todas as mães eram doentes e lhesimputavam a origem de tal mal. Profissionais da SaúdePública que diziam que essa população era pequenademais para merecer uma política específica e que po-deriam/deveriam ser “tratadas” em Postos de Saúde.

Percebo que estamos, aqui no Brasil, começando asair do “tempo das trevas” no tocante aos TranstornosInvasivos do Desenvolvimento. Evoluimos e espero quenunca paremos. E, começamos graças ao movimentodas famílias que se organizaram em Associações como aAMA-SP, a ABRE-TE, ASTECA e ABRA, etc e tiveram oapoio governamental da CORDE. Avalio que sem essespersonagens, a grande maioria de nós profissionais nãoteria adquirido o conhecimento que possui atualmente.

Enfim com esse livro concretizo uma visão quetive, ainda na década passada que a identificação dessapopulação e suas necessidades seriam alcançadas emperíodo temporal razoável.

Esse livro tem objetivo prático e foi dividido porseções, que correspondem a áreas de atuação: Médica,Psicológica, Pedagógica, Fonoaudiológica, Institucionale Temas Especiais.

Na seção médica temos 7 capítulos. Inicia-se comaspectos gerais do Autismo Infantil, seguido dos Diag-nósticos Diferenciais mais comuns, dos aspectos neu-rológicos desse grupo nosográfico e de suas bases ge-néticas. O capítulo 5 e os próximos versam sobre aSíndrome de Asperger, a Síndrome de Rett e finaliza

APRESENTAÇÃO

com o tema Tratamentos. Todos os autores escreve-ram de forma clara e de fácil absorção, mesmo tratan-do-se de temas complexos.

A seção sobre temas da psicologia inicia com osSinais Precoces onde a autora traz vários aspectos relati-vos aos bebês. Abarca ainda um capítulo sobre a ópticapsicanalítica atual, onde os pais são partícipes do proces-so terapêutico. Segue-se a óptica jungiana onde a autoradesenvolve os conceitos e constrói uma conclusão queseres portadores de autismo possuem uma formataçãopsíquica diferente, em sua essência, em comparação auma pessoa normal e que para isso o tratamento tam-bém deve ser específico. O capítulo sobre Teoria da Men-te não se prima pelas concepções teóricas profundasmas por sua aplicabilidade. O texto sobre PsicologiaComportamental é atual e serve para utilização no coti-diano clínico e de base para o capítulo seguinte que é oPerfil Psico-Educacional Revisado (PEP-R) na versão brasi-leira. Os aspectos psicológicos dos portadores deSíndrome de Asperger são intensamente trabalhados nocapítulo seguinte. O capítulo 15 traz um tema - A Sexu-alidade do portador de TID ainda muito pouco trabalha-do em livros e artigos técnicos mas muito conversadono cotidiano clínico, familiar e escolar. O importante temasobre as famílias é brilhantemente comentado. Essa se-ção é finalizada com informações gerais sobreNeuropsicologia e Mecanismos Neurocognitivos noAutismo Infantil, onde trata de questões teóricas poucocomuns em nosso meio clínico.

A terceira seção, do capítulo 19 ao 25, traz questõesrelativas a pedagogia. Inicia com uma visão geral sobreo trabalho com os portadores de Distúrbios deComportamento seguido de uma discussão focada nosportadores de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento(TID) onde aborda as fronteiras pedagogia/terapia notrabalho com essa população e se/como é possível marcarcom clareza tais limites. Também o tema sobreProfessores é tratado com intensidade e a sensatez daequação necessidade/possibilidade sob o título:Formando Professores. O capítulo 22 traz o métodoTEACCH, aplicação com sucesso inquestionável, seguidodo método de Análise Comportamental Aplicada (ABA):um Modelo para Escolas Especiais. O Inventário Portageé trazido aqui nesta seção mas pode e deve ser utilizadopor todos os Serviços (Escolas, Clínicas, etc.) eprofissionais que queiram e necessitem trabalhar comdados mais objetivos já que oferecem uma relação entrea idade de desenvolvimento normal esperada para umadada idade cronológica, ou seja podemos saber queaquela pessoa que possui uma idade cronológica de porexemplo 13 anos se encontra numa idade dedesenvolvimento de por exemplo 14 meses e com issopodemos programar seu tratamento com maiorespecificidade e objetividade. Esta seção termina com

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um capítulo sobre a Avaliação Psicológica eAlfabetização onde é apresentado o caminho para ainternalização do mundo das letras e números para umacriança desse grupo.

A quarta seção inicia com uma visão ampla daprática fonoaudiológica onde a autora traz aimportância do planejamento terapêutico diante dasmuitas opções técnicas existentes. O capítulo 28 trazuma rica visão dos Transtornos da LinguagemExpressiva nos diversos grupos nosológicos quecompõe os Transtornos Invasivos doDesenvolvimento; seguindo-se os TranstornosReceptivos da Linguagem onde a autora consegueretratar uma panorâmica do universo desses transtornosde tal forma que sua compreensão se torna acessível atodos que tenham um mínimo de informação na área.A seção termina com o tema Uma Introdução ao Sistemade Comunicação Através de Troca de Figuras (PECS),técnica ainda pouco utilizada entre nós porém deexcelente resultado e de treinamento não muitocomplexo que possibilita a comunicação nas pessoasque ainda não adquiriram a capacidade de verbalizar.

Ao elaborar o livro senti a necessidade decontemplar estruturas assistenciais diversas que só sãorealizadas em Instituições, tema da quinta seção. Comoé de se esperar inicia com um modelo de Escola onde asautoras explicitam como é a avaliação do aluno, oplanejamento institucional e para aquele aluno, oagrupamento em uma sala de aula, o trabalho emequipe, o trabalho com os pais e a relação de todos como médico-que-atende-o-aluno. No capítulo 31 a diretoriada Associação dos Amigos do Autista de São Paulo traçasua trajetória nesses 19 anos onde fica claro seudinamismo, a qualidade de sua organização institucionale suas propostas de trabalho em suas fronteiras e comodisseminador de conhecimento e técnicas. Repetindo,a sociedade brasileira deve aos Pais que fundaram essaAssociação de Pais e as outras AMA´s espalhadas poresse Brasil a fora grande parte do estágio dedesenvolvimento que agora estamos e isso deve servirde exemplo para outros Transtornos cuja assistênciaainda não esteja contemplada pela sociedade brasileira.O capítulo seguinte trata de outra realidade de AMA,agora em Aracaju onde a autora traça com clareza todasas dificuldades pelas quais passou enquanto mãe eresponsável pela Instituição e mais que isso, mostra oconflito entre a dor de separação de um filho incapazcivilmente e a racionalidade de deixá-lo morar em outracasa como qualquer filho capaz. Segue a seção comintrigante capítulo sobre algumas situações em que aconvivência de uma pessoa portadora desses transtornosatinge tal ponto de desgaste com a família e/ou onde osrecursos terapêuticos se esgotam que é necessário umaestrutura especializada em reverter os comportamentosdaquela pessoa e ensinar a família a lidar com a pessoanum novo modelo de relacionamento. O capítulo 34versa sobre os conceitos e histórico de ComunidadeTerapêutica e a utilização dessa lógica terapêutica aosportadores de TID diferenciando essa estrutura do quedenomina Escola Terapêutica. Essa seção termina com

a apresentação do trabalho desenvolvido em BeloHorizonte dentro de um hospital psiquiátrico infantilonde numa determinada época foi acolhida, pela entãoDiretoria, a demanda de criação de estrutura com oobjetivo específico de assistência da populaçãoportadora de TID, mostrando as características daassistência própriamente dita, o trabalho em equipe eseus conflitos.

A última seção comporta os temas especiais. Oprimeiro é sobre a Assistência Odontológica a essapopulação que muitas vezes sofre de dor de dente,mesmo sem identificar de onde vem o mal-estar e reageatravés de comportamentos inadequados (geralmenteagitação psicomotora, agressividade, alterações dosono, etc.) quando são medicados com psicotrópicosque diminuem o limiar de dor o que ocasiona mais doretc, etc. O autor foi muito feliz em transmitir toda suaexperiência nas técnicas de tratamento e nadesmistificação das duas afirmações extremistas: não épossível o tratamento sem anestesia e o tratamento comanestesia é maléfico para a criança. O Capítulo 37 trazquestões muito importantes sobre o tratamento depessoas que são hipersensíveis sensorialmente assimcomo os hiposensíveis que necessitam constantementede algum tipo de auto-estimulação, como identificá-los e os tratamentos. O capítulo seguinte traz comriqueza de detalhes a utilização da Musicoterapia paraesse público. A docência, desse tema, num CursoSuperior tem a importância da disseminação desseconhecimento para todos os que estão sendoinstrumentalizados para a prática clínica em futuropróximo. Infelizmente esses temas ainda nãomereceram a atenção do Ministério da Educação eCultura nem das Universidades ou das Faculdades doPaís. O tema Integração entre a Assistência e a Pesquisatrata de forma elegante sobre a “velha” questão dafalta de recursos financeiros necessário para qualqueriniciativa assistencial onde é apresentado um tipo desolução, que é a formatação do Projeto em Pesquisa.No capítulo 41 a autora aborda a utilização da dinâmicaInternet como recurso terapêutico para essa populaçãoe seus familiares, ficando evidente o carinho com queadministra as Listas de Discussão. O capítulo seguinteé imprescindível para as famílias cujos membrosafetados atingiram a maioridade já que traz informaçõesjurídicas de tutela, curatela, etc., sua importância e comoconcretiza-las. O Capítulo 43 traz o conceito amplo doque é a inclusão desses desafortunados em nossasociedade, não se limitando a questão escolar a qual otermo ficou aderido e consequentemente restrito. Olivro encerra com o tema sobre Políticas Governamentaissem as quais não poderemos avançar.

Espero que todos os leitores tenham prazer naleitura e que pratiquem as experiências aqui traduzidas,para que nossas crianças tenham a chance quemerecem!

Dr. Walter Camargos Jr.

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SUMÁRIOSEÇÃO I - TEMAS MÉDICOSCapitulo I - Autismo Infantil .................................... 11

Capítulo II - Diagnostico Diferencial do AutismoInfantil ......................................................................... 16

Capítulo III - Aspectos Neurológicos ..................... 21

Capitulo IV - Aspectos Genéticos ........................... 23

Capitulo V - Síndrome de Asperger ....................... 25

Capitulo VI - Síndrome de Rett .............................. 29

Capitulo VII - Tratamento dos Portadores do EspectroAutístico ...................................................................... 36

SEÇÃO II - TEMAS DA PSICOLOGIACapitulo VIII - Sinais Precoces de Compro-metimentoSocial no Autismo Infantil .......................................... 42

Capitulo IX - A Participação dos Pais no TratamentoPsicanalítico com a Criança Autista: Reflexões ....... 47

Capitulo X - O Autismo sob a Perspectiva Junguiana...................................................................................... 57

Capitulo XI - A Teoria da Mente e a Aplicação nosPortadores de Transtornos Invasivos doDesenvolvimento ......................................................... 64

Capitulo XII - A Terapia Comportamental com deTranstornos Invasivos do Desenvolvimento ............ 75

Capitulo XIII - Perfil Psico-Educacional Revisado (PEP-R): Elaboração da Revisão Brasileira ......................... 82

Capitulo XIV - Os Aspectos Psicológicos dosPortadores de Síndrome de Asperger ...................... 88

Capitulo XV - A Sexualidade do Portador deTranstornos Invasivos do Desenvolvimento ............ 93

Capitulo XVI - Aspectos Familiares do Portador deTranstornos Invasivos do Desenvolvimento ............ 99

Capitulo XVII - O Que é Neuropsicologia .......... 106

Capitulo XVIII - Mecanismo Neurocognitivos noAutismo: uma Perspectiva Construtivista ................ 108

SEÇÃO III - TEMAS PEDAGÓGICOSCapitulo IXX - Abordagens Pedagógicas dosDistúrbios de Comportamento ................................ 122

Capitulo XX - A Psicopedagogia Aplicada aosPortadores de Transtornos Invasivos doDesenvolvimento ....................................................... 127

Capitulo XXI - Formando Professores ............... 138

Capítulo XXII - O Método TEACCH .................. 144

Capitulo XXIII- Análise Comportamental Aplicada(ABA): Um Modelo Para A Educação Especial ....... 148

Capitulo XXIV - O Projeto Portage e o InventárioPortage Operacionalizado ........................................ 154

Capitulo XXV - Avaliação Psicológica e Alfabe-tização ......................................................................... 160

SEÇÃO IV - TEMAS DA FONOAU-DIOLOGIACapitulo XXVI - A Fonoaudiologia Aplicada aosPortadores de TID ........................................................ 165

Capitulo XXVII - Trantornos da LinguagemExpressiva nos Portadores de Transtornos Invasivosdo Desenvolvimento .................................................. 168

Capitulo XXVIII - Transtornos da LinguagemReceptiva ................................................................... 173

Capitulo XXIX - Uma Introdução ao Sistema deComunicação Através de Troca de Figuras (PECS) .. 177

Seção V - Temas InstitucionaisCapitulo XXX - A Escola para os Portadores deTranstornos Invasivos do Desenvolvimento ........... 183

Capitulo XXXI - A Ama - SP Hoje ..................... 187

Capitulo XXXII - A AMA - Aracajú .................. 190

Capitulo XXXIII - Quando a Internação é Indicada..................................................................................... 193

Capitulo XXXIV - A Comunidade Terapêutica. 203

Capitulo XXXV - A Dinâmica de uma Equipe Multi-disciplinar Especifica para Assistência dos Portadoresde Transtornos Invasivos do Desenvolvimento Inseridanum Contexto Hospitalar ......................................... 210

SEÇÃO VI - TEMAS ESPECIAISCapitulo XXXVI - A Assistência Odontológica..................................................................................... 220

Capitulo XXXVII - Terapia Ocupacional nosTranstornos Invasivos do Desenvolvimento .......... 227

Capitulo XXXVIII - A Musicoterapia Aplicada aosPortadores de Transtornos Invasivos doDesenvolvimento ....................................................... 236

Capitulo XXXIX - Docência Sobre os TranstornosInvasivos do Desenvolvimento em Curso Superior ... 242

Capitulo XL - A Integração entre a Assistência e aPesquisa ....................................................................... 245

Capitulo XLI - A Ultilização da Internet comoRecurso Terapêutico aos Portadores de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento e seus Familiares .. 247

Capitulo XLII - Aspectos Jurídicos na Maioridade...................................................................................... 250

Capitulo XLIII - A Inclusão ................................. 252

Capitulo XLIV - Políticas governamentais para osPortadores Invasivos do Desenvolvimento ........... 256

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3º Milênio

SEÇÃO I – TEMAS MÉDICOS

CAPITULO I

AUTISMO INFANTIL - SINAIS ESINTOMAS

Emílio SallePaulo Berél SukiennikAdriane Gonçalves SalleRegina Fanfa OnófrioAdrianna Zuchi

HISTÓRICOEm 1906, Plouller introduziu o adjetivo autista na

literatura psiquiátrica, ao estudar pacientes que tinhamdiagnóstico de demência precoce (esquizofrenia). Masfoi Bleuler, em 1911, o primeiro a difundir o termoautismo, definindo-o como perda de contato com arealidade, causada pela impossibilidade ou grandedificuldade na comunicação interpessoal. Referiu-seoriginalmente ao autismo como transtorno básico daesquizofrenia, que consistia na limitação das relaçõespessoais e com o mundo externo, parecendo excluirtudo que parecia ser o “eu” da pessoa.

“Alterações autísticas do contato afetivo” foi otítulo do trabalho escrito por Leo Kanner, em 1943,que diferenciou o autismo de outras psicoses gravesna infância. Utilizando o termo difundido por Bleuler,Kanner separou o termo autismo para designar estadoença de que hoje todos ouvimos falar. Examinandoonze crianças de classe média americana, comproblemas graves do desenvolvimento, bonitas einteligentes, ele definiu dois critérios que seriam o eixodesta recém descoberta doença: a solidão e a insistênciaobsessiva na invariância.

Referindo-se à solidão autística, escreve: “otranstorno principal, patognomônico, é a incapacidadeque tem estas crianças, desde o começo de suas vidas,para se relacionar com as pessoas e situações” (Kanner,1943, p.242). Em relação ao comportamentorepetitivo, “os sons e movimentos da criança são tãomonotonamente repetitivas como são suas emissõesverbais. Existe uma marcada limitação da diversidadede suas atividades espontâneas. Sua conduta rege-sepor um desejo ansiosamente obsessivo de manter ainvariância” (p.242). Sua conclusão principal: “assim,teremos que supor que estas crianças tenham vindoao mundo com uma incapacidade inata para formaros laços normais, de origem biológica, de contatoafetivo com as pessoas, do mesmo modo que outrascrianças vêm ao mundo com outras deficiências inatas,físicas ou intelectuais” (p.250).

Asperger (1944, apud Frith, 1994), quase namesma época que Kanner, também diferenciou um

grupo de crianças com retardo no desenvolvimento,sem outras características associadas ao retardomental, e deu o nome “psicopatia autística” a estadoença. Ao contrário de Kanner, que via umprognóstico mais sombrio para estes pacientes,Asperger acreditava que eles responderiam melhorao tratamento, possivelmente em função de que ospacientes descritos por ele apresentavam umrendimento superior ao daqueles descritos por Kanner.Coincidência ou não, dois autores escreveram, namesma época, trabalhando isoladamente, cada umem seu país, os sintomas da doença que hojeconhecemos como autismo infantil.

Discordando do proposto por Kanner, Bender,em 1947, usou o termo esquizofrenia infantil, poisele e outros consideravam o autismo como a formamais precoce da esquizofrenia (Gauderer, 1992). JáMahler(1989) utilizou o termo psicose simbiótica,atribuindo a causa da doença ao relacionamento mãe-filho.

Rutter, em 1967 , fez uma análise crítica dasevidências empíricas encontradas acerca do autismoe considerou quatro características como principais:falta de interesse social; incapacidade de elaboraçãode linguagem responsiva, presença de condutamotora bizarra em padrões de brinquedo bastantelimitados e início precoce, antes dos trinta meses.

O Conselho Consultivo Profissional da SociedadeNacional para Crianças e Adultos com Autismo dosEstados Unidos (Ritvo e Freedman, 1978) define oautismo como uma síndrome que aparece antes dostrinta meses e que possui as seguintes características:distúrbios nas taxas e seqüências dodesenvolvimento; distúrbios nas respostas aestímulos sensoriais; distúrbios na fala, linguagem ecapacidades cognitivas; distúrbios na capacidade derelacionar-se com pessoas, eventos e objetos.

Essa definição (Ritvo e Freedman, 1978), mais ade Kanner (1943) e a de Rutter (1967), formaram abase para os critérios diagnósticos do autismo nasduas principais classificações de transtornos mentais:a CID-9 (OMS, 1984) e o DSM-III-R (APA, 1980).Ambos tinham definições e critérios diagnósticossimilares, mas diferenças na conceituação: enquantoa CID-9 (OMS, 1984) conceituava o autismo comoum subtipo das psicoses com origem específica nainfância, evoluindo para esquizofrenia, o DSM-III-R(APA, 1980) o considerava um tipo de distúrbio globaldo desenvolvimento, apresentando psicopatologiasevera com distúrbios evolutivos precoces,caracterizados por atrasos e distorções nodesenvolvimento de habilidades sociais, cognitivas ede comunicação. Com a evolução dos conceitos, oautismo, na CID-10 (OMS, 1993), passou a serconsiderado um distúrbio do desenvolvimento, e, noDSM-IV (APA, 1995), os transtornos globais dodesenvolvimento (TGP) foram retirados do eixo II(prognóstico pobre) e entraram no eixo I (distúrbiosmais episódicos e transitórios), com a possívelimplicação de que o autismo passou a ser considerado

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

como distúrbio que responde melhor às intervençõesterapêuticas, e seus sintomas podem sofrer maioresvariações. Os sintomas necessários para determinarum quadro de autismo foram reduzidos de dezesseis(DSM-III-R – APA 1980) para doze (DSM-IV – APA,1995), dentre quatro critérios diagnósticos principais.

EPIDEMIOLOGIAOs primeiros estudos apresentavam limitações

metodológicas relativas à distinção do autismo de outrasformas de psicose infantil. Mais tarde, os estudostornaram-se mais confiáveis com uma maiorhomogeneização dos conceitos, mesmo assim comdiversas divergências fundamentais. Com essasdificuldades em mente, cabe notar que as pesquisasdisponíveis apresentam um consenso geral relativo àprevalência do autismo, sugerindo que a condição é rara.

Quando o autismo é mais rigorosamente definido,em geral, são relatadas taxas de prevalência de doiscasos por 10 mil habitantes, no entanto, comdefinições menos rígidas, tipicamente são encontradastaxas de prevalência de 4 a 5 por 10 mil. Recentesmodificações nos critérios de diagnóstico podemaumentar o número de indivíduos que receberiam,atualmente, o diagnóstico de autismo. Embora asinformações sejam limitadas, parece que o grupo deTGD/TGD-SOE (sem outra especificação) é muito maiscomum do que o de autismo estritamente definido,com uma prevalência de, talvez, até uma em 200crianças de idade escolar (Lewis, Melvin, 1995).

A maioria dos pesquisadores, portanto, concluique o número de 4 casos por 10 mil indivíduos trata-se de casos considerados como autismo genuíno.Aproximadamente metade deste grupo é típico dadescrição original de Kanner, na qual alienação sociale rotinas repetitivas elaboradas eram os sintomaspredominantes (APA, 1995; Garfinkel et al., 1992;Gauderer, 1992; Kaplan e Sadock, 1993; Lewis,Melvin, 1995; Schwartzman, 1994).

Quanto à distribuição por sexo, o autismo é muitomais comum em meninos do que em meninas, sendotipicamente relatadas razões de 4:1 ou 5:1. No entanto,quando as meninas são afetadas, isto ocorre com maiorgravidade. As comparações de várias amostras sugeremque a maioria dos indivíduos autistas funciona dentroda faixa de retardo mental (APA, 1995; Kaplan e Sadock,1993; Lewis, Melvin, 1995; OMS, 1993).

Concordando, Garfinkel e colaboradores (1992)relatam que os meninos superam as meninas em todosos estudos de autismo, mas a proporção tem variadode 1,5 a 4,8 meninos para cada menina. Há algumaevidência de que a super-representação de meninosé mais marcada na presença de QI mais elevado e desintomas autísticos mais clássicos. A menor proporçãopor sexo, no grupo profundamente retardado,

significa que meninas com autismo têm danoscerebral mais severos do que meninos autistas.

Estudos anteriores indicavam que a freqüência doautismo seria maior em crianças da classe média, maspesquisas mais recentes não mostraram variaçãosignificativa relacionada à classe social, sendo possívelque o achado anterior estivesse refletindo as distorçõesda procura de atendimento ou das práticas diagnósticas.

A sugestão de uma associação de autismo comclasse social elevada foi feita, inicialmente, por Kanner(1943). Atualmente, porém, está claro que a condiçãoé observada em famílias de todos os níveis deeducação e que vários fatores podem levar a um víciona determinação dos casos, podendo ser responsáveispela impressão inicial de um distribuição incomumpor classes sociais (Lewis, Melvin, 1995).

QUADRO CLÍNICOAs anormalidades costumam se tornar aparentes

antes da idade de três anos. Verificam-secomprometimentos qualitativos na interação socialrecíproca, que tomam a forma de uma apreciaçãoinadequada de indicadores sócio-emocionais. Faltade respostas para as emoções de outras pessoas, faltade modulação do comportamento, uso insatisfatóriode sinais sociais e uma fraca integração doscomportamentos sociais, emocionais e decomunicação são encontrados. Como exemplo,poderíamos citar os bebês autistas que não estendemos braços para serem levantados pelos pais, ou seja,uma ausência de atitudes antecipatórias. Este é o sinalmais marcante e mais amplamente descrito. Em suaprimeira descrição, Kanner (1943) já havia descritoeste sintoma do autismo primário e fazia dele umdos sinais mais precoces do seu diagnóstico.

De acordo com a CID-10 (OMS, 1993), o autismoé também caracterizado por padrões decomportamento, atividades e interesses restritos,repetitivos e estereotipados. Especialmente naprimeira infância, há uma tendência de vinculação aobjetos incomuns, tipicamente rígidos. A criançatende a insistir na realização de rotinas particulares erituais de caráter não-funcionais. Verificam-se, emalguns casos, interesses tais como: datas, itinerários eestereotipias motoras.

Além desses aspectos diagnósticos específicos,a criança autista freqüentemente demonstra uma sériede outros problemas não específicos, como medos,fobias, alterações do sono e da alimentação e ataquesde birra e agressão. Na ocorrência de retardo mentalgrave associado, é bastante comum a auto-agressão.

Prejuízos na comunicação e linguagem sãofreqüentes e, em geral, severos (Rutter, 1967). Osautistas apresentam, especificamente, déficit emquatro áreas: pobreza de jogos imaginativos, nãoutilização e compreensão dos gestos; não utilização

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3º Milênio

da linguagem com objetivo de comunicação social epresença de respostas estereotipadas ou de ecolalia.

Outros sintomas também são comuns.O DSM IV(APA, 1995) refere uma hiper ou hiporreação aestímulos sensoriais, como luz, dor ou som. É comuma não identificação de perigos reais como veículosem movimento ou grandes alturas.

EXEMPLOS CLÍNICOSAlgumas situações clínicas podem auxiliar na

descrição da sintomatologia encontrada nestascrianças autistas. Ricardo é um menino de 14 anos,filho mais novo de uma prole de três. Sua aparência éde uma criança menor, não correspondendo à suaidade, e muito magro. Logo que nasceu, dormiapouco e chorava muito. Apresentou atraso no seudesenvolvimento psicomotor.

Quanto à linguagem, ainda não a adquiriu,apenas produzindo balbucio e estalos com a língua,sem a intenção aparente de comunicação.Seguidamente, usa uma garrafa plástica para baterno chão ou na mesa, sendo que, na maioria das vezes,aproxima seu ouvido, como se o seu interesse fossena vibração sonora produzida, e não no uso funcionalda garrafa. Tinha muita dificuldade em afastar-se damãe, embora não aceitasse nenhum tipo de contatofísico. Ricardo não realiza qualquer contatointerpessoal, raramente conseguindo fixar o olhar,sendo este vago e distante.

Além disso, apresenta estrabismo. Nunca sealimentou sozinho e nem adquiriu controleesfincteriano. Apresenta maneirismos, movimentosde balanceio com a cabeça e com o corpo, além derepetidos movimentos com as mãos. Às vezes, suasauto-agressões são intensas: morde os lábios, ospunhos e as mãos e bate a cabeça. Observa-se, nestecaso, conduta negativista e isolacionista, bem comorisos e choros imotivados.

Uma história como a de Ricardo, com algumasvariações, ilustra alguns dos diversos sintomas gravesdo autismo - tais como:

1. Isolamento AutísticoAs crianças autistas apresentam, desde seus

primeiros anos de vida, uma incapacidade acentuada dedesenvolver relações pessoais, sendo esta já observadacom a figura materna. Na primeira infância, observa-se aausência de uma atitude de antecipação, permanecendocom conduta rígida. Por exemplo, ao ser pego pela mãe,não volta a cabeça para ela e nem estende os braços.

Ajuriaguerra e Marcelli (1991) salientam que osprincipais marcos do despertar psicomotor do primeiroano de vida estão modificados: ausência de sorrisosocial (terceiro mês) e ausência de reação de angústiadiante do estranho (oitavo mês). A criança pode serindiferente aos outros, ignorando-os e não reagindo àafeição e ao contato físico. Mais ainda, as criançasautistas podem não procurar ser acariciadas e não

esperar ser reconfortadas pelos pais, quando têm dorou quando têm medo. Às vezes, elas se interessam poruma parte do outro, sua mão ou um detalhe dovestuário.

Em algumas crianças, ocorre uma falta de contatovisual (o bebê não olha para a mãe, nem mesmo ao seramamentado; não explora visualmente os objetos;prefere colocar na boca ou cheirar); entretanto, outrasmantêm um contato visual que tem uma característicadiferente, causando, muitas vezes, a impressão de queo olhar atravessa a outra pessoa. Ao descrever asanomalias do olhar, Mazet e Stoleru (1990) citamausência do acompanhamento ocular, evitamento doolhar de outros; olhar periférico e estrabismo.

Essas crianças demonstram uma inaptidão parabrincar em grupo ou para desenvolver laços deamizade. Normalmente, não participam de jogoscooperativos, mostrando pouca emoção, poucasimpatia ou pouca empatia por outros. Na medida emque crescem, pode-se desenvolver uma maior ligação,mas as relações sociais permanecem superficiais eimaturas. Podem seguir por tempo indeterminado,assim como serem interrompidas momentaneamente,sem uma lógica aparente. Sabe-se que, quanto maiores,essas crianças apresentam melhoras nas relaçõesinterpessoais, mas não se sabe ao certo se é algoaprendido ou espontâneo dentro do desenvolvimento.

2 – Condutas motorasGrande parte dos pacientes autistas tem uma

motricidade perturbada pela manifestação intermiten-te ou contínua de movimentos repetitivos e comple-xos (estereotipias). Os mais típicos envolvem as mãose os braços, mexendo-os frente aos olhos ou batendopalmas no mesmo ritmo, independente do momentoou espaço em que se encontram. Balanceio do troncoe o corpo inteiro, além de bater a cabeça repetidamen-te, também são condutas observadas. Geralmente,andam sobre as pontas dos pés. O farejamento é tidocomo uma conduta particular, na qual a criança cheiraos objetos, as pessoas, os alimentos dos quais se apro-xima ou toca. Quanto ao aspecto da instabilidade,geralmente observa-se um perpétuo estado de agita-ção, no qual a criança sobe nas mesas e outros móveissem temor ou noção de risco, assim como, em outroscasos, pode se notar uma inibição motora, às vezesacompanhada de uma inabilidade gestual, comporta-mentos automutiladores, como arrancar os cabelos,bater-se ou morder-se, são freqüentes, e está relacio-nado a uma maior gravidade dos casos.

3 – Linguagem e habilidades pré-verbais

As habilidades pré-linguísticas estão prejudicadasna criança autista: não apresentam a imitação socialtão importante para o desenvolvimento dalinguagem, que se manifesta na reprodução de gestoscomo dar “tchau”, jogar beijinhos, não imitar os paisnos afazeres domésticos; não usam os brinquedos

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

em atividades de faz-de-conta com conteúdosimbólico; utilizam o brinquedo em atividadesrepetitivas sem ligação com o objeto; não apresentammímica e gestos para se comunicar.

Cerca da metade dos autistas nunca falam, eemitem poucos sons ou resmungos. Quando alinguagem se desenvolve, não tem tanto valor decomunicação e geralmente se caracteriza por umaecolalia imediata e/ou retardada, repetição de frasesestereotipadas, inversão pronominal (utilização dopronome “ele” quando a significação é “eu”) ou,ainda, uma afasia nominal. Notam-se da mesma formaanomalias na melodia, que tem um aspecto cantado.Algumas dessas crianças conseguem reterperfeitamente as palavras de uma canção sem outralinguagem além disso, sendo freqüente o cantarolar.Aparecem também estereótipos verbais, neologismosbizarros e um verbalismo solitário. Em outros casosmais raros, a linguagem parece estar superinvestida:a criança dá mostras de um extremo domínio verbal,aprende páginas do dicionário, até línguasestrangeiras, mas tais casos são raros e maiscaracterísticos da Síndrome de Asperger.

Em todos os casos, o elemento significativocontinua sendo que a linguagem não tem umaverdadeira função de comunicação com o outro ou,pelo menos, que o prazer não reside nestacomunicação.

Um aspecto é característico: quando querematingir um objeto, os autistas pegam a mão ou opunho de um adulto. Mas, raramente, eles o apontame acompanham seu pedido de um gesto simbólicoou de uma mímica.

4 – Distúrbios das funções intelectuaisUm déficit intelectual é uma constatação

freqüente, senão constante. A profundidade destedéficit é variável, assim como sua evolução, segundoAjuriaguerra (1991). Se o Q.I. for inferior a 70, pior oprognóstico, o que significa que é pouco provávelque aprendam a falar, ou que trabalhem. O aspectosocial também fica mais prejudicado, assim comoaumentam as tendências automutilatórias e asestereotipias motoras. Nesses pacientes, são maisfreqüentes as crises de epilepsia (Bartak e Rutter,1976.apud Leboyer, 1987).

5 – Alterações afetivasO humor dos autistas é imprevisível e pode se

alterar de um instante para outro, passando do risoincontrolável, e aparentemente sem razão, aos chorosinexplicáveis. As emoções entram, freqüentemente,em contradição com a situação (Leboyer, 1987). Porexemplo, uma criança ri numa situação de estresseou tensão. Além do mais, se a criança autista adquireuma certa forma de linguagem, ela continua incapaz,não somente de exprimir seu afeto, mas também deperceber a emoção ou os sentimentos dos outros.

Crises de cólera, intolerância às frustrações eautomutilações são reações freqüentes. A angústia émassiva, acarretando uma ruptura na continuidadepsíquica da criança, que provavelmente experimenta,então, uma vivência de rompimento ou deaniquilação.

6 - Distúrbios psicossomáticosOs distúrbios do sono são muito comuns e de

dois tipos. Na insônia calma, o bebê mantém os olhosabertos no escuro, sem dormir, sem reclamar apresença da mãe. Na insônia agitada, a criança grita,agita-se, clama sem poder ser acalmada durantehoras, todas as noites.

Os distúrbios alimentares precoces também sãofreqüentes. Podem acontecer falta de sucção,anorexia, recusa da mamadeira ou do seio, vômitosrepetidos. Tanto os distúrbios do sono como os dealimentação aparecem desde de o primeiro semestre.

Os distúrbios esfincterianos (enurese, encoprese)podem ser primários ou secundários, permanentesou intermitentes, ritmados pelos momentosevolutivos, pelas fases de ansiedade e pelasseparações. É habitual o atraso na aquisição do asseio,mas se observa, por vezes, inversamente, um asseioadquirido muito precocemente.

O caso de Fábio pode ser usado como exemplo.Ele é um jovem de 16 anos, filho caçula de uma prolede três. Seu desenvolvimento foi aparentementenormal até os dois anos de idade. Não gostava de serpego no colo, ficando deitado em sua cama,tranqüilamente, durante horas. Caminhou e falou suasprimeiras palavras com um ano de idade. Seu controleesfincteriano se deu com dois anos, porém, negava-se a usar o vaso sanitário, alegando que tinha bichosno mesmo. Aos dois anos, também começou afreqüentar a escola maternal, quando apresentou umaconduta de isolamento e choro intenso. Nessa época,parou de falar totalmente, apenas gritava. Nãoconseguia interagir com os colegas e, quando estesse aproximavam dele, apresentava agitaçãopsicomotora. Nos passeios com a família, apenasobservava as pessoas, sem aceitar nenhum tipo decontato. Costumava ficar segurando um carrinho ou,então, um arame, o qual ficava balançando em frenteaos olhos. Fez tratamento fonoaudiológico,apresentando alguma evolução. Sua fala éestereotipada, repetitiva, com dificuldades dearticulação e um tom monótono e infantil. Não utilizaos pronomes pessoais “eu/tu”, referindo-se a sipróprio de maneira peculiar: “Fábio vai comer abolacha”. Apresenta movimentos repetidos com osdedos das mãos. Atualmente, quando busca contatocom as outras pessoas, é sempre da mesma forma,fazendo sempre as mesmas perguntas. Mostra-sepreocupado com a limpeza e a organização de seusobjetos pessoais. Apresenta ótima memória,relembrando pessoas e fatos de seu passado. Temchoros e risos imotivados. É independente dos pais

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3º Milênio

para as tarefas simples: acorda sozinho, come sozinho,toma banho e veste-se sem ajuda.

A história de Fábio ilustra importantes sinaispresentes nos quadros de autismo infantil. De início,podemos destacar o fato de não gostar de ser pegono colo, isolamento na escola e evitação ao contatocom outros. Estas características traduzem aincapacidade da criança autista de estabelecer umsistema adequado de comunicação com o seu meio,apresentando o chamado “isolamento autístico”.Inversamente à história de Ricardo, Fábio é um rapazque consegue manter contato visual e procura aspessoas, convidando-as para “brincar de esconder”.Quanto à comunicação, Fábio apresenta ecolalia,inversão pronominal repetição de frasesestereotipadas, bem como uma modulaçãopatológica da linguagem no que se refere ao ritmo eà entonação. Outro sintoma clássico do autismo é ocomportamento fixado, estereotipado e repetido.Fábio apenas tinha um carrinho com o qual nãobrincava, somente necessitando ficar com o mesmojunto de si. Também era exageradamente apegado aum arame, parecendo ter uma fascinação pormovimentos giratórios, sintoma que faz parte de umgrupo de respostas perturbadas aos estímulossensoriais. Fábio entrava em pânico se lhe era retiradoo arame, querendo guardar o tempo todo consigo.Contudo, não ficava claro qual o valor simbólico desseobjeto, se é que possuía algum. Também costumavase aproximar das pessoas fazendo sempre as mesmasperguntas. Sabemos que os autistas têm a tendênciaa fazer perguntas de forma estereotipada,concernentes às datas históricas, às estradas, aoshorários ou aos nomes, pelas quais esperam umaresposta sempre idêntica. De fato, alguns dão provasde uma memória notável, que é o caso de Fábio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Em conclusão, se considerarmos as descrições

clínicas do autismo tais quais elas existem atualmen-te, sobressai essencialmente uma grandeheterogeneidade devida à diferenças individuais ouna evolução dos sintomas no tempo: tal sinal vai de-saparecer ou se atenuar paralelamente ao desenvol-vimento da criança. Um autista não apresenta exata-mente o mesmo quadro que outro. No entanto, atríade parece ser comum a maior parte destes paci-entes - comprometimentos qualitativos na interaçãosocial, linguagem e comportamento imaginativo.

Endereço para CorrespondênciaRua Mostardeiro 123/401, Bairro Moinhos do

Vento, Cep: 90430-001, Porto Alegre - RS.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

descritas por Gilberg (1989, 1990), Blomquist(1985), Rutter (1981), Gilberg e Wahlstrom (1975),Riiko nen (1981), Finegan(1979), Deykin (1980),Kerbeshian(1990), Bolton(1990), Ritvo(1990), bemcomo no clássico livro de Coleman (1976), que de-vem obrigatoriamente ser consideradas quando nosdispomos a estudar esse campo extremamente com-plexo. Uma tentativa de simplificação e deesquematização dessa idéia pode ser observada noalgoritmo seguinte (Assumpção 1992).

Temos hoje então, descritos uma série deproblemas, de ordem genética que parecem estarenvolvidos no autismo infantil, embora não tenhamosainda condições de estabelecer uma relação causaldireta entre eles quer pela raridade de cada um dosquadros, quer pela dificuldade que temos em estudarum grande número dessas patologias.

Consideramos assim que, devido a essasdificuldades, torna-se bastante importante a descriçãode casos que, mesmo isoladamente, podem seconstituir em subsídios para diferentes autoresestabelecerem as relações necessárias.

O Autismo é hoje considerado como umasíndrome comportamental com etiologias múltiplasem conseqüência de um distúrbio de desenvolvimento(Gillberg, 1990). Caracteriza-se por um déficit nainteração social visualizado pela inabilidade emrelacionar-se com o outro, usualmente combinado comdéficits de linguagem e alterações de comportamento.

Ao DSM-IV (1996) é relatado como um quadroiniciado antes dos três anos de idade, com prevalênciade quatro a cinco crianças em cada 10.000, compredomínio maior em indivíduos do sexo masculino(3:1 ou 4:1) e decorrente de uma vasta gama decondições pré, peri e pós-natais.

Para seu diagnóstico, pelo DSM - IV (1996) sãonecessários:

A. Um total de seis (ou mais) itens de (1), (2) e (3),com pelo menos dois de (1), um de (2) e um de (3):

(1) prejuízo qualitativo na interação social, manifestadopor pelo menos dois dos seguintes aspectos:

(a) prejuízo acentuado no uso de múltiploscomportamentos não-verbais, tais como contatovisual direto, expressão facial, postura corporal egestos para regular a interação social.

(b) fracasso em desenvolver relacionamentos com seuspares apropriados ao nível de desenvolvimento.

(c) falta de tentativa espontânea de compartilharprazer, interesses ou realizações com outraspessoas ( por ex.: não mostrar, trazer ou apontarobjetos de interesse).

(d) falta de reciprocidade social ou emocional.

(2) prejuízos qualitativos na comunicação,manifestados por pelo um dos seguintes aspectos:

(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento dalinguagem falada (não acompanhado por umatentativa de compensar através de modosalternativos de comunicação, tais como gestosou mímica).

CAPÍTULO II

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DOSTRANSTORNOS ABRANGENTES DEDESENVOLVIMENTO

Francisco B. Assumpção Jr

CONCEITO

Em 1943, Kanner descreveu sob o nome“Disturbios Autísticos do Contacto Afetivo”umquadro caracterizado por isolamento extremo,obsessividade, estereotipias e ecolalia.

Este conjunto de sinais foi por ele visualizadocomo uma doença específica relacionada afenômenos da linha esquizofrênica.

Em trabalho de 1954 continua descrevendo oquadro como uma “psicose”referindo que todos osexames clínicos e laboratoriais foram incapazes defornecerem dados consistentes no que se relacionavaa sua etiologia, diferenciando-o dos quadros deficitáriossensoriais como a afasia congênita e dos quadrosligados às oligofrenias, novamente considerando-oüma verdadeira psicose”(Kanner, 1954).

As primeiras alterações dessa concepção surgema partir de Ritvo (1976) que relaciona o autismo a umdéficit cognitivo, considerando-o, não uma psicose,e sim um distúrbio do desenvolvimento, opondo-sefrontalmente a visão trazida por Ajuriaguerra (1973)em seu clássico tratado. Dessa maneira, a relaçãoAutismo - Deficiência Mental passa a ser cada vezmais considerada levando-nos a uma situação disparentre as classificações francesa, americana e daOrganização Mundial de Saúde.

Assim, pela penetração e abrangência dosconceitos, somos obrigados a nos remeter ao autismoa partir de sua constelação comportamental para quepossa ser explorado minuciosamente e para queconexões causais possam ser estabelecidas dentro daspossibilidades atuais.

Gillberg (1990) refere que “é altamenteimprovável que existam casos de autismo nãoorgânico” frisando que “ o autismo é uma disfunçãoorgânica - e não um problema dos pais - isso não ématéria para discussão. O novo modo de ver o autismoé biológico.”

Considerando-se assim o autismo como umasíndrome comportamental definida, com etiologiasorgânicas também definidas é que temos que pensaras possibilidades de uma constelação etiológicacomplexa envolvida nos quadros em questão.

Pensando dessa maneira é que muitos quadros de base neurológica e/ou genética foramdescritos concomitantemente com a sintomatologiaautistica. Temos então uma série de patologias ge-néticas diferentes associadas ao autismo e

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17

3º Milênio

(2) Ausência ou busca de conforto anormal porocasião de sofrimento.

(3) Irritação ausente ou comprometida.(4) Jogo social anormal ou ausente.(5) Incapacidade nítida para fazer amizade com seus

pares.B.Incapacidade qualitativa na comunicação verbal e

não-verbal e na atividade imaginativa,manifestada pelo seguinte:

(1) Ausência de modo de comunicação comobalbucio comunicativo, expressão facial, gestos,mímica ou linguagem falada.

(2) Comunicação não-verbal acentuadamenteanormal, como no olhar fixo olho-no-olho,expressão facial, postura corporal ou gestos parainiciar ou modular a interação social.

(3) Ausência de atividade imaginativa comorepresentação de papéis de adultos, personagensde fantasia ou animais, falta de interesse emhistórias sobre acontecimentos imaginários.

(4) Anormalidades marcantes na produção dodiscurso, incluindo volume, entonação, estresse,ritmo, velocidade e modulação.

(5) Anormalidades marcantes na forma ou conteúdodo discurso abrangendo o uso estereotipado erepetitivo da fala; uso do “você” quando o “eu” épretendido; com freqüentes apartes irrelevantes.

(6) Incapacidade marcante na habilidade para iniciarou sustentar uma conversação com os outros,apesar da fala adequada.

C. Repertório de atividades e interesses acentuadamenterestritos, manifestado pelo que se segue:

(1) Movimentos corporais estereotipados como porexemplo, pancadinhas com as mãos ou rotação,movimentos de torção, batimentos da cabeça,movimentos complexos de todo o corpo.

(2) Insistente preocupação com parte de objetos ouvinculação com objetos inusitados.

(3) Sofrimento acentuado com mudanças triviais noaspecto do ambiente, por exemplo quando umvaso é retirado de sua posição usual.

(4) Insistência sem motivo em seguir rotinas comdetalhes precisos, por exemplo a obstinação deseguir exatamente sempre o mesmo caminhopara as compras.

(5) Âmbito de interesses marcadamente restritos epreocupação com um interesse limitado, porexemplo interessado somente em enfileirarobjetos, em acumular fatos sobre meteorologiaou em fingir ser um personagem de fantasia.

D. Início na primeira infância ou infância.

Especificar se o início se deu na primeirainfância ( após os 36 meses de vida).

Entretanto, diversos autores, entre os quaisWing (1988), apresentam noção de autismo comoum aspecto sintomatológico, dependente docomprometimento cognitivo.

Essa abordagem reforça a tendência de trataro autismo não mais como uma entidade única, mas

(b) em indivíduos com fala adequada, acentuadoprejuízo na capacidade de iniciar ou manter umaconversação.

(c) uso estereotipado e repetitivo da linguagem oulinguagem idiossincrática.

(d) falta de jogos ou brincadeiras de imitação socialvariados e espontâneos, apropriados ao nível dedesenvolvimento.

(3) padrões restritos e repetitivos de comportamento,interesses e atividades, manifestados por pelomenos um dos seguintes aspectos:

(a) preocupação insistente com um ou mais padrõesestereotipados e restritos de interesse, anormaisem intensidade ou foco.

(b) adesão aparentemente inflexível a rotinas ou rituaisespecíficos e não-funcionais.

(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos(por ex.: agitar ou torcer mãos ou dedos, oumovimentos complexos de todo o corpo).

(d) preocupação persistente com partes de objetos.

B. Atrasos ou funcionamento anormal em pelo menosuma das seguintes áreas, com início antes dos 3anos de idade: (1)interação social (2) linguagempara fins de comunicação social, ou (3) jogosimaginativos ou simbólicos.

C. A perturbação não é melhor explicada portranstorno de Rett ou transtorno. Desintegrativoda infância.

Pelo CID-1O (1993) encontramos o conceito deTranstornos globais do desenvolvimento descrito como:

“Grupo de transtornos caracterizados poralterações qualitativas das interações qualitativas dasinerações sociais recíprocas e modalidades decomunicação e por um repertório de interesses eatividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estasanomalias qualitativas constituem uma característicaglobal do funcionamento do sujeito, em todas asocasiões.

Autismo Infantil-Transtorno global do desenvol-vimento caracterizado por: a) um desenvolvimentoanormal ou alterado, manifestado antes da idade detrês anos; b) apresentando uma perturbação caracte-rística do funcionamento em cada um dos três domí-nios seguintes: interações sociais, comunicação, com-portamento focalizado e repetitivo. Além disso, o trans-torno se acompanha comumente de numerosas ou-tras manifestações inespecíficas, por exemplo fobias,perturbações do sono ou da alimentação, crises debirra ou agressividade (auto-agressividade). “

Anteriormente pelo DSM-IIIR (1989) paradiagnosticar-se autismo necessitave-se ao menos 8dos 16 ítens seguintes, incluindo-se pelo menos (2)ítens do grupo A, (1) do B, e (1) do C.

A. Incapacidade qualitativa na integração socialrecíproca manifestada pelo seguinte:

(1) Acentuada falta de alerta da existência ousentimentos dos outros.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

sim como um grupo de doenças, embora tragaimplícita também a noção de autismo relacionadaprimariamente a déficits cognitivos.

Esse “continuum” pode ser visualizado noquadro seguinte:

engloba um grande número de patologias diferentes,

bem como uma concepção teórica de grande

influência, neste pensar.

DIAGNÓSTICOVários, são hoje, os quadros que podem ser en-

globados na categoria de Distúrbios Abrangentes doDesenvolvimento, quadros esses que devem ser bemdelimitados em função das dificuldades existentesno estabelecimento desse diagnóstico uma vez queas diferenças entre eles e com outros quadros aindanão estão devidamente mapeadas apresentandolimties imprecisos (Corbett, 1987).

Termos então as seguintes sub categorias a seremconsideradas:

Síndrome de Asperger, descrita primáriamente porAsperger em 1944 sob a designação de PsicopatiaAutística, corresponde a um quadro caracterizado pordéficit na sociabilidade, interesses circunscritos, défi-cit na linguagem e na comunicação (Bowman, 1988;Szatamari. 1991). Sua relação com o autismo pareceimportante com a possibiolidade de ser consideradocomo um autismo de alto nível dentro do espectroautístico proposto por Wing (1988).

Pode ser feito seu diagnóstico diferencial a partirdo proposto por Bowman (1988):

Englobam, dentro da Classificação Francesa deDoenças Mentais na Infância e na Adolescência(Misès, 1988) as chamadas Desarmonias de Evoluçãoque se referem a crianças atípicas que dão a impressão

ITEM

INTERAÇÃO

SOCIAL

COMUNICA-

ÇÃO SOCIAL

(verbal e não

verbal)

IMAGINAÇÃO

SOCIAL

PADRÕESREPETITIVOS

LINGUAGEM

RESPOSTASA ESTÍMULOSSENSORIAIS(sensibilidade a

sons, cheiro,

gosto, indiferença

a dor)

MOVIMENTOS

CONDUTAS

ESPECIAIS

Visto mais

frequen-

temente em

DMs mais

comprome-

tidos.

1. Indiferente.

1. Ausente.

1.Sem

imaginação.

1. Simples

(auto-

agressão) ao

corpo.

1. Ausente.

1. Muito

marcada.

1.Muito

marcados.

1. Ausentes.

2. Aproxima-

ção somente

para

necessidades

físicas.

2.Somente

necessidades.

2.Copia

mecanicamente

o outro.

2.Simples

(dirigido ao

objeto) girar

do objeto.

2.Limitada

(ecolalia).

2.Marcada.

2.Presente.

2.Um padrão

melhor que

os outros,

mas abaixo da

IC.

3. Aceita

passiva-

mente a

aproxima-

ção.

3. Responde à

aproximação.

3. Usa bonecos

e brinquedos

corretamente,

mas repetitivo,

limitado, não

criativo.

3. Rotinas

complexas,

manipulação

de objetos e

movimentos

(rituais e

ligações com

objetos).

3.Uso

incorreto de

pronomes,

preposições,

uso

indiossincrático

de frases.

3.Ocasional.

3. Ocasionais.

3. Um padrão

na sua idade

cronológica,

outros abaixo.

Visto mais

frequen-

temente em

DMs menos

comprometi-

dos.

4.Aproxima-

ção de modo

bizarro.

4.Comunicação

espontânea,

repetitiva.

4. Atos fora da

situação mais

repetitivos,

usando o

outro mecani-

camente.

4. Verbal

abstrato

(questões

repetitivas).

4.Interpretações

literais, frase

gramaticais

repetitivas.

4.Mínima ou

ausente.

4. Mínimos ou

ausentes.

4. Um padrão

de habilidade

acima da IC.

Diferente das

outras

habilidades.

Tabela 1: O continuum autístico Wing, (1988).

CritériosDiagnósticos

IDADE

FALA

(Déficit)

(Alterações)

DESENVOLVI-

MENTO

SOCIAL

PADRÕES

DE JÔGO

AUTISMO(Rutter, 1978)

Abaixo de 30meses, visto peladiminuição doscomportamentos

de ligação,movimentos

esteretipados epostura.

Comprometimentodo balbucio.

Déficit delinguagem.

Inversãopronominal.

Ecolaliaretardada.Linguagem

estereotipada eexcênctrica.

Falha nareciprocidade eresposta social.Poucos jogoscooperativos.

Jogos poucoimaginativos.Preocupações

não usuais.rotinas rígidas.

ASPERGER(1994)

Nãoreconhecido

antes doterceiro ano de

vida.

Faladesenvolvida naidade normal.

Inversãopronominal.Linguagempedante,

repetitiva eestereotipada.

Falha ementender regrasque controlam

a condutasocial.

Temasrepetitivos,

preocupaçõesintensas. Podemser originais e

criativos.

L. WING(1981)

Falhas nointerêsse

em secomunicarpor gestos

expressões emovimentos.

Balbucio efala podem

atrasar.

Similar aodescrito por

Asperger.

Similar aodescrito por

Asperger.

Habilidadesespeciais para

memória.Interêsses

específicos.Dessa maneira, torna-se de extrema dificuldade a

construção do fenômeno autismo, uma vez que,

conforme dissemos até o presente, o fenômeno

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19

3º Milênio

de desarmonia, principalmente no relacionadocom a linguagem, na qual a pobreza sintáticaconbtrasta com a preciosidade de vocabulário(Lebovici, 1991), podendo ser observadasdificuldades na utilização da primeira pessoapronominal, fato esse em função de distúrbio naconstrução da própria identidade, vendo-se sinaisb izarros como at iv idade r i tua l í s t ica eestereotipias .

Transtornos Desintegrativos, chamadosanteriormente de Psicoses Desintegraticvvas(Ajuriaguerra, 1977), correspondem a quadrosem que existe um desenvolvimento normal, oupróximo ao normal, nos primeiros anos de vida,seguido por baixa nos padrões sociais e delinguagem, conjuntamente com alterações nasemoções e no relacionamento (Corbett, 1987).Habitualmente essa diminuição na sociabilidadee da linguagem duram pequeno período sendoposter iormente acompanhadas pe loaparecimento de hiperatividade e estereotipiascom comprometimento intelectual em muitoscasos, comprometimento esse não obrigatório.Incluem as antigas demências de Heller. Essascondições aparecem, muitas vezes, seguidas aquadros encefalíticos de tipo sarampo, ou naausência de quadros detectáveis que atinjamSNC, não podendo ser consideradas entretanto,como meros déficits intelectuais uma vez quemostram quadro muito mais florido. Coleman(1976) refere quadros símiles a partir de infecçõesvirais como herpes, citomegalovirus, rubeola esarampo bem como a quadros de metabolismopurínico, de cálcio e de magnésio.

Síndrome de Rett pode ser reconhecida,quando típica, entre 6 e 18 meses de idadeapresentando quadro clínico caracterizado porbaixos padrões comunicacionais, uso das mãose movimentos estereotipados em período dedesenvolvimento normal. Gradativamenteobserva-se desaceleração do crescimentocefálico, anomalias de marcha (ataxia/apraxia)convulsões, padrões respiratórios irregulares eescoliose. Acomete indivíduos do sexo feminino(Olson, 1987; Perrot-Beaugerie, 1990; Percy;1990) sendo ligada ao cromossoma X. Emboratraços autísticos sejam presentes, constitui-se emquadro bem diverso no que se refere ao próprioquadro clínico bem como ao prognóstico etratamento.

Apresenta enquantoCritérios Obrigatórios: (1) período pré e peri

nata l aparentemente normal , (2)

desenvolvimento neuropsicomotor aparente-mente normal nos 6 primeiros meses de vida, (3)perímetro cefálico normal ao nascimento, (4)desaceleração do crescimento cefálico entre 5meses e 4 anos de idade, (5) déficit severo dodesenvolvimento da linguagem expressiva ereceptiva, acompanhado de grave retardopsicomotor (6) movimentos estereotipados demãos, (7) aparecimento de apraxia ao andar entreas idades de 1 e 4 anos (8) tentativa diagnósticaentre 2 e 5 anos.

Cr i tér ios de Suporte : (1) D is funçãorespiratória, (2) anormalidades ao EEG, (3)convulsões, (4) espasticidade, (5) distúrbiosvasomotores periféricos, (6) escoliose, (7) retardono crescimento.

Critérios de Exclusão: (1) evidência de retardono crescimento intrauterino, (2) organomegaliaou outros sinais de doenças de depósito, (3)retinopatia ou atrofia ótica, (4) microcefalia aonascimento.

Endereço para CorrespondênciaRua Otonis 697 Vila Mariana, Cep: 04025-

002, São Paulo - SP.

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3º Milênio

CAPITULO III

ASPECTOS NEUROLÓGICOS DOAUTISMO INFANTIL

Rodrigo Carneiro de Campos

INTRUDUÇÃOUma síndrome caracterizada por deficiência em

se comunicar, comportamento repetitivo, tendênciaa isolamento e manipular pequenos objetos foi des-crita por Kanner em 1943. A partir de então muitotem sido escrito sobre autismo, porém a definiçãoem termos neurológicos ainda não está completa-mente estabelecida permanecendo como transtornoinvasivo do desenvolvimento(TID) associado à fenô-menos comportamentais com uma grande diversi-dade de fatores etiológicos genéticos, biológicos eambientais.

Os critérios clínicos para diagnóstico estão noDSM- IV(Diagnostic and Statistical Manual of MentalDisorders) da Associação Americana de Psiquiatria efazem parte deste grupo além do autismo que é oprotótipo destas doenças, outras quatro categoriasentre elas as síndromes de Rett e de Asperger.

A prevalência de autismo é aproximadamente de1:2000 e quando associado à síndrome de Aspenger aprevalência praticamente dobra, com predomínio nosexo masculino na proporção de 3 a 4:1.

Na tentativa de se estabelecer uma baseneurológica para o autismo infantil várias condiçõestem sido relacionadas, entre elas podemos citarsofrimento fetal, infecções viróticas, infecçõescongênitas, imunizações, alterações hereditárias taiscomo esclerose tuberosa e espasmos infantis comoveremos a seguir.

Do ponto de vista clínico, os sinais aparecemantes dos três anos, sendo que a maioria apresentaalterações sutis desde os primeiros mesesralacionados com choro e movimentaçãodiminuída, aversão ao contato quando écarregado, vontade e contentamento em ficarsozinho.

Se os sinais aparecem após o segundo ano devida, o que é menos comum, a concomitância desintomas objetivos tais como convulsões,macrocrania e exame neurológico alterado é maisfreqüente.

Nestes casos algumas patologias ou condiçõesque podem falsiar o diagnóstico de autismo. De-vemos portanto excluir desordens específicas nodesenvolvimento da linguagem, retardo mental,afasia adquirida (síndrome de Landau -Kleffner),síndrome do X-frágil, baixa acuidade auditiva evisual, além de alguns erros inatos de metabolis-mo como por exemplo a fenilcetonúria.

No geral a reposta as várias modalidades deestímulos sensoriais è pobre e pouco usual. Ashabilidades no convívio social e na linguagem estãobem reduzidas, além da presença de vários tipos demovimentos estereotipados.

O desenvolvimento motor normalmente seprocessa dentro das etapas previstas, porém a criançaé mais quieta e desinteressada em explorar o ambienteao seu redor, bem como fixar o olhar e acompanharas pessoas. Há extrema ansiedade com situaçõesnovas ou mudanças de ambiente.

As alterações neurológicas no autismo sugeremdisfunções no córtex associativo.

ASPECTOS ETIOLÓGICOSComo já foi mencionado, vários fatores tem sido

implicados na gênese e aparecimento do autismoinfantil (AI).

Dentre as causas ambientais, as que provocamsofrimento fetal agudo ou crônico são os que têmsido mais relacionados.

A participação de fatores genéticos já possui basesbastante sólidos devido à alta taxa de prevalência deautismo em gêmeos monozigóticos, a prevalênciano sexo masculino e a presença de fatoresrelacionados ao autismo em patologiasgeneticamente definidas.

Alguns estudos relacionam aspectosimunológicos tais como a presença de auto-anticorpos e disfunção do sistema imunológico.

As infecções congênitas principalmente arubéola e doença de inclusão citomegálica ,ealgumas infecções viróticas pòs-natais têm sidorelacionados com o autismo.

NEUROPATOLOGIAEstudos anátomo-patológicos evidenciaram

alterações microscópicas na organização eproliferação celular localizadas nos circuitos dosistema límbico, cerebelar, hipocampo, lobo temporale lobo frontal. Foram vistos redução no tamanho dascélulas neuronais do complexo hipocampal, amigdalae corpo mamilar, além de alterações da árvoredendrìtica do hipocampo. Estas anormalidades sãoencontradas em menor número nos pacientes comsíndrome de Aspenger.

O cerebelo pode apresentar hipoplasia globalou seletiva do vermis neocerebelar associada ou nãoà outras mal formações do sistema nervoso central.

A alta incidência de aumento do perímetrocefálico nos pacientes com autismo (25-30%) pareceestar ligado ao fenômeno da morte celularprogramada nas fases iniciais do processo deneurogênese , que não ocorrendo provocaria umaumento da população neuronal e consequentemegaloencefalia.

Embora as alterações localizadas sejam claras, oenvolvimento de áreas associativas, no que diz

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

respeito às sinapses, organização neuronal,conecções entre diversos circuitos e distribuicão dofluxo sangüíneo , parecem desempenhar importantepapel no contexto geral do autismo.

Trabalhos experimentais têm demonstrado estreitarelação entre distúrbios do tipo sócio-emocionais eanormalidades das estruturas mesiais do lobo temporal.

NEUROFARMACOLOGIAAo longo de anos vários substratos farmacológicos

vêm sendo associados à base bioquímica do autismo.Os estudos mais consistentes indicam o

envolvimentos da serotonina em alguns dos sintomasdo largo espectro que compõe o autismo. Há um aumentodo nível da serotonina circulante, com metabolismoassimétrico demonstrado pelo estudo de PET (PositronEmission Tomography), disfuncão de sua carreaçãoplaquetária e auto anticorpos para os seus receptores ,podem estar relacionados na gênese do autismo.

Outros neurotransmissores tais como dopamina,noradrenalina e endorfina parecem ter algum papeladjunvante.

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICAToda criança com traços ou suspeitas de AI deve ser

submetida à testes neuropsicológicos específicos.A avaliação neurofisiológica é importante. O

eletroencefalograma (EEG) é alterado e aproximadamen-te 50% dos pacientes variando de 35-65% na literatura,porém os achados são diversos e inespecíficos não tra-duzindo diretamente a natureza da disfunção cerebralsubjacente, exceto nos pacientes que apresentam crisesconvulsivas o que acontece em cerca de um terço dospacientes com autismo.

As crises podem ser de diversos tipos variando com aidade e a localização da disfunção, prevalecendo as crisesparciais complexas típicas dos lobos temporal e frontal.

É importante que os estudos de EEG sejam feitodurante a fase de sono e se possível quando há cooperaçãodo paciente, em sono , vigília e transição sono-vigília paraque as alterações temporais possam ser evidenciadasfacilitando tambèm o diagnóstico de crises subclínicas.

Os potenciais evocados auditivo e visual sãoferramentas mais úteis na identificação de déficits sensoriaisque levam a um quadro de baixa resposta ao ambiente.

Os estudos de neuroimagem, principalmente aressonância nuclear magnética (RNM) podem evidenciaralterações estruturais mais grosseiras relacionados ao AI,como hipoplasia cerebelar e hipertrofia de hipocampoporém estas alterações são inespecíficas.

Nos casos de associação do autismo com a esclerosetuberosa, os estudos de imagem mostraram estreitarelação entre a presença de tuberes no lobo temporal e osurgimento de crises convulsivas e alteraçõescomportamentais mais intensas presentes no AI , sendoque estes pacientes tiveram um prognóstico global piordo que aqueles que não tinham acometimento temporal.

Os estudos funcionais pelo PET apontam alteraçoes

de fluxo sangüíneo e perfusão dos lobos temporais emcrianças com espasmos infantis que desenvolveramautismo posteriormente.

Análise cromossômica de alta resolução deve serfeita em pacientes com suspeita de autismoprincipalmente naqueles associadas à dismorfismossomáticos mesmo que discretos.

TRATAMENTO ANTICONVULSIVANTEAs crises convulsivas nos pacientes com autismo

podem aparecer em qualquer idade e respondem bem àmaioria das drogas antiepilépticas (DAE) habituais, e de-vem ser escolhidas de acordo com o tipo de crise, idadedo paciente , sintomas psiquiátricos associados e asinterações medicamentosas com outras drogas eventu-almente usadas pelo paciente.

Carbamazepina e ácido valpróico sãoanticonvulsivantes que possuem efeitos psicotrópicospositivos. Pacientes que apresentam alterações específi-cas no EEG, mesmo sem crises convulsivas apresenta-ram melhora nos sintomas comportamentais após o usodo ácido valpróico.

O fenobarbital não deve ser usado devido a seusefeitos relacionados com a hiperatividade, depressão ediminuição do potencial cognitivo.

A fenitoína apresenta efeitos estéticos indesejáveistais como hipertrofia gengival e hirsutismo.

As novas DAE têm indicação nos casos de sintomasautísticos associados à esclerose tuberosa que respondembem ao uso de vigabatrina e ao topiramato, a primeiracom relato de atrofia ótica irreversível em até 20% doscasos em alguns estudos , o que nos tem feito restringirbastante o seu uso.

Todas as drogas anticonvulsivantes possuem efeitoscolaterais e devem ser monitorizadas regularmente aolongo do tratamento.

Endereço para CorrespondênciaRua Terra Nova 126/401, B. Sion, Cep: 30315-

470, Belo Horizonte - MG

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3º Milênio

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CAPITULO IV

ASPECTOS GENÉTICOS DOSPORTADORES DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

Letícia Lima LeãoMarcos José Burle de Aguiar

Os transtornos invasivos do desenvolvimento(TID) são um grupo de doenças que se caracterizampor deficiências em múltiplas áreas do desenvolvi-

mento neuropsicomotor, incluindo perda na interaçãosocial e na comunicação, além de apresentarem com-portamentos, interesses e atividades estereotipadas.Existem muitas dúvidas com relação aos limites queseparam algumas doenças das outras, sendo que oquadro mais marcante desse grupo é o do autismoinfantil.

No quadro de autismo, a tríade de anormalidades(na interação social recíproca, na linguagem e napresença de padrões de interesse repetitivos), semanifesta antes de 3 anos de idade e se mantém aolongo da vida.

Os casos considerados típicos são encontradosna população com uma prevalência de3 a 5 por10000. Se os casos atípicos forem incluídos,principalmente os que se associam com retardomental grave, a prevalência sobe para 10 a 20 por10000. Existe predomínio no sexo masculino, comuma taxa de 3 a 4:1 e não foram encontradasvariações geográficas ou sócio-econômicas. Apenasem 10 a 25% dos casos alguma doença bem definidaé diagnosticada, sendo as mais comuns a esclerosetuberosa e a síndrome do X frágil. No entanto, oreconhecimento de que o autismo está associado aalgum grau de retardo mental em 75% dos casos e aepilepsia em cerca de 30%, leva à conclusão de queexistam bases orgânicas para essa condição.

Até 30 anos atrás, acreditava-se que fatoresgenéticos tivessem pouca ou até nenhumaimportância na etiologia do autismo, porém em 1977foi publicado o primeiro estudo em pares de gêmeos,que demonstrou uma concordância (proporção depares em que ambos os membros são afetados) entregêmeos monozigóticos muito maior do que emdizigóticos, chamando a atenção para o papel dagenética. Estudos posteriores confirmaram o achado,com taxas de concordância variando de 60 a 95%para os monozigóticos e de 0 a 23% para osdizigóticos. A comparações entre os diversos estudosse torna difícil porque foram usados diferentesmétodos de coleta de dados. O achado de 23% deconcordância em dizigóticos provavelmente éexplicado por bias, já que, considerando que aporcentagem de genes idênticos entre os membrosdo par é a mesma que existe entre irmãos nascidosde gestações diferentes, a taxa de concordânciaesperada é 3%. Embora alta, a concordância entremonozigóticos não é de 100%, o que determina ainfluência de outros fatores.

Para ajudar a separar a contribuição de fatoresgenéticos e ambientais na ocorrência de doenças queapresentam tendência a agregação familiar, estudosem adotados são de muita utilidade. Entretanto, nãohá relato de nenhum estudo dessa natureza realizadocom autistas

Estudos em famílias de autistas encontraramtaxas de recorrência entre irmãos variando de 3 a 7%,o que representa quase 100 vezes a ocorrência napopulação geral. Em parentes de segundo e terceirograus foram encontradas taxas de 0,18 e 0,12%

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

respectivamente. Acredita-se que a carga familiar sejasubestimada porque as famílias com uma criançaautista tendem a restringir o número de filhos devidoàs dificuldades em cuidar dessa criança. Outro fatorimportante é que os indivíduos acometidos, por faltade interação social, raramente têm filhos,inviabilizando a observação da transmissão vertical.

A queda acentuada na recorrência entre parentesde primeiro e segundo graus e a disparidade nas taxasde concordância entre gêmeos monozigóticos edizigóticos, sugerem a probabilidade de diversosgenes atuando em combinação. Análisesquantitativas baseadas nos estudos de gêmeos e defamílias são compatíveis com hereditariedade acimade 90%.

Entre pais e irmãos de autistas, foram encontra-das altas taxas (15 a 20%) de dificuldades na comu-nicação e interação social, além de comportamentosestereotipados mais leves do que o esperado paraenquadrá-los nos critérios usados para diagnósticode TID, mas que têm sido considerados como consti-tuintes do denominado “fenótipo ampliado doautismo”, que parece ser geneticamente determina-do, reforçando a idéia de herança multigênica.

Observa-se também maior prevalência deanomalias cromossômicas (5 a 12%) como deleções,translocações, inversões e sítios frágeis, em pessoascom autismo. Com exceção dos cromossomos 14 e20, todos ou outros já foram envolvidos e nenhumpadrão pode ser definido.

A associação mais discutida é com a síndromedo X frágil, que atualmente tem sido consideradaresponsável por 3 a 5% dos casos. Indivíduos com Xfrágil apresentam altas taxas de anormalidades nacomunicação e sociabilização, mas só uma pequenaparte preenche adequadamente os critérios paradiagnóstico de autismo.

Outra anomalia que tem sido muito estudadaenvolve o cromossomo 15 (duplicação intersticial naregião 15q11-13 que parece depender da transmissãomaterna), sugerindo existir genes do autismo nessaregião e a possibilidade de imprinting genômico (aexpressão de um gene ocorre de forma diferente casoele tenha sido herdado da mãe ou do pai). Algumasalterações relatadas com certa freqüência, foramencontradas nas regiões 16q23 e 7p11.2. Ainda nãofoi determinado em que porcentagem deleçõessubmicroscópicas ocorrem no autismo ou se háassociação com taxas mais altas de pequenasalterações não detectáveis pela citogenética.

O autismo tem sido associado com diversasdoenças mendelianas monogênicas, incluindo afenilcetonúria não tratada e a neurofibromatose, masa associação que tem evidências mais fortes é com aesclerose tuberosa em que cerca de 25% dosacometidos têm autismo e provavelmente 2 a 3%dos autistas têm esclerose tuberosa. Outras doençasque já foram descritas em associação com o autismosão: síndromes de Williams, Sotos, Moebius,Goldenhar, Associação CHARGE e a Hipomelanose

de Ito. Essas associações poderiam se justificar porvários mecanismos, tais como desvio em vianeurobiológica comum, mesmos genes desuscetibilidade e algumas outras hipóteses, ainda semqualquer estudo conclusivo.

O modo de herança exato do autismo ainda édesconhecido, o que poderia ser atribuído a váriosfatores como expressividade variável (o mesmogenótipo pode produzir fenótipos de maior ou menorgravidade), penetrância reduzida (a doença não semanifesta em 100% dos indivíduos que têm ogenótipo), pleiotropia (capacidade que alguns genestêm de exercer efeitos em múltiplos aspectos dafisiologia ou anatomia) e heterogeneidade etiológicae genética (diversos genes podem determinar adoença, mas apenas um ou poucos são responsáveispelos casos individualmente).

A taxa de recorrência de 3% entre irmãos, não écompatível com os padrões de herança autossômicodominante e autossômico recessivo, em que seriamesperadas 50% e 25% respectivamente. Herançarecessiva ligada ao X também pode ser excluídaatravés dos dados populacionais, já que, assumindoa prevalência em homens como 3,75/10000, oachado de 1,25/10000 em mulheres é muito maiordo que o que seria esperado nessa forma de herançade acordo com o equilíbrio de Hardy-Weimberg.Entretanto, a razão do predomínio no sexo masculinopermanece desconhecida.

O modelo atualmente proposto inclui 2 a 10 loci,provavelmente com 3 loci epistáticos (alelos de riscorequeridos simultaneamente para a doença ocorrer).Os estudos realizados encontraram evidências paraassociação ou ligação em diferentes cromossomos(2, 4, 6, 7, 10, 13, 15, 16, 17, 19, 22 e X), mas nenhumgene candidato foi identificado até hoje com maiorprecisão. A ligação mais importante foi encontradana região 7q, seguida da região 16p. Embora grandenúmero de triagens genômicas e estudos de ligaçãopara as desordens autísticas sejam relatados, acomparação dos resultados e a possibilidade de meta-análise, são dificultados por diversos fatoresrelacionados a variações na metodologia, como ouso de diferentes marcadores genéticos e análisesestatísticas.

Alguns problemas que dificultam a realizaçãode estudos mais conclusivos sobre a herança são:incertezas na definição do fenótipo, taxasequivocadas em parentes mais distantes e fertilidadereduzida. Outro fator que pode interferir nasconclusões é a existência de fenocópias (quadrosclínicos muito semelhantes ao autismo, mas que nãosão determinados por fatores genéticos), nãoexistindo características clínicas ou marcadoresbiológicos, que permitam identificar com segurançaos casos que não são de etiologia genética.

Atualmente, as informações do aconselhamentogenético no autismo são limitadas ao risco derecorrência, que para irmãos varia de 3 a 7%, nãohavendo qualquer possibilidade de diagnóstico pré-

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3º Milênio

natal. Não há também dados na literatura quepermitam dizer qual é o risco para filhos dosacometidos, devido às dificuldades para reprodução.Acredita-se que esse risco esteja entre 5% (que édeterminado para irmãos) e 50% (que é o esperadoem doenças autossômicas dominantes). Outra áreade incerteza é se nas famílias em que o autismo estáassociado a retardo mental profundo, o risco derecorrência é o mesmo encontrado para os casos queapresentam retardo leve ou ausente.

O autismo e os outros transtornos invasivos dodesenvolvimento, parecem ter mecanismos genéticoscomuns, sendo que os genes do autismo conferemsuscetibilidade às variantes mais leves.

A partir da identificação dos fatores genéticosenvolvidos no autismo, haveria um ganho nacompreensão das bases neurológicas e dafisiopatologia , haveria maior facilidade na realizaçãode estudos para identificar fatores ambientais e comoconseqüência final obter melhores possibilidades deprevenção e tratamento, além de maior exatidão noaconselhamento genético.

Para que novas pesquisas sejam bem sucedidas,é necessário combinar estratégias clínicas,epidemiológicas e de ciências básicas, contando comos avanços que vêm ocorrendo em cada um dessescampos.

Endereço para correspondênciaLetícia Lima LeãoAv. Guaicuí, 73, Ap. 1402 – B. LuxemburgoBH - MG – [email protected]

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CAPITULO V

SÍNDROME DE ASPERGERWalter Carmargos Jr

A Síndrome de Asperger é um transtorno demúltiplas funções do psiquismo com afetaçãoprincipal na área do relacionamento interpessoal eno da comunicação, embora a fala seja relativamentenormal. Há ainda interesses e habilidades específicas,o pedantismo, o comportamento estereotipado erepetitivo e distúrbios motores. A Síndrome deAsperger (SA) é uma das entidades categorizadas pelaCID-10 (4) no grupo dos Transtornos Invasivos, ouGlobais, do Desenvolvimento – F84 e que todas elas

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

inciam invariavelmente na infância e comcomprometimento no desenvolvimento além deserem fortemente relacionadas a maturação doSNC. Pode-se dizer também que desse grupo(Autismo Infantil, Autismo Atípico, a Síndrome deRett e outros menos relevantes) a SA é o transtornomenos grave do continuum autístico (23). Comojá foi claramente definida em outro capítulo destelivro, não me aterei a tais questões.

PREVALÊNCIAO trabalho de Ehlers & Gillberg (5) , realizado

nas escolas de 1o grau de uma cidade compredominância de classe média, revelou taxa de0,36% da população em geral na proporção de 4homens para 1 mulher. Importante fornecerparâmetro que autismo infantil é de 5:10.000 quetodo o grupo F-84 possui prevalência de 27:10.000(22).

DIAGNÓSTICOPara o clínico, não pesquisador, basta seguir os

pontos críticos:

Na anamnese

Solitários; ausência do “melhor amigo”; ausên-cia de atraso de linguagem(nos quadros clássicos);brincar com pouca imaginação / fantasia limitada;pouco brincar de faz-de-conta; ausência das per-guntas do porquê das coisas; dificuldade de seguira regra nas brincadeiras em grupo pois tem a ten-dência de sempre determinar a regra; pouco inte-resse em pessoas / crianças, exceto quando estãona órbita de seu interesse específico; interesses ehabilidades específicas; interesses focados em coi-sas, como mecânicas, eletrônicas e não em gente;história de serem estabanados e com dificuldadepara escrever; histórico de perguntas inadequadasas pessoas não conhecidas; histórico familiar dequadros similares, usualmente na linhagem mas-culina.

Ao exame

Andar desajeitado; postura bizarra de braços emãos; pouco olhar para o interlocutor; mímica faciale corporal pobre e dissociada da conversa;afetividade superficial; afetividade plana (um paci-ente referia que nada o irritava e que nada o inco-

modava, outro foi encaminhado para avaliação por-que não demonstrou reação ao falecimento damãe); voz com pouca ou sem modulação(robotizada); fala rebuscada sem a compreensãodevida dos termos; persistência no assunto de seuinteresse; dificuldade de compreender piadas; com-preensão superficial de significados abstratos (p.ex:diferença entre colega e amigo); dificuldade decompreensão do significado de frase quando o di-ferencial é o tom da voz; ruminações e preocupa-ções ilógicas, para os não afetados; percepção deque é diferente dos colegas e irmãos (a partir dapré-adolescência); conhecimento desproporcionalem algum assunto – interesse específico (que podevariar com o tempo); pedantismo ( pelo dicionárioAurélio: “aquele que ostenta erudição que não pos-sui, de forma afetada, livresca, rebuscada”); sinto-mas obsessivos (que inclusive o incomodam); hu-mor deprimido; memória muito boa, as vezes fo-tográfica; dificuldade na narrativa de fatos vividos,etc.

Escalas

Iniciar com os itens da CID-10, se o quadro forde grau leve ou houver dúvidas no 1º passo, fazer oCARS (18). Descartado o AI proceder ao ASSQN(6). Para uma melhor qualidade realizar o ADI-R(13)1.

Quais são os Diagnósticos Diferenciais mais

importantes?

Autismo infantil (AI), transtorno esquizóide depersonalidade e esquizofrenia infanti l . Odiagnóstico diferencial mais polêmico é entre AS eAutismo de Alto Funcionamento ou AltoDesempenho (AAF). Também a hipótese de super-dotado é frequente, assim como distúrbios decomportamento não especificados.

Quais são as diferenças fundamentais entre SA e o

AI?

Essa delimitação é importante quando oquadro de AI é de grau leve, ou sem histórico deatraso na linguagem, algum tipo de habilidade, QIlimítrofe, avaliação em idade anterior a 6-8 anos.Na prática siga a “máxima”: O autista está isoladoem seu próprio mundo. O Asperger está em nossomundo, porém vivendo seu estilo próprio de formaisolada.

1 Veja em Http://www.autismo. med.br

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3º Milênio

As diferenças fundamentais são:

AI SA

Gravidade do caso +

Retardo Mental (11) +

Alterações cognitivas +

Atraso significativo da fala +

Usa a 3ª pessoa pronominal

(êle, ou seu nome) no lugar da 1ª (eu) +

QI executivo mais alto +

Diagnóstico possível antes dos

3 anos e idade +

Diagnóstico de certeza só após6 anos e idade (9) +

Inteligência verbal +

Pedantismo +

Busca ativa de interação social +

Dá a impressão de possui um estilo antigo, excêntrico +

Pode dar a impressão de super-dotado +

Pais com quadro similar +

Quais as diferenças mais importantes entre AS

e a Esquizofrenia Infantil? (15,21)A esquizofrenia infantil é mais rara e mais grave.

A presença de delírio é fundamental para odiagnóstico da Esquizofrenia Infantil (EI), queformalmente só poderá ser detectada após os 7 - 8anos de idade, época em que a criança inicia odesenvolvimento do pensamento lógico-formal.Alucinações, que podem ser encontradas em idadesmais precoces são comuns e freqüentes que podemser detectadas mesmo quando a criança ainda nãofala (é comum a descrição por familiares de que acriança muda sua expressão fisionômica e reagecomo se algo estivesse ocorrendo, saindo do lugar,gritando, se agarrando aos outros, etc). A EI estácomumente relacionada a QI limítrofe ou baixo (20).Não estão presentes as habilidades especiais. Não hácomprometimento da interação social nas idadesprecoces, assim como não é comum atrasos delinguagem. Na idade adulta a dica é sempre aausência de delírios e alucinações.

Quais as diferenças básicas entre a SA e o

Transtorno de Personalidade do tipo Esquizóide, sem

rebaixamento de QI?

Verifica-se no histórico do portador de Transtornode Personalidade quatro questões fundamentais (24):sensibilidade aumentada (não presente no portadorde SA) com frequente ideação paranóide; criatividade/

presença de fantasias, as vêzes muito elaboradas(sintoma importante em pessoas de mais idade); háo brincar de faz-de-conta; e a interação social é menoscomprometida, notadamente com os pais (êssesintoma é o mais importante quando examinamoscrianças menores).

Quais as diferenças entre AS e o Autismo de

Alto Funcionamento?

Diagnóstico difícil onde há quem diga que é omesmo quadro (17,19). O “ponto” fundamental dediferença é que o AAF possue QI executivo maior queo verbal e atraso na aquisição da linguagem. Na práticaclínica a distinção fará pouca diferença pois otratamento é basicamente o mesmo, porém seráfundamental se o objeto for pesquisa

A partir de quais sintomas existe a suposição de

serem super-dotadas?

A partir da “erudição” que aparentam, dashabilidades precoces, do auto-didatismo, dahiperlexia (16) freqüentemente presente (capacidadede aprender a ler muito cedo – a partir de 2 anos).Diagnóstico diferencial importante pois agrada ospais e usualmente é estabelecido por quem não possuiexperiência com esse grupo de Transtornos.

Distúrbios de comportamento não

especificados.

Em minha prática clínica tenho tido a experiênciade examinar crianças que estavam em tratamentocom o postulado diagnóstico acima. Usualmente aspsicoterapias não estavam evoluindo a contento poishaviam comportamentos inesperados a todomomento que desnorteavam os terapeutas e asfamílias. Freqüentemente essas crianças “passam”por inúmeros tratamentos sem um diagnósticoformal chegando a adolescência com, ao menos,importante desajuste social.

Como é o tratamento?

O tratamento otimizado parte do princípiofundamental de identificar co-morbidadespsiquiátricas, neurológicas, neuro-psicológicas, odesenvolvimento de programas pedagógicos,orientação à família e a escola. Importante não relevaro tratamento dentário (2).

A partir do diagnóstico, deve-se buscar otimizarsuas capacidades ao invés da cura doscomprometimentos, que são natos. Para isso éimportante precisar o QI executivo, o QI verbal, realizartestes neuro-psicológicos (cognição, memória,atenção, planejamento, execução, etc,), descobrirsuas dificuldades na escola, no mundo social e nacomunicação, assim como as dificuldades familiarespara lidar com a situação. Ou seja, deve-se construirum “pool” de trabalho em torno da situação.

É importante que a pessoa afetada aprenda: amelhorar sua comunicação social (como abordar

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

socialmente pessoas, que devem dar ao outro a vezna conversa, que devem olhar para as pessoas quandoconversam com elas, que devem despedir-se, etc);que o outro tem intenções que são diferentes das suase que deve saber quais são e como fazer para saber(p.ex.: perguntando); a relatar uma situação vivenciada;a lidar com a equação ansiedade / frustração evitandocomportamentos catastróficos; a identificar situaçõesnovas; a desenvolver estratégias para solução deproblemas cotidianos (p.ex.: alguém pergunta: comovai? – explicar que a pergunta refere-se a se a pessoaestá sentindo-se bem e não se ela está indo a pé, deônibus ou não está indo mas chegando – compreensãoliteral das palavras, distúrbio da pragmática); adesenvolver uma auto-suficiência; a promover umacrítica de seu desempenho para manter sua estimaelevada; a generalizar o conhecimento; etc.

A família deve ser esclarecida sobre a gravidadeda doença do filho, a “lógica” da SA, seus pontos defragilidade e as habilidades, a importância daparticipação, a vida adulta e as possibilidades notrabalho. Uma questão importante é a criação deAssociações de Pais que promovam a divulgação daSíndrome para a sociedade e que defendam seusinteresses (p.ex.: criação de Cooperativas de Trabalho).Referente a escola, lembre-se que não necessitam deEscolas Especializadas, o que implica que acomunidade da Escola regular precisará ser orientadapara promover a convivência com as discrepâncias ebizarrices do portador de SA, suas dificuldadesexecutivas (p.ex.: incapacidade ou extremocomprometimento de escrita, necessitando de umamáquina de escrever ou um computador),pedagógicas, psicológicas, etc.

Do ponto de vista psiquiátrico o tratamento ésintomático, sendo significativo a presença dedepressão, quadros obsessivos e quadros psicóticosem alguma fase da vida. Martin (14) pesquisou queem 109 portadores de SA, 35 (32,1%) usavam algumtipo de anti-depressivo (29 - 82,86% usavam IRSS –fluoxentina 17, sertralina 6, fluvoxamina 6). Aamostragem também revelou maior uso de anti-psicóticos atípicos (14 em 18 - risperidona 12,olanzapina 2) enquanto nos portadores de AI era maisutilizado os neurolépticos. Estabilizadores do Humor:Valproato - 7, Lítio - 2, Carbamazepina - 1. Agonistaalfa-adrenérgico - 5, Beta-bloqueadores - 2 (ambosutilizados para hiperatividade).

A propedêutica neurológica também é necessária,mesmo salientando que o diagnóstico é clínico.

ETIOLOGIAAinda desconhecida.

ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOSHá (7) três trabalhos sobre a prevalência familiar

(8,22) focados em SA que demonstram nos pais taxasde 2% a 11% e até 4% em irmãos - lembrar que a

prevalência é de 0,36% na população em geral. Notocante as questões neurobiológicas há suposiçãode comprometimento de inúmeras estruturas comolobo frontal, o córtex pré-frontal, o lobo temporal, aamígdala, o cerebelo, assim como prejuízo em cascatadessas estruturas. Porém chama a atenção o trabalho(20) onde utilizando ressonância magnética funcionaldurante a identificação de expressões faciaisencontrou uma menor atividade no gyrus fusiforme(lobo temporal) e mais atividade no gyrus temporalinferior. Sabe-se que nessa área há mais atividadequando controles normais são estimulados nadiscriminação de objetos, ao contrário do gyrusfusiforme que fica mais ativa na discriminação dorosto humano. Essa descoberta é síntone com ocomportamento desse grupo que não possui umacapacidade de meta-representação (Teoria da Mente)(3) e se referencia, reage e responde com maiorfacilidade ao “mundo dos objetos” que ao “mundoda pessoas”.

PROGNÓSTICOMesmo que seja o quadro mais leve dos TID, é

sempre reservado pois implica na capacidade dapessoa aprender a adaptar-se ao meio social.

Endereço para correspondência:[email protected] / www.autismo.med.br

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3º Milênio

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CAPITULO VI

SÍNDROME DE RETT.

José Luiz Pinto Pereira.

Introdução : Poucas enfermidades na históriarecente da medicina suscitaram tantos estudos eenvolveram tantos mistérios biológicos como asíndrome de Rett. Andreas Rett foi um neurologistapediátrico e professor da Universidade de Viena . Asíndrome descrita por ele em 1966 recebeu o nomeoriginal de síndrome de atrofia cerebral comhiperamonemia designação que não se mantevepor que não ocorre verdadeiramente uma atrofiaimportante do cérebro nesta enfermidade e ahiperamonemia, como achado laboratorial, só é vistaem poucos casos . Síndrome de Rett (SR ) é o nomecom o qual tornou-se conhecida , mundialmente efoi uma designação dada pelo professor BengtHagberg da Universidade Gotemburgo , Suécia .

Hagberg viria a se tornar o grande divulgador eprincipal pesquisador mundial da enfermidade (1).A SR é constatada na clínica, como das causa genéti-cas principais de deficiência mental grave , comcaracterísticas autísticas na população feminina, atin-gindo uma prevalência média de 1\22.000 mulheresentre 2 e 18 anos e uma incidência de 1\ 10.000 crian-ças do sexo feminino, na população em geral. Asíndrome é encontrada em todos os continentes eetnias .

O autismo infantil , no sexo feminino é um quadronosológico com o qual a SR tem alguns sinais emcomum. O autismo feminino atinge uma incidênciaapenas duas vezes maior ou seja ocorre em 2\10.000meninas, índice que o situa como importantediagnóstico diferencial com SR . De fato, entre meninasapresentando uma síndrome de autismo, entre dois etrês anos de idade , cerca da metade dos casos serãodiagnosticadas, posteriormente, como portadoras deSR em suas apresentações clássicas ou nas variaçõesfenotípicas (2).

As pacientes são consideradas como SR típica ouclássica quando preenchem totalmente os chamadoscritérios de inclusão de Trevathan e col (3), conformesão listados no quadro 1. Embora características outraços autísticos não sejam referidos entre estes critériosdiagnósticos, uma síndrome autística mais ou menossevera é uma dado precoce ,embora não obrigatório ,nas histórias clínicas, quer seja em retrospecto oucomo suspeita inicial, de crianças que mais tarde serevelarão como portadoras da SR.

HISTÓRIA NATURAA SR é uma encefalopatia infantil crônica

lentamente progressiva . Evolui de maneira mais oumenos previsível em quatro diferentes estágios. A

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

gestação, o parto e período perinatal podem serinteiramente normais , o perímetro cefálico, peso,altura são todos parâmetros normais, ao nascer. Odesenvolvimento psicomotor inicial no primeirosemestre também costuma ser normal , ou revelarapenas achados inespecíficos como uma discretahipotonia muscular .

QUADRO 1 - RITÉRIOS DE INCLUSÃO E DESUPORTE PARA SR CLÁSSICA DE ACORDO COMTREVATHAN E COL (1988) , modificado.

1- Períodos pré e perinatais aparentemente normais .2- Desenvolvimento psicomotor (DPM ) aparente-

mente normal nos primeiros cinco ou seis mesesde vida, pelo menos.

3- Perímetro craniano ou circunferência cefálicanormal ao nascer .

4- Desaceleração do perímetro craniano entre 6 mesese 3 ou 4 anos ( microcefalia adquirida )

5- Perda de aquisições do DPM entre 3 meses e trêsanos, como uso útil de mãos já adquirido previa-mente (mesmo que precariamente) ; perda debalbucios ou primeiras palavras , e perda da capa-cidade de comunicação verbal .

6- Aparecimento de uma óbvia deficiência mental .7- Aparecimento sucessivo de estereotipais diversas ,

inicialmente movimentos de mãos a boca, e maistarde esfregar ou lavar ou torcer as mãos ou baterpalmas em frente ao tórax , como movimentosestereotipados involuntários .

8- Anormalidades de marcha nas meninas que andam .como ataxia e apraxia de marcha, anormalidadesposturais como ataxia de tronco .

9- Foram feitas outras tentativas diagnosticas ouexcluídas outras possibilidades diagnosticas entre2 e 5 anos .

CRITÉRIOS DE SUPORTE (NÃO OBRIGATÓRIOSAO DIAGNÓSTICO)

10- Irregularidades respiratórias como hiperventilaçãoe \ou apnéias periódicas .

11- Escoliose progressiva .12- Crises epilépticas.13- Anormalidades diversas ao eletroencefalograma

de sono (EEG de sono)14- Distúrbios vasomotores e tróficos de extremidades

( mãos e pés pequenos e frios)15- Retardo pondero – estatural (baixa estatura e peso

subnormal).16- Ranger de dentes em vigília (briquismo) .17- Padrões de sono anormais .(despertar noturno,

sonolência diurna)18- Constipação ou prisão de ventre crônica19- Distensão do abdome por ingestão de ar .20- Sinais espásticos, rigidez e distonias .

Atualmente há um consenso, em bases clínicase genéticas, de que um genótipo Rett ( presença damutação genética) poderia determinar vários

fenótipos alem da forma clássica , as variantesfenotípicas . Ainda são possíveis as fenocópias , istoé fenótipos retóides (semelhantes ao da SR)determinados por outras patologias e nãorelacionados geneticamente ao da SR .

HISTÓRIA NATURAL: ESTÁGIOS DA SÍNDROMEDE RETT.

PRIMEIRO ESTÁGIOPara a maioria das meninas um certo retardo no

DPM (desenvolvimento psicomotor) ocorre jáprecocemente, entre 6 meses e 18 meses de idadeem média., no chamado estágio de estagnaçãoprecoce , que, na maioria dos casos não é reconhecido, por que os sinais e sintomas são muito vagos einespecíficos , nestas idades

Os sinais precoces, no estágio inicial, seriam alémda hipotonia uma certa titubeação ou tremor detronco quando as crianças estão sentadas sem apoio(ataxia de tronco), os padrões anômalos de engatinhar( locomoção arrastando-se pelas nádegas ) e atrasosna aquisição da marcha independente. Algumasdestas crianças só andam sem apoio aos quatro oucinco anos . Em todas as pacientes a marcha será dotipo instável devido a ataxia cerebelar (que se revelacom aumento da base de sustentação) e estacaracterística se manterá enquanto andarem,independente de idade.

Ocorre uma microcefalia adquirida, porestagnação ou retardo do crescimento do crânio edo cérebro. Mas esta é uma característica inconstantee só pode ser objetivamente diagnosticada poraferições métricas (medidas do perímetro craniano)em 50 % dos casos . a partir de 3 ou 4 meses até 4anos. Os sinais verdadeiramente típicos oupatognomônicos desta síndrome são a perdaprogressiva e total do uso de mãos, a chamada apraxiamanual e a substituição do uso das mãos pormovimentos estereotipados, de início movimentosestereotipados e constantes de levar uma ou duasmãos a boca , mais tarde se instalam as estereotipaistipo esfregar e lavar ou torcer de mãos , típicas da SR.

Mas cada criança tem um padrão próprio demovimentos de mãos que sempre tendem a se unirna linha média e em frente ao tórax . Estereotipaiscom duas mãos em separado, que não se unem nalinha média, são também possíveis e não invalidamo diagnóstico de SR típica .

SEGUNDO ESTÁGIO (REGRESSÃO PRE-COCE).

Característico nesta síndrome é a grave regressãodo comportamento já adquirido com perda deinteresse por jogos e brincadeiras e perda dacapacidade de comunicação e da fala com freqüentestraços autísticos entre um e três anos ou quatro anosde idade , em média .Esta é a fase de regressão precoce

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3º Milênio

concomitante à instalação das estereotipas manuaisque no entanto não são , ainda , plenamentedesenvolvidas .Neste estágio a linguagem e acapacidade do uso de mãos são enfim , quase quetotalmente , perdidas . A criança encontra-se muitoirritada , com crises de choro e gritos , por vezes risose gargalhadas por minutos ou até horas e sem motivoaparente. As meninas como que mudam apersonalidade , parecem vitimadas por grave estadotóxico ou uma encefalopatia em fases agudas , sãoagitadas, nada as acalma, e estão nitidamenteperdendo funções mentais ou habilidades jápreviamente adquiridas. Por estas últimasparticularidades a SR é por vezes classificada comouma verdadeira demência infantil precoce. Nosegundo estágio algumas meninas já apresentam ostípicos episódios de apnéias e \ou hiperpnéias ouhiperventilações periódicas que serão discutidas logoa seguir. Uma perda nítida do interesse por jogossimbólicos e brincadeiras é outra característica destafase. Em cerca de cerca de 50 % das meninas crisesconvulsivas ou outras manifestações de epilepsiaocorrem pela vez primeira, nestas idades .

TERCEIRO ESTÁGIO (PSEUDOES-TACIONÁRIO)

Com a entrada na idade pré-escolar e escolar , apartir do quarto ano o quadro muda bastante , commelhora em aspectos comportamentais, perda dascaracterísticas de autismo, com ótimo contato ocular,retorno de alguma capacidade de comunicação nãoverbal sendo possível que algumas meninas retenhamo uso de umas poucas palavras isoladas . Esta será afase pós- regressional ou estágio pseudo-estacionário,o terceiro estágio da enfermidade que poderá seestender até a adolescência ou além e se prolongarna vida adulta . Esta é uma fase de relativa estabilidadeclínica e as menina ou mulheres adultas, enquantose mantém andando sem ajuda são consideradasdentro deste terceiro estágio da evolução ou histórianatural da SR .

Mas as disfunções motoras podem progredir ,mesmo que lentamente, e com a chegada dapuberdade pode haver piora da marcha, da escoliosetorácico-lombar, do equinismo, diverso da tendênciajá precoce de algumas meninas de andar na pontados pés e da apraxia de marcha .

A apraxia é um sinal neurológico que ocorrequando perdem-se os esquemas motores, o engramamotor do andar, ou do uso de mãos, ou de qualquermovimento voluntário, na ausência de verdadeirasparalisias e de distúrbios de tonus muscular e ausênciade movimentos involuntários, que os impeçam. Amenina simplesmente como que “esquece ” comose faz para subir escadas, para andar em aclives edeclives, para usar de suas mãos, ainda que não tenhadesenvolvido os sinais espásticos ou rigidez muscularexcessiva , que são características mais tardias dapróxima fase chamada estágio da regressão motora

tardia , ou quarto estágio .

QUARTO ESTÁGIO (REGRESSÃOMOTORA TARDIA).

As meninas só ingressam nesta fase quandoperdem a capacidade de locomoção independente .,em geral a partir da idade de 10 anos . Embora aperda da marcha possa ocorrer a qualquer idade ,existem casos em que a deambulação jamais não foiadquirida, (cerca de 20 % das meninas) e casos quenunca ingressarão no quarto estágio (outros 20% doscasos ) ou seja jamais deixarão de andar de formaindependente .

Quanto a expectativa de vida na SR dependemuito do grupo ser ou não ambulatório e doscuidados médicos e da reabilitação e, ainda, dosaspectos da nutrição e do estado geral da menina ,em especial após a puberdade . No estágio deregressão tardia pode haver um emagrecimentoimportante que compromete inclusive a imunidadeembora haja , por outro lado, certa melhora de algunsaspectos neurológicos como um controle deconvulsões mesmo com a retirada de medicamentosem meninas mais velhas . Uma vez que a meninaRett tenha ultrapassado os primeiros dois estágiosiniciais (chamados de estagnação e regressãoprecoces) sua expetativa de vida com cuidadosadequados não é limitada a princípio, podendo atingire ultrapassar a meia-idade, existindo hoje muitaspacientes com 40, 50 e até 60 anos, pertencentes emgeral ao subgrupo deambulatório .

As causas mortis principais relatadas na literaturatem sido : arritmias e colapso cardiovascular (35 %),pneumonias (35 %), acidentes domésticos (9 %)estado de mal convulsivo (6 % ) , perfuração gástrica(6 %), má nutrição e caquexia ( 6 % ) e outras, inclusivea morte súbita inexplicável .

FORMAS ATÍPICAS DA SR.Casos da forma frustra apresentam uma

evolução mais lenta e quadros motores menos graves,com meninas que mantém certo uso rudimentar demãos ao lado de estereotipais mais ou menos atípicasou fragmentares, com uso de umas poucas palavrasou retenção de palavras-frases ou mesmo frasescurtas de duas palavras . Esta variante representacerca de 10 % dos casos de SR, em geral, na formafrustra, as meninas permanecem andando, ou sejanão evoluem alem do terceiro estágio .No entanto,como ficou dito anteriormente, mesmo na formaclássica , cerca de uns 20 % dos casos jamais evoluemalém do terceiro estágio, vale dizer não perdem acapacidade de andar.

A segunda variante clínica mais comum é umaforma com início precoce de epilepsia. Na SR em geralas manifestações epilépticas incidem em 50 % doscasos, em geral, forma clássica inclusive. As crisesconvulsivas iniciando em geral após a fase regressional

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

precoce. Contudo em cerca de 6,5 % de todos oscasos ocorre epilepsia com início mais precoce, noprimeiro ano de vida e em geral com manifestaçõestípicas de síndrome de West (espasmos infantis comhipsarritmia ao EEG) . Nesta variante espasmos infantisprecedem as manifestações típicas de uma SR clássica, mas de maior gravidade , em crianças que em geraljamais deambularão de forma independente, empassagem direta do segundo ao quarto estágio .

A chamada SR congênita, foi descrita paraacomodar casos sem um período prévioassintomático ou com desenvolvimento muitoatrasado desde o início , mas afora isto com todos ossinais principais e acessórios de SR clássica . Comona forma anterior podem traduzir apenasapresentações mais graves dentro do espectro dasvariantes fenotípicas de SR. Finalmente uma variantecom inicio tardio, a SR tardia (4 ) com a instalação deum período regressional após 3 anos de idade , temsido referida na literatura e na minha experiênciapessoal esta variante existe e não é, assim, tão rara .São casos diagnosticados de início como simplesretardos mentais inespecíficos ou deficiência mentalsem etiologia definida , em crianças do sexo femininoe que após o quarto até quinto anos iniciaminsidiosamente com o período regressional e após seinstala um quadro de SR semelhante a variante formafrustra, e como tal com um muito melhor prognósticoem relação as formas graves, não ambulatórias .

Casos de SR no sexo masculino não sãoconhecidos salvo uma ou duas exceções que , aindaassim se referem aos diagnósticos concomitantes deSR atípica em meninos portadores da anomalia doscromossomas conhecida como síndrome deKlinefelter, onde existe um cromossomo Xsupranumeric, sendo o fenótipo 47 XXY

GENÉTICA e FISIOPATOLOGIAA explicação da causa da SR permaneceu como

um dos grandes enigmas da genética molecular atébem recentemente, quando o gene que origina asíndrome descoberto e pela primeira vez anunciadopor Amir, nos EUA (5 ).

A SR resulta da mutação nova, de um gene domi-nante , ligado ao cromossoma X, que na imensa mai-oria da vezes, se origina no cromossoma X de origempaterna , vale dizer está presente somente nas célulasgerminativas masculinas (os espermatozóides ) e so-mente no gameta que fecundou um dado óvulo emuma dada gestação. A mutação não se repete, salvoexcepcionalmente , em outras gestações, de criançasde uma mesma irmandade . Portanto , neste sentidoapesar de ser genética a moléstia não é herdada deprogenitores (não é hereditária ).

A explicação do por que a SR só atinge , na práti-ca, meninas, e quase nunca meninos seria a de quemeninas (cariótipo 46 XX ) herdam um cromossomaX paterno, mas meninos (cariótipo 46 XY) jamais oherdam, e sendo o pai o transmissor da mutação nova

do X, ela só afeta às filhas , por que os filhos herdamdo pai apenas o cromossoma Y definidor do sexo mas-culino.

A princípio, é possível que, em raros casosfamiliares, ou seja quando ocorre a repetição de maisde uma criança afetada em uma mesma irmandade(menos de 1 % de todos os casos de SR ) a mãe e nãoo pai seria quem transmite a mutação ligada aocromossoma X. Nestas famílias seriam esperados em50 % das gestações, com filhos ou filhas afetadas,pois a mãe transmite seus cromossomas X tanto afilhos como a filhas .

No entanto um menino Rett só poderia sobreviverse tivesse um cromossoma X a mais, supranumérico,como ocorre na anomalia de Klinefelter. O ProfessorSalomão Scwartzman apresentou no Brasil em 1999 oúnico caso de um menino com a mutação MECP2, causada SR, e um fenótipo Rett, ele possuía ao mesmo tempoa síndrome de Klinefelter. Nas mulheres afetadas,normalmente um dos cromossomas X possuirá o genemutante e outro não ,e isto estará ocorrendo de formatotalmente aleatória significando que só um destescromossomas X permanecerá ativo nas células somáticasde acordo coma a conhecida hipótese de Lyon ou dainativação não seletiva do X, nas mulheres.

Embora muito raros, foram casos de SR familiar(recorrência de mais de uma caso na mesma família,não mais que uma dúzia de famílias no mundo todo)que possibilitaram a localização e identificação dogene que causa da SR, no cromossoma X de meninas(irmãs) afetadas. Duas destas famílias ocorreramentre nós no Brasil, e pudemos estudá-las do pontosde vista clínico e genético. Uma delas era única emtodo o mundo, com três irmãs afetadas (não gêmeas)e foi extensivamente investigada e junto a cerca de12 outras famílias com mais de uma menina afetadaresultaram diversos trabalhos a partir de 1998 (6 ) (7)(8) , em colaborações internacionais, culminando nadescoberta da causa genética da SR..O gene mutanteque passou a ser conhecido com a sigla MECP2 (9)sabemos hoje que codifica uma proteína do mesmonome que se liga ao DNA metilado, como uma chavepara a regulação da expressividade de muitos outrosgenes os quais atuariam a partir de certas idades-chaves regulando o crescimento e desenvolvimentoneuronial pós-natal

Como efeito do produto protéico imperfeito,deste gene MECP2, ocorrerá uma sinaptogênese(formação de sinapses) imperfeita e uma arborizaçãodendrítica pobre, e em conseqüência um crescimentodo cérebro até 30 % menor que o normal, comredução celular de neurônios em certas estruturas,como a substancia negra do tronco cerebral,relacionada a produção de certos neuro-trasmisores,em especial a dopamina .

Mas ainda estamos longe de entender todas ascomplexas alterações do crescimento corporal, dopeso, da nutrição, alterações tróficas e vasomotorasem membros inferiores, e outros fenômenos quesão, enquanto sinais acessórios, comuns na SR.

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3º Milênio

Revisaremos a seguir algumas destas alterações juntocom as principais condutas terapêuticas e medidassuportivas que são indicadas no tratamento médicoe na reabilitação da menina com SR.

IRREGULARIEDADES RESPIRATÓRIAS:HIPERVENTILAÇÃO E APNÉIAS.

Anormalidades em ritmos e padrões respiratóriossão muito comuns na SR, ocorrendo praticamente talqual os movimentos estereotipados das mãos como umdos sinais de valor diagnóstico ou patognomônicos dacondição. Estes padrões respiratórios podem ser muitopronunciados em algumas crianças, e sutis ou ausentesem outras.e incluem episódios de hiperventilações, edetenção respiratória e\ ou apnéias. Estas alteraçõesocorrem caracteristicamente durante a vigília e cessamno sono. A respiração torna-se mais irregular sob estresseemocional ou físico e atribui-se sua causa à anormalidadesdos centros respiratórios do tronco cerebral.Nahiperventilação os movimentos inspiratórios\expiratóriossão rápidos , acelerados na freqüência durando algunssegundos, após o que costumam ser interrompidos , naschamadas apnéias da SR quando a saturação de oxigêniono sangue pode cair de 97 % (valor normal) para até 50% ou menos . Estes episódios podem causar cianose (oslábios tornado-se azulados) mas em geral são transitóriossem risco maior a criança . Algumas meninas podem semostrar torporosas ou perderem brevemente aconsciência em episódios de apnéias prolongadas , quenão devem ser confundidas com crises convulsivas oufenômenos epilépticos verdadeiros, emboraocasionalmente a cianose e anóxia de um episódio deapnéia prolongada possa desencadear crises convulsivas.

Não existem tratamentos padronizados parahiperventilações ou apnéias na SR, e como precauçõesrecomenda-se apenas afastar ou tratar obstruçõesmecânicas das vias aéreas, como rinites e hipertrofiasde adenóides que podem de fato dificultar ainda maisa oxigenação e causar complicações infeciosas . Umaoutra conseqüência de hiperventilações mas que podeocorrer independentemente destas é a deglutição dear ou aerofagia.

A criança deglute o ar que distende seuabdome, havendo ocasionalmente uma grandedistensão gástrica e isto costuma ser observado, emgeral, logo após as refeições, ou após muitosepisódios de hiperventilação, sendo a dilataçãoabdominal mais observada ao fim do diadesaparecendo pela manhã por que a criança nãohiperventila durante o sono . Eructações sãofreqüentes e benéficas, embora grande quantidadede ar passe aos intestinos distendendo suas alças,chegando até o reto.

EPILEPSIA E SÍNDROME DE RETTA epilepsia , de modo geral, ocorre em freqüência

de até 80 % das meninas com a SR. As crises

epilépticas , sejam elas convulsões generalizadas ououtras formas de crises são um importante fator paraa qualidade de vida e complicações médicas nestasíndrome.

A epilepsia costuma apresentar-se em váriostipos de crises e com freqüências variáveis , crisesque podem ser fortuitas, esporádicas e de fácilcontrole com drogas antiepiléticas (DAE ) habituais ,ou freqüentes, graves, de difícil controlemedicamentoso ou mesmo como epilepsia refratáriaem cerca de 30 % dos casos (10).A epilepsia pode serprecoce na SR, as primeiras crises aparecendo emgeral na fase de regressão precoce, ou segundoestágio. Em geral as manifestações epilépticas estãoiniciando entre 2 e 4 anos e o aparecimento de crisesantes da fase de regressão (antes de 2 anos ) emborapossível é considerado um evento atípico , na SR ,próprio da variante clínica com instalação precocede epilepsia .Nestes casos em geral observamosespasmos infantis com achados eletroencéfalofráficos(EEG ) de hipsarritmia, em um quadro de síndromede West, precedendo a instalação da SR ., ocorre emcerca de 10 % dos casos . Outra exceção são as crisesepilépticas manifestando-se nas fases tardias dasíndrome no quarto estágio .

A freqüência das crises costuma ser bem maiornos estágios iniciais quando são mais proeminentesas alterações paroxísticas do EEG interictal. No entan-to não há uma correlação direta entre os achados doEEG e gravidade da epilepsia na SR .A medida queevolui para estágios mais avançados nota-se no EEGum progressivo alentecimento da atividade elétricacerebral de base, diminuição da arquitetura de sonoe anormalidades multifocais e paroxismos generali-zados de complexos pontas e ondas lentas. O EEGcostuma estar anormal em 90 % dos casos excetonas fases iniciais (primeiro estágio) onde podeser ainda normal. Numerosos eventos não epilépti-cos, principalmente episódios de apnéias e crises dechoro ou riso, episódios de hiperventilação e distoniasnão devem ser confundidos crises epilépticas verda-deiras, muitas vezes a criança sendo medicada ouacrescentada uma segunda DAE desnecessariamen-te .Na SR as crises epilépticas mais observadas são ascrises tônicas (em flexão ou extensão , axiais ou glo-bais) as crises generalizadas tônico- clônicas e as cri-ses parciais motoras simples (movimentos anormaisrestritos a um segmento ou dimidio corporal) e par-ciais complexas que se associam a uma alteração daconsciência (habitualmente “desligamentos“) eautomatismo como movimentos mastigatórios eoro-faciais, difíceis de distinguir das estereotipias oro-faciais da própria SR .

Quanto a medicação anti-epiléptica utilizada naSR (em muitos casos a única medicação formalmenteindicada) dependerá do tipo de crises clinicamenteobservada e da experiência do clínico, com objetivosgerais de usá-las em monoterapias se possível ( umúnico medicamento) na menor dose útil para controlede crises com o menor número de efeitos colaterais .

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Freqüentemente doses altas de anti-convulsivos sãonecessárias ao controle de crises ou uso de duas oumais medicações. A Carbamazepina ou aOxcarbamazepina usadas para as crises parciaissimples e complexas o ácido valpróico para asgeneralizadas. Na epilepsia refratária a Lamotriginatem sido utilizada isoladamente ou em associação acarbamazepina. A Lamotrigina em especial pareceeficaz em monoterapias na melhora de outrosaspectos comportamentais . Estudo recente pilotode 12 crianças em uso de Lamotrigina mostrou , naSR , melhora de 50 % das crises de difícil controle eníveis de vigilância , atenção e mesmo das dispraxias.(10 ). O alto custo do tratamento com esta droga noBrasil limita seu uso pelo baixo poder aquisitivo degrande parte das famílias .

A NUTRIÇÃO E AS COMPLICAÇÕESGASTROINTESTINAIS NA SR

Constipação crônica é um dos maiores proble-mas médicos presente em até 80 % das meninas. Asfezes costumam ser ressecadas e as evacuações acada 2 ou 3 dias, sendo comum haver uma dilataçãocrônica da ampola retal. As causas são muitas e in-cluem falta de atividades físicas, tonus muscular ab-dominal reduzido, dieta não apropriada, uso de anti-convulsivantes, inadequada hidratação, e até escoliosee dor associada a evacuação o que tende a inibi-la ,constantemente. Uma dieta rica em fibras, um aporteadequado de líquidos, eventualmente uso de óleomineral, tipo Nujol, para lubrificação intestinal sãoaltamente recomendados como medidas preventi-vas. O uso habitual de laxativos não é recomendadobem como o uso rotineiro de enemas , que podeminterferir com o controle da musculatura retal . Masse necessárias as medidas como supositórios deglicerina e enemas devem ser empregadas, principal-mente para prevenir ou tratar a formação defecalomas que são situações de gravidade, com riscode obstrução intestinal.

A experiência de pediatras e gastroenterologistasque manejam outras formas de encefalopatais , comoparalisia cerebral, onde estes eventos clínicos não sãoraros, poderá ser requerida para avaliações e condu-tas, em risco ou suspeita de súbita piora da distensãoabdominal, ou de vômitos incoercíveis contendobile, sinais de dor abdominal e desconforto ousangramentos nas fezes ..

O ganho de peso é , em geral, muito pobre naSR, isto é visto em cerca de 80 % das meninas.Sabemos que estas meninas são em geral bemmagras, embora comam muito, e sabemos que nãoapresentam qualquer tipo de síndrome de mal absorçãode nutrientes .O que observamos é que quando a meninaestá bem nutrida parece comer bem menos que quandonão bem nutrida, embora seja desconhecida a causadestas meninas não ganharem massa muscular mesmoquando bem alimentadas (11).

Uma das primeiras explicações para o emagreci-

mento severo, até mesmo desnutrição, que atinge umaproporção alta de crianças na SR, seria o dispêndiocalórico excessivo, devido aos constantes movimen-tos estereotipados de mãos. Contudo estudos atuaisdemonstram que elas requerem maior aporteenergético mesmo em condições basais (em repouso)por que tem um menor aproveitamento calórico eum catabolismo protéico aumentado. Portanto,para aumentar de peso necessitam um aportecalórico e protéico aumentado, talvez até duasvezes mais de uma criança normal do mesmo pesoe idade, para que não percam tecido adiposo emassa muscular. Por isso recomenda-se desenvol-ver certas “estratégias” nutricionais em qualquermenina afetada que se encontre abaixo do peso ealtura normais para a idade .

Uma dieta hipercalórica , hipergordurosa ( ricaem gorduras de origem animal) e hiperproteica temsido preconizada , sendo que o constituinte lipídiodeve ser a fonte calórica principal. Cada caso indi-vidual demandará orientações específicas, e nesteparticular é útil o concurso de um nutricionista.Em nossa experiência temos usado triglicerídeosde cadeia média (óleo TCM ) via oral, como umgrande auxílio às dietas ricas em gordura e asuplementarão com levo- carnitina, em geral ma-nipulada, na dose de 50 mg por quilograma ao dia,para melhorar o ganho de peso ou prevenir a defi-ciência de carnit ina. Crianças novas comencefalopatias severas e em uso múltiplos anti-convulsivantes, em especial ácido valpróico, sãoas que mais necessitam suplementação comcarnitina, vitaminas e minerais . Devemos lembrarque muitas meninas tem problemas com amastigação de alimentos sólidos e a deglutição delíquidos. Por isso recomendamos que o alimentoseja oferecido na consistência pastosa trituradoem liqüidificador e que líquidos jamais sejamofertados diretamente , em copos, sendo preferí-vel os copos adaptados de bebes ou mamadeiras .Isto por que, como em qualquer condição neuro-lógica grave de crianças, a possibilidade de aspirarlíquidos ao pulmão é grande, caso não se certoscuidados, como servir líquidos cuidadosamenteou alimentar a criança sempre na posição senta-da.

A REABILITAÇÃO NA SÍNDROME DERETT.

A progressividade das alterações motoras na SRvaria de acordo com dois padrões bem distintos quantoa deficiências físicas , deambulação e prognóstico emgeral. As meninas que não perdem a marcha terão emgeral um melhor prognóstico em todos os aspectosmotores na SR , as que perdem ou não atingem adeambulação terão um maior número de complicaçõesneuro-motoras e ortopédicas . Mas os reabilitadores eprofissionais de educação especial devem ter em menteque com o passar da idade (e na segunda década , em

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geral) embora sinais motores possam apareceragravados no grupo não deambulatório tendendo adesenvolver maior escoliose, rigidez muscular oumostrar sinais espásticos, muitos outros aspectoscomportamentais melhoram, nas pré-adolescentes,mesmo deste grupo .Notamos a partir da puberdademuito melhor comunicação não verbal, melhoras decapacidades cognitivas e até mesmo melhoraexpontânea da freqüência e gravidade de crisesepilépticas, podendo haver redução e atédescontinuação de medicamentos para controle de crisesepilépticas , em alguns casos .

Apesar dos défices motores se estabelecerem e seacentuarem no quarto estágio nenhuma outra evidenciade progressão ou deterioração intelectual ocorrerá tantonas adolescentes restritas as cadeiras de rodas ou nasque permanecem andando (12 ).

O planejamento de ações de Reabilitação na SR ésempre complexo e envolve múltiplas áreas em umtrabalho interdisciplinar .Além dos médicos como oneurologista ou psiquiatra infantil , o pediatra ,ortopedista e gastroenterologistas , muitos outrosprofissionais estarão permanentemente envolvidos nareabilitação destas crianças .

Os fisioterapeutas tem um papel por toda a vida damenina com SR e isto desde muito precocemente, paramanutenção da marcha, treinos de marcha, outardiamente para controle de manifestações motorascomo rigidez ou espasticidade , e ainda prevenir atravésdo tratamento contínuo as contraturas e deformidadesarticulares, melhorar a função pulmonar secomprometida por escoliose , fazer uso contínuo derecursos como hidroterapia , entre outros .

Os professores especializados, terapeutasocupacionais, musicoterapeutas teriam um papeltambém permanente em melhorar as formas deinteração e comunicação da menina com SR , do uso(remanescente ) das mãos , no treinamentos de hábitosde vida diária inclusive o controle de esfíncteres , e narecreação, em especial com recursos de música quesão muito apreciadas pela menina com SR .

Fonoaudiólogos e nutricionistas podem colaborardando assistência a alimentação e planejando aingestão alimentar , criando formas de comunicaçãoalternativa (fonoaudiólogos) não verbal. Os psicólogospodem dar o suporte emocional e psicoterápico queos pais destas crianças tanto necessitam , na maiorparte das famílias, e ajudar a criar canais decomunicação. Terão ainda um importante papel noreexame de casos de autismo no sexo feminino emsuas escolas, clínicas ou Instituições, com objetivo dedetectar possíveis casos precoces ou de diagnósticosprováveis de SR, ainda não detectados ou que estejamsendo tratados de forma equivocada.

Para os profissionais de ensino especial oureabilitação interessados em mais informaçõespráticas acerca do manejo educacional e de áreasafins na SR recomendamos a leitura de um livretoSíndrome de Rett: perguntas e respostas . (editado

pela CORDE em 1994) (13 ), como uma fonte a maispara orientar o complexo e desafiador trabalho depropiciar às meninas e às famílias a melhor qualidadepossível de vida, com uso do conhecimento atual dahistória natural desta, que é uma das mais enigmática ecomplexas formas de enfermidade genética, afetandopermanentemente o desenvolvimento infantil.

Endereço para correspondênciaAv. Iguaçu, 3983, cep 80240-031, Curitiba - P R(41) [email protected]

Referencias Bibliográficas 1. Hagberg B, Aicardi J , Dias K , Ramos O. A

progressive syndrome of autism, dementia, ataxia andloss of puroseful hand use in girls: Rett Syndrome .Report of 35 cases .Ann. Neurol,14 : 471-9, 1983.

2. Olson, B, Rett, A Autism and Rett Syndrome:behavioral investiations and differential diagnostic.Dev. Med. Child. Neurol. , 2: 429-4, 1987.

3. Trevathan E , Moser HW, Opitz JM , Percy AK,Naidu S, HolmVA, Boring CC et al Diagnostic criteriafor Rett Syndrome. Ann Neurol 23 : 425-428.

4. Hagberg B , Skjeldal O. Rett Variant: a suggestedmodel for inclusion criteria. Pediatric Neurol., 11 : 5-11,1994.

5. Amir RE , Van den Veyer IB, Wan M, Tran CQ,Francke U , Zoghbi HY. Rett Syndrome is caused bymutations in X – linked MECP2 , encoding methyl-CpG –binding protein 2. Nat Genet 23 : 185-188, 1999.

6. Xiang F, Zhang Z, Clark A, Pereira J, Naidu S,Sarondi B, Delozier CD et al. Chromosome mapping ofRett syndrome: a likely candidate region on thetelomere of Xq. J Med. Genet. 35 : 297-300, 1998.

7. Webb T, Clark A, Hanefelter F, Pereira J,Rosenbloom L , woods CC Linkage analysis in RettSyndrome families suggests that there may be a criticalregion at xq28. J med Genet 35 : 997-1003, 1988.

8. Sirianni N , Naidu S , Pereira J , Pillotto R, HoffmanEP Rett syndrome : confirmation of X –linked dominantinheritance and localization of the gene to xq28 . AmJ Human Genet 63: 1552-1558, 1998.

9. Mimi Wan, Stphen S, Xiang Z, Isa H , Hae S,Ruthie A, Sarojini B, sakkubai N , Jose Luiz P Pereira,Ivan F M Lo et al. Rett Syndrome and Beyond: reccurentSpontaneous and familial MECP2 Mutation at CpGHotspots. Am. J. Hum. Genet. 65 : 1520-1529, 1999.

10. Muskat Mauro.Manifestações epiléticas naSíndrome de Rett .Temas sobre Desenvolvimento, v.8,n .45, p 45 –47, 1999.

11. Sakkubai Naidu. Pesquisas Atuais sobre aSíndrome de Rett. Temas sobre Desenvolvimento, v.8n45, p 47- 50, 1999.

12. Pereira, JL. História Natural da Síndrome deRett . Temas sobre Desenvolvimento, v.8, n 45, p 19-23,1999.

13. Pereira, JL. Síndrome de Rett – Perguntas eRespostas .Associação Brasileira de Síndrome de Rett( ABRE-TE ), Brasília : CORDE, 1994 . p 22.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTILO VII

O TRATAMENTO DOS PORTADORES

DO ESPECTRO AUTÍSTICO

Walter Camargos Jr.

INTRODUÇÃOO presente capítulo é fruto de vários anos de

prática médica e foi composto em 6 partes: asconsequências gerais do nascimento de uma criançaportadora de quadros tão graves como os aquitratados, o diagnóstico, o pré-tratamento, ostratamentos, as idades pós-escolares e o tratamentomédico em si. Há um triplo objetivo: propiciar umapanorâmica dos entraves que o profissional encontranos tratamentos indicados, buscar capacitá-lo a daras soluções necessárias e tratar da questãomedicamentosa.

AS CONSEQÜÊNCIASAs síndromes e quadros do espectro autístico são

os mais complexos da psiquiatria infantil e portantoos de tratamento mais difíceis.

Se isolarmos a questão de que o início dos sinaisse dão já ao nascimento, ou em prazo muito pequenoda idade do/a afetado/a, verificamos que isso geravárias particularidades restritivas.

Ocorre sempre um profundo ferimento no amor-próprio (narcisismo) dos pais por gerarem uma criançadoente. Se o afetado for o primeiro filho esseferimento é mais destrutivo pois os pais não tiveramo prazer / experiência prazeirosa do filho normal, alémdo que não possuem uma referência de comparaçãoentre o desenvolvimento normal e o doente, assimcomo não exerceram a função de pais gerandoinsegurança quanto a ter outros filhos e dificultandoainda mais a possibilidade da vivência parentalnormal.

Um filho doente exige do par uma maturidademuito grande para lidarem com a situação no nívelpessoal, na representação e função de pais e de casal(marido e mulher).

Atinge os pais num momento em que a vida

financeira ainda está em construção e ainda não háreservas suficientes para o investimento necessário,além de que, em geral, exige que um dos membrosparentais tenha disponibilidade para o/a afetado/a(levar aos médicos / exames periódicos / compra deremédios / outros tratamentos / escola / etc.).

Afeta também a socialização da família que sevê “impedida” dos eventos normais (festinhas, visitassociais, clubes, etc.) seja pelo comportamento dacriança, seja pela proteção de si mesmo diante deolhares e perguntas sobre a condição do/a filho/a.

A forma com que as pessoas que ocupam esselugar de pais irão lidar e “resolver” todos esses itensinfluenciarão de forma significativa todo o percursode suas vidas. Partindo do pressuposto quetratamento é questão de confiança dá para antecipara dificuldade disso ocorrer na busca do profissionalque ocupará a posição central, ou de referência paraa família, nesse ambiente tão complexo. O/a irmão/ãperceberá, e portanto viverá as “limitações sociais”logo que entender que o/a outro/a não é normal,podendo reagir de formas variadas, mas semprehaverá alguma restrição nessa área.

O DIAGNÓSTICOA necessidade de levar o/a filho/a a um neurologista

ou psiquiatra infantil já é um sofrimento para os pais e aclientela que, em geral, encontram na sala de espera eas conversas usuais nesses ambientes são outroincômodo. Exames que quando inconclusivos, já queo diagnóstico é clínico, causam a perturbação clássica:“Dr, como a minha criança pode ser doente se os examesnão dão nada?!”. Exames seqüenciados na expectativade evidência causal são mais um item de penitenciação,pois quando são normais causam perplexidade, quandoanormais tendem a mudar o foco do problema e quandosão alterados mas não anormais causam desconfiançaquanto ao tipo de exame, ao aparelho, ao técnico quefez o exame e atingem até o médico, sendo que talsituação é usualmente verbalizada como: “não queremme falar o que meu filho tem! ou, ninguém sabe o quemeu filho tem!”.

No caso do autismo infantil o diagnóstico pode sedar com a criança ainda pequena, por volta dos 2 anos,ou já entre 5 e 6 anos. No último caso a família já ouviuoutras vezes sobre o diagnóstico, mas por algum motivonão se fixou ao mesmo. Quando a criança ainda épequena o diagnóstico é um momento muito difícil edeve ser tratado com cuidado e carinho. Mesmo comos cuidados devidos, em geral a família não retornapara o acompanhamento e quando o faz é apóssignificativo período. É válido, para a família e para acriança, o profissional indicar outro para a confirmaçãodiagnóstica quando se verificar que os pais nãoaceitaram a notícia, mas é imperativo que o indicadoseja habilitado tecnicamente para tal. Quando é firmadoo diagnóstico ocorre um período de assimilação domesmo que pode durar meses, anos ou nunca serultrapassado, já que isso depende da maturidade dos

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3º Milênio

pais e o grau de confiança que conseguirão depositarnaquele ou em algum profissional. Uma tática quefacilita a aceitação é a realização de testes e escalasdiagnósticas como o CARS, durante a consulta eentregar aos pais o resultado para que eles possamver e rever os resultados em casa, longe daquelemomento de ansiedade e “confusão”. É comum nasconsultas seguintes à firmação diagnóstica a repetiçãodo diagnóstico, suas características, a necessidadede multi-tratamentos que irão se alternar durante avida, a questão da escolaridade, seu prognóstico, etc.como forma de não deixar mal-entendidos entre ainformação fornecida e a compreensão. Outra práticaque auxilia a aceitação do diagnóstico é apresentaras famílias material técnico sobre o tema que sejaacessível a compreensão leiga, para leitura e pesquisa,sites da Internet, Listas de Discussão sobre o assunto,etc. Mesmo com todos esses cuidados o comum é abusca de várias opiniões profissionais, as vezes sem afundamentação técnicas necessária, leigas ecomumente religiosas. Também verifica-se na práticapais que seguem durante anos, os tratamentosrecomendados, porém sem aceitarem o diagnósticofirmado e com a posição de desconfiança de queninguém na verdade sabe o que o filho tem.

Quando o quadro é de S. Rett a desconfiançaparece ser menor, talvez porque os transtornos sejammais evidentes, de início abrupto, ou até porque aafetada é menina. De qualquer forma a notícia temimpacto devastador.

Quando o diagnóstico é de S. Asperger e portantoa criança já tem mais de 5 anos, muita cautela deve sertomada pois em geral ou a família nunca foi informada,ou ainda não foi convencida de que problema o filhopadece, ou nunca deu valor aos transtornos, ou mesmodá aos sintomas da criança um valor positivopercebendo-o como um super-dotado. Importante aquio uso de escalas diagnósticas como o ADI-R, queembora seja muito extensa deve ser utilizada tambémpara o convencimento dos pais de que o filho é portadorde um transtorno importante.

Quando trata-se de quadros menos típicos comoAutismo Atípico, Transtorno Invasivo doDesenvolvimento sem autismo, etc. o diagnósticorequer mais cuidado, atenção e precisão. Em geraltais situações se dão com crianças com idade acimade 6 anos e a família, em geral já ouviu várias opiniões.

Ultrapassado a questão do diagnóstico médico,seguem-se os das capacidades, habilidades edificuldades de cuidados próprios, no mundo social,pedagógico, etc. Uma questão que ainda não vejoacontecer é a realização de avaliações de inteligência(1), neuro-psicológicos, capacidade verbal e executivacomo os reportados nos artigos publicados nasrevistas internacionais. Um teste que auxilia muitona avaliação, na programação terapêutica e avaliaçõesevolutivas (outro ponto distante da prática usual) é oPortage (2), objeto de outro capítulo desse livro. Julgoque no geral, ainda estamos no período“experimental” dos tratamentos pois tudo é empírico,

nada objetivo e isso vai prejudicar a criança pois assimo tratamento é organizado a partir do diagnósticomacro (nosológico) ao invés de adicionar-se a visãomicro-funcional e do prognóstico (e sem diagnósticopreciso não há prevenção adequada).

O PERÍODO PRÉ-TRATAMENTOEsse tema, mesmo que estranhamente colocado,

é de suma importância que seja identificado edevidamente discutido já que existe e é prejudicial acriança na proporção de sua duração. Esse períodoque pode durar anos depende da sanidade psíquicados pais e de sua maturidade em lidar com oproblema, pois o ponto central de qualquertratamento é a capacidade de confiar numa outrapessoa – no caso o profissional.

É comum que esse período “confusional” oudepressivo perdure por alguns meses até que seelabore a perda, se viva o luto e se organize,pessoalmente, para os momentos seguintes. Esseestágio só será vencido se a família conseguir aceitaro/a filho/a real, desistindo do filho-ideal, que é só umaimagem, um desejo. Porisso, vemos casos extremosem que familiares migram de profissional emprofissional, de escola para escola, sem seguir asorientações formuladas, sem dar a medicação deforma adequada, às vezes cometendo desatinos quecausam evidente e duradouro prejuízo a criança.

Algumas vezes os pais já carecem da sanidadepsíquica mínima para a vida em sociedade, quandose encontram diante da exigência da tomada dedecisões adequadas para a melhoria da vida da criançaafetada! Outras vezes o caminho religioso / espiritualé o escolhido em detrimento de uma separação entrecrença e técnica. Há situações em que a criança nãoé desejada e onde o ódio é o que prevalece, pois alémde não ser desejado ainda é uma pessoa muito doenteque será um fardo para o resto da vida.

OS TRATAMENTOSDeve ficar claro para todos que as crianças do

espectro autístico melhoram sempre, com ou semtratamento! Porém com os tratamentos adequadoschegam próximo à sua potencialidade.

O período de tratamento pode se tornar para oprofissional o melhor dos mundos ou o mais sofrido.Todos sabemos o quanto é gratificante uma relaçãomédico/terapeuta-paciente/família saudável. Todossabemos o prazer de trabalhar uma pessoa eacompanhar sua melhora, mesmo que de formaárdua. Todos valorizamos as famílias que investemtécnica e afetivamente em suas crianças osreconhecendo como realmente valiosos. Todosbuscamos o ideal de uma relação de confiança e desuperação das limitações de nossos pacientes, porémlidamos diariamente com limitações e impedimentosdesse ideal.

Uma das diferenças básicas do tratamento de

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

crianças em comparação aos adultos é que os crescidospossuem autonomia para decidirem por si só, o queresulta na possibilidade deles próprios buscaremtratamento para si. Quando focamos a questão dotratamento de uma criança, sabemos que a criança ésempre levada às consultas o que significa que outroscomponentes intermediam a relação terapêutica equanto mais grave é o quadro mais precisamos do apoioe participação dos pais/familiares/responsáveis para aotimização do resultado. Obviamente o expostoanteriormente expõe as dificuldades encontradas porqualquer profissional que atende essas pessoas.

Tendo em vista que tais quadros exigem umtratamento multi-disciplinar, entramos em outraencruzilhada: a das pessoas que ocupam os lugares deprofissionais. Aqui também dependemos de uma série defatores como: maturidade pessoal para lidar com os pais epara o trabalho em conjunto com outros profissionais,flexibilidade para lidar com os pais, experiência profissional,ética na condução do tratamento, disponibilidade detempo, interesse e investimento no tratamento,flexibilidade para lidar com os outros profissionais aliado afirmeza técnica, criatividade e esperança. O profissionalsempre deve ter esperança, sempre deve acreditar queserá possível atingir a melhora que a potencialidade daquelacriança aponta! E isso nem sempre é fácil. As freqüentesfrustrações exigem uma verdadeira ginástica de lidar coma impotência, que com frequência sequela os profissionaiscom episódios depressivos e até psicóticos.

Cabe aos profissionais identificar as “armadilhas”

colocadas, em geral de forma inconsciente, pelos

responsáveis como:

• O questionamento sobre a conduta de outroprofissional, com o desejo velado que umdesacredite tecnicamente o outro;

• Outra comum é a situação verbalizada como: “Dr!Já estive em vários médicos e só o Sr. para dar umasolução para o/a ....”;

• Contrapor a conduta de um profissional em relaçãoa outro com o intuito de gerar uma confusão paracontinuar acreditando que “realmente ninguémsabe nada - cada um fala uma coisa diferente”;

• Contínua demanda de melhoria da performance dacriança, desqualificando todas as vitórias alcançadas;

• Comportamento de persistência em queixasvariadas a cada consulta, as quais não observadasdurante as consultas, seja na frequência seja nagravidade;

• A resistência no uso de alguma medicação, mesmohavendo concordância verbal.

Por outro lado cabe aos profissionais estarem

capacitados a não atrapalhar os pais com compor-

tamentos tais como:

• Não trabalhar em conjunto com outros profissio-

nais;• Não esclarecer os pais e familiares sobre o objetivo

das condutas tomadas;• Não informar aos pais sobre a “lógica de

funcionamento” dessas crianças (auto-estimulação,fundamentos da Teria da Mente, ilhas de habilidades,etc);

• Discutir com os pais a conduta de outro profissionalde forma reativa, sem antes buscar esclarecer como profissional a veracidade da afirmação e seuobjetivo;

• Questionar com os familiares o diagnóstico jáfirmado, ao invés de conversar com o profissional;

• Propor tratamentos não qualificados, experimentaise sem fundamentação técnica.

A existência de um profissional que ocupe o lugarde Terapeuta-referência é importante pois será elequem “gerenciará” os tratamentos da criança. Podeser por escolha dos pais e pode emergir do grupoprofissional que assiste o/a afetado/a. Essa pessoatem a função de promover reuniões com os outrostécnicos, discutir a evolução do assistido e as técnicasque estão sendo empregadas, orientar os pais quantoas novas necessidades da criança indicando início efim de tratamentos, etc. Esse conceito é poucoutilizado mas essencial na integração de informaçõesentre os profissionais e entre esses e os pais.

Pensando nas Instituições também lidamos comparticularidades que exigem um saber prévio e nospossibilita uma antecipação de acontecimentos. Emgeral as Escolas são aceitas, mas raramente sãorealmente valorizadas na importância que merecem,não só por familiares como também por profissionais,notadamente do grupo médico. As Escolas Especiais,em geral, são vistas como tendo uma populaçãomuito mais grave que a do/a filho/a, superpopulosas,desinteressadas e interesseiras. Quando o/a afetado/a está numa Escola regular há uma cobrança de maioracompanhamento pedagógico.

Pensando nas famílias, incluso os irmãos e outroscuidadores1 , é frequentemente necessário umaterapia de suporte além das orientações rotineiras eoutras vêzes alguém do grupo familiar terá indicaçãopara um tratamento individual.

Os que trabalham de forma pragmática buscam

sempre a possibilidade de se formular um

prognóstico, mesmo que relativo. A prática nos

mostra que não conseguimos antecipar um

prognóstico se atuarmos sem dados objetivos (dados

micro-funcionais). Alguns aspectos favoráveis são:

• bom nível intelectual• ausência de doença degenerativa• ausência de doença neurológica refratária ao

tratamento (epilepsias)• diagnóstico e tratamento precoce

1 Cuidador é qualquer pessoa, familiar ou não, que cuida / toma conta de outra.

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3º Milênio

• manutenção da composição familiar• boa qualidade técnica dos profissionais participantes• ausência de deficiência sensorial (surdez, cegueira,

etc.2 )

Quando se planeja um tratamento, deve-se

considerar:

• o que a criança precisa;• o que ela consegue assimilar / executar;• o que a família quer;• quais são os recursos disponíveis.

Com tudo que já foi aqui dito, fica claro que ostratamentos devem ser discutidos com os responsáveise “cuidadores”, às vezes de forma exaustiva, os queconvivem (pais, irmãos, avós, babás, vizinhos,profissionais da creche, etc) com a criança afetadadevem ser treinados para entender sua peculiar forma-de-ser e praticá-la no cotidiano, minorando assim oabismo que existe entre esses mundos.

AS IDADES PÓS-ESCOLARESAqui no Brasil o Autismo Infantil está tão

intimamente ligado a Autismo de Baixa Funcionalidade/Performance que quando nos referimos a AI já pensamosnos quadros graves, não-verbais, auto-agressivos, etc.,donde coloco esse ponto de discussão – idades pós-escolares.

O que fazemos com nossas crianças autistas, ou amaioria das crianças do espectro autístico queconhecemos quando estão na adolescência? Quandonão querem mais ir a Escola. Que estão grandes, fortes,desafiantes, voluntariosos, e erotizados como qualqueroutro adolescente. Quando estão apresentandocomportamentos difíceis de manejar pelos educadores.Quais os recursos disponíveis temos aqui no Brasil paraessa clientela? Mesmo os adultos, onde estão?Certamente não estão no mercado de trabalho.

Em Belo Horizonte, minha cidade, alguns deles emesmos adultos, são colocados em Escolas Especiaisocupando vagas das crianças pequenas que precisaminiciar o aprendizado e colocando em risco osprofissionais que trabalham nessas Instituições, já quenão são treinados a lidar com essa população adulta.Outros poucos conseguem espaço em Instituiçõesespecializadas em atividades ocupacionais algunshorários na semana. Mesmo os que possuem recursosfinanceiros disponíveis tem dificuldade em obter umaInstituição que tenha um objetivo específico para essaclientela. Outros são cadastrados em Serviços de Saúdecomo Hospitais-Dia, NAPS, CAPS, etc. – porém essesserviços são de manutenção muito mais onerosa para oSistema Público do que um Serviço que denominareide Ocupacional3 que não exige uma estruturacaracteristicamente médica. A questão dos adultosportadores de distúrbios graves do desenvolvimento,

assim como dos portadores de Retardo Mental é umaquestão grave e não solucionada dentro do SistemaPúblico.

Algumas famílias conseguiram dar soluçãocriando casas para essas pessoas como tão bemescreveu a autora do Capítulo AMA-Aracajú.Importante marcar que essas famílias queconseguem deixar esse filho/a morando em outracasa são os grandes vencedores dessa empreitadapois “abrem mão” da tutela de um filho incapazpara terceiros. Isso pode parecer simples ao sensorialdos menos experientes mas é uma capacidade quepoucos conseguem, já que lidam com o sentimentode estar “perdendo” o/a filho/a para outro, numasituação em que o filho continua incapaz de lidarcom suas necessidades. Uma mãe, que conseguiuisso, me dizia:

• Mas Dr. Walter, minha filha não reconhece mais anossa casa como a casa dela! Não quer mais dormirna cama dela! Não consegue ficar mais que 3horas lá em casa, que começa a ficar igualantigamente e na casa onde ela mora com a ......ela não faz mais nada disso. Perdi minha filha, Dr.Walter!

• A Sra. não perdeu a sua filha não. A sua filha é queprecisou buscar a vida dela em outro lugar, igualseus outros filhos que já não moram com a Sra.

• Mas parece que ela nunca reconheceu a nossacasa como dela!

• É, mas isso acontece com muitas pessoas. Quantaspessoas a Sra. conhece que se casaram para sair decasa, quantas pessoas a Sra. conhece que foramestudar em outra cidade para sair de casa?!

• É, o Sr. tem razão. Mas minha filha é do jeito queo Sr. conhece. Sinto que perdi minha filha!

• A Sra. não perdeu a sua filha, mas deu a ela aoportunidade de escolher o caminho que elapreferiu, deu a ela a mesma condição que deu aosoutros filhos normais. Isso só umas poucaspessoas conseguem, a Sra. e seu marido são umasdessa poucas e por vocês terem conseguido issoeu os admiro tanto. Para falar a verdade, eu nãoacreditava que vocês iriam conseguir! Para a ....vocês propiciaram a alegria de viver!

O TRATAMENTO MÉDICOO tratamento médico é confundido com

tratamento medicamentoso e é interessante como issocausa um sentimento ruim nos pais e até nosprofissionais. Denomino como interessante poistrabalhando atualmente num hospital pediátricovivencio famílias medicando seus filhos acometidos pordiabetes, hipertensão, asma, epilepsia, por infecções,etc. sem o conflito que deparo quando a necessidade é

2 Os portadores de deficiência visual tiveram, na experiência do autor, melhores resultados em comparação aos de deficiência auditiva, isso nassituações de déficit total ou próximo a isso.

3 Serviço Ocupacional é aquele que tem a finalidade se disponibilizar para a pessoa um lugar para ficar, fora de casa onde conviverá com outrossem a finalidade pedagógica formal e/ou profissionalizante.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

da ordem psiquiátrica. Mesmo médicos demonstramtal vivência. O discurso é sempre o mesmo: “ela viaficar sedada”, “vai ficar babando”, “não vai influir nacausa”, “se não sabemos a causa, porque medicar!”,“é uma covardia medicar uma criança tão pequena!”,“não quero meu/inha filho/a dependente de remédio!”,etc. A manutenção dessa postura atrasa o processoterapêutico da criança e deve ser trabalhadopessoalmente pelos profissionais consigo próprios ecom as famílias.

Pessoalmente não discrimino os tratamentos, aci-ma descritos com o psiquiátrico, pois, dentro de suasindicações, vejo a todos como uma necessidade. Otratamento medicamentoso não é o tratamento maisimportante que existe, mas pode sê-lo se o/a afetado/a apresentar comportamentos que o tornem impossí-vel de ser trabalhado “ao natural”, donde o uso dedrogas psiquiátricas terão a finalidade de deixar a cri-ança em condições de:

• uma convivência familiar menos prejudicada;• uma vida social menos turbulenta, hiperativa,

impetuosa, auto-agressiva, obsessiva, etc;• ser trabalhada pelos outros profissionais (Terapia

Ocupacional, Fisioterapia, Musicoterapia,Fonoaudiologia, Psicologia, etc);

• conseguir adquirir o conteúdo pedagógico formal;• atingir a performance de sua potencialidade.

Outra reação comum é a resistência em aceitarque as melhoras foram obtidas pela medicação.Sempre existe uma busca de explicação, de outraordem, que é diretamente proporcional a rapidez emelhora sintomatológica obtida pela criança.

Por outro lado encontramos familiares que sãocientes da necessidade da medicação e mesmotemendo reações adversas buscam melhoria daperformance da criança através dessa via.

A todos os pais e responsáveis os efeitos adversosdas medicações devem ser expostos e escritos noprontuário do/a paciente. Sabe-se por exemplo que osneurolépticos (Haloperidol, Periciazina, Clorpromazina,Levopromazina, etc) e talvez os anti-psicóticos atípicos(Risperidona, Olanzapina, etc.) possam causardiscinesia tardia (sinais de movimentos automáticosde musculatura facial, do pescoço e das mãos) e queisso ocorre devido a um tipo de lesão cerebral (núcleosda base) irreversível. Pessoalmente coloco a questãoem discussão dentro da lógica custo-benefício ondequem decide é a família.

Ao neurologista cabe o importante lugar dotratamento dos transtornos do SNC como as epilepsias,as síndromes degenerativas, paralisias, tumores, etc.O psiquiatra deve ter ciência psicopatológica, dedinâmica familiar, de farmacologia e da atuação dosoutros profissionais. Como as co-morbidades

neurológicas são comuns, a atuação desse especialistaé constante e deve ser conduzida em sintonia com osoutros profissionais. A polifarmacia as vezes é inevitávele as consequências não devem ser banalizadas.

Os quadros psiquiátricos, hoje tratáveis, maiscomuns são (9): hiperatividade, impulsividade, auto-agressividade, obsessões e fobias, os tic’s, e numafrequência muito menor de quadros psicóticos.

Os neurolépticos vem sendo gradativamentesubstituídos por medicamentos (antipsicóticosatípicos) que trazem menor risco da discinesiatardia e não há, ainda, relato de impregnaçãomaligna. Os neurolépticos continuam a ser os maisutilizados nas crianças portadoras de performancemais baixa.

A hiperatividade pode ser medicada com psico-estimulantes4 mas que trazem importantes efeitoscolaterais como anorexia, perda de peso e insônia. Apericiazina (embora não comentado em nenhumartigo) e a Clorpromazina são muito bem tolerados ecom bons resultados. A Clonidina é uma ótima opçãopara os quadros hiperatividade refratária a outrasmedicações ou quando os efeitos colaterais sãoimpeditivos. A experiência mostrou-me que quadrosde hiperatividade e turbulência com a característicade início súbito mas de manutenção constante podeser causado por dor, sendo a odontalgia uma causafrequente.

O Haloperidol tem indicação nos tic’s, assimcomo o Pimozide e também quando a turbulêncianão cede com outras medicações. É um ótimomedicamento, possuindo perfil comparável aRisperidona, apesar da sedação que pode provocar,de causar impregnação (forma mais comum é aacatisia onde a criança fica mais inquieta) e deprimiro humor. Esse último fator deve ser seriamenteavaliado pois algumas vezes os afetados estãodeprimidos (diagnóstico difícil nessa clientela) epioram com essa medicação. Nas situações ondeocorrem sinais de impregnação a utilizaçãoconcomitante de Biperideno ou mesmo deprometazina deve ser considerada.

A Tioridazina é muito bom para os quadros deimpulsividade e para os adolescentes cuja excitaçãosexual esteja causando irritabilidade e agressividade(importante salientar efeitos colaterais comuns comoo prolongamento de espaço QT na condução cardíacae o aumento de peso).

Para os quadros de agressividade pode-se usar tam-bém a Clorpromazina, a Risperidona (3,4,12), apesardo aumento de peso, os Beta-Bloqueadores (8) e oPimozide . Outra medicação muito boa paraagressividade é a zuclopentixol, mas que frequente-mente causa impregnação.

A Naltrexona está indicada nos casos de auto-agressividade grave, porém sendo hepatotóxica deveter monitoramento sistemático.

4 Não obtive boas respostas a essas drogas com os portadores de autismo infantil.

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3º Milênio

A resposta terapêutica aos quadros depressivos eobsessivos não apresentam um padrão específico,respondendo bem a Clorimipramina e aos inibidoresde recaptação de serotonina. Os moduladores dehumor também trazem boas resposta (9,11) e devemser sempre considerados nas pessoas que ciclamfrequentemente, em geral demonstrado por distúrbiosno comportamento.

A utilização de vitamina B6 associada comMagnésio (6) em altas doses traz em alguns casosganhos cognitivos temporários, melhorando aatenção e portanto aumentando o interesse porfatos do meio ambiente.

Nome Dosagem Nome Dosagem

Hidrato Cloral (11) 30 - 50 mg/kg Propanolol (8) média de 150 mg/dia

Metilfenidato (9) 5 – 60 mg/dia Naltrexona (8) 0,5 – 2

mg/kg/dia

Clorpromazina acima de 6 meses de Clorimipramina (8)0,5 – 3 idade 3,3 mg/kg/dia mg/kg/dia

Haloperidol (9) até 10mg/dia Fluoxetina (11) 20 – 80 mg/dia

Pimozide (8) 3 – 8 mg/dia Fluvoxamina (11) 50 – 300 mg/dia

Clonidina (9) 0,05 – 0,4 mg/kg/dia Sertralina (11) 25 – 200 mg/dia

Tioridazina 05 – 3 mg/kg/dia Divalproato (9) 15 mg/kg até 1.250 mg/dia

Risperidona (3,11) 1 – 6 mg/dia Piridoxina(6) . . . até 30 mg/dia

Lactato magnésio . . . 10 mg/dia

O tratamento médico deve ser sempreconsiderado como uma possibilidade ultrapassandoa questão se o profissional é ou organicista, é ou nãoafeito ao ideário psicodinâmico. Devemos sim, nosater ao que melhora a criança independente linha deatuação do profissional.

Endereço para correspondência:

[email protected] / www.autismo.com.br

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS(1.) Pinheiro MLS, Poelman AMSS, Camargos Jr.

W. Avaliação Psicométrica da Inteligência de CriançasPortadoras de Transtornos Invasivos do Desen-volvimento. Temas sobre Desenvolvimento, 2001, 10:(55); 14-8

(2.) Camargos Jr W. Resultado de Aplicação deEscala Portage em 30 crianças portadoras de AutismoInfantil – pôster. XIV Congresso Brasileiro da ABENEPI.Belo Horizonte, setembro, 1997.

(3.) Cohen AS et alli. Risperidone for aggressionand self-injurious behavior in adults with mentalretardation. J Autism Dev Disord, 1998, 28(3): 229-33.

(94.) Hellings JA. Treatment of ComorbidDisorders in Autism: which regimens are effective andfor whom? Medscape Mental Health, 2000, 5(1).

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(7.) McDougle CJ, Price LH & Volkmar FR. Childand Adolescent Psychiatric Clinics of NorthAmerica,1994,3(1):1994

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

SEÇÃO II – TEMAS DAPSICOLOGIA

CAPITULO VIII

SINAIS PRECOCES DECOMPROMETIMENTO SOCIAL NOAUTISMO: EVIDÊNCIAS ECONTROVÉRSIASCleonice Bosa

Os bebês nascem com uma notável capacidadepara prestar atenção ao mundo físico ao seu redor.Antes mesmo do nascimento, já reagem erespondem a, por exemplo, diferentes intensidadesde som e luz. Contudo, nada disso compara-se àgrandiosidade da habilidade para comunicar-secom outros seres humanos, demonstrada logo apóso nascimento.

A análise de vídeos, envolvendo a observaçãode bebês, tem possibilitado o conhecimento sobrea precocidade das competências sociais dosmesmos. Tal conhecimento tem conduzido àelaboração de explicações sobre as bases dodesenvolvimento humano, ancorada na idéia deque todos nós somos equipados, ao nascer, comhabilidades para nos orientarmos em direção ao“outro”. Mais do que o interesse pelo mundo físico,são a busca e respostas à proximidade de outro serhumano, que desencadeiam uma gama decomportamentos no bebê.

Nesse texto, inicialmente, discute-se algumasquestões sobre o desenvolvimento da comunica-ção e interação social, em bebês ditos “normais”,tais como, modos e seqüência de expressão doscomportamentos comunicativos e sua relação coma linguagem. Também será enfocada a forma comose dá o ingresso da criança no mundo físico e autilização da exploração dos objetos como media-dor da interação entre o adulto e a criança. Emseguida, aborda-se a questão da identificação desinais precoces do “autismo”, apresentando-se tan-to as evidências acumuladas nesse campo quantoas controvérsias. Essas discussões têm implicaçõespara avaliação diagnóstica e intervenção.

As noções aqui discutidas são compreendidasa partir da abordagem sócio-cognitiva, cujo focoprincipal é a compreensão dos processos ligadosao desenvolvimento da noção de si mesmo e dasoutras pessoas. O ponto de partida é a noção deque os sistemas cognitivos de compreensão socialnão podem ser dissociados dos afetivos.

O INGRESSO NO MUNDO SOCIALÉ na sutileza do repertório comunicativo das

crianças, bem antes da emergência das primeiraspalavras, que se encontra a chave do reconhecimentode possíveis comprometimentos, que vão além deum “atraso” do desenvolvimento.

Os estudos sobre bebês, especialmente a partirdo início da década de 80, têm comprovado amarcante capacidade do recém-nascido emdiscriminar sinais do comportamento humano(Trevarthen, 2000). O bebê reage aos estímulos sociaise comunica suas necessidades e “desejos”, usandotodo o seu pequeno corpo. Modifica a expressão daface, a entonação da voz e o movimento dos braçose pernas, quando na presença de pessoas. Essasreações tornam-se cada vez mais complexas, namedida em que o bebê distingue pessoas de “coisas”e diferencia pessoas familiares, das estranhas. Certashabilidades do recém-nascido como, por exemplo, apreferência em focalizar a atenção na face humana,em especial os olhos, e o reconhecimento do odordo leite materno e da voz materna, não podem maisser tratados como meras suposições. O primeirointeresse do ser humano é, sem sombra de dúvida,um outro ser humano. No início, o apego é em relaçãoàqueles que lhe deram a vida, protegem, afagam ealimentam; os pais constituem a fonte inicial deconforto e de segurança (Bowlby, 1969; Brazelton,1988). Mas aos poucos, o interesse amplia-se paraincluir outros, com os quais vai dividir as suasdescobertas pelo mundo.

Por outro lado, o impacto dessa capacidade dobebê nos adultos é imenso. Estes últimos atuam,intuitivamente, no sentido de deflagrar, cada vezmais, as reações de receptividade do bebê ao contatohumano. Acentuam suas expressões faciais,modificam a voz, alterando o seu ritmo e espaçandoas verbalizações, quando se dirigem ao bebê. Essecomportamento é observado em diferentes culturase parece se manter devido à atração que essa formade interagir exerce sobre os pequenos. Os bebês eseus pais, em condições apropriadas, “ajustam-se”,mutuamente, e embarcam numa viagem rumo aocompartilhamento de suas experiências. Cada um trazna sua bagagem, tanto a capacidade para expressarsinais como para codificá-los (Bruner, 1981). Essasintonia serve ao propósito de sobrevivência, aomesmo tempo em que funciona como uma“garantia” contra o que os etologistas identificamcomo um dos maiores medos do ser humano – o deestar só (Bowlby, 1969). As trocas afetivas são, então,a primeira forma de relações recíprocas que o bebêvivencia. Cedo, ele aprende que suas ações não sãoem vão. Logo percebe que o mundo ao seu redorpossui uma natureza “relativa”.

A observação sistemática de bebês temtestemunhado que, desde os dois meses de idade, acriança reage negativamente a experimentos quealteram a atmosfera natural da interação mãe-bebê(Trevarthen, Aitken, Papoudi & Robarts, 1996). Por

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exemplo, quando as mães foram instruídas a olharempara seus bebês, mas a permanecerem quietas e nãointerativas e, portanto, diferentes do seu estilointerativo habitual, os bebês mostraram-se “aflitos”.As reações registradas foram de maior agitação echoro, comparados aos sorrisos e vocalizações,presentes nos contextos de interação livre. Aos trêsmeses, as reações foram diferentes: os bebêsaumentaram a exploração do ambiente e,ocasionalmente, dirigiram o olhar às mães e emitiramsinais para chamar a sua atenção. Isso parece indicarque esses bebês contaram com os seus recursoscognitivos (exploratórios) para lidar com a “quebra”da interação – habilidade que o bebê mais novoparece carecer. Esses resultados demonstram quãocedo o bebê começa a aprender a extrair significadosdas expressões dos outros, em especial das dos seuspais, e a reagir à ausência delas.

Buscar, responder ou manter a atenção de outroser humano é uma tarefa precoce, que possuidesdobramentos importantes para o futurodesenvolvimento afetivo e cognitivo do bebê.Evidência disso provém de estudos demonstrandoque bebês, vítimas de severa privação social, nosprimeiros meses de vida (abandono, maus tratos,etc.), apresentaram um funcionamento cognitivo emnível de deficiência mental e comportamentossemelhantes aos encontrados no autismo (Tanguay,2000). Pode-se dizer que o desenvolvimento dehabilidades cognitivas, tais como a atenção ememória, emergem e se “complexificam”, a partirdas experiências interativas iniciais.

A partir do segundo trimestre de vida, o bebêdesenvolve, rapidamente, habilidades motoras que ocapacitam a agir, cada vez mais, sobre o ambientefísico. Desafiar a própria gravidade para manter acabeça elevada e firme ou o controle do corpo é umpasso essencial no desenvolvimento docomportamento exploratório. Os objetos são agora“inspecionados” com maior precisão. A curiosidade arespeito do movimento, textura e cheiros dos objetoscompete com a motivação para explorar o corpo deoutra pessoa ou o seu próprio. Mas a busca pelacompanhia do outro não é abandonada nessa etapa.Entretanto, o interesse quase que “exclusivo” pelaspessoas, em especial pelas figuras materna ou paterna,agora se alterna com o interesse pelos objetos. Aintegração entre os mundos físico e interpessoalconstitui mais uma difícil tarefa para o bebê.“Desequilíbrios” na cadeia interativa entre o bebê e amãe, caracterizam esse período. Trevarthen (2000)chamou a atenção para o perigo das observações sobreos momentos de “desinteresse do bebê pelo adulto”,nessa etapa, serem erroneamente interpretadas como“problemas no vínculo mãe-bebê”

Os adultos também parecem reagir a esse marcodo desenvolvimento, pois suas formas de interaçãotornam-se qualitativamente diferentes e maiscomplexas. Utilizam os objetos do mundo físico paramediar a interação com o bebê e o fazem através de,por exemplo, canções e jogos sociais (Bruner, 1981).

O interessante é que muitos aspectos da qualidadedesses jogos (ritmo, batidas, etc.) são similares emdiferentes culturas, cujos costumes e linguagem sãototalmente distintos. Mais uma vez, argumenta-seque o desenvolvimento das capacidades motoras eperceptivas é imerso num contexto interativo. O bebêdescobre as propriedades do mundo físico, motivadonão somente pelas suas próprias capacidades paraagir sobre os objetos, mas pelas “mensagens” enviadaspor pais sensíveis às suas vivências. O adulto atento“lê”, “traduz”, “narra” e confere um “sentido” àsatividades do bebê que, por sua vez, experimenta umsenso de maestria (Bruner, 1997).

No segundo semestre de vida, as competênciascomunicativas do bebê evoluem, dramaticamente.Suas “intenções” tornam-se cada vez mais claras.Bowlby (1969) já descrevera os protestos veementesdo bebê, quando a mãe se afasta: chora, agarra-se elocomove-se até ela, não deixando dúvidas sobre suas“intenções” de busca de proximidade. Torna-se cadavez mais hábil para mostrar o que quer: estica osbraços em direção ao adulto para ser pego no colo;faz isso olhando-o nos olhos e modulando choro ouresmungos, conforme a reação da outra parte.Mudanças nesses comportamentos iniciais do bebêsinalizam para o adulto se o desfecho foi ao encontrodas suas expectativas ou não. Quando necessita daassistência do adulto para obter objetos ou eventos(ex: acionar um brinquedo mecânico) é capaz de fazê-lo, muito antes da emergência das primeiras palavras.Toca o adulto, pega a sua mão e o conduz até o lugarou objeto de interesse, alternando o olhar entre oadulto e o objeto. Tudo isso é acompanhado porexpressões faciais e vocais que assinalam, de formaclara, as suas “vontades” (Messer, 1994). O bebêdescobre e usa as propriedades comunicativas dassuas expressões afetivas e gestos. Quandoamedrontado, cansado, doente ou com fome, buscao cuidador (a principal figura de apego) e esforça-separa manter a proximidade com ele.

A partir dos nove meses de vida, ganha espaço oreconhecimento, da parte do bebê, de que as outraspessoas são agentes de contemplação e não somentede ação (Hobson, 1993). Ou seja, não existem apenaspara nos assistirem nas nossas necessidades, mastambém para compartilharem conosco, interesses e“prazeres”. O bebê está a caminho de conceber asoutras pessoas como dotadas de seus própriossentimentos, desejos e crenças.

A busca por novidades amplia-se, assim como a“consciência” acerca de si mesmo e doscomportamentos e “intenções” das pessoas que lhesão familiares. A criança busca, ativamente, acompanhia das pessoas; adora “se exibir”, “fazergracinhas” e obter aplausos. Com isso, diverte osoutros e a si mesma. A capacidade imitativaintensifica-se, possivelmente como um meio de obter“aprovação” e um senso de “pertencimento” aogrupo social. Essa busca pela “parceria” e companhiados outros se sofistica, progressivamente, tomando

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

formas de verdadeira “cooperação”. A criança maisdo que nunca, está atenta ao modo como as pessoasvêem o mundo e como usam os objetos contidos nele.

O interesse do bebê amplia-se, da exploração daspropriedades dos objetos (ex: cheiro, textura, forma,etc.) para a descoberta da sua função. O bebêdemonstra uma grande atração por brincadeirasvigorosas ou repetitivas, principalmente aquelas que“violam” expectativas sobre ações ou movimentos(queda de objetos, “coisas” que somem e reaparecem,que aumentam e diminuem de tamanho, queproduzem ruídos súbitos, etc.). Abrir e fechar portas,acender e apagar a luz, erguer e derrubar barreirassão exemplos de atividades favoritas, que o auxiliama perceber que as suas ações têm um impacto noambiente. Com isso, cresce o senso de competência(Trevarthen & cols., 1996).

Uma das características mais importantes dessafase é a forma de comunicação que o bebê utilizapara compartilhar as suas experiências e descobertas.As vocalizações são combinadas com os gestos, numesforço para fazer comentários e indicações sobre ofoco do seu interesse. O objetivo aqui é ocompartilhamento de interesse pelo simples prazerque isso traz (Carpenter, Nagell & Tomasello, 1998).Gestos como apontar, atos de trazer e mostrar objetospara o adulto, alternados com o olhar em direção aele, por exemplo, constituem formas “não-verbais”de fazer convites, perguntas para obter informaçõesou esclarecimentos sobre os objetos - o que são epara que servem. Esse movimento orientado para ooutro engendra complexas cadeias de interação social.A observação de uma criança, nessas situações, nãodeixa dúvidas sobre a sua capacidade de “bater papo”,muito antes da emergência da “fala”. É nesse contextoque ela desenvolve a capacidade de avaliar situaçõesdo ambiente (por exemplo, como ameaçadoras ouafáveis), a partir da “leitura” das expressõesemocionais maternas (facial e gestual) – uma área deestudos da psicologia do desenvolvimento,denominada “referência social” (Messer, 1997).

Progressivamente, o bebê percebe que as pessoasapresentam diferentes expressões emocionais,atitudes e interesses, em relação aos mesmos eventos.Por outro lado, podem reagir de forma semelhante asituações diferentes. O mundo se “relativiza” aosolhos da criança; ela aprende que as propriedadesdos objetos podem ser descoladas de sua aparênciaimediata. Aos poucos, reconhece que o olhar, a voz,os gestos das pessoas, mudam conforme o contexto.As coisas podem ser chamadas de “bonitas” nummomento e de “feias” em outro; a criança é “grande”em certas circunstâncias e “muito pequena” emoutras. Assim segue a caminhada, na trilha dassutilezas e contradições das relações humanas, rumoà sofisticação da capacidade simbólica.

O ingresso no mundo das convenções e rituais éimpulsionada pela motivação para compreender efazer-se compreender – a essência da

comunicação.Os meios simbólicos de expressão,entretanto, não se restringem à fala ou ao sistemaauditivo. Estando ligada aos diferentes sentidos, pode-se pensar em “diferentes linguagens” que são, alémde ouvidas, “sentidas e vistas”. Evidentemente, acodificação desses sinais da criança requer sensibili-dade da parte de seus cuidadores. O que é percebidopelos pais é devolvido para a criança; os adultos agemcomo uma espécie de “narradores” das atividadesdo filho. A criança, por sua vez, percebe, cada vezmais, o eco de suas ações, numa “circularidade”marcada por um esforço recíproco de cada um paraestar em sintonia com o outro.

A relação com os objetos acompanha essasmudanças. Já mencionamos a evolução damanipulação/exploração para a descoberta dasfunções dos objetos (ex: apertar botões, puxar cordas,realizar encaixes, etc.). Logo, os objetos passam a serusados em substituição a outros, que estão ausentes.Da mesma forma, as propriedades dos mesmospodem ser “recriadas” de infinitas formas, naschamadas brincadeiras de faz-de-conta. Assim, umbloco de madeira pode ser um carro ou um alimento;atribui-se “calor” a uma imaginada vela de aniversário,etc. Com isso, recriam-se também as atividades docotidiano, assim como os conflitos, as incertezas, osmedos. Os comportamentos dos adultos, maisfreqüentemente imitados, são aqueles ligados àhigiene, alimentação, lazer e sono. Inicialmente, essasatividades são dirigidas a ela própria: usa um pentede brinquedo para pentear o próprio cabelo ou“alimenta-se”, usando um “kit de jantar”. Mais tarde,essas ações são dirigidas aos bonecos e similares.Dessa forma, a criança reproduz não somente a suarotina, mas também as emoções e os conflitos; umaforma de lidar com sentimentos tão intensos e, muitasvezes, antagônicos. Afinal, é difícil compreender quese pode amar e sentir raiva da mesma pessoa! Cenasde carinho ou expressões de raiva são comuns duranteas brincadeiras em que as relações familiares são“recriadas”.

As brincadeiras de faz-de-conta tornam-se cadavez mais elaboradas, na medida em que aumenta acapacidade de representar. A linguagem desenvolve-se e permite à criança trocar as suas experiências comas outras pessoas. Durante as brincadeiras, a criançamostra a visão que tem de si e dos outros; experimentavários “papéis”. Pode ser o pai, a mãe, o médico, odentista, o balconista. Pode ser quem quiser. E isso éapenas uma das grandes formas de fazer sentido doque é ser “gente grande”, do que as pessoas pensam,sentem e acreditam – o que os teóricos dodesenvolvimento chamam de habilidade paradesenvolver uma “teoria da mente” (Baron-Cohen,1995).

Desde o primeiro olhar para o rosto humano atéa compreensão das emoções e ações dos outros edas regras que regem uma cultura, há uma grandecaminhada. Infelizmente, nem todas as criançaschegam até aqui. O autismo parece ser o protótipo

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dessa situação. Acredita-se que os fatores quedificultam esse percurso podem estar presentes desdea “largada” dessa caminhada ou mesmo antes dela,conforme os estudos na área da neurobiologia doautismo (Tanguay, 2000).

SINAIS PRECOCES DE COMPROMETI-MENTO SOCIAL NO AUTISMO

As informações sobre o desenvolvimentoinicial de bebês, mais tarde diagnosticados como“autistas”, têm sido controversas. Alguns estudosmostraram que esses bebês, comparados a outrossem problemas de desenvolvimento, tenderão aapresentar menor freqüência de contato olho-a-ollho,sorriso e orientação para a face, durante interaçõescom suas mães, desde os primeiros meses de vida.Existem também resultados sobre a menor freqüênciado balbucio ou de resposta ao ser chamado pelonome, em comparação aos bebês de grupos decontrole, observados no final do primeiro semestre.Entretanto, não podemos esquecer que outraspesquisas não conseguiram demonstrar qualquerevidência de comprometimento nesse período, sejautilizando a observação de vídeos domésticos ouinformações dadas pelos pais (ver Bosa, no prelo, parauma revisão mais detalhada; Trevarthen & cols, 1996).

A partir disso, pode-se levantar as seguintes

questões:

1) Os comprometimentos “sociais” podem, defato, não estar presentes desde o 1o semestre de vidado bebê;

2) Geralmente estão presentes, mas os paispodem não notar porque:

• Essas dificuldades são sutis• Os pais não concebem os comprometimentos

como tais porque são inexperientes quanto aosparâmetros de desenvolvimento de um bebê

• Os pais não “notaram” o problema, pelo sofrimentoque isso despertaria.

Entre os fatores que contribuem para esse últimoitem estão a falta de experiência e convivência comcrianças, da parte dos pais, e a relativa freqüência dacultura do “vamos esperar mais um pouquinho” dealguns profissionais da saúde. Isso porque,geralmente, os encaminhamentos só ocorremquando há atraso importante da “fala”, ainda quepossíveis “desvios” sejam observados na área dasociabilidade, mais cedo. De fato, ao redor dos 18meses, muitos pais já “desconfiam” que algo nãoestá bem, no que se refere ao desenvolvimento socialdo bebê, embora as investigações, em geral, iniciemmais tarde.

Se as controvérsias quanto à identificação decomprometimentos no 1o semestre de vida do bebê

ainda são intensas, o mesmo não ocorre com relaçãoao segundo semestre de vida, principalmente após osnove meses. Conforme discutido na introdução, a partirdessa idade, emerge a habilidade para compartilhar asdescobertas sobre o mundo ao redor, através daatividade gestual, da qualidade do olhar e da expressãoemocional, que são integrados no ato comunicativo. Énessa fase, em especial, que os pais começam a notarque seu filho raramente busca ou “chama” pelo adultopara compartilhar suas experiências de formaespontânea. É muito importante diferenciar esse tipode situação daquelas nas quais a criança “responde” àestimulação dos pais ou busca a sua proximidade,quando está cansada, com fome, ou precisando deassistência. O que é ressaltado aqui é a naturezaespontânea e recíproca da busca pelo adulto (e maistarde de outras crianças) pelo simples prazer enecessidade de compartilhamento – situação que pareceocorrer mais raramente, no caso do autismo. Parecefaltar à criança a “intuição” de que as pessoas sãotambém agentes de contemplação, com interesses tãosimilares e ao mesmo tempo tão diferentes dos dela.

Vários estudos têm demonstrado que essahabilidade distingue crianças com autismo daquelascom outros comprometimentos no desenvolvimentocomo, por exemplo, com deficiência mental ousensorial e com transtornos da comunicação (verTanguai, 2000, para uma revisão). Esse aspecto éimportante porque a falta de grupos comparativos(“controle”), de certa forma limita a generalizaçãodos resultados encontrados a respeito decomprometimentos em outras áreas docomportamento social e que podem ser atribuídosao “autismo” (ex: diferenças quanto a sorriso,balbucio, etc.). Entre os resultados de estudos,comparando essas crianças a grupos de controle,estão a baixa freqüência da atividade social gestual(dar tchau, soprar beijos, acenar com a cabeça emsinal de assentimento ou negação); mostrar ou trazerobjetos para o campo visual do adulto (fora docontexto de solicitação de assistência); virar a cabeçaem direção ao adulto, quando chamado pelo nome;apontar (como forma de fazer “comentários” e nãopara pedir coisas), etc. A ênfase é no caráterespontâneo, amplo, flexível e cooperativo dessescomportamentos e não em “respostas isoladas”.

Contudo, salienta-se que o termo “raramente”,quando empregado para descrever resultados decomportamentos sociais, não quer dizer “ausente”.Da mesma forma, “baixa freqüência de iniciativassociais recíprocas” não é sinônimo de “não-comunicativo e não-interativo”. De fato, a noção deque essas crianças evitam o contato com as pessoas,deliberada e persistentemente, não tem recebidoapoio empírico. As interações com os pais, porexemplo, parecem se caracterizar por uma alternânciaentre a busca e o retraimento. Esse último aspectopode ser explicado como uma “retirada” estratégicapara lidar com o excesso de estimulação social. Anoção implícita nesse raciocínio é de que o serhumano é uma fonte rica em estímulo (visual, auditivo

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e tátil), cujo impacto na criança é o de sobrecarga –daí a necessidade de “pausas” na interação (Dawson& Lewy, 1989). O interessante é que estudos na áreada psicologia do desenvolvimento demonstraramque um comportamento semelhante é observado embebês, principalmente no 1o semestre de vida,possivelmente como forma de regular a entrada daestimulação sensorial (Trevarten & cols, 1996). Outrapossível explicação para a baixa freqüência de contatoocular é a de que a criança não olha porque “nãosabe” a função do olhar na comunicação e não porque“não quer” olhar.

A noção de que a criança com autismo nãodemonstra comportamentos de apego aos paistambém não tem sido confirmada por estudos(Tanguay, 2000). Tanto entrevistas com os pais quantoa observação direta dessas crianças mostram acapacidade em discriminar as figuras de apego (emgeral, os pais) de estranhos e de recorrer a eles emsituações de tensão ou fadiga. Os aspectoscomunicativos dos comportamentos de apego é queparecem ser qualitativamente diferentes. Por exemplo,a “intenção” de pedir colo pode não ser expressa deforma tão clara quanto esticando os braços e olhandopara a face do adulto, mas o comportamento de“agarrar-se” ou tentativas de “escalar” o corpo doadulto podem estar presentes. São tambémcontroversas as idéias a respeito da resistência aocontato físico. Isso parece depender mais de com quema criança está em contato (familiar ou não) e em quecircunstâncias isso ocorre. Acredita-se que a criançatende a aceitar melhor o contato físico, com outraspessoas que não os pais, quando a iniciativa parte delaprópria e em situações “previsíveis”. Por exemplo, os“beijos” de saudação ou despedida são em geral bemaceitos por essas crianças, embora comumenteofereçam o rosto para ser beijado, ao invés de beijar.

Por outro lado, pais e profissionais devem estaratentos à qualidade da busca pelo adulto. É comumcrianças com autismo direcionarem a atenção doadulto, predominantemente para situações que fazemparte de seus interesses restritos ou estereotipados.Por exemplo, certa vez, um casal empolgou-se como interesse do seu filho por computadores, pois cadavez que os via chamava os pais e apontava para amáquina nas vitrines. Mais tarde perceberam que, naverdade, o que chamava a atenção da criança era omanual de instrução – foco de uma de suas“estereotipias”. Da mesma forma, uma investigaçãomais cuidadosa revela que as “iniciativas decompartilhamento” podem, de fato, restringirem-sea personagens de desenhos animados, marcas decarros, texturas de objetos (muros, folhas, etc.) entreoutros – foco de interesse específico da criança. Esseaspecto é fundamental, pois o diagnóstico de autismopode ser enganosamente descartado com base naidéia de que a criança é “comunicativa” (como se noautismo não houvesse essa capacidade), sem ter sidolevado em conta a natureza da comunicação. Essaobservação vale também para o brinquedo.

A manipulação e exploração de objetos, emgeral estão presentes na fase pré-escolar, podendochegar ao nível do que antes descreveu-se como“brinquedo funcional”. De fato, essa habilidadepode, inclusive, mostrar-se superior à de umacriança sem autismo, da mesma faixa etária. Entreas atividades comumente observadas citam-se amanipulação de botões, cordas, ou manivelas paraacionar brinquedos, assim como encaixes eemparelhamento de materiais. Essas atividadespodem ser utilizadas, nas intervenções terapêuticas,como base para o exercício de outras habilidadesimportantes para a comunicação, como, porexemplo, alternância de “turnos” ou mesmo de“papéis”, com um “parceiro”.

A observação cuidadosa da forma como acriança se relaciona com os brinquedos éinformativa sobre o seu nível de linguagem e seumundo interno (afetivo). Freqüência, contexto eamplitude da atividade exploratória são aspectos aserem identificados, devido às implicações paraintervenção. Na verdade, episódios de brinquedosimbólico (ex: fazer um carrinho “andar”, construiruma “máquina”, alimentar uma boneca) têm sidoobservados em pré-escolares com autismo. Todavia,essa atividade tende a ser limitada, repetitiva epouco espontânea, em contraste com a que podeser observada em crianças já aos 18 meses de idade(Charman, 1997).

Enfim, conhecer a extensão tanto daquilo quedenominamos “comprometimento social” quan-to das habilidades é fundamental para a compre-ensão dessas crianças, em sua singularidade. A ex-periência clínica, integrada ao conhecimento ge-rado pelas pesquisas, dissolve a cristalização domito que se criou em torno do autismo – o da cri-ança isolada num “mundo impenetrável”. O fun-damental é investigar não apenas se uma deter-minada habilidade ou comprometimento está pre-sente ou não, mas a forma que assume em termos defreqüência, intensidade e amplitude de contextos.Mais do que isso, as observações devem contemplaros aspectos evolutivos da criança, antes de seremconsiderados “pouco comuns”. Muitos dos compor-tamentos concebidos, a princípio, como “inadequa-dos” (ex: estereotipias motoras, ecolalia, persistênciaem tópicos), são muitas vezes, as únicas ferramentasque a criança dispõe, ao tentar comunicar desejos,frustrações ou protestos. Cabe ao adulto identificaras “mensagens” enviadas e devolvê-las à criança, demodo que ela sinta que o que faz, independente decomo faz, não cai no vazio.

Os relacionamentos humanos são como barcosque navegam. Alguns contam com sofisticadasbússolas para enfrentar a grandeza e os mistériosdo mar, enquanto outros se orientam simplesmentepelo sol. Cada um faz o seu percurso com osinstrumentos que dispõe. Desconhecer asdiferenças, dentro dessa realidade, é deixar o barcoà deriva...

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3º Milênio

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CAPITULO IX

A PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NOTRATAMENTO PSICANALÍTICO COM ACRIANÇA AUTISTA: REFLEXÕES

Maria Izabel Tafuri

O tratamento psicanalítico da criança autista temrecebido, há mais de meio século, críticas incisivas,oriundas do saber científico clássico. As críticasdecorrem de dois pontos básicos: da supostacomprovação da natureza orgânica da síndrome,caracterizada como inata e crônica, e da incapacidadecognitiva da criança autista de perceber a si mesma,de se comunicar, de brincar e criar fantasias, itensfundamentais para a aplicação do métodopsicanalítico.

Apesar de terem a sua importância, essasconsiderações não fizeram ‘calar’ os psicanalistas.Estes continuam a trabalhar com crianças autistas,motivados pelos resultados positivos de vários casostratados e pelo desenvolvimento teórico de conceitosinovadores; tudo isso permitindo uma melhorcompreensão do mundo interno dessas crianças e dateoria relacionada às primeiras estruturações doaparelho psíquico do infans.

Na literatura psicanalítica são encontrados muitoscasos de tratamento de crianças autistas, tanto napsicanálise individual quanto nas instituições. Nessetexto, discuto três casos clínicos, enfocandoespecificamente a participação dos pais notratamento psicanalítico da criança autista. Os doisprimeiros são casos clássicos da literaturapsicanalítica. O terceiro é da minha experiência clínica.Trata-se de um caso que sintetiza o meu pensamentosobre a participação dos pais no tratamentopsicanalítico de crianças autistas. Um tipo de trabalhopsicanalítico influenciado, basicamente, pelas teoriasde Bion, Winnicott, Dolto, Meltzer, Mannoni e Haag,entre outros.

Esses casos não devem ser considerados, emhipótese alguma, exemplos para todos ostratamentos psicanalíticos de crianças autistas. Naprática, existem tantos modelos de tratamentoquanto as diferentes escolas da psicanálise. Os trêscasos relatados foram bem sucedidos (definido apartir do desaparecimento dos sintomas) eescolhidos entre vários outros que não tiveram omesmo resultado.

De início, cabe ressaltar que o psicanalista utilizasempre um princípio básico: a constituição do eu éúnica e individual e interfere diretamente nasintomatologia autística. Sendo assim, o quadrosintomatológico da criança autista pode ser alteradono curso do desenvolvimento dela, em função daconstituição do eu, da percepção dela mesma e das

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

outras pessoas. Apesar dessa possibilidade, adiminuição ou a eliminação dos sintomas autísticos,que eventualmente ocorrem no tratamento dealgumas crianças, não invalida a possível naturezaorgânica da doença, como também não a certifica.Essa conclusão, como se vê a seguir, está presentetanto na literatura médica quanto na psicanalítica.

O tratamento psicanalítico visa oferecercondições para que a criança autista constitua anoção dela mesma e dos outros. A ausência da fala,do desenvolvimento cognitivo e uma possível marcaorgânica da doença não são, em hipótese alguma,fatores que impedem o estabelecimento da relaçãoanalítica com a criança autista (este fato é mostradonos três exemplos).

O método psicanalítico aplicado a uma criançaautista leva em conta dois aspectos bem distintos. Deum lado, a singularidade de cada relação analítica eas peculiaridades do mundo interno de uma criançaem desenvolvimento. De outro, a compreensão dadoença Autismo infantil precoce, que afetaigualmente o desenvolvimento das criançasacometidas. A caracterização dessa doença, que nãoleva em conta a singularidade do indivíduo, evoluiuaté chegar ao reducionismo biológico e cognitivista.Ao longo dessa evolução, determinadaprincipalmente pela psiquiatria, pretendeu-se excluiro tratamento psicanalítico da criança autista doprograma médico/psicológico, como está previstonos principais manuais de psiquiatria, a exemplo domanual da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-IV,1991). Ou seja, no meio médico, tem-se adotadocomo alternativa única e excludente o tratamentomedicamentoso, comportamental e psicopeda-gógico da criança autista. Neste tipo de tratamento,são esperadas apenas a redução dos sintomas e aadaptação da criança autista à vida social, escolar efamiliar, uma vez que, segundo o modelo médico, oAutismo infantil precoce é uma doença inata ecrônica.

A grande maioria dos psicanalistas não concordacom essa prescrição terapêutica atrelada à etiologiada doença. Da mesma forma, acontece com muitosautores, inclusive da área médica, que atestam apossibilidade de pacientes, mesmo com danoneurológico serem ajudados emocional ecognitivamente pela terapia psicanalítica, a exemplode Spensley (1985). Nessa mesma linha de defesa deoutros métodos de tratamento, Gianotti e outrospesquisadores, demonstram a melhora doseletroencefalogramas das crianças autistas com apsicoterapia (citado por Tustin,1990). No entanto, éimportante repetir: os resultados satisfatórios dotratamento psicanalítico da criança autista nãoprovam necessariamente que a condição inicial dadoença não seja orgânica. Também não provam quese trata de outra doença que não o autismo. Aliás,existe uma dúvida freqüente nas discussões de casosclínicos entre psicanalistas e organicistas sobre qualseria a natureza da síndrome. Todo esse

desentendimento advém da associação, realizada pelamedicina, entre o tratamento de uma doença e a suaetiologia.

O diálogo entre organicistas e cognitivistas, deum lado, em defesa do tratamento medicamentosoe psicopedagógico da criança autista, e ospsicanalistas, de outro, que insistem, cada vez mais,na terapêutica psicodinâmica, continua sendoprecário. A escolha de um dos modelos propostosparece, quase sempre, ser a saída mais fácil paraaplacar as angústias de um dos dois grupos depesquisadores, aquele que não consegue convivercom verdades oriundas dos dois lados do diálogo.Ao proceder dessa forma, o grupo imagina terrealizado a escolha certa, permanecendo em umconforto narcísico, a partir do qual pretende extirparos demônios oriundos do lado não escolhido. É, dessaforma, que o “diálogo de surdos” tem sido formadoe cristalizado, apesar de existirem “verdades” cadavez mais contundentes, advindas dos dois lados.

Uma tentativa de enfrentar esse “diálogo desurdos” tem sido dialogar com os pesquisadoresorganicistas, a partir do próprio referencial médico, ecom os psicanalistas, a partir do referencialpsicanalítico. Assim, os estudos sobre aspsicopatologias precoces do bebê e as modernasteorias sobre as primeiras relações do bebê com omundo externo podem ser importantes paratransformar o “diálogo de surdos” em uma trocacientífica construtiva (Hobson,1993, Alvarez,1992).

Segundo estudos da neurologia e da genética, ogene não é determinante na evolução sintomática dadoença, e o Autismo infantil precoce não pode serexplicado simplesmente por uma determinadaanomalia genética (Feingold,1984, Tassin,1989 eJeammet,1991). Mais ainda, a suscetibilidade genéticaa uma certa doença é influenciada por variáveis, tantode natureza neurobiológica e neuroimunológicaquanto psicológica, ou seja, a relação com o mundoexterno influencia a maturação do sistema nervosocentral, que não é necessária e totalmentedeterminado pela herança genética.

Com o mesmo pensamento, contrário às idéiasda psiquiatria tradicional, Tallis (1997) demonstra nolivro, “Autismo infantil:lejos de los dogmas”, que anoção de irreversibilidade do quadro autista deveriaser questionada também no meio médico e nãoapenas pelos psicanalistas. Os trabalhos apresentadosno livro organizado por Lewis (1996), Child andadolescent psychiatry, mostram também que a relaçãomãe-bebê tem um papel fundamental nodesenvolvimento das estruturas cerebrais do bebê. Amãe desempenha um papel regulador dos sistemasde respostas específicas, fisiológicas ecomportamentais do bebê (estímulos tácteis, visuais,sonoros e olfativos, distensão gástrica, temperatura,etc.). Quando o bebê está separado da mãe, todoesse sistema regulador é perdido, e ocorremmudanças nos bebês, quando estes estão liberadosde seu regulador. Da mesma forma, experiências com

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3º Milênio

animais comprovam que uma separação prolongadada mãe e seu filhote causa uma série de alteraçõesfisiológicas neste último, provocadas pela perda dafunção reguladora da mãe. Quanto ao ser humano,as relações precoces entre mãe-bebê levam nãoapenas à regulagem das funções fisiológicas do corpo,mas se constituem, também, em experiências básicasque permitem a constituição das primeirasrepresentações mentais.

J.D.Vincent (1991) especialista em biologia dasemoções, confirma que o recém-nascido já nasce comesquemas inatos de reconhecimento do rostohumano, da voz e de estruturas sonoras. O autordemonstra que, para surgir a expressão de sorriso nobebê, enquanto resposta afetiva, precisa haver umaintegração entre as sensações do interior do corpo(de fome, dor, desconforto físico, prazer e satisfação)com a representação de superfície ligada a elas.Segundo Vincent, “é importante notar que a criançaapreende, através do afeto, o que sua mãe estásentindo e, graças às suas representações emocionais,que constituem os mapas de sinalização de seu corpoapaixonado, a criança compreende não somente orosto, mas o corpo de sua mãe; é através dessa troca,feita na superfície, que é troca entre corpos, que seconstitui o desenvolvimento intersubjetivo” (507).

Em fim, pode-se observar, a partir dessa longaintrodução, que é possível contestar o determinismoorgânico sobre o qual a síndrome de Kanner vemsendo definida, não apenas pelos estudospsicanalíticos, mas, sobretudo, pela própria visãoneurobiológica de alguns autores organicistas. Essesúltimos apontam a existência de dois fatores básicospara essa constatação: o primeiro, a importância darelação afetiva mãe-bebê no desenvolvimento normaldo infans, e, o segundo, a necessidade de se fazeruma mudança de paradigma, no qual o objeto deestudo não é apenas o corpo físico e/ou a mente dobebê, mas, sim, “a interação mãe-bebê”.

Os novos paradigmas apontam a limitação dosaber médico/ psicológico do Autismo infantilprecoce, formado sobre um modelo metodológico-científico ultrapassado, que só leva em conta ou ocorpo físico ou a mente da criança autista. Aspesquisas neurológicas recentes sobre as “interaçõesprecoces pais-bebê” apontam para a necessidade decompreender o Autismo infantil precoce para alémdo determinismo orgânico, no qual a síndrome estáatualmente inserida. Em função dessas pesquisas, opsicanalista encontra razões ainda mais fortes para asua luta na defesa de uma visão mais abrangente doAutismo infantil precoce.

Em termos históricos, a visão psicanalítica dasíndrome de Kanner tem evoluído e se modificado,desde a década de 40, principalmente no tocante àinvestigação sobre as relações precoces entre os paise o recém-nascido. Nas décadas de 60 e 70, essesestudos foram muito criticados por responsabilizaremunicamente os pais pelo isolamento autístico dacriança. Posteriormente, apareceu um outro enfoque

para essas relações: a função do cuidador, geralmenteatribuído a mãe, como transformador dascomunicações, das projeções e da capacidade dobebê de se relacionar com a outra pessoa. Ou seja,ocorreu no contexto psicanalítico uma mudança deparadigma: o estudo exclusivo do intrapsíquico doindivíduo foi complementado pelas investigações dasrelações do infans com o mundo externo, em especialcom o seu cuidador.

A EVOLUÇÃO DO TRATAMENTOPSICANALÍTICO

O primeiro tratamento psicanalítico de umacriança, supostamente autista, ocorreu na mesmaépoca em que surgiram no cenário psicanalítico doismodelos distintos de psicanálise com crianças emgeral: o de Anna Freud (1927) e o de Melanie Klein(1932). As duas analistas abriram uma controvérsiano meio psicanalítico sobre a possibilidade de associartécnicas psicopedagógicas à análise de crianças. AnnaFreud defendia essa possibilidade, enquanto Klein adesconsiderava totalmente. Foi justamente Klein, quese intitulava a verdadeira herdeira do pensamentofreudiano – no sentido de não utilizar técnicaspsicopedagógicas no tratamento de crianças – quemdescreveu, pela primeira vez, a análise de uma criançaautista de apenas três anos, “O Pequeno Dick”. SegundoTustin (1985) e Hobson (1995), esse garoto teria sidoclassificado como autista por Klein, se a descrição dasíndrome já tivesse sido apresentada por Kanner (fatoque somente ocorreu dez anos depois).

Em 1930, ao descrever a análise de Dick, Klein fez aseguinte descrição clínica: “Dick era uma criançadiferente de todas as outras que eu já havia analisado,pois não podia classificá-la nem como demente, nemesquizofrênica nem deficiente mental”. Dick era carentede afetos e indiferente à presença ou ausência da mãe(...) não tinha interesse pelos brinquedos, a não ser uminteresse muito específico por trens, estações, maçanetase portas (...) e não tinha contato com seu ambiente. Namaior parte do tempo, articulava sons ininteligíveis erepetia, de forma insistente e monótona, determinadosruídos e sons (...). Quando falava algumas poucaspalavras isoladas, utilizava erroneamente seu escassovocabulário” (Klein, 1930:298-299).

Segundo Klein, os obstáculos fundamentais parao começo da análise de Dick foram a falta de interessepelo ambiente, a ausência de relação afetiva com aanalista, a inexistência de relação simbólica com osbrinquedos e a incapacidade de expressarsentimentos. Sendo assim, a analista precisou adaptara técnica psicanalítica clássica, tal como era utilizadacom as demais crianças. As interpretações foraminicialmente usadas para criar a relação analítica enão para analisar as associações livres que, no caso,eram inexistentes. Nesse sentido, Klein iniciou umatécnica psicanalítica a ser utilizada especificamentecom crianças que não falam, não brincam e não criamum mundo imaginário que lhes é próprio.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

O tratamento psicanalítico com o pequeno Dickfoi bem sucedido. Ele pôde ingressar na escola, ter umbom rendimento intelectual, estabelecer contato afetivocom as pessoas e, o mais importante, começou a brincarde forma simbólica, como os garotos de sua idade.

Klein não estabeleceu uma relação analítica comos pais de Dick, e não os responsabilizou pela patologiada criança. Nos anos 30, Klein considerava que a presençados pais no tratamento da criança, independente dapatologia que ela apresentasse, interferirianegativamente na relação analítica transferencial. Opsicanalista deveria ater-se ao trabalho analítico com acriança, por meio de representações, apresentadas emdesenhos e brincadeiras. Quanto maior a neutralidadedo analista, no sentido de não ser contaminado pelosdados oriundos dos pais da criança, mais chance teriade analisar o inconsciente de seu pequeno paciente,observou Klein.

O caminho aberto por Melanie Klein permitiu queoutros psicanalistas, como Winnicott (1935), Mahler(1952), Dolto (1949), Diatkine (1952), Bettelheim (1967)e Tustin (1966), entre outros, desenvolvessem umateoria e uma prática psicanalítica relacionada ao Autismoinfantil precoce. Mesmo após a descrição original dasíndrome, em que Kanner afirmou a natureza orgânicainata do distúrbio fundamental da doença, essespsicanalistas deram continuidade ao trabalho clínicocom crianças autistas, motivados por um princípioclínico básico e de fundamental importância para apsicanálise: mesmo com a criança que apresenta sinaisde uma doença orgânica, adquirida ou inata, otratamento psicanalítico é efetivo no sentido de propiciarcondições a ela, na relação transferencial com opsicanalista, de refletir sobre si mesma, por meio daanálise de suas associações livres, desenhos ebrincadeiras. Quando esse material clínico é inexistente,como no caso da criança autista que não fala, não brincae não cria fantasias, o psicanalista tende a modificar asua técnica clássica para propiciar o surgimento dessascapacidades na criança.

Nas décadas de 30 e 40, o princípio norteador daclínica psicanalítica com crianças hospitalizadas foiintroduzido por dois médicos e psicanalistas, Winnicotte Dolto. A clínica médica aplicada a criançashospitalizadas por causa de distúrbios orgânicos,psicossomáticos ou psíquicos, proporcionou a eles umaexperiência distinta das de Anna Freud e Melanie Klein.

Dolto foi muito influenciada pela teoria psicanalíticade Lacan. Diferentemente, de Klein, Dolto deu maisênfase ao discurso da criança na relação com o analistado que a atividade de brincar dos pequenos. Para ela, omaterial clínico a ser interpretado pelo psicanalista é afala da criança, incluindo as estórias que ela inventasobre desenhos e modelagens. Nesse sentido, Doltocriticou Klein quanto à interpretação simbólica dobrincar, dizendo que os símbolos não falam por elesmesmos, ou seja, é a criança que conta a estória sobreo seu brincar. Para Dolto, os desenhos e as modelagenssão “falados” pela criança e interpretados na relaçãotransferencial com o analista, assim como ocorre com

os sonhos, fantasmas e a livre associação, na técnicapsicanalítica dos adultos (Dolto, 1984:27). Mas comoaplicar essa técnica à criança autista?

À primeira vista parece impossível. No entanto, essapossibilidade ficou clara quando Dolto (1984) publicouo caso Fréderic, uma criança de sete anos que lhe foraencaminhada com suspeita de autismo. Ele não falava,não se relacionava adequadamente com as pessoas,não brincava, não tinha controle esfincteriano e não eraaceito nas escolas. Dolto pediu os exames clínicos depraxe e constatou que Fréderic estava quase surdo. Coma ajuda de aparelho Fréderic obteve uma melhoradaptação na escola, sem, entretanto, aprender a ler eescrever. A linguagem também não se desenvolveu como uso do aparelho para a audição. Isso só veio a ocorrer,posteriormente, com o desenrolar do tratamentopsicanalítico.

Nas sessões de análise, Fréderic escrevia a letra “A”por todos os cantos; não se interessava pelos objetos enão desenhava coisa alguma. Como Fréderic não falava,Dolto perguntou aos pais se a letra “A” lhes fazia lembrarde algo ocorrido na história deles, relativamente ao filho.Os pais contaram que Fréderic havia sido adotado aosonze meses de idade. Ele se chamava Armand. Comoeles queriam começar uma nova vida com o garoto,deram um novo nome a ele.

Depois de saber da história da troca do nome, Doltotentou explicar à criança que a letra “A” era de Armand,o nome que ele tivera antes de ter sido adotado. Essainterpretação não surtiu efeito algum. Posteriormente,Dolto relatou que, em uma das sessões, lhe veio à mente,no momento em que observava silenciosamente asações do garoto, a idéia de chamá-lo de formacantarolada pelo primeiro nome, Armand. Com a vozelevada e com intensidade variada, a analista, sem olharpara ele, chamou-o como se não soubesse onde eleestava. Fingindo procurar por ele, ela movimentava acabeça e os olhos por todos os lados, como por exemplo,por cima dos móveis, em baixo da mesa, atrás dasportas. Os observadores da sala do hospital Trousseaux,em Paris, onde Dolto atendeu esse garoto, disseram àanalista que, enquanto ela procurava Frédericcantarolando o seu nome, ele passava suas orelhas peloscantos da sala. Em um determinado momento,enquanto cantarolava e olhava para todos os lados,Dolto relatou que os olhos do garoto encontram osseus, e ela então lhe disse: “Armand era o seu nomequando você foi adotado”. Nesse momento, a analistapercebeu uma intensidade excepcional em seu olhar e,ao que parece, o sujeito Armand, que havia perdido seunome, pôde religar sua imagem de corpo àquela deFréderic, o mesmo sujeito re-nomeado aos onze mesesde idade. Ocorrera, aí, segundo Dolto, um processototalmente inconsciente: “ele precisou entender essenome, não a partir de uma voz normal, a minha, que elejá conhecia e que era endereçada a ele, ao seu corpo, noespaço da realidade atual. Diferentemente, ele precisoude uma voz sem lugar, de uma voz off, como se dizatualmente, chamando-o cantarolando” (Dolto,1984,p.48).

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3º Milênio

Dolto enfatizou, nessa passagem, que a sua vozcantarolada criara uma relação transferencial e permitiraà criança reconhecer a voz desconhecida das pessoas, amesma que ele costumava ouvir na creche para criançasadotadas. Mais ainda, que essa descoberta natransferência com a analista permitira o encontro coma sua identidade arcaica, perdida desde os onze mesesde idade. O tratamento psicanalítico com Frédericacabou permitindo à criança aprender a ler, escrever,brincar e se adaptar à escola, como uma criança comum.

Esse caso clínico, publicado por Dolto, ilustra apossibilidade encontrada pela analista de interpretar acriança que não fala e não brinca, de uma formadiferenciada da que ocorre com as crianças neuróticas.Como se vê, o tom de voz da analista foi essencial paracriar o interesse da criança que, sendo autista, odemonstrara passando suas orelhas pelos cantos dasparedes da sala de consulta. A tentativa de interpretar aletra “A”, a partir do material clínico da criança, mostraa tendência do analista em querer dar sentido às açõesda criança, mesmo quando essas não são muitoevidentes. Às vezes, não funciona...

Em suma, a capacidade de Armand, de falar,aprender a ler e escrever, de freqüentar uma escolacomum e de brincar simbolicamente com as outrascrianças de sua idade, só começou a aparecer quando opequeno pôde estabelecer, com a analista, uma relaçãovisual transferencial. Ele pôde desenvolver suacapacidade para aprender de forma espontânea, ou seja,não precisou de um terapeuta que lhe ensinasse a falare a brincar. O estabelecimento da relação interpessoalcom o analista, inicialmente via a audição e,posteriormente, pelo olhar, permitiu que Armandentrasse em seu desenvolvimento normal.

Diferentemente do diagnóstico das teoriasorganicista e cognitivista, segundo o qual a criançaautista não pode ser beneficiada com o tratamentopsicanalítico, devido à sua incapacidade cognitiva, essecaso ilustra como o analista pode criar com a criançaautista uma relação desejosa “de encontrar o outro e deser encontrado por ele”, por meio da voz do terapeuta.Quanto aos pais de Armand, a relação que a analistamanteve com eles não foi a de responsabilizá-los peloisolamento autista do filho, como advertem osorganicistas. Os pais foram ouvidos como uma formade conversarem sobre eles mesmos e sobre o filho, epara poderem expressar suas angústias mais arcaicas.Segundo Dolto, um dos fatores traumáticos da históriade Armand foi a troca do seu nome. No entanto, oconhecimento da causa não permitiu, de pronto,estabelecer uma relação linear causal entre esse fatortraumático e a natureza do distúrbio da criança. ParaDolto, o importante no trabalho com os pais oimportante é a interpretação das angústias, queimpedem os pais de encontrarem as verdades maisassustadoras dentro deles mesmos.

A grande maioria dos psicanalistas considera queos distúrbios autísticos da criança, qualquer que sejasua origem, provocam efeitos danosos sobre ofuncionamento mental dos pais. Sintomas como adepressão, a desorganização mental dos pais e dafamília, são fatores, que quando presentes, precisamser trabalhados pelo terapeuta. Esses fatores podemengendrar um aumento de defesas autísticas na criança.Ou seja, o quadro sintomatológico da criança não édeterminado apenas pela doença, pois orelacionamento da criança autista com os pais, umavez cristalizado dentro de um padrão comportamentalpsicopatológico, pode alterar os sintomas da criança.Daí a necessidade de se quebrar o círculo vicioso quepode se instalar na família, não por culpa dos pais, maspela simples presença de uma patologia suficientementepoderosa que pode desorganizar toda uma família,como é o caso do isolamento autístico presente em umbebê desde o início da vida.

O trabalho psicanalítico com os pais visa emprimeiro lugar avaliar as transformações ocorridas noseio familiar desde o surgimento do isolamento autisticodo filho. Em segundo lugar, pretende tornar possívelrefletir os sentimentos dos pais diante do filho autista:as desilusões, decepções, fracassos... Essa reflexão é feitaa partir da idéia básica de que os sentimentos dos pais,apesar de não terem uma relação causal com a doençado filho, interferem diretamente na sintomatologia dacriança e na estruturação de toda a família. Ou seja, umdos fundamentos mais importantes é o de que opsicanalista não pode curar a criança da presença dospais. A idéia de que o psicanalista responsabiliza os paise, principalmente a mãe, pelo autismo do filho, é errôneae precisa ser modificada...

A seguir, relato o caso clínico de Maria, tratado pormim na Universidade de Brasília, para demonstrar comoocorre, na prática, o trabalho psicanalítico com os paisde uma criança autista. Importante salientar que essetrabalho é apenas um exemplo de um tipo de trabalhopsicanalítico.

A ESCUTA ANALÍTICA DOS PAIS DEMARIA

O caso aqui relatado é de uma criança de três anos,Maria. Ela me foi encaminhada com o diagnóstico deAutismo infantil precoce, realizado por uma equipemédica, formada por neurologistas e psiquiatras, apedido da escola onde estudava.1

O pai marcara a primeira consulta dizendo quebuscava a avaliação de um outro profissional, pois ocaso da filha era muito grave. Quando chegaram para aprimeira consulta, Maria tinha as mãos seguras pelamãe. Os pais me olharam timidamente e seapresentaram.

Maria conseguiu se soltar e saiu correndo pela sala,

1 Não é possível descrever cm detalhes o tratamento psicanalítico com Maria, nesse texto. O leitor mais interessado o encontrará na Revista

Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol.III. N.4. dez. 2000. 122-145.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

sem apresentar sinais de angústia. O pai tentou segurá-la por alguns instantes, mas, em seguida, desistiu,pois Maria se debatia no colo dele. A mãe logointerveio: “Ela não fica parada, tem muita energia”.Os pais estavam visivelmente incomodados epareciam envergonhados com o comportamento damenina. Maria, por sua vez, corria pela sala, semexplorar o ambiente e sem nos dirigir o olhar. Elatocava nos brinquedos com a ponta dos dedos, nãoos explorava e os deixava cair de suas mãos, como seescorressem pelos dedos. Aquela pequena criançaera capaz de correr sobre os brinquedos caídos nochão como se nada atrapalhasse o seu equilíbrio. Omovimento das suas mãos era rápido e leve. Ela nãoexercia pressão sobre os objetos, não passava as mãossobre eles e não os olhava diretamente.

Maria emitia ‘grunhidos’ e girava as mãos emfrente ao seu rosto, com muita velocidade e leveza.Parecia hipnotizada pelo movimento das própriasmãos. As pontas dos seus pés tocavam o chão comtamanha leveza e agilidade que davam a impressãode não carregarem o peso do seu corpo. Ela pareciauma criança ‘feliz’, ‘alegre’, ‘inteligente’, mastotalmente alheia ao ambiente em que estávamos. Oenigmático é que parecia mais ‘feliz’ quando deixadasozinha, do que junto aos pais. Quando os pais seaproximavam dela, Maria enrijecia o corpo, ficavatensa e fazia mais movimentos estereotipados.Simultaneamente aos momentos, emitia ‘grunhidos’,que eram ensurdecedores.

Maria não havia demonstrado angústia ao entrarno consultório e parecia não me ver. Seus olhos, quepassavam desinteressadamente pelos brinquedos,mudavam e se mostravam atentos ao ver o movimentodas rodas dos carrinhos. Nesse momento, pareciaenvolvida com o girar das rodas, sentava-se no chão,balançava o seu corpo em torno de si mesma e ‘grunhia’,com os olhos sempre fixados no movimento das rodas.

Como os pais estavam apreensivos com osbrinquedos espalhados pelo chão, mostrei a eles quea “bagunça” feita por Maria parecia lhes trazerconstrangimento. Pedi a eles para falarem do queestavam sentindo naquele momento e das suaspreocupações com a filha. O pai me explicou que,através de alguns expedientes, já tinha tentado detudo para fazer com que Maria parasse de jogar ascoisas no chão: “dar umas palmadas nas mãos dela”,“ficar bravo, dar castigo a ela”, “pegá-la pelas mãos efazê-la guardar os objetos”. Mas nada adiantara,segundo ele: “Ao que parece, ela gosta de ouvir obarulho, pois, às vezes, fica rindo quando joga ascoisas no chão. Não tem jeito, por isso temos queagüentar”, concluiu desolado.

A mãe interveio e comentou: “as pessoas ficamachando que nós não sabemos educá-la, que nãosabemos colocar limites, mas ela não aprende, e issome dá muita tristeza. Eu me sinto incompetente aosolhos das pessoas. O que mais me dói é a falta dereconhecimento que Maria tem de mim. Eu acho que,se eu morresse agora, ela não iria reparar em nada; écomo se eu não existisse para ela”. A mãe revelou o

desejo de ser reconhecida pela filha quando assimexpressou: “gostaria que ela me chamasse de mãe.Quando está dormindo parece uma criança normal.Sonho que um dia ela irá acordar e me chamar demamãe”. Ao terminar essa frase, os pais choraram,estavam profundamente tristes...E Maria continuavaa pular pela sala e a jogar os objetos pelo chão. Estavacompletamente alienada ao que ocorria naqueleambiente...

Disse a eles que Maria não podia oferecer, naquelemomento, o que eles mais queriam: o reconhecimentodeles como pai e mãe. E que eu tinha observado oesforço deles para tentar modificar a situação.Contudo, mostrei a eles a falta de instrumentosadequados para lidar com Maria, uma vez que,estando isolada daquela forma, nós não tínhamosainda condições de estabelecer uma relaçãointersubjetiva com ela. O primeiro passo seria, então,tentar estabelecer um contato com Maria, para depoiscomeçar a ensinar-lhe “boas maneiras”.

À medida que percebi a atitude receptiva dos pais,continuei falando: “as dúvidas sobre o caso de Mariasão muitas e as respostas, nesse momento, poucas.Na realidade, vocês estão tentando encontrar umtratamento adequado, não apenas para Maria, mastambém para vocês, pois estão em grande sofrimento”.

Nessa primeira sessão, a minha intenção foraobservar Maria, escutar os pais e levá-los a pensar nafilha como “não-autista”. Mesmo que ocomportamento de Maria fosse anárquico eincompreensível à primeira vista, pedi aos pais parase sentarem no chão e tentarem observar a filha, sema preocupação, naquele momento, com o diagnósticoda doença realizado pelos médicos.

Depois de alguns instantes, perguntei aos pais oque tinham observado. Eles disseram que eraimpossível brincar com Maria, pois ela só queriadestruir e tirar as coisas dos lugares... Nada ainteressava... Maria continuava a correr pela sala,pisando sobre os brinquedos espalhados por todo olado. Continuei insistindo com os pais para tentaremchamar a atenção de Maria para algo que eles sabiamser do interesse dela, apesar de todo o desinteressepelos brinquedos.

O pai tentou chamar a atenção da filha para asrodinhas de um carrinho, e Maria logo reparou o quefoi apontado. Chegou mais perto e começou a fazeras rodinhas girarem; porém, sem fazer qualqueraproximação afetiva com os pais. A mãe comentou:“ela é vidrada em objetos que giram. Fica admiradaolhando fixamente para eles, mas tem medo doliquidificador e da enceradeira lá de casa”.

Na verdade, disse a eles, vocês se sentem muitoincomodados com essa desorganização, o que énatural. Por outro lado, é participando dessa“bagunça” com Maria que poderemos encontrar ummeio de entrar em contato com ela. Trata-se de umdesafio, aparentemente sem sentido..., totalmentediferente de uma proposta psicopedagógica. Aqui,não há aprendizagem no sentido formal do termo.Assim como vocês, eu não tenho condições de ensinar

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3º Milênio

Maria a brincar, a falar, a olhar para as pessoas...etc.Por meio de algumas intervenções, eu pretendi

levar os pais a pensarem nas características positivasde Maria. Comentei que a filha mostrava possuir umagrande destreza manual ao fazer girarem as rodinhasdos carrinhos. Ela também demonstrava um grandesenso de equilíbrio, pois corria sem cair, no meio dosobjetos espalhados pelo chão. Chamei a atenção dospais para o olhar fixado de Maria no movimento dasrodinhas dos carros: “me parece um olhar deadmiração profunda. Nesses momentos, ela pára decorrer, se fixa no movimento giratório das rodas ecomeça a balançar o corpo. Isso indica que odesinteresse dela não é total, por mais estereotipadoque seja esse comportamento”. Pedi a eles paraimaginarem Maria olhando para outras coisas, comesse mesmo tipo de olhar embevecido que elamostrava quando olhava para as rodinhas.

O pai logo disse: “eu nunca havia pensado poresse lado”. Ao ouvir esse comentário, concluí que ospais começavam a dar crédito àquela minha estranharecomendação. Pedi a eles para fazer, em casa, omesmo que havíamos feito na sessão. Eles iriam“brincar” com Maria durante alguns minutos por dia,do jeito dela, como ela sempre fizera: sem conversarcom ela e sem arrumar a bagunça. Na próxima sessão,iríamos falar a respeito desse exercício e sobre o meudiagnóstico. Para fechar o diagnóstico inicial, eupropus mais três sessões individuais com Maria, emais duas sessões com os pais.

Após as cinco sessões iniciais, disse aos pais queconcordava com o diagnóstico de Autismo infantilprecoce, mas colocava uma ressalva importante:“Nãotenho a mesma opinião médica sobre o prognósticoe, muito menos, do tratamento, tal como foi prescritopelos médicos. A visão médica da síndrome doAutismo infantil precoce é diferente da psicanalítica.Em relação ao prognóstico, por exemplo, a grandemaioria dos médicos considera essa doença inata ecrônica, ou seja, incurável. Segundo a visãopsicanalítica e das leis da genética moderna, há umoutro prognóstico para Maria: ele é incerto, não hágarantia de uma evolução favorável do quadroapresentado, como também desfavorável. Pode serque Maria consiga alcançar um desenvolvimentomuito próximo da normalidade, como também nãoconseguir aprender a falar, a ler, etc. O importante notratamento é acompanhar as evoluções docomportamento de Maria, sem a certeza das suasfuturas conquistas, em termos do desenvolvimentode suas capacidades psíquicas e intelectuais. Otratamento psicanalítico não é destinado apenas àcriança, ele diz respeito também aos pais. Na medidaem que vocês puderem expressar os sentimentos maisdolorosos e mais amedrontadores, vocês encontrarãonovas formas de viver com Maria, e ela tambémpoderá modificar seus comportamentos.”

O pai pediu mais explicações, pois não entendiaas razões que levaram Maria a ficar tão doente. Dissea eles que, de acordo com os fatos trazidos até então,

os sintomas autísticos tinham começado a surgir porvolta do sexto mês, quando a tia materna observaraque Maria estava apática, mamava pouco, nãochorava e tinha deixado de sorrir...ou seja, tinhamudado de comportamento. “A partir dessamudança, vocês passaram a conviver mais comMaria, a trouxeram para casa e se esforçaram paraficar mais tempo com ela. Mas, como vocês medisseram: Maria continuou apática, não olhava paravocês, não esticava os braços para ser tirada do berço,ficava olhando para um ponto perdido e não brincavacom os objetos deixados para ela. Essescomportamentos de Maria, quando era bebê, fazemparte do quadro clínico da síndrome. Hoje, é maisclaro determinar as primeiras manifestações dasíndrome no desenvolvimento de Maria, mas as causasnão podem ser apontadas tão especificamente”.

A mãe me perguntou se Maria, quando tinha 4meses de idade, havia sentido a falta dela ao ter sidodeixada na casa da tia. E se aquele isolamento era umtipo de tristeza. Disse a ela que um bebê de 4 mesesconhece a mãe pelo cheiro, olfato, sensações físicasoriundas do contato corporal, visão, voz, etc, e queMaria havia perdido todo esse referencial, ao ter idopara a casa da tia materna. Na casa da tia, onde passavacinco dias por semana, ela estava em contato comestímulos sensoriais totalmente desconhecidos. Elanão ouvia mais a sua voz, não sentia o seu cheiro,não a via ..., enfim, ela precisou se adaptar a umambiente novo, em uma época da vida em que acriança não tem mecanismos de defesa apropriadospara enfrentar essa mudança. “Vocês se preocuparamcom o desmame, receberam orientação do pediatrapara fazer essa mudança, e tomaram várias outrasprovidências. Ou seja, vocês foram cuidadosos epreocupados com a saúde de Maria. Infelizmente,vocês não receberam orientações a respeito dodesenvolvimento emocional de um bebê...”

Considero que a ida de Maria para a casa da tiapode ter sido um fator traumático no desenvolvimen-to emocional dela, expliquei para os pais. Mas, nempor isso, diretamente relacionado com a natureza dadoença de Maria. Ela poderia ter apresentado váriosoutros distúrbios... Na verdade, não há uma única cau-sa que possa explicar o Autismo infantil precoce. Te-mos que levar em conta a natureza física e emocionalde Maria. Mesmo que os exames médicos não tenhamacusado nada, isso não exclui o fato de existir umacausa orgânica, não observável, como, por exemplo,uma hipersensibilidade aos estímulos, concluí.

Nesse momento delicado da nossa conversa,percebi que a mãe estava bastante apreensiva. Pareceusentir a responsabilidade em seus ombros - na verdadea separação de Maria dos pais seria um fatortraumático a ser considerado, apesar de não ter umacausa linear com a sintomatologia autística de Maria.Mesmo sendo doloroso, a mãe sentiu necessidadede enfrentar seus sentimentos, com o objetivo dechegar a uma compreensão melhor de si mesma. Narealidade, a mãe de Maria se sentiu mais aliviada aofalar de seus sentimentos de culpa, sem se sentir

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

responsabilizada por mim, ou pelo pai.O pai voltou então a perguntar sobre o

tratamento: “se a causa não era conhecida, comotratar da doença? Os médicos fizeram muitos exames,não constataram nada, mas confirmaram que odiagnóstico era clínico, o que quer dizer isso”?

Respondi que o diagnóstico fora realizado a partirdo comportamento de Maria. Apesar de ser umasíndrome aparentemente orgânica, nem sempre hácomprovação por meio de exames cerebrais,genéticos ou químicos. O tratamento, por sua vez,não é realizado em função da causa, e sim, dossintomas. Com Maria, por exemplo, nós iríamosinicialmente tentar estabelecer um contatointersubjetivo com ela, tanto eu, nas sessõesindividuais com ela, quanto eles, em casa, por meiodos exercícios que havíamos combinado. Prossegui:“...depois de ultrapassarmos essa primeira fase,dependendo das reações de Maria, poderemos termais noção da problemática dela....”

No final do primeiro mês, durante o qual os paisforam ouvidos semanalmente, ocorreu uma mudançafundamental na relação entre eles e a filha. O pai medisse bastante emocionado: “acho que foi a primeiravez que encontrei o olhar da minha filha. Eu balançavaum objeto na mão tentando imitá-la e também emitiaos mesmos sons que ela estava fazendo. Em umdeterminado momento, eu olhei para ela, e ela olhoupara mim. Apesar de ter sido muito rápido, pois elalogo desviou o olhar, eu nunca mais vou esqueceresse momento. Para mim, foi como se ela tivessenascido naquele instante”. E a mãe complementou:“Maria parece precisar desse exercício, pois, quandonós demoramos a fazer a brincadeira, ela me pegapela mão e me leva até lá...eu descobri que ela não émá. Quando ela joga as coisas pra cima, não é paraestragar, e sim para ver subir e achar graça...é só umabrincadeira”.

No segundo mês, os pais relataram que estavampercebendo os gritos de Maria de um outro modo.No início, esses gritos eram considerados sem sentidoe muito barulhentos. Os pais se queixavam muitodeles. À medida que os pais começaram a imitá-los,Maria passou a ser afetada pelos gritos. Ou melhor,ela se irritava quando a mãe a imitava. Posteriormente,ela começou a bater as costas das mãos na boca dospais, quando eles começavam a imitá-la. A mãecomentou que Maria se irritava com determinadasimitações, principalmente aquelas ligadas à sua voz.

Expliquei aos pais que essas respostas de Mariaeram animadoras. Ela demonstrara ter sido afetadapor eles. Ou seja, passara a se irritar com a voz e comos gestos da mãe. Eles observaram que Maria tinhaestabelecido uma rotina nas suas “brincadeiras”. Elasempre começava a rotina derrubando as coisas nochão. Depois ficava balançando alguns objetos nasmãos, ou ficava batendo com eles nas paredes e nasmesas.

Com o passar do tempo, os pais estenderam otempo da ‘brincadeira’ com Maria, e o

comportamento dela começou a mudar. Segundo ospais, Maria não mais jogava no chão todos objetosda casa, somente os brinquedos que estavam noquarto. A troca de olhares ficara cada vez maisdemorada, e Maria já se deixava ser abraçada. Omesmo acontecia nas sessões comigo. Depois dossete primeiros meses, Maria já me olhava e começaraexistir uma rotina na sua forma de ‘brincar’. Noconsultório, os pais pareciam mais tranqüilos e maisconfiantes. Eles não mais demonstravam tantapreocupação com a ausência da fala, pois, sentiamque estavam se comunicando com Maria de umaoutra forma.

No final do segundo ano de tratamento odesenvolvimento de Maria foi surpreendente. Elaconseguiu estabelecer uma relação afetiva com ospais, demonstrava angústia de separação ao ser levadapara a escola e contentamento ao ver a mãe chegandopara buscá-la. Mara deixou de gritar, passou a vocalizaros sons das vogais, apontar os objetos que queria e autilizar os brinquedos de uma forma mais habitual.Por exemplo, brincava com os bonecos da famíliarevivendo cenas ocorridas na casa dela: dava ‘comida’para o neném, cantarolava uma canção e ‘dizia’“na..na..na..” Depois, punha o bebê de bruços e davatapinhas nas costas do boneco ‘dizendo’“hum...hum...hum...” Em outros momentos ela batiano neném como se ele tivesse feito coisa errada. Elafazia cara feia, ficava brava e dava tapas no bumbumdele. Maria brincava também com os jogos de quebra-cabeça e o “ludo”. Ela aprendeu as regras do ludoantes de ter desenvolvido a fala.

Quanto à capacidade de brincar observei queMaria conseguia imaginar cenas em que os bonecos‘fingiam’, ou seja, ela colocava a mãe para dar comidapara os filhos, um deles escondia a comida na boca enão engolia. Depois, quando a mãe ia embora, esseboneco cuspia a comida no chão e achava graça.Essa atividade foi muito surpreendente, pois a grandemaioria das crianças autistas tem dificuldades emcriar ilusões. A incapacidade da criança autista deimaginar, crer, criar ilusões, mentir, etc, é atestadapelos pesquisadores cognitivistas que a relacionamcom um déficit cognitivo (Fritz,1989; Baron-Cohen,1991).

No final dos dois primeiros anos do tratamento,em uma das sessões com os pais, a mãe trouxe o irmãorecém-nascido de Maria, e me contou o seguinte: “onascimento dele me fez lembrar de um fato que, atéentão, não tinha dado muita importância. Quando euestava grávida de Maria, imaginava que o momentodo seu nascimento iria ser um momento mágico, deextrema alegria. Mas, na verdade, esse momento sóveio a ocorrer agora, quando eu o vi pela primeira vez(se referindo ao neném)...Quando os médicos memostraram Maria, eu não senti nenhuma emoção,apenas verifiquei se ela tinha todos os dedos das mãose dormi, porque sentia um grande cansaço. Como édifícil entender o que se passou...”

A lembrança desse fato permitiu que a Mãe

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enfrentasse, dentro de si mesmo, uma idéiainconsciente que a amedrontava há muito tempo.Como ela tinha sido criada por uma tia mais velha,pois sua mãe havia morrido no seu parto, ela haviainconscientemente reprimido suas emoções ao verMaria pela primeira vez. Temia, também, de formainconsciente que sentir as emoções de ser mãe iriamfazê-la relembrar a falta sentida de sua própria mãe.Dessa forma, tentou evitar uma depressão (umdistúrbio freqüente na sua vida). Na verdade, a históriade vida da mãe de Maria havia sido marcada de formatraumática pela falta da mãe, e essa história repercutiudiretamente nas primeiras relações entre ela e a filha.Segundo a mãe, ela mantinha uma relação cuidadosacom Maria, mas, “não de uma forma muitoemocionada ... alguma coisa faltava. Só agora eupercebo isso”.

A lembrança desse fato exemplifica como ahistória de vida da mãe de Maria alterou as relaçõesdela com a filha, desde o nascimento da pequena.Essa lembrança só veio à tona quando ela pôdevivenciar o nascimento do segundo filho. O pai feztambém um depoimento importante quecomplementa o depoimento da mãe de Maria: “Eupercebo que ele é diferente de Maria, ele reclama se agente não está por perto, ele grita, se a fome aperta,ele chora...enfim, ele reclama quando quer algumacoisa. A Maria, eu me lembro, era muito quieta, nãoreclamava de nada, não parecia se incomodar se agente estava perto ou longe”.

Como psicanalista, eu pensava nasconseqüências da falta de relação afetiva espontâneada mãe com Maria, no início da vida da pequena.Essa ausência de afeto poderia ser tambémconsiderada um fator traumático, mas será que osuficiente para causar o isolamento de Maria? Essafoi a questão crucial debatida entre nós, de formacorajosa e aberta. O sentimento de culpa da mãesurgiu de forma muito intensa, não que tenha sidoimposto por mim, mas pela própria mãe. Umsentimento que pôde ser tratado não como causa dapatologia da filha, mas como parte dodesenvolvimento emocional da mãe. Nessa época,ela começou a se sentir mais competente como mãe,mais autoconfiante e os episódios depressivosdeixaram de surgir na sua vida.

No tocante à participação dos pais no tratamentopsicanalítico da criança autista o tratamentopsicanalítico é muito diferente do tratamento médicoe psicopedagógico. Tratar da história de vida dos paisde uma criança autista não tem uma relação diretacom a natureza da síndrome. Mas com os sentimentosdos pais, relacionados à criança e a eles próprios.Compreender esses sentimentos, por si só, é umatarefa árdua e corajosa. Exige tempo e determinação,e leva a um auto conhecimento, necessário pararecriar uma relação familiar mais saudável. Trata-se,também, de um caminho cuja escolha pertencetambém aos pais, pois, o tratamento psicanalíticopode ser realizado apenas com a criança, como

mostrado no caso de Dick, relatado anteriormente. Aclínica nos mostra que a participação dos pais noprocesso terapêutico permite resultados maisanimadores. Com as crianças psicóticas, limítrofes eneuróticas, os pais também são ouvidosanaliticamente, mas não participam tão diretamentedo tratamento, como ocorreu no caso de Maria.

Com os pais de Maria, a interpretaçãopsicanalítica ganhou uma outra forma. A partir deuma percepção interna, compreendi que os pais deMaria precisavam ter uma vivência inaugural com afilha: se sentirem olhados e reconhecidos por ela. Essaera uma necessidade básica, pois eles sentiam umagrande frustração por não serem reconhecidos comopais. Percebi, por meio de meus sentimentoscontratransferenciais, que a interpretação dessaangústia parental não era suficiente para sanar essanecessidade básica parental. Para mim, não bastavaque eles falassem da filha, ou deles mesmos. Havia anecessidade deles vivenciarem um encontroprazeroso com a filha, na intimidade do ambientefamiliar. Nesse sentido, é que eu propus um exercíciodirigido, como foi descrito anteriormente,organizando uma técnica não usual no contextopsicanalítico.

A título de informação, o tratamento de Mariadurou doze anos. Atualmente, ela está cursando oprimeiro ano do segundo grau, estuda inglês e fazcurso de dança. Ela é vaidosa e gosta de namorar...Temautonomia para andar de ônibus, quer aprender adirigir e ser aeromoça, médica... Em suma, Mariaconseguiu um desenvolvimento muito próximo danormalidade.

O início da relação analítica com Maria foimarcado por mudanças importantes na minha formade interpretar como analista. Se, com as outrascrianças, as interpretações verbais são realizadasdesde o início do tratamento, com Maria, asinterpretações só começaram a ocorrer no final doprimeiro ano de clínica. Um tempo de espera paraque existisse material clínico a ser interpretado. Ouseja, somente depois que Maria entrou em uma relaçãocompartilhada - isso ocorreu depois do início docontato de Maria com os pais - é que começaram aser realizadas as interpretações, no sentido dapsicanálise clássica.

Em resumo, atualmente, a visão psicanalítica doAutismo infantil precoce é bastante diferenciada dotratamento difundido por Bruno Bettelheim, na décadade 60. O trabalho de Bettelheim foi criticado porKanner e seus discípulos, como aquele querepresentava a visão psicanalítica, como se houvesseapenas um modelo único de tratamentopsicanalítico. No contexto psicanalítico, o trabalhode Bettelheim representou apenas uma formainstitucional de tratar crianças autistas, entre as váriasoutras existentes. Atualmente, a grande maioria dospsicanalistas – mesmo aqueles que dirigeminstituições, nas quais as crianças passam todo o dia,ou ficam internadas durante meses – realiza o

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Em conclusão, os estudos atuais, tanto na áreamédica quanto na psicanalítica, apontam para umanecessidade básica: compreender a síndrome deKanner para além do determinismo orgânico no qualestá inserida, a exemplo do DSM-IV, e romper com avisão única e excludente de um tratamento apenasmedicamentoso e psicopedagógico. Os estudosmodernos sobre as relações psicopatológicasprecoces pais-bebê abrem as portas para uma possívelsaída para o impasse criado pela metodologiacientífico – clássica, que limita a compreensão daetiologia e do tratamento do Autismo infantil precocedentro de uma causalidade linear.

Endereço para CorrespondênciaSHIS QI 18, Conj. 03, Casa 19, Lago Sul, Cep:

71620-225, Brasília-DF

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CAPITULO X

O AUTISMO INFANTIL SOB APERSPECTIVA JUNGUIANA. UMAAGENESIA DA ESTRUTURAÇÃOMATRIARCAL DA CONSCIÊNCIA

Ceres Alves Araújo

INTRODUÇÃONo autismo, o desenvolvimento psicológico se

dá em condições atípicas. As fases e as aquisiçõesnão ocorrem na seqüência esperada.

As pessoas com autismo não passam pelas fasestípicas da estruturação da consciência humana.Parecem estar privados da individuação1 , dapossibilidade do desenvolvimento pleno do serhumano.

Não se trata aqui de se pretender uma volta àênfase na etiologia psicogênica do autismo. O autismoé hoje, definido como um distúrbio dodesenvolvimento, presente desde o início da vida. Ossintomas autísticos expressam o funcionamentoatípico de um sistema nervoso afetado. Por sua vez, aorganização e o funcionamento atípico do cérebrorefletem a interação entre programas genéticos ecircunstâncias ambientais, a qual estrutura na suamaturação um complexo cérebro-mente.

Muitos debates ainda ocorrem no que se refere àcausa primária assim como à alteração psicológicabásica. Discute-se ainda a conjugação das condiçõesmórbidas ao longo do processo do desenvolvimento.

Hoje, também, de forma alguma é postuladauma etiologia linear simplista para o autismo. Naspesquisas a respeito da alteração psicológica primária,a diferença importante entre as teorias cognitivas eas teorias sociais - afetivas parece derivar do modelo

1 Individuação é o processo de tornar-se Si-Mesmo, in-divíduo. Neste processo a personalidade desenvolve-se e unifica-se, e o indivíduo torna-

se consciente de sua identidade profunda como ser único e autêntico no mundo.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

de mente que as duas postulam, modelos herdadosde pressupostos teóricos muito diferentes sobre aestrutura da psique e sobre a determinação docomportamento humano. Entretanto, estima-se quefenomenologicamente existem muitos vestígios decorrespondência entre as duas teorias e inclusivesobreposições.

Assumpção Jr.(1997) considerando que asrelações do indivíduo com o ambiente sãoimpulsionadas por novos afetos em suas mais diversasformas e são instrumentadas por mecanismoscognitivos, ressalta que o autismo se instaura a partirdas dificuldades no relacionamento com o ambiente,quer a partir de déficit de tipo afetivo, quer a partir deuma instrumentalização cognitiva prejudicada.

Alvarez (1994) propõe que, no estudo da etiologiado autismo, não se deva pensar em uma cadeia causalúnica. Mesmo a aceitação de uma causa múltipla, deveimplicar em intercorrelações não lineares. Essa autoratraz, na compreensão do autismo, um modelointeracional, uma teoria da matemática, a teoria dascatástrofes de René Thom, a qual utiliza equações nãolineares, usando a probabilidade na substituição dacausalidade determinista. Segundo essa teoria,minúsculas diferenças no input podem transformar-serapidamente em diferenças esmagadoras no output,um fenômeno que foi denominado de sensíveldependência das condições iniciais.

A psicologia analítica pode fornecer apossibilidade de uma abordagem ao processo dodesenvolvimento psicológico tão atípico que seobserva no autismo e a possibilidade também dehipóteses a respeito das alterações psicológicasbásicas.

Ao descrever um modelo de representaçõesmentais de bebês, Stern (1997, p.93), conceitua um“esquema-de-estar-com-outra-pessoa-de-uma-certa-maneira”, referindo-se a toda a rede de esquemas querepresenta os diferentes aspectos de uma experiênciainterpessoal repetida. Representações mentais dasinterações que se tornam generalizadas ocorrem emtodos os bebês, inclusive nos autistas, mas sem dúvidaestas representações diferem muito nestes últimos.

O diagnóstico formal de autismo é muito difícilantes dos 2 anos de idade, entretanto um padrão deprejuízos distintos pode ser observado quanto àmotricidade, à comunicação, à interação afetiva esocial, desde as primeiras semanas.

No desenvolvimento do bebê autista, observa-seuma alteração do padrão básico humano. Com a

reatividade alterada desde o início da vida, diferentesdos demais recém nascidos, o bebê autista não possuia inata tendência para reagir a outros seres humanos,proposta pelas teorias de Bowlby (1989) e reafirmadae amplificada pelas formulações de Stern (1997).

UMA TIPIA DO DESENVOLVIMENTONa linguagem da Psicologia Analítica, pode-se

dizer que parece ocorrer uma agenesia no planopsicológico, pois não se observa a vivência psicológicada humanização do arquétipo2 da Grande Mãe3 ,como descreve Araujo (2000).

Há uma hipotrofia, senão mesmo uma atrofia dopapel “Filho da Mãe”4 , descrita por Galiás (1988), naestruturação da consciência, o que impede a filiaçãoplena à maternagem humana. As experiênciasemocionais de estar em ligação com o outro não sãorepresentadas.

Não há a vivência de fusão, de simbiose, assimcomo não existe a vivência da separação. Parece nãose criar o espaço da falta, o espaço da separação, oespaço da fantasia. O bebê, a criança com autismopode aprender a necessitar do outro, mas nãodesenvolve a noção de pertencer a um outro. Não secria, segundo as maneiras usuais, a relação eu-outro,para que consequentemente possa se criar a relaçãoeu-mundo.

Crianças com autismo apresentam déficit nosprocessos afetivos-sociais básicos desde idade muitoprecoce. Essas crianças carecem das habilidadescognitivas sociais necessárias a uma teoria da mentee é possível que a impossibilidade para adquirir umateoria da mente possa ser resultante de um déficit nacapacitação básica para interação.

Baron-Cohen, Leslie e Frith (1985), estudiososda “teoria da mente”, no autismo, interpretam osdéficits da capacidade para atenção conjunta comoevidência da inabilidade para ler outras mentes.Porém, ao se aceitar o problema afetivo-social comoprimário, poder-se-ia interpretar a falha da criançaautista no dividir suas experiências com o outrosignificativo, como um déficit motivacional, comopropõem Volkmar et al.(1997).

Se o déficit motivacional para a interação estápresente desde o início da vida, vai existir prejuízoimportante para a aquisição da intersubjetividade, oque vai determinar uma série de alterações ao longodo processo do desenvolvimento, incluindo prejuízosna interação afetiva, na sociabilidade, na cognição.

2 Arquétipo refere-se a parte herdada da psique. É uma entidade hipotética não representável em si mesma e evidente somente através de suasmanifestações. Arquétipos são padrões de estruturação do desempenho psicológico ligados ao instinto.3 Arquétipo da Grande Mãe é o arquétipo correspondente à imagem primordial que condensa todas as experiências relacionadas à maternidadeacumuladas pela humanidade ao longo dos séculos. A mãe pessoal é uma portadora deste arquétipo. Neste texto, Arquétipo da Grande Mãe,nomeação dada por Jung (1938) e Arquétipo Matriarcal, nomeação de Byington (1996) estão sendo usados como sinônimos.4 Filho da Mãe ou Filho do Matriarcal e Mãe ou Matriarcal Adulto são papéis complementares que se estruturam na consciência, mediante asimbólica do Arquétipo da Grande Mãe. São papéis vividos entre um eu e um outro, como também na relação de um, consigo mesmo. É atravésdo papel Mãe que se pode desempenhar a maternagem consigo mesmo e para com o outro. É através do papel Filho da Mãe que se podepedir e aceitar os cuidados maternais de si mesmo e do outro. O mesmo se passa com os papéis Filho do Pai ou Filho do Patriarcal e o papelPai ou Patriarcal Adulto, referidos à estrutura da consciência pela simbólica do Arquétipo do Pai.

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3º Milênio

Com a expansão da consciência e com adiferenciação do ego o ser humano normal torna-secapaz de refletir e de saber que reflete e torna-se capazde atribuir estados mentais a si mesmo e aos outros.A possibilidade da bi-reflexibilidade é considerada porSolié (1980) como a grande aventura da consciênciahumana. Apenas o ser humano é capaz de adquiriruma teoria da mente, isto é, ser capaz de inferirestados mentais alheios e de si mesmo.

O bebê autista tem uma percepção anormal epor conseqüência uma reação anormal aos“significados” das expressões emocionais daspessoas. Há alteração na comunicação não verbal, nacoordenação interpessoal corporal e mental. Existem,em decorrência, prejuízos na noção de crença, noestabelecimento da distinção entre aparência erealidade e na compreensão da orientação subjetivaem relação às pessoas, objetos e situações, comomostra Hobson (1990).

O bebê autista pode não buscar o conforto físicode seus pais e/ou pode apresentar reações tônicas dedesprazer ao ser colocado no colo ou ao ser acariciado.Uma postura rígida, alterações no tonus, neutralidadedas expressões faciais são descrições freqüentes dospais. O bebê pode parecer mais contente quando deixadosozinho.

Quando algumas crianças autistas apresentamapego a alguns objetos, esses apegos são na sua maioriaestranhos. Os objetos de apego são duros, pontudos,ou a classe dos objetos é mais importante que a escolhaespecífica. Os clássicos objetos transicionais parecemser trocados pelos objetos autísticos.

Do mesmo modo que a face humana pode serde pouco interesse para o bebê com autismo, eletambém pode demonstrar pouco interesse pelossons da voz humana, o que faz com que se acredite,com freqüência, na possibilidade de surdez. A faltada motivação para a interação, a falta de atratividadeao estímulo social, presentes desde o nascimento,podem resultar em uma falha para iniciar e integraros padrões básicos interpessoais, que se acreditaserem as fundações para o desenvolvimento dacomunicação.

A grande maioria das crianças autistas não temtroca pelo olhar, não fixa, não mantém o olhar nooutro. Stone (1997) mostra que análises de vídeosdestas crianças em suas famílias revelam o contatode olhos muito limitado por parte da criança ecompensatoriamente um elevado nível de energiada mãe para sustentar a interação.

Diferente das crianças ditas normais ou mesmodas crianças que nascem com outras deficiências, acriança autista vive num mundo diferente. Mãe ecriança estão em mundos separados, sempossibilidade de comunicação, pois por mais quetente, por mais capaz de continência que seja, amãe não consegue entender e atender àsnecessidades do filho. Não há condição deestabelecer um código para a comunicação. Arelação de maternagem não se constela nos padrões

próprios da espécie humana.Os comportamentos de ausência ou desvio do

olhar, associados a outras alterações das trocas nãoverbais precoces, prejudicam a emergência daintersubjetividade, isto é, da construção de umaexperiência emocional compartilhada entre a criança equem cumpre maternagem. Tal construção é condiçãopara o desenvolvimento das funções mentais.

A falha no emergir da subjetividade, é derivadatambém da falta de aquisição da atenção conjunta,que é uma habilidade pré-verbal da comunicação, aqual permite que a criança divida com outra pessoaa experiência de um terceiro objeto ou de um evento.A falha no adquirir da atenção conjunta pode serconsiderada um dos maiores e mais persistentesproblemas no desenvolvimento da criança comautismo. As representações triádicas não se formam,os gestos da criança permanecem comoprotoimperativos, não surgem os gestosprotodeclarativos, os que pedem a atenção da outrapessoa para compartilhar as coisas do mundo.

Os distúrbios da comunicação, as reaçõessensoriais atípicas, as estereotipias comportamentaismantêm a criança isolada do mundo dos outros. Osmomentos autísticos são momentos de“desmantelamento da mente”, para usar a expressãode Meltzer et al. (1975).

No ser humano emoções e estados fisiológicoslevam a desejos. Crenças e desejos estãointrinsecamente relacionados no padrão da açãohumana. A percepção e a integração dos estímuloslevam a crenças sobre o outro, sobre as situações.Crenças e desejos se combinam e determinam a açãoque leva à reação de certeza ou surpresa, caso a crençase confirme ou não e leva ao prazer e à alegria ou aodesprazer e à tristeza pela satisfação ou não do desejo.Isso está alterado no autismo.

No bebê autista já se observa a falta do desejopelo outro, a falta do desejo do desejo do outro,acarretando o impedimento para a aquisição dapercepção de si e do outro. O desejo pelo outro nãoocorre pela ausência do espaço da falta. Não se cria oespaço da falta entre um eu e um outro, para que sesinta a falta do outro, para que se entristeça pela faltado outro e em função da falta se deseje o outro.

A ausência do espaço da falta, a ausência dodesejo pelo outro impossibilita a emergência dafantasia, da fantasia em relação a esse outro, queconduziria à capacidade cognitiva para atribuirsentimentos, intenções ao outro, para atribuirsignificado às interações humanas.

Os autistas parecem seres fora da possibilidade deseguir o padrão humano na sua totalidade. Poder-se-ia falar de uma sobrevivência psicológica em condiçõesatípicas. O ego se estrutura em termos de outrascodificações, isolado, privado das vivências relacionaisprimordiais. A não introjeção das experiências eu-outro, das experiências matriarcais, impede a vivênciade separação e de falta. Há, nessa fase, praticamente aagenesia da possibilidade de desejar. Não há, nesse

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

momento, espaço para a intersubjetividade. Alémdisso, a subjetividade que vai se desenvolver no bebêautista parece ser alterada, diferente em demasia dopadrão comum, o que dificulta o entendimento e oatendimento de suas necessidades.

O bebê autista vive o processo de maturaçãobiológica, relativo a suas necessidades desobrevivência. Mostra comportamentos de apego,mas o apego parece ser apenas por segurança e nãopor filiação. Diferente dos demais bebês, para oautista, o apego não conduz às vivências afetivas,não leva ao fortalecimento da capacidade de amar.

Não é possível para este bebê, a continência, aproteção, o apaziguamento matriarcal. Provavelmen-te possa ser assim justificado o não apêgo a objetostransicionais, macios, fofos e sua substituição pelosobjetos autísticos, duros, pontudos.

A impossibilidade da constelação do arquétipomatriarcal coloca em risco a própria sobrevivência dacriança autista. Ela não consegue ser atendida pornão poder ser compreendida nas suas necessidades. Avivência de uma angústia, que não pode ser nomeada,gera desespero, difícil de ser aplacado por uma mãeque se vê sem meios e que também se desespera. Abusca do isolamento, muitas vezes acompanhada damovimentação estereotipada, não funcional, pareceser o meio que a criança autista encontra, sozinha,para lidar com sua crise de angústia. Mas, diferentedas demais crianças, a autista não vive ansiedade pelaseparação, pela sensação do abandono.

É a mãe pessoal que, muitas vezes, se senteabandonada e com freqüência tende a projetar suaferida matriarcal sobre o filho autista. A maioria daspessoas, aliás, repete esta atuação e em função daprojeção do dinamismo matriarcal ferido, forma-seuma sombra que colocada sobre o autista, o faz servisto com pena, como “o anormal” ou como “ocoitadinho”, nomeações que sempre o desprestigiamcomo indivíduo. Isto pode dificultar a compreensãodesta forma tão diferente de ser e inviabilizar apossibilidade da sua individuação peculiar.

Na própria história dos estudos sobre o autismose vê a projeção da psicose, por anos. O autismopertencia ao capítulo das psicoses infantis. Talprojeção contaminou a história do autismo e continuacontaminando a relação dos não-autistas com osautistas, provocando mais isolamento, agora comodefesa.

Os autistas nasceram diferentes e vão desenvolver

uma identidade diferente, talvez a identidade daquelea quem falta algo, possivelmente uma estruturaçãosob a constelação do arquétipo do Inválido5 , nosentido que Guggenbuhl-Craig (1983) considera aodiscorrer sobre os limites da cura.

UMA ESTRUTURAÇÃO PATRIARCALDA CONSCIÊNCIA

Na criança com Transtorno Invasivo doDesenvolvimento, com inteligência preservada, o egopode se estruturar e de diferenciar, mas em basesmuito diferentes do padrão arquetípico humano. Pelaagenesia da estruturação matriarcal da consciênciaou hipotrofia dos dinamismo matriarcais,compensatoriamente pode ocorrer uma precoce ehipertrófica estruturação patriarcal da consciência.

O ego parcialmente se diferencia do Self 6e seestrutura em função do arquétipo do Pai.7 O arquétipopatriarcal é codificável. Pela sua humanização há apossibilidade do apaziguamento, da continência, daproteção e do suporte.

O ego que se estrutura em função da ativaçãodesse arquétipo, é um ego parcial e atípico. Odinamismo patriarcal, que é o da ordem, da lógica,do planejamento, da previsibilidade, dainteligibilidade confere “suporte ao ego”, casocontrário ele, provavelmente, voltaria ao abandonoprimordial da inviabilidade de ser, às trevas iniciais,sem a possibilidade do exercício da funçãotranscendente e sem a possibilidade do processo daindividuação.

As funções estruturantes para a expansão daconsciência e diferenciação do ego vão entrar emfuncionamento via dominância patriarcal. Assim éprovável que a elaboração simbólica possa ocorrervia arquétipo patriarcal. A elaboração simbólica viaeros8 com características matriarcais não acontece,mas de modo parcial pode-se verificar a elaboraçãosimbólica acontecendo via logos9 e pode ser tambémmatizada por um eros patriarcal. Diferente do erosque opera sob o funcionamento matriarcal, o erospatriarcal é o eros do orgulho da organização, daperfeição e da pureza.

Assim, quanto mais preservada for a inteligênciada criança com autismo, maiores as chances parauma melhor adaptação tanto ao mundo externoquanto ao mundo interno. As estratégias utilizadasserão todas de ordem patriarcal.

5 Arquétipo do Inválido está relacionado às imperfeições do ser humano. Como todo ser humano tem imperfeições, a perfeição é atributoapenas do Divino, e, como toda conduta humana é pensada como arquetípica, Guggenbuhl-Craig (1983) usa a expressão Arquétipo do Inválidopara se referir à polaridade imperfeita do ser humano, a qual é complementar à polaridade divina deste mesmo ser.6 Self ou Si-Mesmo é o princípio unificador da psique humana, ocupando uma posição central de autoridade com relação à vida psicológica doindivíduo. 7 Arquétipo do Pai é uma inata estrutura psicológica que predispõe o experimentar a vida de um modo padronizado, incluindo a internalizaçãodo código de valores, principíos, normas e regras. Influencia o modo pelo qual o pai pessoal é experimentado. Arquétipo do Pai, nomeação dadapor Jung (1938) e Arquétipo Patriarcal, nomeação de Byington (1996) estão sendo usadas como sinônimo.8 Eros é o princípio da capacidade psiquica de relacionar-se, às vezes considerado por Jung como subordinado à psicologia da mulher.9 Logos é “razão essencial”, a idéia transcendente que encontra expressão na vida individual. Como princípio, Jung fala de Logos como espíritoe lhe atribui masculinidade. Usa julgamento, discriminação e discernimento como sinônimos, diferenciando-o daquilo que ele vê comocorrespondente princípio feminino de Eros

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3º Milênio

Mais cedo que para as demais crianças, opensamento e o conhecimento lógico podem seradquiridos e quando o são, auxiliamsignificativamente a adaptação. O pensamentomágico, de ordem matriarcal, não pôde serdesenvolvido e nem mesmo adquirido, mas opensamento de ordem patriarcal surge e temprimordialmente a função de compensar a alteraçãoda função sensação, a qual determinou defasagemimportante no aprendizado percetivo-motor,impedindo a aquisição da noção do esquema corporale distorcendo a imagem de si mesmo.

Como se monta um quebra-cabeças, pela lógicada relação de suas partes, a criança na segundainfância e o adolescente podem adquirir uma noçãode seu corpo, parte por parte e, desta forma,representarem internamente a imagem de si mesmos,base para a sua identidade.

A função afetiva parece ficar subordinada àinformação, à coerência e à lógica. Ser compreendido,ser aceito, ser recebido é ser gostado. A confiabilidadeno outro surge pela experiência relacional queacontece ao longo do tempo e leva à percepção dareciprocidade. Cultiva-se a tradição e a previsibilidade.

Dessa forma, pode nascer uma intersubjetividadebaseada na correspondência, na comunicabilidadeinteligente, na honra, na história do relacionamento,na confiança. No desenvolvimento padrão, as trocasafetivas é que favorecem as trocas cognitivas, mas deforma oposta, os autistas desenvolvem as trocasafetivas a partir da possibilidade das trocas cognitivascom os outros.

Se, para os indivíduos não autistas, durante todaa vida, mas especialmente na infância, a aflição e aansiedade surgem da vivência de sensações deabandono, para os autistas a aflição e a ansiedadenão surgem frente a sensações de abandono, massurgem frente a constatação da desordem, doimprevisível, do não computável, determinando crisesque podem ser nomeadas como crises dedesorganização, difíceis de serem controladas.

Existe a possibilidade do Self, determinando aorganização arquetípica do desenvolvimento, suprira função transcendente10 e suprir mesmo a alteridadepara estes seres que precisam buscar seu processo deindividuação sem o funcionamento matriarcal ou naextrema limitação dele, que poderia fazer pensarmesmo em agenesia.

Na impossibilidade da estruturação matriarcal daconsciência, de modo substitutivo, pode ocorrer umaestruturação da consciência via dinamismo patriarcal.O papel Filho do Pai, descrito por Galiás (1988), podevir a ficar hipertrófico para vicariar a hipotrofia dopapel Filho da Mãe. O funcionamento do portadordo Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, que tema inteligência preservada é o funcionamento de uma

outra forma de mente, que se desenvolve sob umpadrão diferente, o que faz com que este indivíduonecessite, desde o início da vida, de uma estimulaçãotambém diferente.

COMPREENDENDO UMA OUTRAFORMA DE SER DA MENTE

Como já descrito, as pessoas portadoras doTranstorno Invasivo do Desenvolvimento expandema consciência e estruturam o ego de uma maneiradiferente do padrão mais comum da espécie humana.Baron-Cohen (2000) é um dos autores que, nos diasde hoje, mais defende a hipótese de que os portadoresda Síndrome de Asperger e do autismo de altofuncionamento são pessoas diferentes e não pessoasanormais.

Em função de suas condições tão peculiares epor viverem sob os determinantes de uma cultura,onde não são adequadamente compreendidas, estaspessoas têm um processo de desenvolvimentopsicológico bastante difícil e penoso. É provável queapenas uma minoria dos portadores desse Transtorno,que possui a inteligência preservada, possa chegar aum processo de individuação, com a possibilidadede descobrir a própria forma de ser e talvez o sentidode sua existência.

Após uma primeira infância caótica, onde adesorientação permeia os contatos da criança comseu ambiente e vice-versa; após uma segundainfância, onde a aquisição das operações lógicas dopensamento auxiliam a adaptação, o indivíduo comfuncionamento autista e inteligente chega àadolescência onde de fato ele se percebe muitodiferente dos demais e se deprime.

Em outra versão, após a fase onde predomina odinamismo matriarcal, cuja linguagem é inacessívelpara a criança autista, pois não existe a vivênciapsicológica do arquétipo matriarcal, no qualpredomina a sensorialidade emocional; após a faseonde o dinamismo patriarcal permite a aquisição deum código para a comunicação, pois é possível avivência psicológica do arquétipo patriarcal, no qualpredomina a organização racional, o indivíduo comesta forma tão atípica de estrutura de consciência,com um ego que não se de-integrou adequadamentedo Self, se vê privado de importantes vivências doque é humano e pela primeira vez tem algumapercepção do quanto ele é o diferente.

A adolescência e o início da vida adultacaracterizam-se por uma luta titânica, uma luta pelodireito à existência. Serve muito bem a imagem dostitãs, segundo Hesíodo, a segunda geração divina,seres primordiais, tão intensos na sua expressividade,mas desprovidos ainda de caracteres humanos.Alvarenga (1999) mostra que as figuras titânicas

10 Função transcendente é a função que conecta opostos. Exprimindo-se por meio de símbolo, ela facilita a transição de uma atitude ou condiçãopsicológica para outra.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

podem ser consideradas como representantes detodas as estruturas da consciência, porque é destemundo primordial que nasce um sistema organizado,onde as coisas têm corpo e forma. A especificidade,porém só é possível na terceira geração divina,onde Pai e Mãe estruturam corpo e o Herói estruturapsiquismo. A luta dos titãs é uma luta pelasobrevivência, muito diferente e anterior à luta doherói, que é a luta dirigida pelo direito de ser ímpar.

Os portadores do Transtorno Invasivo doDesenvolvimento que têm a intel igênciapreservada, a partir da adolescência tendem aempreender uma luta para se tornarem iguais aosseres considerados neuro-típicos. Luta esta,reforçada e potencializada pela sociedade e cultura.Quanto mais semelhantes eles se tornarem, quantomais aprenderem os moldes padrões de conduta,mais poderão ser aceitos. Aceitos ou tolerados? –este pode ser um questionamento.

A literatura tem demonstrado que algunsindivíduos com o funcionamento autista, depoisque se empenharam arduamente durante anos parase tornarem iguais aos julgados normais, chegaramà percepção de que por mais que tenham tentadonão são dignos das mesmas possibilidades de vida.

Williams (1992, p.8), em sua autobiografia,escreve: “de qualquer modo que eu agisse, eu serianaturalmente indigna de aceitação, ...indignamesmo de vida”.

Na metanóia11 , pode surgir a percepção de queeles não podem passar pelas fases típicas dodesenvolvimento da consciência humana. O espaçoconstruído para a subjetividade continua sendopequeno. A intersubjetividade possível éusualmente baseada na lógica, na correspondência,na comunicação inteligente, na confiança, na fé,na reciprocidade, na estabilidade das relações. Afunção do relacionamento fica subordinada aodinamismo patriarcal.

É possível que se possa observar uma fase deautomatização das conquistas na segunda metadeda vida. O que poderá continuar a humanizar oArquétipo do Pai até o fim da vida? Poderá a funçãotranscendente operar para conseguir iniciar egarantir um processo de individuação em moldestão peculiares?

Sinclair, apud Cesaroni and Garber (1991,p312), portador da Síndrome de Asperger, terminouassim sua poesia: “Eu construí uma ponte, e a

travessei, mas não havia ninguém para me encontrardo outro lado”.

Williams em uma entrevista na CBS em 1994,disse: “Minha intenção é viver no mundo de talmodo que eu possa encontrar meu próprioeu”...”não quero mais manter uma fachada denormalidade”.

É provável que neste momento haja anecessidade não só de uma luta titânica, mas deuma luta heróica, a luta dirigida pelo direito de serímpar.

CONCLUSÃOEm termos da psicologia junguiana parece

ocorrer no autismo uma alteração no processo dede-integração do Self. Tem-se possivelmente umdistúrbio desde a fase intrauterina, onde asvivências matriarcais não se constelam. Porémcomo a organização do desenvolvimento éarquetípica, a função estruturante da organizaçãopatriarcal se torna dominante. Com umfuncionamento autista, o indivíduo tem os papéis,referentes à filiação dupla, consequentementealterados, são filhos ou filhas do Pai, são filhos oufilhos de uma mulher-Pai e de um homem-Pai. Mas,sob a ordenação do Self, como princípio detotalidade, pode se ter a integração de todos osdemais arquétipos entre si, propiciando o processode individuação para aquela pessoa, provavelmentemesmo na falha da humanização do arquétipo daGrande Mãe.

Os princípios de centroversão 12 e doautomorfismo13 , atuantes sob a organizaçãopatriarcal, dirigem os processos de ampliação daconsciência e a integração da personalidade,abrangendo as relações entre os sistemasconsciente e inconsciente.

O papel adequado da cultura seria o de ajudarestas pessoas a descobrirem que são diferentes, masque são viáveis, que possuem a viabilidade de ser.Isto precisaria ser feito desde as identificaçõesprimárias. Métodos de educação apropriadossomados a uma sociedade esclarecida, seriam aajuda essencial para que o processo dedesenvolvimento do indivíduo com autismo nãoprecisasse ser tão doloroso para ele e para suafamília.

Hoje, o indivíduo autista tem uma sobrecarga.

11 Metanóia é o ponto no processo do desenvolvimento humano que marca o redirecionamento do sentido da vida, não mais em termos do egocomo centro da consciência, mas em termos do self como centro da totalidade da vida psíquica.12 Centroversão é a função psíquica da totalidade, que na primeira metade da vida determina a formação de um centro de consciência, cujaposição é gradualmente assumida pelo complexo-ego.13 Automorfismo é a necessidade primitiva do indivíduo para cumprir sua natureza constitucional e particular, dentro da coletividade e sencessário de forma independente ou em oposição à esta.

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3º Milênio

aconchego, desde que se tenha consciência de quenão é isto que eles de fato mais necessitam. O queeles necessitam, e muito, é de compreensão e ajudapara organizarem seu mundo e aprenderem a vivernele. Não possuindo a capacidade de estruturarconsciência pelo arquétipo matriarcal, se apoiamtotalmente na capacidade estruturante eorganizadora do arquétipo patriarcal.

Há os anjos sem asas e as madonas sem mãos.

e a sandália sem dança

e há o alaúde sem os dedos, o nome sem a

pessoa,

o canto sem voz

e muito mais lágrimas que olhos.

Cecília Meireles, As escadas medievais...

Endereço para CorrespondênciaRua Bueno Brandão 78, Bairro Vila Conceição,

Cep: 04509-020, São Paulo - SP.

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Galiás, I. - Reflexões sobre o triângulo edípico.Junguiana, vol.6, 149-165. 1988.

Guggenbuhl-Craig, A - O arquétipo do inválido

Ele carrega as dificuldades e limitações trazidas porsuas próprias condições e ainda carrega o estigmade uma anormalidade que não possui. Os autistas,com o passar do tempo, aprendem a descobrir peloolhar dos outros que são diferentes, estranhos eque são não viáveis como humanos.

Repetindo McKean (1992, p.53) um jovemcom Síndrome de Asperger: “Eu espero pelo dia noqual você sorrirá para mim, porque perceberá queexiste uma pessoa decente e inteligente...pois eutenho visto como as pessoas olham para mim,embora eu nada tenha feito de errado”.

A cultura tende a projetar nos autistas suainfelicidade ao vê-los e eles passam a seremlamentados e discriminados. Não compreendendoa função de estruturação da organização patriarcal,a cultura projeta o matriarcal ferido nas pessoascom autismo, projeta a ferida matriarcal em quemnão tem imagens matriarcais e, por isso, não tem apossibilidade de ter fixações matriarcais.

Desde o início de suas vidas o autista deve serentendido e atendido na necessidade da ativaçãoprecoce do arquétipo do Pai e deve ter o respaldode que ele é diferente. Não se trata de negar a“anormalidade” do autista, pois isso seria umadefesa que impossibilitaria a ajuda a ele. Trata-sesim de reconhecer esta “anormalidade” comoagenesia da estruturação matriarcal e não como omatriarcal ferido.

Tal agenesia precisa ser elaborada onde elarealmente ocorre. Caso ela seja trabalhada,querendo melhorar o dinamismo matriarcal, apessoa com autismo adquire sim umaanormalidade, além da alteração com a qual nasceu.

As pessoas normais, ao sentirem que o autistaé desprovido do dinamismo matriarcal, esforçam-se por cuidá-lo e melhorá-lo. Este pode ser o errofundamental no tratamento do autista, pois cria ereforça o sentimento da inviabilidade. O autista nãoquer e não precisa do dinamismo matriarcal porqueele simplesmente não tem o que fazer com ele.Pena, colo, aconchego, carinho, lágrimas, mimos,superproteção emocional e dedicação afetivaesmerada, tão necessárias à enfermagem doarquétipo matriarcal ferido aqui são dispensáveis.Além de inúteis, fazem o indivíduo com autismoexperimentar fracasso e culpa, pois ele é incapazde, nestes termos, corresponder à ajuda recebida.É como fazer fisioterapia em um membro do corpoinexistente. Como mostra Guggenbuhl-Craig (1983)há complicação quando se confunde ferida comcicatriz. Ao se resolver tratar uma cicatriz comoferida, corre-se o risco de idiopaticamente ferir acicatriz.

O bebê, a criança, o adolescente e o adultocom autismo podem e devem receber carinho,

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPITULO XI

A TEORIA DA MENTE E APLICAÇÃONOS PORTADORES DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

Maria Isabel S. PinheiroWalter Camargos Jr.

INTRODUÇÃONa tentativa de procurar compreender os

mecanismos cognitivos envolvidos na sintomatologiado autismo, várias teorias psicológicas têm sidoconsideradas: a psicanalítica, teoria afetiva, teoria damente, teorias neuropsicológicas, a teoria deprocessamento de informações, entre outras.

Apesar dos avanços dos estudos nos últimos vinteanos, a questão da causa ou das origens desse quadroclínico está longe de ser respondida. A perspectivaorganicista acena cada vez mais como umapossibilidade para explicar o autismo, até mesmo asevidências são contraditórias.

Ao propor a aplicação da Teoria da Mente notrabalho com crianças TID, é fundamental rever;

1 - a conceituação de TID;2 - as características de funcionamento dos indivíduos

diagnosticados como portadores de TID;3 - as considerações teórico-práticas que sustentam

essa opção de trabalho.

1-TRANSTORNO INVASIVO DODESENVOLVIMENTO-TID

De acordo com o DSM - IV, são consideradasaquelas desordens que se caracterizam por:alterações qualitativas das interações sociaisrecíprocas e modalidades de comunicação e porum repertório de interesses e atividades restrito,estereotipado e repetitivo. Estas anomaliasqualitativas constituem uma característica globaldo funcionamento do sujeito, em todas asocasiões.

O Transtorno Autístico, Síndrome de Rett, aSíndrome de Asperger e Autismo Atípico estão entreas principais formas clínicas apresentadas.

Entre essas desordens, a mais freqüente e a maisreconhecida do grupo é o autismo. Cada indivíduoautista pode apresentar um nível diferente decomprometimento que pode variar de profundodéficit na interação social, até formas sutis de difícildiagnóstico. A gravidade dessas anormalidadespodem variar também em função do grau de RetardoMental associado.

2-CARACTERÍSTICAS DE FUNCIONA-MENTO DOS INDIVÍDUOS DIAGNOS-TICADOS COMO PORTADORES DETID

O autismo é uma desordem comportamentalcom etiologia ainda desconhecida, na qual o principalsintoma é um déficit severo no contato social. Essesdéficits surgem nas primeiras idades do indivíduo eperduram ao longo da vida.

Uma grave perturbação na capacidade departicipar de uma interação social e também umainabilidade para interagir com outras pessoas,caracterizam a forma desses indivíduos estarem nomundo.

Através dos relatos fornecidos por indivíduos comquadros de autismo de alto-funcionamento, podemosconhecer essa outra forma de mente que se estruturasob padrões muito diferentes dos padrões típicoscaracterísticos da espécie humana. Nessasinformações, é possível identificar manobrascompensatórias que permitem a esse indivíduoparticipar de um mundo cujos entendimentos sãodiferente dos seus. Essas manobras, descritas por VanKrevelen (1971), são utilizadas como recurso paraestabelecer uma relação social mais adequada.

e os limites da cura. Junguiana,n.1, 97-106. 1983Hobson, P - On psychoanalytic approaches to

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3º Milênio

A utilização dessas manobras compensatóriasadaptativas sugere um desejo de comunicar-se einteragir, embora seja possível observar nessesindivíduos uma ausência de habilidade para orelacionar com o outro.

Esse modelo de comportamento utilizandomanobras propõe, segundo alguns estudiosos dodesenvolvimento, uma incapacidade de desenvolveruma Teoria da Mente (TM). Complementando essainformação, Baron-Cohen (1995) propõe que umdéficit no sistema executivo também propiciaria estacaracterística de comportamento.

3 - CONSIDERAÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS QUE SUSTENTAM ESSAOPÇÃO DE TRABALHO

3.1 - TEORIA DA MENTE

A TM diz respeito à capacidade de atribuirestados mentais (crenças, desejos, conhecimentos epensamentos) a outras pessoas e predizer ocomportamento das mesmas em função destasatribuições (Baron-Cohen, Leslie & Frith, 1985).

Este termo, "teoria da mente", não deve sercompreendido no sentido de uma teoriaconscientemente elaborada, mas como ummecanismo que permite um tipo especial derepresentação, a representação de estados mentais(Premack & Woolruff , 1978 ).

Dennet (1978) defende que para possuir TM oupara atribuir estados mentais a outras pessoas, nãobasta apenas desenvolver uma representação internaa respeito das coisas, mas também é necessário acapacidade de refletir sobre essas representações. Esseprocesso de metarrepresentação, a habilidade deestabelecer "crenças sobre crenças sobre crenças"estaria comprometido no autismo.

3.2 - PROCESSOS DE DESENVOLVI-

MENTO DA TEORIA DA MENTE

Wimmer e Perner (1983) foram pioneiros nainvestigação do processo de desenvolvimento da TM.Seus trabalhos e pesquisas, foram desenvolvidos comcrianças normais.

De acordo com esses estudiosos, a TM estarialigada inicialmente a uma habilidade inata paradesenvolver um sistema de inferência e, em seguida,o processo de desenvolvimento da TM estaria a cargoda aprendizagem cultural, ou seja, estaria a cargo dacapacidade de incorporar as informações culturais.Em 1989, Dennet denomina essa capacidade de"adquirir a TM" também de Folk Psychology.

Durante o primeiro ano de vida das criançasnormais ocorreriam as representações de nívelprimário, caracterizada pela percepção do objeto.

Em seguida, viria o processo de atençãocompartilhada, que aparece nos bebês por volta dosegundo semestre de vida e é considerado porMcEvoy (1993) como uma forma precursora da TM.Por volta dos 18 meses, a criança passa a diferenciaro real do faz-de-conta, não necessita mais do objetopara representá-lo. Dessa forma, é possível elaborar aprimeira ordem da TM, a "crença".

FIG. 1 - 1a ordem da Teoria da Mente - "crença"É possível pensar em um objeto ou pessoa sem a presençado objeto ou da pessoa.

Por volta de 4 anos, crianças normais já sãocapazes de atribuírem estados mentais a outraspessoas (o outro também pensa ou tem "crença").Essa seria a segunda ordem da TM, a "crença sobrecrença".

FIG. 2 - 2a ordem da Teoria da Mente - "crença sobrecrença"É possível pensar que o outro também pensa ( ou, tem"crença").

A terceira ordem de estados mentais só seriaapresentada por crianças normais por volta de 5 anosde idade; corresponde à capacidade de estabelecer acrença do outro sobre minha crença, "crença sobrecrença sobre crença".

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

FIG. 3 - 3a ordem da Teoria da Mente - "crença sobrecrença sobre crença". É possível estabelecer: "crença dooutro sobre minha crença"

Baron-Cohen (1989), Perner, Frith, Leslie & eLeekam (1989) apresentam evidências de que criançascom autismo não contam com a TM. Verificaram queessas crianças falham com mais freqüência que ascrianças normais e as crianças controle nos testes deTM. Utilizando o experimento de Perner, adaptadopara avaliar a TM em crianças com autismo, verificaramque essas crianças falham com mais freqüência que ascrianças normais e crianças controle nos testes de TM.E que essas crianças podem apresentar entendimentoaté o segundo nível, mas não apresentam o terceironível da TM.

O experimento de Baron-Cohen é conhecidocomo situação social de Sally e Ann.

Lia tem um dado. Lia coloca o dado no pote.

Lia sai para um passeio

Rita tira o dado do pote e coloca na caixa.

Agora Lia voltou. Onde Lia vai procurar o dado?

Esta é Lia

Lia tem um pote.

Esta é Rita.

Rita tem uma caixa.

FIG. 4 - Representação da situação social apresentadapor Baron-Cohen

3.3 - O USO DA TM NO TRABALHO

COM CRIANÇAS AUTISTAS

Baron-Cohen e colaboradores, desenvolveramprograma com objetivo de ensinar às criançasautistas a utilizarem a Teoria da Mente. É Importantedestacar no entanto, a necessidade da criança possuirnível intelectivo compatível com o aprendizado. Esseprograma proposto por Baron- Cohen ecolaboradores, apresentado a seguir de formaresumida, foi estruturado em 5 níveis sucessivos decomplexidade e segue o conhecimento prévio sobreo desenvolvimento normal dos estados mentais. Aodividir as construções de situações imaginárias nasmodalidades de emoção, crença e "faz de conta",no nível de situação, desejos e crença é possívelavaliar o nível de compreensão da criança eestabelecer, então, em que modalidade se deveiniciar o treinamento. O trabalho é sempre realizado

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3º Milênio

a partir do nível 1 de cada modalidade percorrendo,em seguida, todos os 5 níveis. Dessa forma, deve-se iniciar pelo Reconhecimento da Emoção - nível1 percorrendo todos os níveis dessa modalidade.Em seguida, passando para a modalidade Crença,percorrendo também todos os níveis e finalmentea modalidade Faz de Conta. O ensinamento deveocorrer em ambiente favorável e são importantesas seguintes considerações:

- ensinar em ambiente natural;- utilizar brincadeiras, jogos e computadores;- elogios e incentivos devem ser dados com

freqüência;- os erros apresentados pela criança devem ser

imediatamente corrigidos;- ensinar "conceitos" é mais efetivo que passar simples

instrução.

A Figura 5 apresenta a seqüência de níveissugeridas por Baron-Cohen e colaboradores.

Emoção Crença Faz de conta/Ficção

Nível 1 Reconhecimento da Reconhecimento de Jogo sensório-motor

fotografia facial perspectiva simples

(feliz/ triste/

bravo/ com medo)

Nível 2 Reconhecimento Reconhecimento de Brincadeira funcional

esquemático facial perspectiva complexa (< =2 exemplos)

(feliz/triste/ bravo/

com medo)

Nível 3 Emoções baseadas Observação de pistas Brincadeira funcional

em situações (feliz/ para entendimento (> 2 exemplos)

triste/bravo/ com (eu/ outro)

medo)

Nível 4 Emoções baseadas Crença verdadeira/ Fingir brincar

em desejos predição de ação (<= 2 exemplos)

(feliz /triste)

Nível 5 Emoções baseadas Falsa crença Fingir brincar

em crenças (> 2 exemplos

(feliz /triste)

FIG. 5 - Os cinco níveis do ensinamento do estado mental

AVALIANDO E ENSINANDO EMOÇÃONÍVEL 1 - RECONHECENDO EMOÇÃO

ATRAVÉS DE FOTOGRAFIA FACIAL.

Inicia-se o trabalho, avaliando se a criança é ca-paz de reconhecer as emoções no outro através defotografia facial. Apresente as quatro fotografias paraa criança; (feliz/triste/bravo/com medo).

FIG.6 - Expressões faciais

Verifique se a criança é capaz de reconhecer asquatro emoções apresentadas. Se a criança falhar aoreconhecer alguma das emoções mostradas nas fotos,comece a ensinar a partir desse nível.

Questões que devem ser apresentadas para acriança:

Agora nós vamos ver algumas fotos que mostramcomo as pessoas se sentem:Brava/com medo/alegre/triste?Pergunta: Me mostre a face feliz.

NÍVEL 2 - RECONHECENDO EMOÇÃOATRAVÉS DE ESQUEMA FACIAL.

Verifique se a criança é capaz de reconhecer asquatro emoções representadas nos esquemas faciais.Apresente os esquemas das quatro emoções queestão sendo trabalhadas (feliz/triste/bravo/commedo).

FIG.7 - Esquemas faciais.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Solicite à criança que identifique as emoçõesapresentadas pelos esquemas. Se a criança falhar emreconhecer alguma das quatro emoçõesrepresentadas nos desenhos, comece a ensinar a partirdesse nível.

Questões que devem ser apresentadas paraa criança:

Agora nós vamos ver desenhos de algumasfaces que representam como as pessoas sesentem:Pergunta: Você pode me mostrar a face(feliz)?

NÍVEL 3 - RECONHECENDO EMOÇÕESBASEADAS EM SITUAÇÕES.

Nesse nível, vamos avaliar se a criança é capaz deidentificar emoções baseadas nas situaçõesapresentadas.

Aqui, a criança deve ser capaz de prever comoo personagem se sent i rá dentro de umadeterminada situação. Apresente para a criançao cenário e os quatro esquemas faciais. A criançadeverá interpretar o contexto social e emocionalda figura e prever com que expressão facial opersonagem deve estar.

Algumas vezes, pode existir a possibilidade deduas respostas plausíveis prevalecendo, nesse caso,a interpretação do terapeuta.

Se a criança falhar na previsão da emoção,comece a ensinar nesse nível.

Questões que devem ser apresentadas para acriança

O cachorro bravo está latindo e correndo atrásde Pedro na estrada.Pergunta: Como Pedro irá sesentir? Ele irá se sentir feliz/triste/bravo/commedo?Pergunta justificativa: Porque ele irá se sentirfeliz/triste/bravo/com medo?

FIG. 8 - Emoção baseada em situação

NÍVEL 4 - RECONHECENDO EMOÇÕES BA-SEADAS EM DESEJOS.

Neste nível, são apresentadas as emoçõescausadas pelo atendimento ou não dos desejosde uma pessoa. A criança deve ser capaz deidentificar os sentimentos do personagem (felizou triste) de acordo com o atendimento ou nãodo seu desejo.

Esta é Ana. Esta figura nos mostra o que Anaquer. Desejo: Ana quer sorvete.

FIG. 9A - Emoção baseada em desejo

Acontecimento: A mãe de Ana lhe deu doce parao lanche.

FIG - 9B: emoção baseada em desejo

A criança deverá conhecer o desejo dopersonagem, interpretar o atendimento ou não doseu desejo frente a um contexto social apresentado,e prever a expressão emocional que o personagemdeve estar frente à realização ou não do seu desejo. Acriança deverá ser capaz de identificar a expressão dopersonagem e apontar no esquema apresentado(feliz/triste).

Se a criança falhar na previsão da emoção,comece a ensinar nesse nível.

Desejo

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3º Milênio

Questões que devem ser apresentadas para acriança

- A figura 9A - mostra o que Ana quer. Ana quersorvete.

Pergunta: O que Ana quer?- A figura 9B mostra o que a mãe de Ana lhe

deu. A mãe de Ana lhe deu doce.Pergunta: Como Ana irá se sentir quando sua mãe

lhe der um doce?Pergunta justificativa: Porque ele irá se sentir feliz/

triste?

NÍVEL 5 - EMOÇÃO BASEADA EM CRENÇA.São apresentadas as emoções causadas pelo que

o personagem pensa que é verdade; mesmo se o queo personagem pensa conflita com a realidade.

A - Crença Realizada

Situação real: O pai de Lúcia compra algunsdocinhos para o lanche.

/

FIG. 10A - O pai de Lúcia compra docinhos para o lanche.

FIG .10B - Lúcia quer docinhos para o lanche epensa que terá docinhos para o lanche.

Desejo: Lúcia quer docinhos para o lanche.Crença: Lúcia pensa que terá docinhos para o lanche.

Desejo Crença

Esta é Lúcia.

Questões que devem ser apresentadas para acriança:

Figura 10A: mostra que o pai de Lúcia compradocinhos para o lanche.

Figura 10B:Lúcia quer docinhos e pensa que terádocinhos para o lanche.

Questão do desejo: O que Lúcia quer?Questão da crença: O que Lúcia acredita que terá?Questão da emoção: Lúcia quer docinhos. Ela

pensa que terá docinhos para o lanche. Como ela vaise sentir?

Pergunta justificativa: Porque ela vai se sentir feliz/triste?

Acontecimento: O pai de Lúcia deu a ela algunsdocinhos para o lanche.

FIG.10C - Lúcia recebe docinhos para o lanche.

A criança deverá conhecer o desejo dopersonagem e interpretar o atendimento ou não doseu desejo frente a um contexto social apresentado. Acriança precisa prever a expressão emocional que opersonagem deve estar frente à realização ou não doseu desejo. A criança deverá então, ser capaz deidentificar a expressão do personagem e apontar noesquema apresentado (feliz/triste).

Se a criança falhar na previsão da emoção,comece a ensinar nesse nível.

Questões que devem ser apresentadas para criança

Figura 10C: a figura nos mostra que Lúcia ganhoudocinhos para o lanche.

Questão de desejo: O que Lúcia quer?Questão de emoção: Como Lúcia irá se sentir

quando seu pai lhe der docinhos para o lanche? Elairá se sentir feliz/triste?

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Questão de justificativa: Porque ela irá se sentirfeliz/triste?

B - Crença não realizadaSituação real

FIG. 11A - A avó de Paula compra um ursinho para Paulade presente.

FIG.11B - Paula quer uma boneca e pensa que terá umaboneca.

Desejo: Paula quer uma boneca.Crença: Paula não sabe sobre o urso. Ela pensa

que sua avó lhe comprou uma boneca.

Questão de desejo: O que Paula quer?Questão de crença: O que Paula pensa?.Questão de emoção: Paula quer uma boneca.

Ela pensa que sua avó comprou uma boneca .ComoPaula se sente feliz/triste?

Justificativa da questão: Porque ela se sente feliz/triste?

Acontecimento: A avó de Paula comprou paraela um ursinho.

FIG.11C - Paula ganha um ursinho de presente.

Nesse nível, a criança deve identificar,orientada por uma seqüência de três figuras, asemoções causadas pela situação. Essas situaçõessão baseadas no que alguém quer, no que pensaque vai acontecer, e no que realmente acontece.

A criança deverá ser capaz de identificar aexpressão do personagem e apontar no esquemaapresentado, a reação do personagem (feliz/triste).

Se a criança falhar na previsão da emoção,comece a ensinar nesse nível.

Questões que devem ser apresentadas paraa criança:

Figura 11A: mostra que a avó de Paulacomprou um urs inho de presente paraPaulaFigura 11B:Paula quer uma boneca depresente.Figura 11C: Paula ganha um ursinho depresente.

Questão do desejo: O que Paula quer?Questão da crença: O que Paula pensa que

vai ganhar?Questão da emoção : Como ela va i se

sentir?Pergunta justificativa: Porque ela vai sesentir feliz/triste?

CrençaDesejo

Esta é Paula

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3º Milênio

AVALIANDO E ENSINANDO CRENÇANesse nível é trabalhado o entendimento dos

cinco níveis informacionais

NIVEL 1 - RECONHECIMENTO DEPERSPECTIVA VISUAL SIMPLES

Aqui, a criança deve identificar que, o que ela vêpode ser diferente do que outra pessoa ( terapeuta) vê.

FIG. 12A - situação informacional

FIG. 12B - situação informacional

A criança deve ser capaz de entender que aspessoas vêem coisas diferentes em perspectivassimples.

A partir de dois cartões com figuras diferentes,uma figura deve ficar de frente para a criança e aoutra, de frente para o terapeuta. A criança deveser capaz de perceber que ela só vê a figura queestá à sua frente. Para uma pergunta sobre apercepção do outro, a criança deve ser capaz deentender que o outro (o terapeuta) vê a figura queestá à frente dele.

Se a criança falhar no entendimento, comecea ensinar deste nível.

NIVEL 2 - RECONHECIMENTO DEPERSPECTIVA VISUAL COMPLEXA

Nesse nível a criança deve identificar não apenaso que a pessoa vê, mas também COMO o "objeto" seapresenta para a pessoa.

FIG. 13A - Perspectiva visual complexa

FIG. 13B - Perspectiva visual complexa

O reconhecimento da perspectiva visualcomplexa envolve o reconhecimento não apenasdo que a pessoa vê mas de COMO isso aparecepara ela. Com a utilização de um cartão comdesenho, por ex. um elefante, a criança deve sercapaz de entender que o terapeuta, posicionadofrente à criança em uma mesa, tem a visão do"desenho do elefante" diferente da visão da criança.O terapeuta vê o elefante de "cabeça para baixo",caso o desenho do elefante estiver de "cabeça paracima" em relação à criança e vice-versa.

Se a criança falhar no entendimento, comecea ensinar deste nível.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

NIVEL 3 - RECONHECENDO O PRINCÍPIO DEQUE, "VER LEVA AO SABER".

Nesse nível a criança deve identificar que aspessoas só sabem "das coisas" que elas tiveramexperiência (direta ou indiretamente).

FIG. 14 - Exemplo de par de caixas que podem serut i l izadas para guardar objetos dentro. Oscompart imentos usados para guardar objetosdevem ser d i ferentes em tamanhos, cores ouformas.

Apresentar para a criança as duas caixas e odado. Tapar os olhos de criança enquanto guarda odado em uma das caixas. Após tirar as vendas dosolhos da criança, indagar em qual das caixas o dadofoi guardado. A princípio, a criança deve respon-der que não sabe onde o dado foi guardado. Aseguir, a criança deve ser questionada: "Porque vocênão sabe?" A criança deve justificar dizendo queela não viu.

Se a criança falhar nesse entendimento, comecea ensinar deste nível.

NÍVEL 4 - PREVENDO AÇÕES COM BASENO CONHECIMENTO DAS PESSOAS

Nesse nível, a criança deve ser capaz de preveras ações de uma pessoa com base na crença que acriança tem sobre o conhecimento da pessoa.

FIG. 15A - Veja, existe um carrinho sobre a mesa e umcarrinho no chão.

FIG. 15B - Paulo, ao sair de casa, só viu o carrinho queestava na mesa

FIG. 15C - Quando Paulo voltar, para pegar um carrinho,onde ele irá procurar o carrinho?

Apresente para a criança a situação. Explique paraela que Paulo (morador da casa) ao sair de casa, viu ocarrinho na mesa. Paulo não viu o outro carrinho namesa. Pergunte para a criança: Quando Paulo chegarna sala para pegar um carrinho, onde ele pensa que ocarrinho está? Onde ele vai procurar o carrinho? Se aresposta da criança estiver correta, então o terapeutadeve perguntar: Porque Paulo procurará o carrinhona mesa? A criança deve ser capaz de explicar que, sePaulo viu o carrinho na mesa, então ele irá pensar queo carrinho está na mesa. Ele não viu o outro carrinhono chão, então ele não sabe que existe um carrinhono chão.

A criança deve entender o princípio geral doensinamento: as pessoas pensam que as coisas estãoonde elas viram da última vez, (ou onde alguém asinformou que estão). Se as pessoas não viram ou nãoforam informadas onde estão as coisas, então elasnão saberão que as coisas estão lá.

Se a criança falhar nesse entendimento, comecea ensinar deste nível.

NIVEL 5 - ENTENDENDO FALSAS CRENÇASNesse nível devemos avaliar a habilidade da

criança de entender que pessoas podem adquirir falsacrença.

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3º Milênio

Vamos acompanhar Dora.

FIG. 16 A - Dora guarda a bola no armário.

FIG 16B - Dora sai da sala.

FIG 16C - O pai de Dora tira a bola do armário e guardana estante.

FIG. 16D - Dora volta para pegar a bola. Onde Dora iráprocurar a bola?

Apresente para a criança a situação. Sugira a elaacompanhar uma seqüência de atividades de Dorada seguinte forma: "Vamos colocar a bola na gaveta.Dora sai para brincar no parque. Vamos tirar a bola dagaveta e colocar no armário." Pergunte à criança:Quando Dora voltar do parque, onde ela vai procurara bola? Se a criança responder que Dora vai procurara bola na gaveta, o Terapeuta deverá fazer a perguntajustificativa: "Por que Dora irá procurar a bola nagaveta?" A criança deverá ser capaz de explicar que,se uma pessoa não sabe que as coisas forammudadas, então ela pensará que as coisascontinuam no mesmo lugar.

AVALIANDO E ENSINANDO O FAZDE CONTA/FICÇÃO

Neste nível é avaliado e trabalhado a capacidadede compreensão da criança relacionada ao "faz deconta", à "ficção".

Nível 1 - Jogo sensório motorAqui, é avaliado/trabalhado a capacidadeda criança de manipular brinquedos. Issoinclui bater, sacudir e morder objetos. Aquitambém inclui rituais ou esteriótipos dedesenvolvimento tal como, alinhar,(enfileirar) brinquedos.

Nível 2 - Brincadeira funcional com um ou doisexemplosNeste nível é avaliado/trabalhado acapacidade da criança de usar brinquedosde maneira convencional mas sempretexto. Ex. colocar uma xícara em umpires, empurrar um carrinho. A criançadeve apresentar esta brincadeira com umou dois exemplos por um períodoaproximado de 10 minutos.

Nível 3 - Brincadeira Funcional com mais de doisexemplosNeste nível a criança deve demons-trar capacidade de estabelecer umabrincadeira funcional com mais de 3exemplos por um período aproxima-do de 10 minutos com cada sets debrinquedo.

Nível 4 - Brincadeira de Faz de Conta com um oudois exemplosNeste nível, um objeto substitui outroobjeto. Por exemplo, uma banana podesubstituir um telefone, a criança podeutilizar cenários imaginários, a criançapode fingir beber chá em uma xícara vazia.A criança deve ser capaz de identificar seele está realmente fazendo aquilo ou seestá somente fingindo, com pelo menos2 exemplos de sets de brinquedos.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Nível 5 - Brincadeira de Faz de Conta com mais dedois exemplosNeste nível, a criança deve apresentar abrincadeira de Faz de Conta com mais dedois exemplos por um período aproxima-do de 10 minutos com cada sets de brin-quedo.

3 - CONSIDERAÇÕES TEÓRICO PRÁTICASO USO DA TEORIA DA MENTE NO

TRABALHO COM UMA CRIANÇA AUTISTAO uso da Teoria da Mente como referencial básico

para desenvolver habilidades em crianças comautismo pressupõe que:• Os resultados obtidos, quando se trabalha as

incapacidades sociais e de comunicação (déficitprimário), contribui para facilitar também naaquisição de novas habilidades. Dessa forma,desenvolver o desempenho social, pode reduzirproblemas secundários.

• Com uma criança autista, seria mais indicadotrabalhar a competência social que trabalharprejuízos específicos.

• Os proponentes desse modelo de trabalhoesclarecem que nem todos os níveis decomprometimento autístico respondemefetivamente a essa terapêutica.

Para ensinar uma criança a utilizar a TM, éimportante considerar a seqüência abaixo:

1. Obedecer o processo de "desenvolvimento normaldos estados mentais";

2. o ensinamento deve partir do repertório apresentadopela criança;

3. o ensinamento deve ser dividido em pequenos passose utilizar repetição de tarefas em contextos variados;

4. ensinar os conceitos contribuem para superar a falhana generalização;

5. é importante evitar o aprendizado errado.

ESTUDO DE CASOO cliente, um menino com diagnóstico de autismo,

com 12 anos e 5 meses, freqüentava escola especial,morava com o pai, a mãe e a irmã (vamos chamá-lo deLuiz). O pai, portador de transtorno psiquiátrico; a mãeapresenta freqüentes crises depressivas; a irmã, com 15anos na época do trabalho, não apresentava indicaçõesde problemas de saúde sob qualquer aspecto.

Luiz , com a idade de 12 anos e 5 meses, foi atendidono ambulatório de Centro Psicopedagógico - CPP doHospital Psiquiátrico da Fundação Hospitalar de MinasGerais - FHEMIG. Foi submetido ao Colúmbia MentalMaturity Scale - CMMS, com os seguintes resultados;Resultado Padrão por Idade - RPI - 99; Idade Mental - IM- 9 I; Estanino - 5; Percentil - 48

Obs. Embora o CMMS esteja previsto para criançascom idade cronológica até 9 anos e 11 meses,consideramos importantes as informação obtidasatravés da escala.

No teste Terman Merril, Luiz apresentou IdadeMental - IM - 5 anos e 6 meses e QI - 43.

A mãe relata que o filho abandonou a escolapor várias vezes; esse abandono ocorreu pordificuldades familiares de deslocamento com ofilho até a escola, por desinteresse da criança, etambém pela dificuldade do Luiz de se relacionarcom os colegas.

Durante o trabalho, alguns encontros foramfeitos entre os técnicos do hospital e osprofissionais da escola, tendo em vista asconstantes faltas do Luiz e os indicativos de novoabandono.

Os pais foram convocados e relataram ainsatisfação do filho na escola. Descreveramtambém uma "situação de constrangimento" aque o filho estava sendo submetido. No pátio daescola, enquanto aguardava a saída, um colega(vamos chamá-lo Marcos), "ordenava" que Luizajoelhasse no chão, apoiasse com as mãos nochão e caminhasse "de gatinho", enquanto oscolegas ao redor, riam da situação. Os paispresenciaram a cena por mais de uma vez do ladode fora da escola. Embora tivessem procurado adireção, que interviu prontamente, as ocorrênciascontinuaram.

Os pais sentiam que o filho não gostava docolega que repetia, constantemente, a brincadeira.Quando Marcos o chamava, Luiz não "entendia"que o objetivo era expô-lo, mais uma vez, àquelasituação de constrangimento. Os pais entendiamque a melhor opção seria que o filho deixasse defreqüentar a escola.

DIAGNÓSTICO:Luiz apresentava tal comportamento de

resposta automática pois não apresentava críticasobre a crença do outro. Não entendia que aquilopodia não ser uma ordem de verdade, que podiaser uma "brincadeira".

PROGRAMA DE INTERVENÇÃO:Luiz foi trabalhado no nível 3 da modalidade

emoção - emoção baseada na situação. Nossoobjetivo era fazer com que Luiz se negasse a atenderaos comandos de Marcos, pois poderia fazê-lo, jáque não era uma "ordem de verdade".

Programamos ensinar ao Luiz a dizer não aoMarcos e se afastar toda vez que fosse chamado. Otrabalho com Luiz foi desenvolvido em sessões dedramatização da qual fizeram parte o Luiz, a terapeutae um "manequim". A voz do manequim foi feita porum técnico da equipe. A sessão foi filmada parapossíveis correções e ajustes.

No início da sessão, Luiz foi levado próximo ao"manequim" que recebeu o nome de Marcos. Ascaracterísticas comportamentais de Marcos (colegada escola) foram frisadas para Luiz.

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3º Milênio

• "Esse é Marcos, o colega da escola, que fala para oLuiz ajoelhar, por a mão no chão, fala para o Luizcaminhar de gatinho..."

• "Quando Marcos chamar o Luiz, o Luiz vai falar parao Marcos"

"Não", (e vai sair da sala);• Luiz é dirigido pelo terapeuta até a porta da sala e sai.

É utilizado reforço social para o comportamentoadequado.

Durante as sessões de treinamento, Luiz iniciouatender aos chamados de Marcos. Foi novamenteorientado. Atendeu inteiramente à orientação, nãoatendeu a um só chamado de Marcos inclusive quandofortes argumentos eram propostos pelo "manequim".

Endereço para CorrespondênciaRua Dante 426/01, Bairro São Lucas, Cep: 30240-

290, Belo Horizonte-MG.

AGRADECIMENTOAgradecemos aos artistas Marcelo de Farias

pelos desenhos e a Rafael Henriques Soares pelamodelagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASPremack, D. & Woodruff, G. Does the

chimpanzee have a theory of mind?; Behavioral andBrain Sciences 4:515-526, 1978.

McEvoy, R. E., Rogers, S. J. & Pennington, B. F..Executive function and social communication deficitsin young autistic children. Journal of Child Psychologyand Psychiatry, 34, 563 - 578, 1993.

Dennett, D. Belief about belief. Behavioural andBrain Sciences, 4, 568-569, 1978.

Baron-Cohen, S., Leslie, A. M., & Frith, U. (1985).Does the autistic child have a "theory of mind"?Cognition, 21, 37 - 46, 1985.

Wimmer, H. & Perner, J.. Beliefs about beliefs:Representation and constraining function of weongbeliefs in young children's understanding ofdeception. Cognition, 13, 103-128, Medline, 1983.

Baron-Cohen, S.. Do autistic children haveobsession and compulsions? Bristish Journal ofClinical Psychology, 28, 193-200, 1989.

Perner, J., Frith, U., Leslie, A.M., and Leekam, S. R.Exploration of the autistic child"s theory of mind:Knowledge, belief and communication. ChildDevelopment, 60, 688-700, 1989.

CAPITULO XII

A TERAPIA COMPORTAMENTAL COM

PORTADORES DE TID

Margarida H. Windholz

Portadores de Transtornos Invasivos deDesenvolvimento - TID, termo que inclui o AutismoInfantil, a Síndrome de Rett, a Síndrome de Asperger, eoutros transtornos invasivos, conforme já exposto emcapítulos anteriores, caracterizam-se por prejuízosseveros no seu desenvolvimento: na qualidade deinteração social, de comunicação, seja verbal ou nãoverbal, na presença de padrões de comportamentoestereotipados e repetitivos, de interesses incomuns,ritos e rotinas não-funcionais (DSM-IV, 1994). Estesprejuízos, num continuum, para diferentes pessoas,podem ser mais graves ou mais amenos. Vários termostêm sido usados para referir-se a estes distúrbios.Usaremos neste capítulo o termo autismo como umdenominador comum, considerando que os programasde atendimento individualizados, a serem estabelecidos,fundamentam-se nas mesmas bases teóricas e práticas.

O tratamento de portadores de autismo “é umatarefa de vida”. Deve ser multifacetado, abrangente,intensivo e sistêmico (Windholz, 1995). Não é apenas oportador de TID que precisa ser tratado, mas, desde quefaz parte de um sistema social, em que todos osparticipantes são igualmente atingidos, também pais,familiares, necessitam de atendimento, apoio,orientação e ensino.

Avanços muito significativos no tratamento dosportadores de TID devem-se à contribuição da análise docomportamento aplicada, que, com milhares depesquisas e planos de intervenção bem sucedidos,realizados nos últimos 40 anos, tem comprovadocientificamente a eficácia de suas propostas (Green, 1996).

Neste capítulo apresentaremos inicialmente umhistórico do estudo comportamental de crianças comautismo, descreveremos o que se entende por terapiacomportamental e suas origens, analisaremos papéisespecíficos do analista de comportamento efinalmente discutiremos a terapia comportamental,nas suas várias fases e características.

HISTÓRICO DO ESTUDO DECRIANÇAS COM AUTISMO

Para estudar crianças normais e com problemassob o ponto de vista comportamental, Bijou (1958)levou seu laboratório sobre rodas aos diversosambientes em que estas se encontravam - escolasmaternais, clínicas de atendimento infantil, tornando-se um dos precursores da aplicação da análisecomportamental ao tratamento de problemas dedesenvolvimento.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

As primeiras pesquisas comportamentais, visandocompreender a criança com autismo, hoje consideradasclássicas, foram as de Ferster (1961) e Ferster e DeMyer(1961, 1962), feitas em laboratório. A contribuiçãoprincipal de Ferster foi a de demonstrar explícita econcretamente a aplicabilidade dos princípios deaprendizagem ao estudo de crianças com distúrbios dedesenvolvimento e que, através de arranjos cuidadososde certas conseqüências ambientais, o comportamentodestas crianças pode ser alterado, aumentando-se seusrepertórios comportamentais e diminuindo oscomportamentos disruptivos.

Com base nos conhecimentos obtidos nolaboratório, vários pesquisadores começaram aestender suas pesquisas ao ambiente natural em queas crianças viviam: a suas casas, clínicas, hospitais,instituições; escolas maternais, pré-primárias eprimárias; escolas especiais e residências terapêuticas.Estes estudos visaram a instalação ou modificação decomportamentos sociais, verbais, de auto-cuidados,acadêmicos e a substituição de comportamentos-problema, como hetero e auto-agressão, birras eestereotipias, de crianças diagnosticadas como autistas,esquizofrênicas e/ou com retardo mental.

Seguiu-se uma época frutífera de estudos decrianças com autismo. As pesquisas publicadas desdeos anos 60, assim como os programas de intervençãorelatados, descrevem uma tecnologia valiosa e eficaz,aplicando os princípios da teoria de aprendizagemtanto a comportamentos simples, como também aoutros mais complexos e clinicamente significativos.Assim, pode-se considerar estas pesquisas, ao mesmotempo, como estudos de demonstração, em que oscontroles experimentais rigorosos aplicados visaramconfirmar o efeito dos princípios aplicados sobre oscomportamentos estudados.

A metodologia das pesquisas de análisecomportamental tem usado o sujeito como seupróprio controle, em contraposição à metodologiaque compara grupos experimentais e grupos controle.Vários delineamentos experimentais (como linha debase múltipla e suas variações, reversão), bem comomedidas repetidas, observações diretas e registrosminuciosos destas para a análise posterior dos dados,são usados para confirmar que a manipulação dasvariáveis dependentes foi responsável pelasmodificações resultantes.

À medida que a terapia comportamental evoluiu,e com base já em um conjunto de princípios eprocedimentos comprovados, gradativamente osplanos de intervenção tornaram-se mais abrangentese inclusivos.

Programas curriculares foram desenvolvidose aperfeiçoados em muitos locais, todos elesenvolvendo tanto atividades em escolas ouinstituições, como trabalho com os familiares. Istoporque a manutenção e general ização de

habilidades adquiridas para o ambiente em que acriança vive é o objetivo último das intervenções.Diferentes procedimentos, visando ajudar pais,irmãos e outros familiares de crianças comautismo a melhor interagirem foram descritos emmanuais. O aumento de comportamento social ede comunicação com colegas tem sido objeto demuitos estudos, incluindo a colaboração decrianças normais para estimular crianças autistasa iniciar comunicação com outros. Ensinarcrianças a brincar de modo apropriado semsupervisão, através de tratamento de auto-manejotambém foi estudado. Foram ensinadas aptidõesacadêmicas, através do uso de procedimentos deequivalência de estímulos. O ensino de habilidadesde comunicação tem merecido atenção especial,com o uso de estratégias diversas, estimulando-se tanto comportamento verbal oral como modosalternativos de aumentar a comunicação, sejaatravés de linguagem de sinais, uso de símbolos,objetos, fotografias. Outras pesquisas procuraramcomparar ensino individual com ensino empequenos grupos. (Windholz, 1995)1

Todos estes estudos, simultaneamente com a ins-talação, manutenção e generalização de comporta-mentos funcionais, preocuparam-se com a reduçãoou eliminação de comportamentos que interferemcom novas aprendizagens, como birras, estereotipias,comportamentos hetero-agressivos e auto-lesivos.Como o resultado do uso destes procedimentos foiinconstante, surgiu uma nova metodologia, hojeamplamente utilizada, a da análise funcional. Desco-briu-se que a mesma forma de comportamento (porexemplo bater-se) podia ter funções diferentes. Asfunções mais importantes que foram identificadassão: obtenção de atenção, retirada ou esquiva de con-seqüências consideradas aversivas pelo indivíduo,obtenção de estimulação sensorial e obtenção deprivilégios (Meyer, 1988, 1995).

CARACTERIZAÇÃO DA TERAPIACOMPORTAMENTAL

A terapia comportamental tem suas raízes emestudos de aprendizagem, baseados nos princípios daanálise experimental do comportamento, propostospor Skinnner (1938, 1953, 1957, 1974), que denominasua forma de pensar behaviorismo radical. Estesprincípios se originaram a partir de pesquisas delaboratório e analisam as relações entre as ações doorganismo e seu meio ambiente, destacando o papelcrítico de condições antecedentes e conseqüentes aocomportamento para que haja aprendizagem.

Comportamento, unidade básica de estudo dapsicologia, conforme esta abordagem, é a ação deum organismo em interação com seu ambiente. Nãoexiste comportamento desvinculado do ambiente,

1 Uma bibliografia extensa sobre estes temas encontra-se em Windholz (1995).

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3º Milênio

assim como não existe ambiente a não ser em rela-ção às ações do organismo. Consideram-se compor-tamentos aqueles publicamente observáveis, bemcomo os encobertos, os que ocorrem dentro do or-ganismo, como os sentimentos e outros estados sub-jetivos. Também estes precisam ser analisados a fimde se explicar sua ocorrência. Em outras palavras, ossentimentos e outros estados subjetivos são conside-rados como comportamentos e não como causasdos comportamentos observáveis.

A noção de ambiente inclui o ambiente internocom seus estímulos orgânicos (no qual a genéticatambém tem sua contribuição) e o externo. No decorrerda vida do indivíduo o ambiente modela, cria umrepertório comportamental e o mantém. O ambienteainda estabelece as ocasiões nas quais ocomportamento ocorre, já que este não ocorre no vácuo.

A terapia comportamental utiliza os princípiosbásicos do comportamento produzidos pelostrabalhos experimentais para o entendimento docomportamento das pessoas, tanto a níveldiagnóstico, como a nível terapêutico. Reforçamento,esquemas, extinção, punição, controle de estímulos,generalização, equivalência de estímulos, controle porcontingências, controle por regras verbais, são algunsdos conceitos da abordagem comportamental.Entender os princípios que estão atuando fornece aestrutura necessária para se desenvolver as práticasterapêuticas e o entendimento do porquê certaprática usada pelo terapeuta funcionou ou não(Windholz e Meyer, 1994).

A ATUAÇÃO DO TERAPEUTACOMPORTAMENTAL

As origens experimentais da terapiacomportamental trouxeram algumas vantagensimportantes ao clínico: ele foi treinado na observaçãode comportamentos verbais e não verbais, seja nacasa, na escola e/ou no próprio consultório, o que éfonte de dados relevantes. Ele direciona a pesquisadas variáveis determinantes no ambiente, na históriade vida e no organismo; não pára o inquérito no nívelmental, no nível dos eventos subjetivos ou deconstrutos hipotéticos. Ele estuda o papel que oambiente desempenha, ambiente este onde é possívelinterferir; ele tem maiores possibilidades de verificaras hipóteses levantadas. Outra habilidade advinda dosestudos de laboratório é o entendimento do que éobservado como um processo, um processocomportamental, com contínuas interações eportanto sujeito a mudanças.

Aliado aos conhecimentos acima, teóricos epráticos, o terapeuta comportamental adquiriu umrepertório que faz parte da atuação de todo o terapeuta:analisar-se como pessoa numa relação com outra, numprocesso terapêutico; ter claro seus valores e implicaçõeséticas de toda e qualquer tomada de decisão.

Em termos de filosofia de ação, a ênfase quanto àsdecisões do tratamento está principalmente voltada a

critérios funcionais e sociais. Questiona-se constante-mente: quais as condições que mais contribuirão paraque o indivíduo a ser tratado possa melhor desenvol-ver-se, adquirir a maior autonomia possível e interagirde maneira eficaz na sociedade em que está inserido.Esta postura obriga o profissional a levar em conside-ração todos os aspectos da vida de seu cliente e de suafamília na sua análise da problemática apresentada.Obriga-o também a uma avaliação constante de suaprópria atuação clínica, já que está sempre verificandoo quanto os objetivos estão sendo atingidos.

O terapeuta, na sua atuação, pode optar por duasformas diferentes, freqüentemente usadas emconjunto ou em diferentes fases do tratamento. Aprimeira forma é a atuação direta com a criança, asegunda é a atuação através de mediadores: pais,professores, outros terapeutas. No caso da criançacom autismo, a orientação e mesmo o treino de pais,familiares e pessoas do seu ambiente deve fazer parteda programação, o que requer supervisão terapêutica.As assim chamadas “horas mortas”, em que não háatividades e treinos específicos previstos, tambémpodem e devem ser aproveitadas.

O TRATAMENTOCOMPORTAMENTAL

Ser terapeuta comportamental envolve váriospapéis: o de analista; das relações funcionais entre asações de cada pessoa e seu ambiente, externo, interno,social, físico; das tarefas a serem desenvolvidas porseus pupilos, dos passos em que devem ser divididaspara se obter um resultado eficaz. Ao mesmo tempo,o terapeuta atua como educador, uma vez que paraele o tratamento envolve um procedimentoabrangente e estruturado de ensino-aprendizagem oure-aprendizagem. Inclui também o papel depesquisador, quando realiza manipulaçõesexperimentais, para verificar as hipóteses levantadas.

Para permitir a tomada de decisões e aimplementação de um programa de tratamento, dis-tinguimos quatro fases (Windholz, 1995), cujo con-junto constitui a terapia comportamental:

1. a avaliação comportamental2. a seleção de metas e objetivos3. a elaboração de programas de tratamento4. a intervenção propriamente dita.

1. AVALIAÇÃO COMPORTAMENTALPara embasar sua atuação e as opções a tomar, o

analista do comportamento inicia fazendo umaavaliação comportamental. Esta deve levar em contavariáveis biológicas, socioculturais, diferençasindividuais, estágio de desenvolvimento, variáveisestas que visam fornecer as condições necessáriaspara indicar um caminho para cada indivíduo emestudo. É a fase da “descoberta” (Meyer, 1990), quevai possibilitar a seleção de metas e objetivos

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

funcionais, adequados ao desenvolvimento e à idadedo educando, e cuja manutenção e generalização paraoutras situações e pessoas parecem possíveis. Assim,programas curriculares são conseqüência de análisesanteriores e é preciso estar alerta para perceber relaçõesfuncionais eventuais entre os comportamentos doindivíduo em atendimento e variáveis ambientais.

Visa-se descobrir e entender os seguintes aspectos

relativos à pessoa com autismo e seu ambiente:

• Qual é o seu repertório comportamental (relacionando-o com sua idade cronológica, presença ou não delinguagem funcional, ecolalias, forças e problemasespecíficos, presença ou não de comportamentosbásicos de contato visual, atender ordens, imitarmodelos de pessoas);

• Como ele funciona no seu ambiente (ocupa-sesozinho, tem brinquedos preferidos, apresenta birrasfreqüentes, ritos característicos, reage diferentementea diferentes pessoas)?

• Existem condições físicas que influem no seucomportamento?

• Qual a função para ele de certos comportamentosque, ao leigo, parecem pouco funcionais?

• Em que circunstâncias certos problemas ocorrem oudeixam de ocorrer com maior freqüência ouintensidade?

• Quais as conseqüências fornecidas a estescomportamentos-problema?

• Quais são as preocupações e prioridades dos pais?• Pais, familiares e educadores recebem orientação

sistemática ou ocasional?• Os familiares estimulam comportamento interativo?• Como é a escola ou instituição que o educando

freqüenta?Para obter as informações desejadas, o analista do

comportamento utiliza-se de métodos indiretos, comoquestionários, checklists, preenchidos por pais, profes-sores ou outros, análise de álbuns de fotografias, diáriosde mães, vídeos; ele usa métodos diretos, como entre-vistas, escalas de avaliação, bem como, e principalmen-te, observação direta no ambiente natural. “Inicialmen-te esta observação poderá ocorrer sem uso de lápis epapel, sem preocupação com sistematização oucategorização, apenas com a bagagem de conhecimen-tos e experiências que o observador possui. Só depoisque algumas hipóteses sobre relações entre eventos seformam é que o registro pode e deve tornar-se maissistemático, para que as observações não permaneçamnum nível de impressões.” A partir deste momento épossível também introduzir certas manipulações expe-rimentais diagnósticas - a análise funcional, que podemesclarecer relações que, de outra forma, ficariam enco-bertas ou só seriam identificadas com muito custo. Estaé uma atitude básica de experimentação, de busca deconhecimento, de novas e melhores alternativas deação, que deve acompanhar o analista do comporta-mento em todo seu trabalho (Meyer, 1990). Análise

funcional não é feita apenas na fase anterior à interven-ção. Ela é um procedimento continuado na medida emque, a cada passo, mudanças podem ocorrer e ocorremnas interrelações pessoa-ambiente, que precisam seridentificadas para redirecionar a atuação do terapeuta.

2. SELEÇÃO DE METAS E OBJETIVOS:Baseado na avaliação feita, o psicólogo selecionará

metas e objetivos de tratamento. Para tanto:

• Deverá estabelecer metas e objetivos individualizados;• Visará aumentar habilidades funcionais e adaptativas

e substituir comportamentos indesejáveis, quefreqüentemente impedem novas aprendizagens;

• Levará em consideração prioridades dos pais e/ou daescola ou instituição que freqüenta.

• Irá fortalecer os aspectos positivos, em vez de focalizarapenas os negativos;

• Optará por iniciar ensinando comportamentos maisfáceis, para dar confiança aos educadores na eficáciados procedimentos, ou escolherá aqueles que maisos perturbam;

• Escolherá objetivos passíveis de generalização emanutenção para ambientes diversos.

Os objetivos selecionados abrangerão comporta-mentos-alvo, nas seguintes áreas: interação social, co-municação, habilidades de autocuidados, habilidadesacadêmicas, de lazer e trabalho, para os mais velhos. Épreciso dar atenção a habilidades básicas, pré-requisi-tos para qualquer aprendizagem (Lovaas, 1981;Windholz, 1988). Assim, contato com o ambiente, osobjetos e as pessoas, contato visual olho-a-olho, aten-der ordens simples, ficar sentado por um período míni-mo de tempo, ou, pelo menos, manter-se perto do edu-cador, explorar o ambiente, brinquedos, imitar, são com-portamentos fundamentais na implementação de pro-gramações. A programação também terá como com-portamentos-alvo os assim chamados “comportamen-tos inadequados”, que interferem tanto na aprendiza-gem, como no ajustamento social do autista e na suainteração com as pessoas (estereotipias, birras, com-portamento hetero e auto-agressivos), substituindo-ospor comportamentos sociais funcionais. Na programa-ção, estes objetivos todos se entrelaçam, especialmen-te se levarmos em conta que muitos problemas deinadequação estão ligados à ausência de atividadesreforçadoras para a criança e promovedoras de seu de-senvolvimento .

3. ELABORAÇÃO DE PROGRAMAS 2

A elaboração de currículos específicos, dentro daabordagem comportamental, requer bomconhecimento de programação, análise de tarefas, paraa escolha dos passos e procedimentos deimplementação dos mesmos. Assim, é necessário:• Definir claramente os comportamentos-alvo, bem

como as condições de ensino e os critérios para

2 No livro “Passo a Passo, Seu Caminho” .Guia Curricular Para o ensino de Habilidades Básicas” (Windholz, 1988), encontram-se descriçõesdetalhadas de todos os passos necessários para a elaboração de programas.

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3º Milênio

considerá-los adquiridos.• Assegurar-se de que o educando tem os pré-

requisitos necessários à realização doscomportamentos a serem ensinados .

• Analisar e arranjar as condições ambientais, físicase sociais, desejáveis para o bom êxito do programa.

• Prover uma seqüência progressiva, de pequenospassos, desde comportamentos mais fáceis paraoutros mais complexos (o que requer cuidadosaanálise da tarefa).

• Definir claramente os procedimentos de ensino ede ajuda a serem utilizados.

• Planejar como reforçar sistemática e eficazmente.Usar de preferência reforçadores naturais, e deacordo com as características de cada indivíduo.Planejar a substituição de reforçadores artificiais,logo que possível.

• Registrar e quantificar as respostas na linha-de-basee durante a execução dos programas.

· Programar manutenção e generalização.· Reavaliar constantemente o percurso.

4. A INTERVENÇÃO PROPRIAMENTEDITA3

Ao implementar o tratamento, alguns pontos,

devem ser reiterados:

• Estabelecimento de vínculo com o terapeuta,embora possa ser difícil, é importante e facilitador.

• Manutenção das aquisições e generalização devemser garantidas.

• Atitudes de todos educadores envolvidos (pais eprofissionais) devem ser consistentes econseqüentes.

• E, aprender deve ser divertido.Precisamos tomar decisões sobre maneiras e

procedimentos de ensinar as habilidadesprogramadas e/ou tratar comportamentos a seremdiminuídos e/ou eliminados. Atualmente usam-seprincipalmente duas maneiras de ensinar: a quechamamos de situação formal de ensino e situaçãoinformal de ensino (Windholz, 1988, Windholz eMeyer, 2000).

Na situação formal de ensino, que correspondeao ensino através de tentativas discretas (DTT -discrete trial teaching),4 este é realizado em geralnuma situação um-a-um, com a criança e o professorfrente-a-frente, sendo os comportamentosapresentados seguidamente, em númeropreviamente estipulado. Nesta situação o ambienteé controlado para evitar estimulação indesejável,reforço é programado e provido, registros são feitosregularmente e gráficos confeccionados, parafacilitar a análise dos resultados obtidos e determinaro curso dos trabalhos.

O sucesso deste procedimento com indivíduos-problema e especialmente com crianças excepcionaisfoi responsável, em grande parte, pela divulgação daanálise comportamental aplicada.

Com a prática e o maior desenvolvimento detrabalhos clínicos, verifica-se, por parte de váriospesquisadores e psicólogos comportamentais,mudanças na maneira de pensar o processoeducacional. Maior ênfase tem sido dada àfuncionalidade imediata dos comportamentosensinados, isto é, à aplicabilidade do ensino àssituações do cotidiano do indivíduo (LeBlanc, 1990,1994, Mayo, 1994). A manutenção do que foiaprendido e seu uso em diferentes situações(generalidade) também é valorizada. Assim, nasituação clínica, em casa, em escolas e centros, uma

situação informal de ensino tem também sido utilizada.Este procedimento se assemelha ao que Sundberg ePartington (1998, 1999) chamam de treino emsituação natural (NET - natural environment training),ao se referirem ao seu programa de ensino delinguagem.

Embora com objetivos claramente definidosquanto aos comportamentos-alvo, o ensino érealizado - sempre que possível - em situação natural,mais espontânea, as atividades guiadas mais pelosinteresses da criança. A escolha das atividades visaprincipalmente sua aplicabilidade para o momento epara o futuro da criança. Quando não interferem coma situação de ensino, são feitos registros imediatos.Caso contrário, descrições e registros das sessões sãofeitas posteriormente. Ambas condições têm pontospositivos e negativos.

Vantagens do ensino em situação formal:

• Condições de controle máximo de estímulo, peloarranjo de um ambiente no qual as possibilidadesde distração são removidas ou reduzidas.

• Apresentação do material de estímulo cuidado-samente selecionada, programada, podendo serrealizado um número elevado de tentativas.

• É mais fácil de implementar por parte de diferentespessoas (programas escritos detalhados são usados).

• É mais fácil de conduzir em sala de aula.• A coleta de dados é relativamente direta.• Passos progressivos no currículo estão definidos.

Desvantagens do ensino em situação formal:

• Por sua rigidez, portadores de autismo e comdeficiências severas encontram dificuldade degeneralização e esta precisa ser programada.

• Trata-se de uma situação artificial, possivelmentesem aplicação imediata.

• A maioria das atividades é iniciada pelo professor.• Reforçamento imediato e poderoso pode não estar

3 Ao realizar programas de tratamento, uma das características da abordagem comportamental é a preocupação em aliar às intervenções,sempre que possível, procedimentos de pesquisa., a fim de se manter controle sobre o trabalho desenvolvido, bem como para aumentar nossosconhecimentos ainda incompletos.4 Denominado A.B.A. (Applied Behavior Analysis) nos Estados Unidos, este procedimento tem sido identificado, quase como sinônimo, com oprograma de Lovaas, muito usado, mas de maneira nenhuma o único.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

habilidades gerais do mesmo. A formação e atualizaçãoconstante do educador é condição essencial para queos conhecimentos existentes e novos que surgem acada momento contribuam cada vez mais aodesenvolvimento máximo das pessoas.

Endereço para CorrespondênciaRua Manduri 722, Cep: 01457-020, São Paulo -

SP.

AGRADECIMENTOS:A autora agradece as contribuições de Dra. Sonia

B. Meyer.

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disponível fora das sessões.• “Treino” (“drill”) pode gerar que a pessoa responda

mecanicamente.• Quando não é funcional, pode gerar comportamentos

de fuga e esquiva.• O procedimento diminui a possibilidade do professor

expandir a atuação, a partir de respostas da criança.As vantagens do ensino em situação informal:

• É conduzido em situação mais natural, aproveitandoo interesse da criança para guiar o ensino.

• O terapeuta ou professor age de modo maisespontâneo e estará mais sob o controle doscomportamentos da criança.

• Faz uso dos estímulos no ambiente natural dacriança como estímulos-alvo.

• Reduz a necessidade de procedimentos para ensinargeneralização.

• Reduz a necessidade de uso de controle aversivo.• Condições mais semelhantes às que a criança vai

encontrar na escola.• É um ótimo “quebra-gelo”, útil no início de uma

relação nova criança-terapeuta, bem como para“aquecimento” antes de se fazer um treino formal.

• É desenvolvido com o maior número possível depessoas e em diversos ambientes, de forma aproduzir maior manutenção e generalidade dasaprendizagens e como forma de maximizar eacelerar as mesmas.

•Tem múltiplos objetivos, isto é, pode promover oensino de vários comportamentos-alvo concomitantee/ou sucessivamente.

Desvantagens do ensino em situação informal:

• É difícil de conduzir numa classe formal.• Requer maior treino por parte dos profissionais.• O currículo não está prescrito, o que pode tornar

mais difícil saber como conduzir o ensino (oprofessor bem treinado no uso de programasformais pode contrabalançar este ponto).

• A coleta de dados é mais difícil e menos imediata (oque pode ser contornado com planejamento).

• É mais difícil prover suficientes oportunidades desucesso, necessárias para que crianças comproblemas aprendam, pois sabe-se da importânciada repetição freqüente para que estas criançasadquiram as habilidades a serem ensinadas.

As duas formas de ensino têm seu valor e seuuso deve depender de análise conduzida em diversosmomentos da programação e do tipo decomportamentos que se pretende instalar.

Para garantir maior probabilidade de sucessoconsidera-se fundamental que a abordagemcomportamental seja a norteadora das atividades nosdiversos ambientes, casa, escola ou instituição, que oindivíduo freqüenta. Quanto mais intensivo eabrangente o atendimento, e quanto mais cedo éiniciado, maiores as chances de aumentar as

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CAPITULO XIII

PERFIL PSICOEDUCACIONAL REVISADO(PEP-R): ELABORAÇÃO DA VERSÃOBRASILEIRA

Viviane de Leon e Cleonice A. Bosa

O Perfil Psicoeducacional Revisado (PEP-R) é uminstrumento de avaliação da idade de desenvolvimen-to de crianças com autismo ou com outros transtor-nos da comunicação. Serve como alicerce para a ela-boração de um planejamento psicoeducacional, deacordo com os pressupostos teóricos do modelo

TEACCH. Foi concebido para identificar padrões deaprendizagem irregulares e idiossincráticos, destinan-do-se a crianças cuja faixa etária vai de um a dozeanos. As áreas avaliadas são: coordenação motoraampla, coordenação motora fina, coordenaçãovisomotora, percepção, imitação, performancecognitiva e cognição verbal. Para cada área foi desen-volvida um escala específica com tarefas a serem re-alizadas (Schopler, Reichler, Bashford, Lansing &Marcus, 1990). Inicialmente, discutiremos os aspec-tos históricos sobre a construção desse instrumento.Em seguida descreveremos as vantagens do instru-mento, as áreas avaliadas, os modos de aplicação ede aferição. Por fim, faremos algumas consideraçõessobre as etapas de adaptação do PEP-R para o portu-guês e sobre a sua aplicabilidade clínica.

DESENVOLVIMENTO DO PEP E DOPEP-R

Historicamente, crianças com autismo têm sidoconsideradas como "não-testáveis", provavelmentepela pouca cooperação em situações de testagem,seja pela dificuldade em estabelecer contato com oexaminador, ou seja pela dificuldade deste último emcompreendê-las. Kanner (1943) chegou a sugerir queessas crianças seriam pouco cooperativas, porém "secretamente inteligentes". Entretanto, contrariandoa suposição de Kanner, a avaliação de crianças comautismo, utilizando testes padronizados, temdemonstrado que apenas um terço dessas criançasapresenta habilidades cognitivas dentro dos limites"normais". Isso significa que 70% das mesmasfuncionam em nível de deficiência mental, mesmoquando os comprometimentos na linguagem sãoconsiderados (Asarnow, Tanguay, Bott & Freedman,1987; Gillberg, 1990; Wing, 1976, citados em Bosa,1999). Além disso, existem evidências de que menosde 10% de indivíduos com autismo apresentamhabilidades excepcionais (Pring, Hermelin, Buhler &Walker, 1997) e que o desempenho de crianças comautismo pode revelar discrepâncias entre as áreasverbal e de execução.

O PEP surgiu, justamente, como umanecessidade de se considerar as peculiaridades docomportamento de crianças com autismo,identificando tanto as áreas de habilidade quanto asdeficitárias. O conhecimento dessas informações éimportante para que as reais habilidades dessas criançasnão sejam super ou subestimadas. A falta de sintoniaentre as demandas do ambiente e o nível dedesenvolvimento da criança leva a "problemas decomportamento", cuja origem nem sempre éidentificada. Muitas vezes, crises de agressividade, birra,ou mesmo a intensificação de estereotipias, são formasque a criança encontra para "protestar" contra exigências,as quais ela não consegue responder ou, ao contrário,funcionam como um "pedido" para que novos desafioslhe sejam oportunizados. A criança "sinaliza" tanto afalta quanto o excesso de estimulação do ambiente.

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3º Milênio

A observação cuidadosa do comportamento dacriança, assim como o conhecimento de informaçõesvindas de várias fontes, tais como entrevistas, laudosmédicos e psicológicos, entre outras, sãofundamentais para a compreensão do seufuncionamento. No entanto, é recomendável autilização de instrumentos de avaliação padronizados,pois estes "situam" a criança em relação a outras damesma faixa etária cronológica, oferecendoparâmetros de desenvolvimento que emergem numasituação e momento específicos.

O PEP foi desenvolvido como fruto de um mo-delo experimental, entre 1971 e 1976, no departa-mento de Projeto de Pesquisa em Psiquiatria Infantil,na Universidade da Carolina do Norte, nos EstadosUnidos (Schopler & Reichler,1971). Baseia-se numaabordagem desenvolvimentista, isto é, parte da pre-missa que crianças com desenvolvimento típico ounão, crescem e mudam com a idade. Tem sido usa-do, por mais de duas décadas, no programa estadualde atendimento a crianças com autismo ou com trans-tornos da comunicação, na rede pública do estadoda Carolina do Norte. Sua utilização tem sido estendi-da a outros estados norte-americanos e a outros paí-ses, como a Bélgica e o Brasil. Sua aplicabilidadeclínica tem sido demonstrada, continuamente, des-de o seu desenvolvimento (Hvolbaek & Lind, 1991;Lam & Rao, 1993; Panerai, Ferrante & Caputo, 1997;Steerneman, Muris, Merckelbach & Willem, 1997; Van-Berckelaer & Van-Duijin, 1993), uma vez que servecomo base para o planejamento psicoeducacional in-dividualizado, subseqüente, adotado no modeloTEACCH (Leon & Lewis, 1995; 1997), através da avali-ação de áreas do desenvolvimento e da conduta.

A versão revisada, PEP-R, foi desenvolvida quaseuma década após a versão original e buscou responderà demanda de aplicação do teste em crianças emmais "tenra" idade. Isso porque, diante da possibilidadede diagnóstico precoce, cada vez mais cedo asfamílias têm procurado tratamento. Desta forma,foram adicionados itens para crianças com faixa etáriaabaixo de dois anos e meio. Além disso, as áreasrelativas à avaliação de comportamento forammodificadas para satisfazer a atual definição deautismo, suprimindo, por exemplo, o termo "psicose'.Esse termo, freqüentemente usado na década de 70para referir-se ao autismo, caiu em desuso, em funçãodos critérios atuais de definição e classificação doautismo no DSM-IV e no CID-10, que o situa comoum transtorno do desenvolvimento e não comopsicose.

ÁREAS DE AVALIAÇÃOConforme dito anteriormente, o PEP-R avalia a

idade de desenvolvimento em sete áreas: imitação,coordenação visomotora, percepção, coordenaçãomotora ampla e fina, performance cognitiva ecognição verbal. Cada área tem suas provasespecíficas, totalizando 131 itens.

A área da imitação é composta de 16 itens, osquais avaliam a capacidade de imitar o avaliador ematividades corporais, de manipulação de objetos e delinguagem. A capacidade de imitação temimplicações para a performance sócio-comunicativa,o que a torna especialmente significativa nostranstornos invasivos do desenvolvimento.

A área da coordenação visomotora envolve aintegração olho-mão e habilidades motoras finas, quesão essenciais para o desenvolvimento da leitura e escrita.

Já a área da percepção, é composta de 15 itensque testam o funcionamento das modalidadessensoriais (visual e auditiva), necessárias para que acriança possa selecionar e organizar um estímulorecebido.

As áreas da coordenação motora fina e amplaavaliam, através de 16 e 18 itens respectivamente,habilidades que são pré-requisitos para as atividadesde vida diária (AVDs), como, por exemplo, abrir umatampa, subir escadas e pegar uma bola.

Por fim, as áreas da performance cognitiva e dacognição verbal, intrinsicamente relacionadas nodesenvolvimento do pensamento e da linguagem,são avaliadas através de 26 e 27 itens,respectivamente. Envolvem habilidades, por exemplo,para contar e nomear letras do alfabeto, de imitação,de compreensão de conceitos, etc.

O PEP-R leva em consideração não somenteatrasos do desenvolvimento, mas também respostase comportamentos consistentes com o diagnósticodo autismo, como por exemplo, a presença deecolalia ou maneirismos. Tais comportamentos sãoavaliados quanto à peculiaridade, freqüência,intensidade e duração, com base naqueles itensdescritos na Escala de Autismo Infantil (CARS),divididos em quatro áreas: relacionamento e afeto,linguagem, respostas sensoriais e interesse pelomaterial apresentado (Schopler, Reichler & Renner,1988).

VANTAGENS DO PEP-R E FORMA DEAVALIAÇÃO

A cooperação das crianças durante a aplicaçãodo PEP-R é possibilitada através da minimização danecessidade da linguagem e de controle do tempo,apresentação de material atrativo e resistente, eflexibilidade em sua aplicação (Mesibov, Schopler,Schaffer & Landrus, 1988, citados em Schopler & cols,1990). Isto é, a maioria das tarefas não depende dalinguagem verbal, uma vez que as instruções podemser demonstradas ou as demandas da tarefa podemser facilmente apreendidas, mesmo na ausência deinstrução. Citam-se como exemplos de atividades,emparelhar letras ou realizar quebra-cabeças. Damesma forma, não se utiliza cronômetro ou qualqueroutro instrumento formal para gerenciamento dotempo, a não ser um controle do número de tentativasda criança para resolver cada tarefa, conformeexplicitado em detalhes no manual do PEP-R.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

O teste envolve materiais padronizados, comoencaixes de madeira coloridos, livro de imagens,fantoches, objetos com suas respectivas fotografias,bolinhas de sabão e massinha de modelar. Aapresentação de cada item pode ser feita verbal ougestualmente e, até mesmo, através de demonstraçãopelo examinador. Tais medidas buscam minimizar apossibilidade da criança não realizar a tarefa, por faltade compreensão das instruções. O examinadorobserva, avalia e anota a resposta da criança, duranteo teste. Para cada resposta, há três possibilidades deregistro: adquirido (a criança realizou a tarefa comsucesso), não-adquirido (a criança não conseguiurealizar a tarefa) e emergindo (a criança conseguiurealizar a tarefa com a ajuda do examinador).

Uma resposta com resultado "emergente"significa conhecimento parcial sobre o que énecessário para a realização da tarefa, de forma bemsucedida. Ocorre quando a criança demonstra certacompreensão sobre o que está lhe sendo exigido,mas necessita de auxílio para que a tarefa sejaefetuada completamente. Ou então, a criançacompreende a tarefa, mas a realiza de maneira peculiar.

O exemplo a seguir ilustra como os resultadosdo PEP-R foram utilizados no planejamentopsicoeducacional.

Foto 1: Laura é solicitada a nomear imagens (linguagemexpressiva).

Foto 2: Laura aponta imagens conformedemanda verbal da examinadora (linguagemreceptiva).

Foto 3: Laura deve abrir o frasco, fazer bolhas desabão e acompanhá-las com olhar.

Foto 4: Continuação do item anterior, no qual estãosendo testadas as habilidades da motricidade fina,coordenação visomotora e imitação.

Laura é uma menina portadora de transtornoinvasivo do desenvolvimento, nascida no dia 31 dedezembro de 1989, atualmente com 10 anos e 2meses de idade. O resultado do PEP-R indicou que aidade de desenvolvimento, na área de imitação,equivale a 3 anos de idade. Porém, ao considerarmosas respostas emergentes, como por exemplo, imitarseqüência de dígitos e padrões rítmicos, a idadealcançada foi de 5 anos e 6 meses. Já na área dapercepção, na qual Laura respondeu, positivamente,à maioria das provas, a idade de desenvolvimentoobtida foi de 5 anos e 3 meses. Contudo, odesempenho na área da motricidade fina indicou quea idade de desenvolvimento situa-se na faixa de 2anos e a emergente, na de 3 anos e 7 meses. Assimcomo na área anterior, a motricidade ampla tambémapresentou baixa resposta, evidenciada pela idade dedesenvolvimento alcançada: 2 anos e 3 meses. Já naárea da coordenação visomotora, a idade dedesenvolvimento alcançada foi de 3 anos e 4 meses,apontando habilidades emergentes, como copiarlinhas e realizar contorno de figuras geométricas. Issolevou a idade de desenvolvimento emergente, nestaárea, chegar a 4 anos e 4 meses. Por fim, a área daperformance cognitiva e da cognição verbalindicaram idades situadas nas faixas de 3 anos e 3meses e 4 anos, respectivamente. As respostas

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3º Milênio

emergentes, nessa área, referem-se à habilidade pararealizar jogo interativo com fantoches, montar umafigura humana e classificar cartões pela forma ou cor,por exemplo. Para que possamos ter uma idéia maisclara a respeito do perfil de Laura apresentamos aseguir o gráfico final do PEP-R.

Imit. Percep. Mot.F. Mot.A. Coord.V. P.Cog. Cog.V. Média

Como se pode observar, o PEP-R identificou as áre-

as de percepção e da imitação, como sendo as de maior

habilidade e as de motricidade ampla e fina, como asmais deficitárias. Portanto, o planejamento

psicoeducacional subseqüente visou, primordialmen-te, ao desenvolvimento das capacidades emergentes e

de estratégias de apoio para as áreas mais comprometi-das. Foi composto um curriculum funcional individua-

lizado, envolvendo, por exemplo, imitação de padrões

rítmicos, montagens com materiais diversos, ou ainda,atividades de colorir dentro de limites e copiar linhas

retas e curvas. Mais precisamente, este foi o curriculumdesenvolvido para Laura:

I. ÁREA DE PRONTIDÃO1. manter o olhar no interlocutor

2. realizar atividades de quatro a seis etapas3. esperar a sua vez

II. ÁREA DA IMITAÇÃO

1. Imitar seqüência de dígitos

2. Imitar padrões rítmicos3. Imitar padrões de montagens

4. Copiar linhas

5. Copiar letras

III. ÁREA DA LINGUAGEMRECEPTIVA1. Seguir instruções de três a quatro passos2. Identificar objetos pela sua função3. Identificar atributos4. Identificar o que está faltando5. Identificar objetos pelo toque

IV. ÁREA DA LINGUAGEMEXPRESSIVA1. Descrever cenas2. Responder informações do tipo: "eu tenho..."3. Contar experiências recentes4. Recontar uma história5. Responder perguntas a respeito de uma história

V. ÁREA ACADÊMICA1. Treino motor fino2. Reconhecimento de palavras do cotidiano3. Reconhecimento da letra inicial4. Reprodução de palavras do cotidiano5. Utilizar o calendário6. Contar até 107. Associar o número à quantidade (1 até 3)8. Realizar o contorno de formas e letras9. Colorir dentro de limites10. Escrever o seu nome

A forma de implementação dessas atividades foivariada e criativa, a fim de respeitar as característicasindividuais de Laura. Essas áreas foram trabalhadas emdiferentes contextos de aprendizagem, desde os maisestruturados até atividades mais livres como as de mú-sica, teatro e pintura, através de uma rotina previamen-te planejada e apresentada para Laura sob a forma deuma planilha que ela utiliza com independência con-forme se pode observar nas imagens abaixo:

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Na medida em que as atividades vão sendorealizadas Laura vai marcando em sua planilha,aprendendo desta maneira a gerenciar seu própriotempo de trabalho. As atividades mais complexas sãovistas num contexto individual com a terapeuta, sendoas de nível médio realizadas independentemente, emdupla ou em grupo, conforme exemplos abaixo:

Desta forma, é a partir da análise cuidadosa dosdados encontrados a partir do PEP-R que é possívelimplementar um plano de intervenção.

ADAPTAÇÃO DO PEP-R PARA OPORTUGUÊS

Uma versão traduzida para o português doPEP-R já vinha sendo utilizada para fins clínicos, desde1992. Entretanto, alguns cuidados são fundamentaisquando utilizamos em nosso meio, instrumentosdesenvolvidos em outros países. Os critérios deadaptação dos instrumentos, incluindo a tradução,existem para garantir que os mesmos continuemcumprindo a função para o qual foram concebidos,mesmo após alterações em sua forma ou conteúdo.Quando esses cuidados não são observados, corre-seo risco de se obter um resultado que indicacomprometimento, não por inabilidade da criança,mas por inadequação do teste.

Nesse sentido, realizamos um estudo pilo-to, envolvendo dezessete crianças com desenvolvi-mento típico, com idades entre cinco e seis anos, afim de verificar quais seriam as suas reações ao ma-terial e demanda exigida no teste. A análise dessepiloto, bem como a revisão de artigos sobre essetema, indicaram a necessidade de alterações de al-guns aspectos do instrumento. Essas alterações, asquais serão abordadas a seguir, foram realizadas comautorização do autor e envolvem aspectos comotradução de retorno, atualização e aculturação dasfiguras contidas no instrumento, de forma a adaptá-las a nossa realidade.

A acurácia da tradução deste instrumento foigarantida mediante o auxílio de um tradutor bilín-güe, "cego" à versão original, o qual realizou a tra-dução de retorno do instrumento do português parao inglês. Essa estratégia comprovou que a maioriados itens em português correspondia à versão origi-nal em inglês. Os poucos itens que se apresentaraminconsistentes foram examinados por um segundotradutor bilíngüe, alcançando-se assim uma "fideli-dade" à versão original.

Com relação ao material do teste, obser-vou-se que as figuras do livro de imagens, porexemplo, utilizadas para avaliar o desempenhocognitivo e a cognição verbal, eram pouco atra-tivas para as crianças. A partir disso, todos osdesenhos desse "livro", os quais eram em preto ebranco, foram substituídos por desenhos colori-dos, a fim de facilitar a cooperação das crianças.Algumas figuras mostraram-se de difícil identifi-cação, em função de sua inadequação cultural.Citam-se como exemplos, a figura que retratauma cena em que a criança paga a passagem deônibus ao motorista, ou outra em que uma casaestá sendo construída sobre uma árvore - situa-ções tipicamente norte-americanas. Além dessas,outras imagens foram substituídas por serem pro-vavelmente muito antigas, como o desenho deum ferro elétrico, identificado por 88% das cri-anças do estudo piloto, como sendo um telefonecelular, ou ainda a imagem de um médico,identificada como "apitador" (árbitro), confor-

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3º Milênio

me ilustrado abaixo. Isso serve como exemplodo risco de se interpretar essas respostas comoresultando de dificuldades da criança. Essas ima-gens foram substituídas por elementos mais atu-ais e presentes em nossa cultura, conforme exem-plos abaixo:

FIGURAS SUBSTITUÍDASFIGURA ORIGINAL FIGURA ADAPTADA

Bola de Beisebol Bola de Futebol

Marionete Robô

Peru Galinha

Criança pagando Criança pagandopassagem ao motorista passagem ao cobrador

Esqui Skate

Datilógrafa Digitadora

Girassol Rosa

Além disso, outras imagens forammodificadas para se tornarem mais atuais e atrativas,ao mesmo tempo em que se manteve o mesmoobjeto, como nos exemplos baixo:

Exemplo 1:

Figura original

Figura modificada

Exemplo 2:

Figura original

Figura modificada

Outra alteração foi quanto às letras do alfabeto,que são apresentadas nas atividades deemparelhamento e cópia. Uma vez que é mais fácilreconhecer elementos familiares, passa a ser umproblema a apresentação de letras que não sãoutilizadas em nosso idioma, como por exemplo o "y".Na construção do teste original, as letras não foramescolhidas ao "acaso", mas sim em função de suafreqüência na língua inglesa. Portanto, seguindo omesmo critério, obtivemos a média da ocorrênciadas letras em início e final de palavras, segundo estudofeito por Cavallo na língua portuguesa (1986) e porMayzner e Tresselt na língua inglesa (1965). Acomparação da ordem de ocorrência de letras, emambos idiomas, permitiu que as letras E, S, H, Y, G, U,V, J, e Z fossem alteradas para A, O, M, U, L, J, H, Z, e X,respectivamente.

A verificação da validade e confiabilidade dessaversão em português está sendo realizada através daavaliação de oitenta crianças, distribuídas em trêsgrupos distintos: crianças com desenvolvimentotípico, crianças com síndrome de Down e criançascom autismo, entre cinco e sete anos de idade. Aescolha por esta faixa etária recai sobre a relevânciada performance pré-escolar para o desenvolvimentosubseqüente. A análise dos dados será realizada sevalendo de conceitos e técnicas para a verificaçãodas propriedades psicométricas da versão brasileirado PEP-R.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Em resumo, nesse capítulo procuramosapresentar a utilidade do PEP-R, chamando a atenção,entretanto, para a necessidade de cautela no uso dosinstrumentos desenvolvidos em outros países. Aadaptação de qualquer instrumento requer mais quea tradução, principalmente se envolver o exame dehabilidades verbais. É necessário garantir que aspropriedades do teste sejam preservadas, levando-seem consideração as possíveis interferências culturaisnos resultados.

A utilidade do PEP-R para fins educacionais, clínicosou de pesquisa vem sendo demonstrada de formaconsistente, em diferentes estudos. Porém, lembramosque o processo de avaliação do desenvolvimento deuma criança requer múltiplas fontes de informação eobservação. É preciso que estejamos atentos para aslimitações na obtenção de um perfil de comportamento,que emerge a partir de um contexto altamenteestruturado e individualizado, como o de situação de"testagem". As demandas e expectativas que fazem partedo dia-a-dia da criança são muito diferentes daquelasde situações de avaliação e podem revelarpotencialidades e/ou dificuldades que dificilmenteseriam identificadas fora desse contexto. Não podemosesquecer que, numa situação diagnósticaprincipalmente, existe uma criança diante de uma"pessoa estranha", em um "ambiente estranho".

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Bosa, C. Diagnóstico do autismo: Umailustração de abordagem interdisciplinar e decontribuição da avaliação psicológica. Trabalhoapresentado no VIII Congresso Nacional deAvaliação Psicológica, Porto Alegre, RS, 1999.

Carvallo, R. M. M. Taxa de Redundância naIncidência de Vogais e Consoantes no PortuguêsEscrito: Um Estudo em Jornais, Revistas e Livros.Tese de Mestrado Não- Publicada, Escola Paulistade Medicina, São Paulo, 1986.

Kanner, L. Autistic Disturbances of AffectiveContact. Nervous Child, 2, 217-250, 1943.

Lam, M., & Rao, N. Developing a chineseversion of the psychoeducational profile (CPEP)to assess autistic children in Hong Kong. Journalof Autism and Developmental Disorders, 23, 273-279, 1993.

Leon, V.C., & Lewis, S.M.S. Grupos comautistas. Em L.C. Osorio & D. E. Zimerman (Orgs).Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre:Artes Médicas, 1997, pp. 249-267.

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Mayzner, M.S., & Tresselt, M. E. The Single-

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Pring, L., Hermelin, B., Buhler, M., & Walker, I.. Native savant talent and acquired skill. Autism,1, 199-214, 1997.

Schopler, E., Reichler, R. J., Bashford, A,Lansing, M.D., & Marcus, L.M. Psychoeducationalprofile revised (PEP-R). Texas: Pro-ed, 1990.

Steerneman, P., Muris, P.,Merckelbach, H., &Wil lem, H. Br ief report: Assessment ofdevelopment and abnormal behavior in childrenwith pervasive developmental disorders: Evidencefor the reliability and validity of the RevisedPsychoeducational Profile. Journal of Autism andDevelopmental Disorders, 27: 177-185, 1997

Van-Berckelaer-Onnes, I., & Van-Duijin, G. Acomparison between the Handicaps Behavior andSkills Schedule and the Psychoeducational Profile.Journal of Autism and Developmental Disorders,23, 263-272, 1993.

Endereço para CorrespondênciaRua Vicente da Fontoura, 909 / 309, Cep:90630-001Porto Alegre - RS.E-mail: [email protected]

CAPITULO XIV

CARACTERÍSTICAS PSICOLÓGICAS DOSPORTADORES DA SÍNDROME DEASPERGER

Celiane Ferreira Secunho

A Síndrome de Asperger é um quadro clínicoque se caracteriza pelo isolamento social, condutaexcêntrica, prejuízo no desenvolvimento afetivo, nashabilidades sociais comportamentais e decomunicação. Segundo Lorna Wing, a Síndrome deAsperger e o Autismo apresentam a seguinte tríadeem comum no diagnóstico:

(1)Severo prejuízo nas relações sociais(2)Severa dificuldade de Comunicação(3)Ausência de atividade imaginativa

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3º Milênio

A Avaliação psicológica da criança comSíndrome de Asperger é conduzida de acordo comcada criança, sua faixa etária e o seu grau dedificuldade de contato. A princípio, existem critériosbásicos a serem utilizados no tratamento, que vãosendo adaptados de acordo com o grau dedesenvolvimento de cada criança.

Vários aspectos da avaliação de Síndrome sãolevantados no Psicodiagnóstico, mediante escalas dedesenvolvimento e testes, porém o exame psicológicomais importante é composto de três etapas:

(a) Observação livre (não dirigida):De acordo com dados da primeira entrevista

realizada com os pais, informações sobre o nível daconduta da criança são obtidas e a sala de atendimentoé organizada. Se a criança é muito agitada, a salaoferece um número menor de estímulos comoobjetos e brinquedos. Na observação livre, a criançaé, então, colocada num contexto organizado e ficalivre na sala, sendo suas condutas observadas eregistradas.

Busca-se registrar:• Fala e comunicação verbal;• Contato visual e interação;• Contato físico;• Interesse pelos brinquedos;• Habilidade motora;• Tipo de interação com a psicóloga;• Capacidade de atender a pequenas ordens;• Capacidade de responder perguntas simples.

(b) Observação Semi-estruturada (com objetivos deestabelecer contato)

Aqui são usadas escalas de avaliação com objetivode levantar dados de área específica, tais como: nível decompreensão da linguagem, expressão verbal e habili-dades motoras, entre outras. Além disso, tenta-se umcontato visual, verificando-se se a criança atende e olhaao ser chamada. Verifica-se, também, se é capaz de res-ponder questões sobre sua identidade, nome e idade.

(c) Observação EstruturadaEsta é realizada com o objetivo específico de

tentar conseguir uma relação, apesar da recusa dacriança. Nesse caso, são usados recursos diversoscomo sentar com a criança frente à um espelho, darmodelos para serem repetidos, segurar sua mão,tentar desenhar, colorir. Oferecer modelos verbaisatravés de bichos ou fantoches, sempre buscandouma resposta interativa.

A observação costuma ser baseada em roteiroscomo “critérios para o Diagnóstico da Síndrome deAsperger” (Szatmari, e Col. - 1989). Segundo oreferido roteiro, deve-se investigar:

1. Isolamento (ao menos dois itens)• não tem amigos íntimos• evita os outros

• não demonstra interesse em fazer amizades• um solitário

2. Prejuízo na Interação Social (ao menos umitem)• procura os outros somente para satisfazer as suas

necessidades• socialmente desajeitado• respostas inapropriadas aos colegas• dificuldades em perceber os sentimentos dos outros

não se importa com os sentimentos dos outros

3. Prejuízo na Comunicação Não Verbal (ao menosum item)• pobres expressões faciais• não entende as expressões faciais dos outros• não consegue se comunicar pelo olhar• não olha para os outros• não utiliza gestos com as mãos para se comunicar• movimentos são amplos e desajeitados• aproxima-se (fisicamente) demais dos outros

4. Fala Peculiar (ao menos dois itens)• anormalidades na inflexão• fala demais• fala muito pouco• falta de sentido na conversação• uso idiossincrático de palavras• padrões repetitivos de fala

5. Não se enquadra nos critérios do DSM-IIR para odiagnóstico do distúrbio autista.

Cristopher Gillberg (1995), por sua vez segue autilização de seis critérios elaborados a partir do DSM-4:

1- Isolamento social, com extremo egocentrismo,que pode concluir:• falta de habilidade para interagir com seus pares• falta de desejo de interagir• apreciação pobre da trança social• respostas socialmente impróprias

2- Interesses e preocupações limitadas:• mais rotinas que memorizações• relativa exclusividade de interesses – aderênciarepetitiva

3- Rotinas e rituais repetitivos, que podemser:• auto-impostos• impostos por outros

4- Peculiaridades de fala e linguagem, como:• possível atraso inicial de desenvolvimento, não

detectado consistentemente• linguagem expressiva superficialmente perfeita• prosódia ímpar, características peculiares de voz• compreensão diferente, incluindo interpretação

errada de significados literais ou implícitos

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

5- Problemas na comunicação não-verbal,como:• uso limitado de gestos• linguagem corporal desajeitada• expressões faciais limitadas ou impróprias• olhar fixo peculiar• dificuldade de ajuste a proximidade física

6- Desajeitamento motor:• pode não fazer necessariamente parte do quadro

em todos os casos.

Para a avaliação do nível de inteligência de criançascom uma conduta mais calma, que conseguementender e seguir ordens, a partir de seis anos de idade,tem-se utilizado o WISC (Wechsler - Escala deInteligência para Crianças). Esse teste oferece resultadosquantitativos em QI, como também permite fazer umarica análise das respostas, gerando assim, muitos dadosqualitativos. No sub-item compreensão as respostastendem a nos dar elementos que evidenciam adificuldade nas relações sociais, por envolver questõespragmáticas.

Outros sub-intens do WISC que também oferecemdados para uma ótima análise qualitativa são: arranjode gravuras e códigos. Os itens informação evocabulário, os resultados são na média, porém comrespostas e comentários muito peculiares. Como porexemplo: um menino de dez anos, ao concluir o testeWISC, disse: “Esse trabalho é só de adivinhações.

A partir dos dados colhidos das observações doexame psicológico e dos resultados do WISC, pode-seconcluir sobre o diagnóstico e o nível defuncionamento da criança, o que facilita oplanejamento de condutas terapêuticas a seremtomadas.

Certos aspectos psicológicos da conduta dacriança com Síndrome de Asperger são muitoevidentes, como a comunicação não verbal, que é poucadesenvolvida, com ausência de expressão facial, amímica pouco presente, como também a existênciade certa incapacidade de externar sentimentos de raiva,medo, angústia e situações emocionais da vida diária.O uso de gesticulação é feito de modo inadequado,variando entre muito exagerado em alguns aspectos,e muito contido em outros.

A linguagem falada surge na época esperada,porém com características específicas, tais como: falaecolálica, esteriotipias verbais, inversão pronominal,velocidade, entonação, inflexão e volume alterados. Oconteúdo da fala, às vezes, é pouco coerente, muitorepetitivo ou ilógico. Às vezes enfoca um único temade maneira muito repetida. Um menino de doze anos,por exemplo, falou um mês sem parar em casa, naescola e no consultório sobre o filme Titanic.

A dificuldade de entender e codificar símbolos não

verbais e expressões faciais é outra característica daSíndrome.

A habilidade e coordenação motora nessas criançastende a apresentar alterações, atraso na marcha,

movimentos descoordenados e desajeitamento, cominabilidade em jogos que requerem destreza motora,assumindo uma postura e modo de andar estranhos.Às vezes, apresenta movimentos estereotipados erepetitivos com o corpo ou com algum membro (amão flapping), exemplo: uma menina da quinta sériedisse: “A empregada falou que quem balança o lápis élouca. Quando eu fico nervosa, eu balanço o lápis e ficorodando as mãos.” Em alguns casos, a coordenaçãomotora fina também é pouco desenvolvida, com certainabilidade para escrever e desenhar.

Outra característica é a ausênc ia de

conhecimento, de regras e normas sociais, o quedificulta a interação social que fica bastante prejudicadapela falta de habilidade de compreender e usar as regrase normas do convívio diário. Para essas crianças, essasregras são muito complexas, como também se observanelas a vontade de se ausentar do contato social.Apresentam limitações para entender gestos, dicas,postura, contato e proximidade no relacionamento comas pessoas do sexo oposto. São criaturas sensíveis,percebem suas limitações e ficam retraídas frente à críticade suas condutas, podendo mesmo vir a apresentarcondutas bizarras e anti-sociais. Um adolescente dedezesseis anos, por exemplo, observou no recreio daescola atitudes amorosas (beijos e abraços) entre colegasnamorados, e concluiu que ele poderia tocar, beijar eabraçar qualquer colega. Não conseguiu entender queera necessário um envolvimento amoroso. Foi bastanterejeitado pelos colegas e taxado de tarado.

A atitude repetitiva, estereotipada e a resistência à

mudança são características constantes na condutadessas crianças. Para elas, a rotina, a mesmice sãofundamentais, o seu mundo, o seu habitat naturaldevem ser mantidos inalterados. Tendem a ficarbastante confusos fora do seu contexto familiar ouescolar. Pequenas mudanças trazem grandesalterações de conduta. Certo dia, coloquei gel emmeu cabelo e mudei o penteado: a cliente não quisentrar comigo na sala e dizia “Essa não é a Celiane,esse cabelo não é da Celiane”. Também é muitocomplicado quando é trocada a recepcionista doconsultório. Um menino de quatro anos repetia demodo ansioso: “A Francisca foi embora, agora temuma moça nova!”.

As habilidades e interesses dessas crianças sãomuito desenvolvidos, com condutas precoces emcertas atitudes e aspectos deficitários em outrastarefas. A memória é uma das áreas privilegiadas. Elastendem a memorizar detalhes sobre temas de seuinteresse, pesquisam e repetem sobre o tema horasseguidas. Um garoto de quatro anos sabe, porexemplo, reconhecer e nomear uma infinidade dedinossauros.

A conduta e o desempenho na escola apresentamalgumas características específicas. Devido aslimitações nas relações interpessoais, essas criançassão tidas como esquisitas e estranhas pelos colegas.Exemplo: uma menina de doze anos disse: “O pessoalda escola me falou que eu tinha todos os parafusos a

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3º Milênio

menos, e fama de abibolada, eu respondi que nãosou doida, sou estranha e diferente de vocês.”

Quando apresentam algum interesse específico,eles passam a ser respeitados pelos colegas, suashabilidades incomuns. Esse foi o caso de um garotode oito anos que conhecia com detalhes todas ascapitais da Europa, costumes, vegetação e clima.Outro se destacou na turma na época da copa domundo, por desenhar de cor todas as bandeiras.

Também, às vezes, as crianças são criticadas erejeitadas pela inabilidade de entender e usar as regras

de convívio social, como no exemplo de um menino dasétima série que comia o lanche dos colegas semautorização dos mesmos. Outro, insistia em usar obanheiro das meninas, ele não entendia porque osbanheiros eram separados por sexo.

A dificuldade em lidar com a censura frente à

sexualidade é outra dificuldade. Não sabem diferenciaruma atitude afetiva de um carinho erótico. Nãodescriminam local, contexto nem a pessoa noinvestimento da sexualidade.

A grave incapacidade de interagir socialmente

é o problema básico dessa Síndrome. Existe a vontadede interagir e comunicar, porém não dispõe dehabilidade para desenvolver essas funções a contento.Há uma tendência em evitar interações sociaisespontâneas, e a inabilidade de manter uma simplesconversação. Willians relata: “Eu posso aprender alidar com uma dada situação em um contexto, masfalho quando confronto em outro contexto.” Talafirmação tem apoio em Bowler ao dizer que osindivíduos com Síndrome de Asperger conseguemcompetência para mentalizar, mas são incapazes deaplicar o conhecimento adquirido por causa de umdéficit psicológico primário, por exemplo, umamenina de onze anos disse: “quarenta colegas nasala, cada um com seu anjo, eu falei Jesus, será quenão está muito apertado não!?”. O fato tende a ficarmais evidente na adolescência, na tentativa de contatocom o grupo. Uma menina de treze anos falando doseu fim de semana. Afirmou que:

“Dizem que todos tem um anjo da guarda, omeu anjo me avisou, eu sabia que ele não estava comboas intenções, talvez me quisesse fazer uma propostaindecente. Se ele tentasse me agarrar eu gritava echamava ele de tarado e tentava morder ele e daruma cotovelada naquilo dele.” Essa foi a respostadesta garota frente ao interesse de um colega em“ficar” (namorar) com ela. Fica, pois evidente comoela percebeu de modo distorcido o interesse dogaroto.

Atitudes estranhas e falta de senso comum sãoobservadas com freqüência. Um rapaz de vinte e umanos, ao ficar com raiva jogou fora seus objetospessoais , como a sua loção pós-barba. Certo dia brigoucom o irmão e colocou fogo na cortina do quarto domesmo. A incapacidade de atribuir um estado mental

ao outro e a falta de empatia são uma constate naconduta. Uma adolescente não conseguiu percebera ansiedade e tristeza da irmã na véspera de uma

operação cirúrgica da mãe. É incapaz de entender atristeza da outra pessoa.

Baron-Cohen, em seu livro faz a seguintepergunta: “A criança autista tem uma teoria damente?” A resposta negativa é justificada pelaincapacidade de desenvolver padrões derepresentações simbólicas e de meta representações.A incapacidade de ler a mente do outro de sentir oque o outro está sentindo e só levar em conta arealidade. São incapazes de inferir a partir dossentimentos e expressões das outras pessoas. Comotambém, ter representação de estados mentaisepsitêmicos como: pretender, sonhar, imaginar,conhecer, acreditar, decepcionar e adivinhar.

Uta Frith (1992) classificou a Síndrome deAsperger como um tipo de autismos e afirma que,mesmo havendo uma melhora no quadros, ascaracterísticas básicas se mantém, ou seja, as alteraçõesna socialização, na comunicação e na imaginação.Segundo ela, as criaturas com Síndrome de Asperger,apesar das anormalidades de sua existência, podemcumprir seus papéis sociais com a comunidade,especialmente se encontrarem compreensão, amor ealguém que lhes dê uma direção.

A distinção entre autismo e Síndrome de Aspergernão é universalmente aceita. O quadro de autismo eSíndrome de Asperger tem similaridades nos quesitosde diagnóstico, diferenciando apenas nos seguintesfatores: Na Síndrome de Asperger a memória é

privilegiada e os aspectos cognitivos e da linguagem não

apresentam atraso.

A importância de um diagnóstico diferencialentre Autismo e Síndrome de Asperger é muitoimportante para fundamentar o plano de tratamentocomo também arriscar um prognóstico.

ANEXO:SUGESTÕES DE COMO CONDUZIR MELHOR AS

CRIANÇAS COM SÍNDROME DE ASPERGER

1) Procurar na medida do possível manter uma rotina(hora/atividades/local/objetos);

2) Manter condições de certa estabilidade evitandomuitas transições com freqüências (mudar deescola, empregadas, tipo de alimentos);

3) Oferecer um ambiente previsível, e com segurança(evitar surpresas);

4) Evitar situações de esperas prolongadas (causaansiedade, choro, e crises de agressividade);

5) Visar gradativamente ir ampliando a gama deinteresses que tende a ser restrito e repetitivo(brinquedos/comidas/objetos);

6) Explicar com clareza as idéias implícitas que elesnão conseguem entender;

7) Facilitar, oferecer ajuda nos contatos e interaçõessociais (dar modelo de brincadeiras);

8) Dar oportunidade de mostrar suas habilidade, suasáreas mais bem desenvolvidas;

9) Ajudar na seqüência de uma conversação,

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

quando for observado certa repetição oucolocações fora do contexto social;

10) Minimizar situações onde eles apresentamsituações inapropriadas de estranheza ouexcentricidade;

11) Dar oportunidade de se organizarem evitandoserem tachados de “nerds” facilitando ummelhor convívio em alguma atividade em grupo;

12) Aproveitar seu nível normal de inteligência elinguagem e oferecer tarefas que possadesenvolver com sucessos e em conseqüênciaser melhor aceitos;

13) Evitar que os colegas os enganem pois sãofacilmente passados para trás;

14) Ficar atenta a sua fala, pois o discurso é bom,porém o conteúdo da comunicação é pobre;

15) Ensinar regras sociais simples, aquelas que asdemais crianças aprendem sozinhas;

16) Evidenciar as metáforas que eles não captam(explicar a piada);

17) Dar modelo de interação social, apresentar ocolega, conduzir uma pequena conversa;

18) Explicar à eles quando apresentarem umaresposta inadequada uma situação social, queenvolve uma emoção que ele não foi capaz deentender;

19) Sugerir à família que os ajudem melhorar suaperformance de coordenação motora geral;

20) Treinar na área de educação física;21) Evitar competições na medida do possível;22) Ajudar a desenvolver jogos que visam melhorar

habilidades motoras;23) Oferecer atividades de artes, visando melhorar

coordenação motora fina;24) Prevenir situações de possíveis estresse visando

evitar explosões de raiva e choro;25) Evitar situações surpresas, prevenir preparar

para mudanças e situações novas;26) Ensinar as regras de modo claro e adaptar a

regra a necessidade específica daquela criança;27) A equipe da escola deverá ser orientada sobre

as peculiaridades dessa criança (professor demúsica/educação física, pessoal da segurança/limpeza);

28) Ficar atento a mudanças de comportamento,condutas depressivas, isolamento, mutismo oucrises agressivas Em alguns casos é necessárioencaminhar para ser medicado;

29) Oferecer atividades específicas que visa facilitara interações social em caso de muitoisolamento, contratar um amigo qualificado(auxiliar terapêutico);

30) Oferecer um modelo de rotina diária em casa ena escola, evitar rigidez e condutas repetitivas;

31) Encorajar nas amizades, nas pequenasiniciativas de contato social;

32) Enfatizar junto aos colegas ou primos suashabilidades;

33) Oferecer estímulos visuais como mapas,esquemas, eles são hábeis nesta área;

34) Procurar usar técnicas acadêmicas visandodiminuir a alienação e instabilidade;

35) Ensinar a eles como melhorar expressar seussentimento de medo e suas ansiedades;

36) Dosar as cobranças, organizar planos deestudos e tarefas, criando rotina semsobrecargas, passo a passo;

37) Oferecer ajuda sistemática nas tarefas queexijam raciocínio abstrato, o aprendizadodeles é essencialmente concreto ( namatemática);

38) Ajudar a desenvolver aspectos dacompreensão, pensamentos verbais,abstrações e fantasias;

39) Fazer paralelo entre mudanças no tempo eno humor, mas emoções. Dar exemplo:alegria / tristeza / raiva / prazer / amor;

40) Dar modelos de soluções de problemas, passoa passo, problemas de matemática eproblemas da vida diária;

41) Saber perceber a diferença entre seu ótimonível de leitura e sua fraca capacidade deinterpretação e compreensão;

42) Oferecer explicações mais concretas. Darexemplos a situações muito abstratas;

43) Falar, explicar sobre sentimentos, diferentesemoções, alegria numa festa, tristeza numadoença ou morte;

44) Ensinar sobre comportamentos em diferenteslocais: igreja / festa / escola / parque...;

45) Ficar atento a sua falta de atenção, chamarpara atividade, motivar voltar à atividade;

46) Evitar situações repetitivas e estereotipadas,ensinar a brincar de faz de conta.

47) O educador é fundamental como modelo,ser calmo e afetuoso;

48) Definir com clareza noções de propriedade –o meu, o seu, o nosso;

49) Enfatizar, clarificar as regras do jogo;50) Ensinar ou mesmo treinar normas sociais, o

que é certo, o que é errado, o que pode, oque não pode;

51) Enfatizar explicações sobre aspectos ligadosa censura. Conduta adequada, ao lugar certo.(principalmente condutas sexuais , exemplomasturbar em público);

52) Oferecer na medida do possível um ambientede trabalho estável, quanto local / horário /tarefas e pessoas;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:1. American Psychiatric Association – Manual

diagnóstico e estatístico de transtornos mentais(DSM – IV). Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.

2. Araújo, CA – O processo de individuação

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no autismo. São Paulo: Memnon, 2000.3. Frith, U. Autism and Asperger Syndrome.

Cambridge, Cambrige University Press, 1992.4. Schwartzman, J.S. Assumpção Jr., F.B. –

Autismo Infantil. São Paulo, Memnon, 1995.Rosemberg, R – Escalas de Diagnóstico – cap.05

5. Schwartzman, J.S. Síndrome de Asperger.Temas sobre Desenvolvimento, v.1 n.2; 19-21, 1991.

6. Wing, L Asperger’s Syndrome: a clinicalaccount. Psycol. Med. vol.11;115-29, 1981.

7. Bauer, S 1995. Asperger Syndrome New York.Tradução: www.autismo.med.br.

8. Willians K. Understanding the student withAsperger Syndrome: Guidelines for teachers. Focuson Autistic Behavior v.10 n.02, 1995. Tradução:www.autismo.med.br.

9. Baron–Cohen S. Understanding other Minds.New York Oxford University Press. Cap. 18, 1993.

10. Gil lberg, C. Autism and PervasiveDevelopmental Disorder – Journal of Psychologyand Psychiatry, Vol.31, No. 1; 99-119.

Celiane Ferreira [email protected]

Endereço para Correspondência

SHLS 716 bloco E sala 606, Asa SulCentro Médico de Brasília, Cep: 70390-700

CAPÍTULO XV

SEXUALIDADE DOS PORTADORES DETRANSTORNOS INVASIVOS DEDESENVOLVIMENTO

Roberto Antonucci

INTRODUÇÃO

Neste trabalho enfocaremos questões que di-zem respeito à manifestação da sexualidade noindivíduo portador de Transtorno Invasivo do De-senvolvimento (TID); como ela ocorre,como

manejá-la e quais suas conseqüências psicológicase sociais .Abordaremos os aspectos gerais ,com rela-ção às condutas sexuais patológicas ou socialmenteinadequadas, visto que a maioria dessas condutaspodem estar presentes em quase todas as categoriasdiagnósticas dos TIDs.

Lamentavelmente existem poucos trabalhos so-bre este tema na literatura mundial ,portanto tere-mos algumas limitações ao abordá-lo.

DEFINIÇÃO DOS TIDsSegundo a classificação internacional de doen-

ças (CID 10,1992) o individuo portador de TID apre-senta uma série de sintomas englobados nas seguin-tes categorias: a) distúrbios da interação social, b)distúrbios da comunicação c) estereotipias e rituais.A qualidade dessas condutas anormais acaba sendoum aspecto invasivo nas mais variadas situações ,podendo ocorrer em diferentes graus . Na grandemaioria das vezes, o distúrbio se manifesta antes dostrês ou quatro primeiros anos de vida e, com rarasexceções , essas condições podem se manifestar apósos cinco anos de idade.É muito freqüente , mas nãoem todos os casos, haver um déficit intelectual , en-tretanto esses transtornos são diagnosticados emtermos de comportamento, que é avaliado peladefasagem em relação ao desenvolvimento normal .(ainda não há um consenso quando à subdivisãodesse grupo de TID). Essas características podem in-terferir dramaticamente nas suas relações afetivase sociais. Como a sexualidade está intimamente rela-cionada às categorias afetivas e sociais, é factívelsupor que a maioria destes indivíduos apresenta pro-blemas tanto intrínsecos quanto extrínsecos no quese refere a essa esfera.

Os distúrbios classificados como TID são :Autismo infantil, Autismo atípico, Síndrome de Rett,Outro transtorno desintegrativo da infância, Trans-torno de hiperatividade associado ao retardo mentale movimentos estereotipados, Síndrome de Aspergere Outros transtornos invasivos do desenvolvimento.

ASPECTOS BIOLÓGICOS DA SEXUA-LIDADE NO INDIVÍDUO PORTADORDE TID

Segundo Haracopos e Pedersen (1992) e Percy, odesenvolvimento biológico da sexualidade humanadepende basicamente de dois processos diretamen-te relacionados: crescimento orgânico e o processode maturação, que estão ligados ao desenvolvimen-to do sistema nervoso, metabolismo e secreção dehormônios.Na adolescência há um aumento da se-creção de hormônios sexuais e conseqüentementeocorre o aumento dos impulsos sexuais.Nesse con-texto, é necessário fazer uma ressalva com relação àépoca em que as condutas sexuais se manifestam nodesenvolvimento da sexualidade humana de formageral, ou seja, desde a mais tenra infância até a matu-

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

ridade plena. Podemos observar com muita freqüên-cia, condutas masturbatórias em crianças de 2 ou 3anos de idade , com ou sem distúrbios psiquiátricos.A manifestação dessas condutas, nesta faixa etáriapode ser completamente normal, desde que não ul-trapasse certos limites de freqüência , intensidade eduração . Através dos estudos mencionados acima,embora não versem sobre todos os quadros clínicosdos TIDs, podemos deduzir que , na maioria doscasos, o desenvolvimento biológico da sexualidadenão é afetado. Entretanto, pode haver alguma lesão ,distúrbio genético, ou funcional, do sistemaendócrino desses indivíduos , que pode a afetar odesenvolvimento da sexualidade. Além disso, é im-portante lembrar que grande parte dos TIDs são sub-metidos a tratamento medicamentoso, com objeti-vo de suprimir ou minimizar condutas inadequadas,tais como: auto e heteroagressividade, hiperatividade,estereotipias etc. Não obstante, estes medicamentosinterferem diretamente no impulso sexual eafetividade, podendo ter conseqüências inibitóriassobre a libido, ereção e ejaculação .

ASPECTOS PSICOLÓGICOSDESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO NORMAL

O bebê nasce como um ser indiferenciado. Nosprimórdios do desenvolvimento psicológico não hádiferenciação entre o eu e o outro. A relação com amãe ocorre basicamente através de ações reflexas,predominando a necessidade de satisfação imediata.

O eu, vai constituindo-se gradativamente e, cadavez mais, vai podendo conter seus impulsos. Asatisfação de necessidades vai podendo ser postergadapaulatinamente de acordo com as possibilidades domundo exterior. Após um longo processo deinteração com ambiente, o indivíduo atinge amaturidade plena, para ter uma vida totalmenteindependente de outras pessoas (Antonucci, 1999) .

DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO PATOLÓGICO

A maior parte dos indivíduos portadores de TIDapresenta um desenvolvimento biológico normal dasexualidade. Entretanto, no desenvolvimentopsicológico ocorre uma série de alterações que semanifestam na conduta e podem variar de intensidadee freqüência, dependendo do grau de distúrbio e donível intelectual. Em alguns deles predomina anecessidade de satisfação imediata dos própriosimpulsos. Segundo Haracopos e Pederson (1989), emoutros casos, a capacidade de conter os impulsossexuais e agressivos é rudimentar, havendo pouca ounenhuma autocrítica. Pode ocorrer também umadistorção da percepção da realidade, bem comocapacidade limitada ou ausente de fantasiar ou imaginar,assim como ansiedade ligada ao sentimento de excitaçãosexual, associações bizarras e pensamento concreto.

ASPECTOS SOCIAIS

A primeira das três categorias principais do TID éo Distúrbio da Interação Social. É evidente que dentrodesta categoria encontramos numerosos sintomas,tais como: dificuldade em aceitar mudanças na rotinadiária, muitos apresentam resistência ao contatofísico, embora alguns possam tolerar algum contatodependendo do momento, de quem o toca e daintensidade e duração . Em outros casos , o individuoquer abraçar ou agarrar uma ou várias pessoas , demaneira invasiva e fora de contexto , geralmente sempercepção do sentimento alheio . A agressividade(chutes,mordidas, socos , tapas , beliscões,puxar oscabelos ,cuspir, etc.) também pode ser um distúrbiosocial importante , que muitas vezes é causada poruma pequena frustração ligada a alguma atividadeda vida cotidiana e, outras vezes ocorre sem umacausa aparente.

Pode-se dizer que a impossibilidade de estabelecerempatia ou perceber o sentimentos alheios são algunsdos pontos marcantes da personalidade de muitosdesses indivíduos. Em outras palavras, eles nãoconseguem se colocar no lugar de outra pessoa .Ahabilidade de imaginar o que se passa na mente dooutro não faz parte do repertório social dessesindivíduos(Frith,1989). Esta inabilidade afetadiretamente tanto a capacidade de perceberem ossentimentos, necessidades e desejos alheios, comotambém os seus próprios. De certa maneira isso afetarásignificativamente a possibilidade de compreendereme respeitarem uma série de regras sociais.

A Segunda categoria: Distúrbios da Comunica-

ção. Todos sabemos que se não houvesse comunica-ção entre as pessoas não haveria possibilidade de or-ganização social. Pois bem, praticamente todos osindivíduos portadores de TID apresentam distúrbiosda comunicação, que podem variar desde um isola-mento e mutismo absolutos até um desenvolvimen-to da comunicação muito próximo do normal, sen-do que este ultimo é uma ocorrência rara. Algunsindivíduos não se comunicam nem verbalmente nematravés de gestos, parecem estar completamente in-diferentes ao que acontece ao seu redor. Outros, ape-sar do mutismo, acabam apontando para as coisasque desejam, estabelecendo assim algum tipo decomunicação intencional. Uma parte significativautiliza pessoas como se fossem ferramentas, para ob-ter o que deseja. Eles podem apresentar ecolalia, re-petindo exatamente o que lhe é perguntado ou dito,ou apenas as últimas palavras. Certas vezes podemrepetir discursos que ouviram há horas ou dias, geral-mente com grande precisão.

Para a maioria dos autores a conduta ecolálicaparece não ter o intuito de estabelecer comunicaçãocom o interlocutor. Em outros casos criam palavrasnovas (neologismos), e discursos incoerentes ouininteligíveis; essas são situações mais raras , e quandoocorrem, são mais freqüentes nos casos de Outrotranstorno desintegrativo da infância.

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Outro distúrbio da linguagem freqüente,principalmente nos portadores de autismo e autismoatípico, é a inversão pronominal, em que eles trocameu por ele para referirem-se a si mesmos. Grande partedeles não mantém contato visual, ou quando issoacontece, o olhar parece atravessar as pessoas.

A terceira categoria: Estereotipias e Rituais. Estescomportamentos estereotipados e ritualizadospodem ser: girar objetos, abanar as mãos, mexer osdedos das mãos ou o corpo de forma rítmica eestranha, andar na ponta dos pés, apego nãoapropriado a objetos, restrição da variedade dealimentos ingeridos. Também podem estar presentesrisos imotivados ou descontextualizados,agressividade e destrutividade. De qualquer forma,essas condutas podem ser freqüentes ouintermitentes.

As condutas presentes nesta última categoriatambém dificultam as interações sociais e acomunicação. É claro que de muitas maneiras essastrês categorias estão entrelaçadas e imbricadas.Nestetrabalho , elas foram separadas apenas para facilitar oraciocínio e a classificação, todavia, é fácilcompreender que há uma grande relação deinterferência entre elas.

É importante ressaltar que todos estes sintomasdescritos nas três categorias são extremamenteimportantes para que se faça o diagnóstico de TIDs.Entretanto, não é necessário que todos eles estejampresentes em cada indivíduo, mas sim, um certonúmero de sintomas de cada uma das três categorias.

CONDUTAS SEXUAIS SOCIALMENTE INADE-QUADAS

Um grande número desses indivíduos masturba-se em público, sendo essa conduta mais freqüenteem indivíduos de baixo nível intelectual. SegundoHaracopos & Pedersen (1992) a masturbaçãotambém é mais freqüente em mulheres do que emhomens. Isso talvez possa ser explicado por ser aexcitação sexual masculina muito mais evidente doque a feminina e, portanto, mais repreendida, umavez que parece incomodar muito mais socialmente.Além disso, muitos adolescentes e adultos, além deutilizarem as próprias mãos, utilizam também objetosespecíficos para se masturbarem como: travesseiro,cinto, bandagem,bola e outros objetos de plástico ede metal.

Entre as várias dificuldades inerentes a essesquadros clínicos, destacam-se duas muito im-portantes: a impulsividade e as limitações cognitivas.Aimpulsividade impede o controle de comportamentossocialmente inadequados, mesmo que o indivíduotenha uma noção clara das regras sociais. Umaconduta inadequada tal como agredir fisicamentealguém da família ou instituição, pode ocorrermotivada por uma situação de frustração comum davida cotidiana, como, por exemplo, desligar atelevisão para ir tomar banho ou dormir. Uma outra

situação, ainda ligada à impulsividade,freqüentemente observada em escolas especiais einstituições que lidam com esses pacientes é,geralmente o rapaz tocar os seios ou as nádegas deuma colega ou alguém da equipe técnica sem seuconsentimento prévio, mesmo tendo consciência deque não deveria fazê-lo .

As limitações cognitivas impedem acompreensão das regras sociais, bem como, de suaspróprias emoções e condutas. A falta de compreensãodestas emoções e sensações corporais acabacausando medo e ansiedade.

Para boa parte desses indivíduos, são freqüentesas associações sexuais bizarras com objetos, taiscomo: lâmpada, galocha e bola. Alguns deles nãodiferenciam graus de parentesco, podendo agarrarou tocar nos genitais de pessoas da família, da escolaou desconhecidos, de forma indiscriminada.

ALGUMAS POSSIBILIDADES DE MANEJO

Para podermos manejar as condutas sexuaisindesejadas , precisamos observar alguns aspectos ,tais como: quando ocorrem, em que contexto, emque lugar, qual a freqüência, e principalmente tentardescobrir qual o estímulo (interno ou ambiental )desencadeante da conduta em questão. A partirdesses dados , estratégias podem ser cridas para tentarevitar ou modificar tal conduta. Para esses tipos deproblema, as técnicas mais indicadas são as demodificação de comportamento.

A partir da compreensão dos “problemas” decomportamento sexual desses indivíduos , temos umachance razoável de ajudá-los . As questões a seremconsideradas são; quando determinadas condutassão realmente um problema para eles (sofrimentoemocional, dores físicas ou lesões, ou assédio e /oumolestação de terceiros em relação a eles e vice versa),ou quando a manifestação sexual desses indivíduosnos incomodam do ponto de vista moral ou religioso.Discutiremos aqui algumas condutas sexuais dosportadores de TID que podem vir a ser um problemapara eles ou para quem os assiste ou ainda para ambosos grupos .

MASTURBAÇÃO

A masturbação a principio é uma conduta natu-ral, que faz parte da sexualidade humana(Gauderer,1997), sendo assim, desde cedo a criançadescobre que estimular os genitais com a mão ,obje-tos ou pressioná-los com movimentos intermitentescontra alguma superfície, é muito prazeroso. Poisbem, a masturbação pode ser uma conduta saudá-vel do ponto de vista biológico, psicológico e social,desde que ela não ultrapasse certos limites , tais como:forma, freqüência, intensidade e duração. De modogeral ela se manifesta de forma mais intensa naadolescência , em ambos os sexos. Estudos recentestêm demonstrado que a masturbação é a conduta

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sexual mais comum (Percy, sd) (Bourgondien,Reichle& Palmer, 1997) dos TID, mais especificamen-te, nos casos de síndrome de Rett e de autistas adul-tos. Essa conduta é uma necessidade biológica, por-tanto não se deve reprimi-la, mas seria aconselhávelrestringi-la a locais e horários reservados (quandoisso for possível), como por exemplo o quarto oubanheiro, bem como tentar estabelecer dois ou trêsperíodos diários (de quinze a trinta minutos, mais oumenos, dependendo da necessidade de cada caso), eorientá-los ou ensiná-los a se auto satisfazerem com-pletamente, reduzindo assim a frustração e conse-qüentemente os comportamentos agressivos. Quan-do eles aprendem a se masturbar eficazmente, atin-gindo o orgasmo, diminuem o tempo de auto mani-pulação, conseqüentemente acabam tendo maistempo para atividades sociais e educacionais(Detmer,Dalrymple&Sinex,1991). Além disso, é acon-selhável educá-los ou treiná-los a cuidar da própriahigiene íntima. Se mesmo assim, a condutamasturbatória ocorrer intensamente, sugerimos quese tente introduzir alguma atividade física ,tal comocorrer , caminhar alguns quilômetros, nadar ou qual-quer outra que consuma bastante energia. Se nenhumdesses manejos forem eficazes, será preciso verificar(quando possível ) se a masturbação está sendo real-mente eficaz, em outras palavras se se está atingindo oorgasmo ou não, senão será aconselhável que alguémda família, de preferência do mesmo sexo do pacienteou aluno, orientasse-o novamente em como fazê-lo.Em último caso, após tentarmos todas possibilidadesde manejo ambiental, sem sucesso, resta-nos solicitarao médico que acompanha o caso, medicá-lo (a) comalgum fármaco que diminua a libido. Não é raro, queesses indivíduos utilizem objetos para masturbarem-se, desde almofadas ou travesseiros, o que é muito co-mum, até bolas de futebol , lâmpadas, embalagens dedesodorante, xampu ou similares, canetas, ou até ca-pas de chuva e bandagens (Haracopos e Pedersen,1992).Neste contexto, devemos ter em conta que, salvo osobjetos que possam causar lacerações físicas, como lâm-padas ou outros objetos cortantes ou pontiagudos, osoutros podem ser utilizados normalmente, dentro deum contexto e higiene adequado. Quanto às situaçõesde masturbação em público, muito freqüente nos ca-sos de síndrome de Rett (Perce,sd ), como também emcasos de Autismo e Autismo atípico, com sérias limita-ções cognitivas e ou com grau de isolamento severo,recomendamos a utilização de técnicas de modifica-ção de comportamento.

TOCAR AS PESSOAS DE FORMA SEXUALIZADA

Essas condutas são muito freqüentes em escolase instituições de tratamento dessas pessoas.

Às vezes os portadores de TID se excitam tocandoou tentando tocar sem consentimento em partes docorpo de pessoas da equipe técnica, de outrospacientes ou alunos da instituição ou escola quefreqüentam. As partes do corpo preferidas são as

nádegas , seios, vagina, pênis, cabelos, pernas e pés.Pode acontecer de o individuo apenas olhar fixamentepara uma das partes do corpo já mencionadas e ficarbastante excitado e tocar- se em suas próprias partesíntimas. Obviamente esses comportamentos sãoindesejáveis socialmente, portanto,quando não forpossível a essas pessoas, a compreensão dos limitese regras sociais, e nem para a equipe evitardeterminados estímulos, recomendamos que seutilizem técnicas já citadas anteriormente.

OUTRAS CONDUTAS SOCIALMENTE INADE-QUADAS

Em seu livro intitulado Uma Menina Estranha:Autobiografia de uma autista, Temple Grandim, umaamericana, portadora da síndrome de Asperger, Ph.D.em Zootecnia, relata um episódio ligado à sua vidasexual. Quando ela ainda era pré – adolescente,comentou com uma colega na colônia de férias queouviu os meninos dizerem, enquanto a observavam:“Nem adianta olhar para ela. Não tem peito nenhum“.A palavra peito tinha um sentido pejorativo , era umpalavrão naquela época e contexto, mesmo assim,Grandim, gostou ouvi-la, e passou a repeti-lacompulsivamente o tempo todo. Ela mesma diz, quese tornou sua palavra favorita naquela época. Essecomportamento fez com que ela fosse advertidavárias vezes pela direção daquele estabelecimento.

MENSTRUAÇÃO

No inicio da adolescência, à medida que a atuaçãodos hormônios (estrógeno e progesterona) aumentano organismo, o corpo começa a se transformar. Amenina começa a crescer e ganhar peso rapidamente.Começam a surgir os primeiros pêlos pubianos eaxilares, como também o aparecimento gradual depequenos seios, além das primeiras acnes no rosto.Nessa época, surgirá um corrimento vaginal decoloração branca (leucorréia), que faz parte doamadurecimento normal da sexualidade feminina . Emgeral, essas são as transformações físicas mais comuns,que antecedem a primeira menstruação (menarca),que pode ocorrer entre os 9 e 16 anos, e normalmenteocorre ao redor dos 13 anos de idade (Percy, sd 1). Issosignifica o ingresso no longo período reprodutor damulher que, via de regra, durará até a menopausa (porvolta dos quarenta e poucos anos). Os períodosmenstruais regulares ocorrem entre 26 e 30 dias, todosos meses. Muitas moças portadoras de TID não falam,ou não conseguem expressar seus sentimentos ecomunicar dores físicas . Nos períodos que antecedema menstruação, elas podem ficar agitadas , irritadas ouaté mesmo agressivas, devido às cólicas pré-menstruais. Outro fator importante que pode justificara mudança de humor e comportamento é a tensãopré-menstrual. Atualmente existem váriosmedicamentos, para resolver ou aliviar esse tipo deproblema, nesses casos sugerimos que se oriente a

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família a procurar um ginecologista.Quanto aos aspectos psicológicos dessa fase da

vida da menina ou moça , propomos que a mãe, oualguma outra mulher da família , explique , mostrandoem seu próprio corpo, o que ocorre durante o períodomenstrual, para que a futura moça comece a sepreparar emocionalmente .

NAMORO

O namoro é uma possibilidade muito remota,porque a maioria dessas pessoas, apresentamtranstornos do desenvolvimento cognitivo eemocional. Essas dificuldades interferem napercepção e controle das próprias emoções,sentimentos e desejos . Além disso, de modo geral,elas têm ou podem ter enormes dificuldades ementender os sentimentos e necessidades de outraspessoas . Um exemplo claro dessa falta de empatia éuma frase dita por Temple Grandin: “Eu me sintocomo uma antropóloga em Marte“, referindo-se a simesma , no meio das pessoas ditas normais (Sacks,1995) .Em alguns casos , esses indivíduos parecemnão sentir falta de um relacionamento amoroso , emoutros, embora exista o desejo, falta-lhes a habilidadepara isso. Outro exemplo dessa falta de habilidade édescrito por Donna Williams(1999), uma autistaaustraliana, sobre as frustrações de sua própriaexperiência amorosa, no epílogo de seu livrointitulado Like Colour to Blind . Finalizando, quandoocorre algum tipo de relação amorosa ,ela tende a serentre os próprios portadores de TID; além disso,geralmente, é uma relação efêmera ou aindaestereotipada, tentando imitar o modelo dosrelacionamentos ditos normais.

RELAÇÕES SEXUAIS

Uma pergunta muito comum, normalmente feitapelos familiares dos TIDs, é se se deveria introduzir orapaz na vida sexual plena, de outra forma, seria ounão aconselhável levá-lo a um prostíbulo, ou contrataruma garota de programa. Essa é uma questão bastantepolêmica e certamente não há uma resposta simples. Na nossa opinião, de modo geral a resposta é não;claro que pode haver raras exceções. Contudo, aexperiência tem demonstrado que, ao resolver-se umproblema, criam-se vários outros. Se para a imensamaioria dos TIDs é complicado entender as inúmerasregras sociais óbvias, não seria difícil imaginar o quepoderia acontecer com as regras implícitas e muitasvezes subjetivas, que podem variar de um contexto aoutro. Apenas para exemplificar, citaremos doisepisódios que ocorreram e foram relatados porfamílias que tentaram resolver o problema dessaforma . Um rapaz autista de 17 anos foi levado a umacasa de massagem ( nome genérico de prostíbulo )pelo pai, porque seus parentes observaram que ele semasturbava muito. Esse jovem teve sua primeirarelação sexual, aparentemente sem problemas e com

as devidas precauções (usou preservativo, colocadopela parceira ). O problema surgiu alguns dias depois,quando o rapaz tentou agarrar a amiga da irmã, umaadolescente de 15 anos de idade. Nos dias que seseguiram, vários outros incidentes foramacontecendo, com colegas da escola, além de outros,em lugares públicos. Seus pais ficaram desesperadoscom a situação e, com a ajuda de profissionais,tentaram diversas formas de manejo, mas nãoobtiveram êxito . O rapaz teve que ser medicado paraque se diminuísse seu apetite sexual . É evidente queesse jovem, não tinha condições de discriminar ocontexto do prostíbulo do da vida cotidiana .Alémdisso, existem muitos outros casos de TDI, em que oindivíduo (rapaz ou moça) sente atração sexual porqualquer pessoa, sendo incapaz de discernir, sexo,idade, grau de parentesco e/ou contexto social. Sendoassim, a estratégia utilizada para se resolver umsuposto problema ou incentivar o ingresso do rapazna vida sexual plena, o que seria relativamentecomum entre os adolescentes normais de classemédia no Brasil, via de regra não funciona com oportador de TID. Um outro relato é de um rapaz de19 anos, portador de Autismo atípico, com habilidadessociais relativamente bem desenvolvidas que, com aanuência de seus pais, foi levado a uma “casa demassagem” por seu irmão, 3 anos mais velho do queele.Naquele dia, tudo ocorreu conforme o esperado.Nos dias que se seguiram, o rapaz não parava de falarsobre sua “namorada”. Queria encontrá-lanovamente de qualquer maneira . Ele não conseguiaentender o que tinha acontecido entre ele e a garota.Para ele, o que ocorreu, tinha sido uma relação denamoro, e não uma relação “comercial“. Acreditamosque todo esse sofrimento poderia ter sido evitado seo rapaz não tivesse sido exposto a essa situação.Quanto às famílias das pessoas do sexo feminino,portadoras de TID , não conhecemos nenhum relatodo desejo delas introduzirem suas respectivas moçasnuma vida de atividade sexual plena . Apesar de nuncatermos tido contato com tais situações, acreditamosque possam existir famílias mais liberais, que tenhamtomado estas atitudes . Todavia , é importante ressaltarque muitas das nossas atitudes com relação àsatividades sexuais de indivíduos excepcionais ,podemestar carregadas de preconceitos morais e religiosos,além do medo de suas conseqüências. Todos essesproblemas ligados à sexualidade devem ser avaliadoscom o máximo de isenção possível, tendo-se comometa principal, proporcionar aos portadores de TID, amelhor qualidade de vida que pudermos . Para isso,devemos considerar , todas as potencialidades elimitações de cada indivíduo em particular, pois ummanejo ou solução de um determinado problema,que funcionou com uma ou algumas pessoas, nãonecessariamente servirá a todas. Mesmo assim, aexperiência tem mostrado que, ao invés de tentarproporcionar um relacionamento sexual, artificial(pago) entre duas pessoas , seria melhor ensina-los ase auto satisfazerem sexualmente .Entretanto , se um

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

relacionamento sexual surgir naturalmente entre ospróprios TIDs, não haveria problemas, desde que issoocorresse dentro de um contexto socialmenteadequado e se ambas as famílias estivessem de acordo, tomando as devidas precauções , principalmenteem relação aos métodos anticoncepcionais e doençassexualmente transmissíveis .

MOLESTAÇÃO

A molestação sexual é a maior preocupação dospais dos portadores de TID. De modo geral as famíliastemem que as meninas ou moças sejam molestadaspor pessoas do sexo oposto, e que os meninos ourapazes sejam molestados por pessoas do mesmosexo(Ruble&Dalrymple, 1993). Haracopos e Pedersen(1992) relatam que, das 27 mulheres autistas que com-punham a amostra de sua pesquisa, apenas uma delasteve relações sexuais com um rapaz normal. SegundoPhyllis Percy (sd 2) as portadoras de síndrome de Rett,quando estão sofrendo agressão ou abuso sexual, po-dem passar a apresentar alguns sintomas, tais como:masturbação excessiva, esfregar-se e soltar pequenosgritos excessivamente, afastamento, freqüentes infec-ções genitais, perda de apetite, agitação, irritabilidadee agressividade. Acreditamos que alguns desses si-nais de uma possível molestação, também, devamestar presentes nas meninas e moças, que compõemas outras categorias diagnósticas dos TID .

GRAVIDEZ

Apesar de a gravidez ser uma possibilidadeaparentemente muito remota entre os TIDs, parece-nos um tópico importante a ser abordado, mesmoque, para a maioria das famílias dessas moças, essasituação pareça ser uma realidade muito distante , coma qual nem precisariam se preocupar. Embora agravidez seja um fenômeno raro entre as portadorasde TID, há pelo menos um caso na literatura, descritopor Engerstrom (sd) uma médica sueca, sobre umamulher de 26 anos, portadora da síndrome de Rett,que deu à luz a uma menina em julho de 1989. Essamulher foi estuprada por um integrante da equipetécnica da residência abrigada, onde ela vivia. Sepensarmos na vulnerabilidade dessas meninas e moçasque, na sua maioria, não teriam consciência clara deestarem sendo molestadas sexualmente e mesmo quea tivessem , seria muito difícil, ou não teriam condiçõesde identificar e denunciar o agressor, concluiremosque elas são presas fáceis, para muitos indivíduosperversos (muitas vezes ,parentes ou pessoas próximasda vítima e da família, como no caso citado), queaparentam ser pessoas plenamente normais.

MÉTODOS ANTICONCEPCIONAIS

Os métodos anticoncepcionais mais comuns, taiscomo; preservativos, tanto masculinos quantofemininos, bem como as pílulas e diafragmas, não

seriam recomendáveis aos portadores de TID, porquealguns demandam um certo controle sobre a própriaimpulsividade, e outros como a pílula demandamdisciplina diária. Tanto para o rapaz quanto para amoça, existem soluções radicais como a vasectomiae histerectomia respectivamente . Porém, atualmenteexistem soluções mais simples e menos invasivas,principalmente para as moças ,tais como: a Depo-provera e Tricilon, que são injeções de hormônio, quedevem ser aplicadas a cada três meses, além disso70% das mulheres têm a menstruação suspensadepois de um ano. Uma outra possibilidade é aMirena, trata-se de método similar ao DIU (dispositivointra-uterino) . Esse novo dispositivo tem a forma deT, e é colocado no colo do útero, ele faz com que,aproximadamente 50% das mulheres deixem demenstruar ao longo dos seis primeiros meses de uso.Esse contraceptivo tem validade de cinco anos, comocolocam Petta, Bahamondes e Siervo Neto, citadospor Pastore (2001). Essas medidas, se tomadas,poderiam resolver dois problemas : o da menstruação,nos casos de falta de autonomia em relação aoscuidados pessoais, e também os casos de gravideznão desejada. É evidente, que todas essas sugestõesdevem ser discutidas com o ginecologista (ouurologista para os rapazes), é ele que vai examinar apaciente, e discutir com a família o procedimentomais adequado para cada caso.

LIMITAÇÕES CLINICAS

Nessas quase duas décadas de trabalho clínico einstitucional, deparamo-nos com vários problemasligados à conduta sexual dos portadores de TID, emque utilizamos algumas abordagens terapêuticas(ambientoterapicas e técnicas comportamentais)pararesolvê-los ou minimizá-los. Não obstante, para umaparcela significativa deles, não obtivemos sucesso.Em casos mais complicados tivemos que solicitar aajuda de psiquiatras e neurologistas, introduzindotratamentos medicamentosos, para minimizar oueliminar tais problemas. Ainda assim, obtivemos êxitoem apenas alguns casos, e na maioria delesresolvíamos um problema e criávamos outros,principalmente com relação aos efeitos colaterais decertos medicamentos psiquiátricos. Portanto,lamentamos não poder fornecer todas as respostas esoluções para esses problemas.

CONCLUSÃOA partir de todos os dados expostos, podemos

concluir que os indivíduos portadores de TID, além deapresentarem condutas sexuais socialmenteinadequadas, algumas delas estranhas e bizarras,também são incapazes, ou têm dificuldades enormesde estabelecerem um contato ou relacionamento sexuale afetivo com qualquer outro indivíduo. Isso ocorregeralmente não por falta de desejo , mas pela inabilidadepara conduzir tal contato de forma satisfatória.

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Pelo menos numa das categorias diagnósticasdos TID, esse fato foi demonstrado através de doisgrandes estudos catamnésicos com 159 autistasadultos, onde se constatou que não houve nenhumcasamento e nenhum relacionamento íntimo entreeles, somente alguns casos de amizade ( Kanner1972). Além disso , em relação à síndrome de Rett ,também não há registros ou observações , queevidenciem algum tipo desejo sexual ou amorosodirecionado a outras pessoas , o que geralmenteocorre com essas meninas e moças , é a autoestimulação .

Endereço para CorrespondênciaAL. dos Tupiniquins No 1211, Apartamento 44, Cep:04077-003, Moema, São Paulo - SP.email. [email protected]

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CAPÍTULO XVI

ASPECTOS FAMILIARES DOPORTADOR DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

Prof. Dra. Maria Helena Siqueira Sprovieri

O estudo da dinâmica familiar, exerce umfascínio sobre a autora, tornando-se um desafio, aolongo da minha vida profissional. A complexidadedas relações familiares é reveladora das mais esignificativas características da personalidade humanae, portanto tema de estudo e pesquisa. O estudo dasfamílias cujos filhos apresentam transtornos no seudesenvolvimento, é foco de interesse no meutrabalho como terapeuta familiar.

A doença orgânica infantil, traz diferentes formasde reações familiares, conforme confirma a literaturanos trabalhos de Konstantareas & Homatidis (1991).Enquanto, os estudos de Powell et al.(1992)enfatizam a importância de variáveis como estresse,aspectos financeiros, relação conjugal, alteraçõesemocionais e quadros depressivos que disfuncionamas famílias, dificultando inclusive o encaminhamentode questões relativas á diagnostico e ao tratamento.

As teorias mais recentes valorizam dimensõesbiológicas e físicas do organismo e do ambiente, alémde características psicossociais do sistema familiar,vistas e valorizadas em vários grupos profissionais,como o de Bell (1979), cujo ponto de vista deve ser

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

considerado quando se trabalha essas famílias. Esseponto de vista é também confirmado por Kato (1994)em recente trabalho de pesquisa realizado em nossomeio, quando conclui: o contexto tem importânciaá partir do diagnóstico.

Há evidências suficientes comprovando que osistema familiar deve ser considerado como unidadede cuidados profissionais em seu sentido mais amplo,segundo afirmam Assumpção & Sprovieri (1991), queanalisam as mudanças no trabalho da equipemultidisciplinar, em clínica de psiquiatria infantil eda adolescência.

As reações iniciais dos pais passa a ser vista emsua forma ampliada por estudiosos que exploram aexistência do sistema familiar disfuncional efuncional, e buscam tratamento clínico visando arestabelecer o estado de equilíbrio e saúde, comorelatam Konstantareas & Homatidis(1991).

Os teóricos em sistemas familiares entre eles:Minuchin (1982), Packman (1988), e Sluzky (1991,enfatizam as influências cruzadas do sistema familiarcomo exercendo poderosa ação em seus elementos.Mudanças, por menores que sejam, em qualquer partedo sistema familiar, afetam sua totalidade e demandamanobras de adaptação para viver um novo estadode equilíbrio dinâmico. O nosso trabalho clínico comessas famílias confirmam as influências cruzadasassim como nossas pesquisas, Sprovieri, (1988)

A família representa, a matriz de identidade doindivíduo, o sistema nucleador de experiências doser humano, responsável pelo crescimento e pelosníveis de desempenho ou falha. Portanto, constitui aunidade básica de doença ou de saúde, segundoAckerman(1986).

A família do portador de transtornos invasivosdo desenvolvimento tem sido objeto de algunsestudos, entre eles os de Cohen & Warren (1985),Trute (1988), cujo objetivo se prende á melhor formade compreender o sistema relacional para ajudá-lo asuperar os problemas de inter-relacionamento ou,ainda, para facilitar a convivência.

Pesquisadores, como Fisman & Wolf (1991)acompanham as mudanças no sistema familiarquanto á estruturação da unidade familiar,principalmente no que se refere ao desempenho depapéis e efeitos psicológicos sobre os pais de criançascom transtorno de desenvolvimento, revisando ediscutindo novas descobertas em seu trabalho comessas famílias á luz da nova visão dos profissionaisque trabalham em psiquiatria.

Após a década de 1960, com os primeiros trabalhosde terapia familiar de Bateson (1971), é explicitada a teoriada comunicação com ênfase na importância das relaçõescomplementares em famílias de pacientes psiquiátricos.A comunicação patológica entre dois ou mais elementosdo grupo familiar pode leva-los a adoecer.

Na mesma linha de pesquisa, Minuchin (1975),desenvolve um modelo de funcionamento familiar,

usado para identificar os efeitos da doença crônica,de um dos elementos na família como um todo. Esseestudo refere-se ás crianças asmáticas e anoréticas.

Estudando apenas pais de crianças comtranstorno de desenvolvimento e usando grupo decontrole assintomático, De Meyer (1979), refere-seextensivamente á condição de mães da amostrapesquisada. Elas eram as únicas em quatro grupos depais a terem elevados escores de depressão na escalaMMPI. Seu estudo inferiu que a idade das criançasafetava o grau de estresse, e as mais velhas foramobservadas como as mais estressantes. Outrostrabalhos, entre eles o de Marcus (1987), parecempontuar que pais de crianças com transtornos dedesenvolvimento, são mais sujeitos a quadrosdepressivos. Aqui os pais são atentos e influenciadospor características inerentes ao problema de seusfilhos ( aspecto físico, agitação, balanceio de corpo)apontadas por eles, como fatores que desgastam arelação do dia a dia. Portanto, é evidente que ascaracterísticas de uma criança-problema causamimpacto negativo em seus pais e familiares.

Devemos colocar que os problemas de umacriança com transtornos invasivos dodesenvolvimento, não é só dela mas da família, escola,comunidade e sociedade que com ela interagem aolongo do desenvolvimento.

Os padrões de relacionamento interpessoal esocial dessas famílias é disfuncional e contribuempara a redução na competência para cuidar da criança,conforme afirma Cummings et al. (1966).

O ciclo vital dos pais é profundamente afetadoem função dos atributos de seus filhos. A condiçãode pais propicia aos adultos oportunidades deenriquecimento de suas identidades, ensejando aafirmação concreta de sua capacidade de gerar, porcrescente nível de auto-conhecimento propiciadopela vivência dos papéis parentais, aproximação deseus ideais e possibilidade de acompanhar odesenvolvimento de sua prole, o que proporcionagratificações afetivas imediatas, ao lado de amplagama de dificuldades e dilemas observados quandoocorre um fato inesperado como a doença infantillimitante.

Dessa maneira, vicissitudes da paternidade ematernidade são reconhecidas por Kazak (1987),como um conjunto de influências muito poderososobre a sua personalidade durante o seu ciclo vital, etambém no ciclo vital da família uma vez que essescaminham junto. Tais mudanças influenciam a inter-relação dos pais com seus filhos, definindo os padrõesinteracionais. Foi encontrada ao longo do ciclo vitalda família uma auto culpa materna não comprovadapela limitação e a definição, por parte da mãe, sobreo fato, de uma catástrofe familiar. Tal fato éconfirmado em nossa experiência profissional notrabalho clínico com essas famílias.

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3º Milênio

Autores como Parke (1981), e Mash (1984),elaboram trabalhos nos quais comentamexcessivamente a depressão reativa de muitos pais decrianças incapazes. De fato, baixo autoconceito temsido relatado para caracterizar a auto-apreciação demuitos excepcionais, independentemente da relaçãocom uma prévia psicopatologia. Evidentemente nemtodos os estudos relatam menor autoconceito dos paisdas crianças com problemas do que os normais.

O nascimento de uma criança diferente é oponto significativo do estudo de Rutter, citado porKonstantareas (1991), o qual refere o grau deresponsabilidade que os pais se atribuem ou os eventosexternos a eles que não podem controlar. Aplicandoquestionários, encontrou que um fator externo foiassociado ao maior estresse nas mães de criançasincapazes de aprender, mas somente quandoprovinham de alto nível sócio econômico, resultadonão-óbvio. As influências atribuídas ao estresseparecem complexas e permanecem inexploradas emdiferentes populações de crianças e pais. A atribuiçãode eventos externos ultrapassa o controle pessoal dospais e implica a tendência geral de sentirem impotênciacom relação aos fatos da vida.

A partir desses dados, pode-se considerar que ostranstornos invasivos do desenvolvimento trazconsequências aos familiares e portanto, problemasna dinâmica familiar dos pais de seus portadores,uma vez que a sua educação e seu processo desocialização cabe á família independentemente deprocessos de habilitação e tratamento. Sendo ostranstornos invasivos do desenvolvimento umadoença crônica, exige da família uma série demudanças no seu dia a dia para absorver em suadinâmica um elemento com tal limitação.

As leituras realizadas, justificam nossa preocupaçãoem chegar á compreensão do que se denomina família.O conceito é importante pois é nesse grupo específicoque se estrutura o nosso trabalho, ao estudar e pesquisaros padrões interacionais frente aos transtornos invasivosdo desenvolviemtnto.

De acordo com Da Matta (1987), “uma reflexãomais crítica sobre a família permite descobrir que entrenós, ela não é apenas uma instituição social capaz deser individualizada, mas constitui também e éprincipalmente um valor”. Assim, a família é um gruposocial, bem como uma rede de relações. Funda-se nagenealogia e nos elos jurídicos, mas também se fazna convivência social intensa e longa. É um dado defato da existência social e também constitui um valor,um ponto do sistema para o qual tudo deve tender.

Famílias são estudadas nos vários segmentos daciência em diferentes dimensões espaço-temporaise, possivelmente, nenhum estudo esgotará o assuntoou fornecerá respostas para todos os questionamentos.

Para efeito de nosso estudo e trabalho, embasou-se na definição de família de Wynne (1984), centradana prática da terapia familiar, que é o nosso interesseao falarmos de aspectos familiares das crianças comtranstornos invasivos do desenvolvimento. Para o

autor, a constelação familiar disponível, para umaterapia familiar exploratória, é aquela em que, entreos seus elementos, há uma ordem de relaçõescontínuas e significativas emocionalmente, e donosso ponto de vista é nesse contexto que atuamos.

Pôster (1981), argumenta que uma teoria sobrefamília deve levar em consideração sua análise nonível psicológico, no nível da vida diária e, em últimona relação entre família e sociedade. A família recebeda sociedade a incumbência de educar filhos parasatisfazer a sociedade em que está inserida. Asociedade exige dos elementos do grupo familiarcompetência para agir em sociedade.

A terapia familiar pensa nas relações do grupofamiliar, segundo a teoria de sistemas, pode-se dizerque , nele, o comportamento de cada um doselementos é independente do comportamento dosoutros. O grupo familiar pode, então, ser visto comoum conjunto que funciona como totalidade e no qualas particularidades dos membros não bastam paraexplicar o comportamento dos demais. Assim, aanálise de uma família não é a somatória das análisesde seus elementos individuais. Os sistemasinterpessoais, como a família, podem ser encaradoscomo circuitos de retroalimentação, dado que ocomportamento de cada pessoa afeta e é afetadopelo comportamento de cada uma das outras pessoas.

No sistema familiar tal fato significa que cadamembro do sistema influência os outros, sendo aomesmo tempo influenciado. Essas influênciasmútuas são o cotidiano da vida familiar. As desordensdo desenvolvimento da criança afetam a família emmuitos aspectos, incluíndo canais de relação com ossistemas com os quais se relaciona circularmente.

Assim, nesse capítulo, pretende-se verificar osefeitos dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimentodas crianças nos pais e em suas relações. Também,entendê-lo do ponto de vista do contexto da famíliacomo experiência pertinente ao grupo familiar,considerando-a um sistema que se inter-relacionacom sistemas mais amplos da comunidade, dasociedade e da cultura

O diagnóstico de um filho com transtornoinvasivo do desenvolvimento é visto como ummomento de crise e de luto, posto que ocorre umdesequilíbrio entre o ajustamento necessário e osrecursos imediatamente disponíveis para lidar com oproblema. O impacto da doença do filho sobre ospais provoca uma demanda sistêmica de ordememocional na família e relacional, além daquilo que amesma pode dar conta, sem que seja preciso recorrerá ajuda externa, relata Knobell (1986). Portanto odesequilíbrio desse e de outros momentos no ciclovital da família vêm da necessidade de continuardesempenhando os diversos papéis, com a sobrecargado problema da criança com transtorno invasivo dodesenvolvimento, as necessidades e reações dosdemais elementos da família, agravados pelas reaçõespróprias á sintomatologia do sentimento de perdaindividual e familiar.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

A reorganização familiar só poderá se dar após asuperação do momento crítico, que não tem tempodefinido, pois depende de cada caso e de como afamília reage a tais situações, as quais em si só,dificultam a mudança adaptativa á situação problema.

Para conviver com a sua nova realidade a famílianecessita rearranjar o sistema familiar e, comoconsequência, construir um novo nível de equilíbrio.Assim, é importante considerar que esse impacto nãoé somente imediato á descoberta do problema, maspode ser identificado em outros momentos do ciclovital do indivíduo e da família em diferentescomportamentos ou formas de reações, comopoderemos verificar mais adiante.

Portanto, ao se avaliar o funcionamento familiara partir das mais diversas queixas, é necessário pensarclinicamente sobre elas, analisando a possibilidadede serem manifestações atuais ou de problemasanteriores não resolvidos, que tomam nova formadiante de um paciente definido como problemático.

O impacto de uma doença como os transtornosinvasivos do desenvolvimento - que altera o ritmo dedesenvolvimento do indivíduo é visto como luto emvários autores, como Walsh (1988) e McGoldrick(1991). Os pais anseiam pela criança perfeita, queseja saudável, vigorosa, esperta e cheia de energia, osuficiente para efetivar os seus sonhos. Quando umacriança nasce com alguma inabilidade, esses sonhose fantasias podem morrer de forma dolorosa. Raphael(1983) e Bynghall (1991) mostram em prática clínica,várias evidências a esse respeito ao considerarem afamília como realidade social e não soma derealidades individuais.

As variáveis que se interpenetram envolvemproblemas em diferentes escalas: dificuldades nodesempenho de papéis familiares e não familiares,sintomas físicos decorrentes do sofrimento a quesão expostos, casos de insônia, depressão e cefaléia,falta de um contexto para a expressão de culpa e deraiva. Essas são evidências dos sentimentos quepermeiam as inter-relações familiares frente asestratégias de enfrentamento a uma doença infantilcrônica ou de condição limitante dela decorrente.

Bowlby,(1985) demonstra que um indivíduo(adulto ou criança ) ao sentir segurança tem menorpredisposição a ansiedade e medos crônicos ouagudos do que indivíduos insegurosemocionalmente. A possibilidade de a criança tornar-se mais independente e enfrentar o mundo surge dacrença inconsciente de que pode se afastar porquetem para onde voltar e, em caso de necessidade, comquem contar. A criança torna-se ansiosa e inseguraquando adultos não lhe proporcionam a necessáriasegurança . A criança com transtornos invasivos dodesenvolvimento tem um desenvolvimento lento elimitado devido á suas condições pessoais e tambémesse processo é afetado pelas reações familiares.

Assim, a relação mãe-criança ou pai-criançanão ocorre num vácuo, mas interage com todos oselementos e subsistemas do sistema familiar mais

amplo. Este por sua vez, é afetado por representaçõesmentais construídas no passado, ou seja, por famíliasde origem e história de vida dos progenitores dacriança. É afetado também em representaçõesmentais sobre o futuro. A qualidade do cuidadoparental oferecido a uma criança é influenciado aindaem inúmeras variáveis externas á família ( a situaçãosocio-econômica e cultural), assim como internasao sistema ( qualidade da relação conjugal). Da mesmamaneira, as características de uma criança doenteatuam sobre os demais elementos da família.

Em nossa experiência clínica constatou-se quefamílias incapazes de expressar sentimentos, pormedo de fragilizar elementos do grupo ou pelaspróprias dificuldades frente ao problema, formamsintomas. Tais sentimentos, devem ser explicitadosno âmbito familiar, para que possam adquirir novosignificado e, se possível, serem elaborados. Aterapêutica com a família pode facilitar a convivênciacom a realidade de pais e irmãos de uma criança comtranstornos invasivos do desenvolvimento. A reaçãodo pai ou da mãe tem extrema importância, poispermite ou não a criança a possibilidade de lidar comsua realidade, mesmo em condições limitantes. Ospais deprimidos frente a situação problemática, nãopodem cuidar dos filhos não problemáticos damesma forma que faziam antes. Tentam esconder asua tristeza, por achar que, para esses filhos é umacarga muito pesada. Esclarece-se que essa dinâmica,independentemente do caminho tomado, é alteradae interfere nas inter-relações do grupo. Assim, osirmãos da criança com transtornos invasivos dodesenvolvimento podem sofrer problemas emconsequência dos conflitos emocionais de seus pais.A infelicidade silenciosa traz mais problemas para onúcleo familiar do que a expressão aberta dos própriossentimentos. Se for possível estabelecer umaatmosfera de permissão para a expressão da dor edas dificuldades do cotidiano, pode-se estartrabalhando para o equilíbrio da família. Aflexibilidade da família ajuda a lidar com a dor efavorece a realização de tarefas necessárias aadaptação da criança com transtornos invasivos dodesenvolvimento.

As famílias quando passam por essa experiênciaao longo do ciclo vital, tornam-se mais vulneráveis aproblemas em sua dinâmica. Bromberg (1994)grande estudiosa dos efeitos do luto em famílias edas variáveis em sua dinâmica, recomenda que sejamtraçados padrões de adaptação à perda, como partede uma rotina de avaliação do funcionamentofamiliar. As famílias com crianças atípicas têmmaiores dificuldades de adaptação ao longo do ciclovital. Sua avaliação também mostra limites pelopróprio desgaste a que se submetem na busca desolução para o seu problema.

Gofman (1981) observou através de pesquisaque a posição ocupada na sociedade pelas pessoas epelas famílias com algum tipo de limitação ésemelhante a de grupos étnicos menos privilegiados

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e á de grupos religiosos minoritários, cuja limitaçãoafasta as minorias de diversas vias de competição.Segundo Gofman (1981) é próprio do estigmadifundir-se do indivíduo estigmatizado para seusrelacionamentos próximos. Portanto a família dacriança com transtornos invasivos dodesenvolvimento ocupa uma posição inferior á aquelade que desfrutava anteriormente. As famílias comum elemento limitado tendem a experimentar umsentimento de serem diferentes de outras famílias,de estarem alienadas de um universo de experiênciasnormais, Kato, (1994) As relações sociais dessasfamílias ficam embaraçosas e se reduzem, podendoaté levar a uma ruptura.

Essas famílias sofrem restrições em todos ossetores da vida. Famílias com tendência áinstabilidade emocional, quando descobrem umaimperfeição mais grave em algum dos seus filhos -caso dos transtornos invasivos do desenvolvimento -tendem a entrar em crise permanente. A família tema tarefa de educar, sustentar, proteger e socializar oselementos do grupo, sendo responsável pelaprodutividade desses. A família constitui umainstituição social, conforme o já exposto, que buscaentender a interação e a dinâmica frente aos problemasde desenvolvimento uma vez que esses trazem limitesaos portadores, interferindo na sua posição social eno seu estilo de vida, seus relacionamentos internose vínculos com o mundo externo.

O transtorno invasivo do desenvolvimentocompromete seriamente o grupo familiar quandoesse passa a viver com o problema. As relaçõesfamiliares são naturalmente afetadas quando umelemento do grupo apresenta uma doença, explicaShapiro( 1976). As limitações vivenciadas frente ádoença levam a família a experimentar alguns tiposde limitação permanente, os quais são percebidos nacapacidade adaptativa ao longo do desenvolvimentoda vida familiar. Os pais de crianças com transtornoinvasivo do desenvolvimento, apresentamsentimentos de desvalia por terem sido escolhidospara viver essa experiência dolorosa, segundo afirmaKrynski(1969).

Segundo Bowlby (1985), o estabelecimento dainteração familiar entre a criança com transtorno dedesenvolvimento e sua família se faz em termos decarência afetiva. Refere á expressões deressentimento, irritação e raiva como emergênciaspossíveis, alusivas tanto á punição quanto ás atitudesde ignorar o filho problema.

Para Cummings ( 1976), ter um filho problema éuma experiência de estresse psicológico para a mãe,sendo que ela claramente obtém menor prazer em serelacionar com a criança quando apresenta atraso dedesenvolvimento com relação a seus filhos normais.Apresenta relações ansiógenas e depressivas,moduladas com sentimentos de hostilidade, tantocom relação á criança quanto com relação aosdemais elementos do grupo familiar.

O transtorno invasivo do desenvolvimento leva

o contexto familiar a viver rupturas ao interrompersuas atividades sociais normais, transformando oclima emocional no interior e no exterior. A famíliase une á disfunção de sua criança, sendo tal fatordeterminante no início de sua adaptação. Osesforços do terapeuta deveriam ser direcionadosna ajuda á família, interpretando melhor asdificuldades da criança.

Diante da mudança vivida em seu ciclo vital afamília deve se reorganizar para cuidar da suacriança com transtorno invasivo dodesenvolvimento. As famílias, em geral, não estãopreparadas em múltiplos aspectos para enfrentar asua função de educar, e ficam mais comprometidosao enfrentar a experiência de educar crianças comproblema.

Yarrow e seus colaboradores(1985) relatamque as relações familiares são afetadas com apresença de uma criança com transtorno invasivodo desenvolvimento. A comunicação conjugaltorna-se confusa e, nela, aparece uma cargaagressiva. Os papéis tem funções trocadas emfunção das exigências do paciente, as regras nessasfamílias giram em torno do paciente.

Bowen (1978) estudou padrões familiaresrelativos a doença emocional e verificou que osmesmos padrões ocorrem em doenças crônicas,incluindo disfunções sociais. Referiu que montanteconsiderável de tensão é suficiente para tornar umafamília disfuncional.

Vieira (1983) ressalta a importância de umposicionamento pautado pela aceitação realísticada situação: aprender a conviver com um filholimitado e limitante; o medo passa a ser uma emoçãocomum aos pais de uma criança problema; juntocom o medo vem a incerteza; com relação á criança,ao seu problema e ao seu prognóstico, há reaçõesdas pessoas ao terapeuta e a criança, ; incertezas emrelação ao futuro.

Os seres humanos têm algumas alternativaspara superar dificuldades. Podem entrar em contatocom problemas e sentimentos, aceitá-los etrabalhar com essa realidade. No entanto, podemnegar sua existência e excluí-los da sua vivência.Pela última opção, reprimem os sentimentos emantêm a situação sob controle.

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimentoem crianças e adolescentes adquirem suaverdadeira dimensão quando relacionados aosistema familiar, escolar, comunitário e social. Essapopulação como tentamos caracterizar gera crisesfamiliares, em especial quando seus pais nãoconseguem lidar com seus filhos, a cada faseevolutiva. Muitas vezes esses nos procuramdesiludidos com o tempo e os gastos investidosem tratamentos multidisciplinares, queixam-se dadificuldade em entender o problema e lidar com ofilho. Em minha experiência clínica, observo queas famílias apresentam figuras parentais quedesenvolvem quadros de alcoolismo, ou

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

transtornos emocionais severos se alienando doproblema, construíndo outros fatores de risco.

Assim o trabalho com essas famílias deve serpermanente ao longo do ciclo vital da criança e dafamília principalmente nas fases de transição. Aproposta terapêutica visa diminuir a dor da famíliasensibilizando-a para o tratamento.

A vida do ser humano se passa em família e emgrupo, pois ele é um ser social. A experiência de viverem grupo inicia-se na família que faz os indivíduossentirem a vida, e esse ângulo é determinado por umainstância social que dá conteúdo aos grupos aos quaispertencem e reunir indivíduos em grupos é umanecessidade social. Essa necessidade de atuarsocialmente para uma família com um elemento comtranstorno invasivo do desenvolvimento há limitesem virtude de seus déficits, que interferem em seudesempenho e capacidade adaptativa. Assim essasfamílias interropem suas atividades sociais normais,transformando o clima emocional no interior e noexterior.

Os esforços dos terapeutas deveriam serdirecionados na ajuda á família, interpretando melhoras dificuldades da criança a cada momento evolutivoA aproximação psico-educacional e a intervençãotem sido o nosso modelo para assistir famílias comesse tipo de problema, tentando facilitar a adaptaçãono contexto social dentro de sua realidade.

Ao realizar uma explicação do diagnóstico deforma realista, observo que as ansiedadesconfusionais já existentes aumentam. Os sentimentosde frustração, angústia, raiva, depressão e culpaaparecem. Os sentimentos de vergonha e deincompetência como pais são mobilizados nosmesmos, devido a culpa, estão presentes manejoseducativos inadequados tais como a superproteçãoou a rejeição Estas observações são comuns a muitasfamílias, colocados para ilustrar o sentido do trabalhocom as famílias.

Ao perceber o sistema familiar em dificuldade,iniciamos o tratamento, e esse consiste em tomaratitudes terapêuticas com a família, que comofalamos largamente faz parte do contexto da doença.O trabalho com essas famílias tem como proposta:facilitar o desenvolvimento do doente e de seu grupo,minimizar as dificuldades, muitas vezes intensificadascom fatores emocionais. A intervenção terapêutica ésempre recomendada para prevenção de maisproblemas. Do ponto de vista global, o fatorimportante a ser considerado é que esse pacientemodifica os demais integrantes do sistema relacionalfamiliar. Reforçamos esse ponto de vista para facilitara compreensão do ponto de vista do terapeuta defamília, num enfoque sistêmico.

A continuidade e a descontinuidade do desen-volvimento, da criança com transtorno invasivo dodesenvolvimento, num enfoque sistêmico, decorremtambém de uma constelação de fenômenos sociais,biológicos, psicológicos, pedagógicos e familiares.Tais fenômenos só adquirem o seu pleno sentido quan-

do referidos á história de cada criança, considerandoas múltiplas interações e os conflitos que marcamessa história.

Ao trabalhar com famílias, observamos asesperanças e as desesperanças de seus elementos,bem como os movimentos ascendentes edescententes do grupo familiar frente as pressões doregulador social. A sociedade atual é competitiva epragmática exigindo dos elementos segurança erealização pessoal sendo esses comandados por umprincípio de rendimento. Os pais como responsáveispela manutenção dos filhos sentem-se estressadospelas necessidades de consumo, e mais pesadoquando tem que investir na educação de uma criançaque não dará retorno.

Uma vez debelada a crise inicial tento umtrabalho de reorganizar a família- segundo idéias deKomblit (1984), fazendo intervenções com o grupotodo, no entanto respeitando o ritmo de cada grupo.Os elementos do grupo estarão presentes de acordocom suas possibilidades. O trabalho visa através deuma terapia breve, possibilitar a família quanto a:1- estimular a auto- afirmação de cada elemento da família;2- estimular a vida social do paciente e da família;3- regular a auto-estima dos pais decorrente do

sentimento de perda e do sentimento deincompetência;

4- estimular a atenção a todos os filhos, devido aossentimentos de abandono gerado peloinvestimento no paciente;

5- trabalhar a culpa dos irmãos;6- evitar a reorganização familiar em torno do

paciente;7- ajudar na elaboração dos sentimentos de perda

representados pelo fracasso de ter um filho comtranstorno de desenvolvimento;

8- enfatizar aspectos sadios da família e do paciente,evitando a “entronização” como base da vida;

9- criar solicitações ambientais de acordo com o níveldo paciente;

10- auxiliar no plano de tratamento e mobilizarrecursos da comunidade; no sentido de inserir opaciente em instituição especializada;O espaço terapêutico é um lugar onde as

angústias podem ser ventiladas, onde vejo todos oselementos do grupo, tentando dar a cada um deles aoportunidade de perceber o seu contexto. Asdificuldades especiais de um dos filhos comassiduidade o coloca na posição alvo de preocupaçãodos pais, e facilmente podem torná-lo o depositáriode outros problemas familiares.

A família é um sistema dinâmico no tempo, devese reestruturar na medida em que seus filhos crescem,a fim de manejar adequadamente as crises normativasao longo do processo de desenvolvimento dos filhos.Quando as famílias não crescem, e isto pode ocorrerem função do filho com transtorno invasivo dodesenvolvimento, encontramos pautas de comunicaçãodisfuncional, dificuldades quanto a colocação de limites,e limites interpessoais difusos, regras pouco claras para o

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grupo. Assim sendo esta família não favorece mudanças.,face as demandas internas e externas ao grupo familiar.No grupo essa família não favorece o trabalho, e processapouco as atitudes terapêuticas.

Ao termino desse capítulo, considero necessárioressaltar que as questões que envolvem as dificulda-des da família em lidar com seus filhos com transtor-nos invasivos do desenvolvimento, na medida queafetam o comportamento da família, mudando ocurso de seu ciclo vital com consequências negati-vas, que devem ser avaliadas com extremo cuidado,para que possa ser delineada a intervenção terapêuti-ca necessária. Para isso, no entanto, é fundamentalque exista uma atitude em relação ao problema, en-tendido nesse caso como fator precipitador de difi-culdades sérias no funcionamento familiar e de rea-ções individuais que afetam vários âmbitos, como orelacional, o cognitivo, o educacional.

Espero que essas reflexões possam contribuir comos pais e profissionais da área para a importância dadinâmica familiar no estudo de casos de crianças comtranstornos de desenvolvimento e suasconsequências, um tema árduo mas que pode pro-vocar mudanças no sentido de uma melhor qualida-de de vida dessa população e suas famílias.

Naturalmente, esta reflexão não esgota tema tãoamplo, nem é esse o propósito. Mas ao alertar para umacriteriosa utilização de etapas de trabalho terapêutico,apresento uma possibilidade que poderá nortear otrabalho terapêutico, dando mais suporte as famílias.

As famílias disfuncionais, são mais rígidas edevem ter um trabalho mais aberto, pois essas famíliastendem a desconsiderar a possibilidade detransformação, ficando apenas com o aspecto derepetição de condutas inadequadas, portanto demanutenção do estabelecido.

A intervenção sistêmica usada pelo terapeutafamiliar ressalta a importância de o terapeuta serconsiderado um elemento pertencente ao sistema.Dessa forma, ao terapeuta não basta dominar a técnica,é preciso que tenha elaborado suas questões pessoais,não para obter neutralidade ou imparcialidade porquealém de utópicas seriam até mesmo empobrecedorasdo processo terapêutico que com essas famílias, pareceocorrer ao longo da vida. e envolve toda uma equipe deprofissionais. Importante é que técnicos, família, escola,comunidade e sociedade estejam presentes nesseprocesso, mantendo conceitos básicos: objetivosrealistas, experiências positivas, apoio integral, eencorajamento. Assim podemos manter a esperançade estarmos no caminho do crescimento.

Endereço para CorrespondênciaRua Otonis 697, Bairro Vila Mariana, Cep: 04025-002,São Paulo - SP.

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CAPÍTULO XVII

O QUE É NEUROPSICOLOGIA

Rosana Soares de Melo Lima

Neuropsicologia é uma ciência que se dedica aestudar a expressão comportamental e cognitiva nasdisfunções ou lesões cerebrais (Lezak, 1983). Analisaas relações entre comportamento, cognição e ofuncionamento do sistema nervoso tanto emcondições normais quanto patológicas . Após a guerrasurge a necessidade de diagnosticar e “mapear”danos cerebrais de soldados e a necessidade dereabilitação. Origina-se então uma demanda crescentepor programas neuropsicológicos.

O termo neuropsicologia surge no início doséculo XX com Willian Osler (1913). Mas seu maiordesenvolvimento ocorre em meados da década de40. A neuropsicologia moderna, pode-se considerarentão, começa com Hebb (1949), Lashley (1960) eLuria (1966) e desenvolve-se a partir da convergênciada neurologia e da psicologia (principalmente apsicologia psicométrica) nos estudos dos efeitoscomportamentais resultantes das lesão cerebrais.

Seus conceitos básicos foram modificando-se àmedida que surgiam novos conhecimentos sobre ofuncionamento cerebral como as funções e suaslocalizações. No início havia o predomínio de umanoção localizacionista, isto é: qual função édesempenhada por qual área do córtex cerebral?Desta maneira vários “mapas funcionais” foramdesenhados.

No entanto ao longo do tempo este modelolocalizacionista mostrou-se insuficiente para explicarporquê determinadas lesões observadas clinicamentenão produziam perda de funções compatíveis eesperadas e porquê havia perda de determinadasfunções mesmo na ausência de diagnóstico clínicode lesão. Posteriormente foi desenvolvido o conceitode sistema funcional complexo por Luria e Vigotsky(Engelhardt e col, 1995) caracterizado pelacomplexidade de suas estruturas e pela mobilidade eplasticidade de suas partes. Não existe uma regiãoresponsável por apenas uma função isolada, e umadeterminada região pode estar envolvida em maisde um sistema funcional, e portanto em condiçõesde participar no desempenho de mais de uma tarefa(Luria, 1966, Hécaen, 1972).

A rápida evolução da neuropsicologia nosúltimos anos reflete a necessidade do clínico deidentificar, avaliar, estabelecer programas dereabilitação e acompanhar a evolução do tratamentode pacientes com danos cerebrais, danos estes quepodem ser herdados ou adquiridos , temporários oupermanentes, focais ou generalizados.

Os exames de neuroimagem (TomografiaComputadorizada, Ressonância Magnética, PET,

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SPECT, etc) evoluiram significativamente para possibilitaro diagnóstico de lesões cerebrais com maior precisão,mas não indicam que funções estão comprometidas equal a extensão deste comprometimento. Pequenaslesões podem não estar evidentes em um exame comum(como seqüelas por uso de álcool e drogas por exemplo).

A avaliação neuropsicológica possibilita evidenciaros sistemas neurais envolvidos, lateralidade cerebral,áreas preferências de lesão/ disfunção cerebral e outrosdados baseada em testes psicométricos, quantitativose qualitativos, que avaliam funções cognitivas,emocionais e comportamentais acrescentando muitoao que a neuroimagem revela.

A investigação neuropsicologica não deveria pararapenas no diagnóstico. É fundamental documentar ograu de recuperação ou de evolução para através derepetidos exames avaliar e desenvolver técnicas dereabilitação. Isto acontecerá considerando-se nãoapenas os distúrbios e fraquezas do indivíduo, mastambém suas potencialidades e forças que devem serexploradas durante o processo de reabilitação.

Os objetivos da avaliação neuropsicologica sãoportanto: identificar os déficits, sua gravidade,como eles estão afetando o comportamento doindivíduo e qual a extensão destecomprometimento. Além disso auxil iar noprognóstico da doença e no estabelecimento depossíveis programas de reabilitação cognitiva. Parafins legais é possível delinear o perfil cognitivo eprovável comprometimento de determinadopaciente (no caso de interdições, questões traba-lhistas, etc).

Resumindo, o exame neuropsicológicopossibilitaria esclarecer as seguintes questões:1. Qual o nível pré-mórbido do paciente?2. Qual o nível de comprometimento atual?3. Quais as funções preservadas?4. Quais as funções alteradas?5. Qual o prognóstico?

A avaliação neuropsicológica envolve asseguintes áreas:

Habilidade Intelectual e Acadêmica: Inteligênciaglobal, Cálculo simples e complexos, Leitura, Escrita,Raciocínio lógico formal, Abstração, Conhecimentosgerais.

Funções de Memória: Aquisição, retenção erecuperação. Memória de curto e longo prazo, detrabalho, retrógrada e anterógrada, episódica esemântica, implícita e explícita, verbal e visual

Funções Perceptivas: percepção visual, auditiva,cinestésica.

Funções Executivas: Planejamento, desenvolvi-mento de estratégias para um fim, seriação, classifi-cação, solução de problemas, auto-crítica, flexibili-dade, integração de detalhes, senso comum ( orien-tações em situações na vida diária), controle dos im-pulsos, iniciativa

Funções Verbais: Fala espontânea, repetição,

compreensão verbal, nomeação, vocabulário,fluência verbal

Praxias / Funções Motoras: Força, destreza,coordenação e velocidade, Capacidade deconstrução.

Orientação: Orientação espacial e temporal.Atenção / Concentração: Capacidade de manter e

alternar a atenção.A partir de uma análise qualitativa e quantitativa

destas funções será possível traçar um perfil cognitivodeste paciente comparando-o com seu própriodesempenho pré-mórbido bem como compará-locom indivíduos normais da sua mesma faixa etária eescolaridade.

As principais indicações de uma avaliaçãoneuropsicológica são nos casos de:• Envelhecimento normal: para avaliação e

acompanhamento de déficits de memória e outraspossíveis perdas cognitivas associados à idade.

• Envelhecimento patológico (Demências Tipo Alzheimer,por AVCs, etc): para avaliação das funçõescomprometidas, acompanhamento e estabelecimentode programas de reabilitação

• Depressões: para avaliação de déficits cognitivos ediagnóstico diferencial ou concomitante dedemência.

• Epilepsias: para avaliação de déficts de memória,atenção, raciocínio, linguagem, funções executivas,etc; pré e pós tratamento clínico e/ou cirúrgico eacompanhamento

• Quadros psiquiátricos: para avaliar alteraçõescognitivas e a recuperação com o tratamento, comopor exemplo, na esquizofrenia.

• Para avaliação dos déficts cognitivos ecomportamentais, na elaboração do tratamento eno acompanhamento de: Transtornos invasivos,Distúrbios de aprendizagem, Déficit de Atenção,Abuso de drogas e álcool, Deficiência mental, AVC,entre outros

• Avaliação pré cirúrgica de pacientes cardíacos paratraçar perfil cognitivo.

A neuropsicologia vem estabelecendo a suaautonomia e mantendo importantes vínculosinterdisciplinares com a medicina (neurologia,psiquiatria, geriatria e pediatria) , fonoaudiologia,terapia ocupacional, gerontologia.

A avaliação neuropsicológica consiste em umexame complementar importante, podendoestabelecer a existência ou não de disfunções e, emcaso afirmativo, avaliar a extensão das alteraçõescognitivas, propiciar alternativas de tratamentoatravés da reabilitação cognitiva, possiblitar melhoracompanhamento (farmacológico e outrasterapêuticas ) e documentar a evolução.

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7. Luria A. R. – Fundamentos de Neuropsicologia– tradução Juarez Aranha Ricardo, Rio de Janeiro:LTC – São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo,1994.

CAPÍTULO XVIII

MECANISMOS NEUROCOGNITIVOSNO AUTISMO: UMA PERSPECTIVACONSTRUTIVISTA

Vitor Geraldi HaasePatrícia Martins de FreitasLorenzo Lanzetta NataleMaycoln Leôni Martins TeodoroMaria Isabel dos Santos Pinheiro

Apesar dos muitos progressos ocorridos em anosrecentes, os mecanismos neurofuncionais eneurocognitivos subjacentes aos transtornosinvasivos do desenvolvimento permanecem emgrande parte um mistério. O próprio Kanner (1943)inicialmente formulou um distúrbio congênito nocomportamento afiliativo como sendo o problemabásico no autismo, mas, aparentemente, ele acaboupor sucumbir ao Zeitgeist então vigente, vindo aatribuir um papel etiológico preponderante, quandonão exclusivo, aos mecanismos psicodinâmicos.Além da ênfase psicodinâmica, devem ainda sermencionadas as supostas vinculações do autismocom estados psicóticos infantis, como os principais

óbices ao esclarecimento dos seus mecanismosneurais e cognitivos. Não obstante, as evidênciasforam lentamente se acumulando ao longo das trêsúltimas décadas do século XX, levando ao conceitoatual de que os trabstiornos invasivos dodesenvolvimento constituem uma categoriadiagnóstica separada da esquizofrenia, cujaetiopatogenia está relacionada a distúrbios dodesenvolvimento cerebral intrauterino, possivelmentede causa genética multifatorial. As principaisevidências dizem respeito às associações entreautismo e epilepsia, retardo mental e outras síndromesgenéticas, às alterações nos níveis de serotonina,opióides e oxitocina, à presença de anomaliasmorfológicas cerebrais detectadas tanto in vivoquanto post mortem, aos estudos genéticos comgêmeos etc. (e.g., Bailey Phillips & Rutter, 1996;Waterhouse, Fein & Modahl, 1996). Apesar dosinegáveis progressos e das verdadeiras revoluçõesconceituais ocorridas, estamos muito longe de poderesboçar um quadro coerente dos mecanismosenvolvidos na fisiopatologia dos transtornos autistas.Acreditamos que os modelos atuais da dinâmicacerebral associados a concepções sobre odesenvolvimento sócio-cognitivo do self podem, noentanto, iluminar alguns aspectos.

1. MECANISMOSNEUROCOGNITIVOS

Recentemente, houve dois desenvolvimentosimportantes, no sentido de procurar compreender osmecanismos cognitivos envolvidos na sintomatologiados distúrbios invasivos do desenvolvimento: apostulação de um déficit na capacidade de construirteorias da mente (Leslie, 1987; Frith, 1989; Happé,1994; Baron-Cohen, 1994), bem como as evidenciasde comprometimento das chamadas funçõesexecutivas em indivíduos autistas (Ozonoff,Pennington & Rogers, 1991, Pennington, 1991,Bennetto, Pennington & Rogers, 1996, Pennington &Ozonoff, 1996; Russel, Jarrold & Henry, 1996).

A hipótese sobre teorias da mente diz respeito àsdificuldades apresentadas pelos portadores deautismo, mesmo aqueles com mais alto nível deperformance intelectual, no que se refere aoreconhecimento, em si próprios ou em outrem, deestados mentais, atitudes, crenças etc. Dificuldades,em suma com os mecanismos de atribuição deestados intencionais (Dennett, 1991, 1996/1997). Osindivíduos com autismo parecem funcionar comoverdadeiros solipsistas, como se efetivamente nãotivessem acesso ao que se passa no interior dasmentes, sendo portanto incapazes de prever ouexplicar o comportamento alheio, ou o seu próprio,com base no reconhecimento ou atribuição deestados mentais. Neste contexto, termo teoria damente não deve ser compreendido no sentido de umateoria conscientemente elaborada, mas como ummecanismo que permite um tipo especial de

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representação, a representação de estados mentais(Premack & Woodruff, 1978).

Dados experimentais (vide revisões em Frith, 1989ou Happé, 1994) indicam que, do ponto de vistaontogenético, ocorre uma mudança significativa nocomportamento das crianças em torno dos quatroanos de idade. Crianças com tres anos de idade nãoconseguem reconhecer que outras pessoas podemvir a se comportar com base em uma falsa crença,quando estas mesmas pessoas não tiveram acesso auma fonte de informação na realidade, que tenhasido testemunhada pela criança. Com quatro anos ascrianças já começam a responder de modo adequadonas tarefas de falsa-crença, indicando as diferenças,bem como as consequências accionais, entre aquiloque elas próprias sabem e o que outras pessoas nãosabem em decorrência da falta de acesso adeterminadas informações.

Na filogênese parece haver um desenvolvimentosemelhante (e.g. Cheney & Seyfarth, 1990/1994).Cercopitecos ou macacos Rhesus, por exemplo, nãoapresentam o menor indício de possuirem mecanismosde atribuição de intencionalidade. Já os primatassuperiores, como chimpanzés e orangotangos, dãomostras de possuirem uma teoria da mente, pelo menosrudimentar. A hipótese de que algum déficit nachamada cognição social possa estar na origem dasintomatologia autista foi levantada a partir daconstatação de que indivíduos autistas adolescentes eadultos com inteligência normal ou próxima do normalfalham em testes de teorias da mente resolvidos porcrianças de quatro anos de idade. A partir disto foiinclusive postulada a existência de um módulo cerebralespecializado na cognição social, o qual estariadefeituoso no autismo (Brothers, 1990).

Waterhouse, Fein e Modahl (1996) resumiramalgumas das principais objeções à hipótese de queum deficit na capacidade de construir teorias da mentepossa representar algo mais do que uma boa descriçãodo comportamento de alguns indivíduos comautismo:a) Cerca de 15 a 60% dos indivíduos autistas testados

não falham em testes de teorias da mente (Happé,1994);

b) Os índices de fracasso em testes de teoria da mentesão comparáveis para crianças surdas e autistas,possivelmente em função da conversaçãoempobrecida (Peterson & Siegal, 1995);

c) A habilidade verbal é um correlato significativo dodesempenho em testes de teoria da mente(Sparrevohn & Howie, 1995);

d) Não existe correlação significativa entre habilidadessociais e o desempenho em testes de teoria damente (Sparrevohn & Howie, 1995);

e) Os sintomas autistas já ocorrem bem antes dosurgimento de qualquer possibilidade de uma

“teoria da mente”. Análises de vídeos feitos pelasfamílias de crianças, que posteriormente foramdiagnosticadas como autistas, mostram que estasjá apresentavam estereotipias e formaçãodeficitária de vínculos afetivos e sociais desdemuito novinhas (Adrien, Lenoir, Martineau, Perrot,Hameury, & Larmande, 1993; Osterling & Dawson,1994). Klin, Volkmar e Sparrow (1992) foramcapazes, por outro lado, de observar que osdeficits nas habilidades sociais já estão presentesdesde o primeiro ano de vida.

Talvez o empecilho maior para se aceitar que odéficit nas teorias da mente represente um papelcausal fundamental na sintomatologia autista sejajustamente o fato de que os distúrbios docomportamento afiliativo antecedem quaisquerpossibilidades metacognitivas compatíveis sequercom um rudimento de teoria da mente (Grossman,Carter & Volkmar, 1997). De mais a mais, mesmocercopitecos ou macacos Rhesus apresentam formasbastante sofisticadas de comportamento social semuma teoria da mente que seja reconhecida como tal(Cheney & Seyfarth, 1990/1994). Tudo isto leva a crerque exista um mecanismo de nível mais básico, oque não significa negar a existência ou importânciade distúrbios nos mecanismos de atribuição deintencionalidade, do valor heurístico que estadescoberta teve, ou até mesmo das possibilidadesterapêuticas representadas pelo seu treinamento emindivíduos autistas (vide p.ex., Ozonoff & Miller, 1995).

A crítica mais interessante à teorização sobremecanismos de atribuição de intencionalidade comoo transtorno fundamental no autismo vem de umasérie de estudos experimentais conduzidos por Russelle colaboradores. Um estudo inicial, realizado em1991, tinha por objetivo examinar as capacidadesdos indivíduos autistas raciocinaremestrategicamente em situações de comportamentofraudulento (Russell, Mauthner, Sharpe, & Tidswell,1991). Os participantes autistas eram requisitados aparticipar de um jogo que consistia em competir como examinador por um bombom. O bombom eracolocado em uma de duas caixas, as quais continhamjanelas reveladoras do seu conteúdo apenas par aosujeito e não para o examinador. O objetivo dabrincadeira era enganar o examinador, fazendo comque este fosse procurar o bombom na caixa vazia.Era explicado aos participantes que a estratégia deapontar para a caixa vazia seriam bem sucedida,enquanto a estratégia alternativa de apontar para acaixa que continha de fato o bombom implicaria emperdê-lo. Mesmo após inúmeras tentativas osindivíduos autistas eram incapazes de apontar para acaixa vazia, apesar das consequências destaestratégia.

Estes resultados foram primeiramente atribuídosa um deficit na capacidade de assumir perspectivasdiferentes, acarretando uma incapacidade deengajamento no comportamento fraudulento. Em um

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estudo ulterior, no entanto, Hughes e Russell (1993)demonstraram que as diferenças entre os grupos deautistas e controle permaneciam significativas mesmoquando as características de fraude eram removidasda tarefa. Os participantes eram, neste caso,simplesmente instruídos a apontar para a caixa vaziacom o intuito de obter o bombom. Mesmo naausência de um oponente, os participantes autistaspersistiam na utilização da estratégia errônea. Hughese Russell atribuiram este padrão de desempenho auma incapacidade de desengajar o foco de atençãode um objeto e de usar regras internas para regular ocomportamento. Padrão este que é em grande partesuperponível ao de certos pacientes com lesõesfrontais: perseveração, uso da estratégia inapropriada,hiperseletividade de estímulos etc. Os deficits decognição social apresentados pelos indivíduosautistas poderiam, portanto, ser reduzidos a distúrbiosnas funções executivas (Pennington & Ozonoff,1996). O conceito de funções executivas se originouuma metáfora para explicar algumas característicascomportamentais exibidas pelos primatas e humanos,nomeadamente o fato de que o comportamentoparece ser regulado por um agente racional, por umaanálise de custo-e-benefício ou de meios-e-fins.Outras funções executivas importantes dizem respeitoà capacidade de manter representações mentais emum sistema temporário de armazenamento, de guiaro comportamento em função destas representações,de coordenar diversas representaçõessimultaneamente, de inibir outras, de manter umcurso de ação flexível e adaptado às circunstâncias,etc. Evidências neuropsicológicas clínicas apoiam estaconclusão (e.g. Pennington, 1991).

Se as dificuldades dos indivíduos autistasresidissem realmente em um distúrbio na capacidadede desengajar a atenção de um objeto, uma vez queesta foi inicialmente fixada, então os deficits deveriamser revelados não apenas em tarefas envolvendo oreconhecimento de representações mentais, mastambém de outros tipos de representações culturaisque ficam fora da cabeça, como por exemplo, fotos,figuras, mapas, etc. Com o intuito de verificar estahipótese, Leslie e Thaiss (1992) conduziram umestudo em que os indivíduos precisivam demonstrarcompreensão a respeito de crenças ultrapassadaspelos fatos. No caso, foi tirada uma foto Polaroid deuma cena representando um gato sentado em umacadeira ao lado de uma cama. Em seguida a foto foideixada de lado, revelando e o examinador removeuo gato, colocando-o sentado sobre a caminha. Aseguir, os sujeitos tinham que responder à pergunta:“Onde o gatinho está sentado na foto?” Um poucomais de 30% das criaças de 4 anos falharam nestatarefa, enquanto 100% dos autistas responderamcorretamente. Estes resultados contraditóriosindicam que, aparentemente, a disputa entre osteoristas da mente e os executivistas ainda não foiresolvida. Harris (cit. in Happé, 1994; p. 55) sugeriu,por exemplo, que a dificuldade com os autistas se

dá apenas com o controle executivo dasrepresentações internas e não das representaçõesexternas. Logicamente, entretanto, é bem possívelque tanto o deficit na teoria da mente quanto odeficit nas funções executivas, sejam devidos a umterceiro fator, perspectiva esta que trataremos deconsolidar mais adiante.

Uma das propostas mais originais e maisreducionistas no sentido de tentar compreender oquadro clínico do autismo em função deperturbações nas funções executivas deriva dostrabalhos de Courchesne e colaboradores (e.g.Akshoomoff & Courchesne, 1992). Estes autoresdesenvolveram um paradigma experimentalbaseado em uma tarefa de desempenho continuado.O teste é apresentado em duas versões. Na tarefa defocar a atenção o indivíduo deve detectar e reagirtoda vez que se defrontar com um estímulo visualVERMELHO, servindo os estímulos visuais verdes eos estímulos acústicos simultaneamenteapresentados de tonalidade alta e baixa dedistratores. Na segunda versão da tarefa sãoutilizados os mesmos estímulos visuais e acústicos,mas o objetivo agora é desviar a atenção de umamodalidade sensorial para outra. Uma tentativa podecomeçar, por exemplo, na modalidade visual. Assimque o sujeito detectar e reagir a um alvo VERMELHO,deve desviar sua atenção para a modalidade acústicae reagir frente a um tom ALTO. Detectado o tomalto, o indivíduo deve procurar reagir novamente àluz vermelha e assim por diante. Inicialmente foiobservado que a integridade das estruturas da linhamédia do cerebelo era crucial para o desempenhona tarefa de desviar a atenção. Posteriormente foraminvestigados indivíduos autistas, os quais exibiramdificuldades nesta mesma tarefa de desviar a atenção,principalmente quando o intervalo temporal entreos alvos era muito pequeno, da ordem de 0,4segundos.

Dados de ressonância nuclear magnéticarevisados recentemente por Courchesne (1997)parecem indicar anomalias das estruturas da linhamédia cerebelar em sujeitos autistas. As funçõesexecutivas são tradicionalmente vinculadas aos lobospré-frontais. Mas os neurologistas clássicos já haviamchamado atenção para as vinculações funcionaisentre os lobos frontais e o cerebelo, sob a forma, porexemplo da chamada ataxia frontal, ou do achadode moria em indivíduos com lesões cerebelares (vide,p. ex., De Jong, 1979). Um estudo clínico maisrecente confirmou a presença de distúrbiosexecutivos na presença de lesõespredominantemente cerebelares, tanto em autistacomo em indivíduos com leucemia (Ciesilski, Harris& Pabst,1997).

Aceitando que os problemas com a cogniçãosocial possam ser reduzidos às perturbações nasfunções executivas, restariam ainda dois problemasa ser resolvidos. O primeiro é o mais fácil e diz respeitoà multiplicidade de loci cerebrais, para os quais existe

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algum tipo de evidência de comprometimento noautismo. Waterhouse e cols. (1996) identificarammais de uma dúzia de estruturas que podem estarcomprometidas no autismo, as quais vão desde otronco cerebral e cerebelo até os lobos frontais eparietais, passando pelos gânglios da base, amígdalae hipocampo. Quer dizer, praticamente todas asestruturas cerebrais importantes!

Por outro lado, anormalidades em sistemas deneurotransmissores foram observadas no que se refereà serotonina, dopamina, opióides e peptídeosrelacionados e, mais recentemente ao sistemaoxitocínico responsável pelo comportamentoafiliativo (Waterhouse et al., 1996; Fein, Allen, Dunn,Feinstein, Green, Morris, Rapin, Waterhouse, 1997).A dificuldade maior se impõe aqui, apenas quandopermanecemos aferrados às concepçõeslocalizacionistas clássicas. A multiplicidade de locilesionais identificados no autismo exige umaconcepção localizacionista mitigada ou distribuídaacerca das funções cerebrais (e.g., Mesulam, 1998).Este modelo alternativo concebe a representaçãocerebral das funções mentais como amplamentedistribuída por uma rede córtico-cortical (vide abaixoo tópico sobre dinâmica cerebral).

Maior dificuldade de conciliação causam asevidências quanto à primazia dos distúrbios nocomportamento afiliativo (vide, p.ex. o volumeeditado por Carter, Lederhendler & Kirkpatrick, 1997).O déficit nas interações sociais observado no distúrbioautístico era tido por Kanner como sendo o problemanuclear de uma síndrome que se manifesta atravésde uma miríade de características. Nos últimos anosas pesquisas tinham se voltado mais para elucidar ascaracterísticas do compromentimento cognitivo elinguístico, em função da hipótese de que ocomprometimento nas interações sociais pode sersecundário a estes. Mais recentemente, contudo, aatenção dos pesquisadores retornou para osproblemas nas áreas afetiva e social (e.g., Grossmanet al., 1997).

A natureza do deficit na interação social no autismovaria em função do nível de desenvovlimento da cri-ança e sua severidade geralmente diminui à medidaque a criança vai crescendo. Desde os primeitos anosde vida as crianças autistas podem mostrar umcompromentimento na reciprocidade das interaçõessociais, que pode se manifestar como aparetnte au-sência de necessidade de aconchego, ausência de ele-vação dos braços como antecipação a ser pegado nocolo, falta de imitação da fala ou dos gestos, falha emapontar ou mostrar objetos para os outros e anormali-dades nos comportamentos de contato ocular. Porexemplo, apesar de ocasionalmente os autistas faze-rem contato ocular ao entregarem um objeto a umadulto, eles raramente fazem contato ocular com umadulto quando ambos, criança e adulto, estão obser-vando alguma coisa de interesse comum. Esta últimacaracterística é conhecida como déficit na atençãocompartilhada (e.g. Grossman et al., 1997.

Ainda com base em uma teoria modular damente, Waterhouse e cols. (1996) esboçaram umatentativa de síntese no que se refere aos mecanismosneurofuncionais no autismo. Estas autoras postularamque os problemas comportamentais no autismoresultam de uma organização anormal durante odesenvolvimento cerebral. Z qual dá origem a quatrodeficits neurofuncionais sistemicamenterelacionados:

a) Canalestesia: um sistema hipocampalanormalmente funcionante “canaliza” os registrosensoriais, perturbando a integração de informação;

b) Deficit na atribuição de significado afetivo aosestímulos: causado por função anormal nosistema amigdaliano, a qual prejudica osmecanismos associativos emocionais;

c) Associalidade: perturbações no sistema da oxitocinainterferem com a formação de vínculos sociais ecomportamento afiliativo;

d) Atenção seletiva dilatada: uma organizaçãoneuronal anormal nos córtex temporal e parietalheteromodais leva a um hiperprocessamentoaberrante das representações sensoriais primárias.

Considerando a extensa literatura publicadasobre os mecanismos neurobiológicos e cognitivosenvolvidos no comportamento autista (vide tambémBailey et al., 1996), ficamos com a impressão de queas formulações de Waterhouse e cols. (1996)representam o estado da arte, no que se refere a umaabordagem dos mecanismos autistas em termos deuma neuropsicologia mais tradicional. Em vista disto,começamos a nos perguntar que contribuições asteorizações dinâmicas sobre a função cerebral teriama dar no que se refere a uma compreensão dosfenômenos cognitivos e comportamentais noautismo. A próxima secção revista algumasconcepções a respeito da dinâmica cerebral.

2. Dinâmica CerebralO termo dinâmica cerebral aplica-se àquelas

concepções que acentuam a necessidade de ummecanismo temporal que integre a informaçãoprocessada por conjuntos de neurônios amplamentedistribuídos por diversas regiões corticais esubcorticais. Algumas vezes, a necessidade de umaconcepção dinâmica do processamento deinformação é colocada sob a forma do chamado“binding problem” (Pöppel 1985/1989) e uma dasmelhores maneiras de se ilustrar esta necessidade éno sistema visual.

Nas últimas duas décadas acumularam-seevidências de que o sistema visual de mamíferos éorganizado de forma tal que diferentes tipos deinformação são processados em áreas cerebraisdistintas, tornando necessário um mecanismo queintegre esta informação de modo a construir umpercepto unificado e coerente (Zeki, 1993). Zeki

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revisou as principais evidências experimentais emhumanos e animais para um modelo indicando quea cena visual é decomposta inicialmente em umasérie de traços ou “features”, como por exemplo, cor,forma, posição, tamanho, velocidade, direção, etc.,cada um dos quais é processado por grupos neuronaisespecializados e espacialmente segregados. Assim,por exemplo, ao nível da retina e do corpo geniculadolateral já é possível distinguir dois “canais”especializados cada qual no processamento de umtipo de informação. Um canal formado por célulasgrandes e fibras grossas lida preferencialmente coma informação temporalmente vinculada, relativa, p.ex., à velocidade com que um objeto se desloca nocampo visual. A outra via, constituída por célulasmenores e fibras mais finas, é mais especializada noprocessamento da forma e da cor. A partir do córtexvisual secundário ocorre uma verdadeira explosão nonúmero de áreas visuais especializadas, sendo que jáforma identificadas mais de 30 em primatas.

A questão que se coloca então, diz respeito aomecanismo pelo qual esta é informação é integrada,constituindo uma percepção visual consciente,coerente, unificada e dotada de uma valoração práticapara o comportamento adaptativo do organismo emum meio. Uma resposta tradicional consiste natradução das concepções neuropsicológicaslocalizacionistas clássicas em termos da teoria doprocessamento de informação (Fodor, 1985). É achamada teoria modular da mente, que pressupõe aexistência de uma série de algoritmos espacialmentelocalizados, evolutivamente selecionados e que seespecializaram no tratamento automático dedeterminados tipos de informação. Segundo estateoria, a integração ficaria por conta de uma instânciapsicológica denominada “executivo central”, o qualfuncionaria como uma espécie de “manager”,alocando recursos entre os diversos módulos emfunção das necessidades do momento, bem comode uma análise de meios-e-fins e de custo-e-benefício.O modo de funcionamento do executivo central édito controlado, do seu funcionamento é dito quecusta esforço mental e a sua capacidade deprocessamento é considerada limitada. É como sehouvesse um agente racional, um fantasma namáquina. E esta é uma das principais limitações destetipo de modelo, pois além de não explicar nadamecanicísticamente, ainda leva a uma regressãoinfinita.

Uma anedota contada a respeito de Niels Bohrpode ilustrar as diferenças entre o processamentoautomático e controlado (Kelso, 1995). Quanto asituação estava começando a ficar tensa no trabalho,Bohr costumava convidar sua equipe para relaxarassistindo filmes de bangue-bangue. Saiam todos dolaboratório e iam a uma sessão da tarde, até que,certa vez, uma observação sua provocou celeuma.Bohr chamou atenção para o fato de que havia umaespécie de regularidade nos filmes de cowboy, nosentido de que o bandido, aquele que saca antes,

sempre é o que morre. Seus colegas duvidaram e,cientistas que eram, e ainda por cima físicos, foramconferir meticulosamente, fotograma por fotograma,o que na verdade acontecia. Apenas para confirmar aobservação inicial de Bohr: o que saca antes morre. Aexplicação é muito simples. Do ponto de vista dadinâmica cerebral, quem executa o ato intencionalde tentar matar outra pessoa, paga um preço altíssimopor estar agindo de caso pensado. Precisa construirtoda uma intenção de matar o outro e, depois distosacar o revólver e puxar o gatilho etc. Já o que está sedefendendo, age de modo puramente reflexo e,portanto, muito mais rápido. No que se refere àneurofisiologia dos lobos frontais, o ato voluntário setraduz por um Bereitschaftspotential ou potencial deprontidão, o qual leve pelo menos 800 ms para seriniciado. Já uma “contingent negative variation”surge em torno de 300 ms após o estímulo e constituio correlato fisiológico de uma reação frente a umgesto de outrem. O ato voluntário se prolonga notempo porque a sua construção exige o recrutamentofuncional de grupos neuronais amplamente dispersospelo córtex e subcórtex. Desta forma, o bandido precisaconstruir um Bereitschaftspotential para tentar mataro mocinho, o que leva mais tempo, aumentandonecessáriamente o risco do agressor ser morto. Omocinho, por sua vez, necessita apenas reagir, o queleva menos tempo, colocando-o em posição devantagem no duelo.

Mas dizer que a construção de umaintencionalidade de ação representa uma forma de“auto-organização” cerebral não nos levaria muitoalém da metáfora do executivo central, caso nãodispuséssemos de uma idéia dos mecanismos que apossibilitam. Existem várias propostas neste sentido(Pöppel, 1985/1989; Edelman, 1992; Abeles, Vaadia,Bergman, Prut, Haalman, & Slovin, 1993; Freeman,1995). Por uma questão de economia de espaço noslimitaremos a descrever apenas um modelo e o tipode dados experimentais em que este se apoia (e.g.,Singer, 1993). A idéia remonta a Peter Milner (1974)e foi desenvolvida teóricamente na Alemanha porChristoph von der Malsburg (1995; vide também vonder Malsburg & Schneider, 1986; von der Malsburg &Singer, 1988). O modelo pressupõe que o tempo podeconstituir a “cola” que gruda a atividade de gruposneuronais espacialmente segregados em umaunidade funcional ou assembléia neural (Hebb, 1949).

O mecanismo temporal consiste em sincronizara fase das respostas oscilatórias dos diversosneurônios. Existem evidências experimentais tantopara a existência de neurônios que exibem atividadeintrinsicamente oscilatória ao nível do tálamo e docórtex cerebral, bem como para a possibilidade deque neurônios cujas descargas se distribuemaleatoriamente no tempo, gerem atividade oscilatóriade massa em função da organização de suaconectividade sináptica. A atividade dos gruposneuronais seria equiparada neste caso a de múltiplososciladores. Como as relações de fase entre os diversos

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osciladores são praticamente infinitas, existeminúmeras possibilidades combinatoriais para osdiversos grupos neuronais sincronizarem suaatividade oscilatória, formando e desfazendo assimassembléias neuronais dinâmicas, as quais aumentamexponencialmente as possibilidades de representaçãoinformacional do sistema.

As primeiras evidências experimentais de que omodelo de sincronização por atividade oscilatóriapode ser efetivamente implementado no cérebro demamíferos foram publicadas no final da década deoitenta. Um experimento padrão, tal como realizadopor Wolf Singer e Charles Gray am Frankfurt, é descritoa seguir. Gray, König, Engel e Singer (1989) realizaramregistros simultâneos da atividade de múltiplasunidades neuronais no córtex visual primário de gatos,bem como de potenciais locais de campo elétriconesta região. Registrando a partir de dois neurôniosseparados por alguns milímetros e cujos camposvisuais eram adjacentes, eles puderam observar osefeitos diferenciais de três tipos distintos deestímulos sobre o grau de correlação das suasdescargas neuronais.

Quando o estímulo empregado consistia de umabarra contínua de luz, movendo-se pelos camposvisuais na direção e velocidade preferencial das duascélulas, era possível observar coeficientessignificativos de correlação cruzada entre as sériestemporais representando as descargas dos doisneurônios. Ou seja, os dois neurônios sincronizavamsuas descargas. E mais ainda, o desvio de fase nestasincronização era menor do que 5 ms, havendoadicionalmente uma modulação periódica dasincronia, com uma ritmicidade situada na faixagama, ou seja entre 20 e 40 Hz.

A estimulação com uma barra descontínua pro-vocava coeficientes menores de correlação cruza-da, mantendo-se a modulação oscilatória. No caso,entretanto, de os dois campos visuais serem esti-mulados por duas barras alinhadas na mesma dire-ção, mas movendo-se em sentidos opostos, desa-parecia completamente a sincronia e cada neurôniocontinuava com sua atividade oscilatória indepen-dente. Uma interpretação possível é que o mecanis-mo de sincronização oscilatória constitui a base daformação das assembléias neurais e a relevânciapsicológica do fenômeno fica demonstrada em fun-ção da depêndencia em relação a uma propriedadegestáltica do estímulo, a continuidade. Estudos maisrecentes, inclusive em primatas, indicam a relevân-cia deste mecanismo para ciclos sensório-motorescompletos, na medida em que foi possível observaratividade temporalmente correlacionada e depen-dente do tipo de estimulação entre áreas visuais nocérebro posterior e áreas visuomotoras no cérebroanterior.

Estes achados parecem confirmar a hipótese deque um mecanismo auto-organizatório envolven-do sincronização através de oscilações nas descar-gas neuronais, pode ser o responsável pelas caracte-

rísticas dinâmicas da atividade cerebral. Del Nero(1997) construiu uma metáfora, segundo a qual omecanismo de sincronia oscilatória possibilita a for-mação de departamentos virtuais no cérebro. Se océrebro funcionasse com uma empresa, seria orga-nizado parcialmente em função de departamentosespacialmente segregados e estanques, que funcio-nam de modo quase automático. As exigências domercado (ambiente) podem fazer, no entanto, comque este modo corriqueiro de funcionamento nãoseja suficiente, exigindo que os diversos departa-mentos se associem e passem a funcionar de modomais flexível, criando verdadeiros departamentos adhoc. Um mecanismo semelhante ao desta empresaocorreria no cérebro. Os modos mais automáticosou “instintivos” de funcionamento são levados acabo por algoritmos digitais, que correspondem aofuncionamento de grupos de neurônios espacial-mente segregados. As exigências de adaptação acontextos variáveis impõem entretanto um outromodo de funcionamento, que congrega temporari-amente a atividade de neurônios amplamentedispersos pelo córtex e outras estruturas cerebrais,construindo verdadeiros departamentos virtuais edinâmicos no cérebro. Del Nero propos então a tesesegundo a qual o período das oscilações, que possi-bilitam esta sincronização na atividade de neurôniosespacialmente segregados, pode constituir uma es-pécie de código de barras que processe a informaçãode modo analógico, dinâmico e sensível às variaçõescontextuais.

A rápida formação e desativação dinâmica deassembléias neuronais na dependência do contextoe do nível de atividade somente é possível em funçãoda conectividade sináptica entre os neurôniosconstituintes. Em 1949, Hebb especulou acerca deum mecanismo de plasticidade neural, segundo oqual a atividade simultânea nos terminais pré- e pós-sináptico tem como consequência um reforçamentoda conexão sináptica em questão. Estes conceitosfundamentais possibilitaram a construção dasprimeiras redes neurais (e.g. Rosenblatt, 1958), a partirdas quais foram aperfeiçoadas as atuais redes deprocessamento paralelo e distribuído (McClelland,Rumelhart, & The PDP Research Group, 1986;Rumelhart, McClelland & The PDP Research Group,1986). Uma das principais críticas às redesconexionistas refere-se à chamada barreira temporalde aprendizagem apresentada pelos modelos PDP.Para modificar a configuração dos pesos dasconexões entre as unidades são necessários, mesmocom os algoritmos e máquinas mais eficientes,centenas de tentativas e experiência com múltiplosexemplares das categorias em questão, para que arede exiba o comportamento almejado. No sistemanervoso, abundam por outro lado, as evidências deque o tempo real das operações informacionaisrelevantes para o processamento informacionalconsciente está dimensionados ao redor de algunsmilisegundos. Um outro problema com as redes

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neurais artificiais é que a sua capacidaderepresentacional vai crescendo gradualmente atéatingir um plateau, quando então saturam e começa ahaver dificuldades com o processamentoinformacional, a chamada catástrofe por superposição(von der Malsburg, 1995). É interessante mencionarque Shastri e Ajjanagadde (1993) demonstraram queredes artificias implementadas com base emsincronização oscilatória na atividade de suas unidadespodem superar muitas destas limitações.

Além da barreira temporal à aprendizagem, dacatástrofe por superposição e da desconsideração demuitos detalhes biofísicos - como por exemplo aspropriedades específicas dos diversos canais iônicos,que caracterizam a membrana celular dos neurôniosreais - uma outra diferença do processamento deinformação no cérebro em relação às redesconexionistas, diz respeito à capacidade de estabelecernovas conexões entre neurônios e não apenasmodificar o seu peso relativo. Nos últimos vinte anosoccorreu uma verdadeira explosão de estudos sobremecanismos de plasticidade neural, levando àconstrução de um modelo bioquímico plausível paraa sinapse de Hebb e à descoberta do papel exercidopela estimulação ambiental e exercício funcional sobreos mecanismos de expressão gênica relacionados coma aprendizagem (vide Kandel, 1991; Black, 1991).

A partir de uma série de investigações iniciadas nadécada de 70 foi se consolidando a noção de que osprocessos de aprendizagem podem estar relacionadoscom fenômenos de potenciação de longo prazo (LTP),envolvendo a interação de diversos tipos de receptoresglutamatérgicos. Durante a transmissão sinápticacorriqueira, que não envolve processos deaprendizagem, são ativados preferencialmente osreceptores glutamatérgicos do tipo não-NMDA (N-Metil-D-Aspartato). A partir de um determinado limiar dedespolarização, que experimentalmente pode serinduzido através de pulsos de alta frequência, passa aser ativado um tipo de receptor glumatamatérgicodenominado em função do seu agonista, o NMDA (N-Metil-D-Aspartato). O receptor NMDA controla um canalde cálcio que normalmente é bloqueado por íonsmagnésio. A ativação do receptor NMDA leva amudanças na conformação tridimensional deste canal,permitindo a entrada de cálcio na célula. O cálcio atuaentão como segundo mensageiro, ativando uma cascatade reações que envolve outros segundos mensageiroscomo calmodulina, cAMP e PK, etc. O resultado destasequência de reações é a ativação de terceirosmensageiros, proteínas como c-fos e c-jun, quedesempenham um papel nas modificações da expressãogênica relacionadas com os chamados gens deexpressão precoce. O resultado final são alterações nasíntese tanto de proteínas estruturais como de enzimase receptores (vide Kandel, 1991; Black, 1991, Martin,Grimwood & Morris, 2000).

Ainda não existem evidências plenamenteconvincentes de que o vínculo entre a indução de LTP eo processo de aprendizagem/memória seja de natureza

causal (Martin, Grimwood & Morris, 2000). Os indíciosatualmente disponíveis são entretanto muito fortes,sugerindo que a consolidação da memória, ou seja, apassagem da memória de curto para longo prazo,envolve este tipo de modifiçao na eficácia sináptica. Doponto de vista formal o mecanismo de LTP exige ummecanismo de feedback, que sinalize os eventos pós-sinápticos para o terminal pré-sináptico. A partir de 1992vêm se obtendo evidências crescentes de que algunsgases como NO e CO podem desempenhar o papel demensageiro retrógrado (Gally, Montague, Reeke &Edelman, 1990; Snyder & Bredt, 1992). O óxido nítrico,por exemplo, é um gás que se difunde em um volumetridimensional do neurópilo e cuja meia-vida é da ordemde 3 a 5 segundos. Edelman e Gally (1992) postularamque a atividade do óxido nítrico como condutor devolume poderia constituir o mecanismo pelo qual asassembléis neurais se constituem e se desfazem.

Com base nestas noções acerca da natureza plásticae dinâmica das redes neuronais cerebrais é possívelinterpretar os resultados experimentais de algunstrabalhos desenvolvidos por Merzenich e colaboradores(e.g. Xerri, Stern & Merzenich, 1994; para uma revisãomais recente, vide Buonomano & Merzenich, 1998).Estes autores conseguiram demonstrar quemanipulações no sentido de fazer com que estímulossensoriais distintos co-ocorressem em uma janelatemporal muito estreita levavam a reorganizações nasrepresentações sensoriais corticais primárias de váriasáreas do corpo. Estes achados foram tambémconfirmados na espécie humana (Aglioti, Cortese &Franchini, 1994; Ramachandran, 1993).

Estes resultados experimentais levam a reformularos conceitos sobre a representação sensorial nochamado homúnculo de Penfield, o qual passa a serconcebido como dotado de uma natureza dinâmica eflexível, adaptada às exigências do contextocomportamental. Este tipo de plasticidade funcionaldependente do nível de atividade foi observadoinclusive nas estruturas subcorticais que regulam asrespostas neuro-hormonais responsáveis pelocomportamento reprodutivo e social (Hatton, 1997;Witt, 1997). Na próxima secção, nós vamos exploraralgumas das conceqüências que as teorizaçõesdinâmicas e os dados sobre plasticidaderepresentacional cerebral sugerem no caso do autismo.

3. DAS REDES NEURONAIS ÀCONSTRUÇÃO DO SELF

O aspecto crítico da opinião que tentamosfundamentar neste ensaio consiste em atribuir osfracassos dos modelos neuropsicológicos atuais sobreautismo ao fato de se restringirem à inspiração teóricada modularidade mental ou do localizacionismo. Oaspecto construtivo - e especulativo - da nossaproposta diz respeito às possibilidades que as teoriassobre dinâmica cerebral oferecem quanto à construçãode um modelo unificado das relações cérebro-comportamento no autismo. Neste sentido, a nossa

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posição pode ser considerada neo-kanneriana, poistrataremos de defender a idéia de que o problema básicono autismo diz respeito ao comportamento afiliativo.Todos os outros aspectos são secundários: teorias damente, funções executivas etc. e derivam de umdistúrbio mais fundamental na motivação para aformação de vínculos sociais Bushwick (2000)recentemente defendeu uma perspectiva semelhante,a partir dos pressupostos da teoria da aprendizagemsocial. Segundo Bushwick, os déficits nos mecanismosde aprendizagem social apresentados pelos indivíduosautistas acarretam a construção social de um self e deuma experiência subjetiva radicalmente distintadaquela compartilhada pelas outras pessoas.

Bandura (2001) comentou que a teorizaçãopsicológica contemporânea está dicotomizada entreabordagens que procuram reduzir o fenômeno daconsciência a um subproduto de processosinformacionais subpessoais, de um lado, eabordagens que enfatizam a contextualização socialdo comportamento e da cognição, de outro. Nósacreditamos que as concepções dinâmicas podemser utilizadas para construir uma ponte entre estasduas abordagens. Podendo, portanto, ajudar acompreender os modos como a subjetividade,intencionalide, auto-direcionalidade e auto-reflexividade, que caracterizam a experiênciahumana, podem emergir da interação social de várioscérebros. Como ilustração destas possibilidadesexaminaremos os dados indicativos de que osproblemas com a construção do self no autismopodem estar relacionados a distúrbios nometabolismo da oxitocina e/ou outrosneuropeptídeos. Vejamos como é possível construirum cenário em que vislumbremos o modo em queisto possa vir a ser realidade.

Nos últimos anos vêm se acumulando evidênciasexperimentais de que, a partir de sistemas opióides eoxitocínicos que regulam, por um lado, a temperaturacorporal e as reções à dor, ou, por outro lado, ocomportamento sexual e reprodutivo, foram evoluindomecanismos para a formação de laços sociaisindependemente dos reforçamentos representadospelos diversos mecanismos de saciedade relacionadosà sobrevivência imediata do organismo ou àreprodução (Panksepp, Nelson e Bekkedal, 1997). Osestímulos para o desencadeamento da atividadesnestes sistemas de formação de vínculos sociaisparecem mais ligados ao calor e contato corporais, nocaso dos opióides, e da olfação, no caso da oxitocina.Segundo a formulação original de Bowlby, é a partirde uma base de segurança e confiança emocionalproporcionada pelo relacionamento social com a mãe,que o bebê vai expandindo o seu círculo derelacionamentos sociais (vide. p. ex. Ainsworth &Bowlby, 1991). Desta forma, não apenascomportamentos sexuais e reprodutivos são reguladosvia estímulos sociais, como os ferormônios, que agemsobre os sistemas de neuropeptídios (Insel, 1992; Witt,1997), mas comportamentos genuinamente sociais

como o “grooming” em primatas (Keverne, Martensz& Tuite 1989) ou o vínculo mãe-filho (Panksepp, Nelson& Silvy, 1994) desencadeiam alterações nos níveis deopióides cerebrais e outras substâncias.

A hipótese de que sistemas de opióidesendógenos podem regular o comportamento socialfoi colocada por Panksepp e cols. (e.g. 1994). A idéiabásica é que existem similaridades ou homologiasentre as dinâmicas de dependência social e dedependência a drogas narcóticas. Em ambas épossível observar, inicialmente, um período de euforiae adição. A seguir pode ser observada uma fase detolerância e habituação, onde o impacto atrativo dasinterações sociais diminui espontaneamente emfunção do tempo. Finalmente, é observada uma faseem que ocorrem reações muito fortes face à retiradado objeto social, refletindo um background dedependência neurofisiológica que se desenvolve entreo sujeito e o objeto do seu amor. A hipótese daregulação opióide das relações sociais prevê portantoque opióides centrais são liberados durante certostipos de interação social. Esta liberação de opióidesresulta na sensação de conforto e alívio do sofrimentoemocional causado pelo isolamento social prévio.

As principais previsões experimentais destemodelo dizem respeito ao fato de que agonistas dosopióides endógenos devem criar sensações artificiaisde conforto social e diminuir a motivação para ocontato social. Os antagonistas opióides, por outrolado, devem inicialmente aumentar a motivação paracontato social, mas acabam reduzindo a satisfaçãodeles derivada. De um modo geral, o uso deantagonistas opióides reduz o comportamentomaternal em ratas lactantes (Panksepp et al., 1994).No caso de bloqueio dos sistemas opióides, as ratasprocuram a ninhada, mas têm sua competência paracuidar da cria reduzida. Pankespp e cols. (1994)concluiram que existe um sistema de feedback: amotivação social e maternal não é reduzida pelobloqueio opióide, mas uma rata somente pode manterum comportamento maternal sustentado quandoexperimenta os efeitos do seu próprio sistema opióideem ação. Desta forma, o bloqueio opióide parece nãoreduzir a motivação para o comportamento maternal,mas diminui a competência.

Panksepp e cols. (1997) supõem que a mediaçãoopióide do comportamento social se dê porintermédio de um sistema bidimensional: existe, porum lado, uma dimensão positiva de conforto e bemestar causado pelo contato social e, por outro, umadimensão negativa de sofrimento em caso deseparação ou perda do objeto de vinculação. No casodos comportamentos de animais recém-nacidos éesta dimensão negativa de desconforto que tem sidomais estudada. Ratos recém nascidos emitem gritosultra-sônicos quando separados da mãe, os quais sãobastante reduzidos quando da aplicação intra-cérebro-ventricular de agonistas opióides.

Em uma tentativa de demonstrar a mediaçãoopióide da aquisição de um comportamento social,

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Panksepp e cols. (1997) desenvolveram umparadigma de preferência condicionada de local.Neste modelo experimental o rato desenvolve umapreferência por um local na caixa experimental ondeexiste um odor de vinagre, o qual foi associado emtentativas prévias ao convívio com outros animais desua espécie. Panksepp cols., não conseguirarmdemonstrar a regulação opióide destecomportamento, mas puderam observar a influênciade sistemas serotoninérgicos e oxitocínicos. Emprimeiro lugar, eles observaram que a inoculação demetissergida abole completamente os efeitos dereforçamento social. A oxitocina, administradaconjuntamente com a presença de um parceiro social,eleva, por outro lado, significativamente os efeitosdo reforçamento social. Insel e Winslow (1991) jáhaviam demonstrado que a oxitocina pode abolir oschamados ultra-sônicos de ratos recém-nascidos emisolamento. Isto nos leva à consideração do segundosistema neurohormonal postulado para o controleda motivação para o contato social.

As principais evidências de que, além de estarenvolvida no comportamento sexual e reprodutivo,a oxitocina pode desempenhar um papel noscomportamentos pró-sociais foram revisadas por Insel(1992). De um modo geral, os efeitos sobre osreceptores oxitocínicos cerebrais são regulados demodo heterólogo pelos hormônios sexuais e porestímulos do ambiente, principalmente odores e aestimulação do mamilo no caso da lactação. Existemevidências em diversas espécies, como ratos e ovelhas,de que os comportamentos maternais sãodependentes de ativação do sistema da oxitocina.Uma observação muito interessante foi feita com osroedores do gênero Microtus, dos quais existem duasespécies, da montanha e da planície, que exibemvariações no seu sistema de acasalamento em funçãodos níveis de atividade em receptor oxitocínicos nocérebro. O M. ochrogaster (“prairie vole”), queapresenta maior quantidade de receptores paraoxitocina no sistema liímbico, exibe comportamentomonogâmico e dispensa muitos cuidados à cria, aocontrário do M. montanus (“mountain vole”), que épolígamo, dispensa pouco cuidados à cria, gastapouco tempo com interações sociais e não demonstraalterações fisiológicas quando em isolamento social(Insel, Young & Wang, 1997). Os dados obtidos comas duas espécies do gênero Microtus indicam queespecializaçòes genéticas relacionadas aos níveis deatividade oxitocínica determinam diferentes padrõesde interação social.

As evidências experimentais apontam, portanto,para a existência de pelo menos dois sistemas neuro-humorais relacionados à motivação para contatosocial. Um deles, o sistema opióide, parece derivar desistemas filogeneticamente muito antigos erelacionados à regulação da temperatura corporal eda dor. Já o sistema oxitocínico é uma evolução maisrecente, estando relacionado ao comportamentosexual e reprodutivo de mamíferos. Do ponto de vista

neuroanatômico os dois sistemas compartilhamdiversas estruturas. A atividade nos principaisreceptores opióides e oxitocínicos relacionados aoscomportamentos mencionados pode ser localzadano núcleo do leito da estria terminal e nas áreas pré-ópticas do hipotálamo. Destas duas regiões partemaxônios que se projetam para células dopaminérgicasna área ventral do tegmento (VTA, Numan & Sheehan,1997). O sistema dopaminérgico mesotelencefálico,que se origina na área VTA. pode estar envolvido nosaspectos apetitivos e motivacionais relacionados aocomportamento social, agindo como umpotenciador da capacidade que diversos estímulosbiológicos possuem de desencadear as respostasapropriadas.

Além destas projeções para áreas dopaminérgicasdo mesencéfalo, Numan e Sheehan (1997)conseguiram demonstrar a existência de viasascendentes para o septo e vias descendentes para onúcleo ventromedial do hipotálamo, campo retro-rubral e área periaquedutal. Insel (1992) revisouevidências de que o núcleo do leito da estria terminalpossa estar mais envolvido com o comportamentomaternal em ratas, enquanto que o núcleoventromedial do hipotálamo possa regular ocomportamento sexual. Uma das principaisdiferenças entre o sistema oxitocínico e o sistemaopióide parece residir na mediação olfatória doscomportamentos regulados por oxitocina. Destaforma, os núcleos olfatórios exibem expressão deatividade em receptores oxotocínicos, a qual dependecrucialmente dos comportamentos pró-sociais (Insel,1992). Wandboldt e Insel (1987) já haviam observadoque a oxitocina pode induzir anosmia, diminuindoassim o comportamento neofóbico das ratas efacilitando sua aproximação da cria.

De especial interesse é o envolvimento de neuro-hormônios na formação do vínculo social entra a mãee o bebê (Panksepp et al., 1994). O ato de amamentarleva ao remodelamento funcional dos circuitos dosistema cerebral da oxitocina. Xerri e cols. (1994)observaram um aumento da área de representaçãodo mamilo no córtex somatosensorial primário, o qualhavia sido induzido pela lactação. Também no núcleohipotalâmico supra-óptico a lactação induz extensasmodificações sinápticas e remodelamento glial eneuronal em neurônios secretores de oxitocina(Theodosis, el Majdoubi, Gies, & Poulain, 1995; elMajdoubi, Poulain & Theodosis, 1995, 1996). Durantea lactação foi ainda possível detectar um aumento daexpressão do gene que codifica a enzima sintetasedo óxido nítrico, indicando a participação de gens deexpressão precoce nestas alterações plásticas(Luckman, Huckett, Bicknell, Voisin, & Herbison,1997). Antagonistas da oxitocina abolem, por outrolado, os comportamentos maternais de cuidado coma cria (vide revisão em Insel, 1992). Dadosexperiementais obtidos por Caruso, Agnello, Campoe Nicoletti (1993), usando culturas de célulasnervosas, indicam que a oxitocina reduz a atividade

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dos receptores glutamatérgicos do tipo NMDA. Comovimos acima, os receptores glutamatérgicos sensíveisao NMDA parecem estar envolvidos de modo críticonos processos de aprendizagem, podendo mesmorepresentar o substrato biológico da chamada sinapsede Hebb.

As observações de que, em neurônios cultivados,altas doses de oxitocina atenuam o influxo de cálcioiônico, acarretando assim um bloqueio da cadeia dereações presumidamente envolvidas no processo deformação e consolidação da memória podem serexploradas do ponto de vista do processametno deinformação em redes neurais. Estes dados podem serusados para corroborar a hipótese formulada porFreeman (1997), de que um papel fisiológico crucialda oxitocina é o de possibilitar os novos aprendizadosnecessários para a formação de vínculos sociais, oqual pode estar relacionado com esta capacidade deinibir os mecanismos glutamatérgicos relacionadoscom a aprendizagem. Desfazendo, por assim dizerredes neurais previamente estabelecidas e permitindoa construção de novas, que constituam uma aberturapara que a mente irrompa do solipsismo cerebral,como um fenômeno de natureza essencialmentesocial. Segundo Freeman (1997, p. 502):

“As ações da oxitocina e de outrosneuropeptídeos relacionados não devem serinvestigadas com relação à aprendizagem Hebbiana,mas em conjunto os processos de desaprendizagem(“unlearning”), através dos quais os padrões de pesossinápticos são dissolvidos e o neurópilo cortical éllmpo, possibilitando novas aprendizagens. Adesaprendizagem acarreta o crescimento daconfiança. Os processos de socialização no bebê e nacriança podem ser biológicamente concebidos comouma alternação entre momentos de ruptura caóticaseguidos pela emergência de novos padrões decompreensão e de comportamento, alternância estapossibilitada pelas transições de fase, que precedemas novas aprendizagens. As dificuldades apresentadaspor alguns indivíduos para desenvolver habilidadessociais adequadas na presença de desenvolvimentocognitivo relativamente intacto, pode se originar dedéficits no mecanismo de desaprendizagem, quetornam impossíveis o crescimento da confiança e asnovas aprendizagens”1.

Se a oxitocina pode facilitar a aprendizagemsocial, na medida em que impede a catástrofe porsuperposição, ou seja que as redes neuronais cerebraisse fixem em determinados padrões de atividade,torna-se então extremamente relevante tentardemonstrar déficits relacionados ao sistemaoxitocínico em indivíduos autistas. Atualmente estásendo ativamente investigada a hipótese de que,como grupo, além das elevações nos níveis de

opióides endógenos, os indivíduos autistas podemapresentar níveis baixos de ativação no sistema daoxitocina (Waterhouse et al., 1996: Fein et al., 1997).

Existem inclusive dados experimentais que nospermitem postular uma interação entre os doissistemas afiliativos, oxitocínico e opióide. Housham,Terenzi e Ingram (1997) observaram, por exemplo,que durante o período puerperal, uma população deneurônios no núcleo do leito da estria terminalapresenta padrões de excitação dinamicamentevariáveis, os quais são modulados por agonistasopióides. Douglas, Neumann, Meeren, Leng,Johnstone, Munro & Russell (1995), por outro lado,foram capazes de demonstrar efeitos diretos deaumento e diminuição na secreção de oxitocina nonúcleo supra-óptico por antagonistas e agonistasopióides, respectivamente. Parece haver inclusive umpadrão recíproco de ativação dos sistemas oxitocínicoe opióide: em mulheres com mais de 36 semanas degestação, a secreção de oxitocina é maior à noite,justamente quando a imunoreatividade para beta-endorfina é mais baixa (Lindow, Newham, Hendricks,Thompson & van der Spuy 1996).

A hipótese pode então ser formulada, de que osníveis elevados de opióides inibem a secreção deoxitocina em indivíduos autistas. Devido às conexõesdestes sistemas com estruturas do tronco cerebral ecom outras áreas do sistema límbico, bem comodevido às interrelações com múltiplos sistemas deneurotransmissores e ubiqüidade dos contextossociais em que o comportamento se desenvolve, épossível prever que a desregulação destes sistemaspode ter efeitos distributivos sobre múltiplas áreasencefálicas e sobre múltiplas funçõescomportamentais.

Um desenlace aparentemente surpreendente foi ocasamento entre a tradição Piagetiana de pesquisa sobreo desenvolvimento cognitivo com os postuladosconexionistas que sustentam a teorização sobre redesneurais (Elman, Bates, Johnson, Karmiloff-Smith, Parisi,& Plunkett, 1996). Argumentando contra o inatismoChomskyano que dominou a psicologia dodesenvolvimento na década de oitenta, estes autorespropuseram, que o fato de os neurônios serem dotadosde determinadas características biofísicas e bioquímicas,como constantes de membrana, canais de cálcio,receptores NMDA etc., bastaria para preencher os pré-requisitos genotípicos da equação epigenética. O restoficaria por conta de uma epigênese, ou seja, de efeitosconstrutivos resultantes da interação com o meio.Bushwick (2001) observa, por exemplo, que algumasidiossincrasias observadas nas respostas de indivíduosautistas a diversos tipos de estimulação sensorial, têmsido tradicionalmente atribuídas a algum tipo de déficitneurossensorial ainda não demonstrado. É o caso, por

1 “The actions of oxytocin and other related neuropeptides should be investigated not in relation to Hebbian learning, but in conjunction with theprocesses os unlearning, through which prior patterns of synaptic weights are dissolved and the cortical neuropil is cleared for new learning.Unlearning is followed by the growth of trust. The processes of socialization in infants and children can be viewed biologically as alternating stepsof chaotic breakdown followed by the emergence of new patterns of understanding and behavior, through the states transitions that mustprecede new learning. The failure of some individuals to develop adequate social skills, while still having strong cognitive development, may stemfrom deficits in unlearning that make the growth of trust and consequent new learning impossible”.

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exemplo, da hipersensibilidade a ruídos ou doscomportamentos de evitação ao contato. Bushwickpropõe a alternativa de que, ao invés de representaremdéficits neurossensoriais, estes comportamentos podemrefletir disfunções nos mecanismos de aprendizagemsocial, ou seja, de atribuição de significado aos estímulos.Os quais podem ser conseqüência das dificuldades nocomportamento afiliativo.

Alguns autores chegam mesmo a postular umcerto construtivismo neural (Quartz & Sejnowski,1997; Quartz, 1999), ao qual somos extremamentesimpáticos. De acordo com esta perspectiva, o fato deque certos comportamentos - a linguagem tem sido aárea mais explorada - dão a aparência de seguiremregras, não indica necessariamente que haja estruturasmentais inatas. A ordem causal pode muito bem serinvertida. Ao invés de termos aquisição da linguagempor que existem estruturas mentais inataspredisponentes a isto, o comportamento linguísticomediado por regras representa um atrator para o quala atividade da rede convergiu, tanto em função da suaarquitetura, quanto da natureza das tarefas que lheforam impostas pelo ambiente (Elman et al., 1996).Trabalhos como o de Shastri e Ajjanagadde (1993)indicam que redes conexionistas incorporandomecanismos de sincronização oscilatória exibemcomportamentos típicos da linguagem, tais comosistematicidade ou a capacidade de fazer inferênciassemânticas, as quais eram tradicionalmenteconsideradas apanágio dos sistemas modulares e inatos(Fodor & Pylyshin, 1988).

No causo do autismo mais do que,necessáriamente, refletir uma multiplicidade decomprometimentos anatômicos em distintas regiòescerebrais, os comportamentos excêntricos poderiamrepresentar a conseqüência de déficits naaprendizagem social, ou seja, nos mecanismos deatribuição de significado. Ao invés de “sentirem”diferentemente, os autistas interpretariamdiferentemente as sensações, por que construiramreferenciais subjetivos distintos, peculiares. O déficitse localizaria, então, nas bases afiliativas docomportamento, que permitem a interação social. Osdéficits afilitativos, por sua vez, poderiam ser causadospor alterações genéticas em sistemas deneurotransmissores, os quais alteram a dinâmica dasredes neurais responsáveis pela interação social,inclusive da aprendizagem e da construção de umaimagem de si mesmo, ou self.

O mesmo processo de inversão da cadeia causalde eventos pode ser aplicado no caso dasintomatologia cognitiva do autismo. As dificuldadesde socialização não precisam necessariamente sercausadas por distúrbios em um “módulo” da cogniçãosocial ou no “funcionamento executivo”. Segundo estanova óptica, são os distúrbios do comportamentoafiliativo, levando por exemplo à deficiência na

capacidade de compartilhar socialmente a atenção,que acarretam, secundariamente, dificuldades com asteorias da mente ou com os comportamentosagentivos do ego. Tanto teorias da mente, quanto oexecutivo central, são aspectos do self e, como tal,possuem existência apenas virtual (vide os módulosvirtuais de Del Nero, 1997; ou o sequenciador do fluxodo pensamento de Dennett, 1991). No nível cerebralexistem apenas potenciais eletroquímicos, que seorganizam em padrões espaço-temporais em funçãodas exigências do organismos e do ambiente.

Segundo uma perspectiva pragmatista (James,1890/1989; Mead, 1934) o self se desenvolve a partirde um mecanismo especular, em que o indivíduo se vêrefletido nos outros. Deste argumento deriva a conclusãode que é possível saber o que o indivíduo pensa sobre simesmo, a partir do que o indivíduo pensa sobre os outros(Damon & Hart, 1992). Este argumento sugere que ocomportamento afiliativo está na raíz da construção doself e de toda a cognição. James (1890/1989) distinguiudois aspectos do self: o self enquanto sujeito ou “I” e oself enquanto objeto ou “me”. O self enquanto objetodiz respeito a três características básicas usadas pelosujeito para se auto-definir: o aspecto físico (aparência eposses), o social (papéis desempenhados, traços depersonalidade, etc.) e o psicológico (crenças e estadoscognitivos). Damon e Hart (1992) acrescentaram umaquarta dimensão, a da atividade. Três, por outro lado,são também os aspectos do self enquanto sujeito: aauto-continuidade, o cárater distintivo e a experiênciade agência. É este último aspecto aquele relacionado àsfunções executivas. Segundoe esta perspectiva, ainteração social anômala acarreta distorções naconstrução da noção de agentividade, o que se traduzfenomenológicamente como déficits nofuncionamento executivo (para a noção de agentividadeno autismo, vide Pacherie, 1997).

Sublinhar a necessidade de interação social para aconstrução do self ou para o desenvolvimento daschamadas funções executivas não é novidade. Anovidade está no modo como as evidênciasneurobiológicas au courant nos permitem construir esteargumento. Na década de 30, tanto Vygotsky (publicadoem 1988) quanto Mead (1934) já haviam chamadoatenção para a construção social da mente. Mead, porexemplo, acreditava que é um absurdo olhar para amente apenas da perspectiva de um único organismo.Para ele a mente deve ser vista como originária doprocesso social. “Com o intuito de construir um relatoda mente que seja antes de mais nada possível, aexperiência subjetiva do indivíduo deve ser posta emrelação com as atividades sociobiológicas naturais docérebro, e isto só pode ser feito levando-se emconsideração a natureza social da mente”2 (Mead, 1934;p. 133). Segundo Wolfe (1991), uma mente pressupõe,então, pelo menos dois cérebros. Se, devido a umadeficiência neuro-hormonal nos mecanismos

2 “The subjective experience of the individual must be brought into relation with the natural, sociobiological activities of the brain in order to rendan acceptable account of mind possible at all; and this can be done only if the social nature of mind is recognized”.

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3º Milênio

afiliativos, um cérebro se desenvolvesolipsisticamente fechado sobre si mesmo, oresultado é uma mente “autista”.

Endereço para CorrespondênciaAv. Antonio Carlos 6627, Cep:31270-901, BeloHorizonte - MG, email: [email protected].

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

SEÇÃO III–TEMAS PEDAGÓ-GICOS

CAPITULO IXX

DISTÚRBIOS DE COMPORTAMENTO

Nylse Helena Silva Cunha

O atendimento pedagógico da criança portadorade distúrbios severos de comportamento requer umaestrutura muito bem preparada, desde os espaços eequipamentos até à equipe especializada. Emborasempre dentro de um grupo, seu atendimentonecessita atenção individualizada. A programação desuas atividades não pode restringir-se a objetivosvoltados para conteúdos programáticos escolares masdeve estar inicialmente voltada para a melhoria daqualidade de vida da criança, através de uma melhorade comportamento que facilite sua integração nafamília e na sociedade.

Para que haja consistência no trabalhodesenvolvido é preciso que tenha um bomembasamento teórico e em uma filosofia educacionalque o inspire. A educação é um processo dialéticoque acontece como fruto da interação entre sereshumanos e entre eles e as estruturas nas quais estãoinseridos. É um processo dentro do qual o aprendere o ensinar são simultâneos. Assim sendo, para que ainstituição possa criar condições favoráveis efacilitadoras deste processo, que é global, precisa serum espaço no qual tudo leve à promoção dodesenvolvimento humano. Um espaço que estimulea manifestação de potencialidades, a integração e ocrescimento individual, grupal e social.

A preocupação com o desenvolvimento deveabranger todas as pessoas envolvidas, tanto alunosquanto pais, professores, técnicos e funcionários. Émuito mais do a aplicação de métodos ouconhecimentos; trata-se da participação num processo

que inclui uma forma de convivência baseada numa

escala de valores oriunda de uma filosofia de vida.

As estratégias adotadas para o manipulação dosproblemas de comportamento, não só tem que estarcoerentes com a filosofia educacional da Escola, mastambém não podem prejudicar o processoterapêutico.

A grande questão da abordagem educacionaldos distúrbios de comportamento pode situar-se nohiato existente entre o processo terapêutico, baseadono pensamento causal e a prática educacionalcotidiana. Os terapêutas, psiquiatras e psicólogos, temcomo foco de seu trabalho as causas geradoras dosdistúrbios; com essa finalidade realizam um trabalhoque pode ser mais profundo e demorado, mas os

educadores lidam com os comportamentos desuperfície e tem que enfrentar as emergências queocorrem no cotidiano da criança perturbada. Opsiquiatra pesquisa as causa do sadismo de umacriança, mas o educador, terá que resolver a situaçãoda faca apontada para o coleguinha antes que ela oatinja. A intervenção terá que ser imediata e eficiente,afim de evitar que a agressão aconteça mas, deverátambém ser asséptica para não interferirnegativamente no processo terapêutico.

Esta não é uma tarefa fácil porque exige muitopreparo e equilíbrio psicológico mas, intervençõesplanejadas podem constituir-se num instrumentoterapêutico também.

AS INTERVENÇÕES EDUCACIONAISPLANEJADAS

A intervenção pedagógica dentro da Escola, partede um estudo que abrange a análise do diagnóstico edos relatórios psiquiátrico, psicológico, neurológico,pedagógico e social

A discussão do caso com a equipe técnica objetivatambém a compreensão da criança enquanto pessoa, olevantamento de suas necessidades e das prioridadespara a elaboração do planejamento e das intervenção.Em outras palavras, é preciso aprender a criança eapreender suas características.

Para que a atuação educacional não seja umaviolência contra sua condição limitada, deve respeitarsuas possibilidades de realização pessoal e sua formade expressão. Para isso podemos ter de aprender arespeitar outros padrões estéticos e culturais.

Esta posição requer não apenas conhecimentosobre a patologia mas também sensibilidade paraidentificação de elementos essenciais à preservação daintegridade e do auto-conceito da criança. São tambémnecessários discernimento e disponibilidade para lidarcom situações inusitadas que podem surgir.

A intervenção pedagógica precisará transcendertécnicas e estratégias e criar oportunidades paravalorização da condição humana e para formação devínculos; o tratamento médico pode estar baseado nodiagnósticos das anomalias mas a educação deveexplorar potencialidades .

As atividades propostas deverão ser bastantesignificativas, caso contrário não serão determinantesde equilíbrio físico e emocional ; se forem impostas,poderão destruir a motivação não somente para aquelaatividade mas para a participação também em outrascircunstâncias.

A atmosfera lúdica e afetiva é muito importantepara manutenção da alegria e do entusiasmo. Para queisto seja possível, toda a equipe precisa ter condiçõespsicológicas especiais e contar com apoio da estruturatécnica e administrativa na instituição como um todo.

A filosofia educacional que fundamenta o trabalhoprecisa ter sido internalizada não só pelos profissionaisque atuam mais diretamente com a criança mastambém por todas as pessoas que tenham algum tipo

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3º Milênio

de relação com ela. Para que isto seja possível, seus

princípios e escala de valores devem ser discutidos em grupo,

vivenciados em situação de psicodrama e revisados em

sessões de feed-back.

A seleção e a preparação das pessoas envolvidasneste trabalho é fundamental porque a aplicação dequalquer método ou recurso pedagógico, irá dependerde qualidades pessoais do educador para que sealcançem bons resultados.

O objetivo geral do trabalho é a melhoria daqualidade de vida da criança e de sua família, paraisso. na elaboração do planejamentos é fundamentala seleção de conteúdos significativos, razão pelaqual, é tão importante conhecer o ambiente familiare o nível de desempenho da criança em suasatividades de vida diária.

DESENVOLVIMENTO DACONCENTRAÇÃO DE ATENÇÃO

O primeiro passo para intervenção, após aobservação e o estudo das peculiariedades dacriança,é conseguir direcionar sua atenção, tarefa estanem sempre fácil. Nos casos de hiperatividadepossivelmente teremos que contar com a ajuda deuma tratamento neurológico e... ter muita paciência.

Para o aumento gradativo do nível deconcentração de atenção algumas estratégias podemser utilizadas:• intervir no sentido de interromper o alheamento e

os comportamentos estereotipados• estimular as percepções sensoriais• sensibilizar a criança para o seu próprio corpo• procurar despertar o interesse para objetos,

atividades ou brinquedos que proporcionemrespostas rápidas

• provocar a focalização do olhar• explorar qualquer pista de manifestação de interesse• aprofundar interações• desafiar concretamente• proporcionar sucesso no desempenho de propostas

bem curtas e ir aumentando gradativamente,sempre dentro de limites que possibilitem sucesso

• Favorecer o desenvolvimento do auto-controleatravés da interiorização de controles externos.

É preciso sempre estar atento para aspeculiaridades da criança para poder maneja-las deforma eficiente e selecionar brinquedos e outrosmateriais que desafiem sua atenção. Estas criançasnão tem condições de valorizar ganhos futuros,sublimar frustrações ou adiar satisfações, assimsendo, precisam de jogos que proporcionem respostasrápidas.

As crianças autistas podem ter dificuldade parafazer associações, para imitar ou representarmentalmente. Sendo muito seletivos, concentram-se em um único detalhe e uma pequena mudança noambiente pode fazer com que não reconheçammais o todo. Poderão fazer pareamento de figuras iguais

mas não ser capazes de associar a figura ao objetorepresentado ou ao seu nome. Os comportamentosestereotipados são bastantes freqüentes. Algumasvezes os comportamentos estranhos são a única formade expressão que a criança que não fala encontra paramanifestar-se e sentir-se viva, por esta razão é tãoimportante desenvolver algum tipo de comunicaçãoalternativa com ela. Não basta tentar inibir essescomportamentos, é necessário compreende-los

Redl e Wineman sugerem algumas técnicas anti-sépticas para intervenções planejadas que merecemser analisadas:

1. INDIFERENÇA PLANEJADA• Avaliar o comportamento de superfície e limitar a

interferência aos casos em que ela seja realmentenecessária para impedir que o processo evolua oucontamine o grupo.

Boa parte do comportamento da criança trazem si mesmo uma carga de intensidade limitada quedesaparece tão logo a carga se esgota.

Algumas vezes o comportamento indesejadosurge apenas como um meio de chamar a atenção ese esvazia ou é redirecionado quando não alcança oobjetivo desejado. Exemplo: Waldir cruza com adiretora no corredor dizendo: “escuta aqui, porquevocê não morre de enfarto, hein?” Como ela ficouindiferente, ele falou alto, para ela escutar: ”Ai meuDeus, se ela morre eu perco a minha melhor amiga!”

2. INTERFERÊNCIA SINALIZADORA•Às vezes a criança age de forma inadequada apenas

porque o seu ego ou super-ego não estão vigilantes;bastará uma sinalização para que assuma o auto-controle, ou então pode ter-se deixado seduzir pelavontade de desafiar alguém mas, uma sinalizaçãoenérgica faz com que desista.

Mas existem situações nas quais a sinalização écontra indicada, como por exemplo quando a relaçãodo adulto com a criança não está boa (é preciso tercrédito para poder ser respeitado) ou quando ocomportamento tem um padrão muito complexo,por servir a objetivos patológicos

3. PROXIMIDADE E CONTROLE PELOTOQUE

Muitas vezes a proximidade de uma pessoacalma e segura dá tranquilidade a criança; não apresença ameaçadora mas a presença que garanteque tudo vai correr bem. O toque amigo significaque “estou com você”.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

4. PARTICIPAÇÃO NUMA RELAÇÃODE INTERESSE

Demonstrar interesse pela atividade que a criançaestá realizando. As crianças de ego perturbadoparecem necessitar, mais do que as outras, deconstante estímulo e da participação do adulto paraa vitalidade de seus interesses.

5. AFEIÇÃO HIPODÉRMICAPara que o ego ou super-ego mantenha o controle

frente a uma onda de ansiedade ou de impulsos,algumas vezes basta uma súbita quantidade adicionalde afeto. Crianças mais velhas ou normais podem nãosentir falta de indicações de afeto mas as criançasmenores ou perturbadas, precisam de uma manutençãoafetiva. Exemplo: Luizinho parava a atividade e vinharodear a educadora até que ela lhe fizesse um afago,depois voltava a atividade. Mesmo que a criança nãoesteja acostumada a trocas afetivas e que não saiba darnem receber afeto, a necessidade pode existir e precisaser atendida porque alguns comportamentos surgemsó para conseguir atenção.

6. DESCONTAMINAÇÃO DA TENSÃOPOR MEIO DO HUMOR

A manutenção do bom humor o adultodemonstra que o comportamento inadequado dacriança não o tornou vulnerável. O bom humorneutraliza sentimentos de culpa ou medo, aliviatensões e abre uma possibilidade de “saída honrosa“.Mas, é preciso cuidado para não desvalorizar ossentimentos da criança ou contribuir paradesorganizá-la. O humor pode ofender se contiversarcasmo ou cinismo.

7. AJUDA NOS OBSTÁCULOSAlgumas explosões de agressividade podem

resultar do choque da patologia original comobstáculos frustrantes. Uma ajuda não vai curar apatologia mas pode evitar uma crise. Nem sempre aatitude tomada é terapêutica mas é preciso evitarcrises que irão contaminar o grupo e desencadearum processo mais intenso. Esta técnica só funcionapara frustrações provenientes de um bloqueio ouimpasse na solução de problemas mas não para asprovenientes de outras patologias.

8. A INTERPRETAÇÃO COMO INTER-FERÊNCIA

Não se trata aqui da interpretação psicanalítica,baseada em conteúdos subconscientes mas apenasuma ajuda para a compreensão do que estáacontecendo no momento. Este tipo de intervençãotem mais efeito preventivo

9. REAGRUPAMENTOCertos comportamentos são desencadeados pela

própria constelação psicológica do grupo; outrospodem ser evitados com a inserção da criança numoutro grupo. Às vezes uma criança que agride muitoseus colegas do mesmo tamanho, colocado numagrupo de meninos maiores controla-se mais porquesabe que pode ser arriscado desafiar um companheiromaior e mais forte.

10. REESTRUTURAÇÃO Pode acontecer de haver perda de interesse pela

atividade em desenvolvimento ou cansaço pelaconcentração que ela requer e então surgir umdesequilíbrio e o controle que estava sendo alcançadoser substituído por comportamentos inadequados. Umadas técnicas para manejar o comportamento-problemaque não é causado pela patologia original mas pelasituação, é a reestruturação da atividade com asubstituição temporária por uma estrutura maisfacilmente equilibrável.

11. APELO DIRETO Quando existe possibilidade de controle interno

de comportamento por parte da criança, é semprepreferível apelar diretamente com o sentido demobiliza-lo do que usar outros recursos maisdrásticos. Mas se a criança considera o adulto comoinimigo ou se não tem noção da conseqüência deseus atos, será inútil verbalizar orientações. Tambémse o educador não acredita na eficiência do apelolidando com crianças normais ,certamente não iráidentificar as possibilidades de utilizá-lo com acriança perturbada.

O apelo relacionado a conseqüências de efeitoimediato é mais facilmente compreendido; quando o auto-conceito apresentar algumas melhoras já é possível apelarpara uma relação mais adulta. Alguns enfoques utilizadosno controle dos comportamentos indesejáveis são:

• apelo a um relacionamento pessoal• indicação sobre conseqüências físicas• apelo ao superego• referência à escala de valores do grupo• orgulho narcisista• conscientização da reação do grupo

Alguns apelos só podem ser utilizados numrelacionamento individual e não seriam eficientes emsituação de grupo.

12. ADEQUAÇÃO DE ESPAÇO E DEINSTRUMENTOS

Esta técnica pode ser graduada de acordo coma intensidade do problema. Inicialmente pode sernecessária uma restrição maior, posteriormente ir

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3º Milênio

diminuindo até extinguir a restrição. A adequaçãodo espaço ao problema de comportamento que acriança apresenta é fundamental para não propiciarsituações de risco assim como a presença de objetosque possam estimular comportamentosinadequados. Também o vestuário pode precisar seradaptado quando se trata de crianças sem condiçõesde avaliar a conseqüência de seus atos. Um meninoque tira os sapatos constantemente, de formacompulsiva, pode ter de usar um “quédis” bemamarrado, até perder este hábito. A colocação dechaves nas portas por onde os alunos não devempassar pode ser um recurso util izadotemporariamente até que o hábito se modifique mas,quando em se tratando de indivíduos compossibilidade de auto controle, seria um menosprezoao autocontrole a utilização de um recurso comoeste, razão pela qual, é indispensável o discernimentodo educador para saber qual o recurso a ser utilizado.

Este procedimento encontra resistência por partede alguns educadores mais rígidos mas, é eficaz noinício do processo educacional por que diminui asáreas de conflito, assegurando melhores condiçõesaté que o processo terapêutico esteja mais avançado.

Deve ser utilizado apenas provisoriamente.

13. REMOÇÃO ANTI-SÉPTICAA retirada da criança do grupo é uma medida de

emergência, utilizada quando seu comportamentodescontrolado atingiu uma intensidade tal que outrasformas de contenção não foram eficientes.

A retirada pode acontecer em função do direitodo resto do grupo a continuar trabalhando ou embenefício da criança mesma que não está comcondições de permanecer no ambiente. Mas tantonum caso como no outro, ela não pode acontecerde forma punitiva. A criança é convidada a se retirarpor que está sem condições pessoais depermanecer no grupo mas assim que melhorarpoderá voltar. A retirada deve feita como medidade apoio para ajuda-la a readquirir o autocontrolee não como uma expulsão por maucomportamento.

O professor do grupo permanece na sala pois seacompanhasse a criança perturbada estaria de certaforma premiando o comportamento inadequadodando-lhe atenção especial. Uma outra pessoa arecebe e maneja o seu comportamento com o sentidode acalma-la. As atividades do grupo continuamsendo realizadas e na maior parte dos casos, a criançaque saiu pede para voltar ao grupo porque querparticipar das atividades.

14 - CONTENÇÃO FÍSICARealizada não como castigo mas como uma

manipulação anti-séptica. Não levando a sério aagressividade ressaltamos a irracionalidade docomportamento.

15 - PERMISSÃO E PROIBIÇÃO AUTO-RITÁRIA

Para influenciar o comportamento de superfícienum determinado momento . Damos a permissãopara retirar do comportamento a carga de ansiedadee culpa.quando a criança está agindo por oposição,tudo perde a graça quando há a permissão. Com istoeliminamos também aquele “ar de rebelião triunfal “e mantemos o comportamento em nível controlável.

A proibição autoritária é teoricamente indesejávelmas funciona em certas situações, quando o controleparece ter sido perdido. Um “CHEGA” sem hostilidademas com firmeza, pode interromper um processo deexcitação e facilitar o redirecionamento

16 - PROMESSAS E RECOMPENSAS Para que promessas e recompensas sejam

eficazes no controle dos comportamentos énecessário que a criança seja capaz de estabelecerrelação entre uma recompensa futura e os seus atos,o que seria muito difícil para estas crianças.Provavelmente receberiam a recompensa como umaespécie de “golpe de sorte” e não como umaconseqüência de seus atos. Considerando-se a curtaduração de suas intenções e a incapacidade de manterresoluções, a promessa de recompensa não alcançariaresultados profícuos.

Outro fator que tem que ser levado em conta,em se tratando da convivência em grupo, é arivalidade, ou seja, a incapacidade de aceitar umadistribuição desigual, de acordo com o merecimentode cada um. A atribuição de recompensa diferente,ou até mesmo só em momento diferente, a quem fezjus, não será recebida como ato de justiça mas simcomo uma preferência pelo outro, o que irá aumentaro sentimento de rejeição.

O melhor será sempre que a recompensa seja a própria

realização da tarefa, a aquisição de um novo conhecimento

ou a conquista de mais um passo no caminho do autocontrole.

Agindo por motivação intrínseca, o prazer situa-se na própria

atividade e não se está estimulando o enfoque mais utilitarista

da motivação extrínseca. A abordagem construtivista

certamente é mais transformadora.

17 - CASTIGOS E AMEAÇAS Dentro da Escola Especial a hipótese de castigo

não existe, existe sim a conscientização sobre asconseqüências da ação incorreta. Alem do mais, oscastigos são recebidos pela criança com o sentido deuma vingança pessoal do adulto, como um atoagressivo de exercício de poder.

A análise das diferentes formas de intervençãoplanejada no controle dos distúrbios decomportamentos abordados, contribui paraenriquecer as possibilidades de atuação correta sobreos comportamentos de superfície dentro da visão

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

terapêutica psicanalítica, e da abordagem se nãoconstrutivista, pelo menos, não behaviorista.

Quando além do distúrbio de comportamen-to a criança apresentar deficiência mental acen-tuada, outros aspectos precisam ser considera-dos:• a compreensão do comportamento como forma de

expressão de alguém que não sabe se comunicar• a escolha de palavras significativas para advertências

ou orientações. Não adianta falar muito, é melhorfalar pouco e sempre utilizando as mesmas palavras.

• utilizar linguagem não verbal também• intervenção em cima da hora em que o fato ocorre,

não adianta falar depois ou fazer ameaças futuras

Convém ressaltar que nenhuma técnica é infalível,dependerão sempre do senso de propriedade com queforem aplicadas. O conhecimento das técnicas deintervenção é importante apenas para que o educadordisponha de maior número de recursos na sua práticaeducacional. mas, são a sensibilidade e a perspicácia dapessoa que as aplica que orientarão a seleção dasestratégias mais indicadas para uma determinadasituação.

A manutenção de uma rotina dinâmica e bemestruturada constitui a base sobre a qual o trabalhoeducacional se desenvolve. Dentro desta rotina, oestabelecimento dos Hábitos de Vida Diária sãofundamentais..

Grande número de crianças autistas chega à Escolaainda sem controle esfincteriano e com hábitosalimentares bastante diferenciados, razão pela qual, otreino das atividades de vida diária é parte tão importanteno seu processo educacional. O estabelecimento dehábitos higiênicos , alimentares e posturais corretos éfundamental para que a criança consiga um nível dedesempenho que possibilite sua integração na família ena sociedade. É necessária a manutenção de uma rotinadiária bem estruturada para que estes hábitos possamser assimilados e estabelecidos. Um bom instrumentopara registro avaliativo, pode ajudar a família e a Escolaa programarem este trabalho em conjunto.

A rotina é fundamental para a estruturação de umbom programa de atividades para crianças autistas.Precisa ficar claro para ela o que se espera que faça emcada ambiente. As crianças se desenvolvem através desua interação com o ambiente que as cerca; como acriança autista se isola, perde muitas oportunidades deestimulação alem do que, tende a fixar-se em algumasaprendizagens que conseguiu. Por outro lado, podenão transferir o que aprendeu deixando manifestarcertos desempenhos se houver alguma mudança noambiente.

Embora o trabalho com estas crianças precise serestruturado, é importante que ela tenha períodos livrespara fazer o que lhe dá prazer.

AS ATIVIDADES LÚDICASAndar, pular, balançar-se, nadar ou brincar na água,

podem ser atividades que dão prazer. Mas, em setratando de brinquedos, os resultados podem ser bem

diferentes do esperado.As crianças autistas não apresentam a brincadeira

simbólica, não imitam e não tem fantasias. Por nãotomarem conhecimento dos outros, não sentem suafalta e não tem capacidade de lhes atribuir sentimentos,estados mentais ou intenções. Vem daí a falta de desejoou fantasia. Tem dificuldade em imitar também poralteração na aquisição da noção de esquema corporal epor não introjetarem a própria imagem. As estereotipiasde seu comportamento o mantém isolado.

Na BRINQUEDOTECA não reagem como as outrascrianças pois não demonstram interesse pelo ambientenem pela variedade de brinquedos. Continuam suasestereotipias, manuseando brinquedos apenas comoqualquer objeto que usem em suas atividades repetitivasnão funcionais. Tem atração por objetos que giram efazem girar tudo o que podem, de rodas a pratinhos,com grande habilidade. Não percebem o que elesrepresentam e os utilizam como objetos sensoriaisautísticos não diferenciados do seu próprio corpo.

Na verdade, pode-se dizer que eles não distinguementre pessoas vivas e objetos inanimados, entretantoparecem gostar mais de bonecas grandes do que depessoas, porque as bonecas são sempre as mesmas,não mudam como as pessoas.

Em razão de sua dificuldade para abstrair e pensarsimbolicamente, não são capazes de imaginar o que osoutros sentem. Não chegam ao outro o suficiente paradeseja-lo, sentir sua falta ou imagina-lo, muito menosrepresenta-lo.

Para o autista, o brinquedo não é um convite aobrincar mas alguma coisa que pode servir ou não paraser manipulada de forma estereotipada.

“O uso protetor, indiossincrático de objetossensoriais autísticos impede a utilização dos objetossegundo um modo de brincar normal. Sem brincar esem vida normal de sensações, o desenvolvimentomental não é estimulado “ ( Araújo, Ceres ).

É preciso ensinar-lhe o uso funcional dosbrinquedos mas teremos que selecionar brinquedos queproporcionem resposta rápida, aqueles em que bastatocar para que alguma coisa aconteça pois, como nãomantém a atenção concentrada, terão que encontrarresposta rápida para não desistirem.

Embora sejam hiperativos, podem permanecerbastante tempo em um atividade que aprendem, porexemplo, encaixar as peças de Lego. Dificilmente irãocriar coisas interessantes mas poderão ficar bastantetempo entretidos em repetir o ato de encaixar aspecinhas.

É preciso lembrar que o conceito de lúdico estáassociado ao prazer que é um sentimento subjetivo,que não pode ser padronizado. Determinadas formasde lazer podem ser muito desagradáveis para a criançaautista, como por exemplo passeios a lugares novosmuito movimentados.

Quando tentamos dar prazer a uma criança autista,precisamos antes entrar em empatia com ela para captaro que seria adequado a sua forma de expressar-se. Fazero que ela está fazendo pode ser um bom começo, umaforma de estabelecer comunicação . Procurando imitá-la, partiremos da sua sintonia para criar outraspossibilidades.

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3º Milênio

Brincar é uma forma de expressar-se, é umaatividade que deve começar do interior da criança. Osbrinquedos são um convite ao brincar para aqueles quepercebem sua mensagem ou pelo menos, suaexistência. Mas se a criança não percebe o que está aoseu redor, pouco ou nenhum significado tem para ela.Nestes casos é preciso toca-la de forma a faze-la percebero estímulo que o brinquedo poderá oferecer.

Como qualquer outro ser humano, a criançaportadora de distúrbios invasivos de desenvolvimento,precisa ter uma qualidade de vida que, partindo do seubem-estar físico, alcance também alguma felicidade,algum prazer de viver. Mas, para isso, as pessoas quecom ela interagem, precisam descobrir o que lhe daprazer para , partindo desta descoberta, caminhar juntopara que ela possa adquirir outros níveis de satisfação eenriquecer assim sua qualidade de vida.

Endereço para CorrespondênciaRua Pintassilgo 426/85, Bairro Moema, Cep:

04514-032, São Paulo - SP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Araújo, Ceres Alves de – O processo de

individuação no autismo. São Paulo: Memnon, 20002. Redl, Fritz e Wineman, David – O tratamento da

criança agressiva; tradução Waltensir Dutra. São Paulo:Martins Fontes, l986.

3. Schwartzman, J.S. e Assumpção j., F. B. –Autismo Infantil. São Paulo:Memnon, l995.

4. Winnicott, D. W. – O brincar e a realidade: Rio deJaneiro: Imago, 1975.

CAPITULO XX

A PSICOPEDAGOGIA APLICADA AOSPORTADORES DE T.I.D.

Ana Maria Bereohff P. Bastos

“É essa imagem que se forma ao redor deminha paixão pela educação: estousemeando as sementes da minha maisalta esperança. Não busco discípulos paracomunicar-lhes saberes. Os saberes estãosoltos por aí, para quem quiser. Buscodiscípulos para neles plantar minhasesperanças”.(1)

Rubem Alves

A minha experiência ao longo de quase vinte e

cinco anos, trabalhando e estudando a área daEducação Especial e atuando na clínica psicológica esupervisão institucional, endossam o meu sentimentode paixão pela educação. Iniciei por ela, ao longodesse tempo alimentei-me dela e agora, o que eumais desejo é poder transmitir às outras pessoas muitomais do que alguns conhecimentos sobre algumastécnicas aprendidas e apreendidas nesses tempos.

Cursei o Magistério, e já no início do curso dePsicologia, comecei a trabalhar com criançasportadoras de necessidades especiais na EscolaIndianópolis em São Paulo, capital, até hoje tão bemcoordenada e dirigida pela Prof. Nylse Cunha. Lá euaprendi com Nylse e sua equipe, entre outras coisas,uma que considero muito importante: que a educaçãoé uma arte e o educador um artista; que as convicçõesmetodológicas podem ser muito perigosas, pois quemestá convicto da verdade não precisa escutar. Quemestá convicto do que sabe não tem o que aprender(1).

Se pretendermos ser educadores, no sentido desermos promotores, facilitadores de novas idéias econhecimentos, temos que em primeiro lugarreconhecer a nossa contínua condição de aprendizes.

E foi lá, na Escola da Nylse, como é conhecida, noano de 1979, que iniciei o atendimento pedagógicoem salas de aula, com crianças portadoras da Síndromede Autismo, hoje considerado um dos TranstornosInvasivos do Desenvolvimento, segundo o DSM IV-1994(2). Nessa época no Brasil, poucas instituiçõeseducacionais, mesmo as especializadas se propunhama receber essa clientela para atendimentopsicopedagógico, pois os distúrbios de comportamentoque na maioria das vezes acompanham esses casos,reforçavam abordagens clínicas e terapêuticas comoreferências para as famílias, que ainda tinham de sedefrontar com teorias “culpabilizadoras” de orientaçãopsicanalítica, baseadas na psicogênese do autismo.

Hoje, com a diversidade de estudos mais recen-tes, aprofundados e fidedignos, temos uma mudan-ça de paradigmas. Segundo Assumpção (3), nas últi-mas décadas houve mudanças conceituais impor-tantes: o autismo deixou de ser entendido como do-ença única, passando para o conceito de síndrome;da causa afetiva atribuída no início, passou a ser con-siderada cognitiva; e da origem psicogênica inicial,há atualmente um consenso na comunidade científi-ca quanto a etiologia biológica desses casos.

Portanto os pais passaram de “responsáveis” peladoença, para o papel de principais parceiros dos téc-nicos na busca de alternativas e soluções.

Anteriormente, porém, os próprios profissionaisenvolvidos no atendimento clínico, fossempsicoterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutasocupacionais, médicos e etc., reconheceram a ne-cessidade de uma intensificação na estimulação quesomente com uma estratégia educativa seria possí-vel. Os estudos de Lorna Wing(4), divulgados nessaocasião, descrevem o conceito de “interação passi-va” e ou “interação ativa, porém estranha”, apontan-do para o benefício da convivência dessas crianças

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

com grupos em escolas.

E, AFINAL, EM SE TRATANDO DEAPRENDIZAGEM, O QUE ÉPEDAGÓGICO E O QUE ÉTERAPÊUTICO?

Com o desenvolvimento desse trabalho,conscientizei-me de que a aprendizagem é um con-ceito fundamental, tanto na psicologia como na pe-dagogia.

Na psicologia experimental, encontramos muitosdos conceitos relacionados à aprendizagem. Vejamosalguns:

“Processo de modificação do comportamento,pela experiência, como um sentido; de adaptaçãoprogressiva, ou de valor positivo na interação de todoorganismo”(Lourenço Filho, 1940).

“Ocorre aprendizagem quando as informaçõesprovenientes do mundo externo e transmitidas pelosistema nervoso causam uma mudança mais oumenos permanente no comportamento futuro.”(O’Connor, 1968).

“Aprendizagem é a mudança relativamentepermanente no conhecimento ou no comportamentode uma pessoa, por causa da experiência.” (Mayer,1982).

“A aprendizagem pode ser definida como umprocesso de construção e de assimilação de uma novaresposta, no sentido de uma progressão deajustamento do comportamento quer no ambiente,quer ao projeto que o interessado tem emvista”.(Berbaum, 1984).

Ultimamente destaca-se na psicologia clínica aimportância de mecanismos básicos deaprendizagem, utilizando-os na compreensão e notratamento de distúrbios mentais e docomportamento (Rimm e Masters, 1983; Bellack eoutros 1982). Procedimentos terapêuticos recorremà desaprendizagem e reaprendizagem, com o objetivode eliminar ou reduzir comportamentos inadequadosque geram inadaptação e sofrimento para o indivíduoe para os que estão a sua volta(5). E sem dúvida, estesobjetivos devem também estar contemplados noatendimento de pessoas portadoras de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento, seja ele de caráterpedagógico ou terapêutico.A maioria dessas pessoastraz consigo prejuízos neurocomportamentais,déficits significativos na área cognitiva, nas funçõesexecutivas e na comunicação. Se não tivermos umconhecimento profundo dessas condições, ficarádifícil a aplicação de técnicas eficientes e queviabilizem o desenvolvimento desses indivíduos.

Os conceitos “terapêutico” e “pedagógico” seconfundem ainda mais nestes casos, quandoconsideramos o que o Prof. Dr. Angel Rivière denominade Princípio de Individuação: “As pessoas autistaspodem ser tão diferentes uma das outras, tãoheterogêneas em suas necessidades e competências,que cada caso exige uma adequação específica e

muito concreta das estratégias e objetivos detratamento. Os objetivos e procedimentosterapêuticos e educacionais são muito variáveis,dependendo do comprometimento da pessoa, nassuas diferentes dimensões. Lorna Wing (1996),denominou estas condições de “espectro autista”.(6).E essas variabilidades nos procedimentos necessitamser norteadas por algumas metas para evitar que oeducador ou terapeuta fiquem “perdidos” em seusplanejamentos e avaliações, pois respeitar essaindividualidade a qual Rivière se referiu não significatrabalhar sem metas a serem cumpridas.

As metas propostas para o atendimento devemconsiderar os seguintes aspectos:

• Promover o bem-estar emocional da pessoa autista,diminuindo suas experiências negativas de medo,ansiedade, frustração, incrementandopossibilidades de emoções positivas de serenidade,alegria e auto-estima.

• Promover a autonomia pessoal e as competênciasde auto-cuidado, diminuindo assim suadependência de outras pessoas.

• Aumentar suas possibilidades de comunicação,autoconsciência e controle do próprio compor-tamento.

• Desenvolver habilidades cognitivas e de atenção,que permitam uma relação mais rica com o seumeio ambiente.

• Aumentar a liberdade, espontaneidade e flexibilidadede suas ações, assim que estiver preparado.

• Aumentar sua capacidade de assimilar ecompreender as interações com outras pessoas,assim como sua capacidade de interpretar asintenções dos demais.

• Desenvolver técnicas de aprendizagem, baseadasna imitação, aprendizagem de observação.

• Diminuir aquelas condutas que trazem sofrimentopara o próprio sujeito e para os que o rodeiam,como as auto-agressões, ações destrutivas.

• Desenvolver suas competências comunicativas.

Rivière(1997)

Para atingir essas metas muitas vezes o educadordeverá ter uma atuação terapêutica devido àindividualidade que deve permear todo o processoeducacional dos portadores de TID. E com certeza oterapeuta que se restringir a ser um mero aplicadorde técnicas não será suficientemente educativo paraconseguir resultados significativos e eficientes na suaatuação.

Portanto, na minha visão e de acordo com aminha experiência entendo, concordando comCarvalho (7), que “a aprendizagem, principal funçãodocente, nem sempre é a prioridade da práticapedagógica”. Muitos educadores, pressionados pelaaplicação de metodologias de ensino não estãopreocupados em associar aprendizagem à mudançade comportamento de seus alunos. E no caso dessa

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3º Milênio

clientela, se a mudança de comportamento nãonortear a ação pedagógica, pouco estará seacrescentando à vida desses indivíduos.

Ressalto aqui que esses questionamentos quefaço quanto aos conceitos pedagógico e terapêuticonão se propõem a fomentar e incentivar a atuação deprofissionais despreparados, sem a formação técnicadevida, do tipo “multiuso” no atendimento aosportadores de TID. Isto poderia levar a uma confusãode papéis. Pelo contrário, a minha intenção é proporuma reflexão sobre a flexibilidade, ainterdisciplinaridade e a competência profissionalnecessárias para uma atuação eficiente nessa área.

GARANTINDO UMA ESCOLA PARATODOS

Um fator que contribuiu positivamente para acomprovada eficácia de procedimentos educativos noatendimento de crianças autistas foi o número maciçode estudos e pesquisas em todo o mundo. Estasapontavam para um melhor desenvolvimento daquelasque freqüentavam atividades psicoeducacionais,comparadas a outras que receberam outrosatendimentos. Um estudo importante que embasa esseposicionamento é o de Rutter e cols.(1973), queconclui que “o ensino tem necessidade de sersistemático, estruturado e bem adaptado àsnecessidades de cada criança”.(8)

A partir daí então, algumas iniciativas institucionaisnuma abordagem psicopedagógica, começaram a serestruturadas.No Brasil não foi diferente do resto domundo: o movimento das Associações de Pais foi sefortalecendo e promovendo em alguns estados essesatendimentos. A Associação Brasileira de Autismo(ABRA) se fez representar em 1994, na elaboração daPolítica Nacional de Educação Especial do Ministérioda Educação (9) que garantiu formalmente o direitodesses indivíduos à educação, adotando o conceitode Portador de Conduta Típica para essa clientela.

Entende-se por Portador de Conduta Típica, aspessoas com manifestações comportamentais típicasde síndromes e quadros neurológicos, psicológicosou psiquiátricos que ocasionam atrasos nodesenvolvimento e prejuízos no relacionamento socialem grau que requeiram atendimento especializado.Portanto, a partir daí ficou garantido o direito àeducação a todos os portadores de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento. É importanteesclarecer que essa terminologia: Portador de Conduta

Típica é um conceito educacional e não um diagnóstico

clínico. Uma criança portadora da Síndrome deAutismo Infantil (299.0), ou outra portadora daSíndrome de Rett(299.80), ou ainda uma criançaportadora de um Transtorno Desintegrativo daInfância(299.10)de acordo com DSM IV, são todasportadoras de “condutas típicas” de seus quadrosclínicos de acordo com o MEC (1994). Essa visãoaumentou ainda mais o grau de acessibilidade dessesindivíduos às propostas educacionais.

Todos esses avanços técnicos e administrativosnos últimos anos são resultados das pesquisas eestudos apontando para a necessidade da educaçãopara essas pessoas e também pelos direitosassegurados pela Declaração de Salamanca (10). Estedocumento redigido durante a Conferência Mundialde Educação Especial realizada na Espanha em 1994,reuniu delegados representando 88 governos e 25organizações internacionais que reafirmaram ocompromisso com a Educação para todos,proclamando a importância da educação inclusiva.

“...PARTICIPAR DE UM PROCESSOEDUCATIVO EXTRAPOLA A AQUISIÇÃODE CONHECIMENTOS ACADÊMI-COS...” (11)

Bereohff, Leppos e Freire (1994)

O que é fundamental levar em conta quandoconsideramos a psicopedagogia para os portadoresde Transtornos Invasivos do Desenvolvimento ésabermos de qual tipo de transtorno estamos nosreferindo e de qual indivíduo estamos tratando.Portanto, isso implica numa avaliação diagnósticacriteriosa e que não é função do professor e sim deum médico ou psicólogo especializados.Facion,(1993) (12); Schwartzman,(1995) (13)referem-se que estes transtornos podem estarassociados a outras comorbidades, como epilepsias,paralisia cerebral, erros inatos de metabolismo,síndromes genéticas, deficiência mental e outrasformas severas de distúrbios na infância.

É necessário que o professor se instrumentalizepara elaborar uma avaliação psicopedagógica apuradaque possa coletar o maior número de dadosquantitativos e qualitativos sobre seu aluno.Atualmente temos vários instrumentos para avaliaresse aluno situando-o dentro de um “continuum” dedéficits e de dificuldades, como o CHAT (Baron-Cohene al. 1992), o CARS (Schopler e al. 1988), o DISCO(Wing;Gould, 1994), o PORTAGE (Bluma ecolabs.,1978, adaptado para aplicação aos portadoresde TID por Bereohff e colabs.,1994 (14) ; o ADI(Guillberg, Nordin e Ehlers, 1996) e o I.D.E.A (Rivière,1997, que consta desse artigo como anexo).

Na verdade, o único instrumento dos citadosacima que não foi elaborado somente para avaliarportadores de Transtornos Invasivos noDesenvolvimento é o Guia Portage de Educação Pré-Escolar. Todos os outros instrumentos foram criadospara avaliar e traçar perfis dentro do continuum doespectro autista. E como pode ser observado é o maisantigo também. A partir de 1979, comecei a utilizaro Portage como instrumento de avaliação inicial econtinuada, que permite delinear uma Idade deDesenvolvimento da criança e que se consolidou porservir de subsídio ao professor na elaboração de

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

planejamentos pedagógicos para essa clientela, tãodiferente dos outros atrasos no desenvolvimento emuitas vezes não responsiva a avaliações pedagógicase psicológicas padronizadas, devido aos seusdistúrbios comportamentais. O que identifiquei nesseinstrumento como vantajoso é o fato de que aavaliação é aplicada no ambiente natural da escola,através de um inventário comportamental que sepropunha a ser também um guia curricular. Ora,naquela ocasião, pouco se sabia no Brasil sobre oatendimento educacional para os portadores de TID,o acesso às informações não era tão rápido edemocrático como atualmente e esse programa foiconsiderado de grande importância para aimplantação de muitos atendimentos educacionaisespecializados para os portadores de TID no Brasil.Em 1994, foi publicado um roteiro de observaçãoadaptado(13), priorizando itens que foramconsiderados pertinentes aos portadores de TID. Creioque até hoje, mesmo após a elaboração de“checklists” próprias para a avaliação do espectroautista, o Portage continua sendo uma dos mais ricos,pois norteia a atuação do professor como nenhumoutro que se propõe a isso; pois avalia o potencial dacriança tomando como base o desenvolvimentonormal na infância e não em comparação com outrosindivíduos do mesmo espectrum.

Uma revisão atualizada do Portage foi publicadarecentemente por Williams e Aiello (15) apresentandoum trabalho muito bem fundamentado com ênfasena intervenção familiar. No caso dos portadores deTID, na minha opinião, a aplicação do inventário deveser completa sem considerar a faixa etária da criançacomo critério de avaliação, pois nesses casos vamosencontrar as famosas “ilhas de habilidades”. É comumvermos uma criança autista apresentar habilidadespara determinadas áreas sem que os pré-requisitosestejam presentes em seu repertório comportamental.Ou seja, seu desenvolvimento pode ser desarmoniosoe imprevisível. Portanto aplicar parte do instrumentopode prejudicar o resultado no total.

É importante também detectar os interesses ehabilidades (que sempre existem), e isso somente épossível com uma observação cuidadosa desse alunoatravés de sessões livres e dirigidas, elaborando umaanálise funcional de seu repertório comportamental,registrando como ele reage em situações de conflito,quais são as formas que ele tem para explorar oambiente, suas preferências, resistências,indiferenças, grau de acessibilidade, compreensão decomandos, meios de comunicação, jogos, rituais, etc.

Podemos qualificar como problemáticos trêstipos de condutas: condutas que interferem naaprendizagem; condutas que interferem comhabilidades aprendidas e condutas que causam sériostranstornos para a família e provocam auto e hetero-agressão. O professor precisa estar atento a essasquestões para elaborar suas estratégias deatuação.Como se espera que esse aluno também sejaatendido por outros profissionais, o ideal é que haja

um trabalho conjunto, harmonioso que tenha comoprincipais pontos:

Redução dos Distúrbios Comportamentais – esteé o primeiro ponto que deve ser trabalhado, uma vezque interfere diretamente na aprendizagem e na qua-lidade de vida do aluno, do seu professor e de suafamília. Para isso, muitas vezes o professor necessita-rá do apoio de psicólogos que possam subsidiá-locom orientações sobre técnicas de modificação decomportamento.

Desenvolvimento do Repertório Comunicativo– muitos estudos e a própria experiência cotidiananos assegura que a maioria dos distúrbioscomportamentais se dá pela dificuldade de comuni-cação dos portadores de TID, além do que, aumen-tando o repertório comunicativo, aumentam-se aspossibilidades de maior integração social desses in-divíduos. Muitas famílias e profissionais levantamexpectativas acentuadas sobre o desenvolvimento dafala, embora, para essa clientela nem sempre a falatenha uma intenção comunicativa. Evidentementeque, quando ela está presente abre-se significativa-mente o prognóstico de aprendizagem. Porém é ne-cessário estar atento para a ampliação do repertóriocomunicativo desses indivíduos, pois nem sempre aausência da fala é um grande obstáculo para a apren-dizagem. Não poderia deixar passar a oportunidadede ressaltar que o trabalho da fonoaudiologia poderespaldar o professor nesses aspectos.

Maximização do Aprendizado Funcional e MaiorIndependência nas Atividades de Vida Diária – esse éum ponto que eu gostaria de assinalar como de grandeimportância para a elaboração de uma programaçãopedagógica. O professor deve selecionar e priorizaritens que sejam funcionais para o indivíduo e quetenham aplicabilidade prática na sua vida, agora e nofuturo no ambiente natural da vida(16). É comumpresenciarmos professores preocupados comaquisições acadêmicas tradicionais, como ler e escrever,quando deveriam ser orientados a se voltarem paraprocedimentos de aprendizagens mais funcionais.Creio que seja difícil encontrar um texto queexemplifique mais essa idéia quanto uma cartaendereçada para o Centro de Educação Especial AnnSullivann, em Lima no Peru, de um irmão de um rapazportador de deficiência mental:

“Prezados Senhores,Meu irmão Daryl, 18 anos, portador de

deficiência mental severa, freqüenta escola há dozeanos. Nunca foi atendido em nenhum outro ambiente.

Recebe há vários anos atendimento no ensinoespecial e tem aprendido a fazer muitas coisas!

Daryl pode agora, fazer muitas coisas que antesnão conseguia:

pode colocar 100 pinos num tabuleiro em menosde dez minutos, com 95% de exatidão; porém nãoconsegue colocar moedas na máquina derefrigerantes;

diante de instrução verbal, pode tocar o nariz, o

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3º Milênio

ombro, a perna, o pé, os cabelos, a orelha; porém nãoconsegue assoar o nariz quando necessário;

pode armar um quebra-cabeça de 12 peças com100% de precisão e colorir um desenho sobre a Páscoadentro dos limites; porém prefere música, mas nuncao ensinaram a usar um radio de pilhas ou um tocadisco;

pode dobrar papéis em 4 partes iguais; porémnão consegue dobrar a sua roupa;

pode ordenar blocos de papel por cor em dezcores diferentes; porém, não pode separar a roupabranca da roupa colorida para lavar;

pode fazer bonitos trabalhos com argila; porémnão pode amassar a massa de pão e fazer biscoitos;

pode enfiar contas coloridas alternadamentenum fio, conforme o modelo apresentado numcartão, porém, não consegue amarrar os seus própriossapatos;

pode repetir o alfabeto e dizer o nome das letrasquando lhe é pedido; porém, não consegue distinguiro banheiro masculino do feminino quando vamosao McDonald’s;

pode responder se um dia está nublado e atédesenhar no quadro uma nuvem cinza; porém sai nachuva sem um abrigo ou guarda-chuva;

pode contar até 100; porém não consegue contaro dinheiro para pagar o cachorro-quente

pode sentar-se num círculo com comportamentoadequado e cantar canções infantis; porém, nada maispróprio de sua idade é capaz de fazer

Espero sinceramente, que alguém que seencontre na mesma situação de Daryl, tenha tido aoportunidade de aprender coisas diferentes.”

Lewis, P. (1987).

“As pessoas que são produtivas e independentes muito

poucas vezes compor-tam-se inadequadamente” (LeBlanc)

A preocupação com a generalização emanutenção das condutas aprendidas deve nortearos procedimentos pedagógicos, que também deveconsiderar a individualização dos processos deaprendizagem através das seqüências naturais dessesprocessos, adequando as instruções verbais simplese de fácil compreensão para aquela situação.Não sepode também esquecer da “literalidade”, quenormalmente os acompanha. As condutas sãoaprendidas quando usadas efetivamente numavariedade de situações onde sejam adequadas.Praticar uma conduta aprendida contribui paraassegurar que o que aprendemos fará parte do nossorepertório comportamental. Portanto, basear oplanejamento pedagógico nas necessidades do dia adia, que se repetem no ambiente natural da criançaou do jovem é vital para conseguirmos algum sucesso.

Apoio Familiar – outro ponto crucial doatendimento e que merece consideração especial. Amaioria dos familiares já chega às instituiçõeseducacionais estressada e desiludida com osfracassos e as dificuldades encontradas até ali. Muitos

também costumam chegar com expectativas altas,principalmente com relação à alfabetização o quemuitas das vezes, não acontece. É importante que ainstituição ofereça aos pais o apoio necessário paraque eles sejam ouvidos e esclarecidos quanto às suasdúvidas e angústias. Que se sintam fazendo parte deum processo, resgatando o papel de educadores deseus filhos. Um programa estruturado de orientaçãopode ser desenvolvido nos moldes da Escola de PaisEspeciais, que os sensibilize sobre a importância deseus papéis e que promova a informação,conscientização, intercâmbio de informações eajustes no relacionamento família/instituição(17). Umserviço de psicologia e ou orientação educacional éum apoio importante e fundamental.

Transdisciplinaridade – “Dentre as centenas depesquisas, inúmeras teorias e diferentes abordagensque possam ter os profissionais que atuam nessa área,um aspecto da realidade nos une e conscensualiza: oisolamento autista nos conscientiza da nossa impo-tência numa atuação solitária. Somente um trabalhoconjunto, transdisciplinar, harmonioso, poderá teralguma possibilidade de sucesso” Bereohff, 1996(18). É fundamental que os profissionais envolvidosno atendimento desses indivíduos mantenham con-tatos periodicamente para que o risco de atuaçõesdesencontradas e incoerentes seja minimizado. Ocomprometimento que os acompanha em diversasáreas de seu desenvolvimento implicará na diversi-dade das estratégias de atendimento, portanto naatuação de vários profissionais, de preferênciaconscientizados, de que por mais eficientes e capa-zes que sejam, sozinhos não chegarão muito longe.É um trabalho que exige persistência, coerência, de-dicação, competência, humildade e disponibilidadeinterna.

Embora, na história da descrição desses casos deTID, as dificuldades de comunicação, linguagem erelacionamento social, tenham sido muito estudadose se tornado o foco nuclear nas abordagens deatendimento, hoje sabemos que outros aspectosdevem ser considerados. A inflexibilidade na mente eno comportamento, dificuldades na capacidadesimbólica, de ficção, imitação e de criar significantessão fatores que não podemos desconsiderar e oseducadores não podem desconhecer.

Rivière (1997) descreve muito bem as dimensõesalteradas nos quadros com espectro autista, comopodemos chamar também os portadores de TID., quepasso a analisar resumidamente:

DIMENSÕES ALTERADAS NOSQUADROS COM ESPECTROAUTISTA

1 - Transtornos Qualitativos da Relação Social – asolidão, a incapacidade ou dificuldade de relação,que se considera a raiz essencial do transtorno, quepode ir do mais completo isolamento às dificuldades

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

mais sutis de adaptação social, num continuum. Umdos primeiros objetivos a serem trabalhados nesteaspecto é estimular a criança ou adulto a aprenderque pode obter prazer nas relações com as pessoas,podendo-se utilizar situações e objetos interessantespara ele. A apresentação sistemática de estímuloscontingentes ao comportamento da criança ouadulto pode ter um papel importante nodesenvolvimento de suas capacidades de estabelecerrelação com o meio social.

2 – Transtornos Qualitativos das Capacidades de

Referência Conjunta – refere-se a aspectos sutis daqualidade dessas relações sociais: dificuldade emcompartilhar interesses, ações ou preocupações comoutras pessoas. Também considerado numcontinuum, pode ir da ausência completa de interessesconjuntos até, nos menos comprometidos, ocompartilhar de assuntos especialmente escolhidospor eles. Nestes casos é importante respeitar e ter ocuidado para não invadir o espaço vivencialestabelecido, que pode ir do confronto visual, nocontato face a face até a invasão expressiva deemoções e gestos que pode vir a inibir futurassituações de referência conjunta. O professor podeexplorar situações sociais ao máximo, referindo-sesempre a outras pessoas presentes no ambiente:colegas, outros professores, auxiliares, enfim,chamando a atenção para algum detalhe concretodo tipo: roupas, cor dos cabelos, tipo de sapatos. Paracrianças mais comprometidas o uso de bonecos oufotografias pode ser facilitador para essas situações.Em casos mais leves, estimular o aluno em atividadesque ele possa discriminar comportamentos e açõesmais sutis de outras pessoas.

3 – Transtorno das Capacidades Intersubjetivas e

Mentalistas – refere-se a dificuldade por parte dosautistas de compreenderem que tipo de seres são aspessoas; uma carência de algum processo cognitivoque os “permita decifrar as pessoas e compreende-las como seres dotados de mente”(Frith,1996) Esta éuma grande dificuldade para os profissionais noatendimento. É importante que sejam conhecedoresdos aspectos relacionados à Teoria da Mente (19).Pode-se estimular o desenvolvimento de atividadesque incluam desde a rotina estruturada nas atividades,para os mais comprometidos até o treinamento daidentificação de expressões e mímicas faciais para oscasos mais leves, incluindo exercícios explícitos deinferência mentalista.Por exemplo: apresentação defiguras, ou desenhos e perguntar: “o que está sentindoesse menino quando perde a bola?”,“o que fará ohomem quando encontrar a namorada no cinema?”.Poder interpretar, predizer a conduta dos outrosdetermina e muito o nosso comportamento.

4 – Transtornos Qualitativos das Funções

Comunicativas – temos que considerar aqui que secomunicar é um problema, às vezes insolúvel para apessoa autista. E aí precisamos conceituarcomunicação como uma atividade intencionada, derelação, que se refere a algo, tem um tema e se realiza

mediante significantes. Por exemplo: indivíduosecolálicos, ou que se aproximam de outras pessoasapenas para perguntarem sobre um determinadoassunto, não importando a resposta que se dê,somente para satisfazerem fixações e repetições nostemas abordados, não podem ser consideradoscomunicativos, embora falem. Isto nos remete à játão enfatizada necessidade da ampliação dorepertório comunicativo dos portadores de TID.

5 – Transtornos Qualitativos na Linguagem

Expressiva - Pode ir do mutismo completo, passandopor uma linguagem pouco funcional e espontâneaaté a emissão de um vocabulário pedante, rebuscado.O trabalho a ser desenvolvido deve contemplar o nívelde comprometimento do aluno passando pelo usode cartões com símbolos e palavras até aaprendizagem de discurso declarativo intencional.Schopler, em Gauderer (1993), defende a utilizaçãode atividades estruturadas através de cartões,desenvolvidas num método criado por ele nos EstadosUnidos e bastante utilizado no Brasil.Trata-se doMétodo para o Tratamento e Educação de CriançasAutistas e com Perturbações Afins da Comunicação(Treatment and Education of Autistic and RelatedCommunication Handicapped Children – TEACCH)(20). O importante é salientar que o desenvolvimentoda linguagem expressiva deve ser um dos objetivosprincipais nas abordagens de tratamento dosportadores de TID.

6 – Transtornos Qualitativos da Linguagem Receptiva

– os portadores de Transtorno Invasivo doDesenvolvimento sempre tem dificuldades, maioresou menores para compreender a linguagem e nãopodemos nos esquecer disso ao planejarmos suasatividades pedagógicas. Quando, na nossa avaliaçãotemos indicativos de indivíduos com maiordificuldade para compreender a linguagem, o excessode comandos verbais pode ser prejudicial. “O silênciona relação com a pessoa autista mais comprometidapode ser uma estratégia eficaz no início de umarelação”.(Rivière,1997) .As pessoas autistas maiscapazes devem aprender a calcular como podem serinterpretadas, discriminando o significado literal e aintencionalidade das emissões. Os portadores daSíndrome de Asperger podem ser beneficiados poratividades literárias.

7 – Transtornos Qualitativos das Competências de

Antecipação - numa perspectiva cognitiva, anecessidade das pessoas com espectro autista dapreservação de um mundo sem mudanças, previsívele estático, nos remete a idéia de que existemdificuldades explícitas nos processos de antecipação.Está demonstrado que ambientes não estruturados eimprevisíveis produzem resultados negativos. Por isso,recomenda-se a manutenção de uma ordem, de umarotina no ambiente e nas atividades pedagógicas paraque tenhamos algum êxito na nossa função educativa.Embora uma das metas seja diminuir essa rigidez naestruturação do meio, sempre será importante manteruma base necessária ao princípio de uma antecipação

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3º Milênio

ambiental. Saber o que vai acontecer em seguida,alivia a ansiedade de uma pessoa que apresentadificuldades para entender códigos e sinais sociais;evita muitas crises comportamentais. O ambientedeverá ser tanto mais estruturado quanto menor fora capacidade de interpretação e uso dos instrumentosde antecipação por parte da pessoa com autismo.Issonão significa que ela deverá somente permanecer emambientes artificiais e restritivos, pois necessitará terexperiências verdadeiras capazes de produzirdesenvolvimento, em ambientes naturais.Recomendo a inclusão dessas pessoas em salasespeciais, nas escolas de ensino regular, ondegradativamente elas poderão ser inseridas emsituações naturais e desenvolver suas competênciasde antecipação. A segregação a que são submetidosos portadores de TID mais comprometidos, na maioriadas instituições educacionais, só incidirá cada vezmais numa intensificação de seusproblemas.Lembrando uma frase de LeBlanc:“quando um aluno não aprende, diz-se que não estámotivado ou que possui algum problema mental oufísico que impede a aprendizagem. E esta posição émuito cômoda para profissionais e pais que nãoquestionam a efetividade do que está sendoensinado”. E onde está sendo ensinado!

8 – Transtornos Qualitativos da Flexibilidade Mental

e Comportamental – as estereotipias motoras, afixação por rituais repetitivos, a obsessão por certosconteúdos mentais, a dificuldade para enfrentar asmudanças, configuram um estilo mental ecomportamental destes transtornos. Em casosextremos o apoio de uma medicação criteriosamenteprescrita por um médico pode auxiliar muito aredução desse transtorno. Em casos mais leves, asintervenções consistem em apresentar à criançaalternativas funcionais de atividades, desenvolver suashabilidades e ampliar seu repertório comunicativo.Trabalhar a quebra dessas fixações e estereotipiastambém faz parte do trabalho do professor que deve,nesses momentos estimular o interesse do aluno paraoutra atividade. Retirar do ambiente objetos quegerem excitação ou exacerbem sua hiperatividade éuma estratégia adequada para restringir essescomportamentos. A adequação do ambiente éfundamental para a organização e planejamento dasatividades. Ambientes muito grandes, abertos,recheados de estímulos visuais e sonoros são contra-indicados para uma situação de aprendizagem,embora sejam necessários numa instituição, paraoutras situações menos dirigidas e estruturadas.

9- Transtornos na Percepção do Sentido de suas

Atividades - refere-se a uma dimensão social da ação;um déficit cognitivo para compreender uma coerênciacentral da informação, uma dificuldade para processaras informações. Passando desde o predomínio decondutas sem metas, como por exemplo: corridassem rumo, ações sem propósito, nos casos maisgraves, até a condição de realização de tarefas por umgrande período de tempo com certo grau de

autonomia, porém com dificuldades para entender atotalidade das seqüências das tarefas. A depender dagravidade do transtorno recomenda-se uma atençãoindividualizada, com indicações diretivas e lúdicas,uma rotina rigidamente estruturada para que seconsiga uma atenção e resposta à atividade funcional,reforço simbólico através de fichas e nos casos maisleves um apoio para eleger objetivos pessoais razoáveise interessantes, com possibilidade de êxito. Garantirao aluno a possibilidade de êxito em suas atividadesalém de permitir uma coerência na compreensão doque está fazendo, eleva sua auto-estima, quandopercebe, através de elogios (que é um poderosoreforçador social), que é capaz de realizar uma tarefabem feita.

10 – Transtornos Qualitativos das Competências de

Ficção e Imaginação – refere-se a uma dificuldadepara compreender a substituição de objetos, atribuirimaginariamente a propriedades a coisas e situações.A ausência do jogo de ficção não só afeta o transtornoautista, mas em geral, a todos os quadros do espectroautista. É o que Frith chamou de “um mundo literal,sem metarrepresentações” (21). Um mundo que nãoé possível “suspender” as propriedades ecaracterísticas das realidades físicas presentes paraimaginar mundos alternativos. Por isso a importânciade se tornar significativo para seu aluno, decompartilhar com ele durante período de tempoprolongado o prazer funcional do jogo. Para os maisgraves sugere-se jogos corpo a corpo, circulares, comcontato físico, até que ele compreenda que essa éuma situação lúdica.É importante se fazer presentena vida do aluno. Ser um companheiro de jogo,diversificar os temas, representar cenas de filmes oude programas de televisão do seu interesse, para queseja possível talvez, ensaiar as primeiras suspensõesde um mundo real, compartilhando com ele de ummundo imaginário.Contar histórias é uma atividadeimportante e eficaz para trabalhar essas dificuldades.Explorar o conteúdo, as características dospersonagens, a seqüência dos fatos e a imaginaçãode um outro contexto, por exemplo, pode ser degrande benefício para esses indivíduos, além deprazeroso para o professor.

11- Transtornos Qualitativos de Imitação - refere-se a incapacidade de imitar e ao mesmo tempo é umreflexo e uma condição das limitações simbólicas eintersubjetivas das pessoas com espectro autista.Trata-se, portanto, de um dos pontos fundamentais aserem explorados pelo educador, pois odesenvolvimento de condutas de imitação diante deuma ordem ou numa situação espontânea, podedesenvolver o mecanismo de aprendizagem limitadoou ausente, empregando sistematicamente ummecanismo presente, através de situações interativasbastante estruturadas. Para tanto se recomenda maisuma vez a convivência dessas crianças com outrasmenos comprometidas e ou de desenvolvimentonormal como modelos motores, verbais e sociais numambiente natural.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

12 – Transtorno da Capacidade de Criar

Significantes – refere-se a incapacidade de deixar emsuspenso ações ou representações com o fim de criarsignificados que podem ser interpretados por outraspessoas e por eles mesmo. Dificilmente suspendemações instrumentais para fazer representaçõessimbólicas, por isso mesmo os portadores deSíndrome de Asperger, com um nível cognitivo maiselevado tem dificuldades para entender ironias,metáforas, linguagem figurada, etc.

Por considerar importante o conhecimento doaluno em todas essas dimensões, anexo a este capítuloo Inventário de Espectro Autista, I.D.E. A , elaboradopor Rivière em,1997 para que o professor avalie-o eplaneje atividades centradas em suas necessidadesbásicas, oportunizando assim maiores possibilidadesde desenvolvimento.

Outro aspecto importante a se considerar é oêxito que uma boa parte de portadores do espectroautista (TID) apresenta diante de atividades realiza-das com o computador. Têm sido observadas facili-dade no manejo e relacionamento com as máquinas.Alguns indivíduos com nível cognitivo levementecomprometido e ou preservados intelectualmenterespondem mais rapidamente aos estímulos apresen-tados. Duar (2001) descreve os estudos de Gonçal-ves, 1998 apontando: “resultados positivos nainteração de uma criança autista que faz uso do com-putador. Segundo Gonçalves, não são necessáriossoftwares especificamente elaborados para pessoascom autismo. Contudo, destaca alguns critérios im-portantes na escolha dos programas utilizados: cla-reza, adequação a idade de desenvolvimento eunicidade. A linguagem deve ser clara, possibilitan-do uma fácil compreensão da mensagem. Deve tam-bém ser adequada ao nível de prontidão e dificulda-de do sujeito que está sendo estimulado. Não devemser utilizados excessos de cores e sons, sobretudoquando há indicativo de hiperatividade. Tão pouco,devem ser utilizados programas que estimulem áre-as diversificadas, num primeiro momento. Visando aautonomia, ressalta a importância de se fazer o trei-no do uso do mouse, dos cuidados básicos com oequipamento, como ligar e desligar. Descreve, ainda, quea utilização do computador pode ser eficaz tanto na aqui-sição de comportamentos sociais, como habilidadescognitivas e pode, inclusive possibilitar o acesso e desen-volvimento de atividades profissionalizantes”(22).

Resumindo, as estratégias educativas no atendi-mento psicopedagógico devem contemplar:

•Considerar o autismo um transtorno dodesenvolvimento.

• Priorizar objetivos funcionais e a necessidade deintervenção em ambientes naturais de interação.

• Utilizar procedimentos baseados nas técnicas demodificação de comportamento.

• Promover um ambiente estruturado e previsível.• Objetivar a evolução e adaptação dos objetivos às

características pessoais dos alunos, definindo os pré-

requisitos evolutivos e funcionais. Sistemas degeneralização das condutas aprendidas.

• Envolver a família e a comunidade.• Ser intensivas e precoces.• Ignorar as condutas indesejáveis, e reforçar situações

de potencialização de habilidades adaptadas ealternativas.

• Promover procedimentos de antecipação e previsãodas mudanças ambientais

• Desenvolver sistemas para o controle dos compor-tamentos

• Desenvolver sistemas de signos e linguagem.• Oportunizar experiências positivas e lúdicas de

relação interpessoal.• Promover condições de aprendizagem sem erros.• Propiciar contextos e objetivos individualizados de

tratamento e aprendizagem• Compreender o núcleo disfásico do autista.• Propor atividades com sentido explícito para o

aluno.• Negociar a inflexibilidade comportamental.• Cuidar para que o atendimento não seja a aplicação

neutra de técnicas, mas sim, na essência, umaextensa e profunda relação comunicativa.

Nos últimos anos, temos tido o privilégio depresenciar os relatos de Temple Grandin, uma pessoaportadora de autismo de alto funcionamento queconseguiu superar inúmeras dificuldades e chegar aconcluir cursos de nível superior nos Estados Unidos.É fundamental que os profissionais que trabalhamnessa área leiam seus relatos e interpretações arespeito das características e sintomas do autismo esuas sugestões de como enfrentá-las. Em seulivro:“Uma menina estranha”(23), Grandin enfatizaa adequação e sensibilidade dos profissionais, numaépoca que pouco se sabia sobre esse problema. e aimportância que sua mãe teve em toda a sua vidacomo mediadora e praticamente tradutora, muitasvezes na sua integração e compreensão do “mundonão autista”.

Gostaria de encerrar esse capítulo, invocando aidéia com a qual iniciei: esperança.

Pertenço a uma geração de profissionais queparticipou da evolução da política de atenção apessoas portadoras de TID no Brasil. Além dasdificuldades inicialmente encontradas no trabalho,pela falta de informações, precisamos tambémenfrentar preconceitos, e em alguns momentos atésermos chamados de “revolucionários”(24) parajuntamente com as famílias garantir o direito dessaspessoas à educação. Nessa empreitada estabelecemosvárias parcerias e ganhamos muitos companheiros.Alguns mestres, não só pelo conhecimento técnicona área, mas pelas lições de vida, coragem eperseverança testemunhadas. Aprendi muito nessesanos. Inclusive que a ousadia e os sonhos têm preço.Porém, em todas as situações eles valeram a pena!

“Aprendi a dizer “eu não sei”com os pais dosmeus clientes crônicos. Com o passar do tempoaprendi com eles a ter humildade e colocar em prática

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3º Milênio

o que a vida, os livros, professores, pais e crianças meensinaram. Aprendi também que o aprendizado érenovável, inesgotável, reciclável. Aprendi comcrianças portadoras de doenças terminais que cadaminuto da vida pode ser o último e durar umaeternidade. Aprendi com crianças portadoras deatraso de desenvolvimento que, felizmente, eu sousaudável o suficiente e tenho condições, de dar aessas pessoas uma condição melhor de vida. Elas meensinaram a manter o coração e a mente abertos.Elas esperam isso de nós” (Gauderer, 1993)(25).

Feliz aquele que transfere o que sabe e

que aprende o que ensina

Cora Coralina

ANEXO

I.D.E.A.INVENTÁRIO DE ESPECTRO AUTISTA

PROF. DR. A. RIVIÈRE Traduzido por Bereohff, A . ,2001

• Estabelecer no processo diagnóstico e de atendi-mento, a severidade dos casos ( seu nível de Espec-tro Autista, nas diferentes dimensões).

• Ajudar a estabelecer estratégias de intervenções,em função da pontuação.

• Submeter à prova as mudanças no comportamento,a médio e longo prazo que se esperam notratamento, validando ou não a sua eficácia.

• ESCALA DO TRANSTORNO DO DESENVOLVIMENTOSOCIAL (1,2 e 3)

1- Transtorno do relacionamento social2- Transtorno da referência conjunta3- Transtorno intersubjetivo e mentalista

• ESCALA DE TRANSTORNO DA COMUNICAÇÃO ELINGUAGEM (4,5 e 6)

4- Transtorno das funções comunicativas5- Transtorno da linguagem expressiva6- Transtorno da linguagem receptiva

•ESCALA DE TRANSTORNO DA ANTECIPAÇÃO EFLEXIBILIDADE (7,8 e 9)

7- Transtorno da antecipação8- Transtorno da flexibilidade9- Transtorno do sentido da atividade•ESCALA DE TRANSTORNO DA SIMBOLIZAÇÃO (10,11

e 12)

10- Transtorno da ficção11- Transtorno da imitação12- Transtorno da suspensão

As pontuações variam de 0 a 24 pontos em cadauma das escalas e está definida pela soma de suastrês dimensões.

As pontuações em torno de 24 pontos sãopróprias do Transtorno de Asperger e as que se situamem torno de 50 pontos são próprias dos quadros maiscomprometidos referentes ao Transtorno de Kannerou Autismo Clássico.

Observações para a avaliação adequada dasdimensões:Assinalar sempre a pontuação mais baixa possível.As pontuações ímpares ( 7,5,3,1) se reservam para oscasos que se situam claramente entre os citados naspontuações pares.

I.D.E.A FICHA DE AVALIAÇÃO

DIMENSÃO PONTUAÇÃO ESCALA1.Transtorno do Desenvolvimento Social2.Transtorno de Referência Conjunta

3.Transtorno Intersubjetivo e Mentalista

SOCIAL _____ (1+2 +3)4.Transtorno das Funções Comunicativas5.Transtorno da Linguagem Expressiva6.Transtorno da Linguagem Receptiva

COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM ____ (4 +5 + 6)7.Transtorno da Antecipação8.Transtorno da Flexibilidade9.Transtorno do Sentido da Atividade

ANTECIPAÇÃO/FLEXIBILIDADE ____ (7+ 8+ 9)10.Transtorno da Ficção11.Transtorno da Imitação12.Transtorno da Suspensão

SIMBOLIZAÇÃO _____ (10+11+12)TOTAL DE PONTOS _____

TRANSTORNO DO RELACIONAMENTO SOCIAL

Isolamento completo. Desapego a pessoas específicasNão se relaciona com adultos ou crianças.................8

Incapacidade de relacionamento. Vínculo com adultosNão se relaciona com seus pares.................................6

Relações esporádicas, induzidas, externas com seus paresRespostas a estímulos sociais sem iniciativa própria..........4

Apresenta motivação para estabelecer relações comseus pares, mas apresentam dificuldades paracompreender sutilezas sociais e escassa empatia.Consciência da solidão.................................................2

Não apresenta transtorno qualitativo de relaciona-mento.............................................................................0

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPACIDADE DE REFERÊNCIACONJUNTAAusência completa de ações conjuntas ou interessepor outras pessoas e suas ações..................................8

Ações conjuntas simples , ausência de olharsignificativo para o outro..............................................6

Observado olhares de referência conjunta emsituações dirigidas..........................................................4

Pautas estabelecidas de atenção e ação conjuntas,mas não de preocupação conjunta.............................2

Não há transtorno qualitativo das capacidades dereferência conjuntas.....................................................0

CAPACIDADES INTERSUBJETIVAS EMENTALISTASFalta de interesse pelas pessoas.Ausência de expressãoemocional correlativa....................................................8

Respostas intersubjetivas primárias, mas nenhumindício de que se vê o outro como sujei-to ....................................................................................6

Indícios de intersubjetividade secundária, sematribuição explícita de estados mentais. Não seresolvem tarefas da Teoria da Mente...........................4

Consciência explícita de que as outras pessoas têmmente, que se manifesta na solução de tarefas da TMde primeira ordem, em situações reais, o mentalismoé lento, simples e limitado...............................................2

Não há transtorno qualitativo dessas capacidades ...0

FUNÇÕES COMUNICATIVASAusência de comunicação (relaçãointencional,intencionada e significante) e decondutas instrumentais com as pessoas...................8

Condutas instrumentais com pessoas para conseguirtrocas com o meio físico (por exemplo, pedir ), semoutras formas de comunicação.....................................6Condutas comunicativas para pedir, mas não paracompartilhar experiência com o mundo mental daspessoas............................................................................4

Condutas comunicativas de declaração,comentários,etc. com pobres qualificações subjetivas daexperiência, e declarações sobre o mundo externo.....2

Não há transtorno qualitativo das funçõescomunicativas...............................................................0

LINGUAGEM EXPRESSIVAMutismo total ou funcional. Pode haver verbalizaçõesque não são propriamente lingüísticas........................8

Linguagem composta de palavras soltas ou ecolalias.Não há criação de expressões e orações......................6

Verbaliza orações.Há orações que não são ecolálicas, mas que nãoconfiguram discurso ou conversação...........................4

Discurso e conversa, com limitações de adaptação eflexibilidade sobre a eleição de temas relevantes.Freqüentemente há anomalias prosódicas.................2

Não há transtorno qualitativo da linguagemexpressiva.......................................................................0

LINGUAGEM RECEPTIVAAge como se fosse surdo.Tendência a ignorar alinguagem Não apresenta resposta a comandos,chamadas ou indicações.............................................8

Associação de enunciados verbais com condutas

próprias, sem indícios que assimilem a codificação

deste comportamento..................................................6

Compreensão (literal e pouco flexível) de enunciados,

com alguma análise estrutural.

Não compreende discursos de terceiros........................4

Compreende o discurso e conversa de terceiros, mas

apresenta dificuldade de discriminar a literalidade das

palavras da intenção......................................................2

Não há transtorno qualitativo das capacidades de

compreensão..................................................................0

ANTECIPAÇÃO

Atração por estímulos que se repetem de forma

idêntica(partes de filmes). Resistência intensa a

mudanças. Falta de condutas antecipató-

rias...................................................................................8

Condutas antecipatórias simples em rotinas

cotidianas.

Com freqüência, reagem negativamente a mudanças...6

Capacidade para incorporar estruturas temporaisamplas( por exemplo, férias).

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3º Milênio

Pode haver reações catastróficas diante de mudançasimprevistas...................................................................4

Alguma capacidade de administrar o próprioambiente e de lidar com as mudanças. Prefereambientes estruturados e previsíveis............................2

Não há transtorno qualitativo da capacidade deantecipação...................................................................0

FLEXIBILIDADEPredominam as estereotipias motoras simples............8

Predominam os rituais simples.Resistência amudanças mínimas......................................................6

Rituais complexos. Apego excessivo a objetosPerguntas obsessivas......................................................4

Conteúdos obsessivos e limitados de pensamentoInteresses pouco funcionais e flexíveis;perfeccionismo..............................................................2

Não há transtorno qualitativo da flexibilidade..........0

SENTIDO DA ATIVIDADE

Manifestação de condutas sem objetivo.Inacessível a sinais que dirijam ou coordenem aatividade..........................................................................8

Somente realiza atividades funcionais breves comsinais externos................................................................6

Atividades autônomas por períodos de temposignificativos,como partes de projetos incoerentescuja motivação é externa..............................................4

Atividades complexas por um grande tempo, cujameta se conhece e deseja, mas sem uma estruturahierárquica de previsões...............................................2

Não há transtorno qualitativo do sentido daatividade........................................................................0

FICÇÃO E IMAGINAÇÃOAusência completa de jogo funcional ou simbólico ede outras competências de ficção.................................8

Jogos funcionais pouco flexíveis, pouco espontâneose de conteúdos limitados..............................................6

Jogo simbólico, em geral pouco espontâneo eobsessivoDificuldades importantes para diferenciar ficção erealidade..........................................................................4

Capacidades complexas de ficção que empregamcomo recursos de isolamento.Ficções pouco flexíveis..................................................2

Não há transtorno das competências de ficção eimaginação.....................................................................0

IMITAÇÃOAusência completa de condutas de imitação..............8

Imitações motoras simples, evocadas, nãoespontâneas....................................................................6

Imitação espontânea esporádica, pouco versátil eintersubjetiva..................................................................4

Imitação estabelecida. Ausência de “modelosinternos”..........................................................................2

Não há transtorno das capacidades deimitação...........................................................................0

SUSPENSÃO(capacidade de criarsignificantes)

Não se suspendem pré-ações para criar gestoscomunicativos Comunicação ausente ou por gestosinstrumentais com pessoas.........................................8

Não se suspendem ações instrumentais para criarsímbolos Não há jogo funcional..................................6

Não se suspendem propriedades reais de coisas ousituações para criar ficções e jogos de ficção................4

Não se deixam em suspenso representações para criarou compreender metáforas ou para compreender queos estados mentais não se correspondemnecessariamente com as situações................................2

Não há transtorno qualitativo das capacidades desuspensão.......................................................................0

Endereço para CorrespondênciaSQS 304, Bloco C, Apartamento 105, Cep: 70337-

030, Brasília - DF.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS PELAORDEM DE CITAÇÃO NO TEXTO:

1. Alves, R. – Entre a ciência e a sapiência – Odilema da Educação, São Paulo : Loyola, 1999.

2. American Psychiatric Association. Manualdiagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM-IV. Porto Alegre: Artes Médicas. 1995.(Trabalho originalpublicado em 1994).

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

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10. Brasil, MJ. Declaração de Salamanca. Brasília,CORDE, 1994.

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12. Facion J.R. A Síndrome do Autismo e osProblemas na Formulação do Diagnóstico. Em E.C.Gauderer (Org.). Autismo e outros atrasos dodesenvolvimento – uma atualização para os que atuamna área: do especialista aos pais. Brasília: CORDE, 1993.

13. Schwartzman,J.S. Neurobiologia do AutismoInfantil. In: J. S. Schwartzman & F.B.Assumpção Jr.(Org.).Autismo Infantil.São Paulo: Memnon, 1995.

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enigma. Madrid. Ed. Alianza, 1991.22. Duar, A.A. Utilização do computador na

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23. Grandin,T.;Scariano,M. Uma meninaestranha.São Paulo :Cia das Letras, 2001.

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25. Gauderer, E.C. Autismo e outros atrasos dodesenvolvimento – uma atualização para os que atuamna área: do especialista aos pais. Brasília: CORDE, 1993,p.19.

CAPITULO XXI

FORMANDO PROFESSORES

Lucia Helena Vasconcelos Freire

Este capítulo traz em seu conteúdo algumasconsiderações, pensamentos e pontos de vistaelaborados a partir da minha prática diária comoProfessora da Educação Especial, profissão que exercidurante quase vinte e quatro anos, e também comoPsicóloga de crianças portadoras de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento, minha área deatuação nos dias de hoje.

Pretendo assim, propor uma reflexão sobre aopção profissional de cada um e conseqüentementesobre a importância de nos sentirmos contempladoscom esta escolha, pois a partir desse sentimentopoderemos buscar a qualidade e a competência tãonecessárias para o desempenho pleno de nossasfunções.

Nós, profissionais da Educação Especial, vivemose experimentamos constantemente inúmerasdificuldades e desafios, fatores que por si só, não nosdiferencia de muitos outros profissionais.

Mantendo essa linha de pensamento, podemosdizer que todos nós trabalhadores da educaçãoespecial ou não, em alguma instância somos iguais.

Em nosso caso especificamente, nos definiríamoscomo professores ou educadores, que teríamos comotarefa principal educar seres humanos e como objetode trabalho, pessoas com as mais diferentesdificuldades e os mais diversos transtornos.

Pensar assim torna tudo muito simples,principalmente quando nos vemos como possuidoresde grande competência e sabedoria, conhecedoresde todas as fórmulas mágicas e modelos deatendimento, conseqüentemente ocupando somentea posição de ensinantes e nunca a de aprendizes.

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3º Milênio

Será? Seria tudo assim tão simples? Ser professorda Educação Especial é ser assim, tão pouco especial?

Que profissional é este?Como já foi mencionado, neste capítulo me

proponho a discutir um pouco sobre o profissionalda Educação Especial, com uma particularidade queo torna único, ser Professor de uma pessoa portadorade um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento -Transtorno Autista (DSM IV, 1994), cujodesenvolvimento se encontra profundamente afetadona sua globalidade, principalmente nas áreas daInteração Social, da Comunicação e doComportamento. Este professor se encontrará diantede um aluno com uma gama de comportamentostão incomuns, tão complexos e na maioria das vezestão imprevisíveis, que muitas das teorias e fórmulasmágicas possivelmente cairão por terra , levando-oa se colocar inúmeras vezes na condição de aprendizpara poder garantir mais tarde a posição de ensinante.

Falo de um profissional privilegiado comopoucos, pois raramente a vida lhe proporcionará outraoportunidade como esta, tão difícil, tão assustadora,tão desafiante e ao mesmo tempo tão rica, tãocomovedora e tão fascinante. A chance de se tornarem muitos casos, o maior intermediador entre o estar

aqui e o viver aqui de muitos seres humanos.“Educar uma criança autista é uma experiência

que leva o professor a questionar suas idéias, seusprincípios e sua competência profissional.” (Bereohff,Leppos e Freire, 1994).

“Esta tarefa educativa é provavelmente aexperiência mais comovedora e radical que pode tero professor. Esta relação põe à prova, mais quenenhuma outra, os recursos e habilidades doeducador.” (Rivière, 1991)

Quem de nós diante de uma criança portadorade transtornos tão significativos , não sentiuexatamente isto e não se perguntou: Por onde eu voucomeçar, o que eu vou fazer, como eu vou fazer, seráque eu vou conseguir?

Rivière (1991), expressava com grandesensibilidade tais preocupações quando disse: “Comoajudar os autistas a aproximarem-se de um mundode significados e de relações humanas significativas?Que meios podemos empregar para ajudá-los a secomunicar, atrair sua atenção e interesse pelo mundodas pessoas?”

Onde poderemos buscar as respostas para estasperguntas?

Penso que vamos encontrar a maioria delas narelação professor/aluno, que acredito ser a essênciada educação e a determinante da qualidade doprocesso educativo.

“Quanto mais significativo para o aluno for oseu professor, mais chances o mesmo terá depromover novas aprendizagens.” (Bereohff, Leppose Freire, 1994).

Tornar-se significativo para o seu aluno, será semdúvida o primeiro grande desafio e o mais difícil dosobjetivos a ser alcançado. Deverá ser sua primeira

conquista e se tornará a mais importante vitória pois,por muitas vezes, somente assim, com você e atravésde você professor, se abrirá para este aluno umuniverso de possibilidades, de interesses, dedescobertas, de experimentações, de vivências, deemoções, de sensações boas ou não, deconhecimentos e aprendizagens adequadas ou nãoe de tantas outras coisas que a vida nos proporcionae que nós experimentamos desde que nascemos.Na maioria dos casos naturalmente, por vezes coma ajuda de alguém, ou mesmo sem que ninguémnos ensine , vamos guardando tudo lá dentro denós e selecionando sem perceber, o que gostamosdo que não gostamos, o que queremos do que nãoqueremos, o que é importante do que não é, quemé quem, quem é mais ou menos importante, e éassim que vamos nos individualizando, que vamosnos reconhecendo como um ser diferente nascaracterísticas individuais e por vezes tãosemelhantes nos desejos, nas expectativas, nossonhos, etc. Enfim, cada um de nós desde que nasce,desenvolve-se diariamente, incorpora plenamentesuas características próprias mas busca o lugarcomum, busca às vezes ser igual para ser aceito,para conviver .

Como professores que buscam ser realmenteespeciais, em nossa sala de aula vamos extrapolaros objetivos da aprendizagem acadêmica e vamosexperimentar diariamente o prazer de mostrar a estealuno que ele poderá nos “usar”, não somente paraabrir a porta de uma geladeira, para aprender comose usa o banheiro, como se veste uma roupa, quenão se come papel ou giz de cera, que existe overmelho e o azul, o quadrado e o círculo, que o solque brilha lá fora nos mostra que é dia e nos aquece,que quando cai a noite vem a lua que também nosencanta, que a chuva molha, mas que existeminúmeras maneiras de nos protegermos dela, que oriso é sinal de alegria e tantas outras coisas, masprincipalmente vamos ensinar a ele que “aquelamulher e aquele homem” tão aparentemente iguaisno meio dos outros, são seu papai e sua mamãe.Vamos mostrar a ele que o nosso colo e o nossoabraço trazem conforto para sua dor, que a nossasegurança pode fortalecer suas dúvidas, que a nossafirmeza pode desbancar seus medos, que a nossadisponibilidade sempre traz a possibilidade de trocasmesmo que sejam mínimas, que o nosso olharsempre encontra o dele mesmo que fugazmente, eassim seremos sempre os incentivadores da buscado equilíbrio, os facilitadores do encontro dele comele próprio e com as outras pessoas, os criadores deinfinitas oportunidades de vivências cognitivas eafetivas, das quais ele tanto precisa para aprender asignificar o mundo e principalmente a “se significar”dentro dele.

Dá para mensurar tamanho privilégio? Dá pararecusar uma tarefa de tamanha grandeza? Do meuponto de vista não. É incomensurável e é irrecusável.

Neste caminho vamos descobrir bem cedo que

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

os tesouros encontrados ao final de cada pequenatrajetória são de beleza e valor indescritíveis. Sóvivendo essas situações para saber dimensionar o quese sente no dia a dia, individualmente e mais ainda oque é possível sentir ao dividir tais tesouros com afamília dos nossos alunos.

Mas entre querer fazer e ser capaz de, a distânciase mede pela disponibilidade interna que caminhalado a lado com a tão almejada competênciaprofissional, que por sua vez se enquadraria no queaqui chamamos de perfil “ideal” ou “adequado” paraeste professor, portanto, reafirmando a crença de quea essência de tudo está na relação professor-aluno.

Como seria este profissional? Quais seriam entãoalgumas das características mais importantes deste“perfil ideal”? Onde estaria a essência de que tantofalamos?

A essência está no professor, que deve:Ter conhecimento teórico atualizado sobre os

transtornos deste aluno.Segundo Izabel Neves Ferreira (1993), para que a

atuação profissional seja eficiente, torna-seindispensável a verdadeira capacitação que inclui oconhecimento do ritmo de desenvolvimentopsicológico da criança e dos diferentes modos deaprender, enfim, do estudo que enriquece a prática,tornando-a refletida e comprometida com odesenvolvimento da criança.

Não se pode incorrer no erro de pensar que aprática se constrói sem a teoria. Os conceitos teóricossão fundamentais para o esclarecimento de tantasdúvidas que por ventura tenhamos a respeito do queo aluno tem.

Para este professor de quem estamos falando, éde suma importância saber que transtornos sãoesses? O que é autismo por exemplo, quais são asprincipais características, quais são oscomportamentos mais freqüentes, que áreas estãomais comprometidas?

Ter conhecimento prático sobre o aluno.O conhecimento dos conceitos teóricos,

somente, embora de indiscutível relevância, éinsuficiente para viabilizar a operacionalização dasatividades de sala de aula. Dificilmente saberemos oque fazer sem antes saber como essa criançafunciona. Em um primeiro momento é necessárioobter dados concretos do tipo: como ela se comunica?que nível de independência ela possui? do que elamais gosta? o que a deixaria tão alterada a ponto deprovocar uma crise? em que situações ela poderia setornar agressiva? tem alguma noção de perigo?discrimina o que é alimento do que não é? pode fugirdo ambiente onde está?

As respostas para estas perguntas e para muitasoutras, vamos obter da família da criança que desdejá começará também a fazer parte desse processocomo nossos grandes aliados. Neste início deinvestigação sobre o comportamento do aluno, afamília nos fornecerá dados de extrema importância,pois com certeza, os pais,os irmãos, os avós, a babá,

ou qualquer outra pessoa da convivência da criança,são os detentores das informações mais relevantesneste momento.

É muito importante termos em mente que nãopodemos desprezar nenhum comentário, nenhumadica ou sugestão. Tudo deverá ser cuidadosamenteregistrado durante a entrevista que fizermos com osmembros da família, pois certamente, vamos precisardas referidas informações.

De posse dos dados preliminares, numa segundaetapa investigaremos outros comportamentos taiscomo: de que modo a criança explora o meio em quese encontra? Como se relaciona com as pessoas? Buscao contato ou não? Se afirmativo, como? Se não busca,aceita? De que forma? Como se relaciona com osobjetos? Manifesta preferências? Se positivo, o que écomum nos objetos que prefere? Há uso funcionaldos mesmos? Qual é o seu nível de interação emsituações não estruturadas? A ausência ou quebra derotina altera seu funcionamento? Estas alterações sãosignificativas? Quais são as principais alteraçõesmotoras? Há presença de estereotipias? Muitas,poucas, quais? Em que situações aparecem mais?Existe auto-agressão ou hetero-agressão? Em quecontextos podem surgir? Há manifestação de rituais?De que modo se expressam?

Estas e tantas outras informações tão necessárias,obteremos através de uma observação criteriosa docomportamento do aluno em todas as situações quese fizerem necessárias. Vale ressaltar que muitasdestas situações são contextuais, mas algumas delas,nós professores teremos que promover para que ocomportamento ocorra.

O terceiro passo será a aplicação de uminstrumento formal de avaliação com o objetivo detraçar um perfil do desenvolvimento deste aluno eavaliar o seu nível de comprometimento. Existemvaliosos instrumentos disponíveis para uso doprofessor, entre eles o CARS (Eric Schopler), o I.D.E.A(Rivière) e a Escala PORTAGE (Bluma e colbs,1978,adaptado para aplicação aos portadores de TID porBereohff ,Leppos e Freire,1994), que tem sido usadapor mim com resultados bastante satisfatórios. Trata-se de um roteiro de observação formal, baseado emuma escala de desenvolvimento, de fácil aplicação,fácil correção e avalia a criança nas áreas dasociabilização, linguagem (emissão e compreensão),cuidados próprios (avd-atividades de vida diária),cognição, além das habilidades psicomotoras.

Com os resultados da aplicação do PORTAGE,poderemos de forma mais fidedigna, levantar pontosfortes e fracos que são dados muito importantes paraelaboração do planejamento individual de ensino.

Finalmente, somando as informações colhidasda família, os dados da observação e o resultado daaplicação do PORTAGE, posso considerar que tenhosubsídios suficientes para iniciar minhas intervençõescom a criança.

Estabelecer um canal de comunicação com oaluno.

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3º Milênio

Como sabemos, o transtorno de comunicaçãoembora em níveis variáveis de comprometimento eapresentação, está presente de forma significativanos TID. Torna-se portanto de crucial importância,criar mecanismos que favoreçam esta comunicação.Será mais um grande desafio descobrir quais os canaisde comunicação estão mais receptivos a umaestimulação, pois uma criança pode responder maisa estímulos visuais que auditivos, outra pode ser maissensível à estimulação tátil que verbal (Bereohff, 1991).Algumas crianças compreenderão melhor,mensagens transmitidas através da associação dalinguagem verbal e contato físico, outras sebeneficiarão de dicas verbais e/ou físicas e assim pordiante.

É importante ressaltar que é possível em todosos casos, basta ter olhos para ver, ouvidos para ouvir,investir, reinvestir, tentar de novo, experimentar, quemsabe por aqui..., e se descobre um caminho, que podenão ser uma palavra, mas um gesto, um jeito diferentecom o corpo, uma cor, um brinquedo, um fiapo, umcomportamento estereotipado e até quem sabe umdia, uma palavra, uma frase , etc, etc.

Ter tolerância à frustração, persistência econsistência.

O dia-a-dia da educação especial é permeadopor grandes batalhas e o êxito ao final de cada umadelas, somente será alcançado se soubermos buscarpequenas vitórias. Neste contexto, nos sentirmos maisou menos frustrados vai depender diretamente dasnossas expectativas, que estão na proporção diretado nosso conhecimento sobre o aluno, portanto, parasaber o que esperar é fundamental saber o que estáfazendo, para não desanimar no meio do caminho énecessário acreditar no que está fazendo. Não possoconvencer o outro (neste caso o aluno), se nemmesmo eu estou convencido. Não posso “vender”uma idéia que não comprei, portanto não possoaguardar a vitória se não apostei nela.

“As possibilidades de vinculação das pessoascom profunda dificuldade de interação espontânea,viabiliza-se em grande parte, pela tolerância àfrustração e persistência do profissional que se propõea trabalhar com elas.” (Bereohff, Leppos e Freire, 1994)

Orientar as famílias dos alunos e trabalhar emparceria.

Izabel Neves Ferreira (1993), afirma que “amaneira dos pais perceberem a deficiência de seufilho influencia muito fortemente o modo como ele,criança ou adulto, verá a si próprio, a seus pais e asociedade da qual faz parte, determinando o seu nívelde integração à mesma. Os limites que terá umapessoa com deficiência são condicionados não sópelo fator orgânico, como também, e principalmente,pelas atitudes familiares, que incentivam ou impedemas tentativas do sujeito se situar no mundo”.

Concordando com esta afirmativa e reafirmandoaqui o que já foi dito anteriormente, devemosconsiderar as famílias dos nossos alunos como nossosgrandes aliados neste processo educativo. Da família

vamos colher informações de grande relevância parao nosso trabalho, junto com a família vamosselecionar os objetivos que julgamos, de comumacordo, sejam os mais importantes neste momentona vida da criança, em parceria com a família vamostrabalhar durante todo o ano letivo, orientando o diaa dia em casa com seu filho, investindo em suaaprendizagem na escola, comemorando datassignificativas para todos, promovendo e realizandopasseios conjuntos, inclusive em suas própriasresidências.

Com eles vamos trocar solidariedade nosmomentos mais difíceis para ambos, vamos dividirnossas expectativas, nossos ideais de sucesso, nossasfrustrações e principalmente nossas conquistas, poisninguém mais do que eles ,aguarda por isso. Efinalmente, da família, sem dúvida alguma, vamosobter o agradecimento sincero e o reconhecimentotão importantes para alimentar o nosso dia a dia detrabalho.

A essência da relação professor-aluno tambémestá no profissional que precisa ser:• Sensível- na minha opinião, a sensibilidade natural,

aquela que nos faz ver o mundo e as pessoas commais doçura e tolerância, deveria ser umacaracterística intrínseca às pessoas que se propõemao desempenho das atividades educacionais. Aquide modo muito particular, penso que algumasbarreiras serão intransponíveis e as dificuldadesserão multiplicadas se não houver sensibilidade noolhar, no sentir e no reconhecer no outro suasdiferenças individuais, preservando seus direitos esuas infinitas possibilidades de crescimento.

• Afetuoso- seguindo o mesmo princípio, sersinceramente e incondicionalmente afetuoso,também se torna condição indispensável aoprofessor de quem aqui estamos falando. Oeducador deve desenvolver uma relação afetivabaseada na confiança, na aceitação e no respeito. Oaluno precisa sentir-se aceito, compreendido,confiante e seguro. A relação afetiva é um pontobásico para garantir objetivos sócio-afetivos comorespeito aos sentimentos e direitos da criança,segundo Izabel Neves Ferreira (1993). Todossabemos que uma relação afetiva compreendetroca, e o dar e receber é que alimenta esta relação.No entanto, gostaria de expressar aqui o meureconhecimento de que para alguns professores nãoé fácil manifestar afetividade diante de uma pessoatão comprometida e tão pouco responsiva, mas nãodevemos nos esquecer que, conhecemos este aluno,estudamos suas características e sabemos que ostranstornos da interação social são bastantesignificativos e que mais uma vez, a depender danossa persistência e da qualidade dessa relação,muita coisa pode ser diferente.

• Firme – é muito importante demonstrar firmezaem nossas condutas, que devem ser claras e objetivas.

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Devemos nos esforçar ao máximo para que o alunocompreenda aquilo que queremos dele, para tanto éfundamental que tenhamos clareza dos nossosobjetivos e sejamos firmes e claros na condução dasatividades.• Seguro – é importante que o professor demonstresegurança diante do aluno principalmente em situaçõesde descontrole e grande agitação por parte do mesmo,mas não deixar transparecer alguma sensação de medoque possa eventualmente surgir, é mais um cuidadoque deveremos ter. Sabemos que em alguns momentos,o medo pode ser concreto e que nem sempre poderemosevitar tal sentimento, mas gostaria de deixar claro que émuito importante tentar manter uma “aparência” deque não estamos inseguros, para assim conseguirmosmanter o equilíbrio de ambos.• Emocionalmente estável – não devemos perderde vista as características do aluno, e devemos lembrarsempre que trata-se de uma criança com umaprofunda desestruturação interna, a qual se traduznuma dificuldade concreta de interpretar o que vê,de entender o que sente, de expressar o que deseja.Portanto, na maioria das vezes, seremos sua referênciaexterna de estruturação e a mudança constante dehumor ou de comportamento, prejudicasignificativamente o alcance dos nossos objetivos.• Assertivo - devemos ser assertivos em relação àsmetas programadas e principalmente diante dascondutas inadequadas do aluno.A colocação delimites quando necessária, deverá ser feita de formacarinhosa e tranqüila. Enfatizamos aqui mais umavez a necessidade de que o professor tenha clarezado que quer para conduzir com firmeza seuspropósitos e lembrando que assertividade nada temà ver com agressividade.• Organizado – a organização é outro aspectoimportantíssimo dentro de qualquer contextoeducacional e aqui, por tudo que já dissemos, torna-se imprescindível.• Sereno – é necessário propiciar um ambiente quefavoreça a confiança, livre de tensões e coações. Paratanto devemos nos esforçar para manter a serenidadeem nós, em nossas atitudes principalmente diantedas situações de conflito, acreditando que assim tudoserá mais fácil.• Entusiasmado - sabemos que os alunos com osquais trabalhamos estão muito mais habituados aexperiências de fracasso que de sucesso. Suas vidassão repletas de não saber fazer, não poder fazer, nãoentender, não querer, não gostar, ou seja, de tantosnãos e de tantas impossibilidades, que facilmente,senão ficarmos atentos, vamos também noshabituando e nos conformando, chegando ao pontode acharmos que é assim mesmo, não tem jeito, nãodá para mudar. Por isto é fundamental manter oentusiasmo, a alegria, o dinamismo. Estar de bemcom a vida e com as pessoas, buscar formas criativasde trabalhar, buscar o prazer naquilo que fazemos,pois assim vamos investir tudo para alterar o curso

desta história e transformar as situações de fracassoem oportunidades concretas de sucesso.

A essência também está em seguir algunsprincípios que consideramos de fundamentalimportância para orientar o dia a dia do atendimentopsicopedagógico, quais sejam:

ROTINA DIÁRIA ESTRUTURADAEric Schopler (in Gauderer, 1993), afirma que “é

bom ter em mente que, normalmente, as crianças àmedida que vão se desenvolvendo, vão aprendendoa estruturar seu ambiente enquanto que as criançasautistas e com distúrbios difusos do desenvolvimento,necessitam de uma estrutura externa para otimizaruma situação de aprendizagem”. Concordando comesta afirmação, é importante deixar claro tambémque a estruturação de uma rotina tem como objetivos,diminuir níveis de angústia, ansiedade, frustração edistúrbios de comportamento do aluno diante desituações desconhecidas, oferecendo umaprevisibilidade de acontecimentos, permitindo que acriança se situe no espaço e no tempo, onde aorganização do todo torna-se uma referência parasua estruturação interna, o que em nada se diferenciade qualquer um de nós, pois para mantermos nossoequilíbrio também criamos nossas próprias rotinas.

A rotina deve ser compreendida comoplanejamento e organização e não como umarestrição à criatividade do professor.

AMBIENTE DE TRABALHOESTRUTURADO

Neste item defendemos o princípio de que oambiente deve se adequar ao aluno e não o inverso, namedida em que é fundamental termos alguns cuidadosespeciais quanto a disposição do mobiliário , tipo dematerial a ser usado etc.

O educador é aquele que propicia condiçõesque levem o aluno a se desenvolver ao máximo eum ambiente tranqüilo, organizado e estruturadode acordo com suas necessidades é fundamentalpara que isto ocorra. Portanto, na minha opinião,em classes de crianças portadoras do TID, maisespecificamente Transtorno Autista, devemos terextremo cuidado com alguns aspectos, taiscomo:• o excesso ou ausência de estímulos visuais em sala

de aula.• objetos de grande interesse do aluno expostos,

evitando situações de conflito.• brinquedos e outros objetos quebrados causando

frustração durante o manuseio dos mesmos.• brinquedos e outros objetos que possam ser

quebrados com muita facilidades, dificultando omanuseio livre da criança.

• Brinquedos e outros objetos que possam ofereceralgum risco para a criança durante seu manuseio

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3º Milênio

livre ou mesmo supervisionado.• ausência de música no ambiente, música

inadequada ou ainda com volume inadequado.• ausência de condições para momentos de liberdade

e/ou descanso do aluno entre uma atividade e outra.Na medida em que tivermos alguns cuidados

básicos como estes, estaremos evitando algunsproblemas e possíveis alterações de comportamentoque quando presentes causam consideráveistranstornos na condução das atividades e namanutenção deste ambiente estruturado que tantodesejamos.

Não podemos nos esquecer que devemosrespeitar o ritmo de cada criança e um ambienteadequado deve incluir, na medida do possível, umlocal adequado para que o aluno possa descansar,relaxar ou mesmo ficar um pouco sozinho.

RESPEITO À CONDIÇÃO HUMANADO ALUNO

Este item enfatiza principalmente o respeito aosdireitos básicos a que fazem jus todos os alunos, e notocante ao aluno especial, principalmente aprender aolhar e ver a pessoa e não o transtorno do qual ele éportador, oferecer condições de aprendizagem ondeas possibilidades de sucesso sejam mais freqüentesque as de fracasso, e valorizar tanto o esforço quantoo resultado.

É fundamental que tenhamos extremo cuidadoe respeito com o que se fala perto dele, respeitartambém seu ritmo, sua preferência e muitas vezesaté suas estereotipias e rituais.

ABORDAGEM VIVENCIAL DA

APRENDIZAGEM

De acordo com Izabel Neves Ferreira (1993), aprimeira condição para a produção do conhecimentoé a ação. Ou seja, para conhecer, o sujeito precisa agirsobre os objetos. No caso do aluno que possuilimitações, esta ação sobre o mundo se fará de formatambém deficitária. Se as trocas com o meio sãoprejudicadas devido aos déficits sensório-motores,haverá prejuízo no funcionamento intelectual.

A solicitação adequada do meio irá propiciar aestas pessoas uma estimulação favorável capaz decompensar, na medida do possível, prejuízos daestruturação mental. As idéias e o conhecimento queas crianças formarão sobre o mundo dependem daquantidade e da riqueza (em termos de qualidade)das experiências que elas tenham com o mundo real,físico, palpável.

A vivência das atividades programadas facilita aparticipação e o envolvimento do aluno com o objetode trabalho, possibilitando maior capacidade degeneralização e funcionalidade de sua aprendizagem.

A manipulação concreta de objetos, a exploraçãoviva das situações em seus ambientes naturais, e apossibilidade de encontrar soluções reais dentro do

contexto em que surgiram os problemas, por si sósão reforçadores de aprendizagem. Assim,propiciando sempre que possível a vivência do queesperamos que o aluno aprenda, estaremosdiminuindo ao máximo as estratégias que incluemprocessos muito abstratos, que todos sabemos é umaspecto de grande impedimento ou no mínimo,representa dificuldade para a aprendizagem formaldos alunos aos quais estamos nos referindo.

ELABORAÇÃO DE UMA PROGRAMA-ÇÃO PSICOPEDAGÓGICA ADEQUA-DA

“Ao educar uma criança autista pretende-sedesenvolver ao máximo suas habilidades ecompetências, favorecendo seu bem estar emocionale seu equilíbrio pessoal o mais harmoniosamentepossível, tentando aproximá-la de um mundo derelações humanas significativas. Devemos aindaconsiderar as severas deficiências de interação,comunicação e linguagem, e as importantesalterações da atenção e do comportamento quepodem apresentar estes alunos, levando sempre emconsideração suas necessidades e as prioridades desua família” (Bereohff, Leppos e Freire, 1994).

É fundamental considerar o nível dedesenvolvimento em que o aluno se encontra paraque sejam priorizados objetivos que atendam suasdiferenças individuais.

Para tanto torna-se imprescindível a elaboraçãode um Planejamento Individual de Ensino (PIE), queserá delineado com base nos dados da observaçãoem situações livres e dirigidas, além dos resultadosda aplicação da escala de desenvolvimento. Ressaltoaqui mais uma vez a importância do Portage comoinstrumento formal adequado, pois mediante seusresultados o professor terá traçado um perfil dodesenvolvimento de cada criança nas áreas desociabilização, linguagem (expressiva e receptiva),cuidados próprios (avd), cognição e habilidadespsicomotoras.

De posse de todos esses dados e das inestimáveisinformações trazidas pela família, o professorselecionará os objetivos que deseja que seu alunoalcance, ao longo de um período de tempo a serdeterminado por ele.

Os objetivos do PIE devem respeitar umaseqüência evolutiva de aquisições, considerar ospontos fortes e fracos do aluno, ter funcionalidade,ou seja, ter um lugar em sua vida, além de visar aaquisição de maior independência na sua vidaprática(Bereohff,Leppos e Freire –1994).

As estratégias devem ser escolhidas respeitandoos interesses do aluno, preservando a condição deum processo flexível e dinâmico. Ressalta-se aqui aimportância da criatividade, enquanto um valor daeducação.

Olhar a mesma coisa de várias maneiras

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

possibilita uma exploração diferenciada. Não hásomente uma maneira de trabalhar um material, tudodepende do nível de desenvolvimento de quem estána situação de explorar, ou seja, do aprendiz (IzabelNeves Ferreira, 1993).

A avaliação do desenvolvimento das atividadese técnicas psicopedagógicas, constitui-se numinstrumento fundamental para orientar o professor.Deve ser contínua, tendo como principal objetivopossibilitar maior agilidade no processo deaprendizagem. O ideal é que seja feita através doacompanhamento sistemático dos objetivos descritosno PIE, procedimento que leva a uma reestruturaçãoconstante do planejamento, substituindo os objetivosjá alcançados pelo próximo na seqüência evolutivado aluno, em qualquer época do ano.

As estratégias programadas para cada objetivodevem ser revistas e alteradas quando não se observanenhuma evolução na realização das atividades. Acada final de período letivo, faz-se necessária umanova aplicação da escala, para concretamenteobtermos dados quantitativos da evolução de cadaaluno e compartilhá-los com as famílias.

A essência do processo educativo também estána auto-valorização do profissional que precisa, desejae busca mais e mais conhecimentos, que queracompanhar o curso da história e por que não ,tentarfazer parte dela, criando e recriando novas estratégias,novas técnicas de atendimento,com a consciênciade que nós podemos tanto quanto qualquer outroprofissional.

A essência ainda está na grandeza de ser humildepara saber trabalhar em equipe, pois repartir com osoutros técnicos todos os êxitos alcançados, tambémserá um aprendizado e assim, buscando o crescimentoconjunto, assim como nossos alunos, vamos nosfortalecer no outro.

Finalmente, devemos buscar a essência norespeito a nossa individualidade, na valorização daamizade, no gosto pelo desafio e no reconhecimentode que o processo educacional é parte fundamentalna evolução destes indivíduos.

“A concretização de uma proposta só se faz quando

os professores se conscientizam dos princípios que a fun-

damentam, experimentam na prática as ações decor-

rentes destes princípios, discutem suas dúvidas, contradi-

ções e dificuldades encontradas” (Izabel Neves Ferreira,

1993).

“Participar de um processo educativo extrapola a

aquisição de conhecimentos acadêmicos. Freqüentar uma

escola significa para o indivíduo a possibilidade de convi-

ver com seus pares e vivenciar uma dimensão social da

qual necessita para se desenvolver como qualquer ser

humano” (Bereohff, Leppos e Freire, 1994).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA1. BEREOHFF, Ana Maria P. Autismo, uma visão

multidisciplinar. São Paulo: GEPAPI, 1991.2. BEREOHFF, Ana Maria P., LEPPOS, Analucia S.

S. & FREIRE, Lúcia H. V. Considerações técnicas sobreo atendimento psicopedagógico do educandoportador de condutas típicas da Síndrome do Autismoe de Psicoses Infanto-juvenis. Brasília: ASTECA, 1994.

3. FERREIRA, Izabel N. Caminhos do aprender:uma alternativa educacional para a criança portadorade deficiência mental. Brasília, CORDE,1993.

4. FREIRE, Lúcia Helena Vasconcelos. A Essênciana Relação Professor-aluno –Palestra proferida no VCongresso Nacional de Autismo – Gramado –2000

5. GAUDERER, Christian E. Autismo e outrosatrasos do desenvolvimento - Uma atualização paraos que atuam na área: do especialista aos pais. Brasília,CORDE, 1993.

6. MATES, Thomas e col. Treinamento deprofessores no Método Teacch. Realizado pela AMA,São Paulo, 1993.

7. RIVIÈRE, Angel. El desarrollo y la educacióndel niño autista. Madrid: Universidad Autónoma deMadrid, 1991.

8. _______________. Evaluación y alteraciones delas funciones psicológicas en Autismo Infantil.Madrid: CIDE, 1988.

9._______________. Modificación de conductaen el Autismo Infantil. Revista Española de Pedagogia.Año XLII, n. 164-165, 1984.

10. WINDHOLZ, Margarida H. Passo a passo seucaminho. São Paulo: Edicon, 1988.

CAPÍTULO XXII

TEACCH – TREATMENT ANDEDUCATION OF AUTISTIC ANDRELATED COMMUNICATIONHANDICAPPED CHILDREN

Marli Bonamini MarquesAna Maria S. Ros de Mello

A MISSÃO DO TEACCH:Capacitar indivíduos com autismo a atuar com o

maior grau de sentido e independência possível nacomunidade.

Prover a Carolina do Norte com um serviçomodelo para indivíduos com autismo e para todos osque os servem e apóiam.

Endereço para CorrespondênciaSHIN, QI 16, Conjunto 3, Casa 1, Lago Norte, Cep:

71530-230, Brasília-DF.

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3º Milênio

Como membros da comunidade daUniversidade, gerar conhecimentos para a integraçãode serviços clínicos com conteúdo relevante tantoteórico quanto de pesquisa; disseminando asinformações sobre teoria, prática e pesquisa sobreautismo através de treinamento e publicações, local,nacional e internacionalmente.

A HISTÓRIAEm 1972 a Assembléia da Carolina do Norte, nos

Estados Unidos, aprovou a legislação que criava aDivisão para o tratamento e educação de criançasautistas e portadoras de problemas de comunicaçãocorrelatos dentro do Departamento de Psiquiatria daFaculdade de Medicina da Universidade da Carolinado Norte em Chapel Hill, Estados Unidos. Esteprograma que recebeu o nome de TEACCH foiinicialmente um programa estadual de serviços paracrianças autistas e com problemas de comunicaçãocorrelatos e seus familiares visando também oesclarecimento da comunidade local para acompreensão de pessoas com este tipo de problemas.

A origem do TEACCH remonta ao início dadécada de 60 quando foi montado um grupo noDepartamento de Psiquiatria da Universidade daCarolina do Norte em Chapel Hill para atender criançasportadoras de autismo, ou psicose infantil como eramais comum na época. Este grupo atuava a partir dade uma visão psicanalítica, oferecendo liberdade totalàs crianças e terapia aos pais destas para tentarmodificar sua relação com os filhos, que segundoeles seria a causadora de seus distúrbios.

Esta era a visão que se tinha de autismo na época,acreditando-se que a criança autista, devido aproblemas causados pelos pais, embora tivesse todasua capacidade intacta, se recusava executar qualquertarefa sendo por isso classificada como “intestável”.

Em 1967, Alpern comprovou através de suasinvestigações científicas, não só que as crianças eramtestáveis mas também que à medida em que baixava-se o nível de dificuldade dos testes aplicados diminuíao negativismo da criança e seus problemas decomportamento.

Quando Eric Schopler se juntou ao grupo,descontente com os resultados obtidos, solicitaramverba federal ao Instituto Nacional de Saúde Mentalpara poder testar as suas idéias.

Schopler acreditava na base neurológica doautismo não encontrou através de seus estudosnenhuma diferença substancial entre os pais decrianças autistas e os demais pais (Schopler e Reichler,1972), portanto propõe uma abordagem diferenteque consistia basicamente em uma propostaindividualizada de ensino contando com os pais comoco-terapeutas. Schopler também demonstrou queambientes estruturados eram mais positivos naadaptação destas crianças (Schopler, Bhehm,Kinsbourne e Reichler, 1971).

Na medida em que a ciência foi avançando emais estudos foram sendo realizados as teorias que

culpavam os pais foram caindo, a educação foiassumindo um papel cada vez mais importante notratamento do autismo e os pais, além de co-terapeutas, foram também ocupando um papelpolítico importante na luta pelos direitos de seus filhos.

O programa TEACCH, nos Estados Unidos, temrecebido reconhecimento nacional e internacional eé visto por um grande número de pessoas como ummodelo de serviços, treinamento e pesquisa deexcelência.

Em 1972 o programa recebeu o GoldAchievement Award da Associação Americana dePsiquiatria “pelo estabelecimento de pesquisasprodutivas sobre distúrbios de desenvolvimento eimplementação de sua efetiva aplicação clínica”.

A publicação do Instituto Nacional de SaúdeMental, Families Today, em sua edição para aConferência Nacional da Casa Branca em 1980 sobrea família, descreveu o TEACCH como o programa deabrangência estadual para crianças autistas, maisefetivo dos Estados Unidos.

A divisão de patologias da infância da AssociaçãoAmericana de Psicologia reconheceu o TEACCHcomo programa modelo nacional em serviçosdirigidos a crianças e seus familiares.

O TEACCH tem sido agraciado com um grandenúmero de premiações tanto para os serviços deatendimento quanto aos de treinamento.

OS OBJETIVOS DO TEACCHO objetivo máximo do TEACCH é apoiar o

portador de autismo em seu desenvolvimento paraajudá-lo a conseguir chegar à idade adulta com omáximo de autonomia possível. Isto inclui ajudá-lo acompreender o mundo que o cerca através daaquisição de habilidades de comunicação que lhepermitam relacionar-se com outras pessoas,oferecendo-lhes, até onde for possível, condições deescolher de acordo com suas próprias necessidades.

A meta fundamental é o desenvolvimento dacomunicação e da independência e o meio principalpara isto é a educação. A avaliação é a ferramentapara a seleção de estratégias, que deverão serestabelecidas individualmente.

O TEACCH desenvolveu o PEP – PerfilPsicoeducacional em 1976 por Schopler e Reichler,com a finalidade de avaliar habilidades e défictis decrianças portadoras de autismo, assim como seu nívelde desenvolvimento em 9 diferentes áreas funcionaise comportamentos incomuns em 4 áreas depatologia.

O TEACCH ao contrário de métodoscomportamentais não ataca os problemas decomportamento diretamente, mas tenta analisar eeliminar as suas causas. Isto não quer dizer quetécnicas de modificação de conduta sejamcompletamente eliminadas do método, mas que estassão utilizadas em situações de risco, nos casos emque as medidas tomadas de acordo com o critérioanteriormente descrito não tenham sido eficazes.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

A “CULTURA DO AUTISMO”Gary Mesibov, o diretor atual da divisão TEACCH

na Carolina do Norte, diz que o autismo funcionacomo se fosse uma cultura diferente já que afeta noindivíduo a forma como ele come, como se veste,ocupa seus momentos de lazer, se comunica e etc e opapel do professor de pessoas portadoras de autismoequivale ao de um interprete fazendo a conexão entreduas culturas diferentes.

Portanto este professor deve compreender o seualuno, seus pontos fortes e seus déficits e encontraros meios facilitadores para ajuda-lo no processo deadaptação e aprendizado.

O ensino estruturadoDe acordo com as pesquisas realizadas pelo

TEACCH e a experiência adquirida ao longo dos anoso ensino estruturado é o meio facilitador maiseficiente para a “cultura do autismo”.

O ensino estruturado é o apoio para que o alunoautista consiga superar os déficits relacionados aoautismo e ser bem sucedido em sua experiência deaprendizado.

Entre os déficits relacionados ao autismo quedificultam especialmente o aprendizado poderíamosdestacar:•Dificuldades na linguagem receptiva ou

compreensão da linguagem. A maioria dos alunosautistas da sala de aula não compreende alinguagem tanto como possa pensar o professor eisto pode ser mostrado pelo aluno através falta deiniciativa ou de problemas de comportamento degravidade variada

• Dificuldade na comunicação expressiva nãoconseguindo comunicar quando está cansado, comcalor, com fome ou mesmo com dor a não ser atravésde birras ou agressões.

• Dificuldades de memória seqüencial, podendo nãoreter na memória seqüências de eventos, mesmoque familiares, ficando ansiosos por não saber oque esperar ou quando algo diferente pode vir aocorrer.

• Hiper sensibilidade sensorial – que pode fazer comque coisas ou barulhos corriqueiros os façam perdero controle ou distrair-se mais facilmente do queseria esperado.

• Falta de interação social – que geralmente faz comque a criança não se motive simplesmente pelavontade de agradar o professor ou para receber seuselogios.

Estruturar f is icamente o ambiente deaprendizado da criança, de acordo com seu nívelde compreensão, pode aliviar o efeito destes déficitse suas conseqüências no aprendizado destascrianças.

O professor deve ensinar o aluno a aprender epara isso planejar a estrutura individual de cada alunode acordo com suas necessidades individuais,podendo alivia-la à medida que a compreensão doaluno aumenta.

A ORGANIZAÇÃO DA SALA DE AULAA organização da sala de aula deve levar em

conta toda a necessidade de organização de cadaum de seus alunos sendo um local com: área deaprendizado, de trabalho independente e tambémde descanso de forma que todos possam serdistinguidos claramente.A rotina, ou seqüência deatividades deve encontrar-se disponível de modo claropara cada aluno bem como a forma de transição entreuma atividade e outra.

Os materiais devem ser adequados e as atividadesapresentadas de modo que o aluno consiga entendera proposta visualmente.

O programa deve levar em conta que o alunoprecisa aprender em pequenos passos inclusive aaumentar a sua tolerância ao tempo de trabalho.

A seguir algumas questões a serem consideradaspelo professor ao organizar a sala de aula:

Área de aprendizado (“dando instruções”)• O professor deve preocupar-se em conseguir a

atenção da criança antes de dar instruções.• O professor deve estar atento para sempre utilizar a

linguagem verbal específica para o nível decompreensão de cada criança.

• Organize a mesa e os materiais de maneira a indicarclaramente a seu aluno o que ele deve fazer.

• Os materiais devem ser apresentados de formaorganizada.

• Não apresente um número grande demais demateriais ao mesmo tempo.

• Esteja certo de que as indicações utilizadas sejamas adequadas para o nível e estilo de aprendizadodo aluno.

• As indicações devem ser apresentadas antes que oaluno responda de forma incorreta.

• O local de trabalho deve ser montado de forma queo aluno não receba falsas indicações.

• Preste atenção para que a resposta que o alunorecebe a erros ou comportamentos inadequadosseja clara.

• O aluno deve sempre ter à sua disposição recursospara pedir ajuda quando necessário.

• A AMA utiliza a seguinte hierarquia de procedimentospara ensinar uma determinada atividade a um aluno:1. a estrutura dos materiais indica a atividade a serrealizada , 2. demonstração pelo professor, 3. apoioverbal do professor , 4. apoio físico.

Áreas de trabalho independente• As áreas de trabalho devem ser marcadas de maneira

que o aluno possa dirigir-se a elas sozinho.• O professor deve ter fácil acesso visual às áreas de

trabalho de cada aluno.• Cada aluno deve ter definido o lugar onde guardar

o trabalho terminado.• As atividades de trabalho independente devem estar

disponíveis ao lado das áreas de trabalho e sempreque possível em local centralizado com indicações

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3º Milênio

para que os alunos possam localiza-las.• Os trabalhos de cada aluno devem ser reconhecidos

por eles sem lugar a dúvida.• As fronteiras entre as áreas devem ser claras.

Área de descanso ou lazer• A área de descanso deve ser distinguida claramente

das áreas de trabalho.• Na área de descanso a criança pode brincar sozinha,

com outro aluno ou com o professor.• O descanso é o intervalo entre uma atividade e

outra e o número de intervalos deve ser avaliado dea cordo com a tolerância de cada aluno ao trabalho.

• O tempo de descanso deve também ser avaliadoindividualmente para cada aluno.

Rotina diária• Devem ser tomados todos os cuidados para que a

rotina diária seja adequada.• A rotina diária deve estar definida claramente para

o professor e para cada aluno.• A forma de comunicar a rotina ao aluno é muito

importante e deve ser compreensível para ele.• A forma de comunicar rotina deve servir de apoio

para as transições indicando claramente aonde ir oque fazer e quando começa e termina umaatividade.

A IMPLANTAÇÃO DO TEACCH NAAMA DE SÃO PAULO

Em 1988 em visita à Europa percebeu-se que jáhavia um grande número de instituições de autismoimplantando o TEACCH e em julho de 1991 a AMAcom a organização do IV Congresso Mundial daCriança Autista a AMA trouxe o Dr. Eric Schopler e suaesposa a São Paulo para falar sobre o método.

A AMA de São Paulo iniciou a implantação doTEACCH em dezembro de 1991 com ajuda do Dr.Thomas E. Mates do Centro TEACCH da Carolina doNorte e a seguir em fevereiro de 1992 recebeu a visitade Mogens Kaas Ipsen, atual diretor da Sofieskolenna Dinamarca e Klaus Toft Olsen que por duas semanasajudaram a implantar o TEACCH lado a lado com aequipe da AMA. Mais tarde vieram também outrosprofissionais como Jack Wall também do TEACCH,Inger Nilsson consultora do TEACCH na Suécia, e aequipe da AMA visitou também várias vezesinstituições suecas, dinamarquesas e de outros paísesna Europa.

O TEACCH vem sendo implantado em instituiçõesde muitos países em todo o mundo e em cada umadelas são feitas adaptações à cultura do país, da regiãoou da própria equipe. O TEACCH não se opõe nemincentiva, e é por isso que o Centro TEACCH nãoformaliza nenhum tipo de autorização.

Visitando instituições de países como Suécia eDinamarca, encontra-se o mesmo TEACCH, mas asdiferenças culturais podem ser percebidas claramente.

Na Suécia o termo “estrutura” é substituído por

“clarificação” por acreditar-se com forte convicçãona idéia de que o centro de tudo é o aluno e que oprofessor deve sempre trabalhar para ampliar acompreensão do mundo por seu aluno.

A AMA de São Paulo utiliza os apoios adicionaisque julgar necessários para cada criança. No processode alfabetização, sempre que possível, a AMA utilizarecursos montessorianos e em vários casos,programas e estratégias do comportamentalismo.

A AMA utiliza os conceitos de “cultura doautismo” e de ensino estruturado para todos osalunos, independentemente de nível defuncionamento, e também para todas as atividades,como as pedagógicas, de educação física, cozinha,serviços domésticos e até mesmo de lazer.

Há vários anos, a AMA de São Paulo recebeprofissionais de instituições que começam a recebercrianças autistas e sucumbem a uma primeirasensação de enorme frustração por perceberem quenenhum dos recursos habituais utilizados comcrianças deficientes funciona com estas crianças.

A maioria dos profissionais que atua diretamentecom crianças autistas procura a AMA perguntandocomo conseguir fazer esta criança sentar na sala deaula mesmo que seja por apenas pouco tempo.

A melhor forma de traduzir a implantação da“cultura do autismo” pode ser resumida em uma frase– não é a criança que deve entender o método mas éeste deve ajudá-la a entender o mundo.

Endereço para CorrespondênciaAMA - Associação de Amigos do Autista Rua doLavapés, 1.123 01519-000 SP SPwww.ama.org.brMarli Bonamini [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Alpern,G.D. Measurement of “untestable”

autistic child. Journal of abnormal psychology,72,478-496,1967.

2..SchoplerE.;Bhehm,S.;Kinsbourne,M.;Reichler,R.J.Effect of treatment structure on development ofautistic children. Archives of General Psychiatry, 24,415-421, 1971.

3. .Schopler,E.;Reichler,R.J How well do parentsunderstand their own psychotic child?Journal ofAutism and Childhood Schizophrenia,2,387-400,1972.

4.Schopler,E.,Reichler,JR.;Bashford,A.;Lansing,M.;Marcus,LM.Individualizedassessment for autistic anddevelopmentally disabled children: psychoeducationalprofile revised (PEP-R), Austin,Texas,TX, PRO-EDInc.,1990, Vol.1.

5. www.teacch.com

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULI XXIII

ANÁLISE COMPORTAMENTALAPLICADA (ABA ).

UM MODELO PARA AEDUCAÇÃO ESPECIAL.

Paula Braga-Kenyon, M.S.,Shawn E. Kenyon, M.A.Caio F. Miguel, M.A.

ANÁLISE COMPORTAMENTALAPLICADA E EDUCAÇÃO ESPECIAL:

A origem da Análise do Comportamento nosremete a cientistas e filósofos que influenciaram opensamento do maior colaborador da área, B. F. Skinner(1904 - 1990). Segundo Michael (1993), a Análise doComportamento não se restringe a B. F. Skinner,entretanto seu repertório intelectual teve um papelimportante no desenvolvimento da área. Em 1938 osconceitos básicos que ainda hoje fazem parte da Análisedo Comportamento foram apresentados através dapublicação do livro O Comportamento dos Organismos.Em 1950, a publicação do livro Princípios da Psicologia(Keller and Schoenfeld, 1950) veio acrescentar dadosobtidos em laboratório, aos métodos, conceitos eprincípios apresentados por Skinner em 1938.

Entre os eventos que geraram a formação daAnálise Comportamental Aplicada encontra-se apublicação do livro Ciência e Comportamento Humano(Skinner, 1988/1953). A partir desse específicomomento, os leitores foram capazes de identificar avasta aplicação dos princípios do comportamento, ede lidar de modo competente com quase qualqueraspecto do comportamento humano. No final dos anos50, o aumento no número de pesquisas realizadas naárea de educação especial e comportamentodelinqüente, contribuiu para a criação do Journal ofApplied Behavior Analysis (JABA) em 1968. A criaçãodessa revista foi especialmente importante porque veioa publicar pesquisas relevantes na área da AnáliseComportamental Aplicada.

A Análise Comportamental aplicada utiliza-sede métodos baseados em princípios científicos docomportamento para construir repertóriossocialmente relevantes e reduzir repertóriosproblemáticos (Cooper, Heron, & Heward, 1989).Freqüentemente, a população indicada para receberserviços oferecidos pela educação especial apresentarepertórios "falhos", ou seja, apresentam uma ausênciade comportamentos relevantes, sejam eles sociais (taiscomo contato visual, habilidade de manter umaconversa, verbalizações espontâneas), acadêmicos(pré-requisitos para leitura, escrita, matemática), ou

de atividades da vida diária (habilidade de manter ahigiene pessoal, de utilizar o banheiro). Ainda, essamesma população apresenta alguns comporta-mentos em "excesso", ou seja, emitem comporta-mentos tais como agressões, estereotipia, autolesões,agressões verbais, fugas. A Análise ComportamentalAplicada oferece, portanto, ferramentas valiosas paraa educação especial.

A partir do reconhecimento da importância daAnálise Comportamental Aplicada surgiram muitasescolas que seguem seus princípios básicos: ensinode unidades mínimas passíveis de registro, ensino dehabilidades simples e complexas em pequenospassos, uso de reforçamento positivo, ênfase naimportância da consistência entre as pessoas que têmcontato com o aluno, relevância da função docomportamento emitido, etc. Cada nova habilidadeé ensinada (geralmente em uma situação de um alunocom um professor) via a apresentação de umainstrução ou dica, e às vezes o professor auxilia acriança, seguindo uma hierarquia de ajuda pré-estabelecida. As respostas corretas são seguidas porconseqüências que no passado serviram deconseqüências reforçadoras, ou seja, consequênciasque aumentaram a frequência do comportamento. Émuito importante fazer com que o aprender em sitorne-se gostoso (reforçador). As respostasproblemáticas (tais como agressões, destruições doambiente, autolesão, respostas estereotipadas, etc.)não são reforçadas, o que exige uma habilidade etreino especial por parte do profissional. As tentativasde ensino são repetidas muitas vezes, até que a criançaatinja o critério de aprendizagem estabelecido(geralmente envolve a demonstração de umahabilidade específica por repetidas vezes, sem erros).Todos os dados (cada comportamento emitido pelacriança) são registrados de forma precisa, e de temposem tempos (de preferência semanalmente) sãotransformados em gráficos que demonstram demodo mais claro o progresso daquela criança emcada tarefa específica. É interessante notar que omodelo experimental desse tratamento permiteidentificar erros, buscando corrigi-los através demudanças no ambiente

Baseado nas pesquisas iniciadas no começo dadécada de 70, em 1987, Ivar Lovaas publicou umprimeiro estudo realizado na Califórnia, Estados Unidos,no qual apresentou resultados validando o uso deprincípios comportamentais no ensino de criançasdiagnosticadas com autismo: 19 crianças quereceberam tratamento intensivo baseado na AnáliseComportamental Aplicada (ABA) 47% (9 alunos) foramcompletamente reintegrados na escola regular. Muitacontrovérsia seguiu esta publicação, mas ao mesmotempo um número crescente de escolas especializadasem ABA foram criadas. As escolas especializadas quesurgiram desde esta época ainda oferecem ensino comqualidade e estão constantemente tornando públicoos resultados obtidos.

Podemos citar, entre as escolas mais conhecidas

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em todo o mundo: PCDI (New Jersey, EUA), NECC(Massachusetts, EUA), Spectrum Center (Califórnia,EUA), Jericho School (Flórida, EUA), STARS (Califórnia,EUA), Ann Sulivan (Peru e Brasil), e mais recentementea AMA (São Paulo, Brasil). A organização dessasescolas é diferente em cada uma delas, e depende deuma série de aspectos que vão desde aspectosfinanceiros, espaço disponível, filosofia da escola,idade e habilidade inicial dos alunos, repertóriocomportamental dos alunos, e leis governamentais.Algumas dessas escolas trabalham apenas comcrianças diagnosticadas com autismo e outrasatendem um público mais diversificado. Todas elasutilizam a metodologia gerada pela pesquisa na áreade ABA e educação especial.

ESTRUTURA EDUCACIONAL EM ESCO-LAS ESPECIALIZADAS EM ABA:

Uma das maiores discussões na área da educaçãoespecial envolve o número de profissionais necessáriospara que o ensino de cada aluno seja o melhor possível,ou seja, eficiente e de qualidade. Para que tal qualidadeseja garantida, é importante estudar a melhor estratégiapara acomodar a necessidade de cada alunoindividualmente. Há alunos que podem se beneficiarde situações de um professor para um aluno (1:1) (Fig.1), há alunos que, por outro lado, se beneficiarão desituações de grupos pequenos ou grupos grandes (1:2até 1:5). O objetivo final será sempre incluir o alunonaquele ambiente que se aproxima cada vez mais aoambiente "natural" (escola regular, pública ou privada).Sendo assim, mesmo que um aluno receba tratamentobaseado em uma necessidade de instrução 1:1, oobjetivo final será o de progredir com o tempo paragrupos pequenos (1:2), para grupos grandes (1:3 a 1:5)e finalmente para inclusão (ex., Krantz & McClannahan,1999). É interessante notar que muitos pais erepresentantes dos alunos defendem o serviço 1:1 semquestionar que o melhor para a criança será umambiente menos intrusivo e mais semelhante ao ensinoregular. De fato, há crianças que necessitam umambiente de ensino mais controlado (situação 1:1) paraque alcancem maior independência no futuro.

Fig. 1 - Situação de ensino 1:1

Fig. 2 - Situação de ensino 1:1

Somente após possuírem habilidades básicas(como sentar, realizar contato visual, esperar pela suavez, imitar, seguir movimentos com os olhos eresponder a instruções simples) é que estas criançaspoderão passar a aprender em situações de grupo. Éimportante destacar que as habilidades aprendidasem situações de 1:1 e em pequenos grupos nemsempre são generalizadas para situações diferentesda de aprendizagem. A generalização de habilidadesaprendidas requer, muitas vezes, treino específico.

Outra discussão presente na área refente àqualidade do ensino é o treino dos professores quetrabalham diretamente com as crianças. Éfundamental que os professores sejam treinados porprofissionais qualificados e que a supervisão seja umaatividade constante. (ex., Page, Iwata, & Reid, 1982)

Um outro aspecto interessante, presente namaioria das escolas aqui citadas, é o trabalho realizadoem conjunto com outros profissionais tais comofonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, eprofessores de educação física. Esses são serviços quevêm sendo oferecidos nessas escolas e que têmtrazido bons resultados quando pareados com ABA.Esses profissionais multidisciplinares são treinadospara seguir os princípios derivados da Análise doComportamento e para serem consistentes com osprocedimentos prescritos para cada aluno. Dessamaneira, a qualidade e consistência do serviçoprestado é mantida e os alunos recebem serviçoscomplementares que visam o trabalho de habilidadesespecíficas necessárias para cada um deles. Porexemplo, fonoaudiólogos e analistas docomportamento podem trabalhar com meios decomunicação alternativa tais como a introdução dePECS (vide Miguel, Braga-Kenyon e Kenyon, nestevolume) equipamentos adaptativos, tais comocomputador com touchscreen e/ou output para som.Já o professor de educação física pode trabalhar emáreas de coordenação motora fina, grossa, além deadaptar equipamentos como cadeiras de roda eandadores.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

ALGUNS PRESSUPOSTOS BÁSICOSADOTADOS POR ESCOLASESPECIALIZADAS EM ABA

Para oferecer uma educação baseada na AnáliseComportamental Aplicada essas escolas partem dealguns pressupostos básicos que geram práticas quesão comuns a todas elas.

Os comportamentos observados são vistos comopassíveis de serem modificados, e a emissão decomportamentos considerados inadequados não évista como sintoma de uma doença. A ausência decomportamentos não é vista como imutável. Odiagnóstico é visto como procedimento necessáriona busca de recursos financeiros, mas não dita aprática do analista do comportamento.

A principal característica do trabalho realizadopelo analista do comportamento é o comprometimen-to com a premissa de que TODO comportamento pos-sui uma função (causa). Por exemplo, uma criançaque se morde pode parecer "estranha", mas ao anali-sarmos a função daquele morder, podemos verificar,que ela se morde e imediatamente recebe atençãodos pais. Se essa mesma criança não for ensinada abuscar essa atenção de uma forma mais aceitável,teremos que concordar que não é "estranho" que elase morda, pois afinal, o fato dela continuar se mor-dendo indica que esse comportamento produz aconseqüência "atenção" e, portanto, o se morder temessa função.

A emissão de comportamentos pode produzirdiversas conseqüências, e baseado na 1) relação entrea situação em que o comportamento é emitido, 2) ocomportamento em si, e 3) a conseqüência de talcomportamento, podemos investigar o que mantémtal comportamento, ou seja, qual é a sua função.

ANÁLISE FUNCIONAL DOCOMPORTAMENTO E O ENSINO DERESPOSTAS ALTERNATIVAS:

Uma das propostas da análise do comportamentoé a de identificar relações funcionais entrecomportamentos problemáticos e eventos ambientaisespecíficos. Em1994, Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman, eRichman propuseram uma metodologia específicapara examinar os efeitos entre mudanças ambientaise a emissão de respostas de autolesão. Iwata et al(1994) discutem o fato de que respostas de autolesão,nos últimos 15 anos, têm sido tratadas com maiorsucesso quando os tratamentos propostos sãobaseados em princípios comportamentais. Osresultados apresentados na literatura sobre ostratamentos existentes (DRO, extinção, timeout,overcorrection) são controversos. Iwata et al (1994)destacam que as falhas ou inconsistências dostratamentos descritos na literatura podem estarrefletindo uma falta de conhecimento das variáveisque produzem ou mantém as respostas de autolesão.

Sendo assim, para que se escolha um tratamentopotencialmente efetivo, teríamos, primeiramente, quedeterminar quais são os eventos que atualmentemantém tais comportamentos.

A conclusão da necessidade de se conhecer asvariáveis que determinam a emissão de umcomportamento especifico é válida para qualquercomportamento. Os comportamentos consideradosinadequados (agressão, autolesão, fuga, estereotipia,birra) podem ser mantidos por diferentes variáveis,entre elas: a) atenção: o indivíduo pode receberatenção imediatamente após à emissão decomportamentos inadequados; b) esquiva/fuga: oindivíduo pode evitar ou terminar uma situaçãoaversiva caso emita o comportamento não adequado;c) estimulação: o indivíduo pode se auto-estimularcaso emita o comportamento inadequado; d) buscade objeto preferido: o indivíduo pode emitir ocomportamento não adequado visando receber devolta um objeto preferido que tenha sido removido;e) multideterminado: há ainda comportamentos queexercem mais de uma função ao mesmo tempo, ouseja, o comportamento inadequado pode ao mesmotempo trazer atenção e o objeto preferido, ou trazerauto-estimulação e fuga.

A análise do comportamento pressupõe,portanto, que é fundamental conhecer a(s)variável(eis) que mantém o comportamento, e a partirdesse conhecimento, propor formas alternativas dese conseguir a mesma consequência com umcomportamento diferente. Por exemplo, se umacriança emite agressões e tem como conseqüência aatenção de todos os professores, poderíamos inferirque o que mantém essa criança emitindo agressões éa atenção recebida, assim, é possível propor o ensinode formas mais adequadas de se "buscar" a atençãodos outros (ex: levantar a mão, cutucar o ombro,chamar o professor).

Descobrir quais são as variáveis que mantém oindivíduo se comportando de determinada maneiranão é uma tarefa simples e nem a única a serdesempenhada pelo analista do comportamento.Ensinar formas alternativas de comunicação e,portanto, formas mais aceitáveis de se obter OMESMO que se vinha obtendo via comportamentoinadequado é, sem dúvida, mais uma dasresponsabilidades do analista do comportamento.Descobrir qual é a função de um comportamentoque observamos, ou seja, entender o porque daemissão daquele comportamento (análise funcional)é uma tarefa que pode ser realizada de diferentesmaneiras. O modo mais científico, e portanto maispreciso, tem sido denominado "análise funcionalexperimental" ou "análise funcional análoga". Essetipo de análise ocorre em um ambiente controlado esimilar a um experimento. O estudo publicado porIwata et al (1994) descreve detalhadamente cada fasede tal análise. A idéia básica desta metodologia é a deque é possível criar um ambiente controlado em quetodos os comportamentos (ex., comportamentos de

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agressão) são imediatamente seguidos por umadeterminada conseqüência. As conseqüênciasapresentadas são alternadas (atenção, acesso a objetopreferido, fuga/esquiva) e o experimentador buscauma uniformidade no padrão de respostas/comportamentos. Por exemplo, se durante oprocedimento de análise funcional o comportamentode agredir ocorrer mais frequentemente na situaçãoem que a criança recebe atenção, assume-se que talconsequência é a responsável pela manutenção/occorência do comportamento no ambiente natural.

Existem outros procedimentos cujo objetivotambém é o de determinar a função de umcomportamento específico. Esses são procedimentosmenos experimentais, mas que apresentam asvantagens de não necessitarem de treinos extensivospara sua implementação, podendo serimplementados no dia-a-dia do aluno. Dentre estesprocedimentos encontram-se: entrevistas com os paise professores (Fisher, Piazza, Bowman, & Amari,1996),tabelas para identificar antecedentes, comportamentoe conseqüências (ABC checklists) (Lerman, D. C., &Iwata, B. A., 1993), e tabelas para identificar padrõestais como horário, professor ou tarefa presentes nomomento da ocorrência do comportamento (Kahnget al., 1998).

Como discutido anteriormente, uma vezdeterminada a função de um comportamentoinadequado, o analista do comportamento deveensinar comportametos alternativos que possam geraras MESMAS conseqüências que o comportamentoinadequado gerava. Por exemplo, se descobrimosatravés de uma análise funcional, que um aluno emitecomportamentos de autolesão (tais como mordidasna mão) e como consequência escapa das atividadespropostas, podemos ensiná-lo à entregar ao professorum cartão pedindo um intervalo, ou ainda, um cartãopedindo uma tarefa mais fácil.

ENSINANDO NOVAS HABILIDADESATRAVÉS DO USO DE REFORÇA -MENTO POSITIVO:

Finalmente, caberá também ao analista docomportamento, a tarefa de preparar o ambiente deforma que novas habilidades possam ser ensinadas.O analista do comportamento investiga quais são ashabilidades presentes (repertório do indivíduo) equais são os pré-requisitos para se ensinar habilidadessubseqüentes. Para que o ensino de novas habilidadesseja efetivo, o analista do comportamento terá queestudar minuciosamente os procedimentos de ensinopropostos pela Análise Comportamental Aplicada eadaptar individualmente cada procedimento.

Além de ensinar aos alunos "comunicação fun-cional" (Carr & Durand, 1985), o Analista do Compor-tamento deve identificar quais são as habilidades queo aluno apresenta e quais são as que precisa apren-der. Habilidades básicas tais como contato visual, sen-

tar independente, seguir instruções simples e imita-ção motora devem ser ensinadas, se necessário, an-tes de se introduzir habilidades descritas em um currí-culo mais intermediário, tais como reconhecimentode objetos, nomeação, reconhecimento de números,atividades da vida diária (por exemplo: escovar os dentesou lavar as mãos) e, finalmente, as habilidades perti-nentes a um currículo mais avançado, tais como gra-mática, conceitos matemáticos, emoções (Taylor andMcDonough, 1994).

O ensino de comunicação funcional bem comoo de novas habilidades deve ocorrer preferencialmenteatravés do uso de reforçamento positivo (Sidman,1989) e não através de métodos tais como coerção epunição.

Segundo Skinner (1988/1953):... a única maneira de dizer se um dado evento é

reforçador ou não para um dado organismo sobdadas condições é fazer um teste direto.Observamos a freqüência de uma respostaselecionada, depois tornamos um evento a elacontingente e observamos qualquer mudança nafreqüência. Se houver mudança, classificamos oevento como reforçador para o organismo sob ascondições existentes (p.81).

Testes para identificar possíveis reforçadores têmsido publicados em revistas especializadas em AnáliseComportamental Aplicada (ex., Journal of AppliedBehavior Analysis).

Pace, Ivancic, Edwards, Iwata e Page (1985)descrevem um procedimento que vem sendoextensamente utilizado. Nesse procedimento 16possíveis itens reforçadores podem ser identificadospara cada aluno, através da apresentação individualde cada um desses itens e do registro da interação doaluno com o mesmo. Fisher, Piazza, Bowman,Hagopian, Owens e Slevin (1992) acrescentaram aoprocedimento proposto por Pace et al (1985) umcomponente importante: a escolha. Fisher et al (1992)propõem a apresentação de dois itens por vez(também chamado de escolha forçada) e registramqual item é escolhido com maior freqüência. De Leone Iwata (1996) sofisticaram ainda mais osprocedimentos que vinham sendo utilizados epropuseram a apresentação de sete items por vez,possibilitando um estudo mais compreensivo depossíveis reforçadores.

A identificação de possíveis reforçadores é umatarefa fundamental para garantir que oscomportamentos a serem ensinados sejamefetivamente incluídos no repertório dos alunos. Éimportante destacar que o uso de reforçadoresprimários (tais como comida e bebida) podem levarà saciação, ou seja, uma criança que emite respostascorretas e ganha uma bala pode parar de emitirrespostas corretas quando estiver "cheia" de balas.

Um procedimento frequentemente utilizado poranalistas do comportamento para evitar que a criança

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

fique "cheia" ou "cansada" com relação a um itemespecífico e também para aumentar o número derespostas necessárias para receber tal item édenominado economia de fichas (ex., Myles, Moran,Ormsbee, & Downing, 1992). Esse procedimento podeser descrito de maneira simples: cada vez que o alunoemite uma resposta correta o professor entrega a eleuma fichinha (que pode ser feita de materiaisdiferentes, tais como fichas de plástico, figurinhas).O aluno junta um número específico de fichinhas eas troca por guloseimas ou brinquedo(s) predileto(s).Além de evitar possível saciação, o uso doprocedimento de economia de fichas apresenta umasérie de vantagens, entre elas: o reforçamento ocorrede modo mais imediato, o procedimento é facilmenteimplementado em diferentes situações, pode sercorrelacionado com reforço social (tal como elogios),além de ensinar o aluno a esperar pela compensação.

QUATRO PASSOS FUNDAMENTAISO uso da Análise Comportamental Aplicada

voltada para a educação especial caracteriza umaprática científica que se baseia em 4 passosfundamentais: 1) avaliação inicial, 2) definição dosobjetivos a serem alcançados, 3) elaboração deprogramas (procedimentos) e 4) avaliação doprogresso. Desse modo, quando trabalhamos comessa população, iniciamos o trabalho sempre pelopasso 1, avaliação do repertório inicial da criança.Avaliações iniciais do repertório do aluno servem paraestabelecer uma linha de base, ou seja, para identificaro que o aluno sabe e o que não sabe, e ao mesmotempo, para identificar que comportamentosinadequados o aluno emite. Uma vez realizada aavaliação inicial , o profissional deve seguir os passos2, 3 e 4. É importante destacar que o processo não seencerra após o passo 4. O tratamento de criançasdiagnosticadas com transtornos invasivos dodesenvolvimento, quando baseado na AnáliseComportamental Aplicada, caracteriza-se, assimcomo tal abordagem, pela constante mudança,experimentação, registro e mudanças.

Ao receber uma criança, o profissional encontra-se frente a um problema que envolve uma série dequestões: Quem é essa pessoa? Quais são suashabilidades? Do que será que ela gosta? Será que elafala? Como será que ela se comunica? E assim pordiante. Essa tarefa de "conhecer" seu cliente pareceassustadora, e nem sempre é fácil decidir por ondecomeçar. Nos parece que faz parte dessa avaliaçãoinicial, pelo menos, três etapas: 1) investigação dos"possíveis reforçadores" para essa criança específica.São os "possíveis reforçadores" que serão utilizadospara ensinar novas habilidades para a criança emquestão. É importante destacar que o "gosto" dacriança varia com a passagem do tempo. Esse é omotivo pelo qual falamos que as etapas são repetidasao longo do processo. É fundamental que esse testeseja repetido pelo menos uma vez por mês (quanto

mais freqüente melhor); 2) também nesse primeiroencontro com a criança, o profissional precisaregistrar, de modo preciso, os comportamentos queobserva. É preciso então registrar de alguma maneiraa forma e a freqüência dos comportamentosobservados; 3) já sabemos, após as etapas 1 e 2, quaissão "as coisas que essa criança gosta" e quais são oscomportamentos que ela emite. Falta aindaconhecermos as habilidades de nossa criança: saberáela ler? Escrever? Saberá os números, as letras? Seráque ela consegue identificar diferentes figuras,objetos? O profissional, antes do primeiro encontro,deve preparar o material que irá utilizar. É importanteque ele saiba conduzir testes, reforçar respostasalternativas, apresentar o material de modo "correto".Tais habilidades têm que ser ensinadas - o profissionalnecessita de um treino específico que envolve desdea apresentação do material para a criança, apreparação do ambiente até a deliberação do "reforço"no momento correto.

Agora que sabemos do que a nossa criança"gosta" e quais são suas habilidades (repertório inicial)iremos planejar o que pretendemos ensiná-la. Nãoadianta acharmos que vamos ensinar uma criançaque não sabe os números a resolver problemas dematemática. A idade cronológica bem como asuposição de que essa criança deveria estar em "talsérie" não garante que ela possua os pré-requisitospara tais habilidades. É fundamental que o profissionalavalie todos os possíveis pré-requisitos de cada tarefa,e que escolha seus objetivos com base em talavaliação. É comum que os primeiros objetivosescritos para uma criança com necessidade deeducação especial sejam do tipo: aumentar o tempoque faz contato visual, aumentar o tempo em quepermanece sentada, ensinar a "ligar" palavras ditadascom figuras, ensinar a "reconhecer" objetos, e assimpor diante. Outras habilidades (objetivos) a seremensinadas envolvem tarefas como a de ensinar aescovar os dentes, lavar as mãos, e assim por diante.Não podemos nos esquecer que será também umobjetivo o de diminuir a freqüência daquelescomportamentos indesejáveis (agressões, autolesões,destruições do ambiente, etc).

Com a lista de tarefas/objetivos que queremosensinar nas mãos podemos nos perguntar: "e agora?Como faço para alcançar tal objetivo?"

Uma das características mais importantes daAnálise Comportametal Aplicada é o fato de que cadatarefa sempre é ensinada dividindo-a em pequenos passos(Green, 1996). Desse modo, não esperamos que a criançaaprenda "de uma vez" a reconhecer as figuras queapresentamos, por exemplo. Enquanto analistas docomportamento, sabemos que o processo é lento e queos profissionais tem que saber ensinar cada passo, pormenor que esse possa parecer. Jamais podemos esperarque os comportamentos da criança mudem muitorápido: se hoje ela apresenta 25 agressões por dia, nãopodemos jamais achar que amanhã tal freqüência seráde duas agressões por dia. Por outro lado, o registro e a

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3º Milênio

avaliação constante, nos permite verificar se a freqüênciade respostas de agressão está, com o passar do tempo,diminuindo, o que parcialmente comprovaria a efetividadedo programa (procedimento).

Cabe aqui ressaltar a importância da avaliaçãocontínua. Se avaliássemos nossa criança apenas umavez por mês, por exemplo, poderíamos chegar aconclusão de que ela não aprendeu aquilo quepretendíamos ensinar. Caso ela não tenha aprendido,um mês se passou e mudanças serão realizadassomente após este um mês em que a criança foiexposta a uma história de erros. Por outro lado, seavaliarmos essa criança durante cada sessão, ou seja,conforme vamos ensinando-a, aí sim poderemosidentificar se o programa que escrevemos estáfuncionando ou não, e melhor que isso, teremostempo de mudá-lo, adaptá-lo, transformá-lo de modoque seja efetivo e de que não ofereça uma historia deerros. O registro de dados e, portanto, a avaliaçãocontínua é uma das características fundamentais daAnálise Comportamental Aplicada (ABA).

CONCLUSÃOA Análise Comportamental Aplicada é uma

disciplina com mais de 50 anos de pesquisa científicacontínua. O tratamento não se baseia em umconjunto de regras e passos a serem seguidos. É umtratamento específico que deve ser construídoconforme vai transcorrendo. Os programas estão emconstante mudança, e o analista do comportamentoesta sempre buscando a maneira mais efetiva detransformar repertórios comportamentais individuais.O ensino de novas habilidades, bem como o objetivode eliminar comportamentos indesejáveis servemcomo objetivos a serem alcançados. Uma lista dessesobjetivos é definida pelo profissional, juntamente coma família, com base nas habilidades iniciais da criança,após a avaliação. O envolvimento dos pais e de todasas pessoas que participam da vida da criança éfundamental durante todo processo. Vale a penaressaltar que o tratamento não é milagroso nemrápido, embora é considerado, hoje, o mais efetivo.

AGRADECIMENTOS:Os autores agradecem Claudia Braga pelos

comentários e sugestões.

Endereço para CorrespondênciaPaula Braga-Kenyon, M.S.1057 Maywood Lane apt. # 413Martinez, CA 94553 USA

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CAPÍTULO XXIV

O PROJETO PORTAGE E O INVENTÁRIOOPERACIONALIZADO:

CONTRIBUIÇÕES PARA AINTERVENÇÃO PRECOCE COMCRIANÇAS AUTISTAS.

Ana Lúcia Rossito Aiello

Este capítulo descreve, em linhas gerais, o Pro-jeto Portage e o Inventário Portage Operacionalizadoe suas contribuições para a intervenção precoce emcrianças com risco de deficiência estabelecidas e, prin-cipalmente, com aquelas que apresentam sinais pre-coces de autismo.

O PROJETO PORTAGE E SEUS COMPO-NENTES: DESCRIÇÃO GERAL.

O Projeto Portage é um projeto amplo de trei-namento domiciliar aos pais e dirigidos à educaçãopré-escolar que teve início em 1969. Ele foi elabora-do para desenvolver, implementar e demonstrar umprograma modelo para crianças em idade pré-esco-lar, habitantes da área rural de Wisconsin (EUA). Por-tanto, trata-se de um programa de ensino domiciliarque busca envolver os pais na educação de seus fi-lhos, programa de ensino domiciliar que busca en-volver os pais na educação de seus filhos, oferecen-do-lhes treinos sobre o que ensinar, como ensinar, o

que reforçar e como observar e registrar comporta-mentos (1). O uso desse programa e a ênfase emenvolver os conhecimentos dos pais no ensino fa-zem Carpenter (2) considerar o Projeto Portage a pe-dra inicial do que é hoje conhecido como “parceriaentre profissionais e pais”. (3)

O Projeto Portage é composto por três elementoscomplexos e distintos: 1) uma proposta deprocedimento de treino domiciliar; 2) um currículo paraavaliação e ensino de crianças com necessidadeseducacionais especiais (“Guia Portage de Educação Pré-Escolar”(4) e 3) um Programa de Treinamento de Pais.(5,6) (Uma descrição mais completa de cada um desseselementos pode ser encontra em Williams e Aiello). (7)

Todas as intervenções do Projeto Portage ocorremna casa da crianças e o ensino é realizado pelo pais.Um professor é designado para cada criança e família,podendo ser um profissional ou um paraprofissionaltreinado. Ele visita cada uma de suas famílias, um diapor semana, durante mais ou menos uma hora e meia.Preparado para trabalhar em três ou cinco atividades,de uma ou todas as áreas de desenvolvimento(cognição, desenvolvimento motor, autocuidados,linguagem, socialização ou estimulação infantil),antes de tudo o professor coleta dados de linha debase para determinar o quanto a criança podedesempenhar cada uma dessa atividades. Essainformação será comparada ao desenvolvimento dacriança após uma semana de treino realizado pelospais nas atividades propostas. Se a criança obtiver,nas Segunda avaliação, um número de acertos acimade 80% em qualquer uma das atividades treinadas,ela será considerada aprendida e deverá serincorporada na rotina diária da criança. Se a criançaapresentar uma qualidade de acertos menor que 80%na atividade, o professor deverá, junto aos pais,analisar as razões e, se necessário, alterar oprocedimento de treino, deixando a atividade paraser ensinada por mais uma semana.

Durante a visita domiciliar, o professor fornecemodelo aos pais de como ensinar cada uma dasatividades para a criança, solicita que demonstre comoirão realizar as atividades e fornece feedback sobre aatuação deles. No final de cada visita, o professordeixa com os pais as atividades e o procedimento deensino por escrito e os instrui a trabalhar com a criançapelo menos uma vez por dia nas atividades prescritas.

Para facilitar as decisões sobre o que ensinar à criançae como planejar as atividade de ensino é utilizado o GuiaPortage de Educação Pré-Escolar, (4) composto por:

1) um inventário comportamental (denominadoInventário Portage) que lista 580 comportamentosdivididos em seis áreas de desenvolvimento –cognição, autocuidados, socialização, linguagem,desenvolvimento motor e estimulação infantil(específica para bebês) – por faixa etária de zero a seisanos; 2) um conjunto de cartões descrevendo ocomportamento e sugerindo estratégias de ensino,atividades, materiais a serem utilizados e análise detarefas para cada um dos 580 comportamentos. (Esse

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3º Milênio

conjunto de cartões serve de referência para oprofessor e pais ao planejar e ensinar oscomportamentos à criança) e 3) um manual contendoinstruções de como utilizar o inventário e os cartõesde ensino além de informações sobre treinamento.

O inventário comportamental da criança(Inventário Portage), elaborado com base em escalasde desenvolvimento de crianças normais, é utilizadopara apontar os comportamentos que uma criançasespecífica sabe realizar nas diferentes áreas dedesenvolvimento. Os comportamentos do inventárioque indicam habilidade emergentes (aquelescomportamentos não aprendidos que ocorrem logoapós aos aprendidos) (1) podem ser aqueles prescritospara treino. Entretanto, recomenda-se que a idade,interesse, o ambiente domiciliar, as prioridades dospais e as deficiências motoras e sensoriais da criançasejam considerados, nesse processo de decisão, emrelação aos itens que a ela devem ser ensinados.Embora o Inventário Portage tenha sido desenvolvidocom implicações educacionais, o professor deveavaliar cuidadosamente a relevância de um itemparticular para cada criança.

Como foi dito, o Projeto Portage oferece um Pro-grama de Treinamento de Pais. (5,6). Os procedimen-tos e materiais descritos nesse programa são baseadosna análise experimental do comportamento e visamhabilitar os pais para técnicas mais adequadas de ensi-no e de manejo do comportamento da criança. Alémdisso, durante a visita domiciliar, enfatiza-se a obser-vação das interações pais-criança, em termo do mo-delo antecedente-comportamento-conseqüente, emque os eventos antecedentes e conseqüentes ofereci-dos pelos pais servem para evocar e manter o compor-tamento da criança. O programa é composto por:1) um inventário comportamental de pais (5), desenvol-

vidos para lhes facilitar o planejamento, aimplementação e a avaliação de programas de ensinopara eles individualizados, constituído por 82 itensque, de acordo com a literatura, parecem relevantespara os que se propõem a facilitar o ensino de diferen-tes habilidades às crianças, bem como a lidar com osseus possíveis comportamentos inadequados. Esseinventário subdividi-se em cinco seções: comporta-mentos antecedentes ao ensino material de ensino,comportamento conseqüentes ao ensino, comporta-mentos relevantes para o fornecimento de comporta-mento adequados gerais da criança e planejamentoinstrucional (por exemplo, o que e como ensinar);

2) um manual (5) para o professor contendo suges-tões para utilizar o inventário comportamental depais e realizar o ensino de suas habilidades, alémde descrever modelos de treinamento aos pais;

3) um livro de leituras para os pais (6) oferecendo-lhes, emlinguagem acessível e ilustrada por pequenas estórias,princípios da análise do comportamento (reforçamento,medelagem, encadeamento, etc.), sugestões paraenvolvimento da família no processo de ensino,procedimentos de correção, entre outros tópicos.

Desse modo, no processo de ensino de habilida-des de manejo de comportamento infantil, o profes-sor deve avaliar as habilidades de interação dos paiscom seus filhos, precrever-lhes objetivos de ensino,

dar-lhes modelo do comportamento adequado, soli-citar-lhes que pratiquem o comportamento, oferecer-lhes feedback sobre essa atuação, reforçar-lhes os acer-tos, registrar-lhes suas respostas e torna-se-lhes dispo-níveis para possíveis consultas. Os autores do Progra-ma Portage de Pais (5,6) recomendam que o ensinode habilidades aos pais seja realizado pelo professorjunto ao treino de crianças, durante a visita domiciliar,e ai sugerem que o professor deixe aos pais leiturassemanais sobre as habilidades ensinadas a eles.

Portanto, estudos descritos na literatura indicamque o Projeto Portage tem sido um modelo útil deintervenção precoce, propiciando ganhos as crianças(em termos do número de habilidades adquiridas eaceleração do desenvolvimento), além de ser um dosmodelos pioneiros em oferecer ajuda às famílias emseu domicílio. Ele foi traduzido para 37 línguas eintroduzido em mais de 78 países atendendo diferentespopulações. (7,8) Além disso, Cameron (9) afirma queo Projeto Portage tem sido uma plataforma na qual sefundamentam muitos programas de intervençãoprecoce existentes hoje. Seu uso, em termos de pesquisae intervenção, foi introduzido no Brasil, maisespecificadamente na Universidade Federal de SãoCarlos, no final da década de setenta por Williams. (10)

INVENTÁRIO PORTAGEOPERACIONALIZADO (IPO)

Williams e Aiello (7) operacionalizaram cada umdos 580 comportamentos do inventário comporta-mental da criança (Inventário Portage) propondo-lhesdefinições, critérios, especificação das condições deavaliação e descrição do material a ser utilizado (verexemplo na Tabela 1). A necessidade de taloperacionalização surgiu da experiência de utilizar oInventário Portage original e obter baixos índices defidedignidade entre os observadores ao avaliar orepertório de crianças.

Tabela 1: Exemplo de operacionalização de item doInventário Portage proposto por Williams e Aiello.

Nº Item Faixa etária

Área Inventário Portage Inventário Portage Operacionalizado

18 1 a 2 anos

Cognição Emparelha objetos semelhantes

Emparelha objetos Semelhantes

Condição: para diminuir a complexidade da tarefa, não apresente objetos com qualquer dimensão diferente; exemplo: cor, tamanho, forma, textura. Dispor objetos que servirão como modelo (exemplo: uma bola, uma boneca, uma colher), entregar seus pares à criança solicitando-lhe a resposta de emparelhar. Resposta: emparelhar = cada tentativ corresponde a colocar um objeto próximo do seu objeto semelhante. Material: duas bolas, duas bonecas, duas colheres, duas camisetas da mesma cor, duas frutas iguais. Critério: emparelhar pelo menos três diferentes pares de objeto.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Dessa forma, a operacionalização do InventárioPortage permite que ele seja usado como uminstrumento par: 1. Realizar avaliação sistemática dorepertório de crianças vulneráveis a diversos riscosou consideradas especiais, em relação às diferentesáreas do desenvolvimento e faixa etária (zero a seisanos) – uma vez que os itens estão descritos emtermos observáveis, a presença ou ausência de umcomportamento pode ser facilmente determinadofavorecendo a visualização de progresso (ou não) dacriança ao se realizar medidas periódicas de seudesenvolvimento; 2. Orientar pais ou familiares paraoferecerem uma estimulação compatível com asnecessidades da criança; 3. Capacitar o profissionalque executará a avaliação das crianças e a orientaçãodos pais e 4. Indicar ao profissional se suasintervenções junto à criança ou família estão surtindoos efeitos esperados.

Por isso, o IPO tem sido usado no Brasil, pordiversos pesquisadores e profissionais, com váriostipos de população (crianças com necessidadeseducacionais especiais ou em risco de atraso dedesenvolvimento, com bebês prematuros e de baixopeso), em diferentes situações de ensino (Apaes,creches, clínicas particulares, domicílios), com váriosobjetivos (monitorar desempenhos de crianças,estimular bebês institucionalizados ou bebês de altorisco após alta hospitalar, formar alunos de graduaçãoem Psicologia e treinar mães e familiares) e em váriosEstados. (7).

No livro O Inventário Portage Operacionalizado:Intervenção com Famílias (7), o leitor encontrarásugestões sobre o procedimento de observação doscomportamentos (que áreas observar, por qual faixaetária começa a avaliação, onde encerrar a avaliação,duração das sessões de observação, como organizarpreviamente uma sessão), como registrar oscomportamentos da criança e exemplos de folhas deregistros para cada área de desenvolvimento doinventário (desenvolvimento motor, cognição,autocuidados, socialização, linguagem e estimulaçãoinfantil). Além disso, o leitor também encontrarámateriais e sugestões de como avaliar e treinarprofessores e pais, formas de analisar e monitorar oseu desempenho e o da criança (por exemplo, usandoa reta de regressão).

O INVENTÁRIO PORTAGEOPERACIONALIZADO: POSSÍVELCONTRIBUIÇÕES PARA OAUTISMO.

Inicialmente, faz-se necessário situar o leitor noque há de novo sobre autismo para, posteriormente,descrever as possíveis contribuições do ProjetoPortage e do IPO para essa população.

Darwson e Osterling (11) apontam que um dosconhecimentos mais recentes e excitantes no campodo autismo é a habilidade para reconhecer esse trans-

torno em bebês ou crianças jovens (crianças na faixaetária de dois anos). Assim, atualmente, um bebê ouuma criança jovem com autismo pode ser reconhe-cida por suas dificuldades em orientar-se para estí-mulos sociais, limitado contato visual e prejuízos naimitação motora e atenção. A importância dessa iden-tificação precoce parece ser valorizada ao se analisaros resultados favoráveis (melhora no desenvolvimen-to e no comportamento social, aumento do QI, aqui-sição de linguagem, diminuição dos sinais de autismo)obtidos por crianças que receberam programas deintervenção precoce após a identificação, tambémprecoce, dessas dificuldades (12). Entretanto, caberessaltar que alguns autores, como por exemploGresham e MacMillan, (13), apontam problemasmetodológicos (momento do início do tratamento,sua intensidade e duração, seus delineamentos depesquisa e integridade e a designação aleatória dosparticipantes em grupo experimental e de controle)nas pesquisas sobre eficácia da intervenção precoceno autismo que mereceriam investigações futuras.

Assim, a possibilidade de identificação precocede autismo acarretou uma incidência maior de estudosna literatura voltados para, pelo menos, quatroaspectos:1. Determinar e avaliar quais são as dificuldades ou

sinais precoces de autismo. Um dos caminhos uti-lizados para se estudar os sintomas precoces deautismo se dá por Meio de uso de filmes domicilia-res realizados pelos pais. Nesses estudos, pesquisa-dores solicitam vídeos domésticos (por exemplo, dafesta de um ano de idade) tanto que foram posteri-ormente diagnosticadas autistas como de criançanormais e com os desepenhos de ambas na mesmasituação. Esses estudos (14-20) têm mostrado que épossível identificar comportamentos, em criançasmuito pequenas, que parecem ser sinais precoces deautismo;

2. Avaliar e propor deferentes programas de intençãopara crianças jovens como autismo. Por exemplo,intenções que facilitam a socialialação (21) e aintegração motora, visual e audidita (22) dessascrianças:

3. Elaborar instrumentos/testes derivados desses si-nais para sua detecção precoce, bem como pro-por instrumentos mais refinados , baseados emcritérios mais recentes, para diagnosticar oautismo;

4. Alertar os pediatras e os profissionais da saúde so-bre a necessidade de incorporar à sua prática pro-fissional avaliações que permitam detectar essasdificuldades nos bebês durante as consultas derotina, (23-25) assim como estudos sobrecapacitação desses profissionais. (26,27)

Cumine, Leach e Stevenson (28), em livro recen-te destinado a pais e profissionais sobre a natureza eimplantações educacionais do autismo, particular-mente no bebê e na criança jovem, têm resumido osseguintes comportamento mais prejudicadas noautismo:

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3º Milênio

1. Interação social. A criança jovem com

autismo:

• Pode não se colocar no lugar de outra pessoa (podenão compreender a outra pessoa) e assusta-seimprevisivelmente;

• Parece relacionar-se melhor com objetos do quecom pessoas;

• Pode tolerar abordagem de pessoas muito familiares;• Pode abordar pessoas que lhes são muito

conhecidas;• Pode parecer usar pessoas apenas como um meio

para um fim – para obter fora de seu alcance;• Desconhece regras sociais simples e convenções.

2. Comunicação Social. A criança jovem com

autismo:

•É lenta para desenvolver a fala – e pode nãodesenvolve-la;

• Se sua palavra, freqüentemente usa fora de contextoe sem intenção de comunicação.

• Pode ecoar as palavras de outras pessoas – imediataou posteriormente;

• Pode usar palavras e posteriormente “perde-las”;• Usa pouco contato visual;• Raramente compreende ou usa gestos;• Pode desenvolver gestos como apontar, mas usa

indicar necessidade mais do que para compartilharuma experiência.

3. Imaginação social e flexibilidade de pensamen-

to. A criança jovem com autismo:

• Pode não compreender facilmente seqüência deeventos;

• Pode torna-se aflita quando se altera a rotina familiar;• Pode impor rotina às outras pessoas;• Freqüentemente engaja em comportamentos

esteriotipados;• Freqüentemente resiste a novas experiências (por

exemplo: recusando alimentos diferentes ou roupasnovas);

• Acha difícil trabalhar no que outras pessoas estãofazendo e certamente não compreende por que elasfazem coisas – é incapaz de se colocar no lugar dooutro;

• Pode desenvolver jogo simbólico lentamente – casodesenvolva;

• Freqüentemente prestam atenção a detalhes.Segundo cumine et al., (28) as crianças podem

apresentar alguns ou vários desses sinais, obtendo,cada uma, um perfil individual.

No que se refere aos instrumentos a seremutilizados desde a detecção precoce até o diagnósticofinal de autismo, Filipek et al. (29) especificam osinstrumentos descritos na literatura incluindo-os auma rota de avaliação composta de dois níveis. Noprimeiro nível, sugerem que a triagem seja realizadacom todas as crianças (por profissionais da saúdenos atendimentos rotineiros à criança) e envolva aidentificação delas em risco para qualquer atraso dedesenvolvimento. No segundo nível, mais específico

para crianças já identificam, a maioria dessesinstrumentos faz o profissional observar e analisarapenas os itens indicativos de autismo, raramenteremetendo-o para uma avaliação global dodesenvolvimento da criança e menos ainda para ocontexto familiar mais amplo em que ela se encontra.Ao proceder dessa forma, parece que a ocorrência deerros nesse processo de diagnóstico são facilitados.

Uma tentativa de evitar esses erros está sendoimplementar, na Universidade Federal de São Carlos, aoutilizar o Projeto Portage e o IPO paralelo ao processo dediagnóstico e tratamento sugerido por Filipek et al. (29)a criança com sinais de autismo. Inicialmente, o CHAT(Checklist for Autism in Toddlers) (30), um dos instru-mentos mais conhecidos para triagem de sinais preco-ces de autismo, foi aplicado por alunos de Psicologia, ascrianças de creche, visando verificar a utilidade do ins-trumento na detecção de sinais de autismo na popula-ção brasileira. (31) Posteriormente, as crianças assimidentificadas ou as encaminhadas por outras fontes aoprojeto, passaram a receber visita domiciliar semanal,com uma hora de duração, realizada por dupla de alu-nos do curso de graduação em Psicologia, sob supervi-são da autora. A parti daí, o Projeto Portage e o IPO teveinício incorporando a eles vários princípios apontadospela literatura atual como sendo fundamentais para osucesso de intervenções com família e criança. Tais prin-cípios são: 1. Oferecer serviços centrados na família (32)e nos seus pontos fortes mais do que nas suas deficiên-cias ou aspectos negativos; 2. Utilizar uma abordagemeco-sistêmica (33,34) de intervenções na qual a famíliaé vista como um sistema menor dentro de um sistemamaior (comunidade), sendo necessário analisar todasas intenções entre os sistemas e subsistemas; 3. Analisara rede de apoio social35 disponível à família, funda-mental para ajudá-la a enfrentar as dificuldades advindade diferentes estressores e ampliar tal rede quando ne-cessário; 4. Usar estratégias para prevenir risco deestresse (3,36); 5. “Empoderar” (empowerment) (37)as famílias oferecendo oportunidades para que efetiva-mente consigam solucionar seus problemas tomandoas decisões pertinentes. (Para uma descrição mais deta-lhada destes princípios e a interface com o ProjetoPortage e o IPO ver Aiello e Williams). (38,39).

Além desses princípios, o atendimento oferecido

à criança e sua família tem por filosofia de ação:

1. Ênfase no ensino de habilidades positivas e nospontos fortes da família e da criança, procurandofortalecer habilidades já existentes e a partir delasampliar para novas habilidades. Busca-se, com isso,diminuir as diferenças entre o repertório decomportamento da criança com necessidadeseducativas especiais e seus pares normais;

2. Reconhecimento de que a família possuiconhecimento único e úteis sobre seu filho,fundamentais para uma parceria entre profissionaise pais (3) que buscam o melhor para a família e paraa criança;

3. Instruções no ambiente natural com uma variedade

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

de “professores” (pais, irmãos, alunos de Psicologiae outros);

4. Interações individualizadas e estruturadas comoforma de ensino a ser utilizada, pelo menos, no iníciodo processo de ensino;

5. Adequação de atividades à idade e interesse dacriança, bem como o ensino de habilidadesfuncionais derivadas do IPO que permitam aadaptação e realização de atividades do dia-a-diapor parte da criança.

O Projeto Portage e o IPO têm oferecido oselementos básicos para essa análise e intenção. A visitadomiciliar e a presença semanal dos alunos esupervisora (ou de profissionais) na casa da família,proporciona uma fonte de apoio estável e consistente,além de encorajamento, informações gerais sobredúvidas e referência a recursos da comunidade paraa família. Também possibilita que os alunos esupervisora detectem, muito mais rápido, possíveisnecessidades, desafios e dúvidas e intervenham maisprontamente ajudando a família a solucioná-los. Aoestar na casa da criança observando as relaçõesexistentes entre os membros e avaliando odesenvolvimento global da criança, via IPO, oprofissional tem uma visão ampla e contextualizadada família e da criança e não apenas de seusproblemas.

Por exemplo, foi encaminhada ao serviçodescrito acima uma criança de 2 anos e 9 meses comsuspeita de autismo, uma vez que apresentava osseguintes sinais: ter parado de falar, não mantercontato visual com adultos estranhos, usar apenasuma palavra e gestos para obter itens desejados enão interagir com colegas da mesma idade. (Éimportante esclarecer que os profissionais queencaminharam essa criança desconheciam osinstrumentos usados para identificação precoce e nãoaplicaram nenhum deles para confirmar tais suspeitas.Apesar disso, disseram à família que “ele é autista”).Embora as observações estejam no início, foi possívelverificar, em poucas semanas, durante o atendimentodomiciliar, que os familiares “entendem” os gestosda criança e propiciam à ela o item desejado. Portanto,parece não haver estímulo para o uso da linguagemfalada, por outro lado, o ambiente domiciliar é instávelcom freqüentes brigas entre os pais, seguido porperíodo de ausência do pai. A criança já presenciouinúmeras brigas inclusive algumas com violência físicaà mãe. Que efeitos tem este contexto noscomportamentos inicialmente descritos dessacriança? Eles continuariam sendo sinais precoces deautismo à luz dessas novas informações? É precisocontinuar investigando, aplicando os instrumentos ea rota sugerida por Filipek et al. (29) antes de se afirmarcom mais clareza se esses comportamentosapresentados pela criança são ou não sinais precocesde autismo. Também é fundamental, paralelamente,iniciar intervenção sobre o que já foi detectado comosendo possível problemas (por exemplo, encaminhara mãe para serviço de psicoterapia a mulheres vítimas

de violência existente no município, treinar pais eirmãos em estratégias de ensino incidental (40),informar a família sobre o que é autismo, possíveistratamentos e resultados obtidos em eles, etc.).Portanto, esse exemplo parece ilustrar que incorporarao processo de identificação precoce de sinas deautismo estratégias que acrescentam visita domiciliar,observação de interações pais-criança em situaçãonatural e avalizada tanto sobre os aspectos do próprioprocesso de diagnóstico quanto os da intervenção.Ao invés de deixar os pais “esperando” pelosresultados desses processos (que muitas vezes podeser longo) e a criança sem intervenções, eles sãoincluídos como parceiros para compreender o queestá ocorrendo com seus filhos, além de, junto a ele,receber maior atenção às suas necessidades imediatas.Esse parece ser mais um caminho promissor para ouso do Projeto Portage e o IPO que continuam a serexplorados.

Endereço para CorrespondênciaAna Lúcia Rossito AielloRua Adolfo Catani, 976, Jardim Macarengo, Cep:13560-470, São Paulo, [email protected]

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULO XXV

AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EALFABETIZAÇÃO DOS PORTADORESDE TRANSTORNOS INVASIVOS DODESENVOLVIMENTO

Tânia Gonzaga GuimarãesMárcia Cristina L. PereiraGláucia M ª Guerra Araújo

I – AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICAA avaliação psicopedagógica surge da necessi-

dade de normatizar o ingresso da pessoa portadorade Transtorno Invasivo do Desenvolvimento na vidaescolar.

Numa visão interdisciplinar participam destaavaliação o Psicólogo e o Pedagogo podendo,quando se fizer necessário, a participação dofonoaudiólogo, do psiquiatra e de outros profissionais,com vistas ao encaminhamento escolar e orientaçãoao professor sobre como atuar com o aluno.

Esta avaliação é processual e dinâmica,ocorrendo no ambiente escolar, utilizando-se dediferentes estratégias a saber: observação, estudo decaso, reavaliação, etc

A visão sistêmica deve ser o princípio reguladordas atividades da equipe de avaliação psicopedagógica,no que se refere à contextualização da pessoa comsuspeita de TID, tendo em vista seus aspectos familiar,escolar e cultural.

O acesso à equipe de avaliação psicopedagógicaocorre por intermédio de ações tais como: procurapor parte da família, encaminhamento médico ouorientação da escola.

II – INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃOVários são os instrumentos de avaliação que

poderão ser utilizados no processo de diagnóstico

psicopedagógico do portador de transtorno invasivo

do desenvolvimento :

• Entrevista / anamnese, - momento no qual éregistrado um histórico do desenvolvimentosistêmico da pessoa com suspeita de TID através dorelato familiar,

• testes formais – instrumentos de avaliaçãopadronizados de uso exclusivo do psicólogo com afinalidade de analisar os aspectos cognitivos,psicomotores, de comunicação / linguagem eemocionais,

• check-lists – instrumento norteador da observaçãodo comportamento,

•observação do comportamento – utilizandomomentos lúdicos serão investigados pré-requisitos(uso funcional de brinquedos, estratégias de leitura

e escrita, interação social, afetividade, comunicação,desenvolvimento psicomotor, existência de padrõesrestritos e repetitivos de comportamento, interessese/ou atividades),

• instrumentos complementares (parecer médico,relatório educacional, exames laboratoriais eoutros).

III – FLUXOGRAMA DOATENDIMENTO ESCOLAR EMBRASÍLIA

O encaminhamento para a equipe de avaliaçãopsicopedagógica pode ocorrer de diversas maneirastais como: família, escola e indicação médica. Após aconclusão da avaliação, sendo confirmada a suspeitade TID, a pessoa pode ser encaminhada para diferentestipos de atendimentos, oferecidos pelo sistemaeducacional da rede pública.

IV – PERFIL PARAENCAMINHAMENTO ESCOLAR

Várias são as modalidades de atendimento que apessoa portadora de T.I.D. poderá freqüentar em suavida escolar. Após a avaliação psicopedagógica, cabeà equipe a difícil tarefa de encaminhar o aluno para oatendimento que melhor otimize seu potencial.

Este perfil não tem caráter restritivo, e sim, surgecom o objetivo de favorecer o pleno desenvolvimentodo aluno. Cada modalidade de atendimentodisponibiliza recursos diversificados que devem serutilizados em prol do mesmo.

Classes em Centros de Ensino Especial – Os Centrosde Ensino Especial são escolas exclusivas para oatendimento do PNEE e possuem turmas para oatendimento de alunos portadores de T.I.D.. Nestaesfera escolar, são oferecidos atendimentosindividualizados e atividades complementares taiscomo: hidroestimulação, psicomotricidade,musicoterapia, educação física adaptada e outros. Deacordo com as necessidades dos alunos, cabe aoprofessor a realização de adaptações significativasno currículo oficial, quando necessárias, ou elaborarum currículo específico para o atendimento de seualuno, englobando não só o desenvolvimentocognitivo mas também o motor, de comunicação,auto-cuidados e atividades da vida diária. Estasturmas preferencialmente devem oferecer

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3º Milênio

atendimento para de 2 a 3 alunos com 2 professoresdevido ao grau de comprometimento do aluno,podendo, com indicação da equipe psicopedagógica,existir o atendimento individual.

Classe Especial no Ensino Regular - São turmasexclusivas para o atendimento de alunos portadoresde T.I.D. situadas em escolas da rede regular de ensino,que oferecem atendimento individualizado eadaptações no currículo oficial, quando necessários,podendo ainda o professor recorrer a um currículoespecífico para o atendimento de seu aluno,englobando não só o desenvolvimento cognitivo mastambém o motor, de comunicação, auto-cuidados eatividades da vida diária. A classe especial oportunizaexperiências de socialização com alunos do ensinoregular em momentos específicos como: entrada,recreio, saída e atividades predeterminadas (passeios,aulas e outros). Estas turmas preferencialmentedevem oferecer atendimento para no mínimo 2 e nomáximo 4 alunos com 2 professores da EducaçãoEspecial.

Integração inversa – Modalidade de transição en-tre a classe especial e a inserção do aluno no ensinoregular. É formada a partir de uma seleção por parte doprofessor da educação especial, dos alunos do ensinoregular que farão parte desta turma que, para atenderàs necessidades do aluno a ser inserido, deverá serformada por aproximadamente 10 alunos, sendo 1portador de T.I.D.. O trabalho de sensibilização da co-munidade escolar deverá ser intenso, cabendo à famí-lia dos alunos que comporão a turma, aprovar a parti-cipação na mesma. Deve existir a partir de uma neces-sidade específica de um aluno, com rigoroso acompa-nhamento pedagógico, avaliada anualmente. O currí-culo oficial deverá ser o menos modificado possível.

Classe do Ensino Regular - Turma do ensino regularcom redução de 20% no total de alunos, recebendo1 aluno portador de T.I.D.. Esta é a modalidade menossegregadora, onde o aluno está, durante todo operíodo escolar, vivenciando experiênciassocializadoras e desafiadoras. Para o plenodesenvolvimento das potencialidades do aluno, faz-se necessário o acompanhamento de um professordo ensino especial, em alguns casos, sobretudo noperíodo inicial, em sala de aula. O currículo utilizadodeverá ser o menos modificado possível.

Atendimento Domiciliar – O atendimentodomiciliar a portadores de T.I.D. deverá ocorrerquando o aluno estiver impossibilitado temporáriaou permanentemente, de freqüentar a escola, porproblemas motores ou por manifestaçõescomportamentais que representem riscos ao próprioaluno ou a terceiros.

V – METODOLOGIA DOATENDIMENTO

A metodologia educacional que norteia oatendimento ao aluno portador de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento destaca cinco pontos

principais: a valorização de elementos da natureza, aabordagem vivencial da aprendizagem, o respeito àcondição humana, a utilização da música e a rotinadiária estruturada, sendo esta última veículo para arealização das demais.

A rotina é variável de professor para professor, epode também variar dependendo da necessidade edas alterações no planejamento do mesmo professorem sua sala de aula. A rotina não é uma restrição àcriatividade do professor e sim um esquemafacilitador, organizador; uma estrutura que, seja qualfor, deve ser seguida. O primordial é estabelecer umarotina e seguí-la. Todos temos rotinas em nossas vidas,desde a hora de acordar e até mesmo no sono(postura ao dormir, horário, rituais antecipatórios,etc.). Por que não utilizá-la a nosso favor na escola?Sugere-se a seguinte rotina: ENTRADA, HISTÓRIA,ORAÇÃO, MÚSICA, TRABALHO, PASSElO, HIGIENE,LANCHE, ESCOVAÇÃO, RECREIO, TRABALHO,RECREAÇÃO e SAÍDA.

EntradaÉ o momento da recepção calorosa ao aluno na

escola, pelo profissional que tem um vínculo afetivocom ele, a figura referencial dele naquele ambiente. Éum sinal ao aluno de que o seu dia escolar estácomeçando.

Na sala de aula, cumprimente novamente cadaaluno individualmente após ele ter guardado o seumaterial e sentado em seu lugar. Faça, então, após ocumprimento, a agenda, anotando no quadro aprogramação da aula e explorando cada um dosmomentos da aula. Explique o que já aconteceu e oque acontecerá com a turma naquele dia.

HistóriaÉ uma história criada pelo professor e contada

todos os dias. Na história, que é desenhada no quadrocom giz colorido à medida em que é contada, exploreo tempo, o clima, a forma de chegada do aluno àescola, a escola e suas dependências, elementos danatureza, os alunos, os professores e elementosmágicos.

A história varia de acordo com os objetivos aserem trabalhados no grupo. Explore este momentoao máximo, pois os conceitos e conteúdos são

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

apresentados de maneira lúdica e informalpersistentemente. É possível utilizar-se a históriatambém para induzir a uma mudança decomportamento, expondo sobre o comportamentodesejado em determinadas situações. Varia tambémo tempo da história, que vai aumentando à medidado desenvolvimento da turma. Os elementos sãoincluídos gradativamente. A história não é a mesmatodos os dias de maneira robotizada, mas mantémuma estrutura com os elementos básicos repetidosdiariamente.

A história começa preferencialmente comoqualquer história infantil. "Era uma vez..." e nelaaparecem fatos reais (orientação temporal e espacial,objetos existentes, comportamento desejado eadequado para cada ambiente) e de fantasia, na figurada fadinha e do reizinho, (que trazem tudo de bompara as pessoas, sentimentos, desejos, e todas asnossas expectativas e esperanças com relação àquelacriança). Em algumas situações específicas em queas crianças já chegam à escola em crise, ou algoacontece que desarmonize o ambiente de paz etranqüilidade, utilize também o elemento mágicobruxa, que torna-se imaginariamente a "causadora"daqueles comportamentos inadequados e que éexpulsa da história com a chegada da fadinha, naintenção de acalmar a criança.

OraçãoPequena saudação de agradecimento pelo dia.

Faça uma oração curta e repita todos os dias para quea criança, em algum momento, perceba que é capazde aprender algo e se alegre com isso.

MúsicaComo no momento da oração, a hora da música

contém alguma cantiga constante, que caracterize aatividade. Ela é o marcador de que o momento damúsica está começando ou terminando, a dependerda necessidade daquela turma. Em alguns casos,cante sempre uma para começar e outra para terminaro horário determinado. Entre elas, cante outrasmúsicas variadas, antigas ou novas. A música podeser utilizada em vários momentos da aula,relacionada a atividades específicas ou como fundomusical quando instrumentais.

Trabalho (aquecimento)Este primeiro momento é um momento livre para

o contato com o material pedagógico, onde pode-seobservar a evolução da criatividade, dos traços, danoção de limite.

Pode-se sugerir um tema, uma atividade, desdeque não seja nada muito específico, longo, ouintrodução de habilidades novas. Tapeçaria tambémé uma boa idéia para este momento, pois a criançanão tem que concluir a atividade.

PasseioÉ uma atividade realizada fora da escola,

promovendo a interação do aluno ao contexto social(objetivo maior do programa educacional),estimulando-o a perceber o seu meio ambiente, aobservar e a manter o contato com os elementos danatureza. É fundamental a vivência das atividades enão só a informação de como ocorre a vida. É ummomento onde se trabalha o cognitivo, o sensorial, operceptivo, o comportamental dos alunos, seusmaiores déficits. Explore os aspectos afetivos,intelectuais e psicomotores.

É um passeio que tem função tanto detreinamento social (fazer algo com alguém), comode lazer por si só, com prazer. São visitas a lojas,supermercados, parques, etc., dando oportunidadetambém à comunidade local, do convívio com essesalunos, oferecendo, assim, aprendizagem bilateral.Os alunos aprendem regras sociais, por exemplo:comprar, atravessar ruas sobre as faixas de pedestres,etc. A sociedade, aprende a compreendê-los e arespeitá-los.

Não somos só professores, somos veículos devida para muitos de nossos alunos.

HigieneÉ o momento de desenvolver habilidades e

independência em auto cuidados: despir-se, vestir-se, usar adequadamente o banheiro, lavar as mãos,são trabalhados no ambiente apropriado.

LancheNo momento do lanche, o aluno é estimulado a

usar adequadamente os talheres, copos, lancheiras eoutros objetos, além de desenvolver hábitosalimentares, aumentando a variedade consumida.Com o objetivo de ampliar a sua experiência gustativa,ofereça, primeiramente o lanche da escola, depois oseu próprio lanche, que provavelmente, será aalimentação ritualística e repetitiva. É hora de trabalhara partilha ou o respeito ao lanche do outro,dependendo do planejamento individual.

Escovação de dentesDesenvolvimento de habilidades e promoção da

independência no auto cuidado. A prevenção é muitoimportante, pois o tratamento dentário, muitas vezesé traumatizante, requerendo medidas específicaspenosas como contenção, sedação e até anestesiageral, a depender do caso.

RecreioÉ um momento importantíssimo na rotina, onde

ocorre a integração com os outros alunos de toda aescola. É um momento não estruturado, imprevisível,

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que é supervisionado de longe, observando-se asinterações que acontecem e a adequaçãocomportamental àquela situação ansiogênica e, aomesmo tempo, enriquecedora.

TrabalhoConsiste em atividades dirigidas, em mesa ou

não, individualmente ou em grupo, dependendo dosobjetivos traçados a partir do planejamento individualde ensino.

Nas atividades que exigem habilidades novas,torna-se essencial proporcionar um ambiente maisapropriado possível, separando previamente o materiala ser utilizado, observando a disposição das carteiras,a quantidade de estímulos, escolhendo habilidadesemergentes, que o aluno tenha potencial para realizar,diminuindo, desta maneira, a quantidade defrustrações, fracassos e consequentemente de crises.

Utilize a informação verbal e auxílio físico quandonecessário. O mesmo objetivo é trabalhado em várioscontextos, possibilitando maior generalização efuncionalidade do aprendizado. Valorize não só oresultado, mas o esforço empenhado pelo aluno natarefa, mostrando respeito à condição humana,observando a capacidade cognitiva, as característicaspróprias (rituais, fixações) e o tempo de concentraçãoe atenção do aluno.

Recreação supervisionadaSão atividades lúdicas, jogos simples,

manipulação de materiais diversos, em sala, no pátioou no parque, que proporcione ao grupo momentosde lazer e socialização. Ex: brinquedo, bandinha,sucata, banho especialmente em épocas secas equentes (de mangueira, piscina, chuveiro, balde ou oque tiver).

SaídaO aluno ajuda na organização da sala, recolhe

seus objetos, pega a mochila e despede-se daprofessora.

Esta é a estrutura geral da aula. Em centros de ensi-no especial, algumas vezes conta-se com atendimen-tos específicos com profissionais de outras especialida-des como psicomotricidade, hidroestimulação emusicoterapia, para alguns casos, e esta agenda variadiariamente de acordo com os atendimentos que o alu-no tem durante a semana.

Flexibilidade é necessária na montagem da agen-da, invertendo-se os horários das atividades nos tur-nos matutino e vespertino, a fim de aproveitar damelhor forma o sol mais saudável, por exemplo, paraa hora do passeio ou o horário observado de maioratenção para a apresentação de novos conceitos.

Dentro desta proposta de atendimentopsicopedagógico, o ideal é que se tenha em sala deaula duas pessoas, sendo uma responsável pela

condução da rotina e a outra, responsável pelomanejo de comportamentos inadequados e possíveiscrises, permitindo o seguimento da aula, dando àcriança a segurança da continuidade da estrutura,favorecendo o retorno da mesma às atividades,direcionando o olhar dos alunos ao objetivo, etc.

VI - PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO -UMA EXPERIÊNCIA

Várias foram as dificuldades encontradas natrajetória rumo à alfabetização da criança sujeito doestudo, advindas de características apresentadas pelaaluna em questão, típicas do quadro autístico e que,contudo, não impediram o alcance do sucesso naleitura e escrita.

A História de DeniseElizete Denise Muniz da Silva, nasceu em 11 de

junho de 1989. Em 1994, durante a avaliaçãopsicopedagógica, Denise respondeu apenas àssolicitações motoras, não respondendo verbalmente,limitando-se raras vezes a repetir palavras. Recebeudiagnóstico de deficiência mental associada a traçosde autismo. Ingressou na escola no 2º semestre domesmo ano em turma para crianças portadoras deTID em um Centro de Ensino Especial de Brasília.

O processo de alfabetizaçãoEntre os principais objetivos do trabalho com a

Denise, foram priorizados o manejo dos comporta-mentos inadequados, seguindo técnicas de modifi-cação do comportamento; sociabilização da criança,objetivando o estabelecimento de trocas com os ou-tros; a comunicação de desejos e necessidades para asatisfação das mesmas; a aprendizagem e o segui-mento de normas sociais, visando o aproveitamentodessas vivências sociais para a obtenção do prazersocial e uma melhor qualidade de vida interativa comseus semelhantes, propiciando alegria no próprio vi-ver e satisfação para a família através da melhoria naconvivência social.

Para o alcance da independência e participaçãosocial de Denise, foi iniciado também o seu processode alfabetização em 1997.

Devido à dificuldade em se obter respostas dacriança, tornou-se inviável a sua alfabetização atravésde meios tradicionais de ensino, mas foi através dautilização dos recursos das diversas técnicas,adaptadas à realidade individual dela, que foramalcançados os objetivos.

Iniciou-se o processo de maneira mais sistemáticapassando a escrever, além do dia da semana e doscomponentes da agenda constantes na rotina diária,os nomes dos desenhos da história, sendo nosprimeiros dias apenas 2 a 3 nomes, aumentando

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

gradativamente até nomearmos todos oscomponentes, diversificando os desenhos a seremnomeados dia a dia na história. Paralelamente,identificamos e nomeamos os objetos e recursos dasala de aula. Entre esses nomes estava uma grandevariedade de padrões silábicos de diversos níveis dedificuldade a serem trabalhados nas palavras.

Nos horários destinados ao trabalho de mesa,confeccionamos juntas, a pasta de associação (pastacom plásticos onde cada página contém uma folha depapel ofício com gravura nomeada) selecionando,recortando, colando e escrevendo os nomes de gravurasdiversas do universo de interesses e/ou vivências daaluna, acrescentando também palavras menos usuais,dependendo do tema trabalhado, compreendendo aofinal da pasta, 74 palavras entre partes do corpo,alimentos, animais, meios de transporte e objetos outros.

Apesar da quantidade de palavras lidas porDenise demonstrava dificuldade em ler palavras novasformadas por sílabas já conhecidas. Quando olhavaalguma palavra nova, dizia palavras ininteligíveis,mostrando assim claramente que tratava-se de umapalavra até então desconhecida. Aproximadamente120 palavras escritas entre agenda, objetos, história epasta eram usuais, mas sua dificuldade em generalizare sua dificuldade em aceitar situações novas (que sãocaracterísticas do quadro autístico), criava empecilhosao insight, o "estalo" que proporcionaria a leitura dequalquer palavra.

Passou-se então à leitura de fichas das mesmaspalavras conhecidas. Denise lia fora da ordem, sem apresença da gravura, mesmo tendo em sua memóriatoda a seqüência da pasta, que repetiu algumas vezesem outras situações, como brincando no balanço doparque, por exemplo. Formou-se palavras novas comletras em cartões, mas Denise apenas repetia após aleitura da professora. Recortou-se então algumas fichas,dividindo as palavras em sílabas e passou-se a juntá-las.Ela olhava para a palavra, olhava para a professora, olhavapara a palavra e para a professora e lia novamente apalavra apenas depois de escutá-la. Caso a professoranão o fizesse e insistisse que lesse ela própria, algumasvezes dizia ainda palavras ininteligíveis, outras negava-se a dizer algo, até que após algumas amostras, Denisecomeçou a lê-las, apresentando dificuldade em padrõessilábicos complexos. Lia-se então palavras encontradasdurante o passeio: em paradas de ônibus, cartazes emparedes, rótulos em mercados, etc.

Em outra etapa, fez-se fichas de outra cor ondeescreveu-se adjetivos, que foram associados asubstantivos das primeiras fichas formando pequenasexpressões do tipo "árvore grande", "flor cheirosa","sorvete gostoso". Os adjetivos foram associadoslivremente e de maneira lógica por Denise.

Ao mesmo tempo, era incentivada em situaçõesde fora de sala de aula, a expressar-se através de maisde uma palavra. Quando dizia "abre", o professorcontinuava a olhar e perguntava "Abre o quê?" Elemesmo respondia "Abre o biscoito." Ela repetia "abrebiscoito", omitindo o artigo. Apresentou-se desenhos

com cenas, explorou-se o desenho e formou-se frasesjuntas, oralmente. Depois a Denise copiava. Porexemplo: "O rato come queijo."

A escolha do livroJulgou-se favorável, em março de 1998, a

utilização de livros didáticos com a Denise, a fim depropiciar-lhe o contato com o mesmo, tão necessáriono ensino regular (visando sua integração parcial e/oufuturamente inclusão) e estimular mais, tanto a criançaquanto a família, que passou, através do mesmo, aparticipar dos progressos da leitura e da escrita deDenise; além do efeito psicológico que existe no fatodo aluno levar livros, além dos papéis, para casa.

O livro de alfabetização escolhido foi eleito porser escrito com letras do tipo caixa alta (o tipoestudado por ela), e conter músicas em seus primeirostextos, o que favorece uma maior motivação para aleitura dos mesmos. O livro conta também com oacompanhamento de um alfabeto ilustrado (livretoonde há, além do desenho referente à lição, espaçopara o recorte e colagem de outras palavrascomeçadas pela mesma letra).

Antes da adoção do livro, Denise manipulououtro livro de período preparatório com o objetivode conhecer um livro e saber que não seria necessáriocomeçá-lo e terminá-lo. Até então, todas as suasatividades eram concluídas no dia, com exceção datapeçaria. Aceitou bem. Quanto aos deveres de casa,Denise fazia as atividades de recorte em revistas doalfabeto ilustrado e atividades em folha. Trata-se deatividades às quais ela pode fazer só, sem anecessidade da família na orientação do mesmo.

Nas atividades do livro, apresentou dificuldadeem relacionar o comando com a atividade a serexecutada. Relembra-se aqui a resistência de Deniseem obedecer ordens em qualquer nível. Talvez sejaesta mais uma explicação para a dificuldade, visto aaluna ter compreensão na leitura e não conseguirrealizar a atividade: rejeição a comando. Após ser dadoo modelo, cessava o problema.

O livro a agradou muito e pôde-se notar issoquando ela incluía "trabalho do livro" entre asatividades da agenda, e falava "armário", "chave", erepetia o título, pedindo o livro.

Seguiu-se a isto a utilização de um dicionárioadesivo, onde haviam diversas palavras e desenhosde palavras iniciadas com cada letra do alfabeto ediversos adesivos com os desenhos para seremcolocados junto à palavra escrita.

Passou-se então para atividades de leitura eexecução de receitas, jogos e brincadeiras,paralelamente aos livros de estudos sociais e ciências,e iniciação à matemática.

Durante esta etapa do desenvolvimento, Denisefoi encaminhada para uma Classe Especial paracrianças portadoras de TID em uma escola de EnsinoFundamental

Em 1999, Denise iniciou a utilização de livro

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3º Milênio

didático de 1ª série.Percebe-se que o aumento do vocabulário,

facilitando a expressão de suas necessidades foi muitoestimulado com o uso dos livros. A motivação criadaao se trabalhar com um material de boa qualidade eestética, favoreceu a expressão da aluna através deverbalizações com frases do tipo: "chave amarela tiaMárcia pinta", fazendo-se entender plenamente.

Já em 2001, Denise utiliza, com adaptação, livrode 3ª série obtendo bom resultado. Lê comindependência e compreensão os textos. Sendo aescrita uma forma de comunicação, e esta uma dasmaiores limitações da criança portadora de TID,Denise apresenta dificuldade na produção de textos,se saindo muito bem em atividades como ditados eescrita de textos conhecidos como: músicas, diálogosda televisão, orações, ...

Endereço para CorrespondênciaTânia Gonzaga Guimarã[email protected];Márcia Cristina L. [email protected];Gláucia Mª Guerra Araú[email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. APA - Associação Americana de Psiquiatria.

DSM-IV - Diagnostic and Statistical Manual of MentalDisorders. Washington: Option Book. Work inprogress, 1991.

2. Bereohff, AMP, Leppos, ASS. &, Freire, LHV.Considerações Técnicas Sobre o AtendimentoPsicopedagógico do Educando Portador de CondutasTípicas da Síndrome do Autismo e de Psicoses Infanto-Juvenis. Brasília: ASTECA, 1994. 84p.

3. Gauderer, CE. Autismo e outros Atrasos doDesenvolvimento. Uma atualização para os queatuam nesta área: do especialista aos pais. Brasília:CORDE. MAS, 1993. 348p.

4. Pereira, MCL. O Toque da Ausência. Autismo:uma vivência de relação. Brasília: Totem, 2001.

5. Schwartzman, JS., Assumpção Jr. FB. et al.Autismo Infantil. São Paulo, MENNON, 1995.285p.

SEÇÃO IV – TEMAS DAFONOAUDIOLOGIA

CAPITULO XXVI

A FONOAUDIOLOGIA APLICADA AOS

PORTADORES DE TID

Cláudia Gonçalves de Carvalho Barros

O trabalho da Fonoaudiologia com portadoresde Transtornos Invasivos de Desenvolvimento - TID,apesar de ser ainda pouco conhecido por algunsprofissionais de outras áreas, já é feito porfonoaudiólogos há vários anos.

Algumas vezes é observado que enquantoconceitos, hipóteses etiológicas e critério - diagnósticosão procurados, uma fator aparece e mostra-se namaioria das vezes como um aspecto importante nosquadros clínicos dos portadores de TID - a linguagem.

ZORZI (1999, p.106), conceitua linguagem verbalcomo: "A linguagem verbal se refere ao usoconvencional de palavras faladas ou escritas, tendopor objetivo a comunicação."

LOPES (2000, p.86), conceitua linguagem como:

"Habilidade do ser humano em manipularsímbolos, sejam eles exteriorizados ou não. Umsímbolo é, por sua vez, algo que substitui ourepresenta uma outra coisa, seja um objeto, umconceito, um sentimento ou uma pessoa e osmais utilizados são as palavras, que quandoarticuladas, originam a fala- por isso, é muitocomum a utilização do termo "linguagem verbal"ou "linguagem oral." Desta forma, a mesma autoraconceitua fala como produção de um conjuntoespecífico de símbolos verbais, que depende dofuncionamento interdepen-dente de estruturasorgânicas, sejam elas neurológicas, respiratóriasou fonatórias. A fala é a colocação da linguagemem palavras, sua realização oral / verbal."

BOONE e PLANTE (1993, p.83), definem oscomponentes da linguagem em 3 fatores: conteúdo,forma e uso.

O conteúdo está relacionado à semântica, aoconhecimento, às relações significativas e pessoaisestabelecidas e transmitidas por palavras ou frases; aforma abrange os aspectos fonológicos (organizaçãodos sons de uma língua) e sintaxe (regras); e o usoabrange além dos aspectos funcionais da comunicação,os propósitos do falante, a maneira como a linguagemé adaptada para amoldar-se em situações diferentes.

Para que esta comunicação se desenvolva, énecessário que todas as funções e aspectos dalinguagem estejam bem desenvolvidos. Separando

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

os aspectos da linguagem, o fonoaudiólogo avalia:• Pragmática: função da comunicação, como ela

acontece, como o sujeito faz para manifestar algumdesejo, como ela atrai a atenção dos outros, comoele comenta sobre alguma situação.

• Semântica: o sentido, o significado, o conteúdo,como o sujeito expressa seus sentimentos, quaispalavras ele busca para passar seu recado, quaisformas ele utiliza para ser entendido.

• Sintaxe: como o sujeito utiliza as regras gramaticais,de que maneira suas sentenças são formadas.

• Morfologia: como os princípios gramaticais estãosendo utilizados; gênero, numero e grau precisamser compreendidos para serem utilizados de maneiraadequada, isto é, uso de plural, uso dos morfemasa/o para gênero feminino/masculino.

• Fonologia: sons da fala, como o sujeito organiza eproduz os sons da fala, quais alterações eleapresenta, se há algum comprometimento afetandoa realização da produção dos fonemas.

• Prosódia: traços da linguagem que se estendempelos segmentos fonéticos dos enunciados, comopor exemplo: pausas, ritmo, duração , acento eentonação. Atualmente é sabido que a prosódiacarrega informação útil tanto nos aspectos lexicais,sintáticos e também pragmáticos de uma mensagem.

Além destes aspectos, o fonoaudiólogo observaa distinção entre as dificuldades de se comunicar, àdificuldade que está relacionada à identificação do"outro" com quem se comunica, às observações dasfunções comunicativas, as interferências naperformance dos sujeitos portadores de TID deinterlocutores diferentes, as intenções comunicativas,o contexto da interação e as possibilidades cognitivas.

É sabido que os portadores de TID podemapresentar dificuldades relacionadas aos aspectoscitados acima. Uma breve revisão da literatura sobreos distúrbios de linguagem e a atuaçãofonoaudiologia será feita para uma melhorcompreensão das alterações da linguagem dosportadores de TID.

FERNANDES (1995, p. 24), relata que a partir dosanos 80, são encontrados na literatura relatos epesquisas a respeito da linguagem de criançasautistas que leva em conta não apenas seus aspectosformais, mas principalmente seus aspectosfuncionais. Tais estudos consideram não apenas aforma de expressão comunicativa das crianças, mastambém o contexto em que a comunicação ocorreWOLF (1991), apud FERNANDES (1995), citaalterações prosódicas na linguagem dos portadoresda Síndrome de Asperger: uso monótono da voz,pouca inflexão vocal, além de outras manifestações:estereotipias e automatismos, repetições complexas,facilitadas pela excelente memória que é sempredescrita como própria destas crianças.

PASTORELLO (1995, p.56), apresenta suasobservações com sujeitos portadores da Síndromede Asperger: "crianças e adolescentes com tal

síndrome geralmente tem domínio de aspectosfonológicos da linguagem, eventualmenteapresentando alguma distorção de fonemas que demaneira alguma comprometem a inteligibilidade dafala; são capazes de construir sentenças gramaticais,incorrendo algumas vezes em imprecisões sintáticas,que parecem ser determinadas por elementossemânticos (a dificuldade no domínio conceituallevando a erros paradigmáticos). A autora aindacoloca as dificuldades dos sujeitos em manter turnose tópicos na conversação, além da habilidade empreencher os "espaços vazios" usando jargões,estereotipias e automatismos.

FREIRE (1996, p. 23), discursando sobrelinguagem, coloca as análises feitas por Kanner emrelação à linguagem dos autistas e as considera muitoimportantes pois Kanner utiliza a terminologia de"linguagem peculiar" no lugar de patológica, elechama a atenção para as peculiaridades da linguagemdestas crianças, não as tomando como evidência dedesvios da própria linguagem e sim como indícios dedesvios de comportamento, explicando-as comooriginárias de situações vivenciais da criança,localizadas, portanto em seu processo sócio-históricode desenvolvimento.

CHAPMAN (1996, p. 262), explicando sobre osdesvios pragmáticos, acredita que tais desvios podemser previstos, dado o conhecimento social eemocional restrito dos indivíduos autistas, "já que otipo de entendimento social que parece estar faltandopara estes indivíduos é um importante precursor parao desenvolvimento e uso da linguagem." O autorsugere que os tipos de desafios de processamentocognitivo, social, afetivo e sensorial podem estarclaramente associados aos posteriores atrasos edesvios de linguagem.

O mesmo autor, relata que durante anos os estu-dos sobre autismo faziam referências sobre as sur-preendentes habilidades de leitura de indivíduos comautismo, propondo assim a palavra escrita como umaopção de comunicação aumentativa adicional parauma extensão mais ampla de indivíduos com autismodo que previamente era considerado possível.

ZORZI (1999, p.126), cita as característicaslinguísticas de crianças com distúrbios do desenvol-vimento associados a alterações da linguagem: quan-to mais acentuado o comprometimento intelectual,mais limitado tenderá a ser o desenvolvimento dalinguagem, os problemas articulatórios podem sersignificativos, principalmente nas crianças com defi-ciência mental mais acentuada, podem ocorrerdisfluências, o vocabulário tende a ser limitado e aconstrução de estruturas frasais mais elementar, asdificuldades de linguagem tendem a ser duráveis,evidenciando déficits permanentes de linguagem. Omesmo autor especifica as características linguísticasdas crianças autistas: grande variedade de distúrbios,podendo haver até ausência de comunicação, alte-rações nos padrões de articulação e prosódia, atrasossignificativos no desenvolvimento da linguagem, li-

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3º Milênio

mitação do vocabulário e uso inapropriado das pala-vras, compreensão e expressão alteradas, inversõespronominais, confusão na utilização de termos re-versíveis como aqui / lá, acender / apagar, alteraçõespragmáticas, ecolalia, entonação diferente da usual,apresentando um padrão típico, uso constante deimperativos, ausência de expressões de curiosidade.

LOPES (2001, p. 88), aborda que "não é incomumcrianças portadores de síndrome de Aspergeraprendam a ler espontaneamente e em idade precoce"(hiperlexia).

Em relação à terapia fonoaudiológica,FERNANDES (1995, p. 25), relata que na década de80, os procedimentos de condicionamento operanteeram usados com o objetivo de treinar gestossimbólicos em crianças autistas, estes procedimentos,favoreciam o treino da fala, porém apresentavamresultados aquém do esperado. A autora coloca quea partir de intervenções feitas em situações maisnaturais às quais a criança está exposta, onde a terapiacontinuasse sendo abordada como uma situação detreino, mas que houvesse a inclusão dos aspectos deinteração, facilitação, generalização, transferência ecolaboração deram um novo impulso nas terapiasfonoaudiológicas.

A partir das teorias pragmáticas, onde o usofuncional da linguagem começou a ser explorado eestudado, foi iniciado então um novo tipo deintervenção, incluindo os de elementos comoiniciativas de comunicação, a interferência dediferentes interlocutores na performance da criança,as intenções comunicativas, o contexto interacionale as possibilidades cognitivas da criança.

Atualmente a terapia fonoaudiológica caminhaprocurando fazer do paciente um sujeito maispensante, criativo, autônomo. Existem diferentesabordagens terapêuticas, porém a maioria tem oobjetivo de favorecer e compreender a linguagemcomo constitutiva do sujeito, observando asdificuldades como diferença e não como déficit.

É importante ressaltar o uso da comunicação su-plementar e/ou alternativa nas sessões fonoterápicas.Definida pela American Speech-Language-HearingAssociation (ASHA) "como uma área de atuação clínicaque objetiva compensar (temporária ou permanente-mente) dificuldades de indivíduos com distúrbios seve-ros de expressão (isto é, prejuízos severos de fala, lin-guagem e escrita)," este tipo de comunicação é consti-tuído por um grupo integrado de componentes, inclu-indo símbolos, estratégias e técnicas que são utilizadascom o objetivo principal de facilitarem a participaçãodas pessoas em vários contextos comunicativos. Estessistemas podem ser de baixa ou alta tecnologia, sãovariáveis em relação à extensão e complexidade: nú-mero , tipos, forma e organização dos símbolos. Pode-se encontrar esta comunicação baseada em sinais ma-nuais e em sinais gráficos. FOZ (1998, p. 117) cita ossistemas de comunicação alternativa gráficos maisatualizados: PIC - Pictogram Ideogram CommunicationSystem, o PCS - Picture Communication Symbols System

e a Semantografia Bliss. É observado então que estessistemas podem contribuir para uma melhor interaçãodo indivíduo com seu meio dividindo e partilhando seussentimentos, experiências, conhecimentos.

Além dos sistemas alternativos, muitosfonoaudiólogos utilizam do programa TEACCH(Treatment and education of Autistic and relatedCommunication handcapped Children) em seus aten-dimentos fonoterápicos. Fundamentalmente este pro-grama envolve as esferas de atendimento educacionale clínico em uma prática predominantementepsicopedagógica. LEWIS e LEON (1995, p. 237) expli-cam que o modelo TEACCH tem buscado desde a suaorigem em 1966, nos Estados Unidos, se orientar depressupostos teóricos-práticos. A TerapiaComportamental e a Psicolinguística, são alguns dosnorteadores deste programa. As autoras explanam que

"historicamente este enfoque da comunicaçãohumana surgiu como uma ponte interdisciplinarentre psicologia cognitiva e linguística, cujopropósito é o estudo da Interação entrepensamento e linguagem. Sua colaboração seestabelece fundamentalmente a partir daconstatação de que a imagem visual é geradorade COMUNICAÇÃO. A linguagem como sistemasimbólico complexo assenta na compreensãointeriorizada da experiência, envolvendoinicialmente a linguagem não-verbal, pelo qual ocorpo e o gesto, a expressão facial, o contato olhoa olho e a emoção vão dando significações às açõese aos objetos. Ao mesmo tempo, a linguagemgestual vai consolidando a linguagem interior."

Dentro de toda a evolução da ciência dafonoaudiologia, como da tecnologia, o principal pon-to da terapia deve sempre referir-se ao favorecimentodo desenvolvimento da linguagem, pois é a lingua-gem a responsável pela tradução dos desejos e ne-cessidades do paciente, do desenvolvimento das re-lações sociais, pelo compartilhamento de informa-ções, além é claro do uso da comunicação para ocumprimento das regras sociais: respeitar turnos,agradecer, pedir licença.

Independente da proposta terapêutica, é impor-tante ressaltar alguns ítens que devem sempre serconsiderados:

FERNANDES (1995, p. 203), cita que ofonoaudiólogo deve estar atento não só para asmanifestações linguísticas da criança, mas também aosfatores externos (ruídos, cheiros, mudanças no ambiente,estado emocional e físico da mãe), internos (postura física,estado emocional e físico) além é claro do contextocomunicativo, e do próprio processo terapêutico.

Os fracassos e sucessos da comunicação duranteo processo terapêutico acontecem, e eles devem serquestionados pois neste processo estão envolvidos 2participantes: paciente e terapeuta e são os doisresponsáveis pelo estabelecimento de interação, e nãoapenas de produção de respostas adequadas.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

O trabalho do fonoaudiólogo com portadoresde TID é portanto um trabalho que requer um sólidoplanejamento, projetado para facilitar e ensinarhabilidades e competências que contribuirão para aintegração do indivíduo. Existem hoje tantasalternativas terapêuticas, proporcionando aofonoaudiólogo escolher a mais adequada ao seupaciente. Porém é necessário que toda a equipeenvolvida no processo terapêutico esteja aberta paratrabalhar dentro de um mesmo contexto, sabendodas possibilidades de frustrações, de mudanças demétodos, além dos possíveis questionamentos, taiscomo: A terapia tem sido útil, é a mais adequada? Oque estes indivíduos precisam e desejam de nós?Temos realmente feito o melhor para facilitarmos suasvidas?

Cabe ao fonoaudiólogo através de suaexperiência clínica e terapêutica, de seusconhecimentos sobre a comunicação e seusdistúrbios, participar ativamente do tratamento dosindivíduos portadores de TID, favorecendo assim odesenvolvimento destes sujeitos.

Endereço para CorrespondênciaRua Estácio de Sá, 168 / 700 - 30430010Gutierrez- BH MGEmail : [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:1. Boone, DR.; Plante, E. Comunicação humana

e seus distúrbios. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas,1994.

2. Chapman, RS. Processos e distúrbios naaquisição da linguagem. Porto Alegre: Artes Médicas,1996.

3. Fernandes, FDM; Pastorello, LM; Scheuer, CI.Fonoaudiologia em distúrbios psiquiátricos dainfância. São Paulo: Editora Lovise, 1995.

4. Foz, FB (Org.); Piccarone, MLCD (Org.);Bursztyn, CS (Org.). A tecnologia informática nafonoaudiologia. São Paulo: Plexus Editora, 1998. .

5. Freire, RM. A linguagem como processoterapêutico. São Paulo: Editora Plexus, 1995.

6. Lewis, SMS; Leon, VC. Programa Teacch. In:Schwartzman, JS; Assumpção Jr. FB. Autismo Infantil.São Paulo: Memnon,1995.

7. Lopes, SA. Habilidades comunicativas verbaisem autismo de alto funcionamento e síndrome deAsperger. Temas sobre Desenvolvimento. São Paulo,v.9 n.53, p. 86-94, nov. dez. 2000.

8. Zorzi, JL. A intervenção Fonoaudiológica nasalterações da linguagem Infantil. Rio de Janeiro:Revinter, 1999.

CAPÍTULO XXVII

TRANSTORNOS DA LINGUAGEM

EXPRESSIVA NOS PORTADORES DE

TRANSTORNOS INVASIVOS DO

DESENVOLVIMENTO

Simone Ap. Lopes-Herrera

INTRODUÇÃOSendo a Fonoaudiologia a ciência que se

dedica à pesquisa, diagnóstico, habilitação ereabilitação das alterações da linguagem e dacomunicação, muito tem em comum com outrasáreas de conhecimento, como a Educação Especial.

Toda criança autista ou que possua qualqueroutro transtorno invasivo do desenvolvimentoapresenta, em maior ou menor grau, desordens nacomunicação, manifestando ou não a linguagemverbal, dependendo da patologia (DSM-IV, 1995; CID-10, 1993).

A educação de crianças portadoras detranstornos invasivos do desenvolvimento devedesenvolver ao máximo suas habilidades ecompetências, favorecer seu bem-estar emocional esocial, sem contar apenas com a exigência daaquisição de conhecimentos acadêmicos. Ensinarestas crianças a se comunicar e desenvolver nelas suacapacidade de comunicação é fundamental para osucesso de qualquer abordagem educacional,independentemente da linha teórica utilizada(Bereohff, 1994).

Portanto, ao se abordar o aspecto educacionalde indivíduos com transtornos invasivos dodesenvolvimento, vê-se que a questão dodesempenho escolar destes alunos é contaminadapelo julgamento social - estas crianças muitas vezesnão se comunicam e, se o fazem, exercem acomunicação de forma diferenciada de seus paressociais. Fica aí, então, uma questão para a escola epara todos os envolvidos na educação destas crianças:como ajudá-las a se aproximarem de um mundo designificados e de relações humanas significativas? Quemeios empregar para auxiliá-las a se comunicar?

Quadros como os transtornos invasivos dodesenvolvimento clamam pela busca de maiornúmero de dados referentes à linguagem e às formasde comunicação utilizadas, exatamente para que asquestões acima possam vir a ser respondidas. Saber aforma e o significado da comunicação que eles jápossuem é o primeiro passo para o aprofundamentoda compreensão clínica e para a intervençãoeducacional. Para isto, logo a seguir serão tecidasalgumas considerações sobre comunicação, fala elinguagem.

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3º Milênio

COMUNICAÇÃO, FALA ELINGUAGEM

Segundo Boone & Plante (1993), a comunicaçãonormal abrange elementos verbais e não-verbais que,em combinação, são utilizados para uma variedadede propósitos. A comunicação é bem-sucedidaquando as informações são transmitidas comprecisão de um emissor para um receptor. Destaforma, a comunicação humana envolve umentrelaçamento de informações transmitidas atravésde elementos motores, de expressões emocionais evocalizações/verbalizações.

O desejo de se expressar é, como citou Syder(1997), vital e origina-se dos esforços do ser hu-mano em satisfazer tanto as necessidades de or-dem física quanto emocional. É preciso interagircom outros seres humanos como meio de sobrevi-vência, proteção e estimulação - e a comunicaçãonasce desta necessidade. O processo da comuni-cação envolve uma série de fatores, que podem serobservados e identificados, embora este processoocorra de forma natural, espontânea e inconscien-te. Portanto, a comunicação é um conceitoobservável, amplo e de referência social. Pode serrealizada através de códigos lingüísticos (fala,escrita, linguagem gestual) e não-lingüísticos (ex-pressões fisionômicas, sorrisos, olhares, toques e"silêncios") e envolve, no mínimo, duas pessoas,classificadas como emissor-receptor ou comointerlocutores, que trocam entre si uma mensagemqualquer.

A fala, que garante uma das formas de comuni-cação mais aceitas socialmente (comunicação ver-bal), também é um conceito observável e refere-se àexteriorização do pensamento através do uso de sím-bolos verbais comuns entre as pessoas que estabele-cem o processo de comunicação. A fala se constitui,desta forma, como a manifestação verbal da lingua-gem (Lahey, 1988).

A linguagem, que é utilizada para comunicar eexpressar idéias, sendo composta de um sistema derepresentações convencionadas, define-se como umcódigo e uma convenção. Como explica Lahey(1988), a linguagem é um código no qual nossasidéias em relação ao mundo são expressadas atravésde um sistema convencionado e arbitrário de signospara comunicação.

A gênese da linguagem demonstra que acompreensão precede a expressão, a aparição depalavras ocorre após a compreensão das situaçõesonde elas foram utilizadas, isto é, a linguagem é umafunção e um aprendizado - uma função, pois resultade uma atividade nervosa complexa e umaprendizado pois é vivenciada no pensamento(Launay, 1989).

Como bem definiu Spinelli (1994), a linguagemé a superior capacidade do ser humano emrepresentar tudo o que vê e sente em seu interior ede evocar estas representações através de

lembranças, imagens, sentimentos e palavras quandoe como desejar.

Syder (1997) colocou que, embora fala elinguagem sejam usados freqüentemente comointercambiáveis, não são sinônimos e, por isso, énecessário fazer distinção entre estes conceitos.Linguagem refere-se a habilidade do ser humano emmanipular símbolos, sejam eles exteriorizados ou não.Um símbolo é, por sua vez, algo que substitui ourepresenta uma outra coisa, seja um objeto, umconceito, um sentimento ou uma pessoa e os maisutilizados são as palavras, que quando articuladas,originam a fala - por isso, é muito comum a utilizaçãodo termo "linguagem verbal" , "linguagem oral" ou"linguagem expressiva".

Portanto, a fala se refere à produção de umconjunto específico de símbolos verbais, que dependedo funcionamento interdependente de estruturasorgânicas, sejam elas neurológicas, respiratórias oufonatórias. A fala é a colocação da linguagem empalavras, sua realização oral/verbal. "Fala" se diferenciade "linguagem", pois pode ocorrer que uma pessoa"conheça as palavras, tenha-as na sua cabeça", porémnão consiga produzi-las verbalmente - o que nãoimpede que as exteriorize de outra forma, de quehaja comunicação (Aimard, 1998).

TRANSTORNOS INVASIVOS DODESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃOESPECIAL

A categoria Transtornos Invasivos doDesenvolvimento (TID) é referente aos transtornos quese caracterizam por prejuízos severos e invasivos emdiversas áreas do desenvolvimento como (a)habilidades de interação social recíproca, (b)habilidades de comunicação e (c) presença decomportamentos, interesses e atividadesestereotipados (DSM-IV, 1995).

Os prejuízos qualitativos que definem estascondições representam um desvio em relação ao nívelde desenvolvimento/idade do indivíduo, o que afetasua adaptação social e educacional. Em geral, taisalterações se manifestam nos primeiros anos de vidae podem aparecer associadas a vários quadros(neurológicos ou sindrômicos), variando em grau eem intensidade de manifestações.

Entram nesta categoria o transtorno autista, otranstorno de Rett, o transtorno de Asperger, otranstorno desintegrativo da infância e o transtornoinvasivo do desenvolvimento sem outrasespecificações (DSM-IV, 1995).

Em relação à categorização dos TID dentro daEducação Especial, a Política Nacional de EducaçãoEspecial (PNEE, 1995) procurou adotar termos maisusuais e menos generalistas, definindo comoclientela da Educação Especial, entre outrasdeficiências, os portadores de condutas típicas(incluindo-se aí os TID).

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

DISTÚRBIOS DA LINGUAGEM, FALA ECOMUNICAÇÃO NOS TID

Autismo

Já na descrição inicial do autismo, feita porLeo Kanner, foi observado que a característica comuma todos os autistas era a inabilidade com pessoas ousituações desde o início da vida. Numa visão maisabrangente, definem-se três grandes áreas deficitáriasno autismo - a interação social, a linguagem e ocomportamento - sendo que o grau de manifestaçãodestes déficits varia individualmente (Gillberg, 1990).

Conforme se observa pelo relato queoriginalmente descreveu o autismo e pelo conceitoque atualmente o define, a linguagem e suasmanifestações verbais - como a fala - são pontos nosquais se focam as alterações mais evidentes, podendo-se encontrar desde a ausência de qualquercomportamento comunicativo e/ou manifestaçõesde linguagem, até quadros onde há fala estruturadagramaticalmente e com funções comunicativasdefinidas, embora sempre haja um déficitcomunicacional.

Baltimore & Kanner (1944) observaram aexistência de algumas características específicas dalinguagem de crianças autistas, como o inversãopronominal (substituição do uso da primeira pessoado singular pela terceira), a ecolalia (repetição depalavras ou expressões ouvidas anteriormente), arigidez de significados (dificuldade em associardiversos significados a um único significante), mas oque mais chamou a atenção foi o fato de que asalterações mais significativas se relacionavam àsfunções comunicativas da linguagem (fato de se daralguma função para o que se fala e não simplesmentefalar como um fim em si mesmo).

Pode também haver um atraso no aparecimentoe desenvolvimento de linguagem, sendo que ocomportamento inicial (pré-verbal) da linguagemrelacionado à reação a sons, vocalizações, balbucio,diferenciações de choro e reprodução de sons - todosestes comuns em bebês - também aparecem alterados/atrasados, como já havia citado Perissinoto (1995).

Na literatura relativa ao autismo, estudosrelacionados à linguagem, como o realizado porHowlin (1987) sugerem não apenas um atraso nodesenvolvimento, mas desvios semânticos (atribuiçãode significados), sintáticos (formação frasal) epragmáticos (uso funcional de expressõescomunicativas) nos padrões de aquisição edesenvolvimento de linguagem. Neste estudo, aautora pesquisou a aquisição e uso de expressõesgramaticais por crianças autistas e observou, emcomparação a estudos similares em crinaças normais,que - mesmo após determinada expressão seraprendida - havia grande freqüência de omissão desta.Embora tais dados não fossem suficientes para

concluir que havia um desvio no padrão de aquisiçãodo sistema sintático, sugeriam desvios referentes aosistema semântico e pragmático. A própria autoraconsidera que a comunicação envolve aspectossociais, cognitivos, perceptuais, motivacionais eemocionais. Mesmo que o vocabulário e a sintaxe decrianças autistas tenham alto nível de sofisticação(como no autismo de alto funcionamento), suacomunicação provavelmente estará prejudicada, poisela apresenta dificuldade em aspectos como acompreensão da perspectiva de uma outra pessoa, ainterpretação de pistas sociais e emocionais e oprocessamento das características do interlocutor.

Bishop (1989) afirmou que as dificuldades delinguagem da criança autista ocorrem tanto nalinguagem verbal quanto na não-verbal - o que sugerea proposição de que as maiores dificuldades nãoseriam propriamente na linguagem, mas nacomunicação, havendo portanto a associação de umasevera dificuldade semântico-pragmática com umaimportante dificuldade de socialização.

Porém, o estudo realizado por Lopes (2000), queobjetivou descrever e analisar as habilidadescomunicativas verbais utilizadas por autistas de altofuncionamento e portadores de síndrome de Asperger(com intuito de caracterizar a comunicação funcionaldestes), mostrou que o autista de alto funcionamentoutiliza preferencialmente as habilidades quepromovem interação (no caso do estudo, taishabilidades foram denominadas habilidadesdialógicas), tendo estas habilidades sido usadas em57% das interações verbais. Como resultadosecundário deste estudo, a autora citou que - emboraa maioria das expressões (99,7%) tivessem umafunção comunicacional definida, muitas delas eramreduzidas em termos sintáticos, forçando ointerlocutor a dar um significado contextual a estasexpressões.

Síndrome de Asperger

Asperger (1944) relatou, como característicasprincipais do quadro que descreveu, alterações dasfunções expressivas (verbais ou não-verbais, inclusiveda expressão facial) e dificuldades de contato - isto é,na área da linguagem e do comportamento social.Para o autor, tal distúrbio resultava em severasdificuldades na integração social - em alguns casos,os problemas sociais eram tão profundos quechegavam a prejudicar todo o processo dedesenvolvimento. Em contrapartida, em alguns casos,estes problemas eram tão leves que se compensavampelo alto nível de originalidade de seu pensamento.

Especificamente ao que se refere à linguagem,Asperger (1944) já citava a especial criatividade depadrões, pois os meninos por ele estudados seutilizavam de palavras inusuais (que se supõe não serda esfera da criança) e expressões rebuscadas eparticulares, ressaltando que até mesmo crianças

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3º Milênio

pequenas se comunicavam como se fossem"pequenos lordes".

A "fala pedante" pode ser descrita como o uso depalavras difíceis ou pouco usuais para a idadecronológica e a construção de frases rebuscadas, oque provoca um tom falso e pouco espontâneo.Porém, a compreensão como um todo (inclusive ado próprio vocabulário) pode estar comprometida,já que há a tendência destes pacientes entenderem oque lhes é dito de forma literal, não conseguindoabstrair o conteúdo metafórico ou de duplo sentidodas expressões. A aparente disparidade entre a forma"pedante" do falar e a dificuldade geral decompreensão (inclusive de palavras triviais) chama aatenção dos interlocutores (Schwartzman, 1992).

Howlin (1987) citou que as crianças comsíndrome de Asperger falam como adultos, por maisque estejam nos estágios iniciais de desenvolvimentode linguagem, apesar de, ao mesmo tempo,possuírem um nível de interação e manutenção deregras linguísticas simples (tipo pergunta-resposta).A entonação de fala é freqüentemente anormal, sendoou pouco melódica ou variada em demasia. Utilizampreferencialmente o meio verbal de comunicação emdetrimento de outras pistas comunicacionais.

Um outra característica importante é que esteindivíduos apresentam, muitas vezes, um campolimitado e peculiar de interesses, dedicando-se a umou poucos assuntos não-usuais ao seu grupo etário,tais como Astrologia, Ufologia ou Matemática. Lêeme decoram tudo acerca destes assuntos, fazendo usoda grande capacidade de memória que possuem, masmostrando inabilidade social em intercalar estesassuntos com outros, de forma a não cansar ointerlocutor.

Não é incomum que , quando crianças,portadores de síndrome de Asperger aprendam a lere escrever precocemente e de forma espontânea(hiperlexia). O fenômeno da hiperlexia é definidocomo a habilidade de leitura emergente no períodopré-escolar precoce, na qual a criança identificapalavras, decodifica-as fonologicamente (fonema porfonema) e as memoriza. Este processo associado àcompreensão da leitura e habilidades gerais deprocessos semânticos (associação de significado)sugerem, segundo Rego & Parente (1997) que taiscrianças apresentam estratégias fonológicas e dememorização desenvolvidas, o que não garante umacompreensão contextual completa, isto é, não garanteque estas crianças entendam o que lêem.

Lopes (2000), no estudo já explicadoanteriormente, observou que o portador de síndromede Asperger, quanto ao uso de habilidadescomunicativas verbais, prioriza àquelas com funçãodialógica (60% das habilidades comunicativasutilizadas por eles eram as habilidades dialógicas),principalmente as que dão manutenção de diálogo(a sub-habilidade de organização dialógica seqüencialteve 88,9% de uso dentro das habilidades dialógicas).Em contrapartida, o uso de habilidades que

requeressem uso funcional voltado para atividadesnarrativas teve baixo índice (as habilidades narrativo-discursivas tiveram apenas 0,1% de utilização dentreas habilidades comunicativas verbais), além desomente terem aparecido em momentos em que ointerlocutor fazia algum tipo de indagação direta(pergunta-resposta).

Síndrome de RettUm dos primeiros fatores que chamam a atenção

nos quadros de síndrome de Rett é a perda gradativada função motora e da compreensão da linguagem,já que esta síndrome afeta meninas até então normaisou com um ligeiro atraso no desenvolvimentoneuropsicomotor e se manifesta entre os 6 e 18 mesesde idade, período este de grande importância para odesenvolvimento da comunicação e linguagem.

Os critérios diagnósticos para a síndrome de Rettem sua forma clássica ressaltam a perda ou prejuízona linguagem expressiva, inclusive de elementos quea criança já havia adquirido, como geradora de umisolamento social que muitas vezes faz com que estequadro se confunda com o do autismo - além dofato das portadores de Rett também apresentaremmovimento de balanceio de corpo em seus estágiosiniciais (ABRE-TE, 2001).

A síndrome apresenta um curso progressivo,composto de vários estágios que levam à deterioraçãomotora e a retardo mental. Em termosfonoaudiológicos, além do grave comprometimentode linguagem (ausência de manifestações verbais emquadros mais avançados) a que estas crianças sãolevadas, há ainda a questão motora que comprometenão só a fala, mas as funções reflexo-vegetativas,como a respiração, a mastigação e sucção. Destaforma, o objetivo do tratamento fonoaudiológicodeve ser o de estimulação de linguagem e práxicavoltada à fala, ao sistema sensório-motor oral efunções reflexo-vegetativas - para manutenção/reestabelecimento das funções motoras orais - e ouso de sistemas alternativos de comunicação - paramelhorar a qualidade de vida destas pacientes.

Quanto à comunicação, com a evolução doquadro, estas crianças deixam de demonstrar intençãocomunicativa verbal - embora a demonstrem por meiosnão-verbais, como o olhar/contato visual. Como há,em conjunto à evolução do quadro, a instalação deum retardo mental, a compreensão da linguagemtambém se altera e estas crianças passam a apresentarcaracterísticas de retardo de linguagem - de leve aprofundo (dependendo da evolução do quadro).

Transtornos desintegrativos dainfância

As alterações de linguagem nos transtornosdesintegrativos derivam, primeiramente, do aspectoreceptivo da linguagem e não só do expressivo,embora ambos de encontrem alterados. Para que seja

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

construído um sistema convencionado de códigos erepresentações, é necessário que a criança interpreteestes códigos, integre-os e os utilize nesta mesmaestrutura convencionada. Alterações de compreensãoou de percepção da realidade podem dificultar queeste processo ocorra, ocasionando não só atrasossignificativos de linguagem, mas a presença delinguagem fragmentada.

Desta forma, crianças com transtornosdesintegrativos da infância podem apresentar desdeausência de linguagem com função comunicacional,até uma linguagem estruturada em termos formaisda língua (com estruturas sintáticas obedecendoregras gramaticais), mas com graves alterações designificado (semânticas), uso funcional (pragmáticas)e aspectos narrativos.

As alterações dos aspectos narrativos podem sejustificar pelo fato de que, para narrar algo, a criançadeve ser capaz de adotar papéis - o que se refere a umprocesso cognitivo, em que há a possibilidade de secolocar no lugar de uma outra pessoa - sendo estauma das grandes dificuldades do portador detranstornos desintegrativos. Tudo isto gera narrativasfragmentadas, destituídas de sentido e coerência (emtermos de organização início-meio-fim, que deve serum fio condutor da narrativa).

De uma forma geral, todo este comprometimen-to afeta o desenvolvimento das relações interpessoais,provocando isolamento social. Além disto, pode tam-bém haver manifestações como a ecolalia e a inversãopronominal, o que faz com que o quadro de lingua-gem dos portadores de transtornos desintegrativos dainfância se assemelhe ao dos portadores de autismo.

CONSIDERAÇÕES FINAISComo se pôde perceber no percurso deste

trabalho, as características de linguagem, fala ecomunicação de cada quadro aqui discutido sãomuito semelhantes em alguns aspectos, sendo que aclara diferenciação do que é fala, linguagem ecomunicação - como feita no início deste artigo -faz-se necessária não apenas em termos didáticos,mas práticos.

De forma geral, todos os transtornos invasivosdo desenvolvimento levam à alterações comunicati-vas. Porém, as causas das alterações de linguagem sediferenciam em cada um dos quadros, assim comoas desordens de fala também se fazem diferentes emcada um deles - seja pela etiologia, seja pela manifes-tação. Em decorrência disto, é válido afirmar que só aobservação primorosa da cada criança pode levar aum bom diagnóstico e às necessárias adaptaçõeseducacionais e de reabilitação.

Endereço para CorrespondênciaRua Luiz Antônio da Silveira, 1353 ap. 51,Cep: 15025-030, São José do Rio Preto - SP.E-mail: [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Associação Brasileira sobre Síndrome de Rett

- ABRE-TE (2001) Síndrome de Rett. http://www.abrete.org.br .

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3º Milênio

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CAPÍTULO XXVIII

TRANSTORNOS RECEPTIVOS DA LIN-

GUAGEM

Erica de Araújo Brandão Couto

INTRODUÇÃOTiago completará cinco anos no próximo mês;

parece ser um menino tímido e retraído, mas semostra vivo e comunicativo quando está comfamiliares. Sua linguagem expressiva se limita a umrepertório de 60 palavras, emitidas de uma a uma,praticamente ininteligíveis para os que não oconhecem. Entende o que lhe é dito quando se tratade conteúdo mais simplificado e acompanhado degestos e mímica. Segundo os médicos, Tiago ouvebem e não apresenta alterações neurológicas, edemonstra bom nível cognitivo através de jogos edesenhos.

Mariana é uma menina de doze anos massegundo avaliações psicológicas sua idade mental éde 5 anos. É carinhosa e se comunica afetivamentecom as pessoas de seu entorno; entende palavrassoltas mas não frases, inclusive as mais simples, seestas não estão situadas em um contexto muitodefinido. Se expressa com atitudes, gestos naturais evocalizações com prosódia nas quais surgem de vezem quando palavras semelhantes a "água", "não","mamãe".

Estas crianças cuja linguagem apresenta umdesenvolvimento tão lento, tão particular e tãolimitado, têm chamado a atenção de médicos,fonoaudiólogos, psicólogos e mais recentemente doslingüistas. Estas duas crianças têm em comum, emprimeiro lugar, uma linguagem tanto receptivaquanto expressiva muito afetada, ainda que associadaa outras dificuldades de desenvolvimento, e emsegundo lugar, o fato de não existir uma explicaçãoplausível, definitiva sobre este transtorno. A busca de

explicações tanto fisiológicas quanto funcionais paraa aquisição da linguagem e seu desenvolvimento temfundamentado o trabalho de diferentes disciplinas,mas a ausência de etiologia definida e a grandevariedade de sintomas têm provocado uma enormeconfusão não só terminológica como tambémconceitual.

A dificuldade em definir e explicar quadrossintomatológicos extremamente diversos levou àcriação e adoção de termos como "afasia congênita","disfasia", "dispraxia verbal", "agnosia auditiva", "afasiainfantil adquirida" etc.

Atualmente, parece existir um consenso comrelação a adoção do termo "transtorno específico delinguagem - TEL" para identificar uma ampla gamade patologias lingüísticas.

Por definição, Transtorno Específico deLinguagem se refere a uma limitação significativa dalinguagem que sofrem algumas crianças, semevidência de fatores como perda auditiva, alteraçãoneurológica, déficit motor e intelectual ou fatoresambientais como pobreza de "input" lingüístico.Existem processos psicológicos como percepção,memória, etc. contribuindo para a limitaçãolingüística mas a linguagem é que constitui o núcleodo conjunto de processos alterados ou disfuncionais(Aguado, 1999).

CLASSIFICAÇÃO DOS TRANSTORNOSESPECÍFICOS DE LINGUAGEM

Como nos modelos nosológicos utilizados nasafasias, os da TEL estavam enquadrados inicialmentede duas categorias: forma expressiva e formareceptiva. Esta classificação, no entanto, mostrou-selimitada por uma série de razões. Em primeiro lugar,crianças com TEL receptivo mostravam, em suamaioria, dificuldades evidentes na expressão. Criançascom sintomas exclusivamente receptivos são muitoraras e seu transtorno costuma estar associado aoutras formas de alteração. Em segundo lugar, aclassificação de uma criança como apresentandotranstorno receptivo ou expressivo muda com a idadee com o desenvolvimento da criança. E em terceirolugar, a maioria das crianças com TEL mostram algumadificuldade de compreensão quando se utilizainstrumentos de avaliação mais sutis. Nesta discussãouma coisa parecia evidente: é comum encontrarmossujeitos com TEL expressivos, mas não exclusivamentereceptivos. Assim, a primeira modificação feita nestaclassificação foi no grupo previamente consideradocomo receptivo e que sofria na realidade de umtranstorno misto, receptivo-expressivo. Esta é a formaadotada pelo DSM - IV (1995) que consta de 5categorias: transtorno expressivo de linguagem,transtorno misto (receptivo-expressivo) delinguagem, transtorno fonológico, disfluência etranstorno de comunicação inespecífico.

Atualmente a classificação mais empregada é a

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

de Rapin e Allen (Rapin e Allen, 1987,1988 apudAguado, 1999) que apesar da semelhança com outrasclassificações, parece ser mais completa e os gruposmelhor delimitados.

Tabela 1 - Classificação clínica de Rapin e Allen(1987, 1988), Monfort, 1993.

DESCRIÇÃO DOS TRANSTORNOSESPECÍFICOS DE LINGUAGEM NOASPECTO RECEPTIVO

Como já foi dito anteriormente os transtornoexclusivamente receptivos são raros e a maioria dascrianças que apresentam transtornos receptivos temuma dificuldade evidente de expressão. A classificaçãoadotada coloca-os como tipo Transtornos deCompreensão e Expressão subdivididos em TranstornoFonológico-Sintático e Agnosia Auditiva-Verbal.

Transtorno Fonológico-SintáticoNeste tipo de transtorno o que está afetado é a

fonologia e a sintaxe da linguagem. Os déficits decompreensão não se devem às limitações no âmbitosemântico e sim à incapacidade de manejar oselementos coesivos do discurso. Por isso a dificuldadede compreensão aumenta ao aumentar o materiallingüístico a ser processado.

Este transtorno é descrito da seguinte forma( Monfort, 1993):• Déficit misto receptivo-expressivo;• Alteração da fluência verbal;• Presença de alterações na fala;• Déficit de sintaxe: frases curtas, omissão de marcadores

morfológicos, formação laboriosa de enunciados(frases ordenadas segundo o pensamento );

• Compreensão melhor que a expressão;• Variação na dificuldade de compreensão:

cumprimento do enunciado, complexidadeestrutural do enunciado, ambigüidade semântica,contextualização do enunciado e velocidade deemissão.

Este subtipo da TEL é o mais freqüente e o menos

difícil de ser identificado. Provavelmente seja este otranstorno mais facilmente avaliado por meio deprovas padronizadas. O objetivo é detectar que formassintáticas estão ausentes na criança e que tipo detranstorno fonológico está presente. A quantidadede material lingüístico a ser processado (na recepçãoe na produção) é uma variável fundamental e porisso se faz necessário recorrer ou elaborar provas quecontenham uma quantificação deste material.

Agnosia Auditiva-VerbalEste transtorno é mais grave e pouco freqüente.

A criança se comporta como se fosse surda, apesarde ter uma audição normal, demonstrandoincapacidade para atribuir significados aos sons. Estetipo de transtorno tem sido descrito em crianças comdiagnóstico de síndrome de Landau-Kleffner ou deAfasia Epilética e o problema de linguagem aparecedepois de um período de desenvolvimento normalassociado a alterações da atividade elétrica cerebral(Bishop, 1997). Mas na maioria dos casos não seobservam crises epiléticas ou sinais de lesão neurológicae o sujeito apresenta dificuldades tanto com o materialauditivo verbal quanto o não verbal e umdesenvolvimento adequado em vários outros aspectos.

Em resumo este transtorno pode ser descritocomo apresentando:• Presença de surdez verbal;• Alteração de fluência verbal;• Compreensão da linguagem oral severamente

afetada ou ausente;• Expressão ausente ou limitada a palavras soltas;• Alterações severas da fala;• Compreensão normal de gestos.

As hipóteses explicativas para estes distúrbiosatualmente combinam a existência de alteraçõesprimárias não lingüísticas com os próprios processosde linguagem. Com relação aos Transtornos deCompreensão-Recepção, duas explicações secomplementam. A primeira interpreta este tipo detranstorno como um problema de "input", ou seja, acriança recebe este "input" de forma distorcida. Asegunda está baseada em estudos que assinalam asdificuldades da criança portadora de TEL em tratar earmazenar a informação associada a velocidade comque esta informação é apresentada.

DESENVOLVIMENTO NORMAL DAPERCEPÇÃO

No desenvolvimento normal da linguagem acriança aprende primeiro as palavras de uma formaholística, ou seja, na forma baseada no contorno geralda palavra, provavelmente ao redor de uma sílabaacentuada. A medida em que vão acrescentandopalavras a seu vocabulário esta estratégia torna-seinútil e as crianças vão introduzindo diferençasbaseadas em segmentos menores da cadeia, atéchegar a análise fonológica. Ao repetir cada vez mais,

Tipos

Transtorno Expressivo

Transtorno de

Compreensão e Expressão

Transtornos do Processo

Central de Tratamento e

da Formulação

Subtipos

Transtorno de Programação

Fonológica Dispraxia Verbal

Transtorno Fonológico - Sintático

Agnosia Auditivo - Verbal

Transtorno Semântico-

PragmáticoTranstorno Léxico-

Semântico

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3º Milênio

melhor e com mais segurança as palavras aprendidasde maneira holística, a criança passa a identificar ossegmentos abstratos subjacentes e a formarrepresentações na memória de longa duração.Istodemonstra a interação entre percepção e produção.

O modelo de percepção de Eisenson (Eisenson,1972) ainda é constantemente tomado como refe-rência teórica para entendermos as funçõesperceptivas que fundamentam a aquisição da lingua-gem e conseqüentemente os distúrbios de linguagemreceptivo e expressivo. Este modelo descreve as dificul-dades da criança com distúrbios de linguagem recepti-va como sendo decorrentes de alterações nos proces-sos de discriminação, identificação, sequenciação eretenção dos elementos que compõem linguagem efala e que têm como canal receptor o canal auditivo.Para Eisenson um aspecto fundamental da percepçãoda fala é diferenciar e categorizar a fala de outros even-tos auditivos presentes no ambiente. A percepção édefinida como "o processo de organizar e interpretardados sensoriais baseado nas experiências vivenciadaspelo indivíduo" (Eisenson,1972). Perceber um estímuloimplica em identifica-lo, classifica-lo e atribuir a ele umsignificado particular, individual.

O modelo de Eisenson postula que, para adquirirlinguagem, a criança deverá ser capaz de: receber umestímulo auditivo ou visual ocorrendo em uma se-qüência; reter esta seqüência na memória, permitindoque seus componentes sejam integrados a outros pa-drões de estímulos recebidos anteriormente; ao mes-mo tempo, comparar o que está sendo percebido como que já está armazenado e portanto categorizado; eem seguida, identificar o estímulo, diferenciá-lo den-tre outros atribuindo significado e assim classifica-lo.O próximo passo, que é a comunicação, vai requererum sistema articulatório-oral para a fala ou um outrosistema equivalente, o gestual, por exemplo.

Mesmo que um indivíduo possua um sistemasensorial, motor e neurológico intacto conjugado aexperiências individuais, alguns fatores irão afetar edeterminar o processo perceptivo. Estes fatores são:• a seletividade que pressupõe que geralmente

respondemos àqueles estímulos que tem maiorrelevância e prioridade para nós em umdeterminado momento;

• a discriminação que é definida como a capacidadede aprendermos através da experiência a respondera estímulos diferentes;

• a categorização que considerada fundamental parao processo de percepção, é uma capacidade inataao ser humano e desenvolvida de acordo com asnecessidades e experiências vividas pelo indivíduo.A primeira categorização feita pela criança é adiferenciação de estímulos verbais de estímulosnão verbais;

• a defesa perceptual definida como um mecanismoconsciente ou inconsciente de defesa dosestímulos considerados desagradáveis,desconfortáveis e causadores de ansiedade e quepodem interferir no processo de aprendizagem;

• a sequenciação ou a capacidade de lidar com uma

série ou seqüência de estímulos. Com relação alinguagem, os estímulos orais ou escritosocorreriam em seqüência ou ordem e a criançadeve ser capaz de manter em seu pensamento aordem de apresentação destes estímulos.Sequenciação envolve a memorização de umconteúdo e sua reprodução com objetivodeterminado. Quando a criança imita ou iniciaespontaneamente algum som ou ação, istodemonstra sua habilidade em seqüênciar pequenosmovimentos que, combinados, produzem o queparece m ser um único.

Estes fatores que compõem o processoperceptivo interagem e contribuem para a aquisiçãoda linguagem. Qualquer alteração nestes fatorespoderá acarretar um desequilíbrio no processo deaquisição de linguagem.

AVALIAÇÃO DO TRANSTORNOESPECÍFICO DE LINGUAGEMRECEPTIVO.

Não há dúvida que uma avaliação precisa dalinguagem de crianças portadoras de TranstornosEspecíficos de Linguagem é imprescindível para umaintervenção eficiente.

Os primeiros contatos com a criança sãofundamentais para uma avaliação eficiente. Observarcomo esta criança interage com os pais, com osobjetos, como explora o ambiente, são dados valiosospara se estabelecer uma boa interação durante aintervenção.

O objetivo principal de uma avaliação deverá sero de identificar os processos psicolingüísticosenvolvidos na compreensão e produção dalinguagem alterados ou ineficientes. A tentativa deutilização de testes para se chegar a um diagnósticotem se mostrado ineficiente e enganosa.

Os métodos de avaliação utilizados variam desdetestes padronizados e protocolos de observação àanálise ecológica de uma amostragem de linguagemda criança. No Brasil faltam instrumentospadronizados tanto para identificar precocemente osdistúrbios de linguagem quanto para fornecersubsídios para intervenção.

A primeira medida a ser tomada no processo deavaliação da linguagem receptiva é o exame de audi-ção para se obter informações sobre a normalidadeda audição da criança. O reconhecimento de ruídos egnosias fonéticas também é um ponto importante aser avaliado. As gnosias auditivo-fonéticas são avali-adas por um tipo de avaliação informal (tambémconhecido como Teste de Discriminação Auditiva)em que duas gravuras cujos nomes se diferenciamsomente em um fonema (casa / asa, vela /cela ) sãoapresentadas à criança e esta terá que assinalar a quefoi nomeada pelo examinador. É importante que seavalie também a capacidade que a criança tem desegmentar a fala em segmentos subsilábicos e conse-

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

qüentemente construir representações fonológicas. Al-guns subtestes do ITPA, Teste de HabilidadesPsicolingüística de Illinois, (Kirk & Kirk, 1968) ou testesinformais de repetição de palavras e pseudopalavras irãopermitir avaliar se os erros que a criança apresenta sedevem a uma déficit na capacidade de segmentar a ca-deia fonológica, a um déficit de programação fonológicaou a um problema de execução (Aguado, 1999).

O vocabulário auditivo-receptivo também deveráser avaliado por estar fortemente correlacionado com ainteligência geral e com a aquisição da leitura e escrita.Dentre os instrumentos traduzidos e validados está oTeste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) ouPeabody Picture Vocabulary Test (PPVT) (Dunn & Dunn,1981 apud Capovilla, 1997). Um estudo fornecendo atradução brasileira e normas preliminares pode serencontrado em Capovilla et al. 1997. O TVIP é umaprova de vocabulário receptivo, uma vez que avalia acompreensão do vocabulário. Nele a criança deveapontar a figura que corresponde à palavra que ouve. Ovocabulário utilizado é constituído de nomes de objetos,profissões, animais, ações, atributos e situações.

O ITPA, traduzido e adaptado no Brasil porBogossian e Santos, 1977, apesar de ser um testepouco utilizado por nossos profissionais, nos permiteavaliar o repertório de estratégias de aprendizagemda criança. O ITPA consiste em 12 subtestes quedetectam as atitudes dos dois condutores principaisde comunicação (auditivo-vocal e visomotor), 3 tiposde processos psicolingüísticos (receptivo,organizativo e expressivo) e 2 níveis de funcionamento(representativo e automático). Os canais auditivo evisual são os canais aferentes mais utilizados emnossas experiências de aprendizagem. Três processospsicolingüísticos fundamentam os aspectos geraisda comunicação: 1) a recepção que envolve acompreensão dos estímulos auditivos e visuais; 2) aexpressão que envolve a capacidade de transmitiridéias tanto verbalmente como por meio de gestos e3) a organização que representa a habilidade paraestruturar a informação de maneira que possa serentendida, organizada e expressada mais facilmente.

O ITPA é um instrumento que avalia a comunicaçãocomo um todo e aspectos da linguagem em particulartais como o fonológico, o sintático e o semântico.

Os protocolos de observação para a análise da lin-guagem têm sido considerados como uma alternativapara avaliação padronizada ou como um suplemento aeste tipo de avaliação. Nestes casos, o profissionalinterage com a criança em uma situação de jogo e vairegistrando a presença ou não dos comportamentoslingüísticos em que está interessado. A avaliação feitaatravés dos protocolos de observação exige uma boaexperiência clínica do profissional examinador.

INTERVENÇÃOComo já foi dito anteriormente na exposição do

modelo de Eisenson, uma das principais dificuldadesdas crianças portadoras de TEL está nos processos de

discriminação, identificação, sequenciação e retençãodos elementos que compõem a linguagem e a fala, eque chegam através do canal auditivo-receptivo. Estapercepção truncada e imprecisa impede ou perturbao desenvolvimento da expressão, já que a criançatem como modelo um "input" alterado. Emdecorrência disso propõe-se uma intervenção paraos distúrbios receptivos que esteja apoiada emestratégias que suplementem a fala do interlocutor eassim forneçam outros meios de compreensão dasmensagens que não somente o auditivo. Ointerlocutor, familiar ou profissional, irá utilizar destessistemas enquanto se comunica verbalmente com acriança. Os meios suplementares de comunicaçãoutilizados podem ser:• Gestos significativos ou a própria lingua-gem de sinais

(LIBRAS). Permitirão ao interlocutor assinalar eressaltar a presença e sequenciação das estruturassemânticas. Estão apoiados no canal visual.

• Gestos de Apoio a Fala. São gestos que acompanhama fala ressaltando a produção de fonemas,principalmente os consonantais.

• Símbolos Pictográficos (ex: Bliss, PCS)• Fotografias

• Desenhos

• Escrita

Em decorrência de estudos recentes sobre adificuldade da criança com TEL de discriminar assílabas que constituem as palavras (Aguado, 1997)há uma tendência atual de enfocar o desenvolvimentoda consciência fonológica e silábica na intervenção.Para este trabalho específico se utilizam atividadesde identificação, discriminação e ritmo associadas asons, sílabas e palavras. Tem-se observado que aestimulação perceptiva tem efeitos positivos naprodução oral da criança.

Além do aspecto comunicativo e lingüístico, éimprescindível que se desenvolva um programaespecífico de treinamento dos aspectos não verbaisdeficitários. Na prática, não podemos assegurar que amelhora na atenção, memória, discriminação, vágarantir uma aquisição verbal, mas não há a menordúvida que, se conseguirmos uma harmonia naorganização de aspectos não verbais, isto irá ajudar nodesenvolvimento global da criança. Portanto, deve-serealizar um trabalho específico em atenção, percepçãoe discriminação, sequenciação, memória e ritmo.

Além da intervenção direta com a criançaportadora de TEL compreensivo-expressivo, algumasrecomendações deverão ser feitas a família no sentidode aprender a ajustar melhor sua linguagem a criança.• Falar devagar, sem alterar a entonação e a prosódia natural.• Pronunciar cuidadosamente as palavras mas sem

exagerar e sem gritar.• Repetir as mensagens caso se observe que a criança

não está entendendo. Na realidade não se trata derepetições estritas mas sim de reformulações damesma mensagem.

• Suplementar a comunicação oral com estratégias nãoorais como gestos e referências ao entorno concreto.

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3º Milênio

• Respeitar o turno da conversação pois sabe-se quepara a criança portadora de TEL há´uma importantelatência nos tempos de reação.

• Utilizar enunciados simples mas corretos. Evitarenunciados interrompidos e desordenados.

• Ajustar o tamanho e a complexidade dos enuncia-dos ao nível da criança.

• Permitir a imitação recíproca.• Aprender a utilizar facilitadores de evocação como

a indução de respostas ou perguntas alternativas.• Atender e escutar antes de falar. Evitar falar todo o

tempo.• Adotar uma atitude mais positiva com relação à

criança, mostrando-se satisfeito e orgulhoso comseus progressos, como fazem os pais de criançassem alterações na comunicação.

Fundamentalmente se trata de aproveitar melhoros momentos de interação natural e espontânea,compensando com respostas mais acertadas aslimitações da criança.

CONCLUSÃOA criança portadora de Transtornos Específicos de

Linguagem desenvolve suas capacidades lingüísticasde forma pobre, distorcida e tardia sem justificativasbaseadas em deficiências sensoriais, transtornospsicopatológicos ou carência ambiental. Durante osúltimos anos pode-se verificar o surgimento de estudosdescritivos com base psicolingüística que se preocupamem definir os tipos e seus sintomas clínicos, em oposiçãoà clássica definição por exclusão. A limitação receptivada criança portadora de TEL tem sido apontada porclínicos e pesquisadores como uma causa importante eportanto merecedora de atenção especial. Dentre ashipóteses explicativas para este distúrbio está adificuldade para receber e processar o estímulolingüístico, alegando que o estímulo é recebido de formadistorcida e a segunda hipótese postula uma dificuldadepara tratar e armazenar este estímulo. Por isso o processode avaliação e intervenção consistirá em saber quaisprocessos psicolingüísticos predominantementereceptivos estão alterados e procurar organizá-los paraque funcionem de forma mais efetiva.

Endereço para CorrespondênciaR. Gonçalves Dias, 2565 Santo Agostinho, Cep:30140-092 BH, MG.Fone: (31) 3292-6462 / 3285-4522 / 99779063E-mail: [email protected]

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CAPÍTULO XXIX

UMA INTRODUÇÃO AO SISTEMA DECOMUNICAÇÃO ATRAVÉS DE TROCADE FIGURAS (PECS)

Caio F. Miguel, M.A.Paula Braga-Kenyon, M.S.Shawn E. Kenyon, M.A.

Uma característica comum à criançasdiagnosticadas com autismo é a dificuldade em secomunicar (American Psychiatric Association,Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders4a ed., 1994). Muitas destas crianças não desenvol-vem linguagem vocal (fala), produzindo somentesons sem sentido, o que dificulta a interação comfamiliares e/ou responsáveis. A dificuldade na comu-nicação parece contribuir para o desenvolvimentode comportamentos inapropriados (ex., agressão,auto-mutilação, choro, etc.) já que estes, em muitoscasos, passam a exercer função comunicativa (Carr &Durand, 1985). Por exemplo, na presença de umasituação aversiva, uma criança pode chorar porqueno passado, o choro promoveu a remoção de tal situ-ação, ou por também ter produzido a presença (ou aatenção) de um adulto. Neste caso, frequentementenos referimos ao choro como uma forma de "chamara atenção". Descobertas recentes na área de análisefuncional do comportamento apontam para variá-veis ambientais como responsáveis pelo desenvolvi-mento e manutenção de muitos dos comportamen-tos inapropriados que são observados em indíviduos

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

com transtornos de desenvolvimento (Iwata, Dorsey,Slifer, Bauman, & Richman, 1994/1982; Iwata et al.,1994). Tais descobertas subsidiam esforços em dire-ção à tratamentos e métodos eficazes no ensino dalinguagem, já que esta substituiria a função de com-portamentos inapropriados.

Por diversas razões, a forma de comunicaçãomais desejada por pais e profissionais é a fala. Uma dasprincipais vantagens da fala é a disponibilidade de umacomunidade verbal que pode ativamente interagir como indivíduo e participar no desenvolvimento/ensino des-sa modalidade de comunicação. Entretanto, a despeitodo objetivo final de um tratamento ser o ensino da fala,em muitos casos tal ensino é lento e laborioso. Para estesindivíduos, cujo processo de produção da fala é deveraslento, o uso de um sistema de comunicação alternativaparece ser bastante vantajoso (Zangari, Lloyd, & Vicker,1994). Um dos sistemas de comunicação alternativadesenvolvido especialmente para crianças diagnosticadascom autismo é o sistema de comunicação através datroca de figuras1 (PECS). O sistema foi desenvolvido como intuito de ajudar tais indivíduos a rapidamente adquirirhabilidades comunicativas (Bondy & Frost, 1994).

O objetivo deste capítulo é descrever o sistema decomunicação através de trocas de figuras e proverinformações que poderão ajudar na decisão de seu usocomo uma forma de comunicação alternativa funcional.

PRINCIPAIS CARACTERÍSTICASO objetivo do sistema PECS é ensinar o indivíduo a

comunicar-se através de troca de figuras. Maisespecificamente, aproximar-se de outro indivíduo eoferecer-lhe a figura de um item na tentativa de obter talitem. Através deste sistema é possível ensinar a criançadiagnosticada com autismo (ou outros transtornos dedesenvolvimento) a expressar aquilo que ela deseja deuma forma espontânea e em um contexto social (atravésda interação com outro indivíduo).

Diversos sistemas de comunicação alternativa estãodisponíveis, incluindo linguagem de sinais e sistemas defiguras ou símbolos (que excluem o componente de trocado sistema PECS). De acordo com os criadores do sistemaPECS (Bondy & Frost, 1994, Frost & Bondy, 1994), o ensinode linguagem de sinais, por exemplo, depende de diversasoutras habilidades como orientação visual e imitaçãomotora generalizada. A necessidade de tais pré-requisitospode tornar o processo de ensino deste sistema decomunicação (sinais) tão difícil quanto o ensino da fala.A linguagem de sinais também possui a limitação de quepoucas pessoas na comunidade são capazes de secomunicarem através deste sistema.

De acordo com Bondy e Frost (1994) os sistemas decomunicação baseados em figuras ou símbolos, na sua

maioria, dependem do falante2 (aquele que está seexpressando) estar próximo do ouvinte (aquele querecebe a informação) - só assim o ouvinte pode observara figura/símbolo que está sendo apontada pelo falante.Além disso, indivíduos que apresentam comportamentosauto-estimulatórios, especialmente com as mãos, têmdificuldade em usar tais sistemas, já que apontar para afigura/símbolo pode se tornar uma forma de auto-estimulação ao invés de uma forma de comunicação.Uma outra característica interessante destes sistemas éque, aprovação social é frequentemente usada comoconsequência para o uso correto do sistema, pelo menosdurante o processo de aprendizagem (ex., dada ainstrução "aponte para o biscoito", apontar para a figurade um biscoito é seguido por aprovação social).Entretanto, é sabido que crianças diagnosticadas comautismo são pouco sensíveis à consequências sociais (e.g.,Bijou & Guezzi, 1999; Ferster, 1961).

As razões descritas acima levaram a criação de umsistema de comunicação especialmente voltado àcrianças diagnosticadas com autismo (PECS). Uma dasprincipais características do sistema PECS é o foco noensino de "pedidos". Logo nas primeiras fases, a criançaaprende a usar figuras para pedir algo que ela deseja.Habilitar a criança a pedir algo que ela deseja parece ser opasso mais sensato a ser tomado, já que tal habilidadebeneficia diretamente o falante . Quando ensinamos acriança a "pedir", esta passa a ter maior controle sobreseu ambiente, além de que permite outros indivíduos ater mais acesso aos desejos e necessidades da criança. Acriança também estará muito mais motivada3 a secomportar (usar o sistema PECS) para receber algo queela deseja (tangível), do que para receber aprovação(consequências sociais arbitrárias).

O ENSINO DO PECSO sistema PECS tem como uma de suas principais

características o uso de materiais simples e de baixo custo,além de ser um sistema portátil, podendo ser usado porindivíduos em variadas situações e ambientes (e.g., emcasa, na escola, etc.). Os materiais incluem basicamenteum fichário, usado como prancha de comunicação4 , eas figuras, que podem ser improvisadas, desde que sejamsimilares aos objetos que representam (fotos tambémpodem ser usadas). As figuras mais frequentementeusadas são os símbolos de comunicação Mayer-Johnson(1981, 1985, 1990). As figuras são plastificadas egrudadas, com velcro, na capa do fichário (Fig. 1). Figurasadicionais podem ser grudadas, com velcro, em páginasdentro do fichário (o número de figuras aumenta emfunção do vocabulário da criança). Com suficiente treino,a criança poderá ser capaz de procurar dentro do fichárioa figura que pretenda usar (Fig.2).

1 Picture Exchange Communication System - PECS .2 O termos "falante" e "ouvinte" serão usados para identificar aquele que se expressa e aquele que recebe a mensagem, respectivamente, adespeito da modalidade de comunicação usada (fala, sinais, símbolos, etc.).3 Para uma discussão mais minusciosa a respeito do conceito de motivação vide Miguel (2000).4 Communication board.

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3º Milênio

Fig. 1 - Exemplo de Prancha de Comunicação

(fichario).

Na parte de cima encontram-se as figuras com os dizeres

"eu quero" ("I want") e "eu vejo" ("I see") e também o

cartão sentença.

Fig. 2 - Figuras adicionais

O ensino do sistema PECS é baseado no princípiode reforçamento derivado da Análise do Comportamen-to5 . De acordo com este princípio, comportamentosdependem das consequências que produzem.Consequências que aumentam a probabilidade futurade determinado comportamento são chamadas dereforçadores. Assim, comportamentos só ocorrem por-que produzem reforçadores. Comportamentos que dei-xam de produzir tais reforçadores deixam de ocorrer ouocorrem em menor frequência. Tais reforçadoes podemser 1) primários/inatos6 , ou 2) secundários/aprendidos7 .Água e alimento, por exemplo, são reforçadores primári-os, já que quando seguem determinado comportamen-to, aumentam a frequência futura de tal comportamen-to (caso o sujeito esteja com sede ou fome) independen-te da história de aprendizagem do indivíduo. Eventosque levam à obtenção de reforçadores primários passama funcionar como reforçadores secundários. Aprovaçãosocial, dinheiro8 , etc, por exemplo, são reforçadores se-cundários, já que durante a vida do indivíduo, levaram àobtenção de outros reforçadores.

Durante o ensino de PECS, indivíduos aprendem apedir algo que querem. Assim, é importante que, duranteo ensino de PECS, as preferências da criança sejamidentificadas. Durante o treino do sistema, os itens depreferência da criança funcionam como reforçadores parao comportamento de pedir. Ou seja, o comportamentode selecionar a figura de um biscoito será reforçado peloacesso ao biscoito. Assim, no futuro, quando a criança"quiser" um biscoito, ela selecionará a figura que, nopassado, produziu biscoitos.

Existem várias formas de identificação de preferências(Piazza, Fisher, Roane, & Hilker, 1999). Uma delas consistena apresentação de 5 à 8 itens que são posicionados emum semicírculo na frente da criança. O primeiro ítem quea criança se aproxima ou tenta obter é considerado ofavorito. Este item deve ser removido e o procedimentorepetido com os ítens restantes (DeLeon & Iwata, 1996).Assim é possível determinar uma hierarquia de itens domais para o menos preferido. É importante que os ítensapresentados para a criança sejam do mesmo tipo, isto é,somente alimentos, ou somente brinquedos, etc.Frequentemente, alimentos tendem a diminuir o valorde outros objetos (DeLeon, Iwata, & Roscoe, E. M., 1997),por isso é recomendado não misturar alimentos comoutros objetos durante o procedimento de identificaçãode preferências9.

Uma vez identificada as preferências da criança, asprimeiras fases de ensino do sistema podem ser iniciadas.Um resumo das fases de ensino de PECS serão descritas aseguir (Para uma descrição mais detalhada destas fases,vide manual publicado por Frost & Bondy, 1994)

Fase I - Ensinando a troca de figuras. O objetivodesta fase é ensinar a criança a trocar a figura de um itempor seu referente (o ítem). Durante o primeiro passo destafase, o professor/terapeuta deve determinar quais os itensfavoritos da criança como descrito anteriormente.Somente o item favorito deve estar disponível na frenteda criança, entretanto fora de seu alcance. Quando acriança tentar obter o item, o professor/terapeuta devecolocar a figura do objeto na mão da criança. Enquantoa criança segura a figura, um segundo professor/terapeuta(posicionado atrás da criança) deve fisicamente guiar amão da criança em direção à mão aberta do professorque está localizado à frente da criança. Assim que a criançasoltar a figura na mão do professor, este deveráimediatamente entregar o item à criança. Os próximospassos desta fase incluem a remoção da assistência físicae todas as outras dicas até que a criança possa, sozinha,entregar a figura para o professor.

Fase II - Espontaneidade. O objetivo desta fase éensinar a criança a mover-se em direção à prancha decomunicação, selecionar a figura que representa o itemdesejado, mover-se em direção ao professor e entregar-lhe a figura. Nesta fase, somente a figura do item favoritodeve estar disponível na prancha de comunicação. Atravésde assistência física a criança deve ser ensinada a remover

5 Porque o modelo de linguagem adotado pelo sistema PECS é baseado na teoria de B.F. Skinner. (1978/1957), psicólogos comportamentais/analistas do comportamento são considerados os profissionais mais adequados para supervisionar o ensino desse sistema.6 Também chamados de reforçadores incondicionados.7 Também chamados de reforçadores condicionados.8 Dinheiro e aprovação social são considerados reforçadores condicionados generalizados, já que são frequentemente correlacionados com maisdo que um tipo de reforçador primário.9 Um instrumento interessante que pode auxiliar na seleção dos ítens que serão apresentados para a criança durante o procedimento deidentificação de preferências é o RAISD (Fisher, Piazza, Bowman, & Amari, 1996).

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

a figura da prancha de comunicação e mover-se emdireção do professor. A distância entre o professor e acriança deve ser aumentada gradualmente para que acriança tenha que se locomover em direção ao professor.A distância entre a criança e a prancha de comunicaçãotambém deve ser aumentada gradualmente, para queela tenha que se locomover em direção à prancha decomunicação para obter a figura.

Fase III - Discriminação de figuras. O objetivo destafase é ensinar a criança a distinguir entre diferentes figuras.Primeiramente o professor deve colocar duas figuras naprancha de comunicação: a figura do item favorito e umcartão branco (figura vazia). Se a criança remover a figurado item favorito e entregar para o professor, ela receberá oitem. Caso a criança tente remover o cartão branco, oprofessor deve gentilmente mover a mão da criança emdireção à figura do item favorito. Os próximos passos destafase incluem a substituição do cartão branco pela figurade um item menos preferido e gradualmente a adição demais figuras (até cinco figuras) na prancha de comunicação(Fig. 3). Inicialmente estas figuras serão de itens que nãosão preferidos, posteriormente as figuras deverãogradualmente aumentar de preferência, até que todas asfiguras na prancha de comunicação tenham o mesmovalor. No final desta fase, a criança deverá ser capaz de usartodas as figuras na prancha de comunicação corretamente(pelo menos cinco figuras).

Fase IV - Estruturação de sentenças. O objetivodesta fase é ensinar a criança a estruturar sentençascom figuras no intuito de obter os itens desejados.Inicialmente o professor deve incluir uma figura com osdizeres "Eu quero" em um cartão retângular (cartão-sentença) que estará localizado na prancha decomunicação juntamente com as figuras. Umavariedade de itens preferidos pela criança deverão estardisponíveis e próximos ao professor, assim como suasfiguras localizadas na prancha de comunicação. Quandoa criança tentar remover uma das figuras para entregarao professor, este deverá fisicamente guiar a criançapara colocar a figura selecionada no cartão-sentença, àdireita da figura "Eu quero". O participante deverá entãoser guiado à entregar o cartão-sentença ao professorpara que o item desejado seja recebido. Posteriormentea criança deve ser levada a colocar a figura "Eu quero",mais a figura do item desejado no cartão-sentença paraentão entregar para o professor.

Fase V - Respondendo à questão "o que você quer?".O objetivo desta fase é ensinar a criança a selecionar afigura "Eu quero", a figura do item desejado, colocá-lasno cartão-sentença e entregá-las ao professor quandoeste perguntar à criança o que ela quer. Durante estafase, o professor deve apontar para a figura "Eu quero" eao mesmo tempo perguntar "o que você quer?".Gradualmente, o professor deve aumentar o intervaloentre a pergunta e a dica visual (apontar para a figura).Este primeiro passo estará completo quando a criançaselecionar as figuras em função da questão "o que vocêquer?" sem que o professor tenha que apontar paraelas. Passos adicionais desta fase incluem oportunidadespara a criança selecionar figuras espontâneamente (semque a pergunta seja feita).

Fase VI - Respondendo à questão "o que vocêvê?". O objetivo desta fase é ensinar a criança a nomearobjetos. Durante esta fase, uma figura com os dizeres"o que você vê?" será incluída na prancha decomunicação. O professor deve segurar um dos itenspreferidos da criança e perguntar "o que você vê"enquanto aponta para o cartão com estes dizeres. Se acriança selecionar a figura correta ela não deveráreceber como consequência o item, mas outro tipo deconsequência (outros ítems). Passos adicionais destafase incluem a remoção de ajuda física e a mistura dequestões "o que você quer?" com "o que você vê?".

A fase VI se diferencia das fases anteriores porensinar outra função comunicativa, a de nomearobjetos. Nomear e pedir são funções bastante distintas.Estudos na área de linguagem demonstram que estasduas funções devem ser ensinadas separadamente eque, pelo menos em crianças diagnosticadas comdistúrbios invasivos do desenvolvimento, estas funçõessão independentes (Lamarre & Holland, 1985; Twyman,1996 ). Isto é, uma criança que aprende a dizer"biscoito" (ou selecionar a figura de um biscoito) napresença de um biscoito, não necessariamente dirá"biscoito" (ou selecionará a figura de um biscoito)quando quiser comer um.

Fases Adicionais. De acordo com Frost & Bondy(1994), ao completar a fase VI, a criança deverá sercapaz de pedir e nomear por volta de 30 à 50 ítens.Com este repertório, é possível ensinar a criançaoutras habilidades, como as de utilizar adjetivos,nomear ações, utilizar conceitos de "sim" e "não", etc.Estas habilidades deverão ser desenvolvidasindividualmente dependendo da necessidade de cadacriança. Algumas crianças terão desenvolvidohabilidades vocais, e portanto, o uso/treino decomunicação vocal (fala) deve ser priorizado.

Fig. 3 - Criança utilizando PECS (fase III) em contexto

social na hora do lanche.

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3º Milênio

EFICÁCIA DO SISTEMAPor conta das vantagens já mencionadas, PECS

vem sendo usado internacionalmente (Christy,Carpenter, Le, LeBlanc, & Kellet, no prelo ). Bondy eFrost (1993) implementaram PECS no Centro AnnSullivan do Peru, sendo capazes de treinar osfuncionários em cinco dias. Em três meses, 74 criançasestavam aprendendo a usar PECS e muitas delas jáestavam na segunda fase.

Mais tarde, Bondy e Frost (1994) descreveramresultados positivos em 85 crianças diagnosticadascom autismo (5 anos ou menos de idade) queaprenderam a usar PECS. Nenhuma dessas crianças,no início do estudo, era capaz de se expressar atravésda fala. Em 66 crianças que usaram o sistema pormais de um ano, mais da metade passou a usarlinguagem falada como principal forma decomunicação. Outros 30% passaram a se comunicaratravés de uma combinação de PECS e linguagemfalada. Entretanto, os dados apresentados por Bondye Frost (1994) não são produto de um estudocontrolado, ou seja, a relação entre ensino de PECS edesenvolvimento da fala não é necessáriamente umarelação causal.

Schwartz, Garfinkle e Bauer (1998), descrevemos resultados do uso do sistema PECS com 31 criançasdiagnosticadas com autismo ou outros transtornosde desenvolvimento. A idade das crianças variavaentre 3 e 6 anos de idade. Seus resultados mostraramque o tempo necessário para a utilização espontâneado sistema varia de criança para criança. Em média,14 meses foram necessários, entretanto algumascrianças foram capazes de aprender em 3 meses eoutras em 28. Os autores afirmam que somente ascrianças que, no início do programa de utilização dePECS, possuiam algum tipo de vocalizaçãoespontânea demostraram ganhos no uso da fala.

Liddle (2001) demostrou que após um poucomais de um ano, 20 crianças diagnosticadas comautismo ou outros distúrbios da comunicação foramcapazes de aprender a usar o sistema PECS. Onzecrianças (55%) aprenderam a usar o cartão-sentença.Destas onze crianças, oito aprenderam a usar 4 figurasem sequência para formar sentenças (ex., eu quero/grande/carro/azul). A autora afirma que em pelomenos 42% das crianças, melhoras no uso delinguagem falada foram observadas.

Todos os estudos descritos acima consistem emdescrições de casos nos quais não houve controleexperimental, ou seja, os resultados descritos nãopodem ser atribuídos somente à implementação dePECS. A melhora no uso da linguagem falada podeter sido produto de outras variáveis. Entretanto, umacaracterística importante dos resultados descritos portais estudos é que, em nenhum momento o uso dePECS inibiu o desenvolvimento da linguagem falada,o que os estudos sugerem é um efeito contrário.

O único estudo controlado10 conduzido na área

até o momento é o estudo de Charlop-Christy, et al.(no prelo). Utilizando uma metodologia de sujeitoúnico (Matos, 1990; Sidman, 1960), os autoresobservaram comportamentos (linguagem falada,comportamento social e comportamentos-problema)de três crianças diagnosticadas com autismo durantea implementação de PECS. Nesse estudo, as três criançasforam capazes de aprender todas as fases do sistemaem um período de treinamento extremamente curto(170 minutos para todas a fases). Além do mais, suashabilidades comunicativas (imitação vocal evocalizações espontâneas) aumentaram durante e apóso treinamento em PECS. Os autores tambémmostraram que, apesar de minímos, houveram ganhosem habilidades sociais, como iniciar interação comoutros, e diminuição em comportamentos disruptivos,durante e após treino em PECS.

O estudo conduzido por Charlop-Christy et al.(no prelo) é coerente com os resultados de estudosde casos apresentados por outros autores, validandoa efetividade de PECS como uma forma decomunicação alternativa. Apesar de positivos, osresultados apresentados não respondem à todos osquestionamentos que são feitos com relação aosistema. Mais pesquisas na área ainda são necessárias,felizmente elas já vêm sendo conduzidas.

CONSIDERAÇÕES FINAISUma dificuldade encontrada por pais e

educadores de crianças diagnosticadas com autismoou outra forma de transtorno invasivo dodesenvolvimento é a escolha de um sistema decomunicação. A fala é o meio de comunicaçãopreferido e tentativas de desenvolvimento da fala emcrianças diagnosticadas com autismo não devem serabandonadas (Sundberg, 1993; Sundberg &Partington, 1998). Diversos autores afirmam quequanto mais tempo a criança passa sem falar, maisdifícil é para que a linguagem vocal seja estabelecida(Lovaas, 1977). Dessa forma, sistemas decomunicação alternativa podem ser adotados com ointuito de habilitar a criança a adquirir rapidamenteum repertório comunicativo, entretanto o terapeutadeve sempre estimular a produção da fala.

Em muitos casos, sistemas de figuras ousímbolos são adotados por beneficiarem o ouvinte,ou seja, por serem fáceis de implementar ou porquese assume o conhecimento prévio do aprendiz(Reichle, Sigafoos, & Remington, 1991). Sistemas defiguras devem ser adotados caso beneficiem o falante.É importante considerar se a criança possui ashabilidades necessárias para o aprendizado de umsistema de figuras do tipo PECS. Tais habilidadesincluem discriminação visual e habilidade decombinar figuras com os objetos que representam(Shafer, 1993).

O sistema PECS possui diversas vantagens e

10 O experimentador tentou garantir, através de refinamentos metodológicos, que o comportamento observado fosse produto da implementaçãodo procedimento e não de outras variáveis.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

desvantagens. Dentre as vantagens estão queouvintes não precisam ser treinados para interagiremcom a criança que utiliza o sistema, já que é fácilinterpretar o significado da figura. Outra vantagemé que o comportamento motor a ser treinado ésempre o mesmo (selecionar a figura). Também épossível combinar ensino de linguagem falada comPECS. O professor/terapeuta pode constantementenomear a figura e, em fases mais avançadas, exigirnão só que a criança entregue o cartão-sentençacom as figuras, mas também que ela emita umaforma de vocalização para que obtenha o objetodesejado. Tal procedimento contribui para o ensinode imitação vocal que, mais tarde, pode serdesenvolvida em vocalizações mais complexas.

Dentre as desvantagens de PECS estão adependência de materiais (figuras e prancha decomunicação), a dificuldade em estabelecer formasde comunicação (frases) complexas (Sundberg,1993), e potencialmente dificuldades em aquisiçãoe precisão em seu uso quando comparada a outrasformas de comunicação como linguagem de sinais(Michael, 1985). Tais dificuldades em aquisição eprecisão não foram diretamente investigadas comPECS, mas com outras formas de comunicaçãosimbólica (Potter & Brown, 1997).

Concluíndo, diversos fatores devem ser levadosem consideração ao se escolher um sistema decomunicação alternativa. Tal escolha deve sersempre feita juntamente com profissionaiscompetentes na área. Felizmente dentre as opçõesde sistemas de comunicação a serem consideradasestá o sistema PECS, desenvolvido especialmentepara ser usado com crianças diagnosticadas comautismo e outros transtornos de desenvolvimento,e cujo os resultados obtidos, até o momento, sãobastante promissores.

Endereço para CorrespondênciaCaio Miguel, M.A.Department of PsychologyWestern Michigan UniversityKalamazoo, MI 49008 EUAEmail: [email protected]

AGRADECIMENTOS:Os autores agradecem Caio Miguel pelos

comentários e sugestões.

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3º Milênio

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SEÇÃO V – INSTITUCIONAIS

CAPITULO XXX

A ESCOLA PARA OS PORTADORES DETRANSTORNOS INVASIVOS DODESENVOLVIMENTO

Maria Cristina Machado RibeiroMaria das Dores de Oliveira NunesVera Lúcia Diniz de LimaMárcia Brandão de Castro

Tivemos a alegria de transpor o milênio e conti-nuar acreditando que valeu a pena o nosso sonho de21 anos atrás, e, continuar fazendo parte da constru-ção de uma escola de qualidade para pessoas tãoespeciais. A educação especial conquistou avançossignificativos ao longo dos anos, percorrendo cami-nhos diversos: Exclusão - Segregação - Integração eInclusão - aspecto este último tão importante quedeve ser pensado em seu sentido mais amplo possí-vel, partindo da inclusão social para se atingir outrasconquistas, projeto de mudança de mentalidade aser construído por todos nós.

A COMUMVIVER nasce no momento históricode transição entre a integração e a inclusão, fundadaem julho de 1980 por um grupo de profissionaisinteressados em criar na área de educação, um espaçode vivência para as pessoas com deficiência, com oobjetivo de levar a proposta de saúde emocional edesenvolvimento das potencialidades intelectuais,criativas e profissionais. No decorrer destes anos,firmou-se o propósito em oferecer um atendimentona área escolar - Educação Infantil e EnsinoFundamental - 1ª a 4ª Série, como também aeducação através da estimulação sensorial e deoficinas de artes e preparação para o trabalho, paraatender alunos com maior dificuldade na área motorae/ou na área cognitiva.

Atualmente, nossa proposta baseia-se nosensinamentos construtivista sócio-interacionista deVygotsky e Piaget, nos quais o conhecimento resultade uma inter-relação entre os indivíduos por meio desituações de ação ou de operações mentais queresultam de um processo de maturação biológica,experiência adquirida, trocas interpessoais e culturais.Em relação aos grupos mais comprometidos, usamostambém a abordagem comportamental, como umrecurso a mais, onde o distúrbio de comportamentopode ser melhor administrado.

É importante ressaltar que toda a equipe detrabalho deve ter como objetivo a flexibilidade comoum ponto facilitador na busca de interação eintegração de todos os profissionais, porque asvariadas formas de atuação e um pensar teórico

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

diferente, se não for bem administrado, torna-se otrabalho isolado, dificultando a eficiência dos resultados.

O trabalho é sempre envolvido por desafios

como:

1. Desenvolver atendimento eficaz e capaz detransformar o que se julgava ser impossível emuma possibilidade de adquirir uma qualidade devida para além do espaço escolar.

2. Envolver a família no contexto escolar, despertar aconfiança e acreditar numa dependênciaestruturada e segura de crescimento, de se envolvernum trabalho de equipe, onde escola e famíliajuntam possam desenvolver uma série de atividadessistematizadas.

3. Buscar junto aos profissionais de áreas afins:coordenadores, professores e profissionaisespecializados como a Pedagogia, Psicologia,Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, EducaçãoArtística, Educação Física, Recreação, Teatro,Música, estagiários, voluntários, e servidores quehoje compõe a equipe multidisciplinar daComumViver, uma única leitura sobre odesenvolvimento do aluno e uma proposta quepossa ser desenvolvida baseada no respeito,segurança e afetividade.

Para que este propósito se transforme emrealidade, a supervisão ao professor acontecesistematicamente, acompanhada de apoiopsicológico, bem como a realização de Conselhos deClasse1 com a participação de toda a equipe envolvidano processo, e, os Balanços Pedagógicos2, comoestratégias para avaliação de toda proposta a serrealizada.

O Grupo de Estudo é outro mecanismoencontrado pela equipe, para se buscar conhecimento

e alternativas na transformação de nossadinâmica diária, como também, palestras, debates eencontros. Com isto, a meta da ComumViver é fazercom que, além dos conteúdos, toda a equipe saiba

fazer análise, estabelecer relações, levantar hipótesese promover atividades e atendimentos maisdinâmicos, relacionados às coisas do mundo e quesaibam buscar diferentes estratégias de avaliação.

Para a inserção do aluno na escola, temos comoestratégia uma entrevista3 onde se inicia o trabalho apartir de um primeiro contato com a família ouresponsável para coleta de dados. De posse destesdados, o aluno é indicado para uma observaçãosistemática durante 05 (cinco) dias, em grupocorrespondente ao seu nível de escolaridade e/oudesenvolvimento global.

Este período de observação e a coleta de dadossão importantes para ampliar a visão e oconhecimento, propiciando uma adaptação esocialização mais adequada. Dependendo dashabilidades do aluno, é visto uma melhor forma paraa sua integração, podendo ser utilizado tempograduado até atingir carga horária de 04 (quatro)horas diárias. Após este período de observação é feitaa devolução para a família e efetivado, ou não, a suamatrícula na escola.

Com uma equipe multidisciplinar formada, a aten-ção se volta para a organização e a avaliação dos gru-pos, que são formados com número reduzido de alu-nos por sala, com um professor mais um ou doismonitores. Esse processo de formação de grupo ébaseado na avaliação de aproveitamento com prepon-derância dos aspectos qualitativos sobre os quantitati-vos, levando-se em conta o processo de aprendiza-gem. A avaliação é sistemática, descritiva e contínua,4

através da observação do desempenho do aluno e pelarealização de atividades diversificadas ao longo do ano,conforme o caso. No final de cada semestre é realiza-da uma avaliação geral, onde pode haverremanejamento, de acordo com a evolução do aluno.

A proposta de trabalho para cada grupo é feitapela direção e supervisão, juntamente com o professore profissionais especializados, onde são discutidos

1 Conselhos de Classe são reuniões para cada grupo separado(nesses momentos os alunos estão em sala com outros profissionais) programadosbimestral ou semestralmente, com a participação de todos os profissionais ( professor, supervisor pedagógico, psicólogo e outros profissionaisenvolvidos como o terapeuta ocupacional, o da comunicação alternativa, da música, etc.), que tem por objetivos:a. Identificar e conhecer o nível de rendimento individual e global de cada grupo separadamente, nos aspectos qualitativos e quantitativos;b. Avaliar os conteúdos e/ou atividades propostas para o grupo, bem como recursos, estratégias e mecanismos de avaliações;c. Sugerir alternativas de atuação para o professor, de acordo com a realidade do grupo;Viabilizar alternativas que promovam resolver e/ou amenizar dificuldades do aluno e do grupo;d. Possibilitar o intercâmbio de experiências entre os profissionais de áreas afins;e. Prover a família de dados significativos, através de emissão de parecer descritivo após as reuniões.2 Balanço Pedagógico são encontros promovidos pela escola, onde também se reúnem professores e toda a equipe psicopedagógica, para umaauto-avaliação de todo o trabalho realizado no período letivo. Abre-se o espaço para promover momentos de troca de experiência, propostas,reivindicações, promoções e organizações de festas escolares. Têm também o momento para reflexão através de textos, dinâmicas, oficinas,filmes e palestras. Neste dia não tem aluno na escola, pois é necessária e importante a presença de todos os profissionais ao mesmo tempo.3 A entrevista inicial é o primeiro contato da escola com a família, onde é relatado de modo geral todo o funcionamento da escola. Nestemomento, preenchem uma ficha com alguns tópicos necessários para se ter mais informações deste aluno. São pontos de investigação: suaidentificação, quem fez a indicação para esta escola, porque procurou a escola, qual o diagnóstico, o tipo de moradia, o tempo de escolaridade,motivo de mudança de escola, se apresenta convulsão, qual o tratamento médico e psicológico ou outro que o aluno faz, se toma medicamento,quais, como são administrados, algumas observações importantes sobre os medicamentos, comportamentos, hábitos e tiques, sobre aalimentação, a higiene, controle dos esfíncteres, a socialização, reação a passeios, se anda de ônibus, o desenvolvimento motor (fino e grosso),sua independência para andar, equilíbrio, a linguagem, a sua comunicação, se tem problema auditivo, qual a rotina do aluno em casa e outrasobservações que se fizerem necessárias, durante a entrevista. Neste primeiro contato é analisado também alguns exames médicos, avaliaçãopedagógica, fotografias que a família traz, o que enriquece ainda mais os dados coletados do aluno.4 Avaliação sistemática é um mecanismo utilizado para acompanhar o desenvolvimento do aluno através de registros feitos pelos professores,em relatórios semanais, após a aplicação de atividades programadas, e atividades extracurriculares (passeios, excursões, visitas diversas, etc...).A agenda escolar é utilizada também como recurso avaliativo, onde ocorre as comunicações escola X família. É através desta coletânea dedados que viabilizamos a supervisão de acompanhamento ao professor e a efetivação dos conselhos de classe.

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3º Milênio

atividades, metas, estratégias e recursos para alcançaros objetivos propostos. Os planejamentos são feitospelos professores, através das metas já definidasanteriormente, onde ele busca atividadesmotivadoras e diversas para serem desenvolvidas comos alunos. As mesmas são avaliadas pela supervisão/orientação toda semana, antes e depois de suaaplicabilidade.

Qualquer alteração de planejamento ou mudançade atitude em relação ao trabalho requerantecipadamente uma análise minuciosa dos fatosonde toda a equipe contribui com sua prática,chegando a uma melhor estratégia, que às vezes nemsempre traz resultados positivos imediatos,necessitando assim ser repensada para adequar àsituação, buscando no desejo do aluno, seu interesse,suas facilidades, como mecanismo para conseguirmosatingir objetivos mais específicos.

A comunicação verbal, déficit comum nosnossos alunos, nos faz buscar recursos dacomunicação alternativa5 através dos profissionaishabilitados, possibilitando assim uma melhorqualidade de vida, ampliando a forma de comunicar,dando um melhor posicionamento frente ao outro,com iniciativas e descobertas, tornando-se mais ativo,inteirado e disponível ao aprendizado.

A importância do respaldo familiar nacontinuidade do trabalho através do reforço leva oaluno a sentir-se mais seguro, protegido ecompreendido para se desenvolver. O respeito àsreações emocionais e aos sentimentos de nossosalunos faz com que sempre procuremos entende-losda forma que se expressam, porque também nóseducadores, nos encontramos às vezes mobilizadospor emoções e sentimentos, podendo nos levar areações conflitantes, mas somos capazes de utilizaro senso crítico, o limite, a consciência e acompreensão, facilitando a relação com o outro.

Em relação ao acompanhamento do aluno quefaz uso de medicamento, passamos agora a relataralgo de nossa experiência, postura e orientação aospais, para minimizar esta tão difícil tarefa para nóseducadores, familiares e os próprios profissionais daárea de saúde.

Nestes 21 anos, passamos por várias fases. No iní-cio preocupávamos com a família, como se tudo queo aluno trouxesse no seu comportamento, era conse-qüência de problema familiar; em outra época, come-çamos a pensar que o problema estava na postura domédico, que não conseguia escutar a família e enten-der o problema real de seu cliente, nela inserido. Ava-liamos também a eficácia dos medicamentos, umavez que os efeitos colaterais são muitos. Questionáva-mos até se o remédio do Posto de Saúde era tão efici-ente quanto os da farmácia; isto fundamentado no

relato dos pais e enquanto pesquisávamos estas inter-ferências, estávamos paralelamente observando den-tro da escola o que poderia estar interferindo tambémno comportamento do aluno.

Após muitas discussões, hoje administramos essaquestão de forma mais objetiva, menos frustrante emais conscientes. A parceria com as famílias e médi-cos é de importância fundamental. Sabemos que oacesso ao médico nem sempre é fácil, mas é possívelse conseguimos sensibilizá-lo, levar ao seu conheci-mento a nossa realidade, mostrando a sua importân-cia para o cliente, familiares e escola.

Tem pais que procuram o médico só nosmomentos de crises, não criando assim o vínculonecessário, para que ele conheça cada vez mais o seufilho e suas necessidades. Outros usam omedicamento de acordo com suas própriasconvicções; não seguem as orientações, não esperamo tempo para o efeito acontecer e interferemnegativamente no processo de saúde do filho.

Quanto mais transparente e de confiança for arelação médico x família x paciente x escola, melhorserá o resultado.

Para se fazer um encaminhamento mais acertadoao médico, é importante a equipe de profissionais dainstituição estudar cada caso, reunir com a família,registrar através de relatórios a realidade do aluno naescola. Para o acompanhamento diário, utilizamosuma agenda individual para cada aluno, onde os paise profissionais tem acesso todos os dias, podendotambém ser levada ao médico. Hoje o contato saúdeversus educação torna-se mais fácil, pois os meios decomunicação, seminários, congressos, etc. mostra aimportância destas parcerias.

Sabemos que quem conhece melhor o aluno/filho são os pais, muitas vezes mais do que o médico,mais do que a escola; por isto alguns médicos dãoautonomia para os pais administrarem a medicaçãodo filho, observando o seu comportamento, porémcom o acompanhamento sistemático do profissional.Antes, isto para nós era um absurdo, mas hojecompreendemos que é possível, desde que feito comcritério e com o respaldo médico.

Esta questão de medicamento passa porvariáveis. Alguns alunos adaptam-se bem àmedicação. Em outros, o remédio não faz mais efeito,outros eliminam o medicamento com facilidade,perdendo um pouco o seu efeito em relação aoresultado esperado. Alguns são medicados de acordocom sua reação comportamental, que as vezes écíclica, alterando de 3 em 3 meses mais ou menos,sendo necessário avaliar e mudar a medicação. Daí aimportância da escola estar bem próxima à família eao médico para juntos acompanhar melhor o aluno,tanto no contexto da instituição quanto na sua

5 A comunicação alternativa e aumentativa (C A A) tem como finalidade ampliar o repertório de habilidades comunicativas, utilizando váriosmodos de ação (figuras, pictogramas, gestos, programas de computador, linguagem de sinais, fala residual ou vocalizações, expressões faciais,auxílios de comunicação, etc...) que substituem ou ampliam a fala. Os recursos são selecionados de acordo com cada aluno, levando-se emconta seu potencial cognitivo (oralidade), percepção, desenvolvimento motor e disponibilidade familiar. A CAA é mais um recurso de atendimentoao aluno para que ele possa desenvolver sua interação social de forma mais ativa dentro de suas possibilidades.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

dinâmica na família e na sociedade.Como o trabalho da ComumViver é permeado

na individualidade de cada aluno, como estáexposto, faz-se necessário, por exemplo, nosmomentos de desorganização, ou de não adaptaçãoà escola ou ao aprendizado, o atendimentoindividual com um professor na própria sala ou emoutro espaço, durante um período, até que seorganize. Isto se faz necessário em respeito ao grupoe mesmo ao próprio aluno, sendo levado em contaseus sentimentos e dificuldades, o que no final temo ganho para todos.

Como parte de todo o processopsicopedagógico, destaca-se a importância dasReuniões de Pais, onde todas as observações sãodiscutidas e avaliadas com os mesmos, com oobjetivo de inteirá-los sobre todo desenvolvimentodo filho. Acontecem conforme o calendário ouesporadicamente, quando o corpo docente etécnico e/ou a família sentem necessidade deavaliarem algum comportamento, atitude, enfim,algumas mudanças e ou até mesmo avaliação demedicação ou encaminhamento para atendimentoespecializado fora do contexto escolar. A família ésempre orientada e possui um espaço de escutajunto à equipe, sentindo-se assim que, a escola nãosó é um espaço do filho, mas, sim deles também ede todos envolvidos no seu processo decrescimento. Ela é respeitada em suaindividualidade, para que o aluno, percebendo esentindo um ambiente atencioso, possa sedesenvolver com mais harmonia.

É importante ressaltar que nossa clientela éconstituída basicamente por famílias de condiçõessócio-econômico média/baixa, onde na maioria dasvezes o acesso às informações e locais para aassistência médica é difícil, sendo estes aspectospredominantes como interferência na realizaçãodo acompanhamento de nosso alunos para ummelhor desenvolvimento. Este é um aspecto quemotiva a atenção direcionada de apoio a estasfamíl ias, para que possam ultrapassar asdificuldades com um pouco mais de segurança,afetividade e compreensão.

A COMUMVIVER funciona em dois turnos:Manhã: 7.30 às 11.30 horas, com Grupo de

Educação Infantil - 1.º, 2.º e 3.º período, EnsinoFundamental - 1.ª a 4.ª Série, com uma organizaçãocurricular de Ensino Regular, com adaptações emnível de atividade.

Oferecemos Grupos de Atividades Práticas eArtísticas para atender alunos com habilidades emtrabalhos manuais e práticos, mas com nível decompreensão e/ou oralidade em déficit, e o Grupode Oficina para alunos com um nível deindependência, compreensão e habilidades maisdesenvolvidas para trabalhos manuais como:bijuteria, artesanato, bordados, culinária e outras

visando a pré-profissionalização.No período da tarde a escola funciona de 13:00

às 17:00 horas, para atender alunos com maiorcomprometimento na área cognitiva, compor-tamental, sensorial e social. São grupos onde sedesenvolvem atividades voltadas para aorganização pessoal, estimulação sensorial,reconhecimento pessoal, socialização e atividadesde livre expressão, entre outras.

Todo o trabalho sugere semprequestionamentos, reflexões tanto para a direçãoquanto para seu grupo de profissionais, pois requerde todos um compromisso com o ensino,assegurando o bem estar dos alunos e uma totaladaptação nas atividades, para atender apotencialidade dos mesmos, repensando, avaliandoe vencendo barreiras.

Um fator que contribui para tornar possível aestrutura e organização da instituição acreditamosser pela presença diária e efetiva dos diretores esupervisor pedagógico na escola, bem como oenvolvimento e atuação das áreas especializadasdurante a semana de forma intercalada, para queas mudanças, a busca de recursos, estratégias ealternativas sejam analisadas imediatamente, nãoprejudicando o andamento do trabalho.

A proposta de trabalho com a Pedagogia deProjetos tem como objetivo despertar e envolveros alunos em temas ou assuntos de interesse parase trabalhar as necessidades mais básicas, além deenvolver todo o corpo docente e profissionais deáreas afins, como também os familiares queparticipam indiretamente.

A escolha dos temas ou assuntos é previamentediscutido com cada professor e com a participaçãode especialistas, pois a interdisciplinaridade é defundamental importância. Além do trabalhosistematizado é preciso pensar em atividadeslúdicas e de lazer, como passeios, visitas,caminhadas, etc. bem como ofereceroportunidades de acesso ao dia-a-dia dacomunidade como um todo: lojas, supermercados,meios de transporte, espaços culturais, etc., paraque eles cada vez mais tenham oportunidade devivenciar outras experiências e se tornem maissociáveis.

O uso do computador, as artes plásticas, amúsica, o teatro, a educação artística, o trabalhoda horta, a culinária, o esporte, a educação física/recreação, e o atendimento das áreas especializadascomo psicologia, fonoaudiologia, terapiaocupacional, são recursos imprescindíveis para omelhor aproveitamento do aluno.

A Pedagogia de Projetos muito temcontribuído com as pessoas com deficiênciainclusive para os que apresentam maiorescomprometimentos como no caso dos transtornosinvasivo do desenvolvimento (T I D). Os projetos

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3º Milênio

CAPÍTULO XXXI

A AMA-SP - ASSOCIAÇÃO DE AMIGOSDO AUTISTA DE SÃO PAULO HOJE

Ana Maria S. Ros de Mello

A missão da AMA:

"Proporcionar à pessoa autista uma vida

digna: aprendizado, trabalho, saúde, lazer e

integração à sociedade.

Oferecer à família da pessoa autista

instrumentos para a convivência no lar e

em sociedade.

Promover e incentivar pesquisas sobre o

autismo, difundindo o conheci-mento

acumulado."

INTRODUÇÃOO conceito de associação de pais de deficientes

no Brasil é bastante complexo, e ainda mais tratando-se de pais de pessoas portadoras de uma síndrometão desafiadora como é o autismo.

O autismo é de difícil definição principalmentequando queremos estabelecer uma idéiacompreensível para alguém que esteja tendo contatopela primeira vez com ele, seja um pai que acabou dereceber o diagnóstico, seja alguém que simplesmentequer saber do que se trata.

O autismo se caracteriza pela presença dedistúrbios em três áreas do desenvolvimento humano- a comunicação, a sociabilização e o uso daimaginação. Sabendo-se da importância de cada umadelas no desenvolvimento humano não é difícilimaginar o impacto causado por um distúrbio queafete as três ao mesmo tempo.

O confronto com a gravidade do autismo paralisa,fazendo com que a maioria dos pais, no princípio,oscile entre a negação e o desespero.

Não é de estranhar que as associações de pais deportadores de autismo no Brasil tenham sido deformação tão tardia e tenham envolvido tantas etantas dificuldades.

A AMA de São Paulo foi a primeira no país e foiformada por pais absolutamente comuns,pertencentes à classe média e sem nada que osdestacasse em sua história pregressa. Masconfrontados com dificuldades tão extremas, estespais perceberam claramente que sem ajuda dogoverno e da sociedade não teriam a menor chancede dar um futuro minimamente digno para seusfilhos. A partir daí, começaram a organizar-se e adescrever exaustivamente suas dificuldades contandoliteralmente com a solidariedade de quem quer quefosse necessário em cada momento.

são enriquecidos com recursos e atividadesdiversas como, por exemplo, envolvendo aconsciência ecológica, os valores humanos, oexercício da cidadania entre outros aspectos. Aparceria em projetos sociais com outras entidadescomo o da Reciclagem de Materiais Descartáveis,o Esporte/Lazer através da Corrida Rústica e aparticipação em feiras e eventos para a exposição evenda dos produtos da Oficina Pré-Profissionalizante, marcam a presença das pessoascom deficiência, reforçando assim a sua auto-estima.

Em síntese, este é o trabalho que aCOMUMVIVER vem procurando desenvolver,respeitando a individualidade e o ritmo de cadaum levando-se em conta a deficiência, o grau dedificuldade e dependência, mas também eprincipalmente a potencialidade, e, acreditandoque tudo é possível, desde que se tenha umpropósito com objetivo de conquistar cada vezmais esse espaço de crescimento comum que é afilosofia da ComumViver desde seu começo. Nestes21 ( vinte e um ) anos de vivência junto às pessoascom deficiência queremos registrar como é grandeo crescimento pessoal e profissional de todos osenvolvidos.

AGRADECIMENTOSAgradecemos a oportunidade de mostrar o nosso

trabalho, esperando favorecer assim a troca deexperiências entre profissionais e entidades engajadasna área de educação para pessoas com deficiência.

Endereço para CorrespondênciaAv. Barbacena, l.477 - Bairro Santo Agostinho - Cep:30.190-131 - BH - MGTelefax: 31.3275 3672e-mail: [email protected]

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Um exemplo disto foi quando em 1989 decidiu-se trazer duas pessoas muito renomadas da Dinamarca,o Dr. Demetrious Haracopos e Lennart Pedersen, daSofieskolen de Copenhagen e pediu-se apoio ao CNPq.Esta instituição de incentivo à pesquisa edesenvolvimento tecnológico, apóia somente projetosapresentados por pessoas que tenham no mínimo,grau de doutor. O projeto da AMA foi aprovado sematender este pré-requisito por ter sido o primeiro projetoa dar entrada no CNPq na área de autismo.

HISTÓRICOA AMA foi fundada em oito de agosto de 1983 e

nasceu do encontro de um grupo de pais promovidopelo Dr. Raymond Rosenberg em seu consultório porvolta de maio do mesmo ano.

Os pais deste grupo tinham em comum o fatode terem tido um filho cujo desenvolvimento tiveraalgo fora do comum em níveis variados decomprometimento. Após sucessivas e frustrantestentativas, haviam chegado à mesma palavra: -"autismo". O mais grave, porém, é que passado esteperíodo difícil de diagnóstico viram que não existianenhum serviço ou atendimento especializado emautismo em todo o país.

Logo no primeiro encontro, estes paisperceberam que iam precisar de muita ajuda parapoder fazer alguma coisa por seus filhos, e isto oslevou à criação da AMA partindo do princípio de nãotrabalhar só em benefício próprio, mas da sociedadecomo um todo e de que toda a ajuda que recebessemseria revertida para o bem do maior número possívelde famílias de autistas em todo o país.

O grande desafio era mobilizar pessoas paraajudarem a combater um problema do qual nuncahaviam ouvido falar.

O primeiro passo foi promover em 1984 o IEncontro de Amigos do Autista para reunir pais eprofissionais para discutir o tema e traçar linhas deação.

Mas o passo mais importante foi dado em 1987quando o ator Antonio Fagundes, sem ter nada a vercom o assunto e gratuitamente, por purasolidariedade, dispôs-se a gravar uma mensagem quefoi veiculada pela TV Globo em horário nobre, quecomeçava com a frase: "Você sabe o que é autismo?".

Logo em seguida a AMA recebeu, do Governodo Estado, em comodato um terreno de 1000 metrosquadrados no Largo do Cambucí.

UM CAMINHO ÁRDUOA caminhada foi dura, pois ao mesmo tempo em

que se tinha que concentrar muito esforço nodesenvolvimento de pesquisas para encontrarmetodologia adequada para o desenvolvimento destascrianças tinha também que se conseguir recursosfinanceiros que viabilizassem o trabalho. As dificuldadeseram tão grandes de um lado como de outro.

O trabalho inicialmente começou no quintal deuma igreja, emprestado por um pastor que tinha umfilho autista. Depois, em 1985, com os recursosfinanceiros provenientes do I Encontro de Amigos doAutista, foi transferido para uma casa alugada na Ruado Paraíso, 663, no bairro do Paraíso, mas o trabalhoem si deixava a desejar. Muitas coisas evoluíam, masainda pairavam muitos mistérios sobre a forma deaprendizado e as inexplicáveis crisescomportamentais da criança autista.

Em 1988, um grupo de mães conseguiu umaverba governamental para visitar instituições dosEstados Unidos e da Europa para conhecer o que sefazia nestes países em termos de autismo.

O autismo nestes países já se encontrava em umnível mais avançado de conhecimento já que aprimeira associação mundial havia sido criada em1962 na Inglaterra, a associação americana de autismoexistia desde 1965, a alemã desde 1970 e a espanholadesde 1976.

A viagem foi muito proveitosa e plantou na AMAa semente do interesse e curiosidade sobre o TEACCH(Treatment and Education fo Autistic and relatedCommunication handicapped CHildren), método quena época vinha sendo implantado em um númerocrescente de países na Europa e Estados Unidos.

Em 1989 a AMA adquiriu um sítio de 100.000metros quadrados em Parelheiros com a renda deum leilão beneficente na boate Gallery.

Em julho de 1991 promoveu o IV CongressoMundial da Criança Autista, II Simpósio Internacionalde Instituições de Deficientes Mentais e II CongressoNacional de Autismo, evento que ao qualcompareceram mais de 1.200 pessoas.

Participaram deste evento o Dr. Eric Schopler,criador do TEACCH, e sua esposa Margareth Landsinge isto funcionou como ponto de partida para aimplantação do método TEACCH.

Durante os primeiros dez anos de sua história aAMA teve como ponto de apoio o trabalho voluntáriode um grupo muito restrito de pais que se dedicavamà manutenção financeira da instituição e ao mesmotempo acompanhavam à distância o trabalho deatendimento ao autismo dos profissionaiscontratados.

A partir de 1.991 quando os pais optaram pelaimplantação do método TEACCH iniciou-se umprocesso de profissionalização destes pais que como apoio de uma supervisão institucional começarama dirigir a implantação do método e a preocupar-secom a constatação de que teriam que iniciar muitoem breve a organização administrativa da instituição,sem a qual sua sobrevivência estaria seriamenteameaçada.

O TEACCH foi sendo implantado através de visitas,primeiro de profissionais do próprio TEACCH e depoisde profissionais que trabalhavam com o método naDinamarca e na Suécia, mais a AMA que foi visitarestes países estabelecendo uma relação decooperação técnica que hoje é bilateral.

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3º Milênio

A partir de toda sua organização técnicaconsolidada por intercâmbios nacionais einternacionais a AMA foi assumindo cada vez maisum papel de referência em autismo tendo recebidoprofissionais de praticamente todos os estadosbrasileiros para visitas, consultas, cursos outreinamento profissional.

Em 1994 iniciava-se no sítio (em Parelheiros) umprograma de atendimento residencial para autistasimpossibilitados por motivos diversos de morar comseus familiares e em 1996 o programa fechava seuprimeiro ciclo com a construção de uma escola paracrianças e implantação das oficinas profissionalizantes.

A AMA recebeu o Prêmio Bem Eficienteoutorgado pela Kanitz e Associados, em 1997, paraas 50 maiores instituições filantrópicas pororganização, transparência e serviços prestados e em1998 o Prêmio Direitos Humanos, concedido pelaPresidência da República e a UNESCO e entregue pelasmãos do próprio Presidente da República.

Em 2000 foi firmado um convênio deintercâmbio internacional com a Suécia através daSHIA - Svenska HandikapporganisationersInternationella Biståndsförening, sociedadeinternacional de apoio ao deficiente e a RFA,associação de pais de autistas da Suécia, com ofinanciamento do desenvolvimento de doisprogramas, um de intervenção na comunicação dacriança autista através do PECS e o outro de trabalhode pais e familiares.

A AMA A PARTIR DO ANO 2.000A AMA conseguiu no final de 1.999 o patrocínio

do Instituto Credicard para construir no terreno cedidopelo Governo do Estado no Largo do Cambucí, oCentro de Reabilitação Infantil.

Através desta construção abria-se a possibilidadede atendimento a um número bem maior de criançaspequenas em local central e de fácil acesso.

O Centro foi inaugurado em 6 de abril de 2000tendo Ana Maria Braga como mestre de cerimônias ea presença confirmada do Governador Mário Covasque infelizmente não pode comparecer devido a umproblema de última hora.

Este novo passo implicava diretamente naampliação da escala de atuação da AMA, por umlado por abrir a possibilidade de atendimento a maisde 60 novas crianças, a meta estabelecida foi 90, etambém por tratar-se de um local central que alémdo atendimento abria novas possibilidades de cursos,treinamentos e novos programas de integração dainstituição com a comunidade.

A implantação destas salas vem sendo gradual,iniciando com nove crianças e passando para quasetrinta no período de um ano.

Em agosto inseriu-se aos programas já existentesum programa experimental baseado no ABA - AppliedBehavior Analysis, através de três psicólogos, duasdas quais brasileiras e um de nacionalidade

americana, vindos do NECC - New England Center forChildren, de Boston nos Estados Unidos. Este trabalhofoi implantado em bases terapêuticas ampliandoassim as possibilidades de intervenção do Centro.Aspectos relevantes do ABA foram também sendoinseridos dentro dos trabalhos pedagógicos.

Em dezembro de 2.000 a AMA publicou comapoio da CORDE um pequeno livro, "AUTISMO - guiaprático" contendo informações básicas sobre autismo,alguns dos tratamentos mais estruturados econhecidos, endereços de associações de pais eamigos de autistas no Brasil e perguntas e respostassobre alguns dos pontos que mais angustiam pais eprofissionais. Este pequeno livro tem na capa a fotodo Alejandro, um menino, com dois anos na época ecuja família que é espanhola teve o primeiro contatocom a AMA através da internet. A diagramação foielaborada pela mãe do Alejandro, Teresa Jiménez eos desenhos foram escolhidos do álbum de EduardoHo, o Dudi, com nove anos na ocasião e com umgrande talento para copiar desenhos.

Um dos aspectos mais bem sucedidos em todoeste processo foi o que diz respeito ao trabalhodirigido ao desenvolvimento educacional, social,emocional e de integração de crianças portadoras daSíndrome de Asperger. Neste campo, incríveis desafiosforam sendo vencidos e também foram sendodesenvolvidas novas modalidades de trabalho.

Por outro lado, todo este crescimentodemandava de imediato uma reorganizaçãoadministrativa interna que o suportasse e isto foipossível graças a dois fatos relacionados diretamentecom a seriedade com que a instituição encara a suamissão.

O primeiro foi a importante contribuição daengenheira, administradora de empresas e MBA(máster of business administration) Maria FernandaSoares que aderiu voluntariamente à instituição paraformalizar a reorganização dos processosadministrativos e o outro foi conseqüência do estágiode Mariana Mello, minha filha, na AMA que a levou aescolher a instituição e seu processo de organizaçãocomo tema de seu trabalho de formatura emengenharia de produção na Escola Politécnica daUniversidade de São Paulo. Este trabalho recebeu oprimeiro prêmio em 2000, com uma repercussãomuito positiva tanto na universidade quanto na AMA,tanto que a Mariana decidiu-se a continuar nas duas,na Universidade seguindo o mestrado emadministração do terceiro setor e na AMA dandoprosseguimento ao processo de organização.

A NOVA CARA DA AMAO processo de reorganização da AMA está apenas

no início, mas está crescendo em bases bastanteconfiáveis.

É necessário reconhecer que todo processo deajuste e reorganização é doloroso. Aceitar os própriospontos fracos e tentar corrigi-los é difícil para todos,

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

e é isto que temos tentado fazer durante os últimosdois anos com ajuda da Maria Fernanda, da Mariana,do Rafael, um jovem que começou trabalhando emnossas oficinas quando estava no terceiro colegial edecidiu-se pela faculdade de matemática e a partir de2.001, já formado, passou a trabalhar naadministração. Além destes, contamos ainda com oNelson Ferreira que entrou como primeiro colocadona FUVEST em 1.995, graduou-se em Engenharia deProdução com a Mariana e atualmente trabalha emuma grande empresa de consultoria em São Paulo e éo mais novo voluntário da AMA, atuando na área deplanejamento e captação de recursos.

A ampliação da escala de atendimento exigemudanças e a primeira delas começou pela própriadiretoria eleita na última eleição que se decidiu pordiminuir o mandato para um ano, prazo estipuladopela assembléia para a primeira fase de reestruturação.

Tomando como base o projeto de formatura daMariana começamos o processo de reorganização.

O ponto de partida foi a organização de umcalendário semanal dos principais eventos e aconstrução de uma planilha de controle financeiroque é apresentada mensalmente à diretoria.

Para o início seguro da consolidação deste projetoenvolvendo serviços prestados à comunidade,organização e transparência falta um importanteelemento que talvez seja um dos mais difíceis deimplementar em uma associação de pais de autistas,que é a comunicação. A professora Márcia Terra,orientadora da Mariana, afirma que tudo que nãotem meios formais de comunicação acaba sendocomunicado por vias informais e da forma errada.

Para suprir esta necessidade procuramos umestagiário da ESPM - Escola Superior de Propaganda eMarketing que começou pela atualização do sitewww.ama.org.br, atualmente com mais de 150 visitasmensais e a publicação de um boletim mensal, cujonome JornaAMA foi escolhido alguns anos atrás peloJefferson, atualmente com 14 anos e cursando o sextoano de uma escola regular.

O JornaAMA,. que também pode ser encontradono site, tenta veicular os principais acontecimentosdo último mês para pais, profissionais e associados.

Assim definitivamente a AMA vai assumindo umaspecto mais sólido, dinâmico e profissional.

PROJETOS PARA O FUTUROAinda temos muito que andar e muito que

construir.O atendimento ao autismo em nossa cidade e

no país ainda está muito abaixo das necessidades eainda estamos longe de contar com os recursosnecessários para mudar definitivamente estacondição.

Passamos de 57 para 71 atendidos de janeiro aagosto de 2.001 e continuamos crescendo, masmesmo assim ainda estamos longe de poder dar-nospor satisfeitos.

Ainda precisamos conseguir o apoiogovernamental e um número de associados que nosproporcione a necessária tranqüilidade paraprosseguir trabalhando.

Atualmente estamos construindo a terceiraresidência e tentando encontrar recursos financeirospara levantar o Centro de Integração para Jovens eAdultos Autistas, no mesmo terreno do largo doCambucí onde se encontra o Centro de ReabilitaçãoInfantil.

Este Centro deve acolher jovens com autismocom oficinas profissionalizantes, esporte e lazer parajovens autistas moderadamente comprometidos edeve alojar também um interessante projeto de apoioe sociabilização de autistas de alto nível defuncionamento.

Acreditamos que com o crescimento qualitativoe quantitativo das pessoas engajadas com o autismocaminharemos a passos cada vez mais largos emdireção ao dia em que todas as pessoas portadorasde autismo e seus familiares terão cidadania edignidade.

Endereço para CorrespondênciaAMA - Associação de Amigos do Autistawww.ama.org.brRua do Lavapés, 1.123 01519-000São Paulo [email protected]

CAPÍTULO XXXII

AMAS - ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DOAUTISTA EM SERGIPE

MARIA DO CARMO TOURINHO RIBEIRO VIEIRA

“Em depoimento ao seu sobrinho Igor Mangueira”

Maria do Carmo Tourinho Ribeiro Vieira.Igor Mangueira

Quando meu filho Ramiro completou em tornode 6 meses de idade, desconfiei de que havia algo deerrado com ele. Via que seu comportamento diferiadas outras crianças de mesma idade. Decidi entãolevá-lo ao médico; como um médico só não foi obastante para diagnosticar o caso, tive que levá-lo avários. Após ter caminhado por uma via-sacra médica,descobri que meu filho era portador de uma síndromechamada Autismo Infantil.

Fiquei desesperada, e meu desespero me levou aprocura de um tratamento para ele. Fui para São Paulo,onde, ao ter contatos com vários livros e apostilas,

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3º Milênio

fiquei mais informada sobre a doença e onde conhecia AMA - Associação de Amigos do Autista. Na AMAde São Paulo, presenciei um grupo de pais, juntamentecom vários profissionais, desenvolvendo atividadescom seus filhos e obtendo excelentes resultados comesse trabalho. Vi as crianças de lá numa situaçãomelhor que a qual o meu filho se encontrava. Volteia Aracaju entusiasmada com o que tinha visto emotivada a desenvolver um trabalho nesse sentido.

Além da esperança de uma melhora nocomportamento de meu filho o que motivou tambéma trazer esse trabalho para cá foi que Aracaju era umacidade pequena sem tratamento para autistas, sejana rede pública ou na rede privada. Encontrei muitasdificuldades para executá-lo, por parte tanto da faltade incentivos, como da minha falta de tempo. Comonão podia abandonar meu emprego, pois euprecisava trabalhar para o sustento do próprio Ramiroe dos meus outros dois filhos, a solução foi procuraroutros pais de autistas por aqui. Consegui me juntarquatro famílias e em 20 julho de 1987 fundamos aAMAS.

Por falta de mais famílias envolvidas, nossadiretoria era muito pequena. Até então nós ainda nãoconhecíamos muito sobre a doença, só com o tempofoi que nós descobrimos sua gravidade. Em princípionosso objetivo era encontrar uma forma deatendimento para nossos filhos, montar um espaçocom atendimento onde eles pudessem ficar enquantonós trabalhávamos; um espaço onde eles não ficariamociosos, como seria o caso se os deixássemos aoscuidados de uma pessoa sem preparo. Para podermosalugar esse espaço, era necessário apoio financeiro.Começamos então a fazer pedágios e diversascampanhas. Fomos a rádios, televisões e jornais falarsobre a doença e obtivemos sucesso. Já em outubrodesse mesmo ano, realizamos aqui a I Jornada deSaúde Mental e tivemos a felicidade de ver o auditóriorepleto de pessoas interessadas no assunto.

Em fevereiro de 1988, conseguimos alugar umtão sonhado espaço. Era muito pequeno mas paraquem estava iniciando já servia bastante e daícomeçamos a desenvolver um trabalho com ascrianças. Inicialmente eram cinco autistas na faixaetária de 3 a 8 anos, que compunham nosso quadro.Juntamente a uma equipe formada por trêsprofessores de nível médio e por profissionais daárea de pedagogia, psicologia, educação física eterapia ocupacional que desenvolviam conosco umtratamento interdisciplinar.

Continuamos crescendo e, em função do sucessodo primeiro e também por termos visto que essa eraa melhor maneira de se reciclar nossa equipe e dedivulgar nosso trabalho, decidimos fazer maiseventos. Em setembro de 1988 foi realizada a IIJornada de Saúde Mental e nessa Jornada juntou-se anós como uma grande voluntária a Psicopedagoga"Marta Marlene Rizzo" que com seu conhecimento egrande potencial de responsabilidade e solidariedademelhorou muito o nosso atendimento. Depois dessa

segunda jornada, com o apoio dos meios decomunicação, o número de famílias dobrou: agoradez autistas compunham nosso quadro. Com esseaumento de quadro, surgiu então a necessidade dealugar um espaço maior e também de fazer umintercâmbio com as instituições de outros estados;como estávamos ainda muito imaturos, precisávamosentrar em contato com novas técnicas para trazê-laspara AMAS. O intercâmbio foi feito com a AMA deSão Paulo, a ASTECA de Brasília a APARJ do Rio deJaneiro e outras mais. Em virtude dos resultadosalcançados com esse intercâmbio, surgiu anecessidade de cada vez mais nos juntarmos a outrasinstituições, e por isso nesse mesmo ano de 1988fundamos a ABRA - Associação Brasileira de Autismo.

Com a criação da ABRA, resolvemos de imediatorealizar em 1989, o I Congresso Brasileiro de Autismo,que teve como sede a cidade de Brasília. Pararealização desse evento convidamos inúmerosterapeutas e fomos muito bem sucedidos: com arealização da Asteca, conseguimos lotar um auditóriocom mais de 1.5OO pessoas. Concomitante àrealização do congresso foi criado, entre osprofissionais da área, o GEPAPI - Grupo de Estudo ePesquisa para Portadores de Autismo e outras PsicosesInfanto-juvenis.

Todas essas realizações foram cruciais para afundação de outras instituições e para odesenvolvimento do tratamento de autismo. NaAMAS, o tratamento era ainda efetuado em um turnosó. Com o tempo, nos vimos que se o trabalho fossemais intensivo, com uma média de oito horas diárias,obteríamos melhores respostas. Para o trabalho deoito horas, tivemos de ampliar nosso atendimento:cozinha e outros espaços foram criados.

Como as nossas crianças eram muito pequenas,nosso principal trabalho era a Atividade de Vida Diária- AVD. Queríamos ensiná-las a comer, a vestir e afazer outras atividades básicas por si mesmas.Pensávamos que se elas não conseguissem fazer essasatividades por conta própria ficaria difícil, para nósensiná-las outras atividades. A AVD nos proporcionougrandes resultados; e vendo o potencial e anecessidade de algumas crianças, decidimosimplantar outras atividades como oficinaspedagógicas, alfabetização e artesanato. Nossoprimeiro trabalho de artesanato foi pinturas de panode prato. Esse trabalho foi desenvolvido por umavoluntária que chegou à AMAS trazida por essa pessoamuito importante para nós: Marta Marlene Rizzo.Basicamente, o tratamento, a terapia, a forma deatendimento, a reciclagem e a orientação deprofissionais realizados pela AMAS foram feitos porMarta, que passou por volta de cinco anos conosco.Além do trabalho de pintura, realizamos tambémtrabalhos de culinária.

Em função de todas essas atividades, anecessidade de um espaço maior foi aumentando emudamos novamente de estabelecimento. Outromotivo para essa mudança foi que a AMAS é a única

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

instituição do Estado que trata de autistas, assim, ademanda de crianças para serem atendidas é muitogrande. Hoje, com 35 crianças, estamos com nossaclientela lotada. Não sendo suficiente a mudançapartimos para a luta em prol de uma sede própria. Averba disponibilizada para a obtenção dessa sede foiconseguida através de campanhas; projetos para oMEC, CNI e para a CORDE; e da doação provinda deamigos e colaboradores, todos eles por reconhecerema AMAS como uma instituição de utilidade públicacom fins filantrópicos. A doação do Terreno paranossa construção, foi feita por um dos pais dos nossosAutistas.

Todavia, como a demanda continua maior quea oferenda, precisamos comprar uma residência aindamaior.

Além da aquisição de uma sede própria, algomais preocupava a AMAS naquele momento:entidades brasileiras especializadas no tratamento deautista, como as de Fortaleza, Manaus e outras, nãopossuíam sua documentação regularizada ainda. Pararealização de eventos nesses Estados, diversos projetospor nós foram executados e conseguimos alcançar oque objetivávamos, a realização desses eventos e adivulgação do atendimento dado por essasInstituições. O nosso objetivo não se limita apenas atratar nossas crianças; objetivamos também divulgarnosso trabalho por todo o país e fornecer ajuda aoutras instituições como a nossa.

Durante todos esses 14 anos de fundação daAMAS, eu fui presidente durante basicamente 10anos. Precisei me afastar da presidência para dar umaatenção maior a meu filho que já chegava àadolescência. Nessa fase houve uma regressão muitogrande em seu tratamento, com graves crises deauto-agressão e auto-destruição. Como eu e eleestávamos sofrendo muito, me vi obrigada a interná-lo numa clínica em Tiradentes/MG. Nessa clínica,Ramiro passou 7 meses.

Esse tempo por que eu fiquei afastada do Ramiroe da presidência da AMAS foi importante para eupensar e ver que do a AMAS estava precisando. Vique nossas crianças, a exemplo do que se fazia emoutros Países, precisavam de uma residência para elas.As casas em que elas viviam tinham barulhos detelevisão, som, telefone, discussões; isso as aborreciame as tiravam de sua rotina, deixando-as mais propensasa crises. Para a criação dessa residência tivemos debatalhar muito. O projeto era muito caro, mas nósprecisávamos começar. Fomos atrás deinvestimentos, de doações e conseguimos alugar umachácara. No começo, os pais ficaram receosos emcolocar seus filhos na residência; como exemplo, meufilho foi o primeiro residente. Hoje além de meu filhocontamos com mais quatro autistas, sendo dois vindosda Bahia.

Com a criação da residência ampliamos nossoatendimento, criando também um dormitório; Aresidência não era inicialmente um projeto nosso,mas foi uma necessidade que nos aconteceu com o

tempo. A grande preocupação dos pais de um autistaé o que vai ser de seu filho quando morrerem. Nãoconcordamos em deixá-los aos cuidados de irmãos,tios ou qualquer parente; visto que seria um trabalhomuito árduo para eles. Com a residência essa nossapreocupação é amenizada. Mas com esse projeto nãoqueremos enclausurar a criança, seus parentes semprevêm visitá-las e regularmente elas vão pelo menosum dia da semana dormir em casa.

Sinto-me hoje muito satisfeita por tudo que aAMAS conseguiu, mas não gostaria de começar tudonovamente. Para conseguirmos tudo isso foi precisomuita resignação e muito trabalho, e ainda hojelutamos. Além do tratamento terapêutico, uma daspreocupações que a AMAS possui desde seu começoé com o autista enquanto cidadão. Uma de nossaslutas mais importantes é para que haja um tratamentopúblico de qualidade e uma preocupação maior dogoverno com a saúde e a integridade social dodeficiente. Entendemos como objetivos de umainstituição: pesquisar, divulgar, orientar a família dopaciente; mas não dar atendimento. O atendimentoprecisaria ser dado pelo governo, pois assistência adeficientes é uma de suas obrigações. Recebemos dogoverno federal dentro do Programa AçãoContinuada, antes repassado pela antiga LBA e hojecom repasse através da Secretaria Municipal de AçãoSocial, apenas uma irrisória quantia de R$ 39,20 porautista, o que não dá nem para a sua alimentação.Praticamente toda a receita da AMAS é fruto dedoações dos pais e amigos de autistas.

Apesar de satisfeitos com a residência,objetivamos ainda a construção da nossa nova sede,sendo ela um centro maior, esse com atendimentohospitalar para que nossas crianças não precisem sedeslocar para um hospital quando for de suanecessidade. Desde sua fundação a AMAS foi ousada,pois conseguiu progredir, sem recursos e sem maioresajudas do governo, numa cidade pequena comoAracaju. Hoje continuamos na luta para que a AMAScresça mais e para que todos os nossos objetivospossam ser alcançados.

Os nossos adolescentes hoje, desenvolvembastantes trabalhos de pinturas em tela e tecidos etambém confecção de bijuterias, onde são, às vezes,comercializados em feiras realizadas no estado oubazar organizado pela AMAS. Os trabalhos elaboradospor nossos Autistas é de boa qualidade e bem aceitopor toda comunidade.

Em outubro do ano de 2000, no V CongressoBrasileiro de Autismo, realizado em Gramado/RS, comprojeto elaborado pela AMAS e organizado pelaAMAS/SE e AMARS/RS fui eleita através da presidênciada AMAS, presidente da ABRA - Associação Brasileirade Autismo, representando também junto a ABRA asassociações filiadas da Região Nordeste.

A Associação de Amigos do Autista é umaentidade filantrópica de caráter assistencial aoportador de autismo. Fundada em 20 de julho de1987, por um grupo de 5 famílias, a AMAS tem como

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3º Milênio

objetivos estatutário pesquisar, intercambiar e ajudaroutras instituições que desenvolvem trabalhossemelhantes. Nossa administração é formada por1presidente, 1vice-presidente, 2 tesoureiro,1secretário, 2relações públicas, 3 conselhos fiscal, 2conselho consultivo, sócios contribuintes, sóciosbeneméritos e sócios honorários. Nossa equipe detrabalho é formada por 10 professores pedagógicosde nível médio, 1 gerente administrativo, 1 gerentetécnico(pedagogo), 1 secretária, 4 atendentes, 2vigilantes, 1 cozinheiro, 1 servente, 1 terapeutaocupacional, 1 psicólogo, 1 fonaudiólogo, 1 professorde educação física, 1 musicoterapeuta, 1 consultortécnico e 1 psiquiatra com atendimento ambulatorial.

Endereço para CorrespondênciaRua Cel José Figueiredo de Albuquerque, nr. 274 -Bairro Atalaia Velha - Cep: 49035-180 - Aracaju-SE -Tel. 0xx(79) 223-2709.

CAPÍTULO XXXIII

QUANDO A INTERNAÇÃO É INDICADA

ATENDIMENTO PSICOLÓGICO À CRIAN-ÇA PORTADORA DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO1

E À FAMÍLIA.

José Raimundo Facion,Evie de França Giannini

"O convívio diário com meu filho é muito difícil... Enão sei mais o que fazer!" "Eu já não agüento mais vê-lose machucando todo". Não raramente ouve-se essestipos de lamentos de pais2 de crianças e jovensportadores de Transtornos Invasivos doDesenvolvimento (T.I.D) no momento em que optam- após infindáveis questionamentos, resistências etentativas frustradas para minorar o sofrimentodoméstico - pela internação de seu filho. E mesmoapós a minuciosa escolha pelo internamento,indicado apenas em casos extremos, seguido de todauma bateria de exames, anamnese, entrevistas, visitas

e aconselhamento, freqüentemente os pais retornamaos seus lares tomados de dúvidas acerca de suaopção: "É realmente o melhor para o meu filho ?" eainda, envoltos pela culpa e sentimento de fracasso:"Onde eu errei, afinal ?", "Estou eu abandonando omeu filho?" "Ele vai sentir a minha falta?" "Será se nãovão judiar dele?". Indubitavelmente é um momentode extrema delicadeza e requer do psicólogo muitomais do que um mero olhar compreensivo.

Porém, por que internar? E o que seria ointernamento? Crianças e jovens portadores denecessidades educativas especiais requerem sempreatendimento específico, seja qual for o grau deacometimento físico, cognitivo ou psicológico queapresentem. Invariavelmente, a grande maioria dospais em condições normais e esperadas, quandopercebem algum problema no desenvolvimento doseu filho, procuram um profissional a fim de ouviruma orientação ou um encaminhamentopedagógico/terapêutico. E quase sempre, em casosonde houve confirmação da presença de transtornosmentais, os pais recebem instruções para encaminharesta criança - e assim o fazem - a escolas especiais ouassociações afins, tais como Associação de Pais eAmigos do Excepcional - APAE, Associação de Pais eAmigos dos Portadores de Necessidades Especiais -AMES, Associação de Amigos do Autista-AMA entreoutros; nenhuma delas com atendimento deinternação, até mesmo porque muitas destas pessoasapenas precisam ser educadas ou treinadas paramodificar alguns comportamentos e adotar outrosde maneira mais apropriada, útil, de acordo com suanecessidade e capacidade, e de forma algumarequerem internação; outras até já devem participardos programas de inclusão escolar e social. Mas porque algumas, por outro lado, precisam de uminternamento? Qual critério é adotado para estaescolha?

Há um grupo de pacientes que apresenta umquadro clínico mais grave, ou seja, exibem váriostranstornos associados ao seu diagnóstico; estascrianças apresentam comportamentos inadequadosem grau bastante elevado - tais como auto-agressividade, hetero-agressividade, reaçãoextremada diante de frustração e vontades comobater com as mãos (flapping), destruição materialgeneralizada, resistência a mudanças ambientais,insônia, compulsão e/ou restrição alimentar, bulimia,isolamento contínuo, hiperatividade, manipulaçãogenital sem restrição a local, podendo ser, inclusive,auto-lesiva, ecolalia (repetição insistente de palavrasouvidas), brincar com líquidos na boca ou garganta eoutros - sem nenhuma melhora aparente diante de

1 Segundo a definição contida no Diagnostical and Statistical Manual Disorders (DSM IV, 1995), considerando a sua validade em âmbitointernacional e coligado à definição contida no Código Internacional de Doenças (CID 10), entende-se por Transtornos Invasivos do Desenvolvimentoprejuízos severos e invasivos nas diversas áreas do desenvolvimento (habilidades de interação social recíproca, de comunicação ou presença decomportamentos e/ou interesses estereotipados). Estes compreendem o Transtorno Autista, o Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo daInfância, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação.2 Como “pais” considera-se não só os genitores, mas aqueles que de fato convivem e contribuem para o desenvolvimento da criança no lar.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

inúmeras e distintas tentativas de controle por partedos pais em tempo considerável. Nestes casos, atingirmodificações de comportamentos apenas comassistência da escola e da família, muitas vezes, não épossível. Para contornar situações como estasdescritas e melhorar o convívio com essas pessoas,através da atenuação ou até eliminação doscomportamentos citados, podem ser feitosencaminhamentos para internação em comunidadesterapêuticas, cujo objetivo é minimizar o grau desofrimento delas e de seus familiares; instalarcomportamentos adequados e ainda, reduzirgradativamente ao mínimo necessário, intervençõesfarmacológicas, visto que crianças com este gravequadro clínico, geralmente, por indicações outras,fazem uso de altas doses e diversificado conjunto defármacos. As instituições que não se parecem comclínicas ou hospitais e se aproximam ao máximopossível de um ambiente familiar apresentam osmelhores resultados com portadores de T.I.D. Mesmoporque são crianças e jovens, e, aliás, como todo serhumano, sentem-se bem em lugar agradável, exigemde certa forma conforto, carinho e aconchego, longedo estereotipo hospitalar, para doentes. Precisa-se deinternamento, e o tratamento surte melhoresresultados se for conduzido nestas "residênciasprotegidas".

As melhores alternativas de atendimento decomunidades terapêuticas podem se basear naPsicoterapia e Medicina do Comportamento e osresultados obtidos são bastante otimistas e em espaçode tempo relativamente curto. Os princípios sãoclaros: os comportamentos apresentados pelospacientes são associados a um estímulo seqüenciado.Por exemplo, no caso de descontrole esfincteriano éassociado imediatamente um estímulo aversivo -como o isolamento social (time-out) e higiene íntimaapós o período de isolamento; são as consideradas"punições" (cujo conceito básico é diferente daconcepção popular). Quando há ocorrência deutilização do vaso sanitário, que é o comportamentoesperado, adequado, o paciente é reforçado comrecompensas que podem ser elogios - reforço social- ou guloseimas preferidas - reforço material. Por"reforço" entende-se por tudo aquilo que é capaz deaumentar a probabilidade de certos acontecimentosou comportamentos. Em termos básicos, na terapiao reforço é apresentado como conseqüência de umcomportamento esperado, aumentando-se afreqüência de exibição deste. Por "punição" considera-se tudo aquilo capaz de reduzir a freqüência desituações ou comportamentos. Ou seja, na terapia,diante de um comportamento inadequado, comoconseqüência há a apresentação de um estímuloaversivo. Este método, para diminuir ou eliminarcomportamentos inadequados e aumentar e instaurarcomportamentos adequados, comumente chama-se"reforço/punição".

Há uma interessante gama de procedimentos eestratégias concernentes aos princípios da

Psicoterapia e Medicina do Comportamento. Asprincipais serão aqui descritas. Pode-se construirpropostas de desenvolver as chamadas "atividadesda vida diária" - AVDs - como forma de fazer a criançatornar-se menos dependente dos familiares em algunsafazeres do cotidiano, tais como se alimentar sozinha,tomar banho sozinha, vestir-se sozinha, prepararalguns tipos de alimentação, pegar objetos distantes,andar na rua; tudo, claro, de acordo com suacapacidade relacionada ao grau de comprometimentomental. As estratégias utilizadas para o treinamentodas AVDs são associadas a:

"Modelação" - o paciente tem um modelo queexecuta a atividade; inicialmente dizendo o que estáfazendo, em segundo lugar ajudando o paciente aexecutar tal tarefa e, finalmente, incentivando-o arealizá-la sob seu comando verbal até que não hajanecessidade de intervenção para que a habilidade sejaapresentada com desenvoltura;

"Modelagem" - quando o comportamentoprecisa ser instalado ou desenvolvido de uma formamais adequada e complexa para o paciente. Então, asrespostas próximas ao comportamento esperado sãoreforçadas de acordo com uma seqüênciapreestabelecida até que se consiga chegar aocomportamento alvo.

De acordo com a capacidade de entendimentoda criança e com o tipo de comportamento que estásendo observado, pode-se utilizar o "Sistema de Fichas",uma estratégia que atinge o comportamentoinadequado e melhora a inter-relação entre pacientee equipe. Resume-se em fazer a criança ganhar umaficha perante a apresentação de um comportamentoadequado ou perdê-la diante da apresentação de umcomportamento inadequado; estas fichas, ao seremcolecionadas, valem algo muito estimado pela criançae atingindo-se dada quantidade definida, a criançapode trocar as fichas pelo prêmio. O acúmulo de fichasé feito em local visível de forma que cada criançareceba reforço social na medida em que todospercebam a conquista de suas fichas. Estes elogiosmelhoram e muito a inter-relação entre a criança e aequipe.

O isolamento social (time-out) é bastante usadoe implica em retirar a criança da participação grupalsempre que apresentar um comportamentoinadequado. Desta maneira, há perda de atençãosocial e privação de sua participação na atividade queestiver acontecendo no momento. No caso deportadores de Transtorno Autista em que o isolamentofunciona como um reforço positivo, utiliza-se oprocedimento oposto (time-in): a criança fica porum período cercado de contato social.

Quando há emissão de respostas por parte dacriança com o objetivo de chamar a atenção daspessoas que a cercam ou para ter ganhos secundários,é empregado o procedimento de "extinção de

comportamento" onde a presença e ações da criançasão ignoradas; o objetivo é não reforçar oscomportamentos inadequados.

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3º Milênio

Em casos de crises intensas, utiliza-se a contençãoque consiste em imobilizar a criança fisica oumecanicamente impedindo os comportamentos deauto e/ou hetero-agressividade. A forma física se faza partir do uso adequado do corpo de uma pessoatreinada, sem força bruta - apenas técnica específica,onde o profissional segura o corpo da criança emcrise, na posição horizontal, de forma a imobilizarseus braços e pernas, com proteção da cabeça. Opapel do profissional é impedir que a criança se agridaou agrida aos outros; que ela não destrua objetos, aomesmo tempo, que a permite gastar a energia dacrise, propiciando mais tarde, após a crise, o seudescanso e relaxamento. A forma mecânica de conterse faz através da utilização de manchetes (aschamadas talas, que imobilizam as flexões dosbraços), ou da faixa imobilizadora (um tecido firmeque é envolto no paciente impedindo que semachuque ou machuque os outros nos casos deagitação) e camisa de contenção (trata-se de umacamisa, com mangas largas e compridas presas nacostura lateral desta, para também impedir agressões).Podem parecer medidas bastantes invasivas sendo,aparentemente, preferível a administração demedicação (uma outra forma de contenção: afarmacológica) que entorpece o paciente de formarápida e eficaz; porém, é prudente lembrar que seesta contorna velozmente a crise aos nossos olhos,por outro lado pode não significar a aprendizagem ea "conscientização" por parte da criança de todo umencadeamento comportamental, e sendo assim, osofrimento para a criança pode ser muito maior epersistente. Uma criança em contenção, na verdade,não se agride, não se machuca, não destrói objetos,gasta a energia da crise e não precisa correr - emlongo prazo - o risco de uma possível intoxicação porintervenção medicamentosa.

A contenção física, entretanto, não é usadaapenas em situações de crise. Durante a Interação

Corporal Centrada - ICC - um procedimentoterapêutico desenvolvido e aplicado pelo autor destecapítulo - , é feita a associação de contenção física eestimulação sensorial que, através do contato dediversos materiais de várias texturas, delicadamente,sobre a parte superior do corpo e a pele do rosto dacriança, visa desenvolver a percepção corporal einteração social afetiva. Esta deve ser realizada porum profissional treinado, em ambiente tranqüilo, como uso de música instrumental suave, contato visual,pouca comunicação verbal, carinho e afetividade.

É comum chegar crianças a estas comunidadesterapêuticas desabituadas a horários e regras de

conduta como reflexo do cotidiano doméstico, tantoem relação à alimentação, quanto ao sono, ou seja,estas crianças apresentam insônia e maus hábitosalimentares. Os procedimentos para modificaçãodeste quadro podem ser a inserção de regras. Se aalimentação da criança é restrita e esta rejeitaalimentos que não conhece ou parece não gostar,desaconselha-se lhe oferecer outra refeição substituta

que lhe agrade ou que se adiante a próxima refeição.Os horários das refeições devem ser seguidosnormalmente e sem readaptação do cardápio deforma a fazer a criança perceber e adotar taismodificações. Se ela não tolera outras pessoas à mesa,também este comportamento precisa ser eliminado.Caso a criança saia da mesa, convém colocá-la devolta ao seu lugar e dito que para alimentar-se épreciso sentar-se. Caso persista em ficar de pé, não sepode permiti-la alimentar-se nesta posição. Insistirem tais procedimentos acaba-se por instalar os limitesda criança.

A Insônia é um transtorno de sono bastanteobservado em crianças recém-residentes. Várias delaspodem passar até três noites sem dormir, ouapresentam insônia inicial, intermediária ou final.Pode-se também observar crianças que passam adormir acompanhadas das mães ou apenas quandotodos já estão dormindo e a casa estar em silêncio, oqual é nocivo à família quanto ao seu próprioorganismo e por lesar a intimidade dos pais. Nestasituação, dentro de uma comunidade terapêuticadevem ser mantidos os horários habituais de recolher-se para dormir, assim como o uso de camasindividuais. Os profissionais do turno noturno sãosempre instruídos em levar a criança de volta à camadizendo que é hora de dormir, caso insista em dormiracompanhada e fora do horário proposto.

Muitas crianças apresentam alguns comporta-mentos como choro, gritos associados a pulos e ba-ter com a mão (flapping) mediante frustrações e re-gras. Em geral, estas condutas foram reforçadas pelafamília através do reforço positivo e atenção; duranteo internamento, o que é aconselhado fazer é a retira-da do reforço para tais respostas. Ou seja, é permitidoque a criança chore, mas nenhuma atenção é dada aela nestes momentos (uso da extinção de comporta-mentos); quando o choro é relacionado ao quereralgo, como, por exemplo, escutar música, deve-sedizer à criança que ela precisa pedir o que quer, emvez de chorar e após isso é colocada longe de todossem receber atenção (time-out). Nas ocasiões em queo choro é reação a frustração, da mesma maneira acriança recebe o time-out e não recebe qualquer aten-ção. Tais procedimentos apresentam resultados bas-tante eficazes em espaço de tempo satisfatório.

Quando a criança apresenta encoprese e/oucomportamento enurético, chegando à comunida-de terapêutica usando fraldas apenas para dormir,não apresentando qualquer disponibilidade para usaro vaso sanitário - descartadas causas orgânicas -, con-sidera-se que ela tem capacidade de desenvolver ohábito de ir ao banheiro. Mesmo quando apresentadescontrole esfincteriano por toda a parte do dia épossível a modificação do comportamento. Indica-se, inicialmente, o uso associado de reforço positivomaterial e social todas as vezes que é levada ao ba-nheiro e consegue fazer suas necessidades (reforçocontínuo) e, posteriormente, somente o reforço soci-al, através de elogios, brincadeiras e congratulações

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em espaços mais alternados (reforço intermitente).Em relação à viabilização desta modificação, algu-mas etapas, em geral, são seguidas: (a) retirada dafralda para evacuar; (b) reorganização do funciona-mento dos intestinos, durante a noite para o dia, se-guindo os horários habituais das refeições. Esta reor-ganização, em geral, se dá naturalmente, sem inter-venções específicas; (c) dessensibilização ao vasosanitário, associando o hábito a um estímulo agradá-vel, como a música. Para tal finalidade, um aparatobastante curioso desenvolvido pelo Departamento dePsiquiatria Infantil da Universidade de Münster, Ale-manha, (chamado Musikklo), operacionaliza a asso-ciação da utilização do vaso à música através de umaplaca eletrônica localizada na parte frontal dentro dopróprio acento, onde mediante o contato com a uri-na, um circuito eletrônico é fechado possibilitando oacionamento do equipamento musical. Secando aurina remanescente, interrompido o contato, suspen-dida é a emissão de música; (d) utilização de reforçopositivo quando há a ocorrência do comportamen-to. Se os comportamentos inadequados, como oenurético, são apresentados, há a utilização deextinção de comportamento, a criança é deixada emtime-out por quinze minutos e, só após este período,é realizada uma higiene local, com água fria (e nãogelada) sem dar qualquer atenção a ela. Não convémdar o banho de corpo inteiro e com água morna por,sendo esta uma experiência agradável à criança, aca-bar em reforçar o comportamento de enurese e/ouencoprese. O paciente só recebe atenção novamentee deixa de ser ignorado quando apresenta o compor-tamento desejado que seria o uso adequado do vasosanitário ou após o tempo estipulado para a extinçãode comportamento. Outra intervenção comumenteutilizada é a de dizer à criança uma frase curta como"fazer xixi e cocô no vaso!" toda vez que ela se dirigircom palavras a qualquer pessoa, ou quando levadaao banheiro e, ainda, quando apresenta os compor-tamentos indesejados de descontrole esfincteriano.

Um outro comportamento que, em geral, podereceber como intervenção a extinção decomportamento ou outros procedimentoscomportamentais, tais como a contenção física oumecânica, é a hetero-agressão caracterizada porexemplo, por mordidas e tapas. Quando ocomportamento é apresentado, pode-se usar comoprocedimento o dizer para a criança que deste modoninguém gosta de ficar perto dela, com tom de vozfirme, sendo logo depois colocada em time-out porvinte minutos e nenhuma atenção pode lhe ser dada,mesmo havendo insistência por parte dela.

A manipulação e toque genital sãocomportamentos observados com certa freqüênciaem crianças recém-internadas. E precisam receberintervenção através de atividades que ocupem as suasmãos com o concomitante pedido ao menino paraque tire a mão do órgão genital. Essas atividadesconsistem em brincadeiras com as mãos da criançautilizando músicas conhecidas por ela. Gradualmente,

estas brincadeiras são retiradas e apenas o comandoverbal de parar com a emissão da resposta indesejadaé utilizado. Uma comunidade terapêutica precisapreocupar-se também com a educação sexualsatisfatória da criança ou jovem residente e,inevitavelmente, pontos mais delicados devem serexpostos com naturalidade; ensiná-lo como chegarao orgasmo é um deles, quando manifestamcomportamentos indicando o florescimento dasexualidade acompanhada de excitações sexuais(como por exemplo, ereção e tentativa inadequadade manipulação genital). Uma assistente feminina - enunca um assistente masculino para que não sepossibilite reações de caráter transferencial - deveorientar a menina a como atingir o orgasmo por práticamasturbatória, ensinando-lhe exercícios demovimentos úteis. Por sua vez, o assistente masculinoé quem deve ser o orientador mais adequado aomenino, igualmente no que concerne à manipulaçãoideal, evitando lesões da área genital. Estesprocedimentos também são indicados para paisconduzirem em casa, a mãe para a filha e o pai para ofilho, invariavelmente. Uma vez os filhos cientes daprática, os pais devem deixá-los praticar emintimidade. Parece um procedimento por demaisconstrangedor, mas, sem dúvida, o mais indicado paraum sadio desenvolvimento da sexualidade do jovemportador, além do exercício de inter-relação plena entrepais e filhos.

Muitos outros comportamentos inadequadosqueixados pelos pais, diferindo de caso a caso, sãofocados a fim de ser modificados. Porém, são comunsalguns comportamentos adequados serem instaladose mantidos e outros apenas instalados devido aotempo relativamente curto de estada da criança emuma comunidade terapêutica. É útil lembrar quenestes casos os pais sempre são instruídos a daremmanutenção a tais comportamentos e orientados emcomo continuar obtendo respostas adequadas dofilho no ambiente doméstico e passeios. Estescomportamentos são muitos, detenhamo-nos a maisalguns como exemplos didáticos.

Outro comportamento trabalhado com ocomando verbal é o de deitar-se no chão. Toda vezque o residente é visto deitado no chão, é dito-lhepara levantar-se e inicialmente é ajudado a fazê-lo.Também são dadas opções a ele, como: poder deitar-se no tatami ou sentar-se na cadeira e olhar revistas.O comportamento indesejado é então substituído poruma atividade agradável, incompatível com aquelaresposta indesejada, uma vez que deitado não épossível olhar revistas. Outro comportamento porvezes exibido e queixado pela família é o de brincarcom líquidos na boca e garganta. Essecomportamento pode receber como intervenção aretirada do copo que contém o líquido das mãos doresidente e também dito a ele que quando parasse debrincar poderia então tomar o suco, ou a vitamina,etc. A intenção é a de que ao ser retirado o líquidoque lhe serve como estímulo e instrumento para a

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emissão do comportamento, ele perceba que osoutros residentes continuam com seus copos e associeque seus comportamentos lhe trazem conseqüênciasdesagradáveis, como a perda do suco. O aumento depalavras no vocabulário da criança, quando possível,pode receber intervenções não planejadasformalmente através de reforço social como elogios,expressões de afeto, e atenção por parte dosprofissionais de uma comunidade terapêutica, entreoutros. Cada palavra nova falada pelo residente podeser comentada com satisfação pelos profissionaispróximos e, quando se trata do nome de algum delesou dos outros residentes, pode ser pedido à criançaque diga uma outra palavra. Se for observado que opaciente emite respostas adequadas, ele deve serincentivado com reforço social a dizer o nome detodos os funcionários e colegas da instituição, assimcomo a expressar suas vontades através demonossílabos ou frases curtas, tais como: "fazer xixi","não", "não quero", "sim" e "arrumar para almoçar".

A terapia comportamental não usa um únicoprocedimento, senão a associação de estratégias paraa obtenção de um conjunto de comportamentosadequados. No estudo de cada caso, são levadas emconsideração a intensidade, freqüência, gravidade ea funcionalidade do comportamento apresentadopara que sejam definidas as estratégias. O tempoutilizado em cada estratégia varia de acordo com ocomportamento, com os efeitos deste no ambiente eda capacidade de entendimento do residente. NoQuadro 1 estão listadas algumas estratégias sugeridaspelo autor, nas terapias sob regime de internação.

Quadro 1

Exemplos de Estratégias Eficazes

Comportamentos Procedimentos Tempo Aproximado

Auto-agressão Contenção mecânica 20 minutos ou até quese acalme

Enurese e/ou Auxílio para a limpeza 15 minutos (no casoencoprese do local; levar a de meninas o tempo

roupa para a lavanderiae é menor, consideranisolamento social do a possibilidade de

ocorrer infecção vaginal)

Insônia Reestruturação do ciclocircadiano

Compulsão Estabelecimento dee/ourestrição regras e horáriosalimentar

Bulimia Contenção Mecânica 1 ou 2 horas atéapós as refeições digestão completa

Isolar-se Terapia ocupacional 15 minutos porem grupo atividade

Hiperatividade Contenção física 10 minutos porou mecânica, atividades atividadeocupacionais e ICC

Em cada caso é definido, de acordo com aexibição dos comportamentos, grau deacometimento do transtorno mental, idade, entreoutros fatores, se a criança ficará sob regime deresidência ou semi-residência. Sugere-se que antesdo internamento, o tempo de observação da criançadeva ser bastante extenso; o ideal para uma avaliaçãomais detalhada é que seja por, pelo menos, três diassob intensa observação dentro da comunidadeterapêutica. Nos primeiros dias de internamento, acriança deve passar por um período de observaçãopor volta de duas semanas a fim de serem comparadasas informações obtidas através da anamnese, derelatórios de profissionais que encaminharam opaciente ou pelas hipóteses levantadas na primeiraconsulta. O ideal é que a avaliação seja sustentadadurante todo o período de internamento através de,por exemplo, Folhas de Registro, coleta de dados econfecção de gráficos (semanalmente). Destamaneira, avalia-se também se a estratégia utilizadaestá sendo eficaz. Manter os pais informados é desuma importância, e isso pode ser viabilizado portelefone sempre que solicitam, através de relatóriosperiódicos (contento a evolução nas áreasfisioterápica, psicológica, fonoaudiológica eneurológica) e durante as visitas. Ideal é que as visitaspossam ser feitas pelos parentes apenas após oprimeiro mês de permanência na comunidadeterapêutica. A partir daí, podem ser aumentadasgradualmente até que saiam para passeios. O tempode estada na instituição depende principalmente dotempo de apresentação dos comportamentos,gravidade e freqüência dos comportamentosapresentados e evolução do quadro clínico.

Decidida a alta do residente, a família deve recebertodas as estratégias utilizadas por escrito, para quepossa dar continuidade ao trabalho em casa. Estasinstruções são as estratégias comportamentais quetêm sido utilizadas e que têm apresentado resultadossatisfatórios. Um relatório deve ser fornecido aosfamiliares e um outro aos profissionais que cuidarãodo paciente fora da instituição. Uma psicóloga deveacompanhar a volta para casa, com o objetivo deinstruir os familiares e adaptar as intervenções no novoambiente, além de orientar os profissionais da novaescola do ex-residente ou um acompanhante queficará responsável pela aplicação direta de cuidadoscom ele. Neste período pós-alta, o ideal é que apsicóloga possa permanecer com a família e com osprofissionais por, pelo menos, quatro dias. Uma folhade Registro de Comportamento deve ser passada aospais para que, periodicamente, possam enviar àcomunidade terapêutica. A finalidade é manter oacompanhamento do ex-residente, orientar e prepararos familiares para lidar com novas situações quevenham a surgir.

Aliás, a dedicação à família da pessoa portadorade T.I.D é um ponto de primordial importância emerece ser aqui amplamente discutido. A forma comoreceber a família é parte intrínseca do tratamento da

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criança; não tem como objetivo apenas um apoiopsicológico no momento do encaminhamento a umacomunidade terapêutica; constitui além, na medidaem que se percebe a família como (1) centro relevantepara a avaliação do quadro da criança, em seuscomportamentos adequados e inadequadosexistentes, (2) como suporte influente durante operíodo de internamento e ainda, (3) co-participanteessencial para o reforço dos comportamentosadequados apreendidos pela criança durante a fasede residência protegida e controle doscomportamentos inadequados eliminados. Assim,avaliar e acompanhar cuidadosa e adequadamente afamília é tão imprescindível quanto avaliar eacompanhar a pessoa portadora de T.I.D. para escolhado método de tratamento e obtenção dos melhoresresultados possíveis. Um projeto psicológico dentrode uma comunidade terapêutica destinado à famíliaé, portanto, fundamental.

Os familiares procuram uma comunidadeterapêutica, pensam na possibilidade de uminternamento. O passo inicial do psicólogo é averiguarquais motivos levaram a família a esta escolha. E aanamnese deve traduzir a maior parcela destesmotivos, já que de forma alguma são poucos ousimples; alguns sequer são transparentes, vindo aemergir apenas durante a estada da criança numacomunidade terapêutica. Mas não só isso deveabranger a anamnese; verificar histórico familiarquanto à existência de outros portadores detranstornos mentais, alcoolistas, dependentesquímicos em geral; como perceberam o problemado filho, a partir de quais observações, através dospais, familiares ou vizinhos; quais reações tiveram,qual o grau de aceitação têm em relação ao problema;como foi feito o diagnóstico do transtorno; avaliarcondições financeiras a fim de possibilitar ointernamento mesmo em casos de baixa renda;quantos e quais profissionais buscaram anteriormente,quais exames feitos; ouvir e estudar aspectos a respeitode tempo de relacionamento dos pais, namoro,expectativas do casamento, planejamento familiar,gestação deste filho, parto e primeiros anos da infânciasão de suma relevância para avaliação da criança e dafamília. Os aspectos mais recentes, sem dúvida alguma,precisam ser observados e nesta fase, comuns são asqueixas acerca da conduta de seu filho e dificuldadesque os pais enfrentam em lidar com exigências dacriança e de si próprios para compreendê-la e atendê-la. Além da avaliação e listagem por escrito doscomportamentos adequados e inadequadosapresentados pela criança antes do internamento, épreciso ceder especial observação ao quadroemocional dos pais, pois que trazem, muitas vezes,arraigados processos de culpa e os vetores são osmais diversos: culpa por terem gerado um filhodeficiente, culpa por julgarem-se incapazes de educarum filho em tais condições, culpa por vezesflagrarem-se encalistrados, constrangidos, ao exibirseu filho, culpa por não dotarem da paciência que

supõem necessária ou esperada, e outras de fundoreligioso; todas solidificadas em seus sistemas decrenças. Com isso, há enorme comprometimento desuas auto-estimas, já que se vêem tolhidossocialmente, intimamente e afetivamente. Constatarrelacionamentos desestruturados ou divórciosrecentes é freqüente. Abandonos por parte de um deseus genitores ou ambos também não são poucos.Claro, não se pode inferir à estrutura familiar o estadode gravidade dos transtornos apresentados pelacriança, mas a qualidade de seus comportamentosestá, em dado grau, relacionada com o ambientefamiliar. E pode-se, e deve-se, modificar tanto oscomportamentos exibidos pelo filho quanto oscomportamentos de seus familiares para que oconvívio com a criança seja menos sofrido.

Os comportamentos dos pais, por mais quepopularmente sejam considerados inquestionáveis,em realidade, observa-se que boa parte exibem-sedisfuncionais. Com a persistência dos processos deculpa e os sentimentos de fracasso ou impotênciaintrojetados diante da impossibilidade de ver seufilhinho falando, escrevendo, andando de bicicletaou de ver frustrado qualquer plano ou projeção parao seu filho de um futuro acadêmico próspero oumesmo aquisição de netos saudáveis, os paisdesenvolvem mecanismos de compensações:alimento em demasia, incluindo guloseimas emexcesso, ausência de limites cedendo a todo equalquer capricho de seu filho, aceitação velada damanipulação da criança - através de gritos, agressõese/ou crises - aos seus pais como forma de ser atendida,inadvertência dos pais a comportamentosinadequados ou inconsciente reforço a essescomportamentos (como dando bala para que acriança pare logo de chorar...) e alarmante carênciade estímulos à criança que propiciem odesenvolvimento de atividades da vida diária. Taisconcessões traduzindo passividade dos pais podemgerar gradientes de dependência distintos a cadacaso, podendo-se até mesmo encontrar criançasabsolutamente dependentes de seus familiares taiscomo se fossem inválidas. Eis os comportamentosinadequados exibidos pelos pais. Esses mecanismosde compensações baseiam-se em sentimentos decomiseração, indulgência ou até compaixão para comseus filhos, o que de forma alguma é benéfico aosalutar convívio e amadurecimento destas crianças.Alguns mecanismos de compensações podemmesmo ser significantemente nocivos. Muitoscompostos quando ingeridos não desempenhampapéis tão notáveis no metabolismo, porém, emexcesso comprometem-no. A exemplo tem-se oácido fosfórico, aditivo em alimentos e refrigerantesdo tipo "cola" ([PO4-3]˜6x10-3M), cujo limite máximode "ingestão diária aceitável" - IDA- é de 5 mg/Kg depeso corporal (Carvalho, 1997, p. 577); com base emcálculos estequiométricos, sugere-se que uma pessoapesando 70 Kg pode ingerir por dia, no máximo, cercade 580 ml deste refrigerante, ou seja, qualquer

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volume acima torna-se nocivo ao organismo.Considerando-se a enorme popularidade e aceitaçãodos refrigerantes do tipo "cola" e quão largo seuconsumo, encontrar pais que permitem suas criançasingerirem 1 litro ou mais desta bebida por dia torna-se uma alarmante e lamentável realidade. Neste caso,brindar aos seus filhos grandes volumes dorefrigerante deixa de ser um ato de carinho, lazer oudescontração para virar agressão ao corpo humano,apesar de inconsciente e insipiente. Casos outros, anegligência de uma postura limitante amalgama-secom uma atuação cerceante, como manter o filhodeficiente altamente violento em quartos fechados,cercados ou amarrados. É preciso lembrar que o juízode valor a estes pais e seus atos extremos deve serevitado a qualquer custo, visto que o que falta a estesnão é o amor - porque em suas concepções nãoconhecem outra saída - mas sim uma melhorcompreensão do transtorno mental o qual porta seufilho e uma orientação mais apropriada e eficaz decomo lidar com estes comportamentos. O papel dopsicólogo, ou de qualquer pessoa sensata, não é o dejulgar, mas sempre o de orientar.

A internação do filho gera um elevado grau deangústia, ansiedade ou insegurança. Afinal, no íntimodos pais a preocupação que experimentam é a deentregaram seu próprio filho a pessoas estranhas, quefarão o que eles foram incapazes de fazer... Presumemse não seria uma equivalência, uma forma deabandono, desconsideração ou desafeto, comoenunciado no início deste capítulo... Indagações eexpectativas não lhes faltam.

Internar por quê, então? O termo "internar" car-rega uma conotação pejorativa no sentido de "obri-gar a residir no interior de uma instituição com aproibição de sair dali", induzindo-se a uma represen-tação mental de um "interno doente" ou "interno in-defeso". A visão extraída de instituições que margi-nalizam seus internos condena-os à miséria e ao des-caso, tecendo lamentável realidade de inúmeros hos-pícios e sanatórios, confluencia a favor de temores ediluição de confiança. Entretanto, aqui não se tratadisso. Esses quadros dantescos de procedimentos aoportador de transtornos mentais devem, sim, sercombatidos e extirpados da sociedade, pois intolerá-vel é a ação que, sob o cunho abusivo do termo "tra-tamento", gera a degradação humana. Este tipo deinternação está condenado pela história. Porém, anecessidade de internação não pode responder peloabuso do termo. Se casos há onde o quadro clínicode uma criança é grave, crônico, e precisa deinternamento, não se pode, de forma alguma, privá-la de tratamento e, ressaltamos, digno. Tecer apolo-gia à extinção do ato de internamento é condenarestas crianças e seus familiares a uma vida inteira desofrimento, destinando-as a viver, dia após dia, umquadro grave que possível é de ser revertido por pro-fissionais dedicados, em residências protegidas, masinviável de sê-lo tão somente pela família ou por umaescola especial, num ambiente não, necessariamen-

te, tão reestruturado ou apto para tal. Preciso é extin-guir toda inabilidade administrativa para areformulação e construção de comunidades terapêu-ticas eficientes e eficazes. Por isso, direito indeléveldos pais é visitar uma comunidade terapêutica ondeintentam levar seu filho para um tratamento. Certifi-car-se a quem encaminha seu filho é conditio si nequa non para o seguimento de um tratamentosatisfatório. Assim, a visita a uma comunidade tera-pêutica, antes de qualquer decisão, visa quebrar re-presentações negativas e tornar transparente os ob-jetivos do tratamento, suas dependências e ativida-des programadas; visa apresentar-lhes os profissio-nais cujo envolvimento afetivo ao seu filho inspiraconfiança no tratamento. E mais, é preciso banir aidéia de que uma comunidade terapêutica neces-sariamente assemelha-se a um hospital. Definitiva-mente, uma comunidade terapêutica não cultiva do-enças e no caso de portadores de transtornos men-tais, preza pelo amadurecimento deles através da aqui-sição de comportamentos adequados e atenuação eaté eliminação dos comportamentos inadequados epara tanto, precisa ser uma extensão do próprio lar, poisna maioria dos casos, a estada contabiliza meses. Aaparência não é tudo, mas é fundamental. Limpeza,tranqüilidade, espaço, aconchego, conforto, área ver-de, indubitavelmente, promovem o sucesso de metasde um tratamento. Uma comunidade terapêutica deveconstituir-se de uma equipe interdisciplinar especializa-da formada por psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutasocupacionais, fisioterapeutas, psiquiatras, neurologis-tas, clínicos gerais, enfermeiros e assistentes diversos deforma a garantir atendimento conveniente. Numa co-munidade terapêutica adequada, sob a condição demorador, a criança encontra meios para definir rotinasem horários e atividades - o que estabiliza e muito aqualidade de seus comportamentos; reaprende a, gra-dualmente, comportar-se, como já analisado e demons-trado, de forma mais funcional; aprende a agir de acor-do com as exigências diárias reais atenuando sua de-pendência aos pais; é submetida a estratégias que vi-sam promover a assimilação de convenções sociaisbásicas, melhorando a interação social mútua, atenu-ando comportamentos agressivos e arredios além doconvívio com pessoas outras envolvidas afetivamente;tudo isso dentro das limitações impostas caso a caso,porque limitações há e devem ser reconhecidas. A cri-ança, enfim, percebe limites adequados - nem lassos,nem demasiados - pois já que estas não encontram emsua estrutura psicológica limites definidos e os buscamno ambiente e nas pessoas com as quais convivem. Osprofissionais apenas lhes indicam tais limites e os repas-sam aos seus pais, por isso a comunidade terapêuticaainda deve atender, orientar e também ensinar aos paiscomportamentos adequados.

E, em tempo, é fundamental elucidar: uma co-munidade terapêutica pode atenuar sofrimento epossibilitar aprendizado, mas não opera milagres enão cura ninguém. Por conta disso, muitos pais cri-am altas expectativas em relação ao retorno do filho,

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seus novos estado e comportamento. Julgam havercura para os transtornos mentais severos que seusfilhos apresentam. Esperam melhoras rápidas, trans-formações marcantes. Por tanto, estabelecer metasreais e manter os pais cônscios das melhorias atingi-das e das inviáveis pode ser tarefa do psicólogo. Mui-tas vezes é necessário que eles aprendam a lidar comfrustrações e cabe ao psicólogo reverter este cenário,mostrando-lhes fatos reais, que se menos surpreen-dentes a eles, são profundos progressos para a crian-ça, o que seria motivo de muita satisfação e não dedesânimo. Por exemplo, comum é o pai perguntar"Meu filho já fala?" Não, raramente conseguem-seresultados de extensos diálogos com o autista, diga-mos, mas responder a este pai "Não, não fala, mas játem controle esfincteriano!" é uma forma de fazê-locompreender que, no momento, muito maior é essaconquista, mesmo porque, fatalmente, as enurese eencoprese que eram comportamentos inadequadosda criança queixados por seus pais, agora estão elimi-nados, e isso é uma vitória ao se contabilizar menosuma dependência desta e desvencilhamento de trans-tornos enfrentados pelos pais ao higienizá-la diversasvezes por dia. Assim, além da estrutura familiar, aspec-tos psíquicos advindos do convívio árduo com a crian-ça e estrutura emocional resultante de expectativas einseguranças perfazem o quadro psicológico da famí-lia, com o qual os profissionais de uma comunidadeterapêutica poderão se deparar durante todo o perío-do de internamento. O psicólogo precisa ser a ponteentre a criança e seus familiares perante quaisquernotícias, desde lesões, resultantes de brincadeiras oucrises, até melhoras substanciais. Dúvidas, lembretesou opiniões dos familiares também precisam ser ouvi-das com atenção, por parte do psicólogo.

Muito se questiona a respeito da participaçãodos pais durante o internamento da criança. Como jádiscutido, de forma alguma os pais estão proibidosde visitar o filho ou mesmo deste sair com aqueles dacomunidade terapêutica a passeio. O que é precisodefinir e respeitar são os aspectos oportunos para osucesso do tratamento. Em fase de crises nacomunidade terapêutica, possivelmente passeios ouvisitas seriam inconvenientes à criança, porém os paispodem telefonar quantas vezes desejarem e devemreceber as informações sobre o seu filho. Nestecontexto, deve haver sempre um psicólogo àdisposição da família numa comunidade terapêutica.Visitas ou passeios, em realidade, estão previstos notratamento e fazem parte deste já que o resultadomaior esperado é o retorno da criança ao lar de formaharmoniosa. Alguns pais sugerem a possibilidadedeles mesmos internarem-se com seu filho de formaa manter proximidade durante a maior parte dotempo, o que é desaconselhado pela grande maioriadas comunidades terapêuticas especializadas. Omotivo é simples: o ambiente de internamento éirrestrito aos pais, entretanto, em geral, quando estesfazem tal tipo de solicitação, tem como objetivoinspecionar o local e vigiar seu filho: como está sendo

tratado, como se alimenta e quem se aproxima dele.Tal postura denuncia superproteção, gerada pelosincrustados processos de culpa, que domina e impedeo amadurecimento da criança, e ainda, baixacapacidade de confiança no tratamento e profissionaisenvolvidos. E ao invés de auxiliarem o tratamento,lentificam-o, mesmo porque vezes tornam-seresistentes às modificações comportamentaisexigidas da criança, por motivos mais diversospossíveis, todos espelhos do sentimento de culpa.Tais pais precisam de dedicada orientação e totalsolicitude pelo psicólogo, pois que sofrem mais coma distância de seu filho e a quebra de rotina focada nacriança em seus lares.

Um aspecto bastante interessante e válido de seraqui exposto quanto ao internamento, relaciona-secom o conjunto de benefícios que traz à família e seuambiente doméstico. Em geral, o internamento só élevantado pelos pais quando a estrutura familiar jáestá bastante desgastada e quando já esgotaram to-das as formas de reorganização e busca por um am-biente residencial mais estável ou pelo menos supor-tável. A relação entre os pais e irmãos encontra-se atal ponto desestruturada que o comprometimentodestes, além de piorar o quadro do filho portador detranstorno mental, desorienta a vida social dos de-mais membros em seus colégios, empregos, amigos,instituições religiosas e até mesmo com o resto dafamília. A internação, sob este ponto de vista,objetivaria a reorganização familiar. Os pais, distan-ciados das tensões constantes geradas pelo zelo deseu filho, redescobrem a si mesmos. Conseguem tem-po para sair, cuidar de si e de seus outros filhos que,em muitos casos, ficaram a deriva, propiciando-lhesmaior atenção. As mães, em geral, retornam à comu-nidade terapêutica, após alguns meses, mais sorri-dentes, arrumadas, bonitas. É de se surpreender, en-tretanto, que muitas não concebem esta transforma-ção, pois julgam egoísmo cuidar de si enquanto seufilho permanece internado. Desempenham inconsci-entemente papéis de eternas vítimas. Em tais casos,o psicólogo precisa elucidar e ressaltar a importânciada identidade pessoal, auto-estima e auto-imagemque devem caminhar desagregadamente à imagemde um filho, em qualquer situação em que ambos seencontrem. Amar ao outro não significa anular a sipróprio. E não se ama ao outro se, antes, não se ama.Com o tempo, orientações e modificações da rotinadoméstica, busca-se harmonia e estabilidade no lar.Neste contexto menos inóspito, a vida e o convívioentre todos os membros encontram equanimidadepsicológica, inclusive para receber o retorno do filho.

A criança recebe alta. A família festeja ao mesmotempo em que pode ficar amendrotada. Inicia-se novopasso do tratamento, pois que ela não iráimediatamente para casa. A família precisa receberorientações quanto aos comportamentosmodificados do filho, e, sobretudo, indicações dasmodificações que eles devem insistir em seus próprioscomportamentos, mesmo já sendo realizado tal

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processo durante o internamento, além dosprocedimentos corretos a serem assumidos duranteuma crise desta criança. O psicólogo, desta vez precisavisitar a família em seu lar, sanar quaisquer dúvidas esugerir e reforçar todas as mudanças cabíveis, paraque os efeitos surtidos durante o internamentoestendam-se ao lar. Após algumas semanas a criançaestá em casa. Os familiares que não acompanharamestreitamente a estada do filho na comunidadeterapêutica percebem, de imediato, modificaçõesespantosas, algumas admiráveis. E eis que se dáentrada num período de readaptação tanto da criançaquanto de seus familiares. Não cabem maismanipulações da criança ou passividade dos pais. Nãocabem mais agressões da criança ou tensão dos pais.Mas essa mudança é paulatina, apesar de haver maislimites definidos. Porém, problemas emergem nestafase na maioria dos casos. A modificação decomportamentos não se dá com facilidade ouimediatamente. É acionada por processosmotivacionais envolvendo reforços e/ou punições,modelações, orientações e conscientizações; além deexigir modificações do sistema de crenças doindivíduo que, geralmente, quanto mais idadeacumula, mais resistente mostra-se a transmutar seusesquemas mentais. E tais resistências são,surpreendentemente, mais penosas nos familiares doque nas crianças. Com isso, os pais, com o passar dassemanas, freqüentemente julgam muito difícilatender as orientações do psicólogo. O filho percebe.Retoma a postura de manipulação. Sente as diferençasentre os ambientes do lar e da comunidadeterapêutica. E os comportamentos inadequadosrecrudescem e os adequados atenuam-se. Nestesentido, o ambiente doméstico pode tensionar-senovamente e as chances de regressão e retorno àcomunidade terapêutica disparam a probabilidadespreocupantes. E o que se observa na prática é de fatoum retorno de um número relativamente significativodas crianças ao internamento.

O retorno à comunidade terapêutica é uma novafase, e quase tão dura quanto a primeira entrada. Ospais submetem-se aos limites do tratamento. Asvisitas e passeios precisam obedecer a regras. Sedurante a primeira entrada os pais traziaminseguranças concernentes à postura dosprofissionais, agora estes demonstram insegurançasquanto às suas próprias posturas. "Por que meu filhovoltou?", "Ele prefere viver lá, a viver comigo!". Essasimpressões são comuns, pois, nitidamente, verifica-se que em muitos casos a criança deliberadamentecomete erros graves - sabidamente graves -intecionando o retorno à comunidade terapêutica. Aquestão da opção da criança pelo internamento étambém bastante delicada e o psicólogo mais umavez pode ser a figura central a amenizar, elucidar econfortar os familiares. Em geral, a criança quandoretorna não apresenta os comportamentosinadequados exibidos em casa. Não apresenta crisese, aliás, mostra-se bem, saudável, calma e funcional,

comprovando-se a hipótese de escolha pelo retorno.Muitos pais sofrem ao constatar tal quadro e nãoraramente trazem depoimentos de que viram seusfilhos rirem e ficarem visivelmente contentes eradiantes após ouvirem deles advertências de quevoltariam à comunidade terapêutica. Por que ascrianças, muitas vezes, optam pelo retorno?Aspectos envolvendo violência doméstica devem seraveriguados de forma que o psicólogo possa intervir,mas são realmente minoria. Os motivos são diversos,mas há um conjunto de fatores em comum que podeser aqui listado. Primeiro, as crianças portadoras detranstornos mentais parecem necessitar de limites edisciplina e parecem sentir-se mais seguras com isto.Uma comunidade terapêutica pode lhes oferecer issoem nível adequado, pois consegue controlar variáveisdo ambiente, tais como conturbações, desordemexacerbada ou ruídos em demasia. Este controleparece diminuir os comportamentos inadequados.Segundo, estas crianças parecem gostar de rotina,horário, atividades estimulantes que coadunam aosseus quadros; gostam de espaço, de água (piscina),de cantos seus e seus pais nem sempre lhes podemoferecer tais condições. E terceiro, as crianças parecemprecisar e preferir ser atendidas no que realmentenecessitam e não ser sufocadas com privilégios emdemasia. A estrutura familiar precisa estar harmônicae seus pais reavaliarem o estado de tensão reinanteem casa. Dizer não também é amar, e optar em voltarà comunidade terapêutica não significa de formaalguma desamor à sua família. Sinaliza necessidadede mais reformas, orientação e reestruturação afetivae comportamental em casa.

Casos há, ainda, onde os pais comportam-se deforma a levar a criança ao retorno à comunidadeterapêutica. Muitas vezes agem sem consciência.Também não o fazem por desamor, mas poracomodação em boa parte dos casos. Como resistemàs mudanças de seu ambiente doméstico, àsmudanças de sua rotina e experimentam longosperíodos de tranqüilidade e despreocupação,racionalizam que o melhor para seu filho é a vida nacomunidade terapêutica. Noutros casos, os paisresistem às melhoras do filho porque precisam,inconscientemente, de um referencial negativo nafamília perante a sociedade - no caso, a criança-problema - para justificarem frustrações, fracassosou inabilidades e posicionarem-se como vítimas. Maisuma vez, há de se tomar cuidado para não estabelecerjulgamentos, pois que novamente estes pais precisamé ser orientados e atendidos. E o psicólogo tambémaqui pode exercer importante tarefa neste sentido.

Casos outros existem onde a criança foidefinitivamente abandonada. Não possui lar. Não háfamiliares acompanhando. Não há referência deendereços, conhecidos ou origem fidedigna. Porém,o tratamento a tais crianças não pode ser diferenciado.São seres humanos e dignos de atenção, carinho,respeito e amor. Assim, a sociedade deve reivindicarpor uma ação do Estado como mantenedor.

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Entretanto, quase sempre esse ideal não ocorre e acomunidade terapêutica precisa prover tais crianças.Deste modo, a estrutura administrativa dacomunidade terapêutica deve prever e estar apta areceber alguns casos isolados de abandono. Porém,tal possibilidade não deve, absolutamente, justificaro abandono de seres humanos deficientes ouenaltecer o ego dos administradores de comunidadesterapêuticas. O profissional que lida com o serhumano deve respeitá-lo pela condição humana emsi e não por ser mais ou menos assistidofinanceiramente. Aliás, respeitar o outro não éprivilégio, mas dever de cada um. De qualquer forma,exercer cidadania é direito irrestrito. Os pais, familiares,profissionais doutos ou não podem, merecem e devemrecorrer ao Estado para financiar, participar e construircomunidades terapêuticas gratuitas - e competentes,com infra-estrutura adequada e profissionais aptos -com a finalidade de atender a esta parte da população,que por apresentarem quadros graves, crônicos, taiscomo psicose e alta agressividade, o tratamentomediante internação é a melhor opção. O psicólogotambém pode orientar os pais, carentes ou não,informando-lhes sobre leis vigentes ou possibilidadesde recorrer ao auxílio público.

A orientação aos pais é sempre a temática essenci-al. Mas quais as formas de orientá-los? Além dos aten-dimentos convencionais, fechados na sala do consul-tório, em diálogos restritos entre o psicólogo e, ora aum dos pais, ora aos dois e vezes a pequenos grupos defamiliares, ou indo assisti-los em seus lares, uma outraalternativa muito eficaz é a de promover um atendi-mento familiar em grupo, ou terapia de grupo, sistemá-tico dentro da comunidade terapêutica ou em amplosespaços, onde os familiares e amigos das diversas crian-ças internadas, ou já em casa mas que passaram pelointernamento, podem se encontrar, se conhecer e de-bater a respeito do quadro de seus filhos e de si própri-os, expondo questionamentos a respeito dos transtor-nos mentais, dividindo a angústia da vida diária comseu filho e as limitações de suas vidas. Podem trocarexperiências, apoiarem-se, criticarem-se, informarem-se. Desabafarem-se e confortarem-se. Muitas vezes olenitivo é mais eficiente quando encontrado naqueleque sofre tanto quanto ele do que o oferecido por umprofissional especializado, mas que não possui um fi-lho deficiente. É uma questão de identificação. O psicó-logo não deve sentir-se inábil ou desmerecido, por ou-tro lado, deve ter em mente que o seu papel é o deconduzir a reunião e responder com empatia e lingua-gem acessível a dúvidas sobre aspectos clínicos e psico-lógicos do portador de transtorno mental e seus famili-ares envolvidos. Esclarecer sobre ações terapêuticas efi-cazes utilizadas, modificação comportamental, termosusuais e seus significados, sexualidade, educação espe-cial, saúde e higiene é a sua tarefa. Enfim, servir comoreferencial, como alguém que conhece a problemáticae se dispõe a orientar sempre, tanto aos familiares e paisquanto a amigos ou profissionais afins, estando a crian-ça na comunidade terapêutica, em casa ou em outras

instituições é um novo perfil de profissional que come-ça a ser conhecido e divulgado.

Uma comunidade terapêutica deve ser concebidacomo um serviço à saúde humana. Quando necessáriae solicitada ela deve visar a estabilizar ou melhorar qua-dros clínicos graves. A vida é bem único; um direito. Elatem de ser melhorada, sempre que encontre possibili-dade e oportunidade. O internamento deve viabilizaressa possibilidade oferecendo uma oportunidade.

Endereço para CorrespondênciaRua Belisário Leite 52, Bairro Bela Vista, Cep:

36300-000, São João Del Rey - MG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:1. Caballo, VE. MANUAL DE TÉCNICAS DE

TERAPIA E MODIFICAÇÃO DO COMPORTAMENTO.São Paulo. Livraria e Editora Santos, 1996.

2. Carvalho, GC - QUÍMICA MODERNA. SãoPaulo: Editora Scipione, 1997.

3. CID 10 - ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE.CLASSIFICAÇÃO DE TRANSTORNOS MENTAIS E DECOMPORTAMENTO -. Porto Alegre. Artes Médicas, 1993.

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6. ________. DISTÚRBIOS PSIQUIÁTRICOS ENEUROLÓGICOS, In: FOURNIOL, A . Filho. PACIENTESESPECIAIS E A ODONTOLOGIA, São Paulo, LivrariaSantos Editora Ltda, 1998, Cap. VII, Pág. 295-336.

7. ________ . EXCEPCIONAIS, em: FOURNIOL, A .Filho. PACIENTES ESPECIAIS E A ODONTOLOGIA, SãoPaulo, Livraria Santos Editora Ltda, 1998, Cap. VIII,Pág. 337-406.

8. Gauderer, EC: AUTISMO E OUTROS ATRASOSDO DESENVOLVIMENTO - GUIA PRÁTICO PARA PAIS EPROFISSIONAIS. Rio de Janeiro, Ed. Revinter, 1997.

9. Harald WL., Rangé, BP. MANUAL DEPSICOTERAPIA COMPORTAMENTAL. São Paulo,Editora Manole Ltda, 1988.

10. Kehrer, THE AUTISMUS: DIAGNOSTISCHE,THERAPEUTISCHE UND SOZIALE ASPEKTE. RolandAsanger Verlag Heidelberg, 1989.

11. Leboyer, M. AUTISMO INFANTIL. Campinas,Ed. Papirus, 1987.

12. Rangé, B. PSICOTERAPIAS COGNITIVO-COMPORTAMENTAIS - UM DIÁLOGO COM APSIQUIATRIA. São Paulo, Ed. Artmed, 2001.

13. Rohmann, UH. & Facion, JR. BEHANDLUNGVON AUTOAGGRESSIONEN UNTER BESONDERERBERÜCKSICHTIGUNG VERSCHIEDENER METHODENDER BASIS-INTERAKTION, IN: THERAPEUTISCHEANSÄTZE IN THEORIE UND PRAXIS, HILFE FÜR DASAUTISTISCHE KIND, 1984.

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3º Milênio

CAPÍTULO XXXIV

A COMUNIDADE TERAPÊUTICA NOTRATAMENTO DE CRIANÇAS E ADO-LESCENTES PORTADORES DE AUTISMOINFANTIL E OUTROS TRANSTORNOSGRAVES DO DESENVOLVIMENTO

Paulo Berél SukiennikEmilio Salle

INTRODUÇÃOA Comunidade Terapêutica, ou Ambientoterapia,

sinônimos para alguns autores, tem sua origemhistórica em Pinel, no século XVIII.

Foi ele o primeiro psiquiatra a tentar "humanizar"o ambiente dos hospícios da época. Embora Sullivan,citado por Osório (1983) tenha sido quem primeiroutilizou o nome "comunidades sócio-psiquiátricas",deve-se a Maxwell Jones (1953) sua consagração.

Jones (1953) descreve esta modalidadeterapêutica "inovadora" salientando que o processosócio-cultural é parte integrante do processoterapêutico e que este processo resulta naComunidade Terapêutica, ou na Terapia Ambiental.Complementa que há "mudança no status comumdos pacientes", diferenciando de outros modelos deatendimento.

Sem dúvida, Jones (1953) introduz, aopensamento psiquiátrico uma nova e mais sensívelforma de vivenciar a doença mental por preconizaruma mudança geral de atitudes da equipe técnica,"corrigindo" a passividade do paciente frente aotratamento convencional.

Para compreendermos o que é uma ComunidadeTerapêutica reportamo-nos ao trabalho desenvolvidopela Clínica Pinel, de Porto Alegre, nos anos 60, localpioneiro que inspirou inúmeros trabalhos e reflexõessobre este tema.

BREVES ASPECTOS HISTÓRICOSFaria e cols. (1967) apresentam as linhas mestras

da organização terapêutica nesta instituição,descrevendo o funcionamento básico de umaComunidade Terapêutica. Com base na teoriapsicanalítica da personalidade como formulada porFreud, Melanie Klein, Bion e outros, estes autoresacreditam que "a comunidade terapêutica é umagestalt integrada por pacientes e terapeutas reunidospor um esquema temporal e espacial com o objetivode tratar as dificuldades emocionais dos pacientes".

Além disso, tudo isto deve acontecer dentro deum "clima" que inclua determinadas características,tais como: aceitação tolerante por parte dacomunidade das manifestações patológicas dos

pacientes; valorização e utilização das manifestaçõesintegradas da personalidade do paciente; empregode técnicas de ambientoterapia orientadasdemocraticamente; e supervisão constante em todosos níveis com o fim de manter a integridade dos seusmembros.

Essa filosofia terapêutica, praticada e divulgadapela Clínica Pinel de Porto Alegre, começa a ter cadavez mais, na década de 60, adeptos em nosso meio,além de ser fortemente influenciada pela proximidadecom a escola argentina, simbolizada por Rodrigué(1965), em seu trabalho "Biografía de una comunidadterapéutica", dentre tantos outros colegas platinos.

A Psiquiatria Infantil, ainda um campo novo edesconhecido, também toma contato com estasidéias. Algumas instituições, já em funcionamento,começam a lançar bases para o tratamento decrianças e adolescentes em instituição

Experiências como a descrita por Zimet e Farley(1985), em que são revividos quase trinta anos dofuncionamento, início, evolução, mudanças e metasde um hospital-dia americano, salientam aimportância da utilização de novos modelos teóricose técnicos no atendimento aos pacientes.

Na mesma época, Bruno Bettelheim (1976),dentre outros autores, inicia a fusão da teoriapsicanalítica com o tratamento institucional dascrianças autistas e psicóticas.

Inspirando-se no modelo ambientoterápico daClínica Pinel de Porto Alegre, em fins de 1965, éfundada na mesma cidade a primeira comunidadeterapêutica para crianças e adolescentes do Brasil,batizada de "Instituto Leo Kanner".

Esta instituição estabeleceu novos padrões deatendimento institucional para a área infanto-juvenil,adequando ao trabalho clínico modernas técnicaspsicopedagógicas, tornando-se centro de referêncianacional, segundo Osório (1988).

A técnica ambientoterápica, desde lá, vem sendoutilizada em nosso meio para inúmeros quadrospsicopatológicos, tais como: quadros neuróticos agudose graves, distúrbios borderline da personalidade,distúrbios de conduta, distúrbios evolutivos, distúrbiospsicossomáticos, dentre outros. Acredita-se ser tambémo tratamento de escolha para os casos de autismo infantile outras psicoses da primeira infância.

A COMUNIDADE TERAPÊUTICAHOJE

A comunidade terapêutica, ou ambientoterapia,passa a ser chamada, simultaneamente, de "EscolaTerapêutica", quando sua clientela é formada porcrianças ou adolescentes, embora alguns autorestentem distinguir aí duas modalidades distintas.

Osório (1988) coloca que o termo "EscolaTerapêutica" resgataria a unidade social básica paraesta faixa etária, ou seja, a Escola. É nesta quenormalmente ocorreriam as principais interaçõesentre as crianças e adolescentes.

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O processo terapêutico global de uma instituiçãodeste tipo deve repousar em quatro elementosfundamentais que funcionam num sentidoterapêutico integrado, quais sejam: os pacientes, aequipe terapêutica, as famílias e as atividadescomunitárias.

A eficácia deste método terapêutico depende daharmonia destes quatro subsistemas.

Além disso, a influência terapêutica, das maisimportantes, seriam as intensas e duradouras relaçõeshumanas desenvolvidas entre os membros da equipee os pacientes, sendo que os primeiros são modelosde crescimento para os últimos, buscando alívio daansiedade inapropriada e promovendo odesenvolvimento de padrões adaptativos,incrementando a motivação para o aprendizado eprovidenciando uma espécie de "lar seguro" para ospacientes desenvolverem-se.

A comunidade terapêutica de referencialpsicanalítico, nos quase quarenta anos de utilizaçãocomo instrumento terapêutico desde suapopularização, em 1953, por Maxwell Jones, sofreuinfluências práticas e teóricas. Novos conceitos vêmsendo incorporados. As teorias relacionadas cometiologia orgânica, técnicas comportamentais,abordagens educacionais, o uso mais eficaz depsicofármacos, as terapias de família, dentre outrosaspectos, ganham espaço e incorporam-se aospreceitos originais da Escola Terapêutica.

Logo, na tentativa de definir este método detratamento chamado Comunidade Terapêutica,utilizamos, até aqui, breves conceitos e experiências,além de apresentar os fundamentos teóricos básicos,de forma sumária.

Contudo, torna-se fundamental caracterizar o queconsiste hoje a Comunidade Terapêutica. Para tal,utilizamos a experiência da Comunidade TerapêuticaD. W. Winnicott, fundada em Porto Alegre por JoséOttoni Outeiral e outros, em 1983, instituição quetem suas origens na Escola Terapêutica Anna Freud,ala infanto-juvenil da Clínica Pinel, e que dáseguimento à tradição iniciada pelo Instituto LeoKanner em nosso meio.

Ao longo de aproximadamente nove anos deexperiência, também apresenta suas mudançasfilosóficas e práticas.

A EXPERIÊNCIA DE UMACOMUNIDADE TERAPÊUTICA

Situada em uma casa de dois andares, aComunidade Terapêutica D. W. Winnicott desenvolveatividades de cunho terapêutico e pedagógico, alémdo trabalho junto às famílias.

Os pacientes freqüentam um turno ou dois(manhã e tarde). São divididos conforme seufuncionamento mental e idade. Cada grupo, numtotal de dez (cinco em cada turno), tem seu nomepróprio, o que facilita a formação da identidade decada paciente.

As crianças e os adolescentes são estimulados aparticiparem ativamente de seu próprio processoterapêutico, sendo que a equipe deve se adequar aofuncionamento de cada paciente, tentandocompreender seu momento no ambiente e no meiofamiliar.

Acredita-se que aproximadamente quarentapacientes seja um número máximo aceitável para estetrabalho.

Os técnicos são considerados agentesterapêuticos indistintamente quanto à sua formaçãoacadêmica. Em cada grupo, de dois a cinco pacientes,trabalham diariamente os técnicos estagiários ouatendentes, numa proporção aproximada de umagente terapêutico para dois pacientes.

Ao estagiário ou atendente cabe a tarefa demanter o vínculo mais contínuo com os pacientes.Como salienta Osório (1988) a respeito do papel doatendente: "É sobretudo nele que os pacientesprojetarão suas imagos dos pais. E é da manipulaçãoquotidiana das figuras parentais, em suarepresentação na comunidade hospitalar, que seestabelecerão novos modelos de identificação deinegável valor reintegrativo".

É através do "manejo" que o agente terapêuticointervém no grupo de crianças. Estes contêm poucoselementos interpretativos, sendo utilizadasbasicamente técnicas de assinalamento e confronto,visando à reorganização egóica.

Ao psicopedagogo cabe a tarefa de incluir notratamento as técnicas psicopedagógicas eeducacionais, favorecendo o aprendizado e aaquisição de novos comportamentos, e umenriquecimento de conhecimentos. O planejamentode atividades é realizado semanalmente eseletivamente para cada grupo, conforme suasnecessidades atuais e respeitando seu momentoevolutivo. Várias áreas, tais como linguagem,alfabetização, sensações corporais, motricidade,reabilitação, higiene e conhecimento de si e domundo, são ensinadas.

Ao psiquiatra cabe o papel de "líder" dentro dogrupo, sendo que cada turno conta com umcoordenador. Este deve reunir-se diariamente com aequipe técnica para discutir os "manejos", asorientações terapêuticas para cada caso e asdificuldades surgidas diariamente no ambiente entretécnicos e pacientes. Deve ser aberto e sensível àsinúmeras e dinâmicas ocorrências dentro da clínica,estando capacitado para entender seu significado doponto de vista psicodinâmico, devendo terconhecimentos sobre a patologia, o funcionamentofamiliar e sobre os mecanismos grupais envolvidosno processo. Deve agir nas situações de crise dospacientes, dos técnicos ou da interação de ambos.

Além disso, é função do coordenador de turnorenunciar a seu papel psiquiátrico tradicional,ampliando assim sua atuação terapêutica.

Cada paciente tem seu terapeuta, um médicopsiquiatra que pode ou não estar envolvido nacoordenação do turno, quando participa como

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membro do staff. A este cabe o atendimento, pelomenos mensal, às famílias, como é preconizado, alémde ser responsável pelo planejamento terapêuticoindividual para cada paciente, orientando a equipequanto ao funcionamento familiar e àsparticularidades inerentes a cada caso, tais comoencaminhamentos a outros profissionais, comoneurologista, fonoaudiólogo, psicomotricista,pediatra, ou prescrevendo, quando indicado,psicofármacos, além de formular cada diagnóstico.

Além disso, a equipe conta com uma série deoutras pessoas, como o setor administrativo,consultores médicos, entre eles psiquiatras epediatras, direção clínica, científica, administrativa egeral.

Todo este staff acompanha, ao mesmo tempo,uma reunião terapêutica geral e uma específica decada área ou responsabilidade.

Em relação aos familiares, objeto de poucoestudo e publicações quanto a seu manejo dentro doambiente, este serviço apresenta algumas inovaçõeshistóricas. Ao longo destes nove anos de experiência,a filosofia em relação aos familiares é a que vemmudando mais rapidamente.

Se, num primeiro momento, estes não entravamno ambiente, sendo atendidos nos consultórios, e,por vezes, nem conheciam o ambiente, atualmentese acredita que as resistências da equipe frente aoangustiante trabalho com os familiares devam serquebradas.

Ao longo dos três últimos anos, os familiares sãoestimulados a participarem ativamente do esforçoterapêutico.

Grupos semanais de mães, assembléia geral depais, passeios conjuntos com pacientes, familiares eequipe, festas comunitárias, orientação terapêuticaaos pais, reunião com avós e irmãos, dentre outros,hoje em dia são atividades corriqueiras no trabalhoterapêutico.

Por fim, necessitamos descrever as atividadescomunitárias, ou socioterápicas, propriamente ditas.Dentre elas, salienta-se a técnica do "Grupo Operativo",da "Assembléia de Pacientes" e das "FestasComunitárias", além das atividades pedagógicas esocioterápicas no ambiente.

O Grupo Operativo é um meio utilizado,principalmente, com os pacientes mais integrados. Énecessário, pois, condições egóicas que permitamum mínimo de atividade verbal. Seu objetivo é, atravésdos postulados básicos da dinâmica de grupo,organizar um objetivo comum ao grupo, ou uma"tarefa" que fortaleça o sentimento de pertencer aum coletivo, desestimulando ansiedades psicóticas,"dissolvendo-as" de forma horizontal a todos,permitindo ao grupo uma melhora global, conformesalientado por Pichón-Rivière (1981).

A Assembléia de Pacientes é um instrumento quevisa a facilitar a comunicação entre técnicos epacientes, permitindo alívio das ansiedadesparanóides, integrando os membros da instituição evisando à democratização do sistema.

Sua utilização depende da experiência com queo líder compreende e integra os diversos conteúdosdo material depositado pelos pacientes e equipe. Exigesupervisão constante e tolerância do coordenador dogrupo, segundo Duarte e cols. (1983).

A promoção de Festas Comunitárias funciona deforma socioterápica, interagindo pacientes e técnicosou, por vezes, familiares, sendo importante acompreensão e o manejo dos mecanismosesquizoparanóides, depressivos e emocionais em taiseventos, como descrevem Silva e cols. (1985).

As principais datas nacionais, as estaduais e asreligiosas, como Natal, São João, Páscoa, Semana daPátria, são sempre bons motivos para realizar estetipo de atividade. Além disso, todo aniversário depaciente ou despedida de alta é comemorado,visando à valorização do indivíduo no grupo e, porconseguinte, sua individuação.

A Comunidade Terapêutica D. W. Winnicott,funcionando desde 1983, juntamente com outrasComunidades Terapêuticas, tenta manter os preceitosbásicos da estrutura de uma Comunidade Terapêutica,adaptando e criando, em cima de lacunas teórico-práticas, ao trabalho com crianças e adolescentes.

Muitas questões ainda ficam abertas, e muito dofuncionamento pode e deve ser estudado. Contudo,é para nossa equipe uma fonte inspiradora para amanutenção deste trabalho ao mesmo tempointrigante e envolvente.

AUTISMO INFANTILO nascimento de uma criança pode ser um

evento bastante agradável, mas também umaexperiência emocional estressante. Junto aos desejosconscientes de conceber um bebê saudável e semqualquer defeito, costumam existir fantasias de que ofilho virá com qualidades suficientes para suprircompletamente todas as expectativas e sonhos dos pais.

Afetando o indivíduo em uma fase muito precocede seu desenvolvimento, o autismo costuma causardistúrbios em diversas áreas de funcionamento,prejudicando a aquisição e a integração de habilidadesvisomotoras, de linguagem, locomotoras, demotricidade, além de transtornos do pensamento erelacionamento social, dificultando intensamente ovínculo mãe-bebê. A coexistência freqüente de algumgrau de retardo mental confere ainda maior gravidadeao quadro. Tudo isto provocará um impacto deconsequências imprevisíveis em nível defuncionamento individual e familiar.

A síndrome autística, originalmente descrita porLeo Kanner em 1943 (Aberastury, 1984), teveevoluções em suas orientações terapêuticas, ao longodo tempo. A precocidade, severidade e amplitude deáreas de funcionamento atingidas indicamclaramente a necessidade de uma abordagemterapêutica também precoce e multidisciplinar,centralizada em um ambiente estruturado e contandocom os recursos farmacológicos, psicopedagógicos,psicoterapêuticos e ocupacionais, e envolvendotambém os familiares de uma maneira integrada.

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AUTISMO E PSICANÁLISEDentre as correntes do pensamento científico que

mais contribuíram para o avanço no reconhecimentoe tratamento deste tipo de psicose precoce, destaca-se, inicialmente, a psicanálise. Contribuições teóricase técnicas envolveram autores consagrados, comoMahler (1962), Rank (1970) e Kanner (1965), eprosseguiram com grupos de pesquisa coordenadospôr Tustin, Diatkine, Lebovici e Meltzer, entre outros.Margareth Mahler utilizou o estudo de pacientes compsicoses de início precoce no estabelecimento de ummodelo do desenvolvimento infantil normal epatológico. Considerou crucial a etapa em que acriança consegue diferenciar a representação em si ea do objeto, abandonando então a posição autística,o que não ocorreria nos pacientes autistas. Rank et al.(1979) descreviam crianças com "desenvolvimentoatípico" e propunham abordagens psicoterápicas parao paciente e seus pais, considerados, então, elementos-chave no desenvolvimento da patologia psicóticainfantil. Mais recentemente, psicanalistas ingleses,como F. Tustin e D. Meltzer, têm desenvolvido estudossobre a questão do autismo. Tustin (1975) fazreferência a dois tipos principais de defesa que opaciente autista utiliza, buscando evitar o intensosofrimento psíquico que seria central às psicosesinfantis, a "depressão psicótica". Uma forma defensivaseria a constituição de uma "carapaça psíquica", outraseria a "confusão eu/não eu", ambas proporcionandoa negação maciça das diferenças e da separação entreo self e a realidade externa. Meltzer destaca o"desmantelamento do ego", enfatizando também opropósito de evitação do sofrimento psíquico atravésde tais defesas primitivas. Centrando as possibilidadesterapêuticas em permitir a formação dos primeirossímbolos e fazer avançar a introjeção dos vínculos,Haag (1991) indica alguns aspectos da técnicaespecífica com estes pacientes, como a proposta deuma "zona de comunicação simbiótica estreita" , como objetivo de cada um fazer uma pequena parte, e o"falar por dois, propondo um modelo de diálogo",sem submeter-se à tentativa de controle onipotenteda criança. Refere também a importânciafundamental de buscar momentos de "prazercompartilhado", associando comentários, sempre quepossível, sobre as emoções emergentes. A introjeçãodos vínculos seria, para este autor, o modo básico depermitir o avanço da consciência de separação.

Pensa-se que o oferecimento e a manutenção deum setting previsível, aliados à capacidade doterapeuta em ser continente para as ansiedadespsicóticas do paciente, sejam essenciais notratamento de orientação psicanalítica destes casos.A introdução de alguns parâmetros, como acontenção física nas agitações psicomotoras e/oucondutas de automutilação, uma. postura mais ativado terapeuta, incluindo "condutas paralelas", em quehá a imitação das atividades estereotipadas, cominserção da denominação das coisas e do que vaiocorrendo na interação terapêuta-paciente, e uma

postura parental calorosa, são aspectos técnicosutilizados nestes tratamentos. A compreensão dasfantasias produzidas pelas crianças autistas, e depoiso dar palavras às idéias antes mudas, inconscientesou simplesmente atuadas, são passos importantespara ajudar os pacientes a compreenderem suasdistorções da realidade e a dominá-las. Seriaimportante também não fazer exigências cognitivasmaiores do que as possibilidades de cada momentodo paciente; e estas poderão incluir até mesmo odesconhecimento do nome do terapeuta, em umestágio em que ainda não possui uma imagem doterapeuta que seja distinta da de si próprio. O conceitode holding (Tustin, 1990; Winnicott, 1975) poderiacaracterizar a função que a organização do setting edas atividades terapêuta-paciente devem fornecer.

A tentativa de resgatar os pacientes autistas dosevero estado de retração emocional, através detécnicas que buscam o insight e a reorganizaçãoegóica, vem, no entanto, perdendo espaço nas últimasdécadas. Estratégias centradas em métodoseducacionais e comportamentais têm sido citadascomo alternativas no tratamento do autismo (Rutter,1985; Tsai, 1986). Alguns autores questionam, noentanto, se as modificações da conduta assim obtidasteriam significado emocional para o paciente outrariam apenas supressão de sintomas, nãoacrescentando ou mesmo diminuindo, a suacapacidade para pensar e ser.

É provável que diferentes graus de severidadepermitam distintas abordagens. Pacientes queconseguiram chegar a um nível de desenvolvimentomaior da linguagem, inteligência e conduta maisintegrada beneficiam-se potencialmente mais depsicoterápias dirigidas ao insight (Fish e Ritvo, 1979).

Embora raros psiquiatras sustentem hoje a posi-ção enunciada em 1957 por Szurek (1955), de que apsicose infantil "é inteiramente psicogênica", um en-tendimento psicodinâmico do paciente e dos mem-bros-chave da família parece ser muito valioso para odelineamento do atendimento, independentementedas modalidades terapêuticas a serem utilizadas.

ESCOLA TERAPÊUTICA ECOMUNIDADE TERAPÊUTICA

Devemos ressaltar que, após análise em todosos níveis de funcionamento, conclui-se que acomunidade terapêutica , apesar de aproximar-se deum modelo pedagógico, não pode ser chamada, ouconfundida, com uma escola terapêutica,propriamente dita, pelas seguintes razões:

a) o local estudado mantém a tradição historicamen-te observada de ser muito mais uma instituição detratamento, de modelo ambientoterápico bem de-finido, com ênfase muito mais nos sintomas psi-quiátricos;

b) a equipe ainda sente o local como uma clínica;c) uma boa parcela dos pacientes freqüentam outras

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3º Milênio

instituições de ensino tradicionais;d) não há referencial de bibliografia para formar um

campo teórico apropriado para preconizar a escolaterapêutica como um método de escolha paradeterminados alunos;

e) há uma dicotomia muito estratificada, em termoshistóricos, entre instituições que tratam e as queensinam, havendo inclusive muitos locais queavançaram no sentido oposto, ou seja,especializaram-se nos aspectos pedagógicos dospacientes;

f) não há preparo técnico suficientemente adequadopara aprimorar este método de abordagem;

g) a gravidade dos quadros psiquiátricos gera nasequipes sentimentos de impotência e promovelimitações, às vezes reais, de lidar com umagama excessiva de atrasos emocionais ecognitivos, o que incentiva o aprimoramento dostécnicos em áreas específicas de atuação,dificultando a visão global do indivíduo.

h) algumas patologias tais, como a síndrome doautismo infantil ou os distúrbios borderline, bemcomo uma série de patologias psiquiátricas,ainda não têm a etiologia e o método detratamento bem definidos, dificultando a futuraorientação em cada caso.

É importante ressaltar que a comunidadeterapêutica pode transformar-se numa escolaterapêutica, principalmente no que diz respeito aospacientes que não têm acesso ao ensino tradicional,desde que promovidas algumas mudanças.

A segunda constatação do presente estudo dizrespeito à questão da fronteira entre os aspectoseducacionais e os terapêuticos, desenvolvidos comas crianças e adolescentes no local observado.

COMUNIDADE TERAPÊUTICA EAUTISMO

Acreditamos que o método terapêuticodesenvolvido na comunidade terapêutica- aambientoterapia- seja um dos métodos de escolhano tratamento do autismo infantil e de outrostranstornos graves do desenvolvimento, pois permiteque o trabalho seja dividido, num primeiro momento,entre vários agentes terapêuticos, oriundos de váriasformações profissionais. Psiquiatras, psicólogos,psicopedagogos, educadores, fonoaudiologos,estagiários, atendentes, e outros profissionais podemajudar-se mutuamente no trabalho diário comquadros tão graves que podem ser melhorcompreendidos quando se trabalha em equipe. Ossentimentos gerados do envolvimento profissionalcom essas patologias são melhor elaborados quandose tem a possibilidade de dividir, dentro de um espaçocomo a comunidade terapêutica, com demaismembros.

Na comunidade terapêutica, o trabalho equilibraos aspectos essenciais da educação com efeitosterapêuticos, visto que esse tipo de instituição

funciona como uma micro-sociedade reprodutorada macro-sociedade. As rotinas estruturadas na vidacomunitária da instituição são fatores psicológicos esociais que funcionam como parâmetrosfortalecedores do processo de aprendizagem (DeLeon, 1990-91).

Em síntese, a comunidade terapêutica paracrianças e adolescentes é, antes de tudo, um espaçoem que os pacientes podem desenvolver-secriativamente. Seu objetivo é o crescimento depossibilidades salutares através da interaçãocomunitária. É a busca, em última instância, da saúdemental pelo coletivo.

Salientamos a importância do estudo de DonaldWinnicott (1975) sobre o trabalho institucional. Suaprofunda preocupação com a vida e a saúde dascrianças traz ensinamentos fundamentais ao trabalhocomunitário. Os conceitos a respeito do "brinquedo",do "espaço potencial" e dos "objetos transicionais"preenchem lacunas importantes para o trabalhodiário com os pacientes. Winnicott (1975) propõequestões relevantes sobre o brincar pelo fato de, aí, acriança ou o adulto trazerem sua liberdade de criação.Em última instância, a comunidade funcionaria comoum "espaço potencial" entre o mundo interno e arealidade externa, visto que o ambiente facilita eestimula a criatividade através do brinquedo. "Obuscar só pode vir a partir do funcionamento amorfoe desconexo, ou talvez, do brincar rudimentar, comose numa zona neutra. É apenas aqui, neste estadonão integrado da personalidade, que o criativo, talcomo o descrevemos, pode emergir... Isso nos dáindicação para o procedimento terapêutico: propiciaroportunidade para a experiência amorfa e para osimpulsos criativos motores e sensórios queconstituem a matéria-prima do brincar. Não somosmais introvertidos ou extrovertidos. Experimentemosa vida na área dos fenômenos transicionais, noexcitante entrelaçamento da subjetividade e daobservação objetiva, e numa área intermediária entrea realidade interna do indivíduo e a realidade externacompartilhada do mundo externo aos indivíduos".

Um ambiente que favoreça o holding, citado porWinnicott (1975), é especialmente aplicável apacientes que tendem a "atuar" seus conflitos emdetrimento de experimentá-los internamente. Osindivíduos que já possuem a habilidade para lidarcom as tensões internas não necessitariam doambiente para tal fim.

COMENTÁRIOS FINAISChamamos a atenção dos profissionais de

educação, educação especial, psicologia e psiquiatriainfantil, além de outras áreas, sobre a importância deaprofundar a aproximação por meio de estudos oude reflexões, entre abordagens pedagógicas etécnicas terapêuticas desenvolvidas com crianças eadolescentes com distúrbios emocionais. Os esforçosdevem ser somados. Existe um campo teórico-práticopouco explorado, no que diz respeito á distinção

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

entre o tratamento e o ensino de uma criança oujovem com problemas mentais. Não há fronteiras:há maneiras diferentes de entender o mesmofenômeno.

As propostas para as instituições, cuja finalidadeé cuidar e ajudar indivíduos com problemas mentais,passam pela idéia de revisar os objetivos nosentido de unir as metas a serem alcançadas, sobtodos os ângulos da aprendizagem e dapsicopatologia.

Em relação à formação e a estruturação de umaescola terapêutica, ficam algumas sugestões ereflexões.

O primeiro passo é questionar a validade daexistência de dois tipos de instituição: a comunidadeterapêutica e a escola terapêutica, em se tratandode crianças e adolescentes. A comunidadeterapêutica pode transformar-se efetivamente numaescola terapêutica, se unir os conceitos já existentes,aos métodos pedagógicos.

Por ser um método de tratamento com amplaspossibilidades de auxiliar na aquisição de novospadrões de crescimento pessoal dos indivíduos, aquestão do ensino dentro da instituição, é uma lacunaque necessita desenvolver-se.

Observa-se que a técnica conhecida porambientoterapia, praticada nas comunidadesterapêuticas, demonstra existir uma íntima relaçãoentre as técnicas ditas terapêuticas com as técnicasditas pedagógicas, desenvolvidas com os pacientes.

No momento, não é possível uma distinçãoprático-teórica, em relação à comunidadeterapêutica infanto-juvenil, no que diz respeito àsatividades desenvolvidas com os pacientes. Estasparecem desempenhar funções recreativas queabrigam pacificamente todas as formas de possívelajuda às crianças e adolescentes. Quando há sucesso,este converge tanto para aspectos afetivos, sociaise sintomáticos, como para processos cognitivos eintelectuais.

Num sentido mais amplo, se tomarmos comobase a contribuição de Winnicott (1975), nossaexpectativa é que os indivíduos atendidos lidem, omais possível, com sua criatividade, como o"brincar", e com a busca do eu, de forma plena, livree sadia.

Sabemos de muitos alunos matriculados emescolas tradicionais que necessitam de ajudapsiquiátrica. Shelby (1988) calcula que pelo menos10% da população escolar é encaminhada a serviçosde saúde mental, e que mais de 90% de estudantesamericanos no período de 1978 e 1982, necessitadosde intervenção psiquiátrica, apresentavamproblemas de aprendizagem.

Não se trata aqui de discutir a importância dasclasses ou escolas especiais, questão que transcendeos objetivos deste artigo. Essas instituições

pedagógicas tradicionais são de muita importânciae também devem ser ampliadas.

Contudo, a escola terapêutica, se bem orienta-da e organizada, é um método promissor, principal-mente para os pacientes que não têm acesso a qual-quer tipo de instituição de ensino como formal-mente concebida, seja ela classe especial ou não. Aidéia é adaptar alguns preceitos educacionais aoprocesso já desenvolvido pela ambientoterapia.

A comunidade terapêutica aqui é preconizadasobretudo para os pacientes que não freqüentam, eque, provavelmente, jamais freqüentarão o ensinoregular. Como escola terapêutica a ser estruturada,ficam algumas propostas para uma futuraexperimentação e, se necessário, reformulação.

Para pacientes com distúrbios graves, acredita-mos que continua sendo um caminho para sua ten-tativa de individuação.

Endereço para CorrespondênciaRua João Abott 503/205, Cep: 90460-150, Porto

Alegre - RS.

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3º Milênio

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULO XXXV

A DINÂMICA DE UMA EQUIPEMULTIDISCIPLINAR ESPECÍFICA PARA AS-SISTÊNCIA DOS PORTADORES TIDINSERIDA NUM CONTEXTO HOSPITALAR.

"Tudo o que nós seres humanos fazemos ocorrena constituição de um domínio social, tornacada ação humana uma declaração ética quevalida a forma de coexistência"

Humberto Maturana

O atendimento aos portadores de Síndrome deAutismo Infanti l e das demais Síndromesclassificadas como TID ( Transtornos Invasivos doDesenvolvimento) são abordados por uma equipeinterdisciplinar, denominada SEADDA ( Serviço deAtendimento e Diagnóstico Diferencial de Autismo),no Centro Psicopedagóico - CPP, vinculada àFundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. OCPP é um hospital psiquiátrico infantil que existehá 53 anos e que presta atendimento a todo oEstado de Mina Gerais na área de saúde mental

infanto juvenil. Possui portanto estruturaassistencial ampla com serviços ambulatorial(médico, todo aparato não-médico da área inclusiveodontológico), de atendimento a crise comohospital-dia, de internação com participação defamiliar ou acompanhante ou simplesmente comoorientador a família e/ou outros profissionais queacompanham a criança em outro serviço.

A SEADD ocupa espaço próprio e que vem sendoadaptado para abordagens diversificadas no âmbitoda psicopedagogia, psicologia comportamental,psicomotricidade, integração sensorial, musicotera-pia, atendimento familiar e a metodologia TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas Crianças comDéficit relacionados a Comunicação). Esta equipe écomposta por uma assistente social que é também acoordenadora da equipe, uma fonoaudiologa, umafisioterapeuta, um monitor de música, uma psicólo-ga clinica, uma psicóloga psicomotricista, uma psi-quiatra infantil, uma terapeuta ocupacional e umaauxiliar de enfermagem.

O atendimento é direcionado para crianças eadolescentes na faixa etária de 3 a 18 anos.

Na lide da complexidade dos casos atendidos,preconizou-se uma prática multidisciplinar, que vaise configurando numa prática interdisciplinar namedida em que as diversas especialidades secompletam, interagem e intervém entre si, efetuandoa conexão dos diversos saberes.

Segundo Edgar Morin, "o ser humano não precisadominar todos os saberes, mas efetuar a conexão entreos saberes. A visão do todo é uma responsabilidade ética,considerar as relações interpessoais sem perder a noçãoda dimensão das partes que seria uma visãoreducionista.As teorias são parciais, é o nosso olhar quevai fazer as conexões entre elas."

Imbuídos destas idéias, os membros da equipecoordenam suas ações e especificidadesprofissionais, numa perspectiva conjunta dediscussão, apoio às famílias e recepção deinstituições como APAE's e escolas especiais paraorientações e abordagem de casos novos e daquelesjá acompanhados no serviço.

A recepção dos casos novos ocorre em uma tria-gem da qual participam todos os profissionais. Osetting desta triagem é amplo, com objetos lúdicosdiversos. É feita uma anamnese geral e apreensão dademanda. Diagnóstico? Orientação? Encaminhamen-to? Acompanhamento?

Os casos que permanecerão no serviço serãoencaminhados para os atendimentos específicos. Aequipe se baliza, quanto ao diagnóstico, no CID10 eDSM IV. Os encaminhamentos para pediatria,neurologia, genética, odontologia e outros sãorealizados quando necessários. As intervençõesterapêuticas são realizadas pelos profissionais daequipe, de acordo com cada caso e as necessidadesdestes.

Há uma reunião semanal com todos os compo-nentes da Equipe onde são discutidos casos clínicos e

49. SUKIENNIK, P. B. Escola Terapêutica paraCrianças e Adolescentes: Conceituação ePerspectivas. Dissertação de Mestrado em Educaçâo.Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande doSul. Porto Alegre:PUC, 1993.

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questões administrativas. Uma vez por semana a Coor-denadora da Equipe participa de reunião administrativacom a Direção do Hospital e os Coordenadores das ou-tras Equipes.

Existe também um espaço para interlocução comas famílias, denominado "Escola de Família", que acon-tece em reuniões periódicas.

Acreditamos que, famílias, profissionais e comu-nidade são elos fundamentais para a construção deum trabalho conjunto com esta clientela especial, quedesperta em nós dúvidas, crenças, alegrias e empenhomútuo.

O trabalho será apresentado por partes de formaseparada por motivo instrutivo, mesmo que na práticaelas não são tão estanques quanto possa, errôneamente,parecer à leitura.

FISIOTERAPIACristina Araújo Costa Oliveira

A inserção da Fisioterapia na equipe aconteceuem 1999, num processo de aprendizado mútuo pelaequipe que já se encontrava estabelecida e afisioterapeuta que chega trazendo uma experiênciapara ser adaptada para esta clientela. Comoconseqüência deste encontro, com a conexão dossaberes interdisciplinares, foi-se criando uma práticacoesa onde um profissional passa a contribuir com ooutro , propiciando maior efetividade e alcance doprojeto terapêutico estabelecido.

Desde então, os pacientes TID que apresentamalgum tipo de "disfunção motora" são encaminhadosà fisioterapia.

Tomando-se como exemplo o caso do paciente,F., 16 anos, é possível visualizar de forma concreta aconstrução da interligação da fisioterapia e demaisprofissionais da equipe SEADDA.

F. , com diagnóstico de autismo infantil +deficiência mental grave foi-me encaminhado pelafonoaudióloga da equipe que iniciou com o paciente(pr.) um trabalho de comunicação alternativa, enecessitava que ele fizesse gestos que correspondiamao alimento que desejava, no caso, uma fruta. Estaopção foi estudada com a família dentro de umcontexto do interesse da criança .

Na avaliação fisioterápica , F. apresentou ( emsíntese ) quadro de hipotonia generalizada, protusãoabdominal , hiperlordose lombar, paresia direita edistúrbios na marcha. Nos membros superiores, tinhadificuldade em executar e manter a elevação do braçoe graduar o movimento, apresentava limitação dasamplitudes de movimentos (elevação e abdução doombro), além de movimentos estereotipados quefixavam sua atenção e dificultavam as intervençõescom os mesmos.

No tratamento, através do estimulo do uso dosmembros superiores, objetivou-se recuperar o tônusmuscular, liberar as amplitudes de movimento,recuperar a capacidade de graduação do mesmo e o

uso dos braços e mãos com função e em resposta auma ordem dada . O programa foi iniciado commovimentos passivos repetidos, feitos sempre numaordem correta e com antecipação para pr. do que iaser feito. Depois foram introduzidos movimentos ativo-assistidos e posteriormente passou-se a executarexercícios ativos com uso de objetos como bola, bastãoe outros materiais.Com o tempo, F. passou a fazer osmovimentos solicitados , apesar de continuar com osmovimentos estereotipados presentes anteriormente.À medida que progredia, foi trabalhado a melhorageral do tônus , a postura e a marcha . A mãe de pr .acompanhava as sessões e repetia em casa asorientações dadas . F. conseguiu aprender e executaros gestos trabalhados com a fonoaudióloga. O pacienteera acompanhado também pela psiquiatra da equipee pelo neurologista da Instituição.

Em um outro caso , N. , 10 anos, uma pacienteportadora de Síndrome de Rett , a fisioterapia foisolicitada para melhorar a marcha e o equilíbrio dapaciente que caminhava nas pontas dos pés. N. apre-sentava encurtamento significativo da musculaturada panturrilha (gastrocnêmio e sóleo), distúrbio noequilíbrio e membros superiores com movimentosrepetitivos de esfregar as mãos, característicos dasíndrome. O tratamento fisioterápico teve como ob-jetivos melhorar e manter a marcha independente depr. ; estimular o equilíbrio ; aumentar a força muscu-lar e a mobilidade das articulações, trabalhar a postu-ra e prevenir deformidades e complicações respirató-rias. Na musicoterapia, os exercícios que estimula-vam o apoio do calcanhar no chão e o equilíbrio eramnovamente estimulados. Além destes atendimentos,pr. é acompanhada pela psiquiatra e sua família éacompanhada pela assistente social da equipe .

Em todos os casos atendidos pela fisioterapia, otrabalho integrado com outros profissionais da equi-pe. que acompanham o paciente, seja ele apsicomotricista, a psicóloga , a terapeuta ocupacional,o musicoterapeuta, a assistente social e a psiquiatriaé de extrema importância, uma vez que umcomplementa e possibilita a atuação do outro, bus-cando um mesmo objetivo, qual seja: o bem estar dopaciente. Além deste trabalho, é de igual importân-cia a participação da família e escolas ou instituiçõesque atuam com a criança.

FONOAUDIOLOGIAÉrica Gomes Fornero

Sendo o distúrbio de comunicação o foco dafonoaudiologia, e, nitidamente, um aspecto marcantedo quadro clínico de indivíduos portadores de algumtipo de Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID),vamos refletir sobre o tipo de abordagem que os mesmosnecessitam nesse aspecto, suas bases e dinâmica,particularmente no SEADDA.

É indiscutível que tal distúrbio é determinado porsérios comprometimentos lingüísticos, que envolvem

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

os mecanismos de compreensão e expressão, mas que,no entanto, não são fatores isolados ou os únicos . Háuma contínua associação com outros tipos de déficits,aonde se mantém um esquema mútuo de ação e reação:interrelacionam-se transtornos atentivos, perceptivos ecognitivos, assim como motores, psicomotores epráxicos, além de características, circunscrições edeturpações específicas de ordem comportamental,pulsional e sócio-interativa que, muitas vezes, sãoinclusíve os grandes maximizadores dos transtornoslingüísticos propriamente ditos.

Outra questão fundamental é que, ao lado dessagama de inabilidades, é comum a ocorrência dehabilidades sobressalentes e particularidades no que dizrespeito a certas modalidades de funções mentaissuperiores, o que é freqüentemente notado em algunscasos de autismo e na síndrome de Asperger.

O conjunto de todos esses aspectos determina umasintomatologia comunicativa característica do grupo -TID que varia quanto a qualidade, presença epredominância dos sintomas, de acordo com o tipo detranstorno invasivo e aspectos individuais do paciente.A consideração desse conjunto é o ponto central doraciocínio e dinamismo terapêutico, o que exige umaabordagem fonoaudiológica diferenciada e delineada.Nesse sentido, a dinâmica da mesma, no SEADDA,respeita os déficits e características próprias de seesperar, de acordo com cada modalidade de TID, seusmecanismos de intercausalidade, assim como asespecificidades e habilidades individuais do paciente(que também são variáveis),procurando cumprir osobjetívos terapêuticos. Os objetivos relacionam-se aosaspectos que estão determinando os déficits e em linhasgerais, envolvem:

Trabalhar• O pragmatismo das condutas comunicativas.• A focalização, perduração e seleção atentiva,

pragmaticamente com o contexto e o objetivoterapêutico.

• O uso adequado dos esquemas linguísticos, em nívelmental.

• Os mecanismos de compreensão priorizando meiosde "input" mais favoráveis ao dado paciente (fala?Meios alternativos de comunicação?).

• Os mecanismos de expressão priorizando meios de"output" compatíveis com suas maiores habilidades ecapacidades no momento (cognitivas, motoras, etc),assim como sua práxis.

Suprimir

• Caracteres autorregulatórios de condutas expressivas,substituindo-os por comunicativos.• Condutas comunicativas-expressivas sócio-nocivas,assim como a impulsividade.

Desenvolver

• O nível mental lingüístico e representativo.• a decodificação e significação dos estímulos.• as capacidades de integração dos estímulos, com-

preensão sintética e de conclusão.• o pensamento antecipatório.

• a compreensão das relações de causa e efeito dosestímulos entre si.

• a intenção comunicativa e de resposta ao outro.• condutas comunicativas expressivas com significado,

viabilidade social, coerência e funcionalidade.• ações dotadas de objetivo.• tipos variados de funções comunicativas nas

condutas, inclusive as que envolvem aspectossócio-afetivos.

• segurança, autonomia e bem-estar.

Trabalhos visando debilidades oromiofuncionaise em nível de funções neurovegetativas tambémpodem ser necessários, principalmente na síndromede Rett e quadros de TID cuja comorbidadeneurobiológica é marcante. Em contrapartida,ademanda predominante é a comunicação, cuja terapiadeve ser, ao mesmo tempo, abrangente e adaptada.

Para que os objetivos da mesma sejamalcançados, é necessário que haja ações multi-profissionais conjuntas e inseridas num contextoterapêutico que seja dotado, tanto de parâmetros quese aproximem, ao máximo ,de dinâmicascomunicativas naturais, quanto de caracteresadaptados às inabilidades, habilidades centrais edificuldades comportamentais do paciente. Diantedisso, procura-se integrar,

a) quanto ao ambiente:

• situações e eventos especificamente sensibilizadoresque despertem uma razão para comunicar eintenções comunicativas.

• o destaque de tipos e qualidades de estímulos queevoquem significado, mais facilmente, ao dadopaciente (significantes de base), ou seja, compatíveiscom o nível perceptivo, cognitivo e intelectivo -estímulo verbal? Visual (grafema, pictograma,pictografema, desenho, foto, símbolos, códigos decores, objeto real, réplicas - miniaturas, etc.)? Gestual(indicativos, convencionais, simbólicos)?

• artifícios físicos, estruturais, visuais e metodológicos,assim como abordagens teóricas capazes de:- suprimir os déficits, enfatizando e maximizandoas habilidades específicas e centrais.- garantir organização e objetivo coerente nascondutas a serem assumidas.- promover níveis de atenção, o mais focalizada eperdurativa possível, perante as modalidades designificantes consideradas de base.- minimizar e modelar condutas impulsivas,agressivas e auto-lesivas, cuja influência é negativaà prática terapêutica, objetivadora de umacomunicação funcional e viável tanto socialmentequanto pessoalmente.

b) quanto aos parceiros de comunicação

(profissionais envolvidos, educadores, pais, familiares

e outros), o uso de:

• meios fidedignos e fortificadores dos significadostrabalhados e do conteúdo lingüístico interno.

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3º Milênio

• condutas especificamente fidedignas para provocarintenção comunicativa.

• estratégias adequadas, interrelacionadas e emcomum, a fim de aprimorar e ajustar as formascomunicativas - expressivas a serem usadas.

• significantes de base para input lingüístico, de formainvariável e concensual, constituindo umaconvenção lingüística, necessária em qualquercontexto comunicativo.

• associação dos significantes de base com outrostipos cuja percepção é mais comprometida(significantes secundários), no trabalho dosrespectivos significados.

• intervenções facilitadoras visando a significação dossignificantes linguísticos.

• estratégias compensatórias eficazes à condiçãoindividual do paciente, com o objetivo de minimizarinabilidades atentivas e características hipercinéticase estereotipadas.

O conjunto desses aspectos constitue ametodologia Teacch, mas os mesmos são tambémusados isoladamente ou com associações graduadas, de acordo com cada demanda.

A prática terapêutica adequada depende deavaliações minuciosas do paciente e dos familiares,bem como de interrelações constantes com estes,tendo como base as teorias psicolingüística ecomportamental, as quais regem toda a abordagem.

O suporte, treino e orientação dos familiares epessoas envolvidas no cotidiano do paciente sãoconstantes, já que tanto um trabalho comportamentalquanto de comunicação alternativa associa-se amuitos dos aspectos abordados e não somentecondutas e meios comunicativos usuais,convencionais e conhecidos. A perspectiva é de queas pessoas do relacionamento do paciente sejam co-terapeutas, a medida que a comunicação não é umprocesso estanque e sim uma dinâmica complexaque envolve convenção e muitos contextos de vida.

Como efeito, gradativamente observa-se odesenvolvimento da compreensão, significação eaprendizagem, de expressões comunicativas dequalidade mais sociável e funcional, além demelhores níveis de criação e simbolização. Surge, comisso, a demanda e a possibilidade de se ampliar adinâmica desse trabalho comunicativo, aondeambientes e parceiros mais diversificados sãoinseridos como estratégia terapêutica, colaborandopara a generalização lingüística e comunicativa(trabalhos de rua - supermercados, lanchonetes, etc.)

Paralelamente, com níveis melhores derepresentação e organização cognitiva e lingüística,formas comunicativas que exigem processos mentaismais elaborados começam, automaticamente eespontaneamente, a surgir, ou serem possíveis deserem trabalhadas focalizadamente, como porexemplo a tão almejada fala. Seu desenvolvimento e/ou uso funcional depende de aquisições primárias edecorrentes da satisfação dos objetivos terapêuticos,

já citados.Estes têm sido alcançados na terapia de

comunicação do SEADDA, a medida que ocorre umaconjunção entre a estrutura necessária (de acordocom o raciocínio exposto) e a interdisciplinaridade.As atuações devem se interagir, sendo isso, inclusive,muitas vezes necessário durante o próprio momentoterapêutico, o que já traduz uma transdisciplinaridade.Como já visto, o distúrbio comunicativo em questão,bem como o tipo de intervenção necessária, requeremaspectos consideravelmente abrangentes, cuja práticaé inviável ou pouco funcional em um consultóriousual de fonoaudiologia.

MUSICOTERAPIAAline de CastroVicente de Paula

Em um trabalho de equipe as forças se unempara alcançar um objetivo comum.

No caso do Hospital Público e especificamente docontexto psiquiátrico onde se enquadram os pacientesportadores de T.I.D. (Transtorno Invasivo deDesenvolvimento), a seriedade profissional aliada adescontração de um bom ambiente de trabalhoformam uma atmosfera de otimismo apesar ou, atémesmo, em função, dos difíceis casos a serem tratados.

A equipe formada por profissionais de diversasáreas (psiquiatria, serviço social, psicologia,fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional,psicomotricidade e musicoterapia) é um organismovivo, em movimento. Atendendo crianças eadolescentes na faixa de 03 a 18 anos de idade, forneceacolhimento e estrutura a esses pacientes,confirmando a idéia inicial de seriedade-leveza, firmeza-relaxamento, tão necessários a um crescimento sadio.

Especificamente como musicoterapeutasentendemos que a oficina de música oferece umagrande abertura relacional aos pacientes tratados.

Nosso trabalho tem o objetivo de promover aabertura do canal de comunicação (fortementecomprometido no caso desses pacientes) e para tantodispomos de instrumentos de fácil manuseio, bemcomo canções simples (seja melódica queritmicamente). Em nossa sala existem, também,almofadas para possíveis seções de relaxamento ealgumas fitas cassetes gravadas. Em linhas gerais, éessa a nossa base de trabalho.

No entanto, quando entramos em contato comnosso paciente, tudo é material sonoro. O termomusicoterapia gera interesse e às vezes, interpretaçõesdistorcidas. Não existe uma música específica quepermita a cura à uma determinada doença. Isso ocorrepelo simples fato que cada vibração sonora é percebidade um modo particular por cada indivíduo emtratamento.

Deste modo a aparente simplicidade do trabalhoé ligado ao atento olhar dos terapeutas a cada mínimamanifestação dos pacientes. O contato visual (se é

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

maior ou menor a partir de um determinado ritmoou melodia) a escolha ou não dos instrumentosoferecidos, o movimento corpóreo, o uso do espaçoa ser utilizado.

Podemos começar o trabalho ofertando, do nosso" Cardápio musical ", uma imitação, espelho darespiração de um paciente ou do ritmo de seucaminhar, podendo chegar a músicas conhecidas doseu cotidiano. É possível até mesmo desafinar, paraestar afinado no contexto relacional. O paciente nosguia.

Se com a ajuda dos sons conseguimos capitar aatenção e interesse dessas crianças, continuamos emfrente, seguindo a estrada que vai se formando passoa passo na musicoterapia de mãos dadas com todasas outras atividades oferecidas, salientando a suaeficácia em conjunto com outras terapias.

Como exemplo prático podemos citar o caso deF.S., 14 anos, hiperativo ao iniciar o trabalho na oficinade música, utilizava desordenadamente todo o espaçoda sala. Não demonstrava atenção a qualquerinstrumento que lhe era oferecido. Não falava emantinha o olhar focado fora do ambiente detrabalho evitando o contato visual e físico com osoperadores.

Ao longo de 03 anos de trabalho, limitado a umasessão semanal, fomos introduzindo músicas de seuinteresse ( através da anamnese musical com afamília).

Juntamente com a fonoaudióloga da equipeadaptamos exercícios de dicção e repetição depalavras a letras e improvisações musicais onde opróprio paciente descobriu suas possibilidadessonoras.

Atualmente o paciente utiliza o espaço da salade modo ordenado, utiliza as cadeiras para se sentar,se comunica verbalmente com os operadores e cantacom desenvoltura. Elegeu uma música sua conhecidacomo material pertencente à todas as seções.Admitimos que com essa característica mantém umcaráter repetitivo, aceitável em decorrência do grandeprogresso revelado.

Na seqüência do trabalho introduzimosinstrumentos de percussão que vem sido observadose experimentados por ele demonstrando bom ritmoe boa aceitação a novas experiências.

Tem boa memória musical que se expande aoseu cotidiano; sendo apresentado a novos operadoresque esporadicamente participam do trabalho sabeseus nomes e mantém contato visual com eles. Essefato demonstra uma boa aceitação das eventuaismodificações que possam ocorrer nas seções e nosfaz observar uma melhora geral no seu quadrorelacional.

Concluindo, percebemos que pequenosresultados individuais apresentam, unidos, um bomsomatório final. A equipe como organismo vivorenova o fôlego e se fortalece e nossos pacientes/crianças se desenvolvem e crescem como os maioresbeneficiados.

PSICOLOGIATatiana de Melo Pereira

O atendimento da Psicologia Clínica comcrianças portadoras de algum tipo de TranstornoInvasivo do Desenvolvimento, visa objetivaraaprendizagem, a socialização e o desenvolvimentoafetivo. Este trabalho vem sendo realizado a partir detreinamentos e de atividades que desenvolvem oraciocínio, assim como uma escuta terapêutica darelação mãe-filho.

De acordo com um pensamento empírico, oprofissional observa o comportamento da criança e ainfluência exercida pelo meio, com o objetivo derealizar alguns treinamentos. Dizemos treinamento,pois pretendemos ensinar às crianças novashabilidades realizando uma observação a partir docomportamento já adquirido.

Esses treinamentos tem como objetivodesenvolver a capacidade das crianças exercerem asatividades de vida diária (habilidades de higiene, vestir-se, amarrar sapatos, escovar os dentes, comer, lavaras mãos, pentear o cabelo, o uso do toalete);treinamentos para a aquisição de algumas habilidadessociais (melhorar o contato ocular, o assentar, o imitar,executar ordens, aproximação física); treinamentosde atividades de lazer (habilidades de brincar com ouso adequado dos brinquedos); treinamentos dehabilidades comunitárias (atravessar ruas e realizarcompras).

Para a realização destes treinamentos utilizamosalgumas técnicas da Psicologia Comportamental sem,contudo, realizarmos uma análise comportamentaldo comportamento (terapia). De acordo com estesaber a aprendizagem ocorre de maneira empírica: acriança aprende à medida em que entra em contatocom o objeto (treinamento de uma nova habilidade).Mas, observamos que este conceito "aprendizagem"é muito amplo e segundo alguns autores como Piaget,(Piaget, 1995) ela ocorre de maneira construtiva. Deacordo com este autor, a criança segue seudesenvolvimento cognitivo passando por fase dedesenvolvimento, nas quais ela tenderá a aprenderde acordo com o que é possível dentro de suascapacidades orgânicas (maturidade biológica) eintelectivas, na interação com o meio em que seencontra. Assim a aprendizagem ocorre quando acriança atua sobre o meio (processo de assimilação)e este sobre a criança, desequilibrando seusconhecimentos já adquiridos (as informações jáadquiridas vão se reorganizar, se modificar, para quediante de novas informações, ocorra novamente umequilíbrio) ocorrendo à aprendizagem, oconhecimento, a adaptação.

Utilizando-se deste raciocínio, observamos quepodemos ajudar a criança neste desenvolvimento queocorre em fases. Assim, podemos estimular a criançacom o objetivo de desenvolver o pensamento, oraciocínio lógico matemático. Estamos estimulando

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3º Milênio

alguns dos sentidos como tato, audição e visão.Realizamos atividades que podem desenvolver anoção de esquema corporal e tarefas relacionandoconceitos básicos com o objetivo de desenvolvermoso raciocínio, a noção de espaço-tempo e causalidade.

Percebemos, também, a importância de termosuma visão psicodinâmica familiar, pois acreditamosque as crianças, muitas vezes se comportam damaneira como os pais, consciente ou inconsciente,fantasiam.

As fantasias dos pais podem influenciardiretamente no comportamento dos filhos: muitasvezes a criança é colocada no lugar de um entequerido substituindo este vazio, outras podem estarsuprindo a ausência do pai, já que este não participano relacionamento conjugal e familiar. Alguns paisenfrentaram muitas frustrações na infância, e sesentem impotentes, achando que podem dar tudoaos filhos, suprindo-os de todas as suas próprias faltas.Existindo outras dinâmicas familiares que podem serobservadas através do relato dos pais. Percebemos aimportância de ouvir os pais ou responsáveis paraentendermos o lugar que a criança ocupa no desejodos mesmos e, portanto entendermos um poucomelhor a criança. Ao ouvirmos estes pais, realizamosum trabalho terapêutico, pois, muitos deles,demonstram sentirem angústias, culpas e muitosoutros sentimentos nesta relação pai e filho portadorde Transtorno Invasivo do Desenvolvimento.

Estamos, portanto, caminhando na construçãode um atendimento mais adequado às criançasportadoras de algum Transtorno Invasivo doDesenvolvimento e, por estarmos em uma instituiçãopública e trabalharmos em uma equipe, enfrentamosalguns obstáculos, como o baixo nível sócio-econômico das famílias. Muitas vezes, devido a estesproblemas, temos que orientar os pais quanto àsnoções básicas de higiene e adequarmos algumtreinamento.

E, ao constituirmos uma equipe e por atendermosa mesma clientela, muitas vezes o conhecimento e aprática de cada profissional intercalam-se.

PSICOLOGIA/PSICOMOTRICIDADE

Ana Nilce Pettinate

"É no corpo que provo, por mim mesmo, o sentidomais profundo que cada um de nós dáespontaneamente ao verbo existir. É pelo corpo esomente por ele que eu posso estar aqui e memanifestar." A. de Walhens

Este trabalho situa-se na interface de duas áreas deinvestigação: a do Autismo Infantil e a daPsicomotricidade. Nas últimas décadas, muito se teminvestido no que se refere aos determinantes do autismo.

Por outro lado, poucos trabalhos têm sido

realizados sobre a psicomotricidade com a criançaautista. Em decorrência disso, fica um pouco difícilescrever sobre este tema, visto que a bibliografia ecasuística são tão escassas, o que vem confirmar aimportância de um maior investimento nesta área.Para melhor esclarecer as questões que se apresentamrelevantes à compreensão do desenvolvimento dacriança autista, torna-se necessária uma ampliação eum aprofundamento dos estudos que entrecruzamo Autismo Infantil e a Psicomotricidade.

Como psicomotricista, inserida numa equipemultidisciplinar, o atendimento passa do plural - nós,vários profissionais - para o singular. Como únicaprofissional da área nesta Instituição, sinto-meimplicada em uma busca solitária que me possibilita"criar" novas técnicas e ao mesmo tempo, me limita eme força a uma avaliação contínua das minhascondutas clínicas. No entanto, isso não é empecilhopara que haja uma interação com os outros profissionaisda equipe, principalmente sendo o nosso objetivo, atroca de conhecimentos, vivenciando a transcendênciado saber com um olhar bem maior. Numa equipemultidisciplinar como a nossa, não há o "lugar dealguém" e sim, um lugar para todos, onde somamos osconhecimentos das várias teorias, a vivência e a práticado nosso dia a dia, num caminhar juntos.

A psicomotricidade, que teve o seu início comoprescrição da medicina psiquiátrica (Dupré, 1915),deixou de ser estudada isoladamente, encontrando-se enriquecida com os estudos da neurologia, dapsicologia, da educação, da linguagem, da fisioterapiae de toda uma rede interdisciplinar, que vieram darao estudo do movimento humano uma dimensãomais científica e menos mecanicista.

A motricidade, alicerce central de todo o desen-volvimento neuropsicomotor, é a grande via de ex-pressão corporal na abordagem psicomotora doautismo, pois esta continua sendo um campo a serexplorado. O desenvolvimento de uma criança autistaé sempre um desenvolvimento neuropsicomotor ematraso.

Alguns dos comprometimentos motores maiscaracterísticos e marcantes nesta síndrome ocorremnos membros superiores. A criança autista brinca comsuas mãos em frente aos olhos, torcendo, mexendo eexaminando-as de uma forma repetitiva eestereotipada.

No autismo, aparecem vários distúrbios dapercepção, como por exemplo, dificuldades de olharde forma fixa e com atenção a determinadosestímulos visuais. Segundo E. Christian Gauderer(década de 80), essas crianças manifestam falhas namodulação de estímulos, com distorções nahierarquia normal, na preferência dos receptores euma incapacidade na habilidade de usar estímulossensoriais para discriminar o que é importante ounão. Acontece também uma ausência de feed-backnos receptores. Em outras palavras, pode-se dizer queocorre um erro de seletividade. Esta incapacidade de

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

sintonizar entradas sensoriais é um dos aspectos maiscaracterísticos do autismo, o que pode gerar reaçõesexageradas a estímulos sensoriais, ou uma total faltade responsividade.

Para a doutora Ceres Alves de Araújo (1997),"o modo pelo qual a criança autista se protege dasua maior vulnerabilidade é gerando a delusão deter uma outra cobertura sobre o seu corpo, comouma concha dura, desenvolvida pelo usoidiossincrático e pervertido de suas sensaçõescorporais. Esse encapsulamento é a característicapsicodinâmica específica do autismo".

Na criança autista, os órgãos dos sentidos ficammuito alterados. Uma mesma criança pode entrarem pânico ao ouvir o barulho do secador de cabelosou ficar encantada com o movimento giratório deuma roda à sua frente. Essa mudança de respostasa estímulos é desconcertante e enigmática.

A importância da expressão motora nestasíndrome se traduz tanto pelas anomalias globaisdo desenvolvimento, um atraso ou desarmonia,como por comportamentos anormais, tipohiperatividade, excitação, agitação ou o opostodestes que é a apatia e inércia. Outras vezes, sãoorganizações motoras desviantes, como atividadesritmadas, r itmias de cabeça e do corpo,movimentos cefalogiros, atividades demanipulação do corpo, ora de tonalidade auto-agressiva, como por exemplo, bater a cabeça,morder-se, puxar os cabelos, ora auto-erótica ouexploratória de localização oral ou corporal. Asmanifestações motoras, como a instabilidade,cacoetes, debilidade psicomotora, dispraxia, ouainda anomalias do setor perceptivo - organizaçãoespacial, temporal, distúrbios do esquema corporal,no autismo se organizam de tal forma que sugeremuma patologia psicomotora.

Seria, portanto, muito ingênuo negar o valorexpressivo das desordens psicomotoras que acriança autista apresenta. Para Ajuriaguerra (1973),"as desordens psicomotoras têm, freqüentemente,um caráter expressivo caricatural e primitivo,embora modificado pela evolução ulterior que asaproxima das fases primitivas de contato e repulsa,de passividade ou agressão. Por vezes, perdem aforma do movimento primário e assumem o valorde um símbolo".

Segundo Judith Kestenberg (1976), osesquemas motores não podem ser reduzidos adados expressivos assimilados a uma linguagem,pois "não consideramos o movimento comosubstituto das palavras, assim como nãoprocuramos descobrir um conteúdo nomovimento". Assimilando com a idéia da autora,venho percebendo, na minha experiência, que ocontato com a criança autista não se estabelecepela via da palavra, e sim pelo corpo, que é umaentrada para novos contatos, novas mobilizaçõese novas possibilidades. A expressão motora não étruque de mímica, assim como o corpo dessa

criança autista, que não sabe dizer quando temdor, fome ou frio, não é uma massa inerte e passiva,ou o lugar de um amontoado de órgãos, que gritamseu disfuncionamento por uma linguagemsimbólica.

Acredito que, através da psicomotricidade enuma dinâmica da expressão livre e da açãoespontânea dessa criança, podemos dar início auma "relação", com grandes possibilidades de se"chegar" a essa criança por meio do seu corpo, queé o "material" a ser explorado. Respeitando o seuritmo, esse corpo assume uma importânciaparticular, sendo vivenciado de uma formadiferenciada das instituidas culturalmente.

A experiência adquirida com essa clientela,vem sendo construída a cada dia, a cada sessão,com cada criança, particularmente. O grito de umacriança autista pode se transformar num chamadoe o reflexo num gesto. Esse espaço que existe entrea criança que "chama" e a psicomotricista que"atende", não é um espaço vazio. Ele é preenchidopelas sensações que envolvem esse diálogocorporal. É nesse momento que a psicomotricistainterage com essa criança, buscando uma sintoniarítmica, através do movimento, dentro de um clima,que passa do corporal para o emocional.

Nesse atendimento, não importa o material aser usado e nem existe "uma técnica", esta sedesenvolve no desenrolar das "cenas", assimilandoas particularidades de cada criança em especial.Uma bola, uma boneca, um carrinho, uma piscinade bolinhas podem servir de um ponto de ligação.A partir da "cena" criada entre a criança e apsicomotricista, vai acontecendo umaaproximação que se reveste de significados e,através dessa comunicação não verbal e dasposturas corporais, estabelecem-se vivênciassimbólicas em oposição à realidade literal dessacriança.

Este trabalho psicomotor que venho desenvol-vendo dentro do CPP/FHEMIG, com a criança por-tadora de Transtornos Invasivos do Desenvolvimen-to, mais especificamente, a criança autista, temcomo objetivo a descoberta do seu corpo, tornan-do-o mais funcional e estimulando algumas fun-ções não amadurecidas, ao mesmo tempo que vemdescondicionar reações inadequadas, eliminar mo-vimentos inúteis, harmonizar o objeto e dar-lhesignificado. Assim sendo, é possível "olhar" o cor-po dessa criança como o elemento básico de con-tato com a realidade exterior e com o mundo queo rodeia. A conduta motora precede o atocognitivo, consequentemente quanto maior for oconhecimento e o domínio de seu corpo, melhorserá o rendimento e a adaptação ao seu meio am-biente.

Percebemos que a psicomotricidade é umadas áreas significativas a ser explorada no trabalhocom as crianças portadoras dos TranstornosInvasivos do Desenvolvimento. Provavelmente é

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3º Milênio

através dessa ciência que podemos ter umacompreensão da dinâmica desta criança com o seucorpo - esse corpo que sofre, que se isola, que semovimenta - um corpo com uma linguagemprópria, gestual ou sonora, que pode ser usada comoum dos recursos para se contactar com a mesma. Essecorpo, objeto de estudo, de desejo, de prazer, podenos levar a "sair para o mundo", em busca de novasperspectivas de ampliação da capacidade deautonomia e da qualidade de vida para essa criançatão sofrida, e pouco assistida, que é a criança autista,no seu contexto familiar e social.

PSIQUIATRIA

Dra. Ana Cristina Bittencourt Fonseca

O trabalho como psiquiatra de uma equipeMultidisplinar pode ser enriquecedor. Neste trabalhoespecífico que temos realizado no SEADDA, minhatentativa é de transportar o trabalho psiquiátrico de"critérios individuais"para um trabalho de "critérioscoletivos", citando o Dr.. Francisco B. Assumpção Jr.em seu livro sobre "Transtornos Invasivos doDesenvolvimento Infantil" . Nele o Dr. Franciscoinicialmente coloca a questão do trabalho psiquiátricobaseada em critérios individuais "aonde o profissionalprocura reunir todos os elementos conseguidos atravésde anamnese e exames", citando que "esta formulaçãode trabalho é extremamente frequente, principalmenteconsiderando que pertencemos a um terceiro mundocarente de recursos econômicos e pessoais".

Em outro momento faz referência ao fato da"Psiquiatria Infantil não ter o hábito de pensarprocurando englobar conhecimentos provenientes deoutras especialidades, ... ficando restrita ao pensamentopsiquiátrico tradicional, difícil de ser transportadototalmente à compreensão da criança". No entanto,penso que trabalhar em uma equipe abrangendoespecialidades diversas, além dos aspectos positivos,pressupõe também lidar com dificuldades.Dificuldades profissionais, pessoais e institucionais. Oslimites das intervenções, as confusões de papéis, astransferências das famílias com os diversosprofissionais; são algumas das situações que podemgerar conflitos internos na equipe e também abrangerquestões institucionais. Deve haver amadurecimentoe intensão de crescimento conjunto, em detrimentode destaques pessoais, quando se pretende evoluir emum trabalho multiprofissional.

Neste ponto gostaria de fazer uma reflexãoacerca da proposta de trabalhar coletivamente quetemos tentado elaborar nesta equipe ( SEADDA ).

Sempre foi e é uma preocupação, que asespecialidades e seus respectivos profissionaismantenham suas especificidades, trabalhando numcontexto comum, cada um trazendo perspectivasdiferentes para a compreensão da criança de forma

global e mais abrangente.Na psiquiatria o trabalho consiste nas avaliações

com formulações diagnósticas e acompanhamentodos casos. Tem como um dos objetivos o diagnósticodiferencial, tentando assim, pensar nos quadros TID eem outras possibilidades diagnósticas. Estas podemocorrer ao longo do desenvolvimento e inicialmentemimetizar e ou se confundir com os quadros TID. Asmedicações são utilizadas em sintomas - alvo, quandonecessário, visando favorecer comportamentos maisadaptados, inclusive para que as outras propostasterapêuticas possam evoluir com melhores resultados.

Os casos são discutidos e abordados de formamultidisciplinar. Também é de comum acordo daEquipe, a abordagem familiar dos casos, que ao nossover seria mais um dos componentes do trabalhocoletivo.

Na psiquiatria sempre há espaço para que asquestões familiares apareçam e sejam tambémdiscutidas e muitas delas levadas para abordagemnas outras especialidades.

A idéia deste trabalho é realmente um apreensãoglobal dos casos, com trocas de opiniões e abordagemno sentido multiprofissional. Cada um contribuindoe compartilhando de suas especificidadesprofissionais e construindo um trabalho conjunto ecoerente aonde pretende-se que não existamconfusões de papéis e sim uma superposição desaberes que por vezes ainda parecem insuficientespara a compreensão de situações tão complexas emtermos de diagnóstico e de propostas terapêuticas.

Posso dizer que ser psiquiatra, psiquiatra infantil,trabalhando com crianças portadoras de TID e outrosdistúrbios do desenvolvimento é uma tarefa árdua.Mas que num contexto coletivo de trabalho se tornamuito mais rica e plena de informações que são"peneiradas" em diversos campos profissionais, a fimde que possamos atender nossos pacientes e suasfamílias de uma forma ampla e compartilhada.

SERVIÇO SOCIALPatrícia Coacci

Em consonância com a tônica da equipe de umaprática interdisciplinar a intervenção do Serviço Socialtem início no momento da triagem que define ainclusão da criança avaliada. Triagem que no SEADDAé efetuada em equipe.

Incluir uma criança para tratamento num serviçoespecializado em Saúde Mental, é distingui-lo, comoum ser "diferente" dos demais. É um momento difícilpara a família e para nós profissionais, que nos vemosremetidos ao lugar dos portadores do luto. Sensíveisaos sentimentos desencadeados, torna-se necessáriodar voz aos membros da família para que exponhamsuas dúvidas, suas dificuldades, angústias eexpectativas.

Processo delicado que carece de um instrumentode abordagem que transmita a família um sentimento

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

de confiança e segurança.Com a introdução da criança nos tratamentos,

pais e ou responsáveis, são convocados paraentrevista de estudo social, para o conhecimento dahistória familiar, avaliação dos aspectos sócio-econômicos e levantamento de dados relativos àintegração social da cr iança e famíl ia nacomunidade, escola, família extensa, entre outros.

Utilizamos o estudo social como a primeiravia de aproximação do grupo familiar, instrumentodeterminante da escuta e de esclarecimento dadinâmica da equipe. A partir de então desenrola oatendimento do Serviço Social, é o tempo de situaras verdades, as dúvidas, os medos e as decepções.Sendo também o momento de iniciar o estímulopara colocar a criança em seu verdadeiro lugar- ode indivíduo com possibilidades, direitos etambém, deveres a cumprir.

Nossa atuação foge do modelo assistencialistaque desconhece e desestimula a função da famíliacomo elemento gestor do tratamento e da vidado filho e desloca para a equipe técnica, quedetêm o saber, o poder decisório e paternalista deapresentar soluções e iniciativas.

Acompanhando estas famílias, constato quetrazem uma história pontuada pelo estigma dadoença. Um sofrimento intenso de impotência emuitas vezes a culpa da doença do filho. Doençaesta que acaba adoecendo a família e as relaçõesfamiliares.

Esta constatação, encaminhou minha prática,assinalando-a, não como um tratar, mas comoestar a disposição para a escuta e acolhimento daangústia, das dúvidas, das fantasias e dasexpectativas do grupo familiar em relação àcriança portadora de Autismo e ao próprio grupo.Inclusive considerando, que está família está amercê de vários determinantes; sócio-ecômicos,políticos, bem como mudanças de paradigmas,epistemes que influenciam no imaginário social,nas condutas individuais e coletivas.

Tomando-se a família como o agente quedetêm as possibilidades de promover as mudançasnecessárias para transformar o seu cotidiano, nãoé justo imputar-lhes o lugar do paciente estruturaadoecida. Esta idéia é por si, um estigma quepromove a doença em detrimento do grupo serever e de sua capacidade funcional de estabeleceratuações eficazes e integradoras.

Transpor o modelo médico de paciente -c l iente, enfermidade-cura, dentro de uminstituição de saúde, e estabelecer um marcadorde questões sociais e das relações humanas, queextrapole o patológico na abordagem das famíliasatendidas, é um desaf io permanente aoprofissional não médico e só é possível com oconhecimento da realidade e singularidades destasfamíl ias e a incorporação do pensamentosistêmico.

Posto isto, a minha intervenção precisa ter

uma dimensão mais ampla, desfocar asimplicidade do pensamento linear de causa-efeito,saúde-doença,e situar numa visão circular,alicerçada na interdisciplinaridade do trabalho emequipe, considerando a família como instituiçãosocial, que interage numa teia de relaçõesdinâmicas.

"Definir a família como uma instituição éescolher um conceito que integre os níveis darealidade, concreto e abstrato, e que seja dinâmico.Instituição é não só o conjunto de relaçõesconcretas ligadas ao real funcional, como tambémuma rede simbólica que contém representaçõesconseqüentes das relações entre eles, dos lugaresque deverão respeitar, das práticas que devemdesenvolver.

A família instituição é plural, não se enquadranos modelos clássicos, e a família do portador denecessidade especial é um grupo "diferente" quevive sua pluralidade construindo-se no dia-a-dia,na vivência e convivência com o seu membro "diferente"( Coacci-1999).

Juliana Aun, propõe que o atendimentofamiliar deve romper com o paradigma da famíliaagente passivo de intervenção, para a famíliaagente transformador e co-responsável por suaprópria vida. Continuando, a mesma efetua umanova contextualização das dificuldades vividaspela família.

As dificuldades vividas pelo grupo familiar sãoconstruções da realidade. Construções denarrativas do cotidiano, com o poder de prediçõesda realidade da família. O problema que causa abusca do atendimento familiar é interpretadocomo um fenômeno mobilizador, ou seja oprocesso que promove a mobilidade do grupo emrelação as mudanças necessárias para uma melhorinteração do grupo em relação a si e a sociedade.

Edith Tilmans propõe aos profissionais,compreender a sua prática sistemicamente,mantendo o seu mandato. Como Assistente Socialcom uma prática sistemica compreendo estemandato , como o profissional ser capaz de secolocar como co-responsável da família, noprocesso de compreensão e enfrentamento deseus problemas. Profissional agente de mudanças,construtor de contextos que propiciem asmudanças.

Construir contextos, é sobretudo encontraruma linguagem concreta, objetiva e eficaz quecolabore com o grupo familiar: na definição doproblema, no conhecimento das soluções jáutilizadas, na definição da mudança, na definiçãodo objetivo a ser alcançado, no planejamento deações que concretizem na prática as mudançasdesejadas. Finalizando, estas ações se traduzemno que temos chamado de prát ica deinstrumentalização, no Atendimento Sistêmico àsFamílias dos pacientes do SEADDA. Práticadesenvolvida através do atendimento individual a

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3º Milênio

mães, pais, casais, grupo de família, Escola deFamília.

TERAPIA OCUPACIONAL

Lilian Pimentel Almeida Lopes

A intervenção terapêutica ocupacional visaampliar a capacidade de independência doindivíduo portador de TID, possibi l itandoadaptações a certos atos e condições necessáriaspara o seu bem estar emocional, tentandoaproximá-lo de um mundo de relações humanasmais significativas.

Com o aparato do fazer, terapeuta e atividades,colocam-se à disposição junto ao indivíduo, parapossibilitar e favorecer: estimulação, integração(sensorial e social), exploração, preparação,manipulação, organização, adequação eorientação.

Observando que todos os objetivos envolvemuma ação, cada criança ou adolescente doSEADDA atendido pela Terapia Ocupacional éenvolvida ativamente na sessão, sendo eliciada asrespostas desejadas através de interações.

Esta atuação constitui-se numa proposta deatendimento ambulatorial, com sessões semanaisonde, os settings terapêuticos são os mais variados:sala de T.O, pátio, banheiros (estes localizados noespaço SEADDA), espaços internos do CPP e porvezes externos como ruas, lanchonetes esupermercados. As sessões são em sua maioriaindividuais, mas há também a modalidade degrupo, que são formados considerando umestímulo ao desenvolvimento social e afetivo.

Uti l izando de observações c l ín icas eaval iações do desenvolv imento global ,habilidades, rotinas diárias, perfil sensorial enatureza do brincar da criança; é possívelestabelecer metas terapêuticas a cada caso novo,que são reavaliadas trimestralmente de acordocom cada evolução pretendida e obtida.

Baseando-se em métodos da IntegraçãoSensoria l e em uma abordagem lúdica edesenvolv imental , a ênfase recai sobre acapacidade do indivíduo em perceber e reagircorretamente às pessoas e ao ambiente. De acordocom essa teoria, formulada por Ayres em 1968, odesenvolvimento é visto como uma espiral, ondeo indivíduo se move gradativamente para cima,consolidando os ganhos em cada nível. Sãosublinhadas a importância da integração e dainterpretação de todas as entradas (inputs)sensoriais e a necessidade de promover aestimulação sensorial integrada para restaurar asfunções. Dessa forma, brincadeiras usando tato,vibração, som, cheiro, cor e movimento sãoajustadas às estimulações com atenção especial

às entradas vestibulares e proprioceptivas.Como o processo de aquisição das habilidades

de desempenho dessas crianças requer ummonitoramento direto e intensivo, a família ouresponsáveis participam como parceiros doprocesso de atendimento, em seus lares. Para tantosão realizados semanalmente, em conjunto coma Psicologia, treinamentos e orientações à estaspessoas quanto às AVD`s (Atividades de VidaDiária) e Controle de Esfíncteres.

Para viabilizar essa proposta de INTEGRAÇÃO,apresenta-se imprescindível um trabalhoInterdiscipl inar, onde se pressupõe que oenvolvimento e interação constantes entre osmembros desta equipe contr ibuirão paraestabelecer uma constância perceptual da visãoda criança autista e de seu cotidiano de umamaneira global e essencial.

Citando Temple Grandin "é preciso trabalhara favor da crianças autistas, ajudando-as adescobrir seus talentos ocultos e a se tornaremmenos estranhas.

Endereço para CorrespondênciaC.P.P. Rua Pe. Marinho, 150, Cep: 30140-000Santa Efigênia - [email protected]@terra.com.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS1. AFONSO, M. Lúcia. IN: COELHO, Sônia Vieira.

Além de dois: Representações de gênero nacomunicação do casal. Belo Horizonte, FAFICH-UFMG-1996 (Dissertação de Mestrado em Psicologia Social).

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

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10. FORNERO, Érica G. Autismo Infantil. Revistade Psiquiatria e Psicanálise da Criança e Adolescente.jan. dez. de 1999.

11. GRANDIM, Temple. Uma menina estranha.São Paulo, Cia. de Letras, 1999.

12. ______. Uma visão interior do Autismo. IN:MESIBOV, G.B. & SCHOPLER, F, High-FunctioningIndividual with Autism. New York, Plenum Press, p.1-17, 1992.

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22. SCHWARTZMAN, J. S. ; ASSUMPÇÃO Jr.,Francisco B. Autismo Infantil. São Paulo, Mennon,1995.

23.______. Síndrome de Rett. IN: SCHWARZMAN,J. S. & ASSUMPÇÃO, F. B. Autismo Infantil, p. 174-181.

24. TUPY, T. M. & PRAVETTONI, D. G.E Se falta apalavra, qual comunicação, qual linguagem? SãoPaulo, Memnon, 1999.

25. www.autismo.med.br/surdez.htm.

SEÇÃO VI – TEMASESPECIAIS

CAPÍTULO XXXVI

A ASSISTÊNCIA ODONTOLÓGICA.

Mauro Ivan Salgado

I - INTRODUÇÃOPara se falar em odontologia deve-se falar em

estomatologia, isto é, falar da boca de uma formamais abrangente possível conforme a medicina falade vários órgãos em suas diversas especialidades. Aestomatologia, o estudo da boca e não do estômagocomo muita gente pensa, tem a profundidadecientífica ideal para atender cuidadosamente ospacientes portadores de deficiência com qualquergrau de severidade que possam apresentar. Comoseparar o dente, a gengiva, a língua, o palato, do restodo corpo? Existe um ser humano sem boca? Não,porque há uma interdependência entre a boca e oorganismo onde a boca faz parte do todo.

Ao falar da boca, não se pode esquecer que naantiguidade um artífice primitivo, um xamã, cuidavados dentes e da boca, não apenas no sentidoornamental, mas também no sentido ritual. Háregistros destes profissionais nas várias culturas dopassado, onde alguém exercia esta função de curadordos males da boca, e até mesmo entre os índiosbrasileiros. Museus, em todo o mundo mostramdentes com incrustações, pedras preciosas nelesaplicadas, desgastes especiais e até mesmo algunsarranjos protéticos para substituírem perdas dentáriase, em vários casos, o registro pictórico de cerimôniasritualísticas durante estes procedimentos. A bíbliasagrada é, também, um repositório documentalhistóricos de citações variadas sobre a beleza e o valordos dentes.

A maior evolução nos cuidados com os dentes ea boca aconteceu na França, Inglaterra e EstadosUnidos. Na França Pierre Fouchard foi considerado opai da odontologia pelo tratado que publicou e osinstrumentais odontológicos que desenvolveu. NaInglaterra, além de inúmeros trabalhos publicados,aconteceu a experiências pioneira e curiosa dotransplante de um dente para a crista de um galo.Para os Estados Unidos convergiram todos osconhecimentos e tecnologias e lá se criou a primeirafaculdade de odontologia do mundo, um pouco antesda descoberta da anestesia local. (7).

Apesar do homem ter sofrido durante milêniosdores horríveis no momento de manipulação dedentes em sua boca e a anestesia local só ter sido

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3º Milênio

descoberta no século XIX, nada disso retardou doponto de vista técnico ou científico os cuidados comos dentes. A arte dentária evoluiu e novas tecnologiasforam sendo cada vez mais incorporadas a práticadental.

É possível que o trauma psicológico das pessoaspara se sentarem na cadeira especial de odontologia,que se parece com a do oftalmologista e do barbeiro,tenha raízes históricas centradas no processo sobre-humano, quase heróico, de manuseio dental nopassado onde à dor era uma constante. Qualquertratamento se transformava em um longo episódiode tortura e os procedimentos se faziam emmomentos difíceis, impossíveis de serem suportadospelos pacientes ditos normais. Eram geralmenteespetáculos públicos que envolviam muitas pessoas,que também ficavam traumatizadas pelo tratamentobizarro do qual elas participavam no sentidocooperativo.

Hoje, vive-se um novo tempo e uma novarealidade onde a dor é bem controlada poranalgésicos e anestésicos modernos, e tratamentosodontológicos os mais complexos possíveis podemser realizados com prontidão na urgência e comsegurança quase que absoluta para o paciente. Mas,apesar disso o medo persiste em relação aotratamento dental e é uma constante quando opaciente se assenta na cadeira odontológica e, porisso, o dentista precisa ter muita paciência e segurançapara bem cumprir seu papel profissional técnico e desedar a dor. (24).

II - ASSISTÊNCIAApesar da palavra assistência ( adsistentia, latim)

significar ato ou efeito de assistir, proteger, amparar,ajudar, cuidar no sentido de suprir a deficiência deoutra pessoa, ela parece ter forte conotação social,organizacional, assistencial no sentido de que oatendimento da pessoa portadora de deficiênciaparece ser tutelado por alguma entidade assistencial,pública ou religiosa. Do ponto de vista profissional apalavra atendimento parece ser mais adequada paraa tarefa de aceitar o portador de deficiência comopaciente e atender adequadamente seus problemasbucais. Para maiores detalhes, consultar o capítulode livro "A boca no atendimento das PessoasPortadoras de Deficiência" no livro "Clínica e CirurgiaGeriátrica". (9).

III - TRANSTORNOS INVASIVOS DODESENVOLVIMENTO - TID

Antes do estabelecimento de um diagnósticomédico correto os pais ficam em "romaria", isto é, deprofissional em profissional, até acertarem e aceita-rem o terapeuta. Inicialmente, os pais, desorienta-dos, sofrem muito e perdem a esperança. Seus filhosapresentam-se com um comportamento solitário,preferindo ficar isolados, parecendo não escutar, e

chegam a pensar que a criança é surda e a levam aomédico otorrinolaringologista (1) para examinar oouvido e o resultado apresenta-se normal. Por faltade orientação e informações corretas se perde umgrande tempo para o tratamento. Felizmente, no lo-cal adequado e com o profissional certo é possívelchegar mais rapidamente ao diagnóstico de Trans-torno Invasivo do Desenvolvimento.

Os Transtornos Invasivos do Desenvolvimentocaracterizam-se por prejuízo severo e invasivo emdiversas áreas do desenvolvimento, com aprobabilidade de interferir na possibilidade deinteração social e comunicação, demonstrandocomportamento com estereotipia e desvio em relaçãoao nível de desenvolvimento e de idade mental. Essestranstornos se manifestam nos primeiros anos de vidae freqüentemente estão associados com algum graude Retardo Mental. Podem ser observados com outrascondições médicas gerais, como anormalidadescromossômicas, infecções congênitas eanormalidades estruturais do sistema nervoso central.Principais tipos: Transtorno Autista, Transtorno de Rett,Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno deAsperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimentosem Outra Especificação. (3,4,5,6,22,23,25).

TRANSTORNO AUTISTA, AUTISMOINFANTIL PRECOCE OU AUTISMO DEKANNER.

O paciente com Autismo (20) apresentadificuldades na interação social e comunicação deforma ampla e persistente. Prefere atividades solitárias,não participando de jogos ou brincadeiras simples,parecendo ignorar outras crianças e não ter idéia dasnecessidades e sofrimento dos outros. Apresentaatraso ou ausência de desenvolvimento da linguagem.Estabelecendo o autismo como modelo de assistênciaodontológica, fica claro que não se vai atender a umpaciente comum e comportado.

Na maioria das vezes não atendem ao comandoverbal, hiper-ativos, irritadiços, arredios, gritam ouemitem sons diferentes, babam. Além disso, podemser agressivos e de comportamento perigoso, sujeitoa causar dano em si próprio, auto-agressivos -mordem suas próprias mãos ou corpo e outra pessoaque o estiver acompanhando. Podem apresentarmanias: de arrancar pêlos, tricotilomania; de comerterra, papel e outros materiais, bezoar; de movimentospendulares em dois tempos com o corpo ou parte docorpo, as estereotipias. Imprevisíveis, no mesmomomento em que estão quietos podem em umsegundo adquirir um comportamento irritadiço eagressivo, e daí a necessidade de se ter uma atençãoredobrada com os mesmos. Esta instabilidadecomportamental é desgastante para familiares eatendentes - pessoas que ajudam nos cuidados como paciente - e assustam profissionais menosexperientes.

O portador de deficiência mental é como uma

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

criança de um ano, totalmente inocente e imprevisível,dependente de cuidados de higiene e do uso de inúme-ros medicamentos com ação sobre o comportamento.Se usar o banheiro pode não saber se limpar direito e sóescovar os dentes com alguém segurando a sua mãopara dar maior firmeza e direcionamento correto.

IV - PASSOS DO ATENDIMENTOODONTOLÓGICO DOS TID. (2,7,8,9,10)

1 - O agendar a consulta.No primeiro contato telefônico geralmente se

obtêm as primeiras informações sobre o paciente quese vai atender. Ao se perceber, pelos sinais indicativos,que se trata de um paciente com autismo pode-seagendar a consulta inicialmente com os pais e, depois,em um outro momento, ou a seguir, atender opaciente que geralmente vem acompanhado de maisalguém, na maioria das vezes, um atendente ouauxiliar da confiança da família.

Quando o paciente chegar ao consultório ouclínica e não mostrar sinais de que vai adentrar nasala e ficar estático no corredor, não há manobra queo faça entrar no consultório. De qualquer forma aconsulta deve ser agendada e o paciente vir pelomenos uma vez ao consultório, a não ser que o seucaso exija o atendimento domiciliar no lar, em clínicaou escola. Como estranha o local que não conheceou aonde nunca foi, é uma tarefa estafante fazer comque se ambiente em paz em um lugar estranho, quepara ele é sinal de perigo. Depois de muito esforço,quando o paciente conseguir ultrapassar a porta,acontece imediatamente uma outra barreira, elesente-se em um ambiente estranho e demora arelaxar. Deve-se procurar distrair o paciente ecalmamente usar os estímulos positivos que possamsensibilizá-lo profundamente. Só depois ele poderáficar mais à vontade. Um detalhe não pode seresquecido de forma alguma, evitar assentar o pacienteimediatamente na cadeira odontológica para o exameinicial e futuro tratamento. Com muito jeito, calma ecuidado, que não é fácil, dada à inquietude do mesmoe pavor pelo toque de outras pessoas, conduzi-lo atéa cadeira odontológica. Jamais romper o limitepessoal do paciente para evitar que ele comece a seagredir e em seqüência possa causar dano em outrapessoa. O período preparatório é difícil e em muitassituações é necessária e indispensável à cooperaçãode pais e familiares neste trabalho que exige apresença integral dos mesmos. Esta preparaçãopoderá ser atalhada por outra técnica quando houverurgência ou impedimento dos pais ou responsáveispara acompanharem o atendimento.

2 - A primeira consulta e as consultasseqüenciais.

A primeira consulta é com certeza a maisimportante. Os pais chegam com muita expectativae fazem uma minuciosa avaliação do profissional ede suas condições de atendimento. Avaliam o

profissional, o seu consultório e a sua capacidade deatender a diferença de seu filho, pais ou irmão epodem apresentar uma ansiedade contida. Há que seentender que seus pais e familiares os levam aosprofissionais com certa cautela e receio de não seremdevidamente ouvidos, compreendidos e atendidos.Dado ao desgaste sofrido anteriormente em outrasconsultas, eles não têm muita expectativa de umatendimento melhor e mais adequado. É preciso queo profissional esteja atento para estes detalhes paraque possa atender bem, com calma, competência esegurança. É no momento da anamnese que se deveescutar ou reviver minuciosamente a história de umavida, de se avaliar exames de outros especialistas dasaúde, laboratoriais, radiográficos, dentre outros.Quando necessário, pedir novos exames maisespecíficos da própria especialidade. Na maioria dasvezes o paciente traz o indicativo de um prováveldiagnóstico médico, e de posse deste diagnóstico,consciente dos problemas e necessidades do paciente,pode-se estabelecer um prognóstico e partir comsegurança para o exame da boca. A melhor forma dese examinar a boca de uma pessoa é em uma cadeiraodontológica e com um bom foco, com umalâmpada de no mínimo 10 mil lumens, ar comprimidopara secar dentes, gengivas ou outras partes da boca,uma sonda exploradora e um espelho bucal, além degazinha e algodão e a ficha clínica odontológica comum desenho esquemático dos dentes e algumas áreasanatômicas da boca para se anotar qual tratamentovai ser executado e registrar algumas particularidadesbucais que sejam relevantes.

Raramente o exame do paciente com TID é feitosem contenção física (12) ou sob anestesia geral nohospital. O medo que os pacientes têm doconsultório, dos instrumentos odontológicos, damovimentação do profissional e da auxiliar, do foco,dos ruídos do compressor, além do ambiente estranhofaz com que a precisão da avaliação sejacomprometida. O exame bucal mais detalhado dopaciente será complementado após a longapreparação do paciente para tratamento noconsultório ou no atendimento sob anestesia geral,que economiza tempo e desgaste do paciente efamília, mas aumenta os custos financeiros. Quandose tem informação de que o paciente é agressivo, amelhor conduta é geralmente o atendimento sobanestesia geral. As consultas seqüenciais vãodepender do tipo de tratamento adequado para ocaso que está sendo atendido. Pode-se estabelecercomo um protocolo de atendimento a seguintemetodologia: quando se optar pela anestesia geral,marcar apenas a consulta de retorno e em caso detratamento clínico prolongado, marcar de uma a duasconsultas semanais até a finalização do tratamento.

Durante o atendimento hospitalar odontológico,o dentista reforça seu aprendizado ao trabalhar comos pacientes em posições não habituais naodontologia sem risco para o mesmo, como, porexemplo, deitados na horizontal ou lateral, e debarriga para cima ou decúbito ventral. Como se pode

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3º Milênio

ver, o trabalho no leito médico, ou mesa cirúrgica,ajuda o dentista a ultrapassar a dependência da cadeiraodontológica.

3 - A prova da cadeira.Durante a primeira consulta há um detalhe de

suma importância que é a prova da cadeira, umatentativa de fazer com que o paciente sente-se e deixe-se ser examinado, o que será um grande indício dapossibilidade do cuidado estratégico viabilizar o seutratamento e a determinar onde é o melhor local parao seu atendimento. Esta prova consiste apenas empedir a família ou acompanhante ajuda para que opaciente se assente na cadeira para o exameodontológico. Parece fácil demais e na realidade nãoé, o profissional, depois de muitas tentativas em vão,sente que ganhar uma batalha numa luta que exigeforça e inteligência rápida poderia ser mais fácil. Ospacientes com deficiência jamais podem serobrigados a fazer o que não querem porque se tornamextremamente agressivos. Calma, tranqüilidade,equilíbrio e paciência são os ingredientes favoráveisao sucesso do seu atendimento. Quando o pacientecom TID se assenta na cadeira sem relutância pode-se afirmar, quase com certeza, que o atendimentoodontológico poderá acontecer no próprioconsultório odontológico. Quando o paciente nãoentrar na sala do consultório e não se assentar nacadeira odontológica, o atendimento possível deveráser hospitalar.

4 - O exame bucal.Os detalhes do primeiro exame são conhecidos

de todos os dentistas. Após a anamnese e exameclínico do paciente, realiza-se o exame bucal,odontológico. O paciente assentado na cadeiraodontológica e sob boa iluminação bucal tem a suaface, Articulação Têmporo Mandibular - ATM, lábiosexaminados e, em seguida, toda sua boca, e depois opescoço, no padrão descrito por SALGADO.(10).Completado o exame, o atendimento será executadono próprio consultório ou nos vários espaços quepodem ser usados pelo dentista especialista ematender portadores de deficiência: casa, escola, clínica,hospital. O que é possível graças a sua formação geralmais diferenciada, utilizar equipamentos portáteis deúltima geração e capacidade clínica cirúrgicahospitalar.

De um modo geral os pacientes costumamprocurar o dentista no momento mais imprópriopossível que é na hora da dor e do sofrimento. Comopreparar e atender corretamente um pacienteportador de deficiência com dor? É muito estressantepara o paciente, para o profissional e a família. Comosaber com absoluta certeza se ele está com dor dedentes? A experiência e a maturidade profissionalvalem muito nesta hora, mas prestar atençãominuciosa no comportamento destes pacientes é umfator preponderante para evitar uma avaliação errada.Eles são difíceis, apresentam um comportamentodiferente, porém com um padrão previsível que se

repete. Quando há um desvio mais acentuado decomportamento, por exemplo, mais agitação enervosismo, pode-se inferir que há algo mais graveacontecendo. É aconselhável prestar muita atençãoquando eles começam a se agredir repetidamente,agredir aos outros, não conseguem dormir, andampara lá e para cá incessantemente. Buscando-se acausa da agitação e inquietude, deve-se examinar todoo seu corpo e procurar um local dolorido que ninguémainda percebeu adequadamente. Aspectos quedevem ser considerados cuidadosamente, dor degarganta, resfriado com febre, desidratação, diarréia,intestino preso, algum local dolorido ou machucadono corpo e roupas ou sapatos apertados, etc. Durantea anamnese o profissional pode buscar informaçõesadequadas com as pessoas que atendem estascrianças que sabem com muita propriedade quandoelas estão com dor e onde se localiza esta dor. Quandoestão com dor na boca elas costumam babar,apresentar bruxismo, atritar os dentes com umbarulho como se estivesse cortando ou raspandovidro, morder a si mesmo e aos outros, rasgar roupase travesseiros. E, é claro, não se alimentar direito.

Atender na urgência é difícil e pode exigir osuporte da estrutura hospitalar com anestesia geral.Os detalhes técnicos do atendimento odontológicocontinuam os mesmos, que apenas irá ocorrer emoutro local. O dentista deve estar familiarizado como uso de medicamentos da linha hospitalar necessáriospreferencialmente na urgência. O atendimento seráno Sistema Hospital Dia ou como paciente externousando o leito hospitalar apenas para recuperaçãoanestésica. Alguns casos, um profissional experienteconseguirá atender no consultório ou clínica,certamente não todos.

5 - Detalhes do atendimento. (12).Tratando-se de um grupo de pacientes difícil de

ser atendido, educado e controlado pelosmedicamentos mais diversos possíveis, quem sepropõe a atendê-los tem que marcar consultasdemoradas e falar em um momento com a família eem outro momento com o paciente. Não esquecerque sem parâmetros médicos, educacionais e da vidafamiliar do paciente é impossível se programar umatendimento a contento. Que será, certamente emlongos meses, após uma preparação lenta como aque se faz com crianças na odontopediatria. O corretoatendimento será construído de forma lenta, calma,cheia de repetições e com muito consumo de tempoe de material, mas que ao final mostra-se salutar parao paciente.

Uma criança, apesar das dificuldades, pode seratendida com contenção física desde que hajacombinação prévia com a família, que, aceitando,deverá acompanhar de perto o tratamento. É melhorque a família esteja ao lado ou alguém autorizadopor ela para que veja o atendimento do paciente e odomínio e a capacidade do profissional para executaro tratamento apesar de todas as dificuldades. Aexceção ocorrerá quando o paciente for atendido

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

no hospital onde geralmente só entra no interior dobloco cirúrgico quem esteja ambientado comhospital. Existe também uma situaçãoextremamente rara que é o caso de paciente grave edifícil quando se permite que alguém da família,devidamente vestido, acompanhe o tratamentohospitalar odontológico quando não se vai usar aanestesia geral.

Após a análise e avaliação de inúmeros detalhesé que se parte para o atendimento odontológicoprogramado de acordo com a metodologiaanteriormente descrita. De um modo geral nemsempre os familiares dos pacientes procuram porcuidados odontológicos na urgência e sim paramanter a seqüência de atendimentos que nestespacientes devem ser contínuos e permanentes emperíodos que variam de um a seis meses para retorno.

6 - Equipamento, instrumental e materialnecessário.

O equipamento fundamental para oatendimento odontológico é o consultórioodontológico padrão que é suficiente para os casoscomuns da clínica. Outro equipamentoindispensável é o moderno complexo portátil comar comprimido, alta rotação e micro motor, paraatendimento domiciliar e hospitalar. O material e oinstrumental odontológico é o que se usa para asdiversas especialidades clínicas e cirúrgicas e oprofissional de odontologia, pela experiência detrabalho, sabe praticamente de cor o nome de todosos materiais, instrumentais e equipamentosauxiliares necessários para os mais variados tipos deprocedimentos odontológicos.

Talvez o mais importante instrumental usadopara o tratamento dentário seja o abridor de boca ea conseqüente imobilização da cabeça do paciente- ver detalhes sobre abridor de boca no livro Escova.(12) Este abridor em anel metálico que protege osdentes e ainda permite que se imobilize a cabeça dopaciente foi criado durante o enfrentamento dasdificuldades para o atendimento de portadores dedeficiência. Nenhum dentista consegue tratar de umpaciente que movimenta a cabeça continuadamentesem um momento de equilíbrio. Por outro lado,todos profissionais e auxiliares, têm medo de levaruma mordida no dedo, que pode ocasionar lesõesmuito graves. No mercado de materiaisodontológicos existem outros tipos de abridores deboca. O dentista, claro, utilizará ainda inúmerosoutros instrumentais odontológicos que fazem partede sua rotina diária de trabalho e não necessitamserem aqui citados.

Um dentista em exercício de sua profissão comcerteza estará a cada momento usando um novo emais sofisticado material que hoje é comum naodontologia, Em todas as especialidades clínicasexistem inúmeras marcas de produtos desde resinas,metais, materiais restauradores estéticos e demoldagem, de prevenção e educativos. Só a prática

profissional pode ampliar a utilização da imensavariedade de material moderno e de alta qualidadepara a odontologia. O que é um bom sinal do altonível tecnológico e clínico da moderna odontologiaem cooperação com o profissional e o paciente.

7 - Locais de atendimento.No momento em que os familiares marcam uma

consulta, geralmente por telefone, deve-se perguntarqual é a patologia médica do paciente para saberem que nível de cuidados ele será atendido.Dependendo do tipo de diagnóstico médico dopaciente é impossível atender sem o suportehospitalar. Deficiências graves e incapacitáveis sãodifíceis de serem atendidas em locais comuns. Énecessário compreender como são as jornadasfamiliares dos pacientes, detalhes minuciosos de seucomportamento, e as dificuldades com médicos edemais terapeutas para o tratamento. Avalia-serapidamente se o caso é para ser atendido em casa,em consultório, escola, lar residência ou casa deidosos, clínica, escola ou hospital. A visita aoconsultório odontológico é importante e felizmenteacontece em mais de 80% dos atendimentos depessoas com deficiência, mas em caso de TID elaacontecerá somente quando for possível.

8 - O profissional. (9).O dentista especializado em atender pessoas com

deficiência geralmente deve ser um profissionaldiferente. Diferente sobre o aspecto humano, pessoal,pela firme vocação que possui e pelo treinamentodiferenciado que necessita ter. Para um adequadoatendimento desta magnitude há exigência de umprofissional com mais de cinco anos de formado ecom experiência de militância profissional em váriasespecialidades clínicas da odontologia. Necessitaainda, de conhecimento adequado que se aprofundana prática profissional quando demonstra suacompetência em seus atendimentos que chegam aorequinte quando há paciência, segurança,tranqüilidade e bom senso, porque a complexidadedas patologias leva o profissional a ter que optar porcondutas. É necessária uma visão global e atualizada,amalgamada numa séria responsabilidade além de altaadaptabilidade, isto é, ser capaz de no último minutooptar pelo que é mais seguro e eficaz. O que provacada vez mais que quem não evoluir e se transformarserá digerido pela faminta máquina da modernidade.Neste momento nunca o passado longínquo e o futurocibernético e tecnológico se tocaram e se entrelaçaramde forma desafiadora como acontece atualmente, e oprofissional centrado neste eixo não pode perder oequilíbrio em nenhum momento. Por isso que viver opresente momento é altamente desafiador, para oprofissional, para o paciente e para a tecnologia. Oprofissional que atende o TID é um profissional quecorajosamente sempre aceita os maiores desafios enão tem medo do passado e nem do futuro.

8 - Orientação de higiene bucal e apoio para as

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3º Milênio

famílias. (2,7-19).

Para que haja uma boa higiene bucal é necessárioque os seguintes fatores sejam levados emconsideração:1º - A classe profissional necessita estar sempre

sensibilizada para uma palavra amiga, palavra deconfiança, de ponderação e de ajuda. Evitar dizernão. Recusar laudos negativos, mal fundamentados,mais baseados em impressões pessoais, que sãocomo uma eutanásia passiva. Procurar sempre serfonte de ajuda, de estímulo e de alegria. Com calma,incentivar os pais a ajudar seus filhos a formaremhábitos de higiene corretos. Orientar sobrevariedades de material de higiene bucal e ensinarcomo usá-los adequadamente. Educar é "pegarna mão" dos pais e da criança, ensinar e repetirquantas vezes forem necessárias sem se aborrecerou se cansar. Reconhecer que para se educar umacriança é necessário um treinamento psicomotorde forma agradável, para que o objetivoeducacional possa ser incorporado a essência doser humano como ser social em sociedade. Obom profissional deve pegar na mão para ensinaro paciente a escovar corretamente seus dentes,porque nenhum livro ou filme, por melhor queseja, consegue ensinar direito. Pegar na mão emfrente a um espelho e pacientemente repetir,repetir e perguntar insistentemente como ele estáse desenvolvendo na prática de higiene, fazercorreções e a avaliação final do aprendizado. Osegredo básico do sucesso é paciência e repetiçãolenta e ordenada.

2º - Os pais devem compreender perfeitamente quaissão seus deveres de pais e se prepararem paraassumir seus filhos incondicionalmente. Osmelhores hábitos são aprendidos na escola dafamília, o lar; hábitos repetidos na escola comumou especial, ao se educar; hábitos levados àconsciência na adolescência, na escola da vida.

Apoio para as famíliasO maior apoio que uma família pode ter é a

oportunidade de seu filho com TID ser atendido emum consultório odontológico comum. Infelizmenteisto não é possível para todos. Mesmo assim elesgostariam que o dentista fosse um amigo maispróximo que pudesse orientar direito sobre oscuidados que os pais poderiam ter com os dentes e ahigiene bucal de seus filhos que fogem do padrão denormalidade social. A expectativa maior, sem sombrade dúvida, é que o dentista se torne realmente amigodas famílias. Que ajude. Que seja paciente. Que sejapresente. Que seja a compreensão e a verdadeiraamizade que todo ser humano precisa. Todo serhumano tem direito a uma vida digna, que esta vidadigna seja completa com SAÚDE BUCAL, que é o bemmaior que um dentista pode oferecer as pessoas.

CASOS CLÍNICOSCaso IPML, 36 anos, sexo masculino, de Belo Horizonte

- BH, cliente há 17 anos e diagnóstico de Autismo.Comportamento: Prefere ficar isolado rodando umacordinha na mão de material que ele mesmo retira detecidos que estejam ao seu alcance. Quando a cordaé afastada ele começa a movimentar o corpo parafrente e para trás, estereotipia. Não fala, mas atendeao comando verbal e compreende corretamente. Emitesons diversos quando está nervoso. Não é agressivocom os outros apesar de agredir a si mesmo commordidas e pancadas quando está em pânico.

Exame bucal: Não mastiga direito, engole acomida quase que inteira. Para que sua higiene bucalseja mantida é necessário que outra pessoa que eleaceite bem o faça por ele. Pela aceitação e cooperaçãode sua família e também do paciente, ele conseguetratar no consultório. Apresenta muita atrição edesgaste nos dentes e acentuada retração gengival,perda óssea e hipertrofia gengival, apesar de não usaranticonvulsivante. Além disso, oclusão normal, boahigiene bucal e ausência de cáries, com certeza porcausa de sua dieta pobre em produtos cariogênicos.

Caso IIRLPL, 20 anos, sexo feminino, cliente há 4 anos.

Comportamento: Ela continuadamente está sempreisolada e movimentando objetos pelos cantos dacasa. Apresenta estereotipia com movimentos paratrás e para frente e tendência a lateral. Não fala, masatende o comando verbal e compreende. Não agrideas pessoas. Quando se sente em perigo morde a mãoesquerda, onde tem várias calosidades. Leva objetos aboca e não os engole. Sua mãe relata que ela tem ointestino preso. Exame bucal: apresenta mordida abertaanterior, mastigação irregular, engole os alimentospraticamente inteiros. É respiradora bucal, e para umaperfeita higiene da boca depende de que outra pessoa ofaça por ela. Apesar destas dificuldades ela, por causado apoio e ajuda da família, consegue tratar no próprioconsultório, em alguns momentos com uma contençãofísica leve de se segurar em suas mãos e firmar umpouco a sua cabeça. Entre outros tratamentos realizadosanteriormente já extraiu os dentes sisos, removeu tártaroque é comum devido à dificuldade que tem para abrir aboca para outras pessoas fazerem a higiene, profilaxiageral e aplicação de flúor.

Caso IIIRF, 22 anos, sexo masculino, cliente há 15 anos.

Aspecto bem frágil quando do primeiro tratamento,de desnutrido mesmo, e pele áspera. Foi adotadoatravés de uma creche e é filho de uma família carente,o que explica o seu quadro de desnutrido grave.Devido ao carinho e cuidado da nova família tevebom desenvolvimento e crescimento. Hiperativo,apresenta estereotipia de movimentação do troncocom desvio do corpo para a direita. Não fala, mascompreende e atende o comando verbal. Exame

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bucal. Passou por inúmeras etapas de tratamento,desde criança, jovem e agora adulto. Perdeu poucosdentes e quebrou dentes anteriores por morderparedes e portas de sua casa. Este comportamentode morder portas ainda continua e vez por outra temque se fazer um reparo nas coroas dentais. Ëdependente de alguém para cuidar de sua higienebucal. Foi atendido no consultório desde criança eevoluiu bem nesta seqüência de tratamentos. No inícionecessitou de contenção física com a ajuda de seusfamiliares, hoje vem a consulta, entra e senta nacadeira e deixa fazer o tratamento sem maioresproblemas. Um detalhe interessante é que só deixavatratar sentado na cadeira com rotação de 45º grauspara a direita, que foi corrigida recentemente devidoà boa evolução do paciente nos tratamentosseqüenciais realizados.

Caso IVPGN, 27 anos, sexo feminino, cliente há 10 anos.

Na primeira consulta teve a maior dificuldade paraultrapassar a porta de entrada. Depois que entrou nãoassentou na cadeira. Não atende ao comando verbal.Não fala. Anda com as pernas um pouco abertas earrastadas. Não aceita nenhum brinquedo, nemaqueles com movimentação. Não presta atenção anenhum objeto em particular, tem movimentaçãocircular com as duas mãos juntas. Extremamenteinquieta. Quando é forçada a fazer qualquer coisa seagride com mordidas no braço. Conduta:atendimento sob anestesia geral hospitalar.Freqüência das vindas ao consultório, de 3 em 3 anos.O tratamento é todo realizado em uma única sessãoe não há, por ser cliente do interior, nenhumaavaliação pós-atendimento. Como se pode ver, aanestesia geral é importante. Os pais raramenteconseguem entender a necessidade de, em algunscasos, ter de administrá-la pelo menos duas vezes aoano. Eles adiam ao máximo este atendimento e todasas vezes que os pacientes retornam há muitos dentesa serem tratados.

Endereço para CorrespondênciaRua Gonçalves Dias 1181/703, Bairro Funci-

onários, Cep: 30140-091, Belo Horizonte - MG.

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Atheneu, 1969, 538 p .6 - Manual Diagnóstico Estatístico dos

Transtornos Mentais. DSM IV, 4. ed. São Paulo: ArtesMédicas,199, 830 p.

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13 - Salgado MI. Dokt e a Brincadeira de Rodados Dentinhos. Belo Horizonte: Ass Bras Odont, 1989.

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3º Milênio

CAPÍTULO XXXVII

TERAPIA OCUPACIONAL NOS TRANS-TORNOS INVASIVOS DO DESENVOLVI-MENTO

Márcia Cristina Franco LambertuciLívia de Castro Magalhães

“Ricardo com apenas dois anos já controla todomovimento de sua casa. Ele se irrita com facilidade,chora e faz birras com muita freqüência e os pais sesentem frustrados, pois seu comportamento éimprevisível. Tem dias que ele levanta bem, chega asorrir para os pais, e brinca quieto com seus carrinhosno canto do quarto, mas pequenas coisas, como obarulho inesperado da panela de pressão, umbrinquedo fora do lugar, ou a interrupção pelos pais,desencadeiam crises violentas de birra, com choropersistente e corridas descontroladas pela casa, sendodifícil acalmá-lo. Ele ainda não fala, mas logo aprendeua tirar o som da televisão e usar o controle remoto,para ficar vendo repetidamente o mesmo pedaço dofilme "O Rei Leão". Ricardo não brinca com outrascrianças, em geral se afasta e brinca sozinho. Às vezesele sorri observando as crianças brincando, mas nãosuporta que elas usem seus brinquedos ou que, nabrincadeira, acabem por desfazer sua filas perfeitasde carinhos. Quase sem perceber, os pais se adaptaramaos rituais e rotinas do filho, não o levam a certoslocais, como supermercados e festas, deixam que elepasse horas na janela observando o movimento doscarros, evitam tirar seus brinquedos do lugar, deixamque ele levante mais tarde e que escolha o que vaicomer. Por ser uma criança linda, Ricardo cativa aspessoas, que o consideram mimado e cheio devontades. Ele é cercado de muito carinho e os pais nãoentendem porque seu comportamento é tão instável.Às vezes ele parece ignorar as pessoas, às vezes émeigo, correndo para dar um abraço no pai, masfreqüen-temente é agressivo, mordendo a mãe quandoela tenta confortá-lo, empurrando e unhando oscolegas, ou mesmo atirando longe pratos com ascomidas que não gosta.“

Comportamentos frustrantes como os deRicardo são bastante comuns entre crianças queapresentam distúrbios invasivos dodesenvolvimento. Tais crianças apresentamcomportamentos que variam em relação a seuinteresse e habilidade de contato, como no caso deRicardo (apresentado nesse texto). A classificaçãodesses distúrbios é discutida em outros capítulos, onosso objetivo aqui é apresentar uma explicaçãopara alguns desses comportamentos, sob umaperspectiva sensório-motora.

Tradicionalmente as abordagens de intervençãopara criança que apresentam problemas como o deRicardo eram baseadas em uma visão psicossocial,

centrada no estudo da dinâmica das relaçõesfamiliares e possíveis conflitos afetivos, que seriama base do comportamento peculiar dessas crianças.Evidentemente boas relações afetivas com os paissão essenciais para o desenvolvimento emocionalinfantil, mas alguns autores vem questionando seos diferentes graus de dificuldade no relacionamentointerpessoal, apresentado por crianças comdistúrbios invasivos, não seriam reflexo de déficitsde processamento sensorial e problemas deplanejamento motor, que tornam o comportamentoda criança ineficiente e desorganizado (Weider,1996). Compreender como essas crianças regulam,interpretam e respondem a diferentes tipos desensação pode nos ajudar a entender melhor asvariações, às vezes dramáticas, nos padrões decomportamento, abrindo uma perspectiva diferentepara intervir nesses problemas e ajudar os pais adesenvolver estratégias que venham a tornar ocomportamento mais manejável e o relacionamentocom a criança menos frustrante.

Naturalmente o tratamento da criança queapresenta distúrbios invasivos requer a atuaçãointegrada de vários profissionais, que combinandodiferentes abordagens vão orientar os pais nasdiversas etapas da vida da criança. Enfatizaremosaqui a atuação do terapeuta ocupacional, dentro deuma perspectiva sensório-motora, que é uma linhade trabalho bastante efetiva com essas crianças.

MAS O QUE É TERAPIA OCUPA-CIONAL?

A Terapia Ocupacional é uma profissão da áreade saúde voltada para o estudo das atividades eocupações humanas. Procuramos entender comoas tarefas que realizamos no dia-a-dia como otrabalho, o brincar e atividades escolares da criança,o lazer e as rotinas de auto cuidado, nos ajudam aorganizar o tempo e levar uma vida produtiva, quenos dá uma identidade pessoal, pois na verdade,somos aquilo que fazemos (Kielhofner, 1992).Quando as pessoas estão doentes ou apresentamdistúrbios do desenvolvimento, não conseguemorganizar suas rotinas diárias e fazer as atividadesque são típicas para sua idade e grupo social. Comoresultado, podem se isolar ou se tornaremdependentes de ajuda externa, o que influenciarásua capacidade funcional, auto-estima e identidadepessoal.

O terapeuta ocupacional, como bem definido porTrombly (1993), capacita "pessoas para se dedicaremàs tarefas, papeis e atividades que tem significado paraelas no seu dia a dia e que definem suas vidas" (p.253).O terapeuta ocupacional pode usar recursos, comoadaptações ou modificações no ambiente, que tornemo desempenho funcional mais eficiente, ou então usarmétodos de estimulação e remediação, visandodesenvolver habilidades básicas, como força, percepçãovisual e coordenação motora, que são essenciais paranossas atividades diárias. No caso da criança o trabalho

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

é muito voltado para estimular o brincar, para que eladesenvolva habilidades sensoriais, motoras cognitivase sociais, e aprenda sobre si mesmo e sobre o mundo. Étambém essencial dar suporte para que a criança setorne o mais independente possível nas tarefas diárias,de se alimentar sozinha, tomar banho, se vestir, organizarseu material escolar, de forma que ela se integre nastarefas e rotinas que são típicas de sua família ou cultura.

COMO A TO ATUA NOS CASOS DEDISTÚRBIOS INVASIVOS?

A terapia ocupacional conta com vários modelosteóricos de intervenção e uma abordagem bastanteusada na área infantil é a terapia de integração sensorial.A terapia de integração sensorial foi desenvolvida pelaterapeuta ocupacional norte americana, A. Jean Ayres,que se dedicou ao estudo das bases neurobiológicasdos distúrbios de aprendizagem. Ela desenvolveu umateoria que procura explicar como o cérebro organizainformações sensoriais de forma a produzir padrõesestáveis de comportamento, que vão permitir ainteração produtiva com o ambiente e a aprendizagem.Segundo Ayres (1988) " Integração Sensorial é o processoneurológico que organiza as sensações do corpo e doambiente de forma a ser possível o uso eficiente docorpo no ambiente". Tudo que nós fazemos no nossodia-a-dia, depende de informações sensoriais, é o alarmesonoro do relógio que nos acorda pela manhã, é o molejodo ônibus que dá sonolência, o barulho irritante doscarros, o conforto tátil de um abraço amigo ou umapropaganda colorida que atrai nossa atenção. É ummundo vasto de informações sensoriais, que precisamser organizadas, caso contrário, bombardeados porestímulos, nossa atenção vai flutuar de um ponto a outro,sem conseguir focar em algo e aprender com asinterações com o ambiente.

Crianças com falhas de processamento sensorialtendem a ser mais desorganizadas, muitas vezes temdificuldade para prestar atenção e se relacionar com aspessoas, pois não organizam e interpretam informaçõessensoriais da mesma maneira que os outros. Apesar detodas as informações sensoriais serem importantes, ateoria de integração sensorial dá grande ênfase aossistemas que processam informações do nosso corpo,nas quais nem sempre prestamos atenção, que são ossistemas tátil, vestibular e proprioceptivo. Estes sistemas,junto com a audição e a visão, mais estudados em outrasabordagens, são considerados fundamentais para odesenvolvimento da criança.

O sistema tátil processa informações sobre aquiloque esta em contato com a pele, a temperatura, atextura, o formato e o deslocamento de objetos. Essasinformações são vitais para nos proteger de perigo, porexemplo, quando retiramos rapidamente a mão quetoca em um objeto quente, e são essenciais para ocontrole de movimentos finos, nos informando sobre aposição de objetos nas mãos, para que possamosmanejá-los com destreza.

O sistema vestibular, mais conhecido entre as

pessoas como labirinto, localizado no ouvido interno,processa informações constantes sobre a gravidade emovimentação da cabeça em relação ao corpo,contribuindo para o controle do tônus postural, doequilíbrio e para o controle da movimentação reflexados olhos, que ajuda na orientação espacial no ambientee influencia também nosso nível de alerta A estimulaçãodo sistema vestibular, através do balanceio rítmico oudo girar e rodar, é muito usada de maneira intuitivapelas pessoas. Toda mãe sabe acalmar uma criançaembalando-a no colo e muitos de nós procuramos narede ou na cadeira de balanço o ritmo certo paradesencadear um cochilo. É bom lembrar que aestimulação desse sistema pode ter efeitos potentes.Quem nunca sentiu náusea após rodar, andar de carrono banco de trás ou mesmo subir num daquelesestacionamentos com rampa circular? Quem nunca viuuma criança tão excitada após o dia no parque,balançando e movimentando, que ela nem conseguedormir?

Propriocepção são as informações que recebemosdos músculos, ligamentos e articulações, nosinformando sobre a posição das partes de nosso corpono espaço, a força e a direção de movimento. Essasinformações nos permitem movimentar sem precisarconstantemente olhar o que estamos fazendo, comoquando abotoamos uma blusa, ou pegamos uma chavedentro da bolsa. A propriocepção, juntamente com oas informações vestibulares e táteis, nos dão sensaçõesbásicas para o desenvolvimento da consciência corporal,que vão guiar nossas interações físicas com o ambiente.

Na maioria das pessoas os mecanismos deintegração sensorial se desenvolvem normalmente,como resultados das brincadeiras infantis e interaçõescom o ambiente, pessoas e objetos. Estas vivências vãopromover uma série de estímulos, que pouco a poucovão sendo organizados, para permitir maior controledos níveis de alerta, com aumento da atenção dirigida emelhor potencial para aprendizagem. Segundo Ayres(1979) as sensações são como um alimento para océrebro, mas a criança precisa desenvolver habilidadepara organizar e interpretar essas informações, casocontrário é como se estivéssemos em umengarrafamento de trânsito, onde todos querem passar,mas as vias não são suficientes, gerando desorientaçãoe frustração.

O QUE É A DISFUNÇÃO DEINTEGRAÇÃO SENSORIAL?

"Meus sentidos são super sensíveis ao barulho eao toque. O barulho especialmente quando é bemalto, dói meus ouvidos, e eu evito ser tocada para nãoter que sentir aquela sensação opressiva" (Grandin,1992,p.1).

Esse trecho do relato de Grandin, uma autista adul-ta, famosa mundialmente por ricas descrições de suasexperiências sensoriais na infância, descreve bem oque significa ter uma disfunção severa de integraçãosensorial. Disfunção de integração sensorial é concei-

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tuada como a inabilidade para modular, discriminar,coordenar ou organizar sensações de maneiraadaptativa para responder adequadamente às deman-das ambientais (Lane, Miller & Hanft, 2000). Geral-mente as disfunções de integração sensorial são clas-sificadas0 em problemas de modulação, como relata-do acima por Grandin, e falhas na discriminação deestímulos. Modulação sensorial quer dizer capacida-de para regular e organizar a intensidade e natureza daresposta aos estímulos sensoriais, ou seja nem respos-ta demais, ou hiper-reação, nem resposta de menos,ou hipo-reação. Cada um de nós tem um padrão demodulação, ou nível de alerta para certos estímulos,que varia de acordo com a tarefa e horário do dia.Observa-se, no entanto, que algumas crianças pare-cem estar sempre com os "nervos a flor da pele" equalquer coisa as irrita. Outras se mostram mais apáti-cas, respondendo pouco ao ambiente, já algumas pes-soas flutuam de um dia para o outro, ou de momentoa momento, mostrando comportamento desorgani-zado e imprevisível. Padrões desorganizados de mo-dulação sensorial tem grande impacto no comporta-mento e desempenho funcional e parecem bastanterelacionados com alguns dos comportamentos ob-servados em crianças com distúrbios invasivos (Weider,1996).

Os distúrbios de modulação sensorial mais comuns emais bem descritos na literatura são relacionados aos sis-temas tátil e vestibular. A defensividade tátil é um distúrbiode modulação caracterizada por reação aversiva ao conta-to físico com pessoas e objetos. A criança parece não gos-tar de ser tocada e muitas vezes rejeita beijos e abraços, oque acaba sendo interpretado como falta de afeto ou rejei-ção pelos cuidadores. Crianças com defensividade tátilparecem mais agressivas e agitadas, pois na tentativa deevitar contato físico, acabam por empurrar ou dar tapasnos colegas, se envolvendo em brigas e desencadeandoconfusão. Muitas vezes elas preferem brincar isoladas, evi-tando materiais como areia, grama e cola. Ahipersensibilidade na boca e região perioral, pode resultarem problemas alimentares, pois a criança rejeita a texturade certos alimentos, sendo comum que a mãe prolongueo uso da papinha, para facilitar a alimentação. Apesar deser uma disfunção de processamento sensorial, adefensividade tátil tem grande impacto na vida afetiva dacriança, que desde pequena é caracterizada como birren-ta, irritável, agressiva, o que acaba afastando os amigos einfluenciando o relacionamento com os pais. Esse tipo deproblema aparece várias vezes nas descrições de Grandin(1992), ela relata, por exemplo, que: "Quando as pessoasme abraçavam, eu ficava enrijecida e tentava me afastardelas para evitar a enxurrada de estímulos desagradáveis.Eu parecia um animalzinho feroz resistindo"(p.4) ..... "Eusempre me comportava mal na igreja quando criança;minha anágua coçava e arranhava. As roupas de domingoeram diferentes na minha pele. O maior problema era atroca das calças que eu usava a semana toda para as saiasno domingo... Hoje em dia eu uso roupas que tenhamtextura semelhante. Meus pais não tinham idéia de por-que eu me comportava tão mal"(p.3).

ALGUNS SINAIS SUGESTIVOS DEDEFENSIVIDADE TÁTIL NA CRIANÇA:

• Reage negativamente ao contato tátil leve, podendose esquivar ou se mostrar agressiva, empurrando ouunhando os colegas e pessoas que se aproximampara tocá-la. Às vezes só aceita o contato físico com amãe ou cuidador.

• Evita abraços e beijos, é comum escorregar entre osbraços ou esfregar a área onde foi beijada, como quelimpando.

• Reage negativamente quando nos aproximamos portrás, se assustando com facilidade.

• Evita tocar ou demonstra aversão quando toca certastexturas, como areia, animais de pelúcia, bichos deborracha, certos tipos de tecido.

• Evita atividades táteis, tais como, massinha, pintura adedo, cola nos dedos.

• Evita retirar as meias e andar descalça na grama ou nocarpete.

• Tem peculiaridades com relação ao vestuário,preferindo roupas mais largas, mais velhas, semelástico ou golas mais justas.

• É chata para comer, não aceita a textura de certosalimentos, preferindo alimentação mais pastosa,cospe fora pedacinhos (ex: casca de tomate), escolhemuito o que come, separando coisas no canto doprato.

• Qualquer coisinha machuca ou dói, reclama de tudo,se alguém encosta, se toca um objeto frio. Temreações exageradas a pequenos arranhões eferimentos, às vezes até o vento, como o do ventilador,incomoda.

É comum que a defensividade tátil apareça associadaa outros sinais de hiper-sensibilidade sensorial, comorespostas aumentadas para odores e sons. Criançashipersensíveis, como exemplificado no caso de Ricardo,no inicio do capítulo, tendem a ser muito irritáveis desdebebês, sendo difícil entender seu comportamento. Elaschoram ao contato físico com os pais, rejeitam alimentose se irritam com qualquer ruído, especialmente sons comoo do secador de cabelo, liqüidificador e aspirador de pó.

Já os problemas de modulação na área vestibular,geralmente se manifestam pelo medo excessivo demovimento ou insegurança gravitacional, em que acriança não suporta tirar os pés do chão, chorandoquando colocada em balanços e desenvolvendoverdadeiras fobias de parquinhos. Algumas criançasapresentam sinais de reposta aversiva ou de intolerânciaao movimento, com reação de náusea e mal estarquando movimentadas ou balançadas, quando andamde carro, ou mesmo, quando são levantadas do chão.Todos esses problemas podem se apresentarcombinados e em diversos graus de gravidade, comobem descrito na Classificação Diagnóstica de 0-3(NCCIP), no que se refere a transtornos regulatórios nobebê e na criança pequena. Observa-se que quanto maiora severidade das falhas de modulação sensorial, ou

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

quanto mais acentuada a hiper-sensibilidade a estímulosvariados, maior a desorganização do comportamento.Tais problemas de modulação são vivamente ilustradospelas descrições de Grandin:

"Minha audição funciona como se eu usasse umaparelho auditivo cujo volume só funciona no"super alto". É como se fosse um microfone ligadoque capta todo o barulho ao redor. Eu tenho duasescolhas: deixar o microfone ligado e ser inundadapelo barulho, ou desligar. Minha mãe conta quealgumas vezes eu agia como se fosse surda"(Grandin, 1992, p.2)"Quando eu era pequena, barulhos altos eramum problema, geralmente eu o sentia como sefosse a broca de um dentista pegando um nervo.Eles de fato me causavam dor. Eu tinha medo debalões estourando, porque o som parecia umaexplosão nos meus ouvidos" (Grandin, 1995, p.67)

ALGUNS SINAIS SUGESTIVOS HIPER-REAÇÃO A OUTROS ESTÍMULOSSENSORIAIS:Estímulo Vestibular• Fica inseguro quando os pés não tocam o chão. Muito

medo de balanço,.• Apresenta sinais de náusea ou enjôo com movimento,

por exemplo, quando anda de carro ou no elevador,nos balanços do parque).

• Não gosta de brincadeiras em que tenha que ficar decabeça para baixo, evitando atividades, como darcambalhota.

• Demostra medo excessivo ou insegurança para subirou descer escadas.

• Evita escalar e pular, se mostrando inseguro quandoanda em superfícies irregulares.

• É muito cauteloso para se movimentar, tem muitomedo de altura. Evita brincar com os colegas seisolando, por exemplo, na hora do recreio na escola.

Estímulo Proprioceptivo• Irritável ao manuseio físico. Crianças pequenas podem

ficar muito incomodadas com mudanças de posiçãodo corpo, se irritando, por exemplo, com a troca deroupas.

• Não gosta de ginástica e de aulas de educação física.• É pouco harmonioso ou tenso ao se movimentar.• Evita atividades de puxar ou pendurar - se em barras .• Insiste em aceitar apenas determinadas texturas e

consistência de alimento.

Estímulo Visual• Dificuldade de desviar o olhar de um objeto para outro• Desconforto ou evita luz brilhante e pode continuar

incomodado mesmo quando os outros já seadaptaram a ela .

• Gosta de luzes fracas ou óculos de sol .• Evita contato visual.• Demonstra desconforto em lugares que tenham muito

estímulo visual ( ex: Shopping Center onde há muitos

letreiros coloridos ).• Cansa facilmente ou fica irritado quando realiza

atividades visuais complexas, como por exemplo,fazer quebra cabeça.

Estímulo Auditivos• Fica muito incomodado ou irritado com sons altos ou

inesperados, como o estouro de balões, enceradeira ,secador de cabelo e fogos de artifício.

• Distrai-se facilmente ou tem dificuldade paraconcentrar-se com barulho ao redor (Ex: televisãoligada , ventilador, rádio).

• Tampa os ouvidos com as mãos sem motivo aparente• Chora em lugares cheios e barulhentos.

Crianças hipersensíveis tendem a ser mais agitadas,pois sua atenção é constantemente solicitada porestímulos irrelevantes. É o barulho da geladeira, aetiqueta da blusa que incomoda, o mosquito voandocom aquele barulho irritante, o cheiro da merenda docolega, o brinquedo colorido do vizinho, que ele agarraimpulsivamente, mas logo solta, já atraído por outrosestímulos, indo de ponto a ponto, como que prisioneirodos estímulos ambientais. Para algumas crianças osestímulos ambientais são tão perturbadores, que elasacabam se isolando, como relatado por Grandin(1992.p.7): "Eu provavelmente criei um mundo à partepara me proteger dos estímulos com os quais eu nãoconseguia lidar".

Apesar do comportamento agitado edesorganizado relacionado à hiper-sensibilidadesensorial, ser bastante comum em crianças queapresentam distúrbios invasivos, muitas dessas crianças,ao contrário, são mais passivas, tendendo a se isolar domundo, como relatado por Grandin e exemplificadono caso de Lucas, a seguir.

O comportamento pouco ativo de Lucas sempreintrigou os pais, mas ele era um bebê tão bonzinho, queninguém se preocupava com ele. No berço Lucas ficavapor longo tempo observando as mãos, quando bebê eleainda sorria para os pais, mas a medida que foi crescendofoi se tornando mais arredio. As poucas palavras que falavaaos 18 meses desapareceram por volta dos 2 anos e Lucaspassou a ter comportamentos repetitivos, como baterportas, andar pela casa no escuro, se assustar com qualquersom inesperado, mas, ao mesmo tempo, gostava de fazersons repetitivos. Natal e aniversário eram festascomplicadas, pois era difícil escolher um brinquedo, umavez que Lucas não mostrava interesse por nada. Todosperguntavam o que dar a ele e a mãe ficava sem saber oque dizer. Aos 4 anos Lucas não gostava de lugaresmovimentados, não tinha amigos e não atendia aos comandosda professora na escola. Apesar de ser uma criança quieta,Lucas tinha que ser vigiado, pois caia com freqüência, pornão prestar atenção em obstáculos, e muitas vezes erapego no alto da escada ou em lugares perigosos, sedeslocando sem nenhum cautela, com risco iminente dequeda. Uma observação interessante das professoras, éque quando caia Lucas nunca chorava, sendo comum queele tivesse várias escoriações pelo corpo, mas não esboçavanenhuma reação de dor ou mal estar.

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3º Milênio

O comportamento de Lucas sugere uma tendênciaà hipo-sensibilidade ou hipo-reação a estímulos. Esse é ooutro extremo dos problemas de modulação, em que acriança parece responder pouco ao ambiente, muitasvezes se isolando, pois tem dificuldade para registrar e seorientar para os estímulos ambientais. Muitas dessascrianças desenvolvem estereotipias e comportamentosrepetitivos, como o bater portas, no caso de Lucas, obalanceio rítmico, a mordedura e balanceio das mãos eoutros padrões de comportamento, classicamenteassociados aos quadros típicos de autismo infantil. Apesarde haver várias tentativas de explicação para esses tiposde comportamento, em algumas crianças, eles parecemsuprir a necessidade interna de estímulos sensoriais.

ALGUNS SINAIS SUGESTIVOS DEHIPO-REAÇÃO A ESTÍMULOS SEN-SORIAIS:Estimulo tátil• Procura tocar muito e com força em objetos animais

e pessoas, chegando a incomodar• Coloca objetos na boca com freqüência• Parece sentir menos dor e temperatura• Parece não notar quando alguém o toca• Não nota quando suas mãos ou rosto estão sujos

Estímulo Vestibular/Proprioceptivo• Pode balançar ou rodar por longos períodos de tempo.

Demora a ficar tonto.• Procura constante de movimento(correr, pular), que

interfere em sua rotina diária.• Balança o corpo inconscientemente durante uma

atividade(Ex: enquanto assiste televisão).• Se arrisca excessivamente enquanto brinca. Sobe em

lugares perigosos e se movimenta sem nenhumacautela comprometendo sua segurança pessoal

• Pouca consciência da posição e movimentação docorpo no espaço

• Tromba em móveis, paredes e pessoas• Postura pobre, parece ter músculos fracos• Dificuldade em ajustar a força que deve usar ao brincar,

praticar esportes ou na relação com as pessoas• Está sempre se apoiando nos móveis e em pessoas

Estímulo Visual• Tem dificuldade para encontrar um objeto no meio

de outros, como por exemplo, achar o brinquedopreferido na caixa de brinquedos)

• Parece não perceber quando alguém entra noambiente

• Gosta de estimulação visual usando lanterna• Joga vídeo game ou fica em frente a televisão por

horas seguidas

Estímulo Auditivo• Gosta de sons estranhos• Faz barulhos por puro prazer de fazê-los• Parece não escutar o que você diz

• Não responde ou demora a responder quando échamado pelo nome

• Parece indiferente num ambiente movimentado• Tem dificuldade para ajustar a altura da voz

Além dos problemas de modulação, uma outradisfunção de integração sensorial são as falhas dediscriminação, que se caracterizam por dificuldade parainterpretar as característica temporais e espaciais dosestímulos sensoriais (Lane, Miller & Hanft, 2000). Acapacidade discriminativa é muito importante para odesenvolvimento de habilidades, como por exemplo,reconhecer o formato dos objetos pelo tato, saber aposição do nosso corpo no espaço, que são essenciaispara atividades corriqueiras, como encontrar uma chavedentro da bolsa sem precisar olhar, graduar a força quecolocamos no lápis para escrever, ou ajustar osmovimentos quando andamos em uma superfícieirregular.

ALGUNS SINAIS SUGESTIVOS DEPOBRE DISCRIMINAÇÃO SENSORIAL:Estímulo Tátil• Dificuldade em diferenciar objetos sem o auxilio da

visão• Dificuldade para completar atividades de vida diária

sem olhar (Ex: fechos, levar colher à boca)• Necessita sempre estar olhando quando manipula

objetos pequenos(Ex: lápis)

Estímulo Proprioceptivo-vestibular• Dificuldade em manter equilibro, especialmente

quando está se movimentando• Dificuldade em manter postura ereta sentado ou de

pé por um período de tempo (Ex: Quando estárealizando uma atividade em mesa logo se debruçasobre ela)

• Tende a andar na ponta dos pés• Não calcula bem a força correta para manipular objetos

ou tocar pessoas (Ex; ao escrever ou abraçar alguém)

Estímulo visual• Dificuldade em perceber a forma e a posição dos

objetos no espaço (Ex: diferenciar d de b)• Dificuldade para reconhecer e agrupar cores,

tamanhos, formas, símbolos)• Problemas para avaliar profundidade e distâncias

Estímulo Auditivo• Dificuldade em seguir mais de um comando verbal,

apesar de conseguir cumprir cada um separadamente• Dificuldade em localizar uma fonte sonora (Ex: virar

em direção a um apito ou pessoa que chama)• Não avalia bem a distância e a localização de um som

(Ex: um carro que se aproxima)• Na presença de outros barulhos tem dificuldade em

focar um som

Um dos problemas importantes relacionados àpobre discriminação de estímulos é a dificuldade paraplanejar e executar atos motores. Planejamento motor

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

ou praxia é uma habilidade humana que requer esforçoconsciente e capacidade para conceituar, organizar edirigir interações significativas com o meio ambiente(Ayres, Mailloux & Wendler, 1987). Isso inclui a capacidadepara ter idéias do que fazer (ideação), para selecionaruma estratégia de ação (planejamento) e a capacidadepara executar a ação. Por exemplo, quando uma criançapequena vê um velotrol pela primeira vez, ela é capaz deimaginar como subir ou descer dele sem receberinstruções. A dispraxia é a dificuldade para planejar eexecutar atividades motoras não habituais. Crianças comesse tipo de problema geralmente parecem poucocriativas, brincam de maneira repetitiva, pois temdificuldade para pensar em nova formas de interagir comos objetos. Elas muitas vezes precisam de modelos,observando outras crianças, para entender o que fazercom determinados objetos ou brinquedos.

Existem vários tipos de dispraxia, com causasdiversas, mas algumas dificuldades de planejamentoparecem relacionadas a disfunções de integraçãosensorial. Segundo Ayres (1972), pensar sobre uma novatarefa que requer movimento do corpo, dependente decomplexa integração de estímulos sensoriais,especialmente tátil e, às vezes, vestibular, que dãocondições para o cérebro desenvolver esquemas e planosmotores para movimento. Se a informação sensorial évaga ou deficiente, o cérebro tem uma base pobre paradesenvolver esquemas para movimentação do corpo, oque resulta em menor habilidade de planejamento motor.Quando planejamos novas ações usamos osconhecimentos adquiridos em experiências anteriores eas sensações que o acompanharam essas experiências.Essa parece ser uma área crítica para crianças comdistúrbios invasivos, que muitas vezes não sabem o quefazer com brinquedos e engajam em comportamentosrepetitivos, como no caso de Lucas, por não ter idéias decomo as coisas funcionam. Elas acabam ganhando poucaexperiência sobre interações efetivas com o ambiente, oque perpetua suas dificuldades. Como indicado noquadro abaixo, a dispraxia tem componentes motores ecognitivos, que podem ser identificados através daobservação da criança.

ALGUNS SINAIS SUGESTIVOS DEDIFICULDADE DE PLANEJAMENTOMOTOR:Sinais cognitivos• Dificuldade em decidir o que vai fazer e/ou como vai

fazer (Ex: tira vários brinquedos da prateleira, masnão sabe o que fazer com eles apenas espalhando-os)

• Dificuldade em traduzir idéia em linguagem ou emação

• Dificuldade em descobrir como utilizar um brinquedoou jogo novo§ Pouca criatividade ou inovaçãonas brincadeiras. Tende a ser repetitivo

• Dificuldade em dar seqüência a várias etapas de umaatividade necessitando ser ajudado, embora consigarealizar cada etapa separadamenteSinais Motores

• Dificuldade em aprender a executar com precisãoatividades motoras novas que requerem movimentosamplos(Ex: pular corda, andar de bicicleta)

• Movimenta-se de maneira desajeitada.• Dificuldade em aprender a executar atividades novas

que requerem movimentos finos das mãos e dedos(Ex: recortar contornos, abotoar, amarrar sapatos)§Dificuldades oromotoras, tais como, sugar, mastigar,soprar

• Dificuldade na coordenação olho-mão (Ex: fazer jogosde encaixe, colorir dentro de limites, escrever)

MAS COMO LIDAR COM OSPROBLEMAS SENSÓRIO-MOTORESOBSERVADOS?

Uma das formas de melhorar a situação da criançaé reconhecer que o problema existe e interfere de formaimportante no desempenho funcional e na interaçãoda criança com o meio. Usando os quadros de sinaisapresentados anteriormente podemos identificar algunscomportamentos sugestivos de problemas demodulação e discriminação nos vários sistemassensoriais. Entender esses problemas nos dá uma novaforma de ver a criança, que de birrenta ou agressiva,passa a ser vista como a mercê das falhas deprocessamento sensorial, que resultam nocomportamento observado. Essa nova forma deentender o comportamento da criança ajuda os pais eprofessores a criar novas formas de interação, que vãopropiciar situações mais positivas, iniciando um novociclo de relacionamento interpessoal. Baseados na teoriade integração sensorial, os pais podem criar brincadeirase estruturar as rotinas diárias da criança, de forma afacilitar a organização do comportamento e um padrãomais previsível de resposta aos estímulos ambientais.Na maioria dos casos a criança pode se beneficiar dotratamento individualizado com Terapeuta Ocupacionalespecializado na terapia de integração sensorial.

A TERAPIA DE INTEGRAÇÃOSENSORIAL

Este tipo de terapia envolve atividades que forne-cem basicamente estimulação tátil, proprioceptiva evestibular, dentro de um contexto de brincadeiras quevão se tornando gradualmente mais complexas parapromover respostas cada vez mais maduras e organiza-das, resultando em novas aprendizagens e comporta-mentos. O ambiente terapêutico é rico em equipamen-tos, materiais e brinquedos interessantes, como porexemplo: bolas e rolos de tamanhos, cor e texturas vari-ados, balanços de formas diferentes, rampa para escor-regar, cama elástica, almofadões e outros. O terapeutaorganiza o ambiente de forma a oferecer desafios deacordo com o nível de desenvolvimento da criança.

Além da intervenção direta, a terapia incluiorientação a pais e professores. A consultoria, na qual seprocura dar uma nova visão sobre os problemas dacriança, é um tipo de intervenção usada principalmente

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nos casos de distúrbios de modulação, os quais muitasvezes são um problema maior para as pessoas que lidamcom a criança do que para ela própria. Quando aabordagem de integração sensorial é bem sucedida acriança responde mais efetivamente as informaçõessensoriais e os pais relatam que ela está mais organizada,sendo mais fácil a convivência.

Apesar da terapia de integração sensorial ser voltadapara brincadeiras e atividades divertidas, envolvendoestimulação sensorial, vários estudos indicam que alémde melhor habilidade lúdica, as crianças tratadastambém apresentam melhorias significativas nas áreasde auto-cuidado, controle motor, atenção, linguagem,habilidade social, além de redução nos comportamentoestereotipados (Schneck, 2001). Uma informaçãointeressante dos estudos sobre eficácia das abordagenssensoriais com crianças que apresentam distúrbiosinvasivos, é que a terapia de integração sensorial pareceser mais efetiva em crianças que apresentam sinais dehipersensibilidade (Ayres & Tickle, 1980; Linderman &Stewart, 1999). Ou seja, crianças que apresentam sinaisde problemas de modulação parecem obter mais ganhoscom esse tipo de intervenção.

Ressaltamos, mais uma vez, que a terapia por si sótem efeito limitado, pois muitas crianças necessitam deum acompanhamento mais amplo, que inclua o treinofuncional, além do esforço combinado da família eequipe interdisciplinar. A família e a escola tem um papelessencial no tratamento, pois estão em contatoconstante com a criança e podem contribuir de maneiraefetiva, estruturando o ambiente para melhorar ocomportamento ou então fazendo algumas brincadeirase atividades para estimular o desenvolvimento dacriança.

ATIVIDADES E BRINCADEIRASSENSORIAIS

Apresentamos a seguir algumas idéias deatividades, que podem ser feitas em casa ou na escola.Antes de apresentarmos essas sugestões algumasconsiderações são necessárias. Em primeiro lugarprecisamos saber que Integração Sensorial não é omesmo que estimulação sensorial e que algumas vezespode ser necessário reduzir a quantidade ou certos tiposde estímulos. É importante reconhecer que cada criançaé única em seus interesses, necessidades e respostas.Devemos observar suas reações a diferentes estímulos,como por exemplo, ao toque, ao movimento, à altura,aos sons e luzes, e estar prontos para alterar as atividadese fazer modificações no ambiente sempre quenecessário. As respostas podem variar não só de criançapara criança, como também podem ser diferentes emum mesmo dia ou ainda de um dia para outro. A criançanos dará pistas sobre o que seu sistema nervoso precisa,procurando certas experiências sensoriais ou evitandoe se desorganizando diante daquelas com as quais nãosabe lidar.

Os pais não precisam nem devem se tornarterapeutas de seus filhos, mas podem fazer algumas

adaptações no ambiente e na forma como lidam com acriança, procurando sobretudo preservar uma boarelação entre pais e filhos. Manter a criança informadasobre o que vão fazer, antecipando situações de estresse,pode ser uma boa estratégia para ajudá-la a se sentirmenos ameaçada e evitar comportamentosinesperados. Rotinas diárias bem estruturadas, semrigidez excessiva, permitindo que a criança antecipe oseventos, também ajudarão a criança a se organizar.Mudanças na rotina devem ser comunicadas.

Apresentamos a seguir algumas idéias de atividadesque podem ser realizadas em casa ou escola, mas épreciso se ter um cuidado especial com a segurança,preservando sempre a integridade física e respeitando odesejo da criança.

SUGESTÕES DE ATIVIDADESPRINCIPALMENTE PARA MODULAÇÃOTÁTIL :• Evite tocar a criança por trás e de forma inesperada.

Crianças mais sensíveis apreciarão um toque maisfirme

• Na hora do banho incentive o uso de buchas. Na horade secar use toalhas macias e se a criança for muitosensível vá apertando a toalha em seu corpo ao invésde esfregá-la

• Pintura do corpo: Usar materiais como talco, creme,amido, álcool (o adulto manipula ), creme de barbear,buchas, pincéis, rolinhos de pintura, luvas de tecidostexturados. Incentivar a criança a passar em seu própriocorpo ou no do outro. Não forçar, respeitar onde eladeseja receber o estímulo.

• Manipulação de texturas - Num recipiente plástico(bacia) colocar água , areia, farinha, creme, pedrinhas,cereais. A criança poderá experimentar estes materiaisseparados ou misturados. Misturar com as mãos,encher canecas, esconder objetos no meio, enterraras mãos ou os pés e etc.

• Caixa ou piscinas de texturas - Caixas contendo grãos,flocos de isopor, pedaços grandes de espuma. Acriança poderá entrar dentro da caixa para acharalgum objeto escondido lá , ou se não suportar podeinicialmente, procurar o objeto com as mãos ou ospés .

• Trilha: Montar uma trilha, com superfícies de texturasvariadas como papelão, tapete de retalhos, colchonetee carpete,almofadões, para que a criança se desloquesobre ela, rolando, engatinhando, ou numabrincadeira corporal com outra pessoa (ex: luta,trenzinho, natação no seco).

• Sanduíche: Usar colchonetes, almofadões oucobertores para enrolar a criança, tipo rocambole, ouentão amontoá-los sobre ela. Podemos cantarenquanto damos pequenos apertos sobre o corpo dacriança. Podemos também enrolar a criança nocolchonete e deixar que ela ande pela sala ou rolepelo chão com ele.

• Abraço de Tamanduá - Abraço bem firme, apertado,incentivando a criança a fazer o mesmo. Abraçar e

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

soltar pois a criança poderá ficar aflita se for muitodemorado. Repetir várias vezes durante o dia .

• Amassa pão: Criança deitada sobre um tapete oucolchonete, rolar uma bola fazendo pressão sobreseu corpo. Chamar atenção para as partes do corpo.Observamos que atividades que envolvem o toquemais firme, como nas três ultimas sugestões, sãogeralmente muito apreciadas por criançashipersensíveis.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARAESTIMULAÇÃO PROPRIOCEPTIVA /VESTIBULAR:• Usar balanços de tamanhos e formas variados, como

rede, gangorra, trapézio, balanço infantil decadeirinha. Colocar o balanço baixo, para a criançaimpulsionar sozinha. Um balanço bastante divertidoe de baixo custo é pendurar uma câmara de ar decaminhão. Observar sempre se há proteção, comcolchonetes, no caso de quedas.

• Rampa ou escorregador baixo, para descer em posiçõesvariadas (Ex: deitada de barriga para baixo ou paracima, sentada de frente ou de costas) e para escalar.Pode subir engatinhando ou se puxando por umacorda estando deitada de barriga para baixo.

• Carrinho de rolimã para usar sentado ou deitado debarriga para baixo. Fazer trilhas para percorrer. Descerem pequenas rampas.

• Tapete voador: Puxar a criança sentada ou deitadasobre uma colcha ou tapete. Variar direção evelocidade.

• Freqüentar parquinhos, incentivando, sem forçar, ouso do escorregador e de balanços.

• Bolas grandes próprias para ginástica podem ser usadaspara várias brincadeiras. A criança sentada sobre abola pode brincar de "pula-pula", balançar para trás efrente e para as laterais. Deitada de barriga para baixoa criança pode balançar para trás e para frente e, segostar, pode até virar uma cambalhota.

Os balanços devem estar pendurados numa alturaque permita a criança tocar o chão com os pés sempreque desejar. As crianças mais inseguras podem se sentirinicialmente melhor balançando no colo de um adulto.Procure sempre enriquecer as atividades nos balançoscom outros objetivos (Ex: cantar, acertar alvos com ospés ou com as mãos, jogar bola num cesto ou com aoutra pessoa), isto é muito importante, principalmentepara aquelas crianças que tendem a querer usá-los pormuito tempo e de forma pouco criativa. Brincadeiras depuxar e empurrar estimulam os proprioceptores epodem ser combinadas com as atividades vestibularesacima citadas.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARAESTIMULAÇÃO VISUAL:• Chame a atenção da criança para acontecimentos no

ambiente como, a fogueira, o nascer e o pôr do sol.

• Ligar e desligar a luz. Adaptar uma chave no interruptorpara regular a luminosidade.

• Providencie uma variedade de opções de iluminaçãocomo, lâmpadas de mesa, lâmpadas coloridas, pisca-pisca.

• Brincadeiras com lanternas, fazendo sombras oumovimentos na parede, iluminando objetos.

• Clarear a superfície de gavetas para facilitar que objetossejam encontrados e da mesa onde a criança forrealizar atividades.

• Providencie livros com figuras amplas.• Usar preferencialmente papel branco e lápis preto para

dar o máximo de contraste nos desenhos.• Lápis fluorescentes podem ser usados sobre papel

preto.• Prancha inclinada sobre a mesa onde será fixado o

papel poderá facilitar a escrita melhorando o campode visão.

• Aquários com peixes coloridos.

SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARAESTIMULAÇÃO AUDITIVA:• Ensinar canções• Ensinar rítmos• Ouvir estilos musicais diferentes• Variar o rítmo de uma mesma música• Grave sons da natureza.

Finalmente, um aspecto importante a se considerarem qualquer programa para crianças que apresentamdistúrbios invasivos do desenvolvimento é que namaioria da vezes temos boas idéias para brincadeiras eatividades, o problema, no entanto, é como levar acriança a participar. As sugestões de Greenspan e Weider(1998) sobre como iniciar e manter interações comcrianças com distúrbios do desenvolvimento,apresentada no quadro abaixo, nos parecem bastanteúteis para pais e cuidadores.

SUGESTÃO DE ESTRATÉGIAS PARAINICIAR E MANTER A INTERAÇÃO COMCRIANÇAS• Acompanhe a criança e siga sua liderança. Observe

seu comportamento e dê sentido ao que ela faz,agindo como se tudo fosse intencional. Por exemplo,se ela cai sobre o sofá, inicie uma guerra de almofadas,se ela deixa algo cair e faz um barulho diferente, repita,como se fosse intencional.

• Se posicione na frente da criança e ajude-a a fazer oque ela quer.

• Dê suporte às iniciativas da criança e expanda oconteúdo inicial, se faça de bobo, faça coisas erradasou engraçadas e observe a reação. Se interponha nocaminho da criança, interferindo de maneira divertidacom o que ela está fazendo.

• Descubra o que atrai a atenção e causa prazer nacriança. Use brincadeiras sensoriais (ex: balançar, pular,rodar e luta), jogos de causa e efeito, que aparecem edesaparecem, ou brincadeiras infantis, como o

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3º Milênio

esconde -esconde e o "vou te pegar".• Enfatize palavras e gestos, exagere a expressão facial e

entonação, deixando claro seus sentimentos eintenções.

• Faça o que for possível para manter a interação e nãointerrompa a atividade enquanto conseguir manter ainteração.

• De sentido aos sons que a criança emite, completandopalavras, ampliando o conteúdo ou dando um con-texto para a palavra emitida, coloque palavras ou dênome aos sentimentos que ela conseguir expressar.

• Insista sempre em uma resposta, que seja um gesto,um som, um olhar.

• Não desista da criança, seja persistente, paciente eespere pela resposta.

Foi apresentada uma visão prática dos problemasde processamento sensorial observados em criançasportadoras de distúrbios invasivos do desenvolvimen-to. São necessárias muitas pesquisas nessa área, masesperamos que as descrições de sinais e sugestões deatividades ajudem pais e profissionais a compreendermelhor alguns comportamentos dessas crianças, usan-do essa perspectiva para inspirar novas formas deinteração e intervenção com essas crianças.

Endereço para CorrespondênciaMarcia Cristina Franco LambertucciSensorial - Consultório de Fisioterapia, TerapiaOcupacional e Fonoaudiologia, Rua dos Inconfidentes657 conjunto 203/204, Bairro Funcionários, Cep:30140-120, Belo Horizonte - MG.e-mail: [email protected]

Lívia de Castro MagalhãesDepto. de Terapia Ocupacional - DTOUnidade Administrativa II, 3º andarUniversidade Federal de Minas Gerais, CampusPampulha, Av. Antônio Carlos 6627, Cep:30120-970Belo Horizonte - MG.e-mail: [email protected]

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULO XXXVIII

A MUSICOTERAPIA APLICADA AOSPORTADORES DE TID

Maria Eugênia Castelo Branco Albinati

A musicoterapia é a aplicação da música comobjetivos terapêuticos. Por aliar uma estrutura derigorosa organização espaço-temporal a componentesde intensa fruição estética, a música desperta na pessoasensações e idéias que lhe propiciam contatar suasnecessidades e potenciais, desenvolvendo-seintegralmente e modificando comportamentos quepossam estar lhe trazendo dificuldades e sofrimento.

A aplicação da musicoterapia aos portadores deTID costuma ser bem aceita, pois a música faz partede situações vividas por estes em todas as fases desua vida. Desde a escuta dos movimentos corporaisda mãe na fase intra-uterina (batimento cardíaco,movimentos sangüíneos e peristálticos, músicasouvidas pela mãe durante a gestação) até as cançõesde ninar dos primeiros dias de vida e as cançõessocialmente significativas ouvidas nos rituais de seugrupo social, a música constitui o primeiro espaçopsíquico da criança, referência de segurança e saúde,podendo ser usada como uma ponte de acesso àexpressão e comunicação dos portadores de TID.

Acessível a qualquer grau de resposta física emental, prazerosa e gratificante, a atividade musicalé aceita por pacientes que recusam outras formas deterapia. É comum a família do portador de TID relatarseu "interesse pela música", notável em meio aodesinteresse pelo entorno. Esse interesse,denunciatório do seu desejo de permanência nosestágios iniciais de seu desenvolvimento, tambémpode ser visto como sua escolha de ajuda parapenetrar no mundo que lhe parece ameaçador.

ATUAÇÃO DA MUSICOTERAPIADominando a linguagem musical na maior

amplitude de seus aspectos, o musicoterapeutapercebe a "música do paciente" nos sons emovimentos que este traz ao espaço musicoterápicoe lhe oferece experiências seguras e prazerosas queresultem sempre em aquisições, motivando-o aexpressar suas dificuldades e desenvolver-seintegralmente. A aceitação, reforço e enriquecimentode sua "música interna" com elementos do ambientefavorece seu contato com o mundo. Além da músicado repertório do paciente (os sons que ele produz, ossons que ele gosta de ouvir e os sons de sua família eentorno), um vasto repertório de produções musicaisé introduzido aos poucos, observadas suas respostasa cada estímulo sonoro, enquanto aceitação (olharde canto de olho, balbucio ou modificação no ritmodo movimento corporal) ou rejeição (franzir da testa,gesto de tampar os ouvidos ou estar levando choque).

No trabalho musicoterápico o portador de TIDvive situações de pertinência, capacitação,planejamento, divisão de tarefas, expressão adequadados sentimentos e gratificação, entre tantas outras.Em diferentes atividades, diversas regiões do cérebrorecebem estímulos para novos aprendizados e para aatitude de aprender, em experiências assimiladas noplano musical e levadas a outras áreas de sua vida. Seum aspecto de seu desenvolvimento se apresentainsatisfatório e é um sofrimento para o portador deTID focalizá-lo no atendimento terapêutico, amusicoterapia começa o trabalho em áreas onde eletem melhor desempenho, proporcionando-lhe osucesso que elevará sua auto-imagem e o encorajaráa continuar se desenvolvendo globalmente.

O ESPAÇO MUSICOTERÁPICOComo o portador de TID tem dificuldade na

apreensão do mundo externo, o atendimentomusicoterápico oferece atividades em diferentesambientes: espaço livre para atividades demovimentação, canto de colchonetes e almofadaspara atividades de reflexão e mesa com banquinhospara atividades de jogos, desenho e escrita. Decoradocom motivos musicais, fotos dos técnicos, dospacientes e dos instrumentos musicais, o espaçomusicoterápico identifica e fixa a atividade para oportador de TID. Os instrumentos musicais, desde osmais simples de percussão até os eletrônicos, visíveise acessíveis, estimulam sua ação. O portador de TIDcostuma escolher um instrumento de cada vez e ficarlongos períodos dedicando-se apenas a ele, entãooutros instrumentos podem sempre estar sendooferecidos, de forma a quebrar comportamentosestereotipados. Além deles, aparelho de som, discose brinquedos sonoros e objetos relativos a som(microfone, telefone, despertador) oferecemestímulos ao paciente que precisa ser continuamentechamado ao mundo ao redor.

ATENDIMENTO MUSICOTE-RÁPICO INDIVIDUAL E GRUPAL

O portador de TID pode ser atendido pelamusicoterapia individualmente ou em pequenosgrupos. As duas formas propiciam que ele desenvolvadiferentes aquisições, direcionadas para si mesmo epara seu convívio social.

O atendimento grupal acontece quando representaum benefício para o portador de TID, quando este jáestá apto a perceber outras pessoas e realizar tarefassimples com elas. Ele possibilita o estabelecimento devínculo entre os membros do grupo, que deve serespecialmente estimulado em portadores de TID, comgrandes dificuldades de sociabilização. A valorizaçãode seu trabalho musical transforma as dificuldades decomportamento em atitudes mais adequadas. Alémdisso, visando a aquisição e desenvolvimento dalinguagem falada, o atendimento em grupo facilita oaprendizado de nomes e o uso correto dos pronomes,uma vez que o portador de TID, lidando com mais

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pessoas, ouve e é estimulado a fazer uso de termoscomo eu/você/ele/meu/ seu/sua.

RECURSOS EM MUSICOTERAPIANo atendimento musicoterápico o portador de

TID se beneficia de diversos recursos musicais: jogose brincadeiras musicais; audição, análise e apreciaçãode gravações; canto solo e coral; construção,manuseio e aprendizado de instrumentos musicais;improvisação vocal e instrumental; arranjo, paródia ecomposição musical; expressão corporal e dançaespontânea e coreografada.

1)Jogos e Brincadeiras MusicaisOs jogos e brincadeiras musicais, divertidos e

acessíveis, deixam os portadores de TID mais disponíveisà atuação terapêutica, e, por fundar-se em etapasorganizadas, propiciam situações de planejamento eadministração de recursos, necessários aodesenvolvimento de sua estruturação psicomotora. Asbrincadeiras musicais possibilitam penetrar oisolamento do portador de TID e amenizar sua recusaaos jogos sociais, adequando as atividades à suacapacidade de resposta, de forma a culminar sempreem gratificação e ampliação do interesse. As brincadeirasde roda do cancioneiro folclórico infantil, com cançõespequenas, fáceis e conhecidas, com diferentes graus decanto e movimentação, atendem às condições eobjetivos terapêuticos do portador de TID sem evidenciarsuas dificuldades. Comentários sobre as sensações epensamentos despertados pelas brincadeiras estimulama conscientização sobre sua atuação em situaçõesdiversas. As brincadeiras musicais trabalham também aadaptação do portador de TID à convivência grupal,porque estabelecem-se sobre a obediência a regras, basedo convívio social, e introduzem conceitos e normasporque ao mesmo tempo que oferecem possibilidadesde prazer, relaxamento, proximidade, descontração,compartilhamento e competição, trabalham a disciplinae a adequação social. A percepção de que o jogo socialtem muitas regras, algumas desagradáveis e outrasdifíceis de serem cumpridas, pode levar o portador deTID a tentar se impor pela agressividade; no entanto, abrincadeira só é possível quando as regras sãorespeitadas e o prazer oferecido pela atividade leva-o aobedecê-las para continuar brincando.

A experimentação de diversos jogos musicais, queexigem força física, ligeireza ou raciocínio, mostra aoportador de TID suas chances de sucesso e fracasso.Observando seu desempenho, ele estrutura oconhecimento de si mesmo e se arrisca em atividadesmais difíceis. Seu gosto é determinado pelo quantodesenvolveu dos conteúdos psicomotores e vice-versa.Esperar sua vez, reconhecer suas forças e fraquezas, seradmitido ou recusado, manter as distâncias espaciaisnecessárias à brincadeira, entender e cumprir etapas,obedecer regras que lhe parecem ruins e fazer com queos colegas também as cumpram, colaborar ematividades de grupo, alternar e assumir papéis de

subordinado e de chefe, suportar perdas e comemorarvitórias são oportunidades de desenvolvimentoimprescindíveis ao portador de TID.

2)Audição, análise e apreciação de peças musicaisÉ comum o portador de TID gostar de ouvir música,

aprendendo espontaneamente a ligar o aparelho desom, apertando os botões corretos até conseguir seuobjetivo. A apreciação de gravações musicais lhepossibilita o despertar de sensações, lembranças eimagens visuais, ajudando-o a fazer contato com seusdesejos e potenciais, que são trabalhados noatendimento terapêutico. Além disso, aprimora suadiscriminação auditiva e relaciona a audição ao hábitode comentar música. A ficha musicoterápica dopaciente, respondida pela família, indica as músicas esons de seu ambiente, destacando as que possuemsignificado especial para ele.

A audição em grupo possibilita a auto-expressão eo compartilhamento de opiniões, tão necessários aoportador de TID. A conversa sobre a música ouvida e asimagens, sentimentos, pensamentos e associaçõeslevantados por ela, mesmo que aconteça num planomuito primário de "gosto/não gosto", "é feia/é bonita",leva os pacientes a partir dos comentários musicais parafalar de sua vida, sua casa, sua família e seus sentimentos.As opiniões contraditórias sobre a mesma peça ouvidalevam às particularidades de cada pessoa. Portadoresde TID com grandes dificuldades de auto-expressão,que tendem a repetir a primeira opinião ouvida, podemser ouvidos primeiro.

Visando enriquecer o repertório musical dosportadores de TID, a audição musical alterna músicaspequenas e repetitivas, de fácil assimilação, com peçasmais elaboradas, e muitos portadores de TIDdemonstram gostar de músicas que não fazem partede seu ambiente familiar. Devido à sua dificuldade deater-se a atividades longas, as audições podem serpequenas e intercaladas com outras atividades, e asmesmas peças podem ser apreciadas repetidas vezes,visando tornarem-se significativas.

3)CantoAs atividades de canto desenvolvem no portador

de TID a expressão individual e a auto-exposição positiva.O uso correto dos mecanismos de respiração e fonaçãoleva à melhoria de outros mecanismos físicos epsicológicos. A percepção do som e sua reproduçãoafinada, a ampliação da extensão vocal e a melhoria daprojeção e expressividade vocais, trabalhadas ematividades lúdicas, reduzem a rejeição da própria voz.Em busca de resultados estéticos, o portador de TIDtrabalha naturalmente para que sua emissão vocal setorne mais significativa, harmoniosa e expressiva.

O canto, enfocado de diversas formas, desenvolvea memorização e correções necessárias a um bomresultado musical e emocional, trabalhandoelementos de pronúncia (discriminação auditiva,vocabulário, articulação, métrica, ritmo, sonoridade,entonação, sentido, interpretação, expressão verbal)que estimulam o desenvolvimento da fala. Canções

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pequenas e simples, que facilitam a manutenção daatenção, a pronúncia correta e o canto a tempo,produzem resultados gratificantes com poucoesforço, dosando associações de fala e movimentoque possam trazer dificuldade e frustração. Cançõessocialmente significativas ou que falem de coisasfamiliares ao portador de TID se tornam referentespara ele, abrindo caminho para muitas aquisições. Acontextualização das peças cantadas lhe possibilitaconhecimentos sobre o mundo.

A escrita das letras e partituras das músicas can-tadas favorece que o portador de TID faça associaçãoentre escrita e leitura e possibilita que os pais canteme toquem estas músicas em casa com ele. As ilustra-ções lhe dão chance de localizar a música que estásendo cantada. Mesmo num trabalho terapêutico,em que a prioridade não é a estética, a musicoterapiasempre busca um resultado musicalmente rico. As-sim, algumas canções chegam a ser experimentadasa 2 vozes, dividindo solista e grupo ou vozes mascu-linas e femininas, estabelecendo responsabilidade epapéis sociais.

O repertório de peças musicais escolhidas porcritérios terapêuticos pode contemplar todos osaspectos da estruturação psicomotora:a- Canções de identidade trabalham o nome próprio

do portador de TID, sua aparência, características,origem, nacionalidade, família, estabelecendo suaindividualidade para que ele se reconheça e seafirme no mundo. Ouvir o próprio nome em umacanção causa grande alegria ao portador de TID,que se sente querido pelo grupo (as ondas cerebraisalteram seu movimento à audição do nome próprioda pessoa).

b- Canções de vinculação afetiva, em que o portadorde TID faz escolhas (a quem dar a mão, a quemabraçar, com quem dançar) mobilizam seus aspectosafetivos, buscando aclarar seus sentimentos esensações e incentivar vínculos afetivos.

c- Canções de conscientização corporal, cujas letrasnomeiam e explicam as funções de cada parte docorpo, incentivam e orientam a movimentação doportador de TID.

d- Canções de formação de hábitos levam o portadorde TID a memorizar a necessidade e execução deatividades da vida diária (cumprimentar pessoas,amarrar os tênis, lanchar).

e- Canções de organização espaço-temporalestabelecem e reforçam conceitos de uso do espaço(pequeno/médio/grande, perto/longe, embaixo/emcima, para a frente/para trás, esquerda/direita) e dotempo (antes/durante/depois, lento/rápido),incluindo as canções do calendário social(aniversário, ano novo, carnaval, festa junina, Natal).

f- Canções de percepção do outro (o papai, a mamãe,os animais) e do mundo (a casa, a cidade, amontanha, o rio) possibilitam ao portador de TID aampliação do conhecimento de seu ambiente,permitindo sua melhor atuação.

4) Arranjo, Paródia e Composição Musical

Estas atividades estimulam a criatividade e acomunicação, oferecendo ao portador de TIDoportunidades de carimbar o mundo com suaatuação. Arranjar (decidir de que jeito uma músicadeve ser cantada ou tocada), parodiar (dar outra letraa uma canção) e compor (criar uma música) sãoformas de tornar idéias e sentimentos concretos,acessíveis. Canções compostas para trabalharconteúdos específicos ou relatar acontecimentossignificativos vividos pelo portador de TID costumamser mais estimadas que outras músicas, numasobreposição do valor afetivo ao musical.

5)Instrumentos MusicaisO aprendizado de instrumentos musicais e sua

prática grupal é uma das experiências maisgratificantes para o portador de TID com dificuldadesde linguagem verbal, que acha no instrumento umsubstituto para sua expressão e comunicação. Tocarinstrumentos musicais lhe proporciona expandir eorganizar suas capacidades corporais, desenvolvendosua percepção sensorial e refletindo diretamente suahabilidade motora (o controle que ele exerce sobremovimentos específicos no tempo e no espaço), suaatenção e concentração. Desenvolvendo ascoordenações áudio-motora, fono-motora e viso-motora e a dissociação de movimentos, melhora acirculação sangüínea, o tônus muscular, a canalizaçãode energia e o ritmo, indispensável à marcha, à fala eà escrita.

Instrumentos musicais com graus variados dedificuldade de manuseio possibilitam ao portador deTID encontrar um que lhe desperte interesse e possaser tocado gerando um resultado musical prazeroso,uma vez que atividades de improvisação musical,divertidas e estimulantes, podem ser feitas sem oconhecimento da técnica de manejo do instrumen-to. Este pode, inclusive, ser construído pelomusicoterapeuta em função dos movimentos que oportador de TID consegue ou precisa fazer, no intuito,por exemplo, de alterar gestos estereotipados. Ade-quando-se à capacidade física e mental do portadorde TID e aos objetivos do tratamento, o instrumentopode variar desde os de percussão sem afinação (quemovimentam uma só mão) aos que exigem movi-mentos coordenados das duas mãos ou movimentosdiferentes em cada mão, passando pelos instrumen-tos melódicos (que discriminam alturas e exigem mai-or controle de dedilhado) e os de sopro (que sincroni-zam respiração e dedilhado), até chegar aos instru-mentos harmônicos em que são trabalhados acordes.

Ao ouvir os sons produzidos por seu instrumentomusical, o portador de TID assimila dados sobre oobjeto e seu manuseio, que resultarão em maiorconhecimento de seu próprio corpo e de suacapacidade física. Ao perceber que produz sombatendo num objeto sonoro e tentar acertá-lo outrasvezes, ele inicia seu aprendizado da relação causa/efeito. Ao compreender que tem autonomia sobre aprodução de sons e silêncios, organiza suas idéiassobre si mesmo. Ao gostar ou não gostar de

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determinados sons, estrutura seu afeto e suaidentidade. Atividades rítmicas, como marcar ocompasso, a pulsação ou o desenho rítmico de umamúsica com um instrumento de percussão,desenvolvem no portador de TID o controle motor ea prontidão. Devido às suas dificuldades em aceitarmudanças, o trabalho de imitação rítmica podeiniciar-se com ritmos simples, que reforcem suacapacidade para a tarefa, e enriquecer-segradativamente com ritmos mais elaborados. Aevolução das atividades de imitação para as de criaçãoampliam sua capacidade de resposta e estimulammaior atuação.

6)Expressão Corporal e DançaÉ comum o portador de TID gostar de ligar o

aparelho de som e adequar seu movimentoestereotipado ao ritmo ouvido, inclusive respeitandoos intervalos de silêncio. Assim, as atividades de dançasão facilmente aceitas pelo portador de TID, partindode sua atuação espontânea e evoluindo por atividadeslúdicas relacionadas à alegria e confraternização,buscando a imitação e posterior criação de gestos.

As atividades de expressão corporal e dançaespontânea ou coreografada trabalham a consciênciacorporal, o controle tônico-postural, a autonomia demovimentos, a expressão não-verbal, o contato físicodo portador de TID com outras pessoas, oconhecimento e utilização de suas possibilidades delinguagem corporal. A dança espontânea, baseadaem movimentos livres de acordo com uma músicade fundo, trabalha a adequação da expressãoindividual ao ambiente; a dança coreografadadesenvolve a imitação e o respeito a normas espaço-temporais. O trabalho corporal com ritmos variadosleva o portador de TID a ser mais flexível e aceitarmudanças.

ESTRUTURAÇÃO PSICOMOTORA DOPORTADOR DE TID NOATENDIMENTO MUSICOTERÁPICO

No trabalho com portadores de TID amusicoterapia é direcionada para o desenvolvimentode múltiplos conteúdos biológicos, psíquicos esociais. Embora estas aquisições não possam serdissociadas na prática, é possível considerá-las emseparado para estabelecimento de prioridades emcada fase do trabalho terapêutico.

AQUISIÇÕES BIOLÓGICASAs interferências causadas pelos transtornos no

desenvolvimento do portador de TID levam seu corpoa acumular tantas falhas que este lhe parece mais umelemento de sofrimento que de ajuda: se ele esbarraconstantemente em pessoas e objetos vive semachucando, se derrama coisas ou demora a cumpriratividades motoras brigam com ele, se pega o braçode outra pessoa para alcançar coisas ela rejeita seutoque, se mostra ritmo truncado ao andar ou falar é

ridicularizado, se não atua como os colegas esperamé excluído das brincadeiras. Dificuldadesproprioceptivas ocasionam distúrbios em todas asáreas psicomotoras. Não se reconhecendo, o portadorde TID não sabe como atuar. Não atuando ele nãoassimila conteúdos espaço-temporais e comprometesuas noções de direção, indispensáveis à locomoçãoe grafia. Com todos esses fracassos ele tende a seretrair, desistindo de atividades que exijam domíniodo corpo.

Entre as aquisições biológicas, a musicoterapiabusca que o portador de TID desenvolva suaconsciência corporal, estruturando a percepção,conhecimento, representação e domínio do própriocorpo como uma unidade harmônica de diversaspartes e reconhecendo seu corpo como seu,aceitando-o, responsabilizando-se por ele eaprimorando sua atuação. Ao discriminar sons oportador de TID desenvolve sua função auditiva. Aocantar, familiariza-se com suas possibilidades de falae expressão verbal. Ao constatar que produz sommexendo algumas partes do corpo ou manipulandoalgum objeto, se sente motivado a tocar os objetosao seu alcance e a tentar alcançar outros, descobrindonovas possibilidades de uso das mãos e novas formasde segurar diferentes objetos com maior ou menorfirmeza. Ao dançar, faz uso do corpo como um todo,percebendo as relações entre cada parte.

Os instrumentos musicais levam o portador deTID a produzir som usando o corpo de diferentesmaneiras (golpeando, beliscando, alisando,apertando, mordendo, chutando), de forma aintrojetar noções como duro, mole, liso, áspero,macio, se é bom ou ruim ter contato físico com esseinstrumento, se ele lhe proporciona sensaçõesagradáveis ou desagradáveis, o que resulta emconhecimento sobre seu próprio corpo. Percebendoseu corpo como produtor de som, o portador de TIDse interessa pelas semelhanças, simetrias, capacidadese funções de cada parte, chegando a denominá-las eentender que elas compõem um único corpo, cujaspossibilidades e disposições ele passa a conhecerpasso a passo. As práticas musicais lhe propiciamtrabalhar o equilíbrio entre as forças musculares ematividades de coordenação, equilíbrio, força, precisão,destreza, prevenção, adaptação, controle,flexibilidade, fortalecimento, agilidade, junções deexpressão (áudio-motora, viso-motora, fono-motora),lateralidade, domínio do gesto em diferentesmovimentos (para frente/para trás, esquerda/direita),habilidades físicas, expressão corporal de sentimentose idéias e diálogo corporal, prosseguindo com oreconhecimento do corpo de outras pessoas e seres.

Os maneirismos ou estereotipias de movimento,acoplados a sons, mostram ao portador de TID suacapacidade de produzir música. O movimentocontínuo, ajustado a canções de ninar, principalmenteas que a família cantava para o paciente quando bebêe canções binárias de movimentação corporal quecaracterizem diferentes possibilidades de movimento(barquinho, trenzinho, carro), mostram-lhe a riqueza

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de produções da qual ele é capaz. O bater dos braçosou mãos e os movimentos rotatórios podem serdirecionados para o manuseio de um instrumentomusical, que não precisa ser um instrumento musicalconvencional e pode, a princípio, ser um objeto deescolha do paciente que produza algum somdecorrente do movimento. A hiperatividade física,canalizada para a prática musical, diminui e sereorienta à medida que ele procura um melhorresultado sonoro. A contínua movimentação circularou de encaixe-desencaixe de objetos é progressiva eseguramente transformada em atividades musicaisque lhe proporcionam novos e diversificadosmovimentos. A ligação obsessiva a um único objeto,uma vez direcionada a um instrumento musical,amplia e adequa sua atuação.

Ao perceber, repetidas vezes, que seu própriobraço produz um som ao bater num tambor, oportador de TID introjeta a idéia de que ele temautonomia sobre o som que lhe traz prazer e quepode repeti-lo quando quiser sem a ajuda de outrapessoa. Ele percebe seu braço como capaz de executartarefas prazerosas e torna-se ele mesmo autor de seusmovimentos. O domínio de sua movimentação lhedá coragem para explorar o espaço ao redor. Aestruturação do esquema corporal determina arelação que ele tem com suas possibilidades e influidiretamente em suas habilidades. Ele se sente segurona medida em que conhece e domina seu corpo,podendo contar com ele para atuar no mundo e tersucesso em outras atividades. Refinando seusmovimentos, consegue prever o gesto adequado acada circunstância. Usa seu próprio corpo parasatisfazer seus desejos, abandonando o uso do corpodo outro como ferramenta. Quando seu esquemacorporal está corretamente firmado, ele realiza bemas fases dos processos que vivencia (planeja, prevê,imita, corrige, adapta, finaliza, repete), tem gestosprecisos e adequados, apresenta boas habilidades deacordo com o que lhe é exigido em cada circunstânciae se torna mais apto a cumprir etapas escolares eprofissionais.

AQUISIÇÕES PSÍQUICASO comprometimento da estruturação saudável

da identidade do portador de TID faz com que suastentativas de movimentar-se no mundo sejammotivos de sofrimento e ele tende a retrair-se, isolar-se, e desistir de novas tentativas, apoiando-se nosfracassos para moldar para si mesmo umapersonalidade fraca e medrosa. Cada nova experiênciaruim lhe garante que ele vai fracassar de novo e sentir-se mais uma vez envergonhado. Se ele não sabe quemé, ou não gosta do que acha que é, não sabe o quequer e o que precisa fazer para conseguir o que quer,não se arrisca a agir e permanece isolado.

No tocante às aquisições psíquicas, amusicoterapia busca que o portador de TIDdesenvolva sua função afetiva e estruture e reconheçasua própria identidade a partir de seus determinantes

pessoais e do contato com o mundo. Essa identidade,moldada a partir de suas escolhas e tambémdeterminante destas, reflete-se em suas relações como mundo. Uma identidade bem estruturada lhe dámais chances de bem-estar e sucesso nosrelacionamentos que ele faz ao longo da vida.

É fundamental que o portador de TID construauma idéia real e positiva de si mesmo. Tendo umdesempenho motor satisfatório, conhecendo oambiente que o rodeia e conseguindo intervir bemnele, manifestando seu tempo interno e adaptando-se ao tempo social, ele tem mais alegria em conviverno mundo, sabendo ser ele mesmo em meio a outraspessoas e observando e adotando comportamentosque julga positivos. Aprendendo a conhecer suasreações diante dos problemas e situações, a expressarsua satisfação ou insatisfação decorrente deles,evitando atitudes negativas e tirando o melhorproveito de situações adversas, ele está apto a sermais feliz. As aquisições se somam e o sucesso numaárea influi no sucesso em outras áreas.

As atividades musicais orientam seu desenvolvi-mento afetivo através de escolhas simples (ouvir oucantar determinada música, tocar este ou aquele ins-trumento). O interesse restrito e a resistência a altera-ções de qualquer ordem e a novos aprendizados sãovencidos pela diversificação das atividades ofereci-das. A exposição natural dos sentimentos de satisfa-ção e insatisfação é estimulada em atividades em quea interpretação musical de uma pequena canção,cantada ou tocada, é aplaudida ou corrigida. Can-ções cujas letras enumerem as características de cadapessoa, suas peculiaridades, cor, tamanho, gostos,local de origem, família e costumes estimulam o por-tador de TID a se observar, perceber-se e comparar-secom pessoas e objetos ao seu redor, formando umaidéia de quem é e de suas possibilidades.

A tendência à classificação e enfileiramento deobjetos pode ser o início das atividades de manuseiode instrumentos musicais. É comum o portador deTID aproximar-se dos instrumentos colocando-os emordem pela forma ou cor, mas uma vez que percebaque eles produzem sons, modifica sua forma de lidarcom eles escolhendo seus preferidos e produzindosons que podem evoluir para o manuseio coletivodos instrumentos, o improviso instrumental e formascada vez mais organizadas de produção musical. Arepetitividade compulsiva tende a ser abandonadaquando ele percebe como prazerosa a variação naprodução musical.

Ao manusear um instrumento musical, sentir oprazer ou desprazer causado pela sensação doinstrumento em suas mãos, pés ou boca (duro, mole,liso, áspero, macio, agradável) o portador de TIDassimila dados sobre si mesmo. As experimentaçõesmusicais lhe possibilitam a observação e classificaçãodas coisas que o rodeiam, e ele as hierarquizabuscando um relacionamento mais gratificante emenos sofrido com o mundo. A observação deconteúdos afetivos (agradável/desagradável, fácil/

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difícil, bom/ruim) organizam seus parâmetros de ação(prazer= insistir/desprazer=desistir) e seu mundode relações (amigo/inimigo), expressandosentimentos e idéias (gosto/não gosto) e suadisposição ou indisposição em relação a pessoas,objetos e acontecimentos.

As dificuldades de aprendizado são minimizadaspor canções que transmitem e facilitam amemorização de conteúdos pedagógicos. Asdificuldades de percepção e apreensão, que requeremrepetições, encontram bom campo nas atividadesmusicais, em que sempre é possível refazer a mesmapeça de formas diferentes, sem que se perca ointeresse. Um conteúdo apreendido pode seralternadamente repetido e inovado dentro de umaprática musical rica, a ponto de sempre reforçar oque se aprendeu e não se restringir a isso, evitando aestereotipia e estimulando a ampliação dosaprendizados.

A música, usada por todas as culturas comoforma de transmissão de valores e conhecimento,oferece ao portador de TID um enorme repertório decanções que podem lhe apresentar os conteúdospedagógicos necessários ao seu desenvolvimento deforma lúdica. Assim, o mundo que o ameaça lheparece mais seguro quando mostrado através decanções cujas letras lhe fornecem conceitos espaço-temporais (devagar/rápido, para frente/para trás, embaixo/em cima, para a esquerda/para a direita, pordentro/por fora, junto/separado, perto/longe).Aausência de alerta e antecipação é trabalhada atravésdas noções temporais de antes/durante/depois e deprincípio/meio/fim inerentes à produção musical eintrojetadas através da contagem preparatória para oinício de uma música, do desenvolvimento da músicae dos aplausos ao seu final. A ausência de medo frentea perigos reais é revista pela apresentação destesperigos na dramatização de canções cujas letrasdescrevem estes objetos e na sonorização destesobjetos atuando (sons do carro, sons dos animaisselvagens).

O desenvolvimento de atividade imaginativa erepresentativa é estimulado através da apreciação demúsicas e sons diversos que estabelecem para oportador de TID a correspondência de elementosmusicais com idéias. A representação destas idéias édesenvolvida nas atividades musicais através de signossonoros (sons agudos e leves do instrumentorepresentando os peixinhos nadando no mar, sonsgraves e fortes representando o tubarão que seaproxima), corporais (dançar e dramatizar músicas),verbais (gosto/não gosto, é feio/é bonito) e gráficos (amúsica da ilustração do peixinho ou cachorrinho). Anatureza polissêmica da música possibilita introduzir eacompanhar o portador de TID no campo da abstraçãoe do simbolismo, onde se situa sua maior demanda: aaquisição e desenvolvimento da linguagem.

Considerando a linguagem em sua manifestaçãomínima como uma aquisição psíquica, anterior aocampo social, onde é possível sua existência ainda

que a pessoa não enderece a fala a outro nem a useem voz alta (ela conversa mentalmente consigomesma), ainda assim ela exige a construção de umprocesso mnemônico que lhe possibilite oestabelecimento, repetição e transmissão doconhecimento adquirido. Só um portador de TID comcomprometimentos mentais muito severos apresentaum grau de incomunicabilidade tal que não manifesteessa linguagem-pra-si-mesmo. Assim, o trabalhomusicoterápico enriquece esse "arquivamento,repetição e transmissão" de conhecimentos usandoo poder de memorização oferecido pela atividademusical: para cantar, o cérebro usa campos de seusdois hemisférios, cada um responsável por umapequena parte da atividade musical (o controle deprincípio-meio-fim da canção, a pronúncia daspalavras, o encadeamento lógico das idéias, a variaçãodas freqüências vibratórias das notas musicais, ainterpretação), de forma a exigir total atenção doportador de TID sem que isso lhe pareça cansativo,dado o prazer da atividade.

A fala é trabalhada ludicamente nas atividadesde canto. No processo natural de aquisição delinguagem a criança canta antes de falar. Com poucosmeses ela murmura junto com a mãe o ritmo dascanções de ninar que ouve e quando a mãe pára decantar ela murmura o ritmo sozinha, pedindo à mãeque continue a cantar, dominando o uso da músicacomo linguagem, quando ainda não adquiriu a fala.Antes de fazer um ano, já bate palmas e cantarola o"Parabéns pra você" que lhe é ensinado como partede introdução nos rituais de sua cultura, usando ocanto e o acompanhamento rítmico das palmas paracomunicar à família que se lembrou do aniversárioque está chegando. Esses mesmos passos, trabalhadosna musicoterapia, direcionam o portador de TID àaquisição da linguagem falada. Alterações delinguagem, que configuram no portador de TID umdiscurso pessoal específico, são trabalhadas ematividades de canto, improviso vocal, imitação defrases musicais, diálogos sonoros baseados empequenas frases musicais de pergunta e resposta ecomposições musicais.

O auto-centramento e a habilidade em áreasespecíficas, direcionados para o aprendizado de uminstrumento musical pelo qual o portador de TID seinteresse, lhe propiciam melhor concentração ecoordenação motora, importantes para aprendizadosposteriores, e reforçam sua auto-estima, podendochegar a uma profissionalização.

AQUISIÇÕES SOCIAISNo campo das aquisições sociais, o isolamento,

o alheamento, a não-percepção do outro, adificuldade de contato com o mundo e a ausência dejogo social são trabalhados através de atividadesmusicais coletivas prazerosas que estimulam aparticipação do portador de TID e sua percepção de simesmo em relação a outras pessoas (menor que omusicoterapeuta, mais rápido que um colega, mais

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

magro que outro). A aparente surdez que ele usa parase isolar do mundo é transposta por estímulos sonorosaos quais ele não resiste. A ausência de contato visualé desfeita quando ele percebe o musicoterapeutacomo produtor dos sons que lhe agradam e que eleprocura ouvir de novo, pelas canções cujas letrasestimulam tal contato e pela necessidade de prestaratenção em alguma etapa da tarefa para alcançarresultados. A grande resistência a agrupar-se e buscarconforto, resultante de contínuas experiências defracasso no âmbito social dadas as suas dificuldadesde organização, é vencida pela repetição de sucessoem experiências musicais acessíveis e divertidas, empares ou grupos. A aversão ao contato físico étrabalhada em atividades cuja movimentaçãodemande este contato, como as canções de roda cujasletras falam em abraçar ou pegar na mão do colega.O prazer obtido nas atividades musicais leva-o aestabelecer vínculos afetivos.

AGRADECIMENTOSA convite do Dr. Walter Camargos Jr. tive a

satisfação de implantar e supervisionar o atendimentode musicoterapia no Setor de Transtornos Invasivosdo Desenvolvimento do Centro Psicopedagógico daFundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, sobsua valiosíssima coordenação e com o apoio dosdoutores Ana Christina Mageste Castelar Campos eMarcelo Savassi, então diretores do CPP. A participaçãointeressada e incansável dos estagiários demusicoterapia e dos familiares das crianças inscritasno programa resultou em excelentes resultados naaplicação da musicoterapia a um grande número deportadores de TID e na sistematização e ampliaçãodeste trabalho a outras populações. Agradeço agenerosidade de todas estas pessoas que mepossibilitaram escrever este capítulo transmitindo oconhecimento adquirido no trabalho compartilhadopor todos nós com tanta esperança e alegria.

Endereço para CorrespondênciaRua Sabinópolis 226, Carlos Prates, Cep: 30.710-340,Belo Horizonte - MG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS1. Albinati, MECB. A musicalização da pessoa com

necessidades especiais. Monografia. Belo Horizonte,EM-UFMG, 1996.

2. Albinati, MECB. Musicoterapia. In: Salgado, MI& Valadares, ER. Para compreender a deficiência. BeloHorizonte, Ed. dos autores, 2000.

3. Alvin, J. Musica para el niño disminuido.Buenos Aires, Ricordi, 1966.

4. Assumpção Jr.F. et al. Transtornos invasivos dodesenvolvimento infantil. São Paulo, Lemos, 1997.

5. Barcelos, LRM & Santos, MAC. A naturezapolissêmica da música e a musicoterapia. In: RevistaBrasileira de Musicoterapia. Rio de Janeiro, Ubam, ano.1, n.1, p. 5-18, 1996.

6. Gaston, ET et al. Tratado de musicoterapia.Buenos Aires, Editorial Paidos,1968.

7. Koopman, C. Music as language: an analogyto be pursued with caution. International Journal ofMusic Education, Netherlands, n.29;40-46, 1997.

8. Santos, MAC. Clínica musicoterápica: limitese transgressões. Anais do IV Fórum Estadual deMusicoterapia. Rio de Janeiro, AMT-RJ, 1998.

9. Schwartzman, JS & Assumpção, Jr.FB. Autismoinfantil. São Paulo, Memnon, 1995.

10. Sinclair, H. et al. A produção de notações nacriança. São Paulo, Cortez e Autores Associados, 1990.

CAPÍTULO XXXIX

DOCÊNCIA SOBRE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTOEM CURSO SUPERIOR

Andréia Regina N. MisquiattiFernanda Dreux M. Fernandes

A Fonoaudiologia é uma ciência relativamentenova que tem sido construída com base emconhecimentos teóricos de diversas disciplinas. Osdiversos cursos de graduação em fonoaudiologiabuscam a construção de uma identidade própria,ligadas às áreas de saúde ou de ciências humanas. Aformação proporcionada difere, por exemplo, quandoeste curso está inserido em escolas de medicina ouem centros de formação mais humanística. Da mesmaforma, ocorrem diferenças características da históriaconstruída pela profissão nas diversas regiões do país.

A formação do Fonoaudiólogo depende doconhecimento de áreas da medicina como:otorrinolaringologia, neurologia, e também de outrasciências como: anatomia, biologia, fisiologia,odontologia, genética, psicologia, lingüística epedagogia, entre outras. Apesar da formaçãoabrangente, na maior parte dos casos, a graduaçãoem fonoaudiologia ainda não garante que esseprofissional possa realizar um atendimentoqualificado para auxiliar no diagnóstico e notratamento dos Transtornos Invasivos doDesenvolvimento. Isto porque a maioria dos cursosde graduação em fonoaudiologia não inclui em suaestrutura curricular uma disciplina específica (teóricae prática) que aborde estes transtornos.

É importante ressaltar que essa realidade é

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3º Milênio

reproduzida na formação acadêmica de profissionaismais tradicionalmente relacionados à atuação juntoa essa população, como psicólogos e psiquiatras.Desta forma, é possível sugerir que, em geral, aformação acadêmica básica, em nível de graduação,não é suficiente para autorizar a atuaçãoconsistentemente fundamentada, qualquer que sejaa área profissional em questão.

Algumas situações específicas fogem a essa regra.O Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de

Medicina da Universidade de São Paulo, por exemplo,oferece, desde 1985 uma disciplina teórica específicasobre a área da fonoaudiologia nos distúrbiospsiquiátricos da infância e, desde 1986, um estágiooptativo de um ano de duração junto ao setor infantilde um hospital psiquiátrico, ambos para alunos degraduação. Em 1991 foi iniciado primeiro programade pós-graduação senso amplo nesta área, no Brasil,com duração de 1700 horas. Em 1997 foi criado oLaboratório de Investigação Fonoaudiológica nosDistúrbios Psiquiátricos da Infância, que recebe alunosde graduação e de pós-graduação senso amplo(aprimoramento e especialização) e senso estrito(mestrado e doutorado) e atende em média 50crianças portadoras de distúrbios psiquiátricos(destas, aproximadamente 60% com diagnóstico detranstorno invasivo do desenvolvimento) em terapiafonoaudiológica individual ou em oficinas delinguagem, em geral em esquema de duas sessõessemanais. Esses serviços, além de oferecer formaçãoprofissional específica na área, têm possibilitado odesenvolvimento de diversas pesquisas.

A experiência de docência nesta área no Cursode Fonoaudiologia da UNESP - Marília teve início emmeados de 1995. Desde então, o curso oferece umadisciplina teórica específica, que aborda osTranstornos Globais do Desenvolvimento.

Com a implantação do Centro de EstudosInterdisciplinares da Comunicação Humana(Ceicomhu) em 1998, a disciplina teórica ganhou umespaço, que garante discutir estratégias e modelosteóricos pertinentes a esses transtornos. O Centro queé voltado ao ensino, pesquisa e extensão daFaculdade de Filosofia e Ciências -UNESP, destina-seàs atividades relativas à área da Comunicação Humanae da Psicopatologia da Comunicação. A equipe écomposta por psicólogos, um fisioterapeuta, umfilósofo, uma assistente social, e também umafonoaudióloga e uma psicóloga supervisora (ambasdocente do curso de Fonoaudiologia) e estagiáriasde fonoaudiologia.

Psicólogos, fonoaudiólogas e estagiárias defonoaudiologia acompanham os casos e realizamatendimentos semanais de crianças portadoras de TIDe suas famílias, num trabalho integrado entrefonoaudiologia e psicologia. A equipe também realizasupervisões semanais para discutir os casos atendidos,e tem produzido várias pesquisas nesta área.

Este projeto além de garantir um atendimentoqualificado às crianças e suas famílias, proporcionauma formação profissional mais especializada.

É da posição de coordenadoras das disciplinas edos serviços mencionados que as autoras atrevem-sea discutir alguns pontos a respeito da docência na área.

Em primeiro lugar, não parece suficiente abordarapenas as questões relacionadas à aquisição edesenvolvimento de linguagem, mas é fundamentalenfocar também os estudos a respeito de como elese dá em uma criança que apresenta alterações emdiversas áreas do desenvolvimento e as experiênciasterapêuticas e educacionais já desenvolvidas.

Elaborar um programa específico para taldisciplina requer, novamente lançar mão deconhecimentos teóricos de outras áreas: psiquiatria,psicanálise, psicologia do desenvolvimento,pedagogia especial e psicolingüística. Articular essesconhecimentos à formação prática profissional nemsempre é uma tarefa fácil.

Sempre haverá a tentação de simplificar oconhecimento, na busca de uma fórmula que possaser facilmente reproduzida, ensinada, "treinada" nosalunos para ser aplicada aos pacientes. Por sua vez, ocontato com as famílias dessas crianças amplifica essemovimento, pois o profissional é confrontado com aexpectativa de uma possibilidade de cura ou, pelomenos, de uma segurança em relação ao trabalhoproposto e aos resultados esperados, que nem sempreé verdadeira.

Assim, parte fundamental da formaçãoprofissional envolve o estímulo ao raciocínio crítico,que possibilite o desenvolvimento de um raciocínioclínico, que permita a construção e a verificação dehipóteses a respeito de questões como o diagnóstico,propostas de intervenção e a possibilidade (ou não)de estabelecimento de algum tipo de prognóstico(em geral a respeito de algum ponto específico,relacionado a uma etapa determinada dodesenvolvimento, como a possibilidade de inserçãonuma escola normal, as implicações do uso de algumsistema alternativo de comunicação, ou oaproveitamento de recursos como a informática).

Isso dificilmente vai ser conseguido sem a reta-guarda constante e sistemática do professor/supervisor, de preferência durante todo o período deatividade prática. A estrita individualização de cadacaso não significa o desprezo à experiência adquiri-da. Ao contrário, é justamente essa experiência quevai favorecer a atribuição do real valor das vivênciascotidianas de sucesso e fracasso. A prática diária comessas crianças pode facilmente levar o profissionalmenos experiente - ou em formação - a evitar sensa-ções de frustração limitando suas expectativas, ouexagerando resultados positivos. A presença cons-tante do professor/supervisor permitirá a abordagemdessas questões no momento de sua ocorrência, pos-sibilitando a relação direta entre fato e reação, esta-belecendo um contexto pedagogicamente produti-vo, que dificilmente poderia ser reproduzido apenasatravés de sistemas como o "horário" ou a "reunião"de supervisão.

A troca comunicativa simétrica em geral é aque-la que produz os melhores resultados comunicati-

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

vos. Essa afirmação é valida não só para o desenvolvi-mento da linguagem de crianças - normais ou porta-doras de transtornos de desenvolvimento - mas tam-bém para o desenvolvimento do profissional clínico.Dessa forma, a possibilidade de convivência próxi-ma, sistemática e freqüentemente informal entre alu-nos de graduação e pós-graduação é extremamenteprodutiva - especialmente para os estagiários de gra-duação - pois fornece um contexto comunicativomuito mais simétrico do que aquele estabelecidoentre o professor e o aluno.

Os grupos de formação e de pesquisa tambémrepresentam instâncias fundamentais de formaçãoprofissional na medida em que atenuam o peso dosequívocos e das dúvidas. Em situações de grupo ficamevidentes as dúvidas comuns e, muitas vezes nessaárea, as questões sem resposta. O envolvimento comatividades de pesquisa possibilita uma relaçãosaudável com o não-saber, levando a uma conclusãoque pode ser resumida em: é melhor uma dúvidaprodutiva do que uma certeza temerária.

Num grupo habituado a avaliar sistematicamen-te seu trabalho, com critérios objetivos e minuciosos,a determinação de falhas no processo terapêutico per-de o caráter persecutório de algo a ser evitado e torna-se uma atividade produtiva, possibilitando a busca decaminhos mais adequados.

Embora as alterações de comunicação e lingua-gem estejam presentes desde as primeiras descriçõesdo autismo infantil e representem uma das áreas fun-damentais para o diagnóstico dos TIDs, a presençado fonoaudiólogo na equipe multidisciplinar queatende a esses pacientes ainda não é um ponto indis-cutível. Muitas dessas discussões devem-se à manu-tenção de alguns mal-entendidos, como a atribuiçãoao fonoaudiólogo de funções de intervenção restri-tas ao treino da fala ou à abordagem de questõesmiofuncionais orais, sem levar em conta que este é oprofissional cuja área de atuação envolve os distúrbi-os da comunicação e a linguagem propriamente dita.

Outra questão fundamental diz respeito ao corpode conhecimentos que já existe na área, tanto naliteratura nacional quanto na internacional, mas queainda não é dominado por todos os profissionais.Assim, tem-se o estabelecimento de um círculovicioso, em que a ausência de formação acadêmicaespecífica faz com que os profissionais não dominemos conhecimentos produzidos na área e, por outrolado, a falta de domínio desses conhecimentosjustifica a não inclusão dessa área nas estruturascurriculares dos cursos de graduação.

Trata-se, entretanto, de uma área de atuaçãoimportante para a fonoaudiologia e de uma demandafundamental dessa população. Ou seja, cuja inclusãona formação do fonoaudiólogo está plenamentejustificada.

As interfaces de uma área que envolvetranstornos do desenvolvimento, caracterizadoscomo invasivos, globais ou abrangentes sãoevidentemente diversas. Ciências como a psicologiado desenvolvimento, psicanálise, psiquiatria,neurologia e lingüística fornecem contribuiçõesindiscutíveis para a compreensão diagnóstica e aintervenção terapêutica nos distúrbios decomunicação dessas crianças. O docente deve estaratento a este profissional em formação, para que elenão perca de vista sua identidade profissional;aprofundar conhecimentos em diversas ciências nãosignifica tomar o lugar do outro profissional.

Por outro lado, a identidade profissional de cadaum dos membros da equipe multidisciplinar deve serestabelecida pelo corpo de conhecimentos envolvido.A formação adequada garantirá ao fonoaudiólogo aconquista de um importante espaço profissional,tornando indispensável a sua atuação junto às equipesmultidisciplinares auxiliando no diagnóstico e naelaboração de propostas terapêuticas adequadas.

Endereço para CorrespondênciaAndréa Regina Nunes MisquiattiRua: Afonso Simonetti n°13-57 Bairro Bela VistaCep: 17060-550Bauru / São Paulo - [email protected]

Fernanda Dreux Miranda FernandesRua do Manjericão, n° 301 Granja Viana IICep: 06700-000Cotia / São Paulo - [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS1. Fernandes, FDM. Autismo Infantil: Repensando

o enfoque fonoaudiológico. Aspectos funcionais dacomunicação. Ed Lovise. São Paulo; 1996.

2. Ferraz, MGCF. Sujeito Psíquico e SujeitoLingüístico: uma introdução à psicopatologiaaplicada à fonoaudiologia. 01 ed. Marília : UNESPMarília Publicações, 2001, v.500. p.100.

3. Ferraz, MGCF.; Misquiatti, ARN. Centro deEstudos Interdisciplinares da Comunicação Humana.In: Giacheto, CM. Livro da VI Jornada deFonoaudiologia da Unesp de Marília. Marília, [s.n.],2000. p. 235-236.

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3º Milênio

CAPÍTULO XL

A INTEGRAÇÃO ENTRE AASSISTÊNCIA E A PESQUISA - ACOOPERAÇÃO POSSÍVEL ENTREAGÊNCIAS DE FOMENTO EINSTITUIÇÕES

Fernanda Dreux M. Fernandes

O início do terceiro milênio ainda revela umarealidade em que a oferta de recursos pelacomunidade está muito distante das necessidadesdos portadores de Transtornos Invasivos doDesenvolvimento.

Os centros de referência para o atendimento aessa população podem ser encontrados em muitopoucas comunidades do território nacional. Por suavez, muito poucos desses centros contam com umaequipe multidisciplinar completa, que inclua pelomenos especialistas das áreas de psiquiatria,psicologia, pedagogia, fonoaudiologia e terapiaocupacional, em ação sistemática e de neurologia,genética, psicopedagogia, psicomotricidade serviçosocial e educação física, no mínimo como retaguarda.

Não é uma casualidade que a descrição doatendimento oferecido a essa população envolva tãointensamente os termos muito pouco, pelo menos eno mínimo. Esse atendimento sempre parece muitoaquém do suficiente, quer em termos clínicos, quereducacionais.

O objetivo deste capítulo não é discutir políticasgovernamentais de educação e saúde, que são objetode outros autores. O que se pretende aqui é apresentaruma experiência bem sucedida de integração entreas atividades assistenciais e de pesquisa, que nãoresolve toda a carência de recursos, mas otimiza autilização dos poucos existentes.

Os estudos a respeito dos Transtornos Invasivosdo Desenvolvimento estão em franca expansão emtodo o mundo. Em todas as áreas envolvidas aindasão necessárias muitas pesquisas para que se possaestabelecer parâmetros de diagnósticos, terapêuticose educacionais. No atual estado da ciência, qualquerafirmação, envolvendo certezas e propostas seguras,corre o risco de ser demolida, a curto ou médio prazo.

Assim, a necessidade de pesquisas não é algodistante da realidade e do dia-a-dia de cada famíliaou de cada pessoa portadora desse transtorno. Aocontrário, só a pesquisa científica fundamenta aabordagem de cada aspecto envolvido. Por exemplo:Como entender o fato de uma criança falar palavrasem situações estruturadas e não conseguir pedir águaquando está com sede? Apenas a avaliação do usofuncional da linguagem poderá determinar ashabilidades de cada indivíduo para empregar alguma

linguagem com função comunicativa e auxiliar noestabelecimento de procedimentos terapêuticosvoltados às efetivas necessidades de cada pessoa.Ou, como determinar se uma criança, que ainda nãoestá falando, progrediu ou não nos últimos seis mesesde terapia fonoaudiológica? Só um sistema minuciosode avaliação da comunicação não verbal, estabelecidoa partir de pesquisas aprofundadas, poderá fazê-lo.

Parece mais simples justificar a necessidade depesquisas científicas para determinar a eficácia e osriscos envolvidos na utilização de uma determinadadroga para o controle de um determinado aspectodo comportamento (como o sono ou a atividademotora). Mas todas as ações destinadas a essapopulação devem ser submetidas a uma análisecuidadosa a respeito de sua efetividade, riscos eaplicabilidade à realidade nacional.

A importação de pesquisas como uma garantiade efetividade de um modelo terapêutico nem sempreé o procedimento mais adequado, pois a realidadecultural, social, educacional de cada região, e cadacomunidade, representam variáveis importantes parao resultado final. Repetindo o último exemplo, aanálise da comunicação não verbal deve,obrigatoriamente, considerar as características dessacomunicação no sistema cultural em que o indivíduoestá inserido (fica simples pensarmos nas diferençasdos hábitos de comunicação gestual de povos dediferentes culturas como, por exemplo, alemães,americanos, japoneses, italianos e brasileiros). Assim,fica evidente, por exemplo, que uma pesquisaenvolvendo a comunicação não verbal de criançasamericanas não pode ser aplicada diretamente paraavaliar crianças brasileiras (ainda que isso pareçasimples, na medida em que a comunicação não-verbalelimina a questão das diferenças entre as línguas). Osmesmos cuidados devem ser tomados com todas asabordagens educacionais e terapêuticas.

Como em todas as áreas envolvendo odesenvolvimento humano e suas alterações, aspesquisas nessa área necessariamente incluem aatuação direta com o portador do transtorno e suafamília. Uma alternativa freqüentemente utilizadapara a solução dessa questão é a implantação deserviços assistenciais vinculados a centros de ensinoe pesquisa, especialmente universidades. Temos assima integração de três das áreas mais carentes de recursosna nossa realidade atual: a pesquisa, a educação e aassistência; o que continua a não produzir resultadossuficientes para suprir as necessidades existentes.

Por outro lado, a disseminação dos resultadosobtidos tem sido mais uma difícil tarefa nessa área. Oresultado da pesquisa científica demora a ser aplicadoà prática clínica e institucional devido às maisdiferentes razões, que vão da distância geográfica àfalta de diálogo institucional (para não mencionarquestões menos nobres).

Por outro lado, estudos envolvendo abordagensterapêuticas e educacionais devem, necessariamente,incluir variáveis como o grupo em que o sujeito está

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

(ou não) inserido, as características específicas de cadaequipe multidisciplinar, o espaço físico e os recursosdisponíveis em determinadas situações. Para isso, arealização de pesquisas diretamente nos locais onde elasdeverão ser aplicadas facilitará esse intercambio de dados.

Freqüentemente distantes dos centros depesquisa, muitas comunidades desenvolvem açõesno sentido de oferecer alguma assistência a essapopulação, implantando núcleos assistenciais quemuitas vezes transformam-se em centros de referênciapara regiões inteiras. Esses núcleos em geral sãomantidos com recursos da própria comunidade epequenas contribuições dos governos locais. A maiorparte das pessoas envolvidas nesse trabalho tem umadedicação comovente, um enorme desejo de acertare de fazer o melhor e freqüentemente defronta-secom sensações de isolamento e impotência.

Muitas vezes, na tentativa de suprir necessidades,substitui-se a contratação de profissionais porestagiários, em geral resultando apenas na troca deproblemas. A utilização de estudantes no lugar deprofissionais formados, sem a presença constante doprofissional supervisor, é vedada pela maior parte doscódigos de ética profissional. A atuação de estagiáriosrecém-formados, sem experiência nem supervisão, emgeral supre a lacuna de uma determinada área, mascontinua a não atender aos indivíduos, na medida emque seu trabalho será muito pouco eficaz, tornandodessa forma o atendimento muito mais dispendioso.

Não se pode esquecer que trata-se de áreaextremamente complexa e que é efetivamenteabordada, com alguma profundidade, em muitopoucos cursos de graduação de qualquer dasespecialidades profissionais envolvidas.

A melhor articulação entre as ações de pesquisae essas iniciativas pode propiciar vantagens para todosos setores envolvidos.

Outra questão a ser discutida envolve os parâmetroséticos. Incluir o indivíduo portador de Transtorno Invasivodo Desenvolvimento em programas de pesquisa nãosignifica transformá-lo em cobaia, mas oferecer-lhe aoportunidade de acesso aos mais modernos recursosda ciência, desde que as pesquisas sejam realizadasdentre dos mais rigorosos padrões de ética. Nessesentido, o envolvimento da instituição assistencial comatividades formais de pesquisa representa uma garantiaa mais para sua clientela.

Todos os projetos de pesquisa devem ser deresponsabilidade de especialistas, necessitamfundamentação científica consistente, precisam seraprovados por comissões ou comitês de ética eobrigam-se a ter seus resultados divulgados para acomunidade. Isso garante a todos os envolvidos quenão serão realizados procedimentos irresponsáveis,sem fundamentação científica ou que firam, dequalquer forma, os direitos dos sujeitos, de suasfamílias ou da própria instituição.

Por fim, a melhor articulação entre ciência e as-sistência permite uma avaliação mútua que é benéfi-ca para todos, e principalmente para o paciente. Ainstituição pode contar com novos parâmetros para

analisar seus procedimentos e, com isso, valorizaraspectos para os quais não havia atentado, realizarajustes necessários ou até identificar pontos fortesque merecem ser compartilhados com outras enti-dades interessadas. Por outro lado os pesquisadorespassam a ter uma medida real da aplicabilidade deseus resultados, podem identificar lacunas não per-cebidas anteriormente e, com isso, conduzir estudosmais voltados para as necessidades.

Uma experiência bem sucedida está sendo realiza-da no interior de São Paulo e começou, como quasetudo nessa área, com a união da necessidade com aoportunidade. A instituição destinada ao atendimentode crianças e adolescentes com Transtornos Invasivosdo Desenvolvimento foi constituída a partir da necessi-dade de um grupo de pais e conta com o apoio daprefeitura, do comercio local e de outras entidades pri-vadas que cedem seus espaços para atividades específi-cas. Há aproximadamente uma década essa instituiçãovinha realizando um trabalho sério e constantementeaprimorado, constituindo-se num centro de referênciada região, sem, entretanto, contar com a atuação siste-mática de um profissional de fonoaudiologia.

Na medida em que a linguagem é um fator siste-maticamente alterado nessa população, seja qual foro critério diagnóstico, a presença do fonoaudiólogoem qualquer equipe multidisciplinar destinada aatendê-la deveria ser uma prioridade fundamental.Entretanto, o desconhecimento de grande parte dosprofissionais de outras áreas a respeito do trabalhorealizado pelo fonoaudiólogo nessa área, associado ànoção simplista de que a linguagem pode ser aborda-da por profissionais de áreas como psicologia, peda-gogia ou terapia ocupacional, tem gerado situaçõesem que a escala de prioridades fica invertida. Isso,freqüentemente, gera outra daquelas situações em queuma decisão destinada a economizar recursos acabapor desperdiçá-los pois inverte as habilitações dos pro-fissionais envolvidos, muito provavelmente restringin-do os possíveis resultados em diversas áreas.

A instituição mencionada já contava com aatuação sistemática de profissionais das áreas depsicologia, pedagogia, terapia ocupacional e educaçãofísica e tinha, como retaguarda, a colaboração das áreasde psiquiatria, genética e serviço social.

Paralelamente a isso, uma fonoaudiólogabuscava local para a realização de sua pesquisa demestrado, que envolve a comparação dos resultadosterapêuticos obtidos em terapia de linguagem compacientes atendidos em instituição e com pacientesatendidos em sistema ambulatorial, após um ano deterapia fonoaudiológica com a mesma abordagem.Para isso o ideal seria que a própria pesquisadoraatendesse os pacientes da instituição, garantindodessa forma a conduta terapêutica semelhante àutilizada no laboratório de pesquisa onde o programade mestrado é realizado.

A instituição referida abriu seu espaço para apesquisa, permitindo assim que todos os seuspacientes passassem a ter acesso à terapiafonoaudiológica. Pois, seguindo os rígidos preceitoséticos mencionados, a fonoaudióloga passou a

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3º Milênio

atender também aos pacientes que não seriamsujeitos da pesquisa (porque seu diagnóstico nãocorrespondia ao estabelecido pelo traçadometodológico).

A fonoaudióloga foi contemplada com umabolsa de pesquisa com 18 meses de duração. Duranteesse período a instituição pode oferecer a seusmembros, orientação a respeito da abordagem dacomunicação de cada um de seus pacientes e observaros resultados obtidos com a terapia. O desenhometodológico previa a comparação do desempenhodos sujeitos institucionalizados em situaçõesindividuais com a fonoaudióloga e de grupo, com esem a interferência de um adulto. Com isso, foipossível demonstrar para a equipe a aplicação dosresultados obtidos. Os pais também receberamorientação fonoaudiológica e a fonoaudiólogaintegrou-se completamente à equipe.

Por outro lado, aspectos importantes do trabalhoda instituição foram valorizados e, com isso, o grupode profissionais apresentou, pela primeira vez, doistrabalhos no Congresso Brasileiro de Autismo e umno Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Além disso,realizou palestras abertas para a comunidade.

Depois de pouco mais de um ano de trabalho, ainstituição passou a valorizar o trabalho dafonoaudióloga de tal forma que buscou recursos paracontratá-la ao final de sua bolsa. Além disso, indicou-apara a faculdade da região, que também já a contratoupara lecionar nessa área assim que seu mestrado estiverconcluído (no segundo semestre de 2001).

Por sua vez, a fonoaudióloga está concluindoseu mestrado apresentando uma dissertação de altaqualidade, cuja aplicabilidade justifica plenamenteos recursos envolvidos, e já traçou sua pesquisa dedoutorado, a partir de questões derivadas desseprimeiro trabalho.

Evidentemente trata-se de uma situação em queos resultados obtidos foram os melhores possíveis. Asimplicidade das soluções, a inexperiência daorientadora nesse tipo de intercâmbio (queprovavelmente levou-a a colaborar menos do que opossível) e as grandes vantagens obtidas para todosos envolvidos, entretanto, fazem pensar que é umaexperiência que pode ser reproduzida sem grandesdificuldades e com grandes benefícios.

Isso, no entanto, não deve diminuir os grandesméritos dos envolvidos, especialmente a instituiçãoe os componentes da equipe, e a fonoaudiólogapesquisadora. Esse tipo de experiência sem dúvidaexige uma grande capacidade de adaptação de todosos envolvidos, capacidade essa que, na verdade, éfundamental para todos os que se disponham a atuarjunto a essa população.

Endereço para Correspondê[email protected]

CAPÍTULO XLI

A UTILIZAÇÃO DA INTERNET COMORECURSO TERAPÊUTICO AOS PORTA-DORES DE TRANSTORNOS INVASIVOSDO DESENVOLVIMENTO E SEUS FAMI-LIARES

Priscilla Siomara Goncalves

"Não

Não tenho caminho novo

o que eu tenho de novo

é o jeito de caminhar...

Aprendi,

o caminho me ensinou ,

a caminhar cantando,

como convém a mim

e aos que vão comigo,

pois já não vou mais sozinho.

(Thiago de Mello)"

RESUMOO presente artigo trata do apoio terapêutico

obtido através da criação de grupos de discussão nainternet sobre os assuntos que permeiam ostranstornos invasivos do desenvolvimento, bem comoa participação nesses grupos vista como solução àbusca de informações e do amparo necessário queas famílias e os portadores de transtornos invasivosdo desenvolvimento ( no presente caso, autistas eportadores de déficit de atenção ) se deparam quandodo seu diagnóstico.

Revela a experiência pessoal da formação dedois desses grupos, as listas "Autismo no Brasil" e"Hiperatividade e Déficit de Atenção" , seu histórico,motivos que levaram à sua criação, dados estatísticose recursos obtidos e gerados através da mesma.

INTRODUÇÃOUm diagnóstico da área dos transtornos invasivos

do desenvolvimento - seja qual for o seu nível deseveridade - desestabiliza sobremaneira a vida dosujeito e do grupo a que pertence - seja familiar,profissional ou social.Emergem indistintamentesentimentos de culpa, rejeição, negação, desespero,alterando profunda e em definitivo as relações sociais,principalmente as familiares, e muitas vezesdesestruturando-a totalmente.

A família e o portador depara-se com umarealidade (nova ? não... apenas com outraroupagem...) que redimensiona a vida e altera oângulo de visão de mundo. Passa da negação pura esimples do diagnóstico para uma busca frenética de

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

informações para INvalidar essa hipótese "impossível",para então certificar-se de que sabe pouco, sabe mal,e está praticamente sozinho em um outro universo -tão familiar e ao mesmo tempo tão irreal - que é odos transtornos invasivos do desenvolvimento : semetiologia definida, sem cura aparente, multifatorial ecom tratamento multidisciplinar.

A forma como a grande maioria das pessoas reageperante um diagnóstico foi muito bem esclarecida porMILLER (1995) no que ela chamou de"fases deadaptação", conforme sua própria definição:

"As fases pareciam ser quatro, que denomineide Sobrevivência, Busca, Ajustamento eSeparação. Ocorrem geralmente nessaordem; no entanto, em vez de ocorreremuma a uma, em seqüência, podem coexistircomo num pano de fundo, enquanto umaou mais fases se encontram no primeiroplano, num estado de ativação temporária".

(Idem p. 38-40)

As quatro fases encontram-se resumidas abaixo,para uma melhor compreensão da forma como essaautora descreve o processo de "tornar-se pai/mãe deuma criança com necessidades especiais" :

• Sobrevivência - "é o que você faz para continuarcaminhando quando se sente totalmentedesamparada porque algo totalmente fora de seucontrole retirou de seu filho a chance de uma vidaplena". Cada um passa pelo período de'sobrevivência' à sua maneira e no seu própriotempo.

• Busca - Existem dois tipos de busca : uma externa eoutra interna. A busca externa inicia-se com suasprimeiras perguntas sobre seu filho : 'O que estáerrado ?' E 'Isso pode ser remediado?' A buscaexterna tem início ainda enquanto se estásobrevivendo. Consiste em procurar um diagnósticoe serviços de saúde. A busca interna inicia-sequando surgem as primeiras perguntas de outranatureza : 'Por quê ?' E 'O que isso significa para aminha vida, para os meus relacionamentos e parameus outros filhos ?'. Como a busca externa, a buscainterna se inicia durante a sobrevivência e podecontinuar ainda por muito tempo. A busca internaimplica a procura por compreensão. A vida mudoue não se sente que se tem muito domínio sobre ela.

• Ajustamento - Em dado momento, a busca externapassa a ocupar menos tempo. Seu filho pode terse ajustado, e uma vez ajustada, você selecionasuas lutas e equilibra o horário de seu filho com avida da família. Ajustar-se implica também emuma mudança de atitude. Mais importante do quea aquietação do processo de busca externa é aacomodação de sua atitude em relação a ela. Oritmo frenético diminui. Passa-se a reconhecer queas mudanças levam tempo para ocorrer e que se

está lidando com um processo de vida.• Separação - Tipicamente, as crianças crescem e

saem de casa - separam-se. Quando se trata de umfilho com necessidades especiais, a tarefa de iniciar,planejar, encontrar meios e determinar a separaçãocabe aos pais. A separação evoca sentimentos queforam vivenciados durante a sobrevivência - culpa,luto e tumulto emocional. Envolve mais do queuma busca externa e um incremento da buscainterna. Além disso, quando o filho sai de casa, vaiestudar longe ou desvincula-se da família damaneira que é apropriada para ele, novamente afamília poderá se "ajustar", envolvendo-se na vidade seu filho de outras maneiras. E a vida continua.

Junta-se a essa nova visão de realidade umanecessidade de apoio terapêutico - que na maioriadas vezes inexiste ou exige recursos (técnicos oumonetários) nem sempre disponíveis -, que reforça-se com o correr do tempo e da pesquisa pessoal;busca-se então apoio no parente, no vizinho, nocolega de trabalho...em geral pessoas próximas,confiáveis porém despreparadas para fornecer esseapoio e que muitas vezes reforçam a situação dedificuldade já existente, bem como o isolamentoauto-imposto observado nesses casos pela falta dereceptividade do grupo familiar, bem como aceitaçãosocial.

Utilizo aqui a expressão "recurso terapêutico"como aquele independente de profissional especi-alizado - seja na área médica, seja na área psicológica- a orientar ou acompanhar uma terapia. No presentetrabalho refiro-me a recursos terapêuticos como aque-les obtidos através da "escuta terapêutica" por qual-quer pessoa, seja ela treinada ou não nessa escuta; narealidade, defino "ouvinte terapêutico" como sendoa pessoa que possui aquele valioso impulso que mo-tiva a quem tem vocação de "curar" os males alheios,aliviar seus padecimentos, equilibrar seus desajustes,promover sua saúde, enfim, apenas com seu ouvir:escutar o outro sem fazer julgamentos, ouvir o quefoi dito e intuir o que nem sequer é passível deverbalização, e estar presente. A essa "escuta tera-pêutica" tão necessária aos familiares de pessoas por-tadoras de transtornos invasivos do desenvolvimen-to é que me referirei no presente trabalho.

Com esse quadro, o portador de transtornosinvasivos do desenvolvimento e sua família passam àcondição de marginalizados social e culturalmente,pois além de não saberem, não sabem como - ouonde - obter o saber sobre si mesmos.

O acesso à informação da área psiquiátrica écostumeiramente difícil, pois a busca tradicional dedados feita através de recursos escritos (livros erevistas) costuma estar restrita em área especializada(bibliotecas de universidades, nem sempre disponíveisà população em geral).

Como mãe de uma criança com necessidadeseducativas especiais, deparei-me (pela primeira vezem 1994) com o quadro acima : nomenclaturas que

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3º Milênio

desconhecia - apesar da boa vontade dos profissio-nais que me atenderam, realidade de obtenção dedados difícil, o restante da família que desconhecia oque estava acontecendo( não dando portanto o apoiotão necessário naquele momento), e também a igno-rância - de minha parte e de todos que me cercavam- do que seria a síndrome, além da intolerância socialobservada para com o portador desta, das falsas pre-missas - se é síndrome, tem que ter característicasfísicas (ou seja, exatamente o contrário), desconheci-mento de outras famílias e portadores de TID local-mente, enfim, a sensação de extrema solidão, comum problema insolúvel, e com um rótulo "pregado"indelevelmente - e à nossa revelia - em nosso queridoe muito amado filho.

COMO AUXILIÁ-LO? ONDE OBTERAJUDA?

Busquei informações da maneira que sabia: comoprofissional de informática, utilizei a internet - aindaincipiente à época - para obtenção de dados, naverdade busca de uma solução de vida para a situaçãoque se apresentava. Conheci o que Pierre LEVY(1999,p.89 ) posteriormente e tão coerentemente redefiniucomo ciberespaço :

"Ciberespaço (que também chamarei de rede) é o

novo meio de comunicação que surge da

interconexão mundial dos computadores. O termo

especifica não apenas a infra-estrutura mundial

da comunicação digital, mas também o universo

oceânico de informações que ela abriga (grifo

nosso), assim como os seres humanos que navegam

e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo

"cibercultura", especifica aqui o conjunto de

técnicas (materiais e intelectuais) de práticas,

atitudes, de modos de pensamento e de valores

que se desenvolvem juntamente com o crescimento

do ciberespaço."

Mas não era exatamente isso o que minha famílianecessitava : buscávamos respostas, sim, mas tambémapoio. Queríamos nossos iguais...E depois de muitaprocura - tímida, inicialmente, pois não sabia nem OQUE perguntar - encontrei alguns outros familiares eportadores de TID que nos "acolheram" em suas vidas.Encontramos amigos - e, com o correr do tempo, diriaaté irmãos - americanos, espanhóis, franceses,australianos, ingleses... mas os brasileiros ainda estavambem difíceis de localizar. O que queríamos era achar o"nosso grupo". Falar nossa língua, com nossas palavrase gírias, nos fazer compreender sem necessitar medircuidadosamente as letras digitadas. E este não existia...

CALDERÓN e DEGOVI (in Psicologia Social, pág.80) dizem que o grupo é uma relação significativa entreduas ou mais pessoas, uma vez que estas tem ummesmo objetivo, mesmo que individualmente osobjetivos não sejam exatamente os mesmos mas nainterseção destes podemos localizar um objetivocomum.O grupo proporciona um "setting" seguro para

que as pessoas possam expressar seus sentimentos deraiva, solidão, abandono, etc.

Mesmo sem nada saber teoricamente sobrepsicologia grupal, era intuitivo e visceralmente necessárioachar esse grupo. Nossos "iguais" não poderiam existirapenas no outro extremo do planeta. O que faltava paranos acharmos ? Foi então que o primeiro passo foi dadocom o intuito de criação desse grupo : a criação de umaHome Page, que tentava congregar informações emportuguês, escritas em linguagem leiga, por uma pessoaleiga, com um enfoque extremamente pessoal etemporal (a página originalmente foi feita em 1997,sendo atualizada até hoje) o que tinha sido "colhido"nessas excursões no ciberespaço - termo criado porWillian Gibson no livro Neuromancer (1984), referindo-se ao espaço virtual criado na conexão entrecomputadores - bem como a bibliografia descobertaaté então . Se eu não os achava, teria de criar um espaço,uma forma que eles nos achassem. Várias páginas jáexistiam em português, mas não havia a oportunidadede que todos os leitores destas se comunicassem deoutra forma que deixando anotações em livros devisitas.A internet, cujo maior atributo e a comunicaçãoem tempo real, estava sendo usada contra nossospropósitos.

Cerca de dois anos após iniciar as pesquisas,consegui contatar alguns familiares no Brasil, atravésde um livro de visitas de uma página de uma associaçãoespanhola - a Associação Novo Horizonte (atualmente,no endereço http://www.autismo.com) -. Junto a estes(quatro famílias, inicialmente, sendo duas brasileiras eduas de espanhóis radicados no Brasil) formou-se umacorrespondência constante, que tornou-se diária, na qualtrocávamos nossas informações, mas também dúvidas,incertezas, pesares, soluções, enfim firmou-se o apoiomútuo. Essa correspondência era esperada com avidezpela família toda, sabíamos de "nossos iguais" em locaismuito distantes geograficamente, mas tornadospróximos pela internet. Formamos uma rede terapêuticade pais, inicialmente: aos poucos, alguns de nós criaramnovas páginas na internet, que trouxeram para esta"comunidade virtual" mais pais, profissionais eportadores mais velhos - que já se comunicavam por sisós -, mantendo o mesmo ritmo inicial de apoio eabertura.

Estávamos - sem o saber - conforme afirma LEVY(1999, p.174 ), a

"...construir novos modelos do espaço dos

conhecimentos. A uma repre-sentação em escalas

lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas

por "níveis", organizadas pela noção de pré-

requisito e convergindo para saberes "superiores",

devemos doravante preferir a imagem dos espaços

de conhecimento emergentes, abertos, contínuos,

em fluxo, não lineares, que se reorganizam de

acordo com os objetivos ou os contextos e sobre

os quais cada um ocupa uma posição singular eevolutiva."

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Em cada uma dessas "comunidades virtuais" (foramcriadas duas : em 1997, a lista "Autismo no Brasil" -www.onelist.com, e em 1998 a lista "Hiperatividade eDéficit de atenção"), é tratado qualquer assunto referenteao tema principal, sendo incentivada permanentementea manifestação dos portadores de quaisquernecessidades de comunicação que apresentem, seja amanifestação de uma vitória pessoal, ou de qualquerpreocupação momentânea, além de artigos,informações atualizadas sobre pesquisas, alternativasde tratamentos, metodologias, respostas pessoais paradúvidas verificadas... criamos, enfim, através dessas"listas de discussão", um ambiente aberto, um "refúgiovirtual" que tanto necessitávamos, onde as pessoas sãoaceitas com suas diferenças e igualdades, usando sualinguagem própria, permitindo a colocação de pontosde vista pessoais - e, obviamente, muitas vezesdivergentes, como cabe à condição humana de SERpensante - , porém sempre visando o bem comum.

Atualmente as listas contam com um total de 487membros - ativos e inativos - com uma media mensalde 120 mensagens, além de ter um espaçopermanentemente disponível (chat ) especifico, área dearquivos - onde constam divulgações de resenhas delivros, teses e artigos redigidos ou obtidos pelosintegrantes ou suas instituições -, bem como banco dedados de profissionais e instituições compilado pelosintegrantes sobre transtornos invasivos dodesenvolvimento, bem como um "livro de endereços -bookmarks" contendo as páginas de internetconsideradas interessantes, além de contar com acessopúblico ao banco de dados de todas as mensagens desdea criação da lista, perfazendo atualmente (AGO/2001)um total de 12.730 mensagens. Sabemos que ainda épouco, que muito ainda precisa ser feito : mas é comextremo orgulho que vejo, a cada chegada de novogrupo familiar, a saudação dos demais, e na maioria dasvezes a frase " você não está mais sozinho" se faz presente... Sei o quanto ela significa. Mesmo quando vinda dooutro extremo do país, sei que faz com que todos sesintam em casa. Em família.

Endereço para Correspondê[email protected]

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imaginário grupal - São Paulo, Casa do Psicólogo, 1993.2. Bion, W.R. - Experiências com grupos - 2 ed.,

São Paulo, Imago - Edusp, 1970.3. Blascovi-Assis, S. Lazer e Deficiência Mental.4. Ciampa, AC., CARONE, Y. et al. Psicologia Social.

São Paulo. Ed. Brasiliense, 1984.5. Classificação de transtornos mentais e de

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1976.8. Freire, RM. A Linguagem como processo

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16. Http://www.terravista. pt/AguaAlto/5478/mauro01.htm

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20. Schneider, G.. Histórico e desenvolvimento dapsicoterapia de grupo. Rev. Bras. de Saúde Mental, vol.9, n. único: 69-88, 1965.

21. Winnicott, D.W. O brincar e a realidade. Rio dejaneiro: Imago, 1975.

22. Zimerman, D.E. - Fundamentos básicos dasgrupoterapias. Porto Alegre, Artes Médicas, 1993.

CAPÍTULO XLII

ASPECTOS JURÍDICOS DOSPORTADORES DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTOAO ATINGIREM A MAIORIDADE

Nivia Luzia S. Figueiredo

Estas considerações são dirigidas às pessoasPortadoras de Deficiência Mental, seus familiares eaos profissionais de saúde e de educação. Nossaintenção é apresentar alguns conceitos básicos sobrea INTERDIÇÃO, TUTELA e CURATELA, com algumasinformações sobre procedimentos que permitam suaefetivação, para recebimento de benefícios, após ofalecimento das pessoas responsáveis.

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3º Milênio

INTERDIÇÃO - É o ato jurídico pelo qual sedeclara a incapacidade de alguém promover os atosda vida civil, impedindo, assim, que a pessoaadministre sua própria vida. Ela pode ser requerida:

1. Pelo pai, mãe ou tutor;2. Pelo cônjuge ou parente próximo e3. Pelo representante do Ministério Público.

A interdição é promovida através de um processojudicial que segue critérios do Código Civil que datade 1916 e, por conseqüência, nos apresenta umanomenclatura bem desatualizada como:

1. Loucos de todo gênero;2. Surdos-mudos que não possam exprimir suavontade e os3. Pródigos (acrescente-se a estes ostoxicômanos).

Os Portadores de Deficiência Mental, semcondições de gerir a própria vida, estão incluídos entreos "loucos de todo gênero".

Nos processos de interdição as pessoasinteressadas deverão se valer dos serviços de umadvogado ou, se for o caso, de um defensor públicoque procure um órgão oficial, seja o INSS ou aprevidência, privada. A pessoa será ouvida por umJuiz que, em seguida, nomeará um médico peritopara examina-la e emitir um laudo conclusivo, dizendose ela deve ou não ser interditada.

A interdição pode ser revista a qualquer tempo,bastando que o interditado entre com o pedido noJuízo que a promoveu, através de um advogado, umavez não mais existam os motivos que a determinaram.

Decretada a interdição, o interditado fica sujeitoà curatela e a sentença que a declara efeito imediatos,nada obstante possa ser suspensa mediante recurso.De registrar que a interdição foi criminada situação,ela dilapide seus bens.

TUTELA - A posse e a guarda dos filhos são deresponsabilidade dos pais. Entretanto, quando pormorte ou destituição do pátrio poder ou porconsiderados ausentes, os menores ficam sem seusgenitores, eles são postos sob TUTELA que é o encargoque se confere a alguém, designado tutor, portestamento ou por lei, para administrar-lhes os bens,dirigir-lhes a educação, alimentá-los, protegê-los, erepresentá-los até os 16 anos, nos atos da vida civil,só cessando com a maioridade (21 anos) ou com aemancipação pelo casamento. Os bens do menorserão entregues ao tutor, mediante especificação evalores e, em os possuindo, o menor será sustentadoe educado às suas expensas, arbitrando o Juiz, paratal fim, as quantias que lhe pareçam necessárias, nocaso de o fato não haver sido previamentedeterminado pelo pai ou pela mãe.

Os imóveis pertencentes ao menor só podem servendidos quando houver, manifesta vantagem esempre em hasta pública (leilão). O tutor responderápelos prejuízos que, por negligência, culpa ou dolo,

causar ao seu pupilo, mas tem, no entanto, o direitode ser ressarcido do que legalmente despender noexercício da tutela.

CURATELA - É o encargo deferido por lei aalguém, chamado curador, para administrar os bensde outras pessoas que, por motivo de doença oudeficiência mental, se acham impossibilitadas decuidar dos seus próprios interesses. A curatelaconstitui, pois, medida de amparo e proteção e oCURADOR pode ser qualquer pessoa maior, capaz enomeada pelo Juiz, para atender às pessoas comdeficiência maiores de 21 anos, consideradasincapazes de exprimir correta e responsavelmentesuas vontades. Antes de o Juiz nomear o curador énecessário, no entanto, que a pessoa seja interditada.

De notar que a pessoa interditada pode trabalhar,mas não pode gerir seus bens diretamente, seja abrirconta no Banco ou trabalhar de Carteira Assinada. Osalário é dela de direito, entretanto, deve haver outrapessoa que gerencie sua vida, no caso o CURADOR.

Assim, a diferença entre TUTELA e CURATELA éque a TUTELA é para menores que não tem pai nemmãe (órfãos), enquanto a CURATELA é para maioresque, por doença ou deficiência, não podem cuidarde seus próprios interesses.

OBSERVAÇÃO - O presente trabalho foisolicitado à autora que, no entanto, sem ser advogadaou especializada no assunto, se incumbiu dedesenvolvê-lo, munida de sua vivência com o tema,no trato de muitos anos com as associações queenvolvem pessoas com deficiência.

Endereço para CorrespondênciaE-mail - [email protected]ência - Rua Professor Aníbal de Matos, 450/602Bairro - Santo Antônio, Cep: 30.350-220, BeloHorizonte.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULO XLIII

INCLUSÃO DOS PORTADORES DETRANSTORNOS INVASIVOS DODESENVOLVIMENTO NO SISTEMAREGULAR DE ENSINO.

Maria de Lourdes Canziani

"Durante o século XX, o desenvolvimento científico

e social reforçou a compreensão sobre o valor

único e inviolável de cada vida humana. Contudo,

ignorância, preconceitos, superstições e medos

continuam ainda a condicionar muitas das

respostas da sociedade à problemática da

deficiência.

No século XXI devemos alargar este acesso, de

muito poucos a muitos mais, derrubando todas as

barreiras ambientais, electrónicas e comporta-

mentais, que impedem a total inclusão na vida

em comunidade. Possibili-tando-se o acesso,

surgirá o estímulo para a participação e chefia, o

calor do companheirismo, a alegria dos afectos

partilhados, a beleza da Terra e do Universo"1.

As pessoas com deficiência, suas famílias e suasorganizações, têm sustentado uma luta permanentepelo reconhecimento de seus direitos como cidadãos.

Ao longo de toda a história essas pessoas foramobjetos de diferentes formas de valorização e atenção,quase sempre em direta correspondência aosconceitos atribuídos à questão da saúde, da doença eda deficiência.

No início dos anos do pós-guerra várioscondicionantes sociais, econômicos e políticosproduziram transformações nos diferentes aspectosque norteiam a atenção àquelas pessoas.

A história dessas mudanças tem sido referenciadanas declarações, resoluções, recomendações, normasjurídicas e outros instrumentos que têm surgido deencontros, reuniões e outros eventos de organizaçõesde e para pessoas com deficiência e de organismosnacionais e internacionais de defesa desse segmentosocial.

Esse novo conceito, baseado na relação entredeficiência, incapacidade e desvantagem, introduziua dimensão sócio-política na abordagem conceitual,passando esta a ser mais abrangente e não se referirapenas ao indivíduo, mas a toda a sociedade.

O entendimento e a aceitação dessa "novamaneira de pensar a deficiência" tanto pelas pessoasportadoras de deficiência e suas famílias como pelosseus representantes, fez com que essas pessoas

reivindicassem os seus direitos de cidadãos paraparticiparem na comunidade em igualdade decondições com os demais indivíduos, compelindo asociedade e o Estado a modificarem seuscomportamentos e atitudes em relação as suasnecessidades específicas.

No Brasil , foi a partir da década de oitenta que aabordagem da questão ligada ao tema deficiência ounecessidade especial passou a incorporar uma novadimensão, sustentada nos direitos humanos,procurando expressar a importância da promoção edo reconhecimento da pessoa com deficiênciaenquanto cidadão em pleno direito.

O novo enfoque conduziu à formulação denormas e regulamentos baseados na valorização dapessoa, no fortalecimento do indivíduo e de suafamília e sua plena integração à sociedade.

Contamos com princípios básicos queconceberam direitos consagrados na ConstituiçãoFederal de 1988, seguidos, principalmente, pela Leinº 7853/892 e pelo Estatuto da Criança e doAdolescente por meio da Lei nº 8068/90.

Os direitos sociais estabelecimentos naConstituição Federal e nos demais instrumentosjurídicos infraconstitucionais garantem às pessoasportadoras de deficiência o acesso igualitário aos bense serviços públicos.

Ressalte-se que toda a legislação infraconstitucional- leis, decretos, normas - deve ter como base essasperspectivas de garantia a fim de que se efetive o principioisonômico necessário ao exercício do direito dacidadania.

O novo paradigma, dá ênfase aos apoios, aosambientes naturais e considera o nível defuncionamento da pessoa em seu ambiente.

Desta nova maneira de "pensar a deficiência",decorre também um novo conceito de reabilitação.Este inclui todas as medidas que têm como alvo aredução do impacto da deficiência sobre um indivíduo,capacitando-o a conseguir a independência, integraçãosocial, melhor qualidade de vida e autodeterminação,contrastando com o conceito tradicional em que apessoa é "avaliada" num processo seqüenciado deexames, testes, "triagem" e a conseqüente oferta deserviços na visão da categorização, segregação,especialização e cuidado.

Na perspectiva destes novos paradigmas, torna-se importante rever também a questão da "avaliação".Esta deve ser repensada na abrangência holística,identificando não apenas necessidades especiais deuma pessoa, mas também suas potencialidades.

Desta maneira, falar de integração dos indivíduosportadores de transtornos invasivos do desenvolvimentonos programas educativos de uma sociedade, falar desua integração social em geral, não é, nem mais nemmenos, do que aceitá-las, reconhecendo-as como

1 Extraído da Carta para o terceiro Milênio – Aprovada pela Assembléia Geral da Rehabilitation Internacional – Londres, Reino Unido, 9/9/1999.2 O Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, regulamenta a Lei nº 7853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional paraa Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida normas de proteção e dá outras providências.

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3º Milênio

pessoas de direitos.A integração/inclusão não é uma idéia ou

patrimônio de um grupo de indivíduos bemintencionados. É um direito constitucional, maisainda, um princípio de convivência civilizada.

A maior pressão social pela integração/inclusãosurge da análise ou propostas de caráter sócio-político(eliminação de toda prática discriminatória) ou ética(movimento em favor dos direitos civis) e não só deconsiderações ou postulados a respeito dasnecessidades especiais dos indivíduos.

Constitui-se numa proposta planejada deenfrentamento das desigualdades sociais. Portanto,caracteriza-se como uma Política de defesa dosdireitos, de esclarecimentos dos deveres e deatendimento especializado às necessidades especiaisque determinadas pessoas manifestam, neste casoespecificamente, das pessoas com transtornosinvasivos de desenvolvimento.

"Pensadores, profissionais e a sociedade civildenominam o paradigma ideológico que caracterizao alvorecer do século XXI, a INCLUSÃO - por inclusãose entende que as políticas, programas, serviços sociaise a comunidade, devem organizar-se, planificar-se,desenvolver-se ou adiantar-se para garantir a nãoexclusão e o desenvolvimento pleno, livre eindependente, de todas as pessoas com necessidadesespeciais num contexto de reconhecimento sobre aimportância de facilitar o acesso igualitário a soluçõesde problemas na própria comunidade em alternativaso menos institucionalizadas possíveis."

Sugere o mencionado paradigma ter em conta aopinião e participação dos sujeitos da ação,respeitando e aceitando as diferenças, capacidades enecessidades de cada cidadão.

O modelo da inclusão e direitos humanos requera adoção de uma conceitualização específica quereflita uma nova visão da sociedade e da pessoa eque por sua vez permita uma nova forma devisualização das políticas sociais, a partir deperspectivas da valorização desta inter-relaçãocoordenada e articulada dos diferentes setores eatores.

O grande desafio da integração/inclusão deve serenfrentado junto: pessoas com limitações, suasfamílias, suas associações, seus governos. Todos emigualdade de direitos, todos utilizando seu saber, embusca de inclusão.

A prática política e conseqüentemente decisória,baseia-se no planejamento de ações onde as famílias,associações representativas, os próprios indivíduos,desempenham significativo papel como agentes demudança do processo. O portador de necessidadesespeciais não é mais considerado como "paciente",uma vez que seus impedimentos são consideradosmanifestações daquela necessidade especialapresentadas pelo tipo e nível do seu transtorno

invasivo.As opções políticas, particularmente aquelas de

responsabilidade governamental, não são viáveisapenas porque seus objetivos estão perfeitamentedefinidos ou porque os meios para alcançá-los sãoconhecidos.

Tais opções políticas, antes de se julgarem viáveissob o aspecto técnico, devem traduzir as aspiraçõese os interesses coletivos.

No caso específico do tema aqui abordado deveser estabelecida uma DIRETRIZ, uma POLÍTICA, umaAÇÃO, que reflita aspirações dos seus beneficiários -seria permiti-lhes a Equiparação de Oportunidades,que se refere

"ao processo mediante o qual o sistema geral da

sociedade (meio físico e a cultura, a moradia e o

transporte, os serviços sociais e de saúde, as

oportunidades de educação e trabalho, a vida

cultural e social, incluídas as instalações esportivas

e de lazer) se torne acessível a todos. As medidas

de equiparação de oportunidades incidem sobre

as condições do meio físico e social, eliminando

todas as barreiras que se oponham à igualdade e

à efetiva participação das pessoas com

deficiência, criando-se oportunidades para seu

desenvolvimento biopsico-social e pessoal" 3.

As Normas Uniformes - para a Igualdade deOportunidades para as Pessoas com Deficiências -Nações Unidas (ONU) - na sua Norma 6 - Educaçãodiz: "Os Estados devem reconhecer o princípio daigualdade de oportunidades de educação nos níveisprimário, secundário e superior para as crianças, osjovens e os adultos com deficiência e devem cuidarpara que a educação das pessoas com deficiência seconstitua numa parte integrante do sistema deensino".

A Conferência Mundial sobre Educação dePessoas com Necessidades Especiais, organizada pelaUNESCO e o Governo da Espanha em Salamanca, emjunho de 1994, alcançou um progresso importante.A Declaração de Salamanca é um documento básicoque proclama a educação inclusiva como princípionorteador na educação destas pessoas.

Uma comparação entre a Norma 6 sobreEducação e a Declaração de Salamanca mostra queas metas e diretivas dos documentos são muitosimilares. A Declaração de Salamanca, contudo, é maisclara e introduz o conceito de "Educação Inclusiva".

Significa, em cenário prospectivo, que essaspessoas estarão livres dos estigmas que osmarginalizaram no contexto sócio-educacional,respaldados que são por legislação específica quegarante seu atendimento em estabelecimentocomum de ensino, recebendo apoios necessários quecada caso exige.

3 Plano de Ação Mundial – ONU – 1981.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

Este processo requer a intervenção do Estado eda Sociedade Civil.

Ao Estado impõe-se como tarefa: a formulaçãodas políticas e a implementação de estratégias quegarantam ás pessoas com transtornos invasivos dodesenvolvimento, o acesso e o ingresso aos bens eserviços oferecidos pelo setor público e a suapermanência em todos os recursos disponíveis pelacomunidade.

À sociedade Civil cabe o importante papel demobilização dos agentes públicos e privados paraque atuem efetivamente na execução de ações queconduzam aquelas pessoas ao exercício dos seusdireitos como cidadão.

A normativa legal estabelece os direitos relativosàs pessoas com necessidades especiais, oconhecimento da realidade, das necessidades edificuldades dessas pessoas; as iniciativas econtribuições de especialistas e entidadesrepresentativas; e os objetivos de sua inclusão nasações setoriais das áreas de saúde, educação, trabalho,assistência social, cultura, esporte e lazer.

Existem, entretanto, alguns pressupostos bási-cos que se destacam como princípios a serem respei-tados, seja na concepção de políticas e estratégias,seja na operacionalização da inclusão daquelas pes-soas. São pressupostos básicos:• os deveres do Estado, em matéria de oferta de bens

e serviços sociais e econômicos, devem incluir todasas pessoas, respeitando-se suas peculiaridades;

• as ações para promover a inclusão das pessoas comtranstornos invasivos do desenvolvimento devemarticular a família, a sociedade e o Estado;

• a efetividade na prestação de serviços deve sergarantida pela maior cooperação entre o setorpúblico e a iniciativa privada;

• os meios de comunicação devem estimular atitudesreceptivas na sociedade por meio da promoção daimagem positiva daquelas pessoas.

A sua integração social através da escola, na visãoinclusiva, é a manifestação da igualdade deoportunidades.

Cada um desses indivíduos é um caso especialque reclama uma solução individual com vistas a suaadaptação social.

A integração social não é rápida nem fácil.Começa na família traumatizada em seu íntimo pelapresença deste filho com características peculiares epor isso mesmo, propensa a desanimar no início.Deste sentimento inicial caminha para a aceitaçãopassiva e desta para a aceitação ativa, num esforçopara sua recuperação e integração familiar e social.Algumas famílias custam muito a atingir esta fase. Éevidente que não se poderá pretender a integraçãosócio/escolar para alguém marginalizado dentro desua própria família.

A presença de uma criança portadora denecessidades especiais causa impacto: a famílianecessita de apoio imediato.

A posição que os pais adotam a respeito do filho

pode estar entre os seguintes casos:• os que aceitam;• os que negam;• os que superprotegem;• os que inventam defesas;• os derrotados.

Obrigam a um questionamento, não só do papelde pais, mas também das expectativas que cada umtem em relação a um modelo social que é de"qualidade" na medida com que cada pessoa respondeá capacidade de participar do meio em que vive.

Os irmãos constituem um grupo à parte no quediz respeito ao relacionamento com o portador dedeficiência e sua família. Precisam também de apoioe orientação para "elaborarem" o convívio com o irmãocom transtornos invasivos do desenvolvimento e serpreservado seu equilíbrio emocional frente a suarelação com o irmão, e deste com os pais. Éindispensável sentirem que também são importantespara seus pais.

A constelação familiar desempenha um importantepapel na vida desses familiares, sem embargo, este papelé o menos controlável e o mais díspare.

É comum os parentes se constituírem emprotetores e orientadores dessa pessoa comnecessidades especiais, influindo enormemente navida da família donde a importância de orientá-losdevidamente, já que, se executarem um trabalhointeligente, o benefício será grande para todos osenvolvidos.

Assim, nenhum programa de integração/inclusãopoderá esquecer o importante aspecto da educaçãodos pais, da família. Realizada a integração familiar,pode-se falar em integração/inclusão social dessaspessoas - "começa na família e se amplia nos programasde atendimento dentro e fora do ambiente escolar."

O caráter da "individualização" no atendimentoque é dispensado às pessoas com transtornosinvasivos do desenvolvimento e a preocupação pelasua integração no meio em que vivem, não é somentecolocá-las ou mantê-las em programas de escolacomum. É necessário que se dispense atenção àspeculiaridades desses transtornos quando se fizernecessário. Evitar a segregação e a discriminação éobjetivo básico.

Para caracterizar as estratégias de integração/inclusão escolar é necessário aclarar que o conceito deintegração social através da escola se refere a todas asatividades que se desenvolvam no ambiente da escola.

Não somente as atividades em sala de aula, mastambém em todas as experiências que são vivenciadasna situação escolar.

Daí se concebe que para implementar aintegração na escola devem ser incluídas as maisvariadas modalidades de aprendizagem que esseambiente possa oportunizar. Quer dizer, desde oensino propriamente dito, até a convivência entre osalunos, seu relacionamento com os professores edemais pessoas que trabalham na escola; o contatocom os familiares, os estímulos do ambiente físico.

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3º Milênio

Enfim, tudo que caracteriza a escola como marco deação, no contexto da educação.

Neste enfoque fica subentendido que a garantiada inclusão das pessoas em questão nas instituiçõeseducacionais comuns se orienta para a satisfaçãoplena das suas necessidades de aprendizagem erequer oportunidades continuadas e das mais variadasformas de estimulação, para poder alcançar êxito noprocesso educativo. Deve convergir e possibilitar odesenvolvimento pleno de suas habilidades e asexperiências necessárias para integrar-se na vida,alcançando os níveis de desenvolvimento, para suaadaptação ao ambiente social.

O êxito para o processo inclusivo e a permanênciana escola depende, portanto de que:• as escolas comuns mudem seus métodos operacionais

a fim de que os serviços educacionais sejam oferecidospara todos os alunos e não somente para os que têmfacilidade de aprendizagem, mas àquelas pessoas comnecessidades especiais também;

• os pais participem do atendimento seguindo aavaliação de aprendizagem, colaborando,oferecendo a continuidade do ensino e da educaçãonum processo integrado com a escola;

• os ambientes escolares se tornem mais integradores,tanto no ensino, como no lazer e no trabalho;

• os recursos humanos sejam orientados na suaatuação dentro do princípio integração/inclusão, afim de conhecerem melhor os métodos e processosde atenção dispensados às pessoas com transtornosinvasivos do desenvolvimento;

• a comunidade tome consciência de seu papel ativode atenção àquelas pessoas, trabalhando ecolaborando com as instituições públicas e privadas;

• as autoridades assumam um compromissopermanente, a fim de equacionar ajuda técnica efinanceira que garanta o nível eficaz da atenção àspessoas com necessidades especiais.

É importante considerar-se, além dos fatores in-trínsecos do processo educativo, as condições indivi-duais daqueles educandos. Uns são mais suscetíveisde integração imediata na educação comum do queoutros: alguns terão mais sucesso de adaptação es-colar mediante preparação prévia, além de receberos apoios especializados concomitantemente quevenha a necessitar.

Os princípios da integração/inclusão se apóiam,como já foi insistentemente dito, na aceitação desseseducandos e em oportunidades que lhes são oferecidaspara seu desenvolvimento integral, permitindo oexercício da cidadania - uma conquista construída pelaeducação, participação e emancipação.

Quanto mais individualizada, enriquecedora ediferenciada for a educação, tanto mais produtivaserá para o seu desenvolvimento, para a suaintegração e sua adaptação ao ambiente social.

A atenção personalizada, ou o respeito àscaracterísticas individuais de cada educando visualizaa proposta de uma escola de qualidade na dimensãoda EDUCAÇÃO PARA TODOS.

Endereço para Correspondê[email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. Alonso, MAV. et al. PERSONAS CON

DISCAPACIDAD Perspectivas psicopedagógicas yrehabilitadoras. Espanha. 1995.

2. Amaral, LA. Pensar a diferença: Deficiência.Brasíla: CORDE, 1994.

3. Araújo, LAD. Proteção Constitucional dasPessoas Portadoras de Deficiência (A). 2ed. Brasília:CORDE, 1997.

4. Brasil. Leis. Constituição, 1988.5. Brasil. Leis. Decreto n° 3.298, de 20 de

dezembro de 1999.6. Brasil. Leis. Os Direitos das Pessoas Portadoras

de Deficiência: Lei 7.853/89 e Decreto n° 914/93 -Brasília: CORDE, 1994.

7. Canziani, MLB. Educação Especial - Visão de umProcesso Dinâmico e Integrado. EDUCA - PUC - 1985.

8. Consejo Nacional de Discapacidades. Quito.Normativas, Resoluciones, RecomendacionesInternacionales sobre Discapacidades. Documento 2,Quito, jan.1995.

9. Declaração de Salamanca e Linha de Açãosobre Necessidades Educativas Especiais. ConferênciaMundial sobre Necessidades Educativas Especiais:Acesso e Qualidade realizada em Salamanca, Espanhade 7 a 10 de junho de 1994 - Brasília: CORDE, 1994.

10. Naciones Unidas. Normas Uniformes sobre laIgualdad de Oportunidades para las Personas conDiscapacidad, Nova Iorque, Nações Unidas, dez, 1993.

11. Naciones Unidas. Programa de AcciónMundial para las Personas con Discapacidad, NovaIorque, Nações Unidas, dez, 1983.

12. Notícias de Inclusión Internacional -INCLUSIÓN, n. 23, nov/dez 1999.

13. SCHALOCK, Robert. Uma nova maneira depensar a respeito das deficiências e sua avaliação.[S.I.: s.n.]

14. __________. Continuação de implicações paraa investigação do sistema. Siglo Cero, [S.I.], v.26, n.1,p.5-13, 1992.

15. UNESCO. Qual é o papel da avaliação? O quesignifica "avaliar" as necessidades de uma criança? -continuação do texto de International Consultationon early childhood education and special educationneeds. Paris, UNESCO, set, 1997.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

CAPÍTULO XLIV

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PARAPORTADORES DE TRANSTORNOSINVASIVOS DO DESENVOLVIMENTO

Rosa Maria Melloni Horita

A Constituição Federal (1988 ) em seu artigo 227define como "dever da família, da sociedade e do Estadoassegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito àvida, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, aorespeito, à convivência familiar e comunitária". Já as leisque constituem o SUS - Sistema Único de Saúde - trazemem seus princípios doutrinários a dignidade da pessoa ea igualdade perante a lei, com especial atenção àmaternidade e à infância. Nas diretrizes políticas, aprimeira citada é a universalidade de cobertura eatendimento e diz que do direito à saúde fazem parte: apreservação da autonomia das pessoas, o acesso àinformação sobre saúde, o uso da epidemiologia paraorientar ações, serviços e recursos, etc.

O estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),no artigo 7, diz que "a criança tem direito à proteção,à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticassociais públicas que permitam o nascimento e odesenvolvimento sadio e harmonioso, em condiçõesdignas de existência".

Em 1990 a Divisão Nacional de Saúde Mental doMinistério da Saúde editou um guia de "Orientação paraFuncionamento e Supervisão dos Serviços de SaúdeMental" em que sugere que população deve ser adstritaa cada serviço nos diferentes níveis de especialização ea equipe mínima necessária; cita o atendimento acrianças e adolescentes em ambulatórios e internações,indicando regimes parciais e a presença defonoaudiólogo e psicopedagogo na equipe.

A portaria nº 224 da Secretaria Nacional deAssistência à Saúde, nas Normas de Atendimento emSaúde Mental para CAPS (Centro de Atenção PsicoSocial), disponibiliza atendimento individual e emgrupo, visitas domiciliares, atendimento à família,direito às refeições, regulamenta o número deprofissionais, suas especialidades, por número depacientes, por turno.

Em abril de 2001, após anos de debates, foiassinada a lei número 10216 (Lei da ReformaPsiquiátrica Brasileira), que estabelece:

Artigo 1º: Os direitos e a proteção das pessoasacometidas de transtorno mental, sãoassegurados sem qualquer forma dediscriminação quanto à raça, cor, sexo, ...,idade, grau de gravidade ou tempo deevolução de seu trantorno.

Artigo 2º: Nos atendimentos em Saúde Mental, apessoa e seus familiares ou responsáveisserão cientificados dos direitos:

1 - Ter acesso ao melhor tratamento do sistema desaúde, de acordo com sua necessidade.

2 - Ser tratada com humanidade e respeito e nointeresse exclusivo de beneficiar sua saúde,visando sua recuperação pela inserção nafamília,..., na comunidade...

7 - Receber o maior número de informações à respeitodo diagnóstico e tratamento.

Artigo 3º: É responsabilidade do Estado odesenvolvimento de política de saúdemental, a assistência e a promoção deações de saúde aos portadores detranstornos mentais.

Em 1995, o II Encontro Nacional da LutaAntimanicomial divulgou a "Carta de Belo Horizonte"que propões entre outros: a criação de ações e serviçossubstitutivos com a desconstrução gradativa doaparato custodial de assistência à criança e aoadolescente, a formulação de uma Política Nacionalde Saúde Mental para a Infância e o Adolescência,levando em conta que crianças e jovens compatologias mentais graves, desassistidos, constituemclientela futura dos hospitais psiquiátricos asilares.

Em 1996, o Ministério da Justiça, através daSecretaria dos Direitos da Cidadania, CoordenadoriaNacional para integração da Pessoa Portadora deDeficiência - CORDE promoveu Câmara Técnica, comparticipação de serviços especializados, profissionais,formadores de recursos humanos e gestores dediferentes áreas (justiça, saúde, educação e assistênciasocial) e associações de pais, cujo relatório finalconsiste em guia amplo para a formulação depolíticas públicas e programas de atenção aosportadores de Autismo e Psicoses Infantis.

Defende a atuação interdisciplinar de equipemultiprofissional através de proposta terapêutica eeducacional individualizadas, visando integração,funcionalidade, produtividade e independência,respeitando necessidades específicas de cada fase dodesenvolvimento. Prevê a atenção à família eestratégias de promoção da integração social comenvolvimento da comunidade.

Dentre os serviços especializados devem estardisponíveis meios de detecção de fatores de risco,diagnóstico e atendimento precoces, investigação defatores etiológicos e co-morbidades, assim como naárea da educação, diferentes modalidades deverão seroferecidas de acordo com a necessidade do educando,em diferentes fases do seu desenvolvimento, conformesua capacidade (classes comum com supervisão e/ousala de recursos, classe especial com sala de recursos,classe especial ou preparatória para integração ao ensinoregular, escola especial, professor itinerante, classeshospitalares, educação para o trabalho), sempre comavaliação freqüente do aluno e orientação à família. Noque diz respeito à saúde, salienta a importância dapreparação dos diferentes níveis de atendimento para aintervenção com essa clientela específica, comoUnidade de Saúde Mental em Hospital Geral, Centro

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3º Milênio

e Núcleo de Atenção Psicossocial - CAPS/NAPS, Centrode Convivência, Lares, Chácaras, Pensões e outros,além da implementação do "acompanhanteterapêutico" e o oferecimento das condiçõesnecessárias de atendimento nas diferentesespecialidades (pediatria, clínica médica, odontologia,ginecologia, etc).

Quanto à assistência social, orientação,(re)habilitação para a vida comunitária e o direito aobenefício de prestação continuada, quando preencheras condições estabelecidas (incapacidade para otrabalho e renda "per capita" familiar menor que ¼de salário mínimo). Fomentar o engajamentocomunitário na estruturação de serviços alternativoscomplementares (programas de apoio às famílias,moradias protegidas, redes familiares). Assegurarprogramas de capacitação para o trabalho e geraçãode emprego e renda.

O perfil do profissional deve buscar a capacidadede trabalhar em equipe interdisciplinar atuando como indivíduo e a família. Recomenda profissionaiscapacitados, treinados e constantemente atualizadosnas áreas de educação (professor regente e de sala derecursos, psicólogo, professor de educação física,auxiliar de classe e psicopedagogo) e de saúde(psiquiatra e neurologista, preferencialmente dainfância e adolescência, psicólogo, pediatra eassistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional,fonoaudiólogo, geneticista, recreacionista e seusauxiliares além de acompanhante terapêutico).

Propõe a capacitação de profissionais por meioda introdução do assunto nos currículos de nívelmédio, superior e especializações, atualização paraformadores de profissionais, programas detreinamento/aperfeiçoamento dos profissionais daárea de forma sistematizada e contínua, com atençãoà interdisciplinariedade, incentivo à investigaçãocientífica e sua divulgação além de cuidados à saúdedos profissionais (individual, qualidade do trabalho edentro da equipe).

Em 1997, artigo de autoria do Coordenador deSaúde Mental do Ministério da Saúde, à época,Alfredo Schechtman, reconhece a inexistência de umaPolítica Nacional de Saúde Mental para Infância eAdolescência e questiona a necessidade, refletindosobre o caráter autoritário de algumas políticas dopassado, concluindo que tal autoritário de algumaspolíticas do passado, concluindo que tal formulaçãonão deve ser iniciativa isolada de parte do Ministério.

Em 2002, o Dia Mundial da Saúde foi dedicado àSaúde Mental e teve por tema "Cuidar, sim. Excluir,não". Foi também o 10º aniversário dos direitos dosdoentes mentais à proteção e assistência (ONU), cujoprimeiro princípio é a não discriminação. Emseminário realizado nos dias 3 e 4 de dezembro de2001, no Rio de Janeiro, a III Conferência Nacional deSaúde Mental discutiu a construção de uma políticapública de saúde mental para a infância e aadolescência, cujo relatório final aponta para orespeito às especificidades em relação à assistênciade adultos, a necessidade de serviços de atenção

diária, residências terapêuticas e ambulatóriosampliados, reconhece a necessidade de pessoalcapacitado especificamente, sugere aregulamentação profissional do cuidador. Sugere criare colocar em prática legislação a respeito, fomentar odiagnóstico epidemiológico e a avaliação de serviçose programas, incrementar as parcerias intersetorias(justiça, educação, assistência social, comunidade,trabalhadores da saúde em geral, universidades) esobre o financiamento de todas essas atividades.

À primeira vista, pode parecer que estamos frentea uma população privilegiada, tamanha quantidadede leis, encontros, seminários, instituições pensando,formulando e sugerindo propostas. De volta àrealidade, podemos ver que: fora dos grandes centros,a população de autistas e portadores de TranstornosInvasivos do Desenvolvimento, em geral, têm poucosou nenhum de seus direitos respeitados. Muitospassarão a vida toda sem diagnóstico, quando nosgrandes centros, indicadores de distúrbios sãoreconhecidos com poucos meses de vida; porém,mesmo nos grandes centros há enorme disparidade;é possível fazer-se diagnósticos com meses ou com10-12 anos. Destes, a grande maioria ficará semtratamento e/ou sem escola, uma vez que oatendimento especializado inexiste na esfera públicaem grande parte do país e o que existe é incapaz deacolher toda a demanda, além do que a formação deprofissionais para lidar com essa clientela épraticamente autodidata, instável, no sentido quemuitos iniciam nesta prática e a abandonam por faltade incentivos técnicos, financeiros e pessoais.

O Relatório sobre a Saúde no Mundo - 2001 -Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança,publicação da OPAS, sugere três cenários para ação,de acordo com os deferentes níveis de recursosnacionais para a saúde mental. No Brasil é possívelencontrar todos eles com poucos quilômetros asepará-los; entretanto, mesmo os grandes centrosuniversitários e serviços com longos anos deexperiência, como também instituições e serviçosparticulares, percorrem solitários uma via crucial dedificuldades que vai desde o desinteresse dasestruturas governamentais, os orçamentos restritos,a ignorância da população como um todo e a poucadisponibilidade de recursos humanos especializados.

De tudo o que foi visto acima há questões quedevem ser aprofundadas para que possamosdimensionar o problema; com certeza algumas nãoforam lembradas, mas estas são as que a autoraencontra no dia a dia das instituições em quetrabalhou e trabalha, além do consultório privado:1 - Relação Autismo e Pobreza: aparentemente a

porcentagem de crianças autistas é a mesma nasdiferentes classes sociais mas, como sabemos,há maior incidência de intercorrências pré e perinatais. Uma vez que a população mais pobre temmenos acesso aos serviços de saúde (infra-estrutura, alimentação, pré-natal, etc.) é de sesupor que o risco nessa população seja maior.

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Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

2 - Relação Autismo e outras doenças mentais ehereditárias: causa verdadeiros desarranjosfamiliares, transforma avós e tios em pais quandoa mãe é portadora de distúrbio e pode acabarlevando as crianças a instituições asilares.

3 - Impacto econômico direto e indireto sobre a vidados indivíduos e suas famílias: mesmo naslocalidades onde existe tratamento, este éintensivo, geralmente centralizado (por serempoucas as unidades), o que implica deslocamentofreqüente. Muitas mães deixam de estudar etrabalhar para cuidar de crianças com TranstornoInvasivos do Desenvolvimento uma vez quecostumam não ser aceitas em creches (quandoexistem creches na região) ou para acompanhá-las ao tratamento e à escola. E não estamos falandosó em trabalhadoras domésticas mas emeconomistas, psicólogas, jornalistas, biólogas,professoras que, assim como as primeiras,poderiam estar contribuindo com odesenvolvimento do país e com a qualidade devida de suas famílias. Em outros países, parte dosportadores de Autismo são treinados para otrabalho; aqui isto raramente ocorre pela falta deinstituições que ofereçam esta oportunidade; naspoucas que existem é grande a dificuldade deintegração ao mercado de trabalho.

4 - Impacto sobre a qualidade de vida da família: emmuitos casos, isolam-se socialmente dentro daprópria família ampliada e na comunidade comum todo. Deixam de freqüentar reuniões familiares,de promovê-las, de ir às compras, a restaurantes,cinemas, de viajar acompanhadas do portador deautismo e, quando não tem com quem deixá-lo,simplesmente deixam de ter lazer. Fazem isto porreceio de que o comportamente do autista osexponha e de ver seus filhos rejeitados. Também abusca por tratamento provoca migração, uma vezque não há atendimento em muitas localidades;trabalhadores rurais acabam desempregados e maladaptados numa cidade grande.

5 - Acesso a medicamentos e serviço: o rol demedicamentos disponíveis para fornecimentogratuito é restrito; inclui poucas apresentaçõeslíquidas, é irregular e burocratizado, isto é, quandoé possível prescrever medicamentos mais recentes,isto demanda preenchimento de formuláriosespeciais, com justificativas, sujeitos à aprovaçãoe à disponibilidade do momento.

6 - Excesso de lotação e pessoal insuficiente eineficiente nos serviços existentes: devido aospoucos serviços que se dispõe a atendê-los, porqueexige formação profissional especializada, temresultados incertos e lentos, necessidade decontinuidade, atenção individualizada ou empequenos grupos, cria-se um lapso de tempo entreo diagnóstico e o início do atendimento, trazendoprejuízo ao prognóstico. O número de profissionaisinteressados e bem treinados é exíguo, talvez porpreconceito, falta de esclarecimento durante a

formação, receio e falta de informação sobre comolidar com distúrbios de comportamento(hiperatividade, agressividade, etc) que muitasvezes estão presentes.

7 - Diagnóstico e intervenção precoces, uso racionalde técnicas de tratamento e continuidade daatenção: os primeiros, como já foi dito, são fatoresimportantes do prognóstico. Quanto às técnicasde tratamento, é importante alertar para oscharlatões das mais diferentes áreas quefreqüentemente aparecem em anúncios na mídiaprometendo curas milagrosas, tratamentosmirabolantes, sem qualquer comprovaçãocientífica, apregoam drogas, dietas, cirurgias, etc,muitas colocando em risco a saúde física dosportadores de autismo, abusando da inseguranças,ignorância e desespero dos pais que, muitas vezesusam os poucos recursos que têm para opagamento de altos valores. Muitas instituiçõesque cuidam dessa clientela têm parâmetros etáriospara o atendimento, até 12 ou 18 anos, porexemplo, e depois disto os usuários ficam sematendimento, ignorando que os autistas tornam-se adultos e idosos.

8 - Baixa prioridade dos programas de atenção à saúdemental das crianças principalmente: a maior partedos argumentos fala de fome, pobreza, verminoses,anemia, mortalidade infantil. O fato é que,progressivamente o Brasil, num esforço magníficodo governo e das organizações da sociedade civil(Pastoral da Criança principalmente), vêm baixandoo índice de mortalidade infantil e outros quetraduzem melhora no padrão de saúde dapopulação; por outro lado fica a pergunta: sobrevivercomo? Acesso a saúde mental significa qualidadede vida; medidas simples, criativas e muita vezesbaratas podem alterar significativamente a situação.

9 - Complexidade da atenção à saúde mental,necessidade de boa coordenação e ênfase na inter-relação com outros serviços e setores: paracoordenar serviços modernos, como os propostos,necessita-se pessoal bem formado, com capacidadede liderança, organização, diálogo democrático,interesse científico, capacidade de relacionar-sedentro da equipe e com os demais setores comoeducação, justiça, promoção social, pais, ONG's, etc.É preciso ser interdisciplinar e ter visão do serhumano portador de Autismo como portador,também, de todos os direitos dos outros cidadãos,integralmente.

10 - Dificuldade de monitoração e análise deresultados: é muito difícil estabelecer critérios demelhora, alta, objetivos do tratamento e educaçãopara uma clientela tão diversa, com co-morbidadese sintomas variáveis em diferentes fases da vida.Em contrapartida, expectativas dos pais, técnicose da sociedade são muito diferentes e algumasvezes vagas.

11 - Promoção dos direitos humanos dos portadoresde Transtornos Invasivos do Desenvolvimento: esta

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3º Milênio

população algumas vezes é maltratada eminstituições mal preparadas, privada do direito àliberdade e pela própria sociedade, compreconceitos em todos os níveis, violência,incapacidade, etc.

12 - A mídia como meio de promoção da inclusãosocial: deve-se alertar a imprensa leiga para o fatode que, não só violência, trabalho e prostituiçãoinfantil são matérias interessantes para o grandepúblico e que existem outras populações com asquais pode cumprir sua função social.

13 - Critérios do benefício de prestação continuada: énecessário revê-los, uma vez que os custos de um,às vezes dois ou mais, usuários da saúde mentalpara as famílias de baixa renda, impedem quevenham a se beneficiar dos poucos serviçosoferecidos.

O papel dos profissionais, pais e instituiçõesenvolvidas com a questão inclui dimensionar oproblema e levá-lo ao conhecimento da sociedade,dar-lhe visibilidade, promover pesquisas e anunciarresultados, avaliar programas e serviços e divulgá-los, promover educação pública, através da mídiapopular, sobre as necessidades das crianças e suasfamílias. Lembrar à população os direitos destaspessoas à creche, lazer, além de saúde, educação,etc, dos direitos de suas famílias que, como todas asoutras, enfrentam as mudanças de perfil(monoparentalidade, migração, pobreza) próprias dasociedade atual. É preciso que tomemos familiaridadecom o processo de criação e implementação depolíticas sociais.

A contrário do que ocorre entre usuários adultosde Saúde Mental, nossa população-alvo tem poucacapacidade de lutar pessoalmente por seus direitos epequena capacidde de produção. Só a mobilizaçãode toda a sociedade pode mudar este quadro. Éimportante notar que as conquistas nesse campo sederam a partir do movimento mundial dehumanização da Saúde Mental e da organizaçãosocial de diferentes setores.

Endereço para CorrespondênciaSQN 211, Bloco J, Apartamento 210, Cep: 70863-100, Brasília - [email protected]

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:1 - Brasil. Leis. Constituição Federal. Brasília 1988.2 - Brasil. Leis. Lei n. 1744 de 8 de dezembro de

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10 - Brasil. Ministério da Saúde. PortariaMinisterial n. 106, de 11 de fevereiro de 2000. Cria osServiços Residências Terapêuticos em Saúde Mentalno âmbito do Sistema Único de Saúde.

11 - Organização Pan-Americana de Saúde.Relatório Sobre a Saúde no Mundo, Brasília: op175,2001.

12- Saggese, E.G. Políticas Públicas e SaúdeMental Infanto-Juvenil: Uma Questão Menor?Caderno do IPUB/Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Riode Janeiro, n.11, 1997.

13- Schechtman, A Política de Saúde Mental naInfância e Adolescência: É Necessária? Caderno doIPUB/Instituto de Psiquiatria da UFRJ, Rio de Janeiro,n. 11, 1997.

14- III Conferência Nacional de Saúde Mental.Pré-Conferência Infância e Adolescência, Rio deJaneiro, 2001.

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